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FEMINICÍDIO: O PODER E A FORÇA MAIS MULHERES

A VIOLÊNCIA DA MULHER EDUCADORAS ANO 17 • VOL. 1


DESENFREADA QUILOMBOLA NA POLÍTICA N. 17 • EDIÇÃO 2019

PUBLICAÇÃO DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO - CNTE

SOMOS
MUITAS.
SOMOS
UMA SÓ.
RESISTÊNCIA É A
PALAVRA DE ORDEM.
AGORA E SEMPRE
32019
1 198014 899441

MARÇO DE 2019 | MÁTRIA | 1


RETRANCA
1
EDITORIAL 33
CNTE ENCARTE TEÓRICO
Todas de mãos ELIZANGELA DE
ANO 17 • VOL. 1 • N. 17 • EDIÇÃO 2019 dadas ALMEIDA SILVA
A relevância
EHENIS EVERE
PERUM ESTE
PERATEM SEQUAM
IDIGENTURE ESSIM
RERNATUR SUM
HITIO QUAM
OCCUS ETUR
ARUMQUI ANDITIO
BEAT LAB IDUNT.
ANO 16 • VOL. 1
das políticas de
promoção da
N. 17 • EDIÇÃO 2019

PUBLICAÇÃO DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO - CNTE

igualdade racial e os
retrocessos gerados
por um governo
SOMOS
MUITAS.
SOMOS

sem direitos e sem


UMA SÓ.
ONECTIBUS DIPSANDI
CON RE VOLUPTAT
ANDANT UNT PLICITE
NDEBIT FUGIT, SAMUSTE
REPTATI ASSUNT

igualdade racial
32019
1 198014 899441

CAPA Bruno Soares

COORDENAÇÃO DA REVISTA MÁTRIA Isis Tavares Neves


(Secretária de Relações de Gênero da CNTE) REPORTAGENS
REDAÇÃO E EDIÇÃO Frisson Comunicação
DIREÇÃO EXECUTIVA Ana Paula Messeder MULHERES NO PODER
JORNALISTA RESPONSÁVEL Katia Maia (Mtb: DF 1708 JP)
EDIÇÃO Beto Cordeiro EDUCAÇÃO É A MELHOR POLÍTICA . . .......................................... ........... 2
REVISÃO Beto Cordeiro, Noel Fernandez, Gisele Fernandes
APOIO Ana Paula Silva
POLÍTICA
REPORTAGEM Amanda Vieira, Kátia Maia
FOTOGRAFIA Arquivo Mátria POUCAS MULHERES, MUITAS DEMANDAS ................................ .......... 16
ILUSTRAÇÕES Bruno Soares
PROJETO GRÁFICO E EDITORAÇÃO ELETRÔNICA
Noel Fernández Martínez ADOLESCÊNCIA
CAPA Bruno Soares
QUANDO A BRINCADEIRA DE BONECA VIRA OBRIGAÇÃO . . ...... ......... 23
COLABORAÇÃO Ana Paula Silva
IMPRESSÃO Gráfica Dallas
TIRAGEM 15 mil exemplares EMPODERAMENTO
SOU MULHER, SOU QUILOMBOLA E TENHO O PODER! .............. ......... 30

VIOLÊNCIA
DO LUTO À LUTA . . ................................................................................. 40
SRTVS, Q. 701, Conjunto L, No 38, Bloco 1, Salas 622 e 624
Ed. Assis Chateaubriand, Brasília-DF, CEP: 70340-906
Fone: (61) 3964-8104 | www.frisson.com.br | atendimento@frisson.com.br RESISTÊNCIA
NÃO É MIMIMI ........................................................................................ 48
MÁTRIA: a emancipação da mulher / Confederação Nacional dos Trabalhadores em
Educação (CNTE) – ano 17 (mar. 2019/mar. 2020– Brasília: CNTE, 2003- DIVERSIDADE
Anual


ISSN 1980-8984
UM DIA PARA TODO O TIPO DE FAMÍLIA . . ................................... ......... 56
1. Direitos da mulher. 2. Gênero. 3. Feminismo. I. Título. II. Confederação
Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE).

CDD 305.42
CDU 396(05) 58 59 60
Bibliotecária: Cristina S. de Almeida CRB 1/1817
GIRO INTERAGINDO SUGESTÕES DE ATIVIDADES

ARTICULISTAS
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14 28 54
VANJA GABRIELA YAMILE
SANTOS SANCHO MENA SOCOLOVSKY
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A CNTE autoriza a reprodução do conteúdo desta revista com a devida citação da fonte.
Mulheres brasileiras Trabalhadoras Uma maré verde que
e o pacto patriarcal da educação nos constrói liberdade
institucionalizado: momentos de
Recuos e desafios resistência: um olhar
sobre o interior de
nossas organizações

2 | MÁTRIA | MARÇO DE 2019


EDITORIAL

Todas de mãos dadas


D e repente, com a virada do ano, uma chave invisível também virou o mundo, quer dizer, esse
nosso mundo chamado Brasil. Nosso país deu uma guinada de 180° e, sob nova direção, parece
ter voltado para trás, a um tempo em que “menino veste azul e menina veste rosa”; pelo menos
nas palavras da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves. Uma decla-
ração que, aliás, suscitou um dos nossos piores temores: será que o medo, enfim, venceu a esperança?
É muito grave o que acontece no nosso país. Não podemos legitimar as atrocidades e o avanço
do conservadorismo que acontecem todos os dias em suas várias expressões, com apatia e silêncio.
Nesta edição, Mátria renova as esperanças e conclama mulheres e homens para ir à luta pelos
seus direitos de existir, de pensar livremente, de conquistar a igualdade, a equidade e o respeito. Não
ao retrocesso, ao preconceito e ao fascismo foram palavras gritadas antes, durante e depois das urnas.
E são repetidas nas páginas que se seguem, ditas por mulheres corajosas, como as nossas represen-
tantes na política, nos quilombos, nas salas de aula, na indústria e no comércio. Todas de mãos dadas
pela resistência, pelo avanço das conquistas e pelo orgulho de ser mulher. E ninguém solta a mão.
Mátria mostra que as mulheres estão cada vez mais presentes na agenda política. As presidentes
do PT e do PCdoB fazem uma avaliação da conjuntura, professoras e sindicalistas eleitas dão uma aula
de política e cidadania, e a governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT), única mulher
eleita para o cargo executivo nesta eleição. Em entrevista exclusiva, a governadora fala de educação,
da conjuntura atual do Brasil e de diversos outros assuntos.
A Revista apresenta ainda artigos contundentes, como a defesa da igualdade racial feita pela
mestra em Educação e Políticas Públicas Elizangela Silva; ou a tomada de posição pela igualdade de
gêneros, debatida na Internacional da Educação para a América Latina, e apresentada aqui pela costa-
-riquenha mestra em Pedagogia Gabriela Sancho Mena; ou pela também latino-americana, a argentina
Yamile Socolovsky, que não teve medo de botar o dedo na ferida da questão da legalização do aborto.
As páginas de Mátria também trazem tristes histórias de mulheres que foram mortas, violentadas
e vitimadas por uma sociedade que ainda teima em lhes virar as costas. É um grito de socorro contra
essa estatística violenta, que não livra a cara – muito menos o corpo – nem de meninas; como é o caso
da pequena Soraya (nome fictício) que, aos 13 anos foi abusada por um traficante e está grávida.
Gravidez na adolescência é outro tema presente nesta edição, em matéria repleta de histórias de
superação e relatos emocionantes. As famílias modernas também mereceram destaque na matéria
que fala da diversidade. A começar pelas celebrações como o Dia da Família.
Mais do que nunca, a hora é agora de disseminar a Mátria dentro das escolas, como um instru-
mento para estimular o debate sobre direito e igualdade de gênero, democracia e um mundo com
igualdade de oportunidades para todos e todas. Existimos, resistimos e não nos deixaremos vencer
pelo medo que paralisa e nos faz submissas. Pois, como nos diz Paulo Freire, devemos sempre "lutar
para fazer melhor". E o medo desses velhos novos tempos com a ousadia de vencê-lo e transformá-lo
em luta, nos move sempre em frente. Boa leitura!

Diretoria Executiva da CNTE

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MULHERES NO PODER

4 | MÁTRIA | MARÇO DE 2019


Educação
é a melhor política
Do legislativo ao executivo, as professoras
eleitas assumem o compromisso de
resguardar os direitos conquistados
para a educação pública brasileira

N as eleições de 2018, os trabalhadores em educação foram protagonistas


da luta pelo ensino público de qualidade e contra os retrocessos que as
reformas educacional, trabalhista e do teto de gastos (Emenda Cons-
titucional 95) representam para o país. Ao conquistarem cargos no legislativo
e no executivo, as professoras eleitas se comprometem a manter os direitos
conquistados e não abrir mão de buscar mais valorização para a categoria.
Para traçar um panorama dos principais desafios na área da educação,
a Revista Mátria conversou com as professoras Fátima Bezerra (PT), eleita
governadora do Rio Grande do Norte, com as deputadas federais Marcivâ-
nia Rocha Flexa (PCdoB/AP) e Rosa Neide (PT/MT), e com as deputadas
estaduais Maria Izabel Noronha – a Bebel (PT/SP), Teresa Leitão (PT/
PE) e Beatriz Cerqueira (PT/MG). Confira a seguir a trajetória política,
as reflexões e as propostas de cada uma dessas professoras eleitas.

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Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado MULHERES NO PODER

Governadora Fátima A sua formação como professora para melhor, o futuro de milhares de
Bezerra (RN) colaborou de alguma maneira para outras crianças nordestinas. Partici-
Nascida em Nova Palmeira ocupar esses espaços de poder? pei da fundação da Associação dos
(PB), Fátima Bezerra é professora A minha formação com cer- Orientadores Educacionais, integrei a
e pedagoga. Na discussão da Pro- teza colaborou, na medida em que diretoria da Associação dos Professo-
posta de Emenda à Constituição não se tratou de uma formação res e ajudei a fundar o Sindicato dos
(PEC) do Fundo de Manutenção meramente acadêmica, mas de Trabalhadores em Educação Pública
e Desenvolvimento da Educação uma formação para o exercício da (Sinte/RN), que tive a honra de presi-
Básica e de Valorização dos Pro- cidadania, de uma cidadania ativa, dir por duas gestões.
fissionais da Educação (Fundeb), baseada na livre associação dos tra- No sindicato, percebemos que
propôs a criação do Piso Salarial balhadores por meio dos sindicatos nossas lutas e reivindicações encon-
do Magistério, que deu origem à Lei e partidos políticos. travam pouco eco nos parlamentos
11.738/08. Fátima foi a única mulher Migrante nordestina, nasci e municipais, estaduais e no Congresso
eleita governadora, no país, em cresci em uma família pobre, sentindo Nacional, justamente pela ausência
2018, recebendo mais de 1 milhão de na pele as marcas da exclusão no meu de representantes dos trabalhadores
votos, ou 57,60% dos votos válidos. dia a dia. Por isso, quando professora, nos espaços institucionais. Sentimos,
A sua trajetória política é rara: pro- aliei-me à luta orgânica da categoria, então, a necessidade de disputar
fessora, exerceu cargos políticos em defesa da educação pública e esses espaços e muitos de nós deci-
em sindicatos, no legislativo do Rio da valorização dos profissionais da dimos participar da construção do
Grande do Norte, foi deputada fede- educação, por entender que a educa- Partido dos Trabalhadores (PT) no
ral, senadora e agora governadora. ção é instrumento capaz de mudar, Rio Grande do Norte.

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espírito público não nos faltarão não parece apontar para um cami-
para corresponder à confiança do nho diferente daquele iniciado por
meu querido povo potiguar. Michel Temer e Mendonça Filho.
Como a senhora avalia a atual con- Pelo contrário, parece que teremos o
juntura política que o país está aprofundamento de uma agenda de

Sei que atravessando, no que diz respeito


à educação?
desmonte da educação pública.
Como enfrentar os projetos que

os desafios É uma conjuntura muito


difícil. Se em 2014 aprovamos
visam criminalizar movimentos
sociais?

são gigantes por unanimidade no Congresso


Nacional um ousado PNE [Plano
Estamos diante da criminali-
zação crescente, não apenas dos

especialmente Nacional de Educação], com a


meta de investimento de 10% do
movimentos sociais, mas também
de ideias, valores, identidades,

neste quadro PIB em educação, a partir de 2016


passamos a vivenciar retrocessos
culturas e costumes. Nos dias de
hoje, se alguém defende o lema

histórico que inimagináveis, como a aprovação


da Emenda Constitucional 95, que
da Revolução Francesa no Brasil
se torna um inimigo interno, uma

vivemos. impede o crescimento real dos


investimentos públicos durante
suposta ameaça comunista. E
embora haja ignorância, há quem
20 anos e anula, também, por duas opere essa ignorância de modo
décadas, a vinculação constitucional estratégico, para tornar possível um
dos recursos destinados para projeto de poder autoritário e dura-
educação e saúde; a aprovação douro, que não tolera conviver com a
Hoje, depois de aproximada- da reforma autoritária do ensino democracia e busca eliminar as opo-
mente quatro décadas de lutas, médio, que avança na precarização e sições. O projeto apelidado por eles
o PT, representando as forças de privatização do ensino; a aprovação de Escola sem Partido, mas que pre-
perfil popular e progressista, terá a da reforma trabalhista, que também ferimos chamar de Lei da Mordaça
oportunidade de, pela primeira vez, provoca efeitos perversos na área é um exemplo disso. Assim como a
governar o estado do Rio Grande da educação, em especial no âmbito Nova Base Comum Curricular, apro-
do Norte, com uma professora do ensino privado; a tentativa vada em 4 de dezembro de 2018, pelo
proveniente das classes menos favo- de eliminação da aposentadoria Conselho Nacional de Educação, e
recidas, interrompendo um ciclo de especial do magistério via reforma que definiu apenas as matérias de
uma cultura oligárquica que impe- previdenciária; o enfraquecimento português e matemática como obri-
rava no estado há mais de 60 anos. dos instrumentos de participação gatórias para o Ensino Médio é outra
Acredito que nossa trajetória como social na elaboração e implemen- decisão absurda, que vai na contra-
professora, dirigente sindical, parla- tação das políticas educacionais; e mão da evolução que estávamos
mentar, sempre pautada pela ética, as ameaças à liberdade de ensino e apresentando até agora.
seriedade, dedicação e compromisso aprendizagem, contidas em projetos A história nos ensina que o
com as demandas populares, pavi- de lei apresentados nas Câmaras único caminho para enfrentar a
mentou a estrada que nos trouxe até Municipais, Assembleias Legislati- criminalização dos movimentos
aqui. Sei que os desafios são gigan- vas e no Congresso Nacional. sociais é a construção de uma
tescos, especialmente neste quadro Transitamos de uma agenda posi- frente ampla em defesa da demo-
histórico que vivemos, mas reafirmo tiva para uma agenda extremamente cracia e dos direitos sociais. E
com toda a intensidade: empenho e negativa, e o governo Bolsonaro quando eu falo em frente ampla

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MULHERES NO PODER

significa que essa frente não pode o Fundeb permanente, vinculado


se restringir à esquerda tradicio- à implementação do Custo Aluno
nal. É preciso unificar movimentos Qualidade e ampliando, de 10 para
sociais, associações, sindicatos, 50%, de forma gradativa, a partici-
organizações não governamentais, pação da União no financiamento
partidos políticos de esquerda e de da educação básica. Há também
centro, setores progressistas das outras iniciativas nesse mesmo
mais diversas religiões, intelec- sentido, em tramitação na Câmara
tuais, juristas, artistas e lideranças dos Deputados. O fato é que, se
diversas em defesa das liberdades nada for feito, corremos o risco de
democráticas. testemunhar, no futuro próximo,
Também é preciso construir o fim do principal instrumento de
uma rede de solidariedade inter- financiamento da educação básica
nacional, capaz de amplificar as e de valorização dos profissionais
denúncias de violações de direi- do magistério público que o país já
tos humanos nos mais diversos teve. De modo que a luta em defesa
recantos do mundo, de modo a do Fundeb permanente deve ser
produzir pressão externa em encarada com a devida prioridade
defesa dos tratados dos quais o no próximo período.
Brasil é signatário. Por essa razão, incluí o tema
Tudo indica que teremos cortes na agenda das prioridades do
nos investimentos em educação- Fórum dos Governadores do Nor-
Como isso vai afetar o Fundeb e a deste Temos que fazer um grande
Lei do Piso? movimento nacional, em 2019, para
Tudo indica realmente que garantir esse novo Fundeb, forte e
teremos mais cortes, porque na permanente.
verdade o corte estrutural se Como cumprir as metas do Plano
deu com a aprovação da Emenda Nacional de Educação?
Constitucional 95/16. Felizmente, o O Fundeb agrega um conjunto de
Fundeb ficou fora do teto de gastos, metas e estratégias que sintetizam
e é justamente esse fundo, no qual nossos desafios na área da educação,
se insere o mecanismo de comple- como a expansão do acesso à educa-
mentação da União, que permite o ção infantil, a valorização salarial do Por isso mesmo, quando estava
cumprimento da Lei do Piso. magistério, a expansão da educação em debate a proposta que deu
Mas a vigência do Fundeb se em tempo integral, a implementação origem à Emenda Constitucio-
encerra em 2020. Dada a impor- de um padrão mínimo de qualidade nal 95, que é parte integrante da
tância desse instrumento para através do Custo Aluno Qualidade e política de austeridade do atual
a sustentabilidade da educação do Sistema Nacional de Educação, governo, alertamos que a EC 95 sig-
básica, nos antecipamos e, como mas o cumprimento de todas essas nificava a morte do Plano Nacional
relatora, na CCJ do Senado, da metas está vinculado ao cumpri- de Educação, uma vez que o cum-
PEC 24/17, de autoria da senadora mento da Meta 20, que estabelece a primento das metas e estratégias
Lidice da Mata, apresentei meu aplicação de 10% do PIB em educa- do PNE depende da ampliação dos
parecer favorável, propondo tornar ção até 2024. investimentos em educação.

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Transitamos de uma
agenda positiva para outra
extremamente negativa
e o governo Bolsonaro
não aponta para um
caminho diferente.

Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

Sendo assim, para que possa- econômico, reduzir as desigualda- arrumar a casa, organizar as contas,
mos recuperar o tempo perdido e des e preservar, através de políticas pagar o funcionalismo em dia.
perseguir as metas do PNE, faz-se de Estado, os direitos sociais. É desesperador para um
necessário revogar a emenda Quais são os principais planos para professor ou uma professora da
do teto de gastos e abandonar o a educação no Rio Grande do Norte? rede pública, responsável pelo
paradigma econômico neolibe- O Rio Grande do Norte vivencia sustento de sua família, sair para
ral em benefício de uma política uma grave crise fiscal, com parte trabalhar sem saber quando
econômica de caráter desenvolvi- significativa de sua receita compro- vai receber seu salário, quando
mentista, vinculada a um projeto metida com a folha de pagamento poderá pagar suas contas, quando
de desenvolvimento nacional que dos servidores. Então nosso pri- poderá fazer a feira do mês. Não
busque ampliar o crescimento meiro desafio não pode deixar de ser podemos deixar de enfrentar

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MULHERES NO PODER

esse legado negativo e de buscar Governadores, como já falei, pois sem será interrompido com a transição
incessantemente superá-lo o mais educação de qualidade não chegare- governamental. Ao contrário, esse
rapidamente possível. mos a lugar algum. projeto tende a ser aprofundado,
Mas temos muitos outros Como resguardar os direitos dos uma vez que o próximo governo,
desafios na área da educação que trabalhadores em educação diante diferentemente do governo Temer,
vão além da questão da valori- dessa conjuntura? foi legitimado pelas urnas.
zação profissional. As reformas Eu diria que a principal ameaça Se levarmos em considera-
educacionais em curso – refiro-me aos trabalhadores em educação ção que as políticas públicas são
à reforma do ensino médio, à Base neste momento é a tentativa de fundamentais para reduzir as desi-
Nacional Comum Curricular do interdição da liberdade de ensino gualdades de gênero, enfrentar
Ensino Médio em debate no CNE, e aprendizagem, da pluralidade de a violência contra as mulheres e
à atualização das Diretrizes Cur- concepções pedagógicas, da liber- fomentar trajetórias de emancipa-
riculares Nacionais para o Ensino dade de expressão, sob o pretexto de ção, chegaremos à conclusão de que
Médio – trazem desafios imensos se combater um suposto processo de os desafios serão ainda maiores no
para os sistemas de ensino. doutrinação ideológica nas escolas. próximo período.
Teremos de explorar os limites da Portanto, será necessário mais do No ranking da violência, o Rio
autonomia dos sistemas de ensino e que nunca combinar a luta institucio- Grande do Norte se apresenta como
das unidades escolares para impedir nal com a mobilização da sociedade. o estado mais violento do país,
que haja ainda mais precarização. Estão tentando transformar os pro- segundo os dados do Fórum Brasi-
Mas, principalmente, nosso foco fessores em inimigos internos que leiro de Segurança Pública. O número
será realizar as metas do Plano Esta- devem ser patrulhados e punidos de agressões contra a mulher é alto
dual de Educação. Para isso, faremos pelo simples fato de manifestarem também. De 149 homicídios em 2017,
a ponte entre o governo federal e as sua opinião sobre determinados 23 foram caracterizados como femini-
prefeituras, no sentido de apoiá-las temas suscitados em sala de aula, sus- cídio. Nós só temos quatro delegacias
na ampliação da oferta de creches. citados muitas vezes pelos próprios de atendimento à mulher (Deam),
De nosso lado, ampliaremos também estudantes. E querem tirar do aluno que ainda assim funcionam precaria-
o ensino em tempo integral; faremos o direito a formar um pensamento mente. Da mesma forma, a Patrulha
a reestruturação do ensino médio crítico, a debater sobre a diversidade Maria da Penha. O estado, pasmem,
associada ao ensino técnico e pro- e aprender a respeitar as diferenças. não tem sequer uma casa abrigo
fissionalizante; promoveremos a Isso cria uma cortina de fumaça para acolher as mulheres vítimas
valorização dos profissionais de edu- que oculta os verdadeiros problemas de violência. É uma realidade muito
cação, com o cumprimento do piso da educação e torna as escolas ainda dura que teremos que enfrentar. Por
salarial e as políticas de formação e menos atrativas para os estudantes, essa razão, já anunciei a criação da
trabalharemos pelo fortalecimento uma vez que elas deixam de ser espa- Secretaria das Mulheres, Cidadania e
da Universidade Estadual do Rio ços do livre pensar e da construção Direitos Humanos, que vai desenvol-
Grande do Norte. dialógica do conhecimento para ver, de forma integrada com outras
Nesse sentido, volto a lembrar, é se tornarem espaços de censura e secretarias, ações para garantir o
essencial fortalecer o Fundeb e torná-lo interdição. funcionamento da rede de proteção e
permanente, para que estados e muni- Quais são os principais desafios em promoção dos direitos das mulheres.
cípios, principalmente os do Nordeste, relação aos direitos das mulheres Para tanto, é necessário fortalecer
possam cumprir as metas municipais como um todo (saúde, segurança, o processo de organização política das
e estaduais do Plano Nacional da Edu- trabalho e previdência)? mulheres, a fim de avançar na agenda
cação. E é isso que colocamos entre as Estamos diante de um pro- que diz respeito à promoção e defesa
principais prioridades do Fórum de jeto de Estado mínimo que não dos direitos das mulheres.

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PROFESSORAS
NO LEGISLATIVO
Deputada Federal Marcivânia por 20 anos vai prejudicar a educação. O plano
Rocha Flexa (AP) do governo é extremamente liberal, com uma
A professora Marcivânia recebeu mais de proposta de encolhimento do papel do Estado.
140 mil votos e foi reeleita deputada federal Nesse contexto, a educação vai ser um alvo
pelo Amapá, com 3,89% dos votos válidos. A constante e vai ter ainda uma tentativa de
deputada se posicionou com afinco contra a diminuir ainda mais os investimentos para
aprovação do Teto de Gastos (Emenda Consti- universidades.”
tucional 95), que instituiu o congelamento de Piso Salarial - “Não tenho muito esperança
investimentos públicos e integra a Comissão de que a gente vá ter avanços. Temos um piso
de Educação (CE) – na qual defende a valori- salarial dos professores que é um dos meno-
zação dos profissionais aliada a uma educação res, a gente só conseguiu isso em 2008 e agora,
pública, gratuita e de qualidade. 10 anos depois, enfrentamos o PLS 409/2016 ,
Investimentos - “Como titular da Comis- do senador Dalírio Beber (PSDB-SC), que quer
são de Educação, nesses quatro anos tivemos flexibilizar a regra de reajuste anual de pisos
um trabalho bem significativo de avanços mas, salariais. Ou seja, vai acabar com o piso. Há
infelizmente destoa do que a gente tem conse- uma tentativa de retirar os avanços que con-
guido em plenário, onde enfrentamos muitas seguimos a duras penas”.
barreiras. O congelamento de investimentos Escola com Liberdade - “O Projeto da
Escola sem Partido é inconstitucional (projeto
foi arquivado em dezembro de 2018, mas pode
voltar para a pauta). Quando você interfere
na liberdade de cátedra você está afetando a
liberdade de expressão. O que é mais temeroso
nesse projeto é essa relação entre professor e
aluno, que sempre foi muito fraterna. Fui pro-
fessora por 25 anos e nesses anos eu só tenho
boas recordações dos meus alunos e ativida-
des em sala de aula. Eu temo que esse projeto
vá criar uma insegurança, uma desconfiança,
uma postura de denuncismo entre alunos e
professores. Então, temos grandes desafios
na próxima legislatura”.
Ensino à distância - “Outro desafio é essa
proposta que fala em educação à distância
para o ensino fundamental. O conhecimento
Foto: Renato Alves

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MULHERES NO PODER

também é construído nas relações entre alunos desigualdades. Foi professora da rede pública
e professores. A gente não pode criar dois de ensino da educação básica, trabalhou por
conjuntos de pessoas — uma que tem direi- 35 anos, desde a alfabetização de crianças até
tos, escola presencial, e outra que tem menos o ensino superior.
direitos, com condições diferentes. Temos que Cumprir a lei - “O maior desafio é manter
tentar brecar essa proposta de ensino funda- a educação nos patamares que conseguiu
mental à distância, porque a gente sabe que vai chegar. Participarei nas comissões com foco
afetar a qualidade de ensino”. em educação, e do Plano Nacional de Educa-
Diálogo - “Precisamos dialogar com a ção, que foi fruto de discussão e negociação em
sociedade, sensibilizar as pessoas para entra- muitos municípios do Brasil. A gente deve fazer
rem nessa luta conosco. Espero que a gente cumprir o que a Lei estabelece, principalmente,
possa conquistar mais gente para lutar pela para os profissionais. A educação brasileira
educação pública de qualidade. Todos os países prevista em Lei é laica, ensino público obri-
que querem desenvolvimento investem em gatório dos quatro aos 17 anos, presencial, no
educação, ciência e tecnologia. Nosso desa- qual os alunos vão pra escola e os professores
fio mais amplo é lutar, resistir e não permitir têm liberdade de cátedra. E nós como parla-
retrocessos”. mentares devemos ficar atentos ao ensino,
avançando em todas as discussões que possam
Deputada Federal preservar a educação pública brasileira”.
Rosa Neide (MT) Carreira e formação - “No estado do Mato
Única mulher eleita deputada federal pelo Grosso, os profissionais da educação têm car-
Mato Grosso. Candidata ao cargo pela primeira reira única, têm direitos assegurados, com
vez, a professora Rosa Neide Sandes tem uma crescimento e direito a formação profissional.
longa história de luta pela educação e contra as O exemplo de Mato Grosso pode ser referên-
cia para todo país. O principal é manter o piso
nacional que os professores conquistaram e
não podemos perder. Já me coloquei à dispo-
sição da CNTE, já participei de reuniões e serei
guardiã dos direitos tanto no ensino básico
como no superior. As nossas conquistas foram
importantes e só faremos isso se todos estive-
rem juntos”.
Foto: Divulgação

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Deputada Estadual partir de propostas formuladas pelo Fórum
Professora Bebel (SP) Estadual de Educação (do qual participam 75
Eleita com mais de 87 mil votos válidos, entidades). O PEE apresenta soluções imedia-
Maria Izabel Noronha, a Bebel, é presidenta tas e estruturais para os principais problemas
da Associação dos Professores do Estado de da educação no estado de São Paulo, como con-
São Paulo (Apeoesp) e foi professora efetiva de dições de trabalho e de ensino-aprendizagem,
Língua Portuguesa da rede pública estadual acesso e permanência dos estudantes, valori-
paulista. Foi membro do Conselho da Cidade zação dos professores, financiamento, gestão
de São Paulo, nomeada pelo então ministro democrática e outros. Mas é necessário que o
da educação Fernando Haddad e do Conselho Estado assegure a ampliação do financiamento
Nacional de Educação (2006-2014), onde exer- da educação, que hoje vem sendo prejudicado,
ceu a Vice-Presidência da Câmara de Educação entre outras razões, pela política de renúncia
Básica (2012-2014). fiscal praticada pelos governos do PSDB”.
Plano Estadual de Educação - “São Financiamento – “Desde 2002, o Estado
muitos os desafios a enfrentar, diante do novo deixou de arrecadar mais de R$ 275 bilhões.
governador João Doria (PSDB), cuja política Para 2019, a previsão é de uma perda de mais
educacional é uma incógnita. Na campanha, R$ 6,1 bilhões. Vou trabalhar pelo fim dessa
assumi um compromisso com o magistério, política e, ainda, para que se estudem novas
com os estudantes e com os movimentos possibilidades de aumento das verbas desti-
sociais de realizar um mandato popular, vol- nadas à educação”.
tado para a causa da educação pública de Criminalização de professores – “Outro
qualidade, inclusiva, laica, para todas e todos. desafio é impedir que avance a criminalização
Assim, terei como uma das principais priori- dos professores, que vêm sendo constrangidos
dades trabalhar pela implementação integral por integrantes do movimento denominado
do Plano Estadual de Educação, aprovado em ‘Escola Sem Partido’. Uma das minhas primei-
junho de 2016, na Assembleia Legislativa, a ras medidas como deputada será propor um
projeto de lei para impedir censura, assédio e
perseguição a professores e estudantes nas
escolas paulistas. A Constituição assegura
liberdade de ensinar e aprender e a diversidade
de ideias e concepções pedagógicas e vamos
fazer valer esses princípios”.
Cumprimento do Piso - “Creio que será pre-
ciso muita mobilização. Em primeiro lugar, o
Governo do Estado de São Paulo tem que cum-
prir a legislação. O salário-base dos professores
da rede estadual de ensino está 10% abaixo do
Piso Salarial Profissional Nacional (PSPN). A
Apeoesp venceu ação judicial em todas as ins-
tâncias, determinando que o Estado reajuste os
salários em 10,15% para todos os professores e
também para diretores, vice-diretores, super-
visores de ensino e até dirigentes de ensino.
Foto: Divulgação Apeoesp

MARÇO DE 2019 | MÁTRIA | 13


MULHERES NO PODER

O Governo do Estado conseguiu ‘travar’ esse Deputada Estadual


pagamento no Supremo Tribunal Federal. Teresa Leitão (PE)
Estamos lutando para que este pagamento se Teresa Leitão luta por mais educação,
efetive imediatamente”. pelos direitos das mulheres, por incentivo à
Cumprimento de metas do PEE - “O cultura e na proteção da juventude. Tem forte
estado de SP também precisa cumprir a Meta ligação com movimentos sociais e as causas
17 do Plano Estadual de Educação (PEE), que coletivas do povo pernambucano. Iniciou sua
determina a equiparação dos salários dos carreira profissional na rede pública estadual
professores com a média salarial dos demais de ensino, em 1975. É Presidente da Comissão
profissionais com formação de nível superior. de Educação e Cultura da Assembleia Legisla-
A Meta 18 do PEE, estabelece que o estado tiva de Pernambuco.
deverá elaborar, para a rede estadual de ensino, PNE e BNCC - “Após a eleição de Bolsonaro,
um novo plano de carreira para os profissio- a educação certamente será alvo de muitos
nais da educação com critérios de evolução e ataques e retrocessos. A indicação do Minis-
promoção que reconheçam e valorizem seu tro da Educação e suas primeiras declarações,
trabalho e sua experiência, tendo como obje- além da ênfase na pauta da chamada “Escola
tivo a qualidade do ensino. O próprio PEE sem Partido”, já nos indicam o tamanho dos
enumera uma série de dispositivos que devem desafios que teremos. Pretendo ser uma voz
fazer parte da carreira, entre eles a instituição permanente na defesa do legado do PT na área
forma gradual da jornada de trabalho de, no educacional, pontuando os avanços conquis-
máximo, 40 (quarenta) horas semanais de tra- tados. Em particular, dar ênfase à educação
balho, preferencialmente em tempo integral, pública como direito de todos e de todas e dever
assim como prever Regime de Dedicação Plena do Estado. Neste aspecto, torna-se relevante o
e Exclusiva por meio de incentivos incorporá- debate sobre a implementação do Plano Esta-
veis aos salários”. dual de Educação (PNE) e a regulamentação da
Foto: Alepe

14 | MÁTRIA | MARÇO DE 2019


Base Nacional Comum Curricular (BNCC) no Para a deputada, há um desafio cons-
âmbito do estado. Lutar em favor dos pontos tante que é a disputa de representatividade
cruciais da política de educação, tais como: enquanto educação e enquanto classe tra-
gestão democrática, valorização profissional, balhadora: “Estamos diante de parlamentos
financiamento da educação”. conservadores e com parlamentares fascistas.
Ajustes no Plano de Carreira - “Pernam- A violência e a mentira como formas de fazer
buco tem um Plano de Cargos e Carreira política estão no Parlamento hoje. Então, o
aprovado em lei, desde 1998, para todo o quadro desafio é o da resistência para impedir que
da educação. Do ponto de vista conceitual é propostas de privatização, de terceirização,
bem avançado e foi pensado para promover de desconhecer a escola como lugar da diver-
a valorização profissional, por meio do pleno sidade de inclusão possam prosperar. Não é
desenvolvimento na carreira. Hoje, este plano a mesma conjuntura, não enfrentamos isso
precisa ser destravado, assegurando-se as pro- antes. É preciso ter consciência, fazer um bom
gressões por titulação e por desempenho de diagnóstico disso”.
maneira contínua e periódica conforme a lei. Luta de classes - Beatriz Cerqueira reforça
É preciso promover alguns ajustes no próprio que é preciso construir pontes de diálogo com
Plano de Carreira que sofreu alterações nos o povo e transformar a pauta da educação
últimos anos. E, finalmente, lutar para que na pauta de luta da sociedade: “Sem isso, não
os governos entendam e pratiquem que piso avançaremos e retrocederemos muito. Edu-
salarial e planos de carreira são duas políticas cação é uma disputa estratégica. Os governos
interligadas para a valorização profissional”. estão fazendo essa disputa com pautas de
terceirização, privatização e o projeto da Lei
Deputada Estadual Beatriz da Mordaça. Cabe às forças progressistas em
Cerqueira (PT/MG) nosso país fazerem a mesma disputa. Educa-
“O parlamento precisa ser um lugar de ção é discussão de classe, não de categoria”.
representatividade. Somos a maior categoria
do funcionalismo público nos municípios e
nos estados, mas costumamos nos dispersar
e desconectar a nossa luta desta disputa de
representatividade”, defende a professora
Beatriz Cerqueira. Engajada na luta pela edu-
cação, a professora Bia, como é mais conhecida,
foi eleita deputada estadual em Minas Gerais
com 96.824 votos, após longa trajetória como
diretora do Sind-UTE/MG por três mandatos,
além de ocupar a presidência CUT/MG em 2012.
Foto: Divulgação

MARÇO DE 2019 | MÁTRIA | 15


ARTIGO

Vanja Santos
Presidente nacional da União Brasileira de Mulheres (UBM), formada em Filosofia, acadêmica do curso
de direito, membro do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), membro do Conselho Nacional
de Saúde (CNS), presidente da Câmara Técnica de Monitoramento de Políticas Públicas do CNDM

Mulheres brasileiras e o pacto patriarcal


institucionalizado: Recuos e desafios

E m 2014, na guerra ideológica entre direita


e esquerda, deu-se início a pregação, pela
direita, do voto nulo e a desconstrução
da participação popular na política brasileira.
A direita alimentou afirmativas, como: Dilma
da luta feminista do enfrentamento à violência
doméstica silenciosa.
O Brasil ocupa a alarmante posição de 5º
lugar na ocorrência de feminicídios, segundo
a OMS. A necessidade de outro olhar acerca do
não ganha, se ganhar não será empossada, se assassinato de mulheres resultou na Lei do Femi-
empossada não chegará ao fim do mandato. Ao nicídio, criada há três anos. Uma palavra nova
perder, a direita não reconheceu a reeleição de para uma prática antiga, crime de ódio, que mata
Dilma e passou a trabalhar na desconstrução a mulher por ser mulher.
da decisão popular. Suas maiores investidas Nas leis trabalhistas, direitos como descanso
foram na imagem de Dilma enquanto mulher: antes do início de hora extra, licença-maternidade
charges incitando o estupro, definindo-a como de seis meses, repouso após aborto natural, direito
desequilibrada, grosseira e comandada por a aposentar-se cinco anos antes dos homens, são
homens, comparando-a à Medusa de Carava- conquistas movidas por muita luta das mulheres.
ggio. Ou seja, o machismo definindo o poder A participação política da mulher foi forjada
como uma habilidade masculina. A partir por meio de políticas afirmativas oriundas de
desse momento foi se naturalizando o ataque debates em conferências internacionais como a
às mulheres. Tudo dentro da perspectiva de Beijing(1995) que construiu uma plataforma
machista. Nesse contexto, Bolsonaro se colo- de ação internacional no sentido de consolidar
cou, alinhado à estratégia machista de tomada os direitos das mulheres por meio da igualdade,
do poder e servindo à aniquilação da demo- desenvolvimento e paz. A política de cotas para
cracia. Junto a ele foi acionada uma máquina disputa eleitoral e mais recentemente a desti-
de líderes políticos, jornalistas, empresários e nação de fundo partidário para formação de
marqueteiros numa grande rede de expressão mulheres, tempo de TV e fundo eleitoral para
do ódio em forma fascista. campanhas femininas, buscando ampliar a
participação no parlamento. Somos mais da
Mulheres e a luta por políticas metade da população e trazemos conosco toda
públicas – para onde caminhamos? uma carga cultural patriarcal que nos dificulta
As políticas públicas de Estado voltadas o acesso à participação política.
para a mulher sofrem ameaça à sua existência, Desde a posse do atual presidente, temos
sobretudo ao avanço de leis como a Maria da sinalizações claras de que muita coisa mudará.
Penha, uma grande vitória da luta das mulheres, Sua plataforma eleitoral, defendida apenas

16 | MÁTRIA | MARÇO DE 2019


em redes sociais, e seu discurso de posse que da corte” vão junto com Bolsonaro, tomando
declarou que “libertará o país do socialismo e medidas de desmonte do país. Como nos movi-
da inversão de valores, do gigantismo estatal e do mentar de forma estratégica? É importante fazer
politicamente correto”, demonstram a discordân- algumas reflexões e autocríticas. Não reflexões
cia à PEC das domésticas, que deu às mulheres, motivadas pelo o que a direita e os conservado-
em sua maioria negras, direitos como o limite da res falam dos partidos e dos movimentos. Mas,
jornada de trabalho, carteira assinada e FGTS. uma reflexão sobre o quanto a elite brasileira
Essa medida de reconhecimento da profissão e achou que perdeu no período de governo de
garantia de direitos, produziu na classe média esquerda e o quanto fez para retomar o posto de
um sentimento de indignação e de perda do poder alinhando ódio, conservadorismo e falsa
direito a uma escrava doméstica. moral. Dessa forma, nada será considerado um
A criação do Ministério da Mulher, da Famí- absurdo, mas parte de um jogo, principalmente
lia e dos Direitos Humanos sinalizou pontos de a manutenção de Lula na cadeia. Uma reflexão
tensão e o alinhamento com uma pauta conser- avaliando nossas reações a cada ação fascista é
vadora e moralizante. O governo da família e um exercício. A extrema direita pensa em per-
dos bons costumes posiciona uma mulher como petuar-se no poder político e nós precisamos
Damares num espaço para estabelecer uma polí- ter a capacidade de entender cada movimento,
tica de desqualificação do papel da mulher, dela buscando trabalhar uma ação para cada con-
própria (mesmo que imperceptivelmente) e das tradição, cada tropeço. O debate tem que ser
políticas em curso. permanente. Estar presente nas bases, levando
Alinha-se a isso a regulação do porte de arma pautas gerais e tratando das específicas aju-
no país, uma bomba social. Afinal, está sendo dará a dialogar mais e melhor. O movimento
regulamentada a instrumentalização da violên- de mulheres cresceu, mas precisamos de muito
cia. Quem lucrará será a indústria do armamento mais. Dar cada vez mais voz às mulheres, fazer
que manteve a bancada da bala no Congresso, da da luta uma empolgante mobilização social.
qual Bolsonaro fez parte. As mulheres poderão ter Tomar as redes sociais e as ruas. Fazer desses
parceiros violentos e armados. Segundo o DATA- dois campos um palco de exposição das contra-
SUS, 1 de cada 2 feminicídios é por arma de fogo. dições e da mobilização de pessoas. Construir
pequenos atos para alcançar melhor a perife-
O papel das mulheres no enfrentamento ria e adequar a nossa presença é importante.
ao machismo institucional A ofensiva da direita apenas começou e pro-
Como encarar essa agenda de retrocesso? mete ser grande e demorada. Nesse momento,
A desesperança tomou espaço. Afinal, após é imprescindível colocarmos em prática a
grandes mobilizações do #EleNão, o presidente máxima: Ninguém larga a mão de ninguém.
foi eleito com toda sua mediocridade. Deu-se
início à política de desmonte do Estado e das
Políticas Sociais, tendo as mulheres como prin-
cipais alvos. Colocaram Damares para nos tirar
do prumo e do foco. As declarações em tons dis-
criminatórios, machistas e circenses tomam
• TIBURI, Márcia. Como conversar com
conta das redes sociais nos obrigando a nos um fascista: reflexões sobre o cotidiano
posicionarmos nesses espaços e nos perdemos autoritário brasileiro (2018). Ed. Record
numa chamada “cortina de fumaça”. Enquanto • BEARD, Mary. Mulheres e poder:
Damares dá uma de “boba da corte”, os “senhores um manifesto (2018). Ed. Crítica

MARÇO DE 2019 | MÁTRIA | 17


POLÍTICA

Poucas mulheres,
muitas demandas
As mulheres representam
52,5% do eleitorado do
país, mas continuam com
pouca representatividade
em cargos públicos

18 | MÁTRIA | MARÇO DE 2019


E m 2018, o Brasil adotou, pela primeira vez, a regra
que obriga os partidos a destinarem ao menos
30% dos repasses de campanha a candidatu-
ras femininas. No entanto, o percentual de mulheres
concorrendo quase não se alterou. Segundo a Justiça
Eleitoral, dentre os candidatos aptos a disputar eleições,
foram registradas 31% de candidaturas femininas (8,11
mil) e 69% masculinas (18,1 mil). Em 2014, foram 28,8%
de candidaturas femininas (6,33 mil) contra 71,2% mas-
culinas (15,65 mil).
Como resultado, a nova legislatura da Câmara dos
Deputados registrou um pequeno aumento: 15% das
cadeiras serão ocupadas por mulheres, em vez dos
10% da anterior (de 51 deputadas para 77). No Senado,
a proporção de mulheres praticamente não se alterou:
15% das vagas será das mulheres (na legislatura pas-
sada eram 16%). São 7 senadoras eleitas e uma vaga de
suplente assumida. Ao todo, a casa terá doze senadoras
dentre os 81, uma a menos que o grupo anterior.

2014 Câmara 2018


Número de mulheres eleitas se
manteve no Senado, mas aumentou 10% 15%
na Câmara e nas Assembleias
462 homens 436 homens
51 mulheres 77 mulheres
Senado
90% 85%
13%

47 homens
2010 e 2018
7 mulheres 2014 Assembleias 2018

87% 11% 13%

homens homens
mulheres mulheres

89% 87%

MARÇO DE 2019 | MÁTRIA | 19


Foto: Renato Alves POLÍTICA

Os movimentos de mulheres
foram ponta de lança nas
questões humanitárias.

É urgente discutir medidas para


assegurar o pleno funcionamento
de todas as unidades dessa institui-
ção”, ressalta Kokay.
Em relação ao avanço das
pautas conservadoras, a deputada
observa que Ideologia de Gênero,
Escola da Mordaça e posse de armas
estarão no centro das discussões
do atual governo: “O estado é laico.
Não aceitaremos posições medie-
A deputada Alice Portugal Casas da Mulher Brasileira (CMB) vais em nenhuma política pública.
(PCdoB/BA) avalia: “É um cresci- de diversos estados da federação Frases de efeito e pauta moral serão
mento muito lento (de mulheres no passam, atualmente, por grave utilizadas à exaustão para encobrir
parlamento) e as desigualdades situação financeiro-orçamentária e as maldades que o presidente
são enormes. Cresceu o número de estrutural. Com isso, muitas mulhe- vai produzir contra os direitos
assassinatos de mulheres negras no res, vítimas de violência doméstica e e conquistas históricas sociais
Brasil, cresceu a desigualdade. Do outros tipos de violação de direitos, e das mulheres. Vamos resistir”,
ponto de vista político, o país conti- deixaram de ser atendidas”. conclama.
nua muito atrasado”. A parlamentar A proposta inicial da Secreta- Na avaliação de Alice Portugal,
pondera que há uma quantidade ria de Mulheres da Presidência da a grande novidade fica por conta
grande de mulheres de orientação República era construir 27 CMB, dos movimentos das mulheres nas
conservadora, ultraconservadora como parte do Programa Mulher ruas. “Elas foram ponta de lança nas
e de extrema-direita: “Isso põe em Viver sem Violência. Atualmente, questões humanitárias, nas ondas
risco os direitos sexuais e reprodu- apenas duas estão em pleno fun- migratórias, exigindo uma legislação
tivos. As mulheres são as primeiras cionamento: Mato Grosso do Sul e que puna as fake news. Mulheres se
a perder com a perda de políticas Maranhão. A de Brasília foi inaugu- organizaram com seus diversos
sociais e o avanço de uma agenda rada em 2015, mas foi interditada, matizes em defesa das liberdades.
conservadora”. três anos depois, por risco de desaba- Se podemos dizer que há uma coisa
Para a deputada federal Erika mento. “É urgente que a CMB esteja nova no mundo, hoje, são os movi-
Kokay (PT/DF), diversas políticas de portas abertas para realizar o mentos de mulheres. Isso nos diz que
para mulheres estão ameaçadas, acolhimento das mulheres víti- uma nova política é necessária, onde
entre elas as ligadas à segurança: “As mas das mais diversas violências. as ruas sejam mais ouvidas”.

20 | MÁTRIA | MARÇO DE 2019


Violência política

Foto: Renato Alves


contra as mulheres
no parlamento e nos
espaços institucionais
Em comemoração aos 12 anos da
Lei Maria da Penha (11.340/2006), a
Procuradoria Especial da Mulher do
Senado, em parceria com a Secretaria
da Mulher da Câmara, debateu a vio-
lência política dirigida às mulheres.
O evento ocorreu no dia 7 de agosto
de 2018 e abordou a falta de espaço
para a representação feminina, que
configura uma situação de violência.
Na ocasião, Erika Kokay desta-
cou que a violência contra a mulher
no exercício da política se dá em diver-
sos espaços, não só no Parlamento.
Para ela, também é preciso que a Diversas políticas estão
mulher saiba lidar com as ditaduras
da perfeição, as quais geram uma ameaçadas, entre elas, as
culpa, que corrói a autoestima. “A
culpa, que vai atingindo as mulheres, ligadas à segurança .
adquire uma dimensão de uma dita-
dura da perfeição, porque elas não
podem errar quando ocupam uma
posição masculina”, concluiu.

Nome social na eleição


Nas eleições de 2018, o Tribunal De acordo com o levantamento transexual para a Assembleia Legis-
Superior Eleitoral (TSE) autorizou o da Associação Nacional de Travestis lativa (Alesp), a ativista negra, edu-
uso do nome social, nas urnas, pelos e Transexuais (Antra), as eleições de cadora e artista Érica Malunguinho
candidatos transgêneros e pelos elei- outubro registraram, pelo menos, 53 (PSol), de 36 anos, que teve mais de
tores. Além disso, mulheres e homens candidaturas de pessoas trans, nú- 55 mil votos. Ao lado dela na próxi-
trans puderam entrar na cota femi- mero dez vezes maior que no pleito ma legislatura da Alesp também es-
nina, que reserva 30% para mulhe- de 2014, quando a organização con- tará a transexual negra Erika Hilton,
res nos partidos. O TSE contabilizou tabilizou cinco postulantes a cargos de 25 anos, co-candidata da Banca-
6,28 mil eleitores com o nome de es- eletivos. O estado de São Paulo ele- da Ativista (PSol), formada por nove
colha impresso no título. geu, pela primeira vez, uma deputada militantes de diversas áreas.

MARÇO DE 2019 | MÁTRIA | 21


POLÍTICA

As presidentas do PT e do PCdoB
analisam a conjuntura
Como é a presença de mulheres dentro dos respectivos partidos? Quais são os principais desafios aos direitos
das mulheres para os próximos quatro anos? Como defender os direitos das mulheres em meio à conjuntura con-
servadora de extrema direita? Com a palavra, Gleisi Hoffmann, presidenta do Partido dos Trabalhadores (PT), e
Luciana Santos, presidenta do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), vice-governadora de Pernambuco.

Gleisi Hofmman violência, criando uma grande rede A conjuntura conservadora


“O PT é um dos poucos parti- de denúncia e solidariedade entre é um desafio que será mais difícil
dos com política afirmativa para a nós. O caráter misógino e violento, ainda, porque o governo que entra
participação das mulheres em suas do presidente eleito, vai estimular está fazendo uma investida contra
instâncias de decisão e estimula isso ainda mais a violência contra a o direito de todos os trabalhadores.
em sua militância. Hoje, 50% dos mulher na sociedade brasileira. E Nessa empreitada, o direito das
cargos dirigentes do PT são compos- ela já é muito violenta. mulheres, que já é menor, vai sofrer
tos por mulheres. Com esta política, mais regressão. Temos que fortalecer
avançamos também nos cargos a luta dos trabalhadores e povo em
representativos. Elegemos a maior
bancada feminina na câmara, 10
Temos que geral, para não termos retrocessos,
e conscientizar os companheiros de
deputadas, e dezenas de deputadas
estaduais, vices-governadoras, além
fortalecer e caminhada que garantir a igualdade
de direitos é, também, um muro de
da única governadora de estado, a
companheira, professora, Fátima
avançar na luta contenção para evitar a perda de
conquistas gerais".
Bezerra, no Rio Grande do Norte.
Mas, ainda estamos longe do que
contra a violência, Foto: Divulgação

é o correto, em termos de presença


feminina nos processos de decisão.
criando uma
Nem sempre a presença formal no
cargo garante a efetiva participação.
grande rede
Temos muito que melhorar. Muito.
Diante desse governo que se
de denúncia e
instala, o principal desafio é o da
integridade física, eu diria. Temos de
solidariedade
fortalecer e avançar na luta contra a
entre nós.

Gleisi Hoffmman, presidenta


do Partido dos Trabalhadores
e deputada federal PT-PR

22 | MÁTRIA | MARÇO DE 2019


Foto: Renato Alves

Luciana Santos, presidenta


do PCdoB e vice-governadora
de Pernambuco

Precisamos
Luciana Santos
“A presença das mulheres no
fazer a resistência presidente que, de certa maneira,
autoriza a violência. E assim, pessoa
PCdoB é irrefutável. É um partido
que já teve várias mulheres presi-
com o bom se vê no direito de fazer justiça com
as próprias mãos. Imagino que isso
dentes de partidos estaduais. No
Parlamento, na legislatura passada,
combate, disputar subjetivamente vai aflorar como vio-
lência contra a mulher.
éramos a bancada mais feminina
na Câmara dos Deputados. Se olhar
as narrativas. Primeiro, precisamos fazer a
resistência com o bom combate, dis-
pelo desempenho no Congresso, as putar as narrativas. Por mais que
deputadas mais influentes estão tenha existido fake news e manipu-
concentradas no PCdoB, porque os lação, Bolsonaro foi eleito, perdemos
cabeças dos deputados, que a gente isso foi tudo para o ralo, o que dirá a narrativa. Não é uma batalha
tinha, eram as nossas deputadas agora que o presidente eleito expli- qualquer. Em segundo, vamos ter
mulheres. Nessa legislatura, temos citamente se autodenomina um de associar essa resistência à muita
uma presença muito forte de mulhe- machista convicto. Então, as políti- amplitude, no sentido de nos unir às
res: quatro de nove. Isso revela que cas transversais para a emancipação pessoas que pensam muito diferente
há uma determinação para que o da mulher ficam ameaçadas. Temos da gente em muitos assuntos. Vamos
papel das mulheres seja valorizado. muitos programas específicos, por fazer como aconteceu um pouco na
Sou muito cética. Vamos ter um exemplo, o de saúde da mulher. Em reta final do Haddad: personalidades
governo de extrema direita e as pri- que hierarquia isso vai ser colocado de diferentes pensamentos passa-
meiras vítimas são as mulheres. Se no Ministério da Saúde? Outro é ram a se posicionar. Vamos contar
você olha a PEC dos gastos, significa a Lei da Mordaça, que quer uma com todos aqueles que se contra-
mais cortes, menos equipamentos escola sem debates críticos, entre põem a essa agenda. E em terceiro,
sociais para mulheres, menos inves- eles não quer discutir a violência precisamos de muita capacidade
timentos em creches. No Brasil, praticada contra a mulher, nem política para explorar as contradi-
nós tivemos pela primeira vez na sobre os diversos fenômenos que ções que essa base política, que dá
história um ministério para cuidar nos cercam. Temos um alto índice sustentação ao presidente eleito,
das mulheres. Com o impeachment, de violência contra a mulher e um tem. Vamos ter jogo de cintura”.

MARÇO DE 2019 | MÁTRIA | 23


POLÍTICA

Marielle
presente!
O s assassinatos da vereadora Marielle Franco (PSol/RJ) e de
seu motorista, Anderson Pedro Gomes, ainda não foram
elucidados. As suspeitas recaem sobre o grupo miliciano
"Escritório do Crime", cujos membros têm ligação com o senador
Flávio Bolsonaro, filho do presidente. Quando deputado estadual,
Flávio contratou a mãe e a esposa do capitão Adriano Maga-
lhães da Nóbrega, vulgo Gordinho, um dos líderes desse grupo.
O crime ocorreu no dia 14 de março de 2018 e chocou movimentos
ativistas dos direitos humanos. Marielle criticava a intervenção
federal no Rio de Janeiro e a Polícia Militar, denunciava abusos de
autoridade, por parte de policiais, contra moradores de comunidades
e prestava assistência às vítimas. Por tudo isso, há fortes suspeitas
de que o crime tenha sido motivado por questões políticas.
O legado de Marielle, porém, continua vivo: diversas mulheres
negras ativistas dos direitos humanos seguiram o exemplo dela e
estão ocupando os espaços de poder. As ex-assessoras da vereadora
Renata Souza, Mônica Francisco e Daniela Monteiro (PSol), vêm da
militância em periferias e favelas, foram eleitas como deputadas
estaduais no Rio de Janeiro. No âmbito federal, Benedita da Silva
(PT/RJ) foi reeleita para a Câmara dos Deputados. A ex-governadora
do Rio de Janeiro continuará reforçando a representatividade de
mulheres negras no Parlamento com as deputadas Talíria Petrone
(PSol/RJ), militante dos direitos LGBT e nona deputada federal mais
votada no Rio, e Áurea Carolina (PSol/MG), eleita a mulher com o
maior número de votos entre candidatos mineiros.

24 | MÁTRIA | MARÇO DE 2019


ADOLESCÊNCIA

Quando a
brincadeira
de boneca vira
obrigação
A estudante Renata Silva* (18) descobriu que estava grávida
durante um tratamento para fazer uma cirurgia no seio, aos
15 anos, e conta que foi uma sensação muito estranha: “No
começo assusta, porque a adolescência acaba e a gente vira mãe.
Eu penso que agora não sou mais só eu. Agora somos nós; eu e a
minha filha contra o mundo”, reflete.
Ela não está sozinha. De acordo com o relatório da Orga-
nização Mundial da Saúde (OMS), publicado em 2018, o
Brasil tem 68,4 bebês nascidos de mães adolescentes a
cada mil meninas de 15 a 19 anos. O índice brasileiro
está acima da média latino-americana, estimada em
65,5. No mundo, a média é de 46 nascimentos a cada
mil. Ainda de acordo com o estudo, a mortalidade
materna é uma das principais causas da morte
entre adolescentes e jovens de 15 a 24 anos
No Brasil, ainda é alto o número na região das Américas.
de mulheres que engravidam na Segundo a pesquisa Nascer
delicada passagem da infância para Brasil (2016), do Ministério da
a vida adulta. Reduzir esse índice Saúde (MS), 66% dos casos de
passa por uma mudança cultural que gravidez em adolescentes são
envolve educação sexual, segurança indesejados. O MS informa
da mulher e muito diálogo que, entre os anos 2000 a 2016, o
número de casos de gravidez na
adolescência (10 a 19 anos) teve
queda de 33% no Brasil, segundo
dados do Sistema de Informação
sobre Nascidos Vivos (Sinasc).

MARÇO DE 2019 | MÁTRIA | 25


ADOLESCÊNCIA

Políticas públicas de saúde a menstruação eu poderia engravi- Para a enfermeira Juliana, as


O Ministério também informa dar se tivesse relações sexuais. Mas consequências de uma gravidez
que o Brasil vem investindo em não conhecia bem os métodos con- precoce foram cruéis. “A sociedade te
políticas de educação em saúde traceptivos. Além disso, meu então vê como uma demente. É um olhar
e em ações para o planejamento namorado (na época com 21 anos) não de piedade em cima de você. Tudo
reprodutivo. Uma das iniciativas é a gostava de camisinha. E não tinha isso faz você achar que acabou, que
distribuição das Cadernetas de Saúde como eu dizer pra minha mãe que a sua chance já foi, que você nunca
de Adolescentes (CSA), com as versões eu queria um contraceptivo porque vai ser bem sucedida. Ter um rela-
masculina e feminina. A caderneta estava transando, sabe?”, recorda. cionamento? Surreal. Na minha
contém os subsídios que orientam o situação estou casada e em terapia
atendimento integral dos jovens, com Apoio popular pra querer isso tudo novamente. Mas
linguagem acessível, possibilitando Pesquisa do Instituto Datafolha com outro gosto. Ter o que tenho
ao adolescente ser o protagonista do aponta que, para a maior parte da hoje me deixou egoísta. Quero meu
seu desenvolvimento. população, educação sexual deve ser sossego, minhas viagens, baladas. Eu
Apesar de ter acesso à informa- tema tratado nas salas de aulas do tive que ter responsabilidade muito
ção e de saber da importância da país. Foram ouvidas 2.077 pessoas, cedo”, desabafa.
camisinha, Renata e o namorado em 130 municípios, nos dias 18 e 19 de Sobre educação sexual nas esco-
tiveram dificuldades em usar os dezembro de 2018. O apoio à educa- las, Juliana avalia: “Hoje, minha filha
métodos contraceptivos. “Na época, ção sexual nas escolas alcançou 54%. tem 18 anos e escutou a vida inteira
nós não ligamos muito para o uso O endosso é maior entre as mulheres sobre isso. Acho que é importante
da camisinha, porque não imaginá- do que entre homens (56% e 52%, educação sexual na escola, mas foca-
vamos que íamos ficar grávidos”, respectivamente). Quanto maior a mos muito em DST e ainda temos
explica a agora jovem mãe. escolaridade, maior também a anuên- aquela cultura de que filho é bênção
A história foi parecida com a da cia com a previsão desse conteúdo. é melhor que ter uma doença. Mas
Juliana de Almeida*, enfermeira, que Entre aqueles com ensino superior, o não. Se temos métodos contracepti-
teve uma filha aos 16 anos. “Eu tinha percentual é de 63%. Os que desapro- vos, precisamos usar. Precisamos de
noção do corpo humano e que após vam totalmente somam 35%. leitura e debates”, sentencia.

Em 2013 foram registradas


meninos 47% 29.784 notificações
53% meninas de violências contra
crianças de zero a 9 anos

No mesmo ano, foram 35%


registradas 50.634 notificações Sexo masculino

Fonte: A publicação Viva:


de violências contra Sexo feminino
65%
Vigilância de Violência
e Acidentes 2013-2014.
adolescentes de 10 a 19 anos

26 | MÁTRIA | MARÇO DE 2019


Consequências que só atrasei em oito anos a receber o INSS dela, eu decidi
A jovem Rayane de Assis* minha independência, minha que era melhor eu bancar
teve apoio para continuar liberdade, meus conhecimen- meus estudos e deixar ela na
estudando, mesmo após o tos”, pondera. Ela conta que escola pública. Isso doeu. Em
nascimento da filha. “Não teve que parar de estudar e só quatro anos me formei em
parei de estudar em nenhum voltou depois de um tempo, Enfermagem, fiz residência e
instante, eu ia pra escola até atrasou a entrada no ensino hoje eu pago pra ela um dos
os nove meses e, logo após o médio e na faculdade, sem melhores colégios da minha
nascimento da minha filha, contar a morte repentina do cidade”. Aos pais de jovens
eu esperei passar um mês pai da criança, quando ela adolescentes ela recomenda:
e voltei a estudar. A minha ainda estava grávida de cinco “Observar. Atenção é tudo.
filha ia junto comigo às meses: “Os avós paternos não Eles dão sinal de fuga. Pren-
aulas”, detalha. Ela ressalta queriam registrar a bebê. Pro- der demais é um tiro no pé.
que teve muito apoio, prin- curei a justiça e consegui. Hoje Liberdade demais também.
cipalmente dos professores. ela recebe INSS”, relembra. Precisamos falar a língua
“Eles seguravam ela no colo “O único ponto positivo é deles. Filhos seguros e esclare-
para eu fazer os trabalhos e ela. É saber que eu consegui. cidos são a herança dos pais”.
quando ela ficava chorando Mas eu não precisava passar
os professores, às vezes, me por isso. E se eu voltasse atrás,
liberavam mais cedo pra eu não faria”, desabafa Juliana. A
cuidar melhor dela em casa”. família dela deu apoio finan-
Mas nem todas conse- ceiro e mesmo assim não foi
guem conciliar os estudos, fácil. “Afinal, quem ia contra-
Juliana teve que parar de tar uma adolescente de 16
estudar e hoje lamenta o anos, mãe de um bebê e viúva?
tempo perdido. “Na época, eu Ninguém queria nem me
achei que seria feliz. Hoje, vejo namorar! Quando comecei a

Tipos de Agressão física

violência em 56,5%
mulheres entre Violência sexual
10 e 19 anos
Fonte: A publicação Viva:
34,1%
Vigilância de Violência
e Acidentes 2013-2014. Violência
psicológica/moral

27,9%
MARÇO DE 2019 | MÁTRIA | 27
ADOLESCÊNCIA

Vila Aliança A vulnerabilidade social também na justiça”. Soraya conversou breve-


Organizações não-governa- é um problema que contribui para o mente com a reportagem — disse
mentais, que atendem crianças alto índice de adolescentes grávidas. que gostaria de dar um depoimento,
e jovens de baixa renda, também É o caso de Soraya Rocha*, que aos 13 mas como é muito recente ela ainda
tentam colaborar para diminuir anos se descobriu grávida e só deci- não consegue falar sobre essa gravi-
esses índices. Esse é o caso da diu contar para a família depois de dez, nem sobre expectativas.
Organização Não Governamental três meses de gravidez. O pai do bebê Ao ser questionada sobre pro-
(ONG) Semente do Amanhã, na Vila é um perigoso traficante da comuni- curar a polícia ou denunciar, a mãe
Aliança, em Bangu, na Zona Norte dade de periferia onde ela mora. Pela de Soraya explica que tem medo
do Rio de Janeiro (RJ). A fonoaudi- idade de Soraya, a relação sexual é de morrer, pois está lidando com
óloga Selmirami Nascimento, mais considerada estupro de vulnerável. um traficante e, além disso, o tra-
conhecida como Tia Selminha, dirige A mãe da adolescente, que trabalha tamento no posto de saúde não
os trabalhos da organização e conta como faxineira em casa de família, reconhece a gravidade da situação:
que, entre os jovens atendidos pela desabafa: “Eu sei que é um crime. Mas “Nós vamos ao posto de saúde para
instituição, poucos passam uma gra- eu moro numa comunidade onde os fazer o pré-natal. Mas eu já sei que
videz na adolescência. Ela acredita bandidos acham que podem engravi- lá eles vão me culpar, vão dizer que
que as próprias atividades desen- dar meninas de 13 anos. E fica por isso eu não cuidei da minha filha, que
volvidas, como a Roda de Conversa mesmo. Quando fiquei sabendo, eu eu sou a errada. Eu me sinto muito
com os adolescentes e os projetos fui atrás dele e bati nele. Eu o agredi, envergonhada. Eu crio quatro filhos
culturais, ajuda a prevenir. “A gente é um canalha. Pensei em dar um praticamente sozinha, só a minha
faz um trabalho de prevenção, mas remédio pra minha filha não ter essa filha mais nova (nove anos) tem
quando raramente acontece, a gente criança, porque eu não tenho condi- pai — e ele atrasa a pensão. Não
conversa com a jovem e o foco muda: ções de cuidar. Mas pensei melhor e sou fichada (empregada com car-
a responsabilidade do filho passa a achei que isso poderia acabar preju- teira assinada), mas nunca parei de
ser dividida com a família”, explica. dicando a saúde dela e me complicar trabalhar. Acho que a comunidade
é que tinha que ser a primeira a
entender que fazer filho nas filhas
Foto: Rio On Watch

adolescentes dos outros é errado.


Mas os traficantes acham que é
certo, eles não ligam. Não acredito
mais na justiça”, desabafa.

*Omitimos os nomes reais das per-


sonagens para proteger as mulheres que
compartilharam suas histórias íntimas.

ONG Semente do
Amanhã dá apoio a
adolescentes em situação
de vunerabilidade
no Rio de Janeiro

28 | MÁTRIA | MARÇO DE 2019


Foto: Ascom DPU
Entrevista: Keka Bagno
A assistente social Keka Bagno, públicas, hoje, na área da saúde,
conselheira tutelar e ativista do na área de infância e adolescência,
Fórum de Mulheres do Distrito que de fato façam uma divulgação,
Federal, conversou com a Revista uma promoção desse direito que foi
Mátria sobre esse índice elevado conquistado com muita luta pelos Você acha que a educação
de gravidez na adolescência. movimentos de mulheres. Não é sexual pode ajudar a diminuir
Como saber quantas gesta- em todos os lugares do Brasil que esses índices?
ções na adolescência são frutos você tem um local seguro para Acredito que a educação sexual
de violência? fazer a interrupção da gravidez em é o principal fator. A gente tem
No Brasil, o debate do aborto é caso de aborto legal. É necessário esse tabu muito grande que é falar
extremamente delicado e sensível. É que a política pública se envolva sobre isso. Quando você fala em
algo que a gente não consegue apro- mais nos casos de aborto legal, educação sexual o que está sendo
fundar como direito das mulheres, não só no período de abortamento entendido hoje é o incentivo à sexu-
mesmo nos casos de aborto legal, como também, após o processo de alização. Como se fosse possível
(estupro, risco à gestante e gravi- interrupção dessa gravidez. mudar a sexualidade, o gênero. Isso
dez de anencefálicos). No caso de Quais políticas públicas é extremamente individual do ser
adolescentes grávidas, as famílias podem apresentar resultados humano! Precisamos de uma edu-
acabam entendendo que a decisão positivos na prevenção da gravi- cação que fale sobre cuidado do
pela interrupção da gravidez é do dez de adolescentes? corpo, de você se amar, e isso é uma
adulto e não da adolescente. Então Acredito que as políticas públi- forma de diminuir esses índices.
essas adolescentes vêm sim a ter cas fundamentais são de promoção Essa educação sexual pode ser
filho fruto de estupro. Tanto para do que é o corpo da mulher e no que feita em quais espaços? Na escola?
adolescentes com menos de 13 anos é o corpo do homem, considerando No posto de saúde? Quais são os
ou mais, isso é muito comum infe- as múltiplas diversidades enquanto mais adequados, em sua opinião?
lizmente. Se você compreende que homens e mulheres. Seria impor- Acredito que você tendo pessoas
esse estupro, muitas vezes, vem pra tante a gente conseguir ter, de fato, especializadas para fazer esse tipo
dentro de uma relação doméstica um diálogo sobre isso dentro da casa de educação, respeitando as diver-
(de um pai, de um padrasto, de um ou no local onde esses adolescentes sidades e os valores individuais,
irmão), como essa família vai dar moram. A gente tem dificuldade de isso pode ser feito nos espaços de
conta dessa criação, de todas essas dialogar sobre isso nesses espaços escola e postos de saúde. Nas escolas
problemáticas? coletivos. As crianças e adolescentes públicas, a gente não tem alcançado.
Geralmente a criança e o podem morar com avó ou avô, em A ausência de políticas públicas e
adolescente não conseguem com- lares. Precisamos dialogar sobre educação tem mais morosidade de
preender a própria violência que desejo, prazer, falar sobre camisi- ocupar as periferias. Então, acredito
sofreram, e ainda vão ter que nha e pílula. Mais do que falar com que em escolas e postos de saúde,
compreender a criança que virá a menina é falar com os meninos: os Centro de Referência de Assistência
sendo fruto de, provavelmente, homens precisam entender sobre Social (CRAS) e Centro de Referên-
algo destruidor que aconteceu a importância de ter uma relação cia Especializado de Assistência
em suas vidas. Então, a gente não sexual segura, prazerosa e com Social (CREAS), que têm comprome-
conseguiu reconhecer o aborto em afeto. A gente consegue inclusive timento com essa pauta, dá pra ser
casos legais. Não temos políticas prevenir futuras violências. feito um atendimento de qualidade.

MARÇO DE 2019 | MÁTRIA | 29


ARTIGO

Gabriela Sancho Mena


Coordenadora Regional da Internacional da Educação para a América Latina (IEAL).
Mestre em pedagogia com ênfase em diversidade nos processos educacionais
pela Universidad Nacional, Costa Rica. Licenciada em psicologia.

Trabalhadoras da educação nos


momentos de resistência: um olhar
sobre o interior de nossas organizações

A s mulheres docentes, sindicalistas


e militantes continuam proporcio-
nando espaços de intercâmbio de
experiências e conhecimentos político-organi-
zativos. Esses espaços partem de um trabalho
e da conjuntura nacional e internacional. Da
mesma forma, são discutidas temáticas rela-
cionadas ao gênero e à política, economia,
situações sócio-políticas e, naturalmente, à
educação pública e ao sindicalismo.
em rede que promove o diálogo, de alguma A RED na América Latina promove encon-
maneira permanente, e pretendem, entre tros regionais e sub-regionais, que possibilitam
outras ações, colocar a situação das mulheres a interação de mulheres de diversos países,
sindicalistas na agenda sindical, democratizar culturas, etnias e realidades. Isso se refletiu
o poder e implementar nessa estrutura a pers- na última Conferência Mundial de Mulheres,
pectiva de gênero e de classe. organizada pela Internacional da Educação
A Internacional da Educação para a Amé- em Marrakesh, Marrocos, em fevereiro de 2018,
rica Latina (IEAL) é um organismo mundial com a presença de quase 300 mulheres de todo
que reúne mais de 32 milhões de trabalhadores o mundo. Uma delegação da RED da América
em educação de todo o mundo. Suas políticas Latina participou com desenvoltura destaca-
englobam a defesa da educação pública como das por suas propostas politizadas e críticas
um direito social, financiado pelo Estado, sobre os temas desenvolvidos.1
gratuito, laico e com cobertura para todas Na conferência e nos encontros da RED,
as crianças do mundo, assim como a defesa constata-se que 80% das filiações das organiza-
dos direitos dos trabalhadores em educação ções sindicais de trabalhadores em educação,
e dos direitos humanos. A IEAL incentiva a na América Latina, correspondem a mulheres,
participação político-sindical das mulheres, mas ainda existe uma sub-representação da
a erradicação da violência às mulheres, entre liderança feminina na própria estrutura orga-
outras ações. nizacional. Um dos principais obstáculos para
Em particular, na região da América a participação política eficaz das mulheres é a
Latina, a IEAL, junto com seu comitê regional, dificuldade de conciliação entre a vida fami-
implementou a RED de Trabajadoras de la Edu- liar e o sindicato. Da mesma forma, existem
cación (Rede de Trabalhadoras da Educação).
1 As Conferências de Mulheres são organizadas pela Internacio-
A RED é um espaço criado para as mulheres nal da Educação e ocorrem a cada dois anos. A primeira ocor-
e que promove o diálogo crítico da realidade reu em Bangcoc, Tailândia; a segunda em Dublin, Irlanda, e a
terceira é a mencionada (realizada em Marrakesh, Marrocos).

30 | MÁTRIA | MARÇO DE 2019


barreiras, que impedem a participação das representatividade e a legitimidade das orga-
mulheres no sindicato. É necessário avaliar nizações.” (CEPAL, FAO, ONU Mulheres, PNUD,
criticamente as funções desempenhadas pelas OIT, 2013, p. 224).
companheiras, os cargos que ocupam ou não, É necessário, agora mais do que nunca,
a relação com outras líderes e com os com- aprofundar o papel do sindicato a partir de uma
panheiros, para que a participação seja mais perspectiva de igualdade de gênero. Estamos
equitativa e igualitária. em um contexto de posicionamento da direita
É possível colocar em prática diversas ultraconservadora e com políticas neoliberais e
estratégias para conquistar maior igualdade retrógradas. Estamos em momentos de muros,
dentro de uma organização, por exemplo, com de Apartheid, de perseguição aos movimentos
a sugestão de elaborar uma Política de igual- sociais, sindicais e estudantis, com novas escra-
dade (PI) na organização sindical. A PI é uma vidões, de novas migrações, mas, também, de
série de ações e um plano de trabalho que parte maior resistência coletiva, de movimentos
dessa realidade da organização sindical. Ela de mulheres com marchas massivas, lutando
busca eliminar as desigualdades existentes. pelos direitos das mulheres, pelos sexuais e
Para isso, é necessário vontade política bem reprodutivos, por leis que garantam o direito
como fazer um diagnóstico da participação e de decidir por nossos corpos, pela defesa da
com perspectiva de gênero que consiga extrair educação pública e pelo direito à não violên-
as necessidades, problemáticas, expectativas e cia contra as mulheres; estamos no momento
realidades das mulheres sindicalistas. Uma vez de maior força social e temos a necessidade de
diagnosticada a situação, é realizado um plano repensar nosso interior para que as estratégias
de ação para elaborar a PI, implementá-la e político-organizacionais sejam cada vez mais
dar-lhe um acompanhamento e uma avaliação. fortes. Devemos, como organizações sindicais
Coincide com esta proposta o relatório da educação, continuar resistindo e propondo a
regional da CEPAL, FAO, ONU Mulheres, defesa da educação pública e contra o mercado
PNUD, OIT (2013) que sugere que “Deveria ser e o lucro em nosso setor. E, certamente, deve-
traçado um mapa da presença de mulheres nas mos, como organizações sindicais, fortalecer
organizações de trabalhadores e os cargos que ainda mais as alianças com outros movimen-
ocupam e, a partir disso, elaborar um plano de tos sociais, estudantis e feministas. E, acima
ação que promova uma maior participação de tudo, continuar interferindo nas políticas
delas em todo o tipo de cargo (não só os rela- públicas que defendam a igualdade.
cionados à área social ou da mulher)” (p. 223).
O relatório faz um chamado à mudança cultu-
ral das organizações sindicais em relação ao
gênero e à igualdade.
Propõem que “…os sindicatos precisam for-
talecer sua prática com a inclusão na agenda
dos assuntos de equidade e não discriminação. • CEPAL, FAO, ONU Mujeres, PNUD, OIT (2013).
Atrair novos membros depende do fato de os Relatório regional. Trabajo decente e igualdad
de género. Políticas para mejorar el acceso y la
trabalhadores e trabalhadoras sentirem que
calidad de empleo de las mujeres en América
seus interesses são defendidos. A partir dessa Latina y el Caribe. Santiago, Chile. Recuperado
perspectiva, a igualdade de oportunidades na de: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/
agenda sindical é uma forma de aumentar a public/@americas/@ro-lima/@sro-santiago/
documents/publication/wcms_233161.pdf

MARÇO DE 2019 | MÁTRIA | 31


EMPODERAMENTO

SOU MULHER, S e existe uma palavra para definir


o povo Quilombola, essa palavra é
resistência. E, quando o assunto se

SOU QUILOMBOLA
refere às mulheres, o peso do verbete fica
ainda mais forte. No Brasil, as mulheres
quilombolas são exemplos de luta, supera-

E TENHO O PODER!
ção e determinação. Contra tudo e contra
todos, elas foram à luta e muitas buscaram
seu empoderamento para, cada vez mais,
defender e garantir os direitos do seu povo.
“O nosso povo construiu esse país e levan- Próximo a Brasília, outro Quilombo rende
tou o império e a riqueza do Brasil. Não vejo o exemplos de mulheres da comunidade que tra-
país sem o nosso sangue, a nossa exploração. balham pela valorização e empoderamento da
O império brasileiro não foi feito pelos euro- sua cultura. O Quilombo Mesquita, a 60 quilô-
peus, pelo homem branco; o nosso sangue metros da Capital Federal é a casa de Sandra
é a nossa marca”, comenta Sirlene Barbosa Pereira Braga.
Correa Passold, 37 anos, do Quilombo Puris, “Filha de João Antônio Pereira e Ovídia, nasci
uma comunidade a 35 quilômetros da cidade aqui. Um quilombo com 272 anos de história, no
de Manga, em Minas Gerais. qual meus avós, bisavós e meus pais já moravam”.
No Brasil, há 3,1 mil quilombos certificados É assim que Sandra se apresenta. Formada em
pela Fundação Cultural Palmares; o de Puris é turismo, também fez teologia, e sempre teve seu
um deles. Com 80 famílias, Sirlene acredita que foco voltado para o trabalho dos quilombolas.
a sua comunidade tenha aproximadamente Atualmente, ela é coordenadora executiva da
250 anos. “O meu avô é de 1913 e ele já nasceu Coordenação Nacional de Articulação das Comu-
na comunidade”, recorda. nidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).
Quilombola, Sirlene conta que, embora O Quilombo Mesquita tem 4,2 mil hectares
sua mãe tenha se casado com alguém fora e 780 famílias. O reconhecimento da comuni-
da comunidade, ela nunca perdeu o vinculo e dade veio por meio de um trabalho incansável
sempre esteve presente no quilombo. Em 2012, de Sandra que, em 2003, deu entrada no pro-
Sirlene se graduou em Serviço Social e retor- cesso de reconhecimento, que veio três anos
nou para a comunidade. “Foi quando percebi depois, e teve o Relatório Técnico de Iden-
que o quilombo passava por dificuldades, tificação e Delimitação (RTID) do território
com muita falta de informação, sobre direitos publicado em 2011.
sociais”, conta. O pai de Sandra conta que ela sempre foi
Sirlene ainda concluiu mestrado, em 2015, incansável e que, por isso, recebeu do avô a
pela Universidade de Brasília (UnB), com o incumbência de lutar pelas terras quilombo-
tema: A valorização da cultura afro-brasileira las. “Antes de falecer, meu pai procurou Sandra
e da beleza negra. “A gente vinha desenvol- para ser a representante da comunidade e
vendo este trabalho na comunidade e trabalhei
justamente a autoestima das mulheres quilom-
bolas, que se viam como pretas remanescentes

Foto: Claudio Reis


de escravos”, disse.
Sirlene começou a desenvolver, com as
meninas quilombolas uma espécie de resgate
de suas identidades por meio de estilos, con-
feccionando roupas de chita, valorizando cada
uma e a sua beleza. Para se manter em Brasí-
lia durante o mestrado, ela criou uma grife
baseada na cultura Quilombola, a Arte Negra.
“Foi uma maneira que encontrei de dissemi-
nar nossa cultura e ainda conseguir recursos
para complementar a minha bolsa de estudos”,
explica. Hoje, sua grife tem perfil nas redes
Em 2003, Sandra conseguiu o
sociais e vende as peças pela internet. reconhecimento do Quilombo Mesquita

MARÇO DE 2019 | MÁTRIA | 33


Foto: Arquivo pessoal EMPODERAMENTO

Santos, 41 anos, do quilombo Cara- lamenta Sandra. Mas, segundo


íbas, no município de Canhoba, em ambas, a luta quilombola não tem
Sergipe. A área possui mais de três preço. “Precisamos nos unir e nos
mil hectares e 160 famílias quilombo- conscientizar ainda mais. E com
las. Mãe de nove filhos, Neze, como o estudo e o empoderamento das
é conhecida, trabalha há 20 anos mulheres, principalmente, vamos
como merendeira na escola muni- mais longe”, aposta Neze. “Acho que
cipal Manoel Gonçalves Sobrinho. não podemos parar. É resistência
“Sou concursada e tenho formação mesmo”, completa Sandra.
na militância”, orgulha-se.
Neze: concursada, não abandona a militância
Três dos seus filhos moram fora
passou o bastão para ela, porque era a do quilombo por necessidade de
Sirlene concluiu mestrado da UnB
única pessoa da comunidade, da famí- trabalho e estudos. “Um estuda Agro-
lia, que poderia tomar conta e falar ecologia e outro Serviço Social, e os
sempre a verdade”, afirma João Pereira. demais concluindo ensino médio”,
“Não tem sido fácil”, reconhece conta. Neze ressalta que a luta tem
Sandra, que foi a primeira mulher que ser constante, principalmente
vereadora da Cidade Ocidental, contra o sistema. “Tenho desenvol-

Foto: Arquivo pessoal


município ao qual pertence o qui- vido, com a comunidade, ações para
lombo Mesquita. “Como é difícil, que percebam a importância da
como mulher, ter que impulsionar comunidade, com discussões, ocu-
e trabalhar a soberania; alimentar, pando espaços de conselhos, fóruns,
cuidar do meio ambiente, da casa, tenho representado minha comuni-
da família e também fazer o papel de dade”, explica.
mostrar o quanto isso é importante. Assim, como Sandra, do quilombo
Não podemos abrir mão!”, resiste. Mesquita, Neze enfrenta fazendeiros
Muda a unidade da Federação, da região que querem desconstruir e
mas não muda a realidade. Senti- desmanchar o quilombo. As duas já
mento semelhante tem Xiforneze sofreram ameaças: “até de morte”,

Quantos são?
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), responsável pelo recenseamento da população brasileira e or-
ganização de dados estatísticos socioeconômicos e demográficos oficiais do país, realizará em 2020 o primeiro censo da
população quilombola do Brasil.
O Censo Demográfico do Brasil incluirá o perfil de comunidades quilombolas de todo território nacional. A iniciati-
va é fruto de uma parceria entre o Ministério dos Direitos Humanos, por meio da Secretaria Nacional de Políticas de Pro-
moção da Igualdade Racial (Seppir), com a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Qui-
lombolas, a Fundação Cultural Palmares, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária e o Fundo de Popula-
ção das Nações Unidas.

34 | MÁTRIA | MARÇO DE 2019


ENCARTE
TEÓRICO

A RELEVÂNCIA
DAS POLÍTICAS
DE PROMOÇÃO DA
IGUALDADE RACIAL
E OS RETROCESSOS
GERADOS POR UM
GOVERNO SEM
DIREITOS E SEM
IGUALDADE RACIAL

MARÇO DE 2019 | MÁTRIA | 35


ENCARTE
TEÓRICO

R esumo: O presente artigo se propõe a discutir


sobre questões relacionadas às Políticas de
Promoção da Igualdade Racial (Pir’s) fomen-
tadas pelos governos Lula e Dilma, em detrimento
das medidas autoritárias adotadas pelos últimos
de promoção da igualdade racial no Brasil e
Retrocessos de um governo sem direitos e sem
igualdade racial. Ao final expõe de forma sucinta
algumas considerações em torno do desenvolvi-
mento, ainda limitado, no campo dessas políticas
governos, que afligem a sociedade e atingem dire- e a necessidade da ampliação do debate em torno
tamente a população negra do nosso país. Nessa da desigualdade e da discriminação racial tão
perspectiva apresenta-se no primeiro momento um deletérias à nossa sociedade.
panorama das principais Pir’s, enquanto produto de
uma luta histórica do Movimento Social Negro, por Panorama das Políticas Públicas de
conseguinte é apresentada uma breve análise sobre Promoção da Igualdade Racial no Brasil
os retrocessos dos últimos governos, desde 2016, os Os indicadores que apontam a desigualdade
quais vêm apresentando descompromissos com os entre brancos e negros no Brasil revelam uma
direitos humanos e, principalmente, com as questões profunda desigualdade racial, reconhecida inter-
relacionadas às minorias da nossa sociedade. nacionalmente como uma das mais perversas
Palavras – Chave: Políticas públicas, Igualdade dimensões do tecido social brasileiro. Esse abismo
racial, Racismo. racial existe, e é comprovado por meio de pesquisas
e estatísticas que comparam indicadores socioe-
Introdução conômicos, apresentados sob responsabilidade
O presente trabalho tem como escopo elencar os de organismos como o Instituto de Pesquisa Eco-
avanços que o movimento negro e a sociedade brasi- nômica Aplicada (Ipea), o Instituto Brasileiro de
leira obtiveram no período entre 2003 e 2016, no que Geografia e Estatística, o Departamento Intersin-
tange à criação de leis que punam atos discriminató- dical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos
rios e promovam igualdade de oportunidades para a (Dieese), dentre outros.
população negra brasileira, além de fazer uma breve Os desafios para a superação das desigual-
análise sobre os desafios impostos pela atual quadra dades raciais no Brasil são imensuráveis, por isso
política em que se encontra o país, a qual aponta para existe a necessidade de uma legislação que proteja
impactos negativos no que diz respeito à implantação os direitos humanos, mas essa por si só não basta,
e implementação de políticas de promoção da igual- pois somente a partir de um processo efetivo de
dade racial. reeducação para a diversidade e a consolidação
É inegável que o combate ao racismo seja um de políticas eficazes de combate à discriminação
compromisso de toda a sociedade, mas não se racial é que avançaremos na promoção da igual-
pode negar o papel central do Estado no processo dade racial em nosso país.
de articulação de ações afirmativas consistentes No ano de 1988, o Movimento Social Negro e
para o enfrentamento dos desafios impostos pela a população negra brasileira conseguiram inserir
própria história. pela primeira vez, após a instituição da abolição da
Diante disso, o presente artigo aborda dois escravatura, a questão racial de forma positiva na
pontos considerados relevantes para uma Constituição Brasileira, “todos são iguais perante a
análise sobre as intervenções que vêm sendo lei, sem distinção de qualquer natureza, garantin-
implementadas e as dificuldades impostas à con- do-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
solidação da temática voltada para desigualdade no país a inviolabilidade do direito à vida, à liber-
racial. Apresentadas nos itens 2 e 3, respectiva- dade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
mente, como: panorama das políticas públicas Estes são direitos fundamentais estabelecidos pela

36 | MÁTRIA | MARÇO DE 2019


Constituição. Outro marco importante foi “assegu- constituição deste órgão pode ser encarada como
rar formação básica comum e respeito aos valores um gesto inaugural do governo Lula no que diz
culturais e artísticos, nacionais e regionais”. Outra respeito ao reconhecimento da causa negra. Para
grande vitória foi impetrar que na Constituição Munanga (2006, p. 186)
Brasileira constasse que “a prática do racismo cons-
titui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à As ações afirmativas constituem-se em
pena de reclusão, nos termos da lei”. políticas de combate ao racismo e à discri-
Ou seja, se formos analisar o fator tempo, minação racial mediante a promoção ativa
iremos nos deparar com um século pós-abolição, da igualdade de oportunidades para todos,
que ocorreu em 1888, para uma primeira consoli- criando meios para que as pessoas perten-
dação de fato, dos direitos da população negra, centes a grupos socialmente discriminados
incidida na Constituição Brasileira em 1988. Depre- possam competir em mesmas condições na
ende-se a partir desse acontecimento o quão difícil sociedade. Trata-se de uma transformação
foi para os negros brasileiros terem seus direitos de caráter político, cultural e pedagógico. Ao
de cidadãos e cidadãs minimamente assegurados. implementá-las, o Estado, o campo da educa-
Existe um outro componente importante na ção e os formuladores de políticas públicas
Constituição de 1988, que é o artigo quinto, o qual saem do lugar de suposta neutralidade na
reza ter o Estado a obrigação de promover a igual- aplicação das políticas sociais e passam a
dade, ou seja, o Estado precisa garantir os direitos considerar a importância de fatores como
formais na lei, isto é, promover igualdade. Nesse sexo, raça e cor nos critérios de seleção exis-
caso, o artigo quinto assegurou o espaço para tentes na sociedade.
adoção das políticas públicas de promoção da
igualdade racial. Nessa perspectiva, a criação da Seppir sinalizou
A partir de então, somente em 2003 principiou para o fortalecimento das ações afirmativas e para a
um período de avanços nos indicadores socioeco- construção de um projeto mais organizado de com-
nômicos da população negra no Brasil, os quais bate ao racismo, à discriminação e às desigualdades
atestam o impacto positivo das políticas universais raciais. Em parceria com uma grande variedade de
implementadas pelos governos de Lula e Dilma, instituições governamentais como a Fundação Pal-
servindo, inclusive, de referência para políticas mares e entidades do Movimento Negro, a Seppir
públicas similares desenvolvidas em outros países. adotou como missão a promoção e articulação de
Nesse sentido, serão destacadas as principais políticas de igualdade racial para superação do
iniciativas que se concretizaram como um passo racismo e do mito da democracia racial, até então
decisivo para o enfrentamento ao racismo, à vigente na ideologia social brasileira.
superação das desigualdades raciais e principal- Ainda em 2003, a Lei 10.639/2003 foi sancionada
mente para que as ações afirmativas pudessem pelo presidente Lula logo no início de seu mandato.
se consolidar tanto na sociedade como nos meios Sua implementação alterou a Lei de Diretrizes e
institucionais. Bases da Educação e incluiu no currículo oficial o
Dentre os marcos regulatórios, destaca-se estudo da história geral da África e da história da
a criação da Secretaria Especial de Promoção população negra no Brasil nos estabelecimentos de
da Igualdade Racial (Seppir), transformada em ensino fundamental e médio, públicos e privados. A
Ministério em fevereiro de 2008, responsável pela Lei se apresenta como protagonista no tratamento
formulação, coordenação e articulação de políticas dos conteúdos historicamente silenciados nos cur-
e diretrizes para a promoção da igualdade racial. A rículos de formação.

MARÇO DE 2019 | MÁTRIA | 37


ENCARTE
TEÓRICO

No ano de 2004 foi criada a Secretaria de Edu- Então, cabe aqui uma reflexão sobre quão
cação Continuada, Alfabetização e Diversidade importante é o papel da educação no debate das
(Secadi), no âmbito do Ministério da Educação, questões relacionadas à raça, etnia, preconceito e
responsável pela execução de programas como discriminação racial. Os marcos legais citados são
“Educação inclusiva: direito à diversidade”, vol- extremamente positivos, desde que sejam imple-
tado à valorização das diferenças e da diversidade, mentados verdadeiramente no chão das escolas,
à promoção da educação inclusiva, dos direitos ações pontuais são pertinentes, mas infelizmente,
humanos e da sustentabilidade socioambiental, não conseguem atender as demandas advindas de
visando à efetivação de políticas públicas trans- um processo histórico deformado e silenciado por
versais e intersetoriais. Outro marco importante longas datas.
no âmbito da educação das relações étnico raciais No Ensino Superior destaca-se a “Lei das Cotas”,
foi a efetivação do projeto “A Cor da Cultura”. Ini- que dispõe sobre a reserva de vagas com critérios
ciado em 2008, o qual tem como objetivos elaborar, para estudantes da escola pública, negros e indíge-
ofertar e revisar materiais didáticos audiovisuais nas, definindo em no mínimo 50% o acesso destes
sobre a cultura afro-brasileira, além de capacitar às universidades federais e às instituições federais
professores para o uso em sala de aula. de ensino técnico de nível médio. É também de
Munanga (2001, p.17) adverte: grande relevância a criação do Programa de Exten-
são Universitária (Proext) em 2011 e do Programa
Não existem leis no mundo que sejam Institucional de Bolsas de Iniciação Científica nas
capazes de erradicar as atitudes preconcei- Ações Afirmativas (Pibic-AF) em 2009, numa ação
tuosas existentes nas cabeças das pessoas, conjunta da Seppir e da CNPQ que oferece cerca de
atitudes essas provenientes dos sistemas 800 bolsas por ano para estudantes cotistas de ins-
culturais de todas as sociedades huma- tituições federais de ensino.
nas. No entanto, cremos que a educação No âmbito das políticas públicas para juven-
é capaz de oferecer tanto aos jovens como tude foi elaborado em 2012, o Plano Juventude Viva,
aos adultos a possibilidade de questionar com um conjunto de iniciativas que envolvem oito
e desconstruir os mitos de superioridade e ministérios, visando reverter as altas taxas de
inferioridade entre grupos humanos que homicídios entre jovens negros.
foram introjetados neles pela cultura racista Uma outra referência significativa dentro do
na qual foram socializados. Apesar da com- panorama apresentado é Decreto Presidencial nº
plexidade da luta contra o racismo, que 4.887/2003, que estabeleceu os procedimentos para
consequentemente exige várias frentes de regularização das comunidades de remanescen-
batalhas, não temos dúvida de que a trans- tes de quilombos. Considerando-se Quilombolas
formação de nossas cabeças de professores os grupos étnico-raciais segundo critérios de auto
é uma tarefa preliminar importantíssima. atribuição, com trajetória histórica própria, dotados
Essa transformação fará de nós os verda- de relações territoriais específicas, com presunção
deiros educadores, capazes de contribuir de ancestralidade negra relacionada com a
no processo de construção da democracia resistência à opressão histórica sofrida. Fruto do
brasileira, que não poderá ser plenamente decreto supracitado, a Seppir lançou em março de
cumprida enquanto perdurar a destruição 2004 o “Programa Brasil Quilombola”, que objetiva
das individualidades históricas e culturais consolidar os marcos da política de Estado para as
das populações que formaram a matriz áreas quilombolas. Estudos estimam a existência
plural do povo e da sociedade brasileira. de mais de 3 mil comunidades quilombolas no

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Brasil, no entanto, dados oficiais apontam para impacto. Ele apresenta uma política de cotas para
um número menor, de 1.948 comunidades oficial- os que se autodeclaram pretos, pardos ou índios e
mente reconhecidas pelo Estado brasileiro, das optem por ser beneficiários deste sistema no ato da
quais sete são no Amazonas e estão localizadas nos inscrição. De acordo com a Secretaria da Educação
municípios de Novo Ayrão (Quilombo do Tambor), Superior do Ministério da Educação, o Prouni ofer-
Barreirinha (Boa Fé, Ituquara, São Pedro, Tereza de tou 1,27 milhão de bolsas e cerca de 635 mil foram
Mutupuri e Trindade), Itacoatiara (Sagrado Coração destinadas a negros.
de Jesus do Lago de Serpa) e Manaus (Comunidade O Plano Nacional de Proteção à Liberdade
do Barranco, na Praça 14). Religiosa e Promoção de Políticas Públicas para as
Na estrutura básica da Seppir, foi criado o Con- Comunidades Tradicionais de Terreiro (PNCT) foi
selho Nacional de Promoção da Igualdade Racial apresentado em 2003 e tem por meta recuperar a
(CNPIR), órgão colegiado de caráter consultivo, cuja autoestima dos adeptos de religiões como o can-
finalidade é propor, em âmbito nacional, políticas domblé e a umbanda, além do ensino às crianças
de promoção da igualdade racial com ênfase na da importância das crenças.
população negra e em outros segmentos étnicos Lei 12.990/2014 que estabelece cotas raciais no
da população brasileira. No Amazonas, o Conselho serviço público, reservando 20% das vagas ofereci-
Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Cepir) das nos concursos públicos federais a candidatos
foi aprovado no segundo semestre de 2016, fruto pretos e pardos.
de uma luta incansável do Movimento Negro local, O Ministério de Relações Exteriores autorizou
aprovada e rediscutida em todas as versões reali- por meio de uma portaria, em 2010, reserva vagas
zadas da Conferência Nacional de Promoção da para negros no concurso de admissão de diploma-
Igualdade Racial (Conapir), convocada por decreto tas. Eles terão direito a reserva de 10% das vagas do
presidencial e com forte mobilização da sociedade concurso realizado pelo Instituto Rio Branco.
civil nas etapas municipais, estaduais e nacional. Alteração por parte do Instituto Brasileiro de
Para contemplar as demandas das Conapir’s foi Geografia e estatística (IBGE), a partir do senso
constituído o Plano Nacional de Promoção da de 2010, no modo de levantamento de dados rela-
Igualdade Racial (Planapir). cionados ao recorte étnico, medida importante
Em 20 de julho de 2010 foi sancionada a Lei às necessidades de informação das instituições
12.288 que instituiu o Estatuto da Igualdade Racial, voltadas à definição de políticas para grupos
destinado a garantir à população negra a efetiva- étnico-raciais.
ção da igualdade de oportunidades, a defesa dos Criação do Programa Bolsa Família, o qual ates-
direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e tou que 93% dos titulares são mulheres e 73% das
o combate à discriminação e às demais formas de famílias são negras.
intolerância étnica. O Estatuto da Igualdade Racial Construção, com incipiente implementação, da
estabelece em seu capítulo III a criação do Sistema Política Nacional de Saúde Integral da População
Nacional de Igualdade Racial (Sinapir), aprovado Negra, instrumento que tem por objetivo combater
e regulamentado pelo Decreto 8.136/2013, o qual a discriminação étnico-racial nos serviços e atendi-
estimula a proliferação de conselhos, ouvidorias mentos oferecidos no Sistema Único de Saúde, bem
e órgãos gestores de promoção da igualdade racial como promover a equidade e incentivar a produção
nos Estados e municípios. de conhecimento científico e tecnológico em saúde
O Programa Universidade Para Todos (Prouni) da população negra, na qual a incidência maior está a
instituído em 2004, é sem dúvida, em termos redis- anemia falciforme, o glaucoma, a hipertensão arterial
tributivos, uma política afirmativa de grande e o diabetes.

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ENCARTE
TEÓRICO

Apesar do panorama positivo que evidenciam nas universidades. O cenário apontaria para um
conquistas na luta contra o racismo, os dados ofi- ataque radical à democracia, no qual a população
ciais reafirmam a necessidade de mais e melhores negra seria atingida diretamente.
ações afirmativas de caráter amplo na busca por A extinção do Ministério das Mulheres,
igualdade racial no Brasil, e apesar dos feitos serem Igualdade Social e Direitos Humanos, órgão
significativos, ainda há falta de sensibilidade por vocacionado para o desenvolvimento de políti-
parte do Estado com a pauta da igualdade racial. cas afirmativas da identidade histórica e social de
milhões de brasileiras e brasileiros que ficaram
Retrocessos de um governo sem silenciados e invisibilizados ao longo de séculos
direitos e sem igualdade racial de opressão e dominação capitalista, demons-
Um “presidente” não eleito democratica- trava que direitos sociais adquiridos com muita
mente e um plano de governo com uma proposta luta seriam afetados diretamente por essa pro-
extrema de ataque à democracia e aos direitos pensão ao equipamento neoliberal, assumida
humanos, estampam os retrocessos incomensu- ilegitimamente pelo governo Temer.
ráveis da gestão de Michel Temer no decorrer do Fernandes (2007, p.52) chama atenção para os
segundo semestre de 2016 em nosso país. O des- problemas materiais e morais que envolvem a
monte foi abertamente anunciado no processo “população de cor”:
de nomeação da equipe de governo, o qual evi-
denciava a ausência de mulheres e negros, fato Cabe aos próprios “brancos” um esforço
que ganhou repercussão internacional e sofreu de reeducação para que deixem de falar
críticas severas de organismos internacionais em “democracia racial” sem nada fazer
como a Comissão Interamericana de Direitos de concreto a seu favor e fazendo muito
Humanos (CIDH), ligada à Organização dos Esta- no sentido contrário. Será difícil que o
dos Americanos (OEA), que em nota divulgada governo ou os próprios componentes da
pela entidade, afirmou que “a redução, sem jus- “população de cor” consigam êxito diante
tificativa, de recursos destinados a programas da indiferença do “branco” nesse assunto.
sociais representa violação do princípio da pro- É preciso que se compreenda que uma
gressividade, previsto em tratado internacional sociedade nacional não pode ser homo-
ratificado pelo Brasil em 1996”. gênea e funcionar equilibradamente sob
Como afirma Ferraro (2000, p.28) estamos a permanência persistente de fatores de
diante de uma “redefenição do Estado em termos desigualdade que solapam a solidariedade
classistas, no sentido marxiano, com redução de nacional. Além disso, tem de evoluir para
suas funções de cunho social universalista, e noções menos toscas e egoísticas do que
da ampliação do espaço e do poder dos interes- vem a ser uma democracia.
ses privados, particularistas de acumulação”. A
conjuntura já nos remetia a um profundo pro- No entanto, a derrocada imposta por um
cesso de exclusão social, ratificado por meio de grupo usurpador dá sinais explícitos do retro-
medidas como cortes em diversos programas cesso a um Estado oligárquico preparado para
como Minha Casa minha Vida, Universidade atender aos interesses de uma minoria patrimo-
Para Todos (Prouni), Financiamento Estudantil nialista, formada por representantes exclusivos
(Fies), além da nomeação para o Ministério da da burguesia industrial, agrária, comercial, imo-
Educação o deputado Mendonça Filho, o qual biliária e financeira, que preza pela exclusão da
sempre se colocou contra as cotas para negros maioria da população.

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Algumas Considerações
Os programas de governo de Lula e Dilma são Referências
sem dúvida, passivos de críticas e falhas, mas é 1. Constituição da República Federativa do Brasil –
indiscutível que fruíram iniciativas com poten- Artigo 5, dos direitos e garantias fundamentais.
ciais positivos na construção de políticas públicas Brasília, 2014.
voltadas para o impasse social que aflige parte 2. Convenção 169 da OIT – Estabelece o direito à auto-
da população, de maioria negra. Prova disso, são definição de Povos e Comunidades tradicionais.
os indicadores socioeconômicos que apontam 3. Decreto 4.887, Regularização Fundiária de Terras de
índices descomunais voltados para violência Quilombos. Brasília, 2003.
contra mulheres e jovens negros, desemprego, 4. Decreto 6.040, Política Nacional de Desenvol-
subrepresentatividade nos espaços de decisão vimento Sustentável de Povos e Comunidades
política, elemento que pode ser analisado a partir Tradicionais. Brasília, 2007
do fenômeno conhecido com racismo institucio- 5. FERNANDES, Florestan. O negro no mundo dos
nal, instaurado de forma velada no cotidiano dos brancos. 2 ed. Revista. São Paulo, Global, 2007
mais variados órgãos governamentais, privados e 6. FERRARO, Alceu. “Neoliberalismo e políticas públi-
até mesmo em organizações que se autodeclaram cas: a propósito do propalado retorno às fontes”, em
progressistas e reconhecedoras do mal causado Ferreira, Márcia Ondina. V. & Gugliano, Alfredo Alejan-
pelo preconceito e pela discriminação de cor em dro (eds.) Fragmentos da globalização na educação:
nossa sociedade. uma perspectiva comparada (Porto Alegre: Artes
Depreende-se desse estudo que no decorrer da Médicas Sul). 2000.
nossa história, o povo negro foi e continua sendo 7. GOMES, Nilma. Cultura Negra e Educação. Revista
exemplo de luta e resistência, ainda que as conquis- Brasileira de Educação. Cultura, culturas e educação.
tas correspondam de forma tímida a um projeto de ANPED, n. 23, maio;jun;jul;ago. 2003.
nação sem desigualdades sociais e raciais. É pos- 8. Lei 12.288, Estatuto da Igualdade Racial. Brasília,
sível afirmar que os avanços foram positivos, em 2010.
especial nos últimos treze anos, mas em contrapar- 9. MUNANGA, Kabenguele. GOMES. Nilma. O Negro
tida, o contexto atual demonstra uma determinada no Brasil de Hoje. São Paulo, Global, 2006.
voracidade por parte do desgoverno de Michel 10. Superando racismo na Escola. Ministério da Edu-
Temer e recentemente Bolsonaro, em desarticular cação. 3. Ed. Brasília: [s.n], 2000.
as políticas de promoção da igualdade racial que 11. IANNI, Octavio. Pensamento social no Brasil. São
resultaram de ações afirmativas imprescindíveis Paulo. Edusc, 2004.
para corrigir as situações de desigualdades, esta-
belecidas ao longo da nossa história.
Portanto, no momento em que a sociedade
vive uma conjuntura de agravamento das con-
tradições e impasses, no âmbito social, político
e econômico, cabem iniciativas concretas que
envolvam tanto a pesquisa e o empenho em com-
preender as condições sob as quais as diversidades Elizangela de Almeida Silva
elizangela.mova@hotmail.com
raciais se revelam, seja na organização do mundo Mestra em Educação e Políticas Públicas
do trabalho, nos movimentos sociais, na expressão pelo Programa de Pós- Graduação em
religiosa, como a mobilização social efetiva e forte Educação (PPGE) da Universidade
Federal do Amazonas – UFAM.
contra o que está acontecendo no Brasil.

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VIOLÊNCIA

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DO LUTO À LUTA
Um grito contra o feminicídio

A driana, Adriele, Albane, Alessan-


dra, Alice, Alícia, Amanda, Ana Júlia,
Ana Maria, Ana Patrícia, Ana Paula,
Andrea, Andressa, Andreza, Antônia, Ariane
Suelen, Atyla, Bianca, Brenda, Camila, Carla,
a outubro, foram de 246 mulheres vítimas de
agressões, enquanto no mesmo período do ano
anterior foram 208. Os dados são do Instituto
de Segurança Público (ISP).
No Distrito Federal, as estatísticas revelam
Cátia Suely, Cidcleide, Cláudia, Claudia, Clau- que o numero de mortes de mulheres, vítimas
diani, Cleide, Conceição, Creusa, Cristiane, de violência, cresceu 42% em 2018, passando de
Cristina, Daiane, Daniela, Danielle Stephanie, 18 para 43 casos, de janeiro a novembro, quando
Darlly, Dayanne Joyce, Débora, Deigla, Delci, comparado ao ano anterior. Os dados são da
Denise, Dilma, Edilane, Edilene, Edilma, Edina, Secretaria de Segurança Pública.
Edneia, Ednusia, Elaine, Eli, Ellen, Elza, Emile... A O levantamento mostrou ainda que
lista parece não ter fim. Parou aqui porque não 51% das vitimas tinham entre 18 e 41 anos
cabe na página, mas vai até o final do alfabeto. de idade e na maioria dos casos, elas foram
Esses nomes representam apenas uma vítimas dos namorados, companheiros ou
parte da lista de casos de feminicídio regis- maridos com quem convivem sujeitas a
trados no Brasil, até outubro de 2018. Em 2017, algum tipo de dependência, principalmente
mais de 1,1 mil brasileiras foram assassinadas a financeira. O medo de denunciar é um viés
por questões de gênero; uma média de três destas trágicas estatísticas.
mulheres por dia, um terço do registrado em Em Brasília, apenas em um fim de semana,
toda a América Latina, onde o índice é de nove quatro mulheres foram vítimas de feminicídio.
feminicídios diários. Os números são do relató- As vítimas tinham perfil diversificado, variando
rio da Organização das Nações Unidas (ONU) de mulheres moradoras da periferia até aquelas
Mulheres. A América Latina é considerada o que pertenciam à classe média alta da cidade.
local mais perigoso do mundo para as mulhe- “Tivemos na Universidade de Brasília
res, fora de uma zona de guerra. (UnB) a morte de uma estudante. E temos, por
Aqui no Brasil, os números se espalham outro lado, casos em Brasília em áreas rurais e
por todo o país. De janeiro a setembro do mais pobres, em que homens com certa idade,
ano passado, 86 mulheres foram vítimas quase 60 anos, matam mulheres também de
de feminicídio só no Estado de São Paulo. A 60 anos. São crimes que não só acontecem
quantidade de crimes desse tipo, em 2018, já entre as classes, mas também entre as idades”,
era maior que em todo o ano anterior, quando lamenta Lia Zanotta – Doutora em Ciências
85 mulheres morreram em decorrência da sua Humanas (Sociologia) pela Universidade de
condição feminina. São Paulo (USP), autora do livro Feminismo
No Rio de janeiro, os registros de casos de em Movimento e professora titular de Antro-
tentativa de feminicídio, em 2018, de janeiro pologia da UnB.

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VIOLÊNCIA

No DNA do país Constituição Federal de 1988. A lei do Feminicí-


Segundo Lia, a violência contra a mulher dio é de 2015, bem mais recente que a chamada
é algo sistêmico impregnado na história do Constituição Cidadã.
Brasil que traz, ao longo do tempo, uma série A realidade é que quando o assunto é
de instrumentos que, no passado, legitima- violência contra a mulher, não existe local,
vam a violência e o cerceamento de liberdade classe social, faixa etária, doutrina religiosa
das mulheres. ou mesmo noção de tempo e espaço. As esta-
“As pessoas não sabem, mas os Códigos tísticas são implacáveis. Segundo o Instituto
Penal e Civil, de longa data no Brasil, legal- Patrícia Galvão, a cada dois minutos, uma
mente instituíram que as mulheres deveriam mulher registra agressão sob a Lei Maria da
obedecer ao marido. Isso perdurou até 1962, Penha; a cada nove minutos uma mulher é
quando o estatuto da mulher casada permitiu vítima de estupro; a cada dia, três mulheres são
que ela pudesse trabalhar e viajar sem pedir vítimas de feminicídio; a cada dois dias, uma
a autorização do marido”, conta a professora. pessoa trans ou gênero-diversa é assassinada.
Foto: Katia Maia
Ela relembra que o sistema jurídico, que vigo-
rou durante o período do Brasil-Colônia, foi
o mesmo que existia em Portugal e destacou
as Ordenações Filipinas, salientando que,
até 1900, se o homem desconfiasse que sua
mulher estivesse em uma relação ou olhando
para outro homem, ele podia matá-la. E isso
era legal. “O contrário, entretanto, não era ver-
dadeiro. Mulher nenhuma podia matar seu
marido”, completa.
“Se imaginava que o valor social era
manter a família, em nome do direito abstrato
da mulher. Podia-se matar”, resume. “Este con-
texto faz a diferença; existir uma lei especial
contra a violência contra as mulheres, para
compensar o quanto nós mulheres tínhamos
sido tratadas como desiguais, subordinadas Lia Zanotta: a violência contra a
em todas as legislações anteriores”. Basica- mulher não tem dia,hora, local, raça,
faixa etária ou crença religiosa
mente, a igualdade de gênero só aparece na

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Principais agressões
registradas em 2018

30.918 7.036
Violência física Tentativa de feminicídio

15.803 23.937
Violência doméstica e familiar Violência psicológica

4.491 3.960
Violência sexual Violência moral

Covardia contra a mulher dispara no país


Fonte: Disque 180 / Registros de julho a dezembro

Denúncias Disque 180 Tentativa de feminicídio


73.669 2749

+ +
73.669 25,3% 46%
2749
3 mulheres
são assassinadas
por dia no Brasil
Fonte: ONU Mulheres

2017 2018 2017 2018

443
Total de delegacias especializadas
no atendimento às mulheres em
situação de violência, menos de 10%
dos 5570 municípios do país

MARÇO DE 2019 | MÁTRIA | 45


VIOLÊNCIA

Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil


Mais de 500 mulheres declararam ter sofrido
violência sexual pelo médium João de Deus

Não é de Deus
O caso do médium João de Espírito Santo, Rio Grande do Sul, gente, não é possível que isso não
Deus, denunciado no fim de 2018 Mato Grosso do Sul, Pará e Santa vá ter fim”, disse.
por mais de 500 mulheres, que Catarina, além de outros países, “Há mulheres que tiveram a
declararam ter sofrido violência como Holanda (a primeira mulher vida destruída, que tiveram dificul-
sexual, revela o silêncio e o receio a denunciar) e Estados Unidos (a dades de se relacionar, de maridos
que acometem as mulheres quando segunda). que deixaram essas mulheres
vitimas de algum tipo de violência. Uma mulher relatou que foi porque não acreditaram nos rela-
Em apenas quatro dias, mais de 300 abusada por João de Deus cerca tos delas”, explicou Silvia Chakian,
vítimas denunciaram o médium, de 20 vezes, durante atendimentos promotora do Ministério Público
até então conhecido internacio- “espirituais” na Casa Dom Inácio de de São Paulo (MPSP) e coordena-
nalmente pelo seu dom de cura. As Loyola, em Abadiânia (GO), entre dora do grupo de enfrentamento
denúncias que chegaram ao Minis- 2009 e 2010. Ela tinha tudo regis- à violência domestica e familiar
tério Público traziam relatos de trado em um diário da época. A contra a mulher. Ela faz parte da
vítimas de Goiás, Distrito Federal, vítima contou que tinha 20 anos equipe que ouviu os depoimentos
Minas Gerais, São Paulo, Paraná, e que ficou deprimida e chegou a das mulheres que se declararam
Rio de Janeiro, Pernambuco, pensar em suicídio.“Eu pensava: vitimas de assedio sexual pelo

46 | MÁTRIA | MARÇO DE 2019


médium. Silvia destaca que existe
um machismo na sociedade brasi-
leira. “Ainda tem uma dupla moral
para julgar o comportamento da
mulher”, disse em entrevista.
Segundo a pesquisadora
Lia Zanotta, há uma questão do

Novas
julgamento que se faz dessas
mulheres, quando sofrem a vio-

armas contra
lência e continuam nos ambientes
em que são vitimas. “Nesse ponto,

as mulheres
é uma ilusão dizer que elas ficam.
Muitas vezes elas nãos saem
porque sabem que a ameaça
aumenta se deixarem seus com- Enquanto isso, o Governo Federal carrega com mais
panheiros. Então, existem muitos munição os índices de violência contra a mulher. No último
mitos que culpam as mulheres pelo dia 15 de janeiro, o Presidente Jair Bolsonaro assinou o
fato de serem assassinadas”, afirma. decreto 9.685, que altera as regras para a posse de armas
Ela avalia que o momento atual de fogo no país, tornando mais flexíveis os critérios para
tem seu lado bom, porque a lei do a sua aquisição.
Feminicídio, se não conseguiu Segundo especialistas em segurança pública, a litera-
ainda diminuir os assassinatos tura internacional mostra uma relação entre o aumento
nem a violência contra as mulhe- da circulação de armas de fogo e o crescimento do índice
res, já mudou um pouco a opinião de homicídios por armas de fogo. E como o Brasil é um dos
publica e terá efeitos positivos. A cinco países com maior número de feminicídios no mundo,
má noticia é o cenário que o Brasil o resultado dessa matemática aponta para uma estatística
atravessa de retrocesso no que ainda mais alarmante.
se refere á tolerância em relação
a uma sociedade mais justa. “O
momento de hoje é de apreensão e
expectativa porque, basicamente, a
sociedade que queremos é de plura-
lidade e ética”, ressalta.
De acordo com Lia, a educação
tem papel fundamental para que
se possa trazer a moralidade e o
respeito à pluralidade, à ética e ao
outro dentro da família e da socie-
dade. “Mexemos na opinião publica
e nas leis do país, mas falta mexer
mais fortemente na educação, e
digo familiar e escolar. As duas tem
que vir juntas”, conclui.

MARÇO DE 2019 | MÁTRIA | 47


VIOLÊNCIA

Então, vamos falar de superação ?


Essas foram as primeiras com o pai da minha filha mais Hoje, com a devida distância, ela
palavras ditas por Kennya Silva nova”, conta. percebe que não foi ele que se
Fernandes, de Belo Horizonte Ágatha tem quatro meses e é transformou, mas ela que nunca o
(MG), quando expôs sua vida em fruto de uma relação que come- percebeu como realmente era.
uma rede social. Uma história de çou como tantas outras: “Ele era o “Na verdade, desde o começo,
abuso, violência, fuga, recomeço ele me manipulava e eu não con-
e superação. Não muito diferente seguia enxergar. Em pequenos
da história de Karla Vecchia, de detalhes: me proibia de falar
Foto: Arquivo pessoal

Cuiabá (MT), que ainda na ado- com as pessoas, de usar certos


lescência, conheceu o mundo de tipos de roupas, não gostava que
agressões e de abusos. eu fizesse o cabelo... Eu achava
Não muito diferente de cen- que era algo normal porque eu
tenas de milhares de mulheres, também cobrava dele, mas já era
que souberam dar um basta no abusivo, hoje eu vejo”, admite.
sofrimento e provaram, dia a dia, As agressões viraram xin-
que há saída e esperança para gamentos e “gorda” era o mais
quem se dispõe a lutar felicidade, leve que ela ouvia. Karla chora
pelo direito de ser mulher. ao relembrar da sua gravidez.
“Hoje estou bem, feliz e em “Ele foi preso e mesmo da prisão,
paz. Dando valor para as coisas ele me ligava e dizia que ia abrir
que realmente importam: mãe, minha barriga, tirar minha filha e
família... minhas filhas”, come- eu morreria”, fala entre lágrimas.
mora Karla, mãe de duas meninas, Karla Vecchia Foi quando Karla decidiu
Mora em Cuiabá-MT
Duas filhas de 5 anos e 4 meses.
de cinco anos e de quatro meses. Mãe e sou solteira
deixar Cuiabá e ir para Itapema
Mas para chegar a este ponto (SC), ficar próxima de sua mãe
de lucidez e calma interior, ela adotiva. “Minha mãe mandou
passou por muita coisa. Rapper, passagem, para mim e minha
ativista, feminista e autônoma, homem da minha vida”, disse. Ela filha mais velha. Fui à psicóloga,
como ela mesma se define, Karla se recorda que, no início do rela- comecei a tomar antidepressivos, e
é uma ex-viciada em recuperação cionamento, ele era uma pessoa então dei realmente início ao meu
(está limpa há oito anos). maravilhosa. “Achei que Deus pré-natal. Contei tudo par a psi-
Dos 14 aos 20 anos, enfrentou tinha me dado a melhor pessoa do quiatra e foram elas que abriram
a violência física e sexual. “Saí de mundo, mas era somente um per- minha cabeça. Eu achava que era a
casa cedo. Fui morar em casa de sonagem”, lamenta Karla. errada e tinha dúvidas se era real-
conhecidos, que só me ajudavam O relacionamento não durou mente violência psicológica“, conta.
por que queriam algo em troca. um ano. Segundo Karla, com a Karla voltou para Cuiabá com
Passei por vários episódios de gravidez, ela começou a cobrar as duas filhas. “Quando a minha
violência com estranhos, mas a dele uma postura mais próxima. filha nasceu, parece que tudo o que
que mais me doeu, e a que até hoje “E ele se sentiu oprimido”, disse. O eu vivi havia passado. Eu precisava
ainda ecoa em mim, foi a que sofri grande amor virou um monstro. sentir que eu tenho família porque

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eu me iludia que família era um “Diálogo, em casa, quase não havia. ao invés de continuar a defendê-la,
homem, eu e os filhos”, explica. Tive uma criação bem rígida e começou a atacá-la. “Uma maneira
Karla sabe que agora tem uma arcaica, daquela em que a criança de me coagir”, diz.
“vida nova”. “Consegui me livrar de abaixa a cabeça quando se fala Aos 16 anos, ela saiu de casa, com
tudo no Natal de 2018. Foi quando com ela”, diz. O rigor não impediu um namorado, para viver sua pró-
percebi que eu estava feliz. Ele me que ela fosse abusada, aos 10 anos pria vida. “Um mês depois, ele me
ligou e pensei comigo: ele não faz por um parente. agrediu. Pensei: vou fica aqui, apa-
parte da minha vida”, alegra-se. nhando e passando raiva?”. Mas,
“Sempre fui autônoma, Kennya engravidou. “Ficamos
vendo roupas masculinas, faço juntos por dez anos, por questões
Foto: Arquivo pessoal

projetos sociais com o rap, temos financeiras e principalmente a


um coletivo Mulheres do hip hop ideia de não voltar para a minha
de Mato Grosso. Hoje, sou uma casa”, justifica, lembrando que, ao
pessoa feliz e em paz porque vivi sair de casa, seu padrasto disse: “A
momentos de perturbação na partir deste momento, aconteça
minha mente. Fiquei destruída e o que acontecer, você é só uma
desmanchada. Mas, fui forte, não visita aqui em casa”, recorda.
voltei para as drogas”, conclui. Kennya aguentou, chegando
Kennya não conhece Karla, até a morar numa loja com ratos
mas as duas representam bem e baratas por toda a parte. “Dali
essa triste realidade cotidiana, em diante, eu comecei a pensar
na qual mulheres são recorrente- que precisava fazer algo e não
mente abusadas e violentadas de adiantava mais reclamar. Tracei
forma psicológica, física, verbal, Kennya Silva Fernandes metas: arrumei dois empregos,
social e financeira. Mora em Belo Horizonte-MG uma casa, conheci uma advo-
Idade: 29 anos
Filha de pai alcoólatra, Um filho de onze anos gada, nova, e passei a perceber
viciado em drogas e pornogra- que as pessoas a tratavam com
fia, diagnosticado como doente respeito. Saí transformada e
mental, Kennya já começou sua Ele tinha 22 anos. “Era uma decidida a ser advogada. De lá para
vida conhecendo o pior do mundo. pessoa que me defendia perante cá, tudo mudou”, comemora.
“Passei muita fome quando criança, minha mãe, por causa do rigor dela. Ela conta que hoje está sepa-
era até desnutrida”, conta. “Cansada Ganhou minha confiança, até que rada do pai de seu filho, que já está
de sofrer, minha mãe se separou veio o primeiro beijo. Fiquei cho- com 11 anos, estagia no Tribunal de
do meu pai e nós fomos enfrentar cada, mas não tinha como contar Justiça de Minas Gerais e, paralela-
o mundo, sem eira nem beira... eu, pra ninguém. Um dia, estávamos mente, trabalha como diarista em
ela e minha irmã”. em casa e aconteceu. Eu não sabia uma casa de família. “A mudança
Prestes a se formar em Direito, o que estava errado, mas sabia que na minha vida veio de verdade
Kennya faz uma reflexão sobre estava errado”, esclarece. quando a minha família passou a
suas escolhas e comenta que come- Depois do episódio, Kennya me respeitar, minha mãe percebeu
çou a trabalhar aos nove anos, conta que sua vida virou um que eu não era mais uma criança e
vendendo material de limpeza inferno, porque o parente, que era hoje sou uma referência para ela e
na rua. Estudava e trabalhava. na verdade cunhado da mãe dela, para todos”, afirma feliz.

MARÇO DE 2019 | MÁTRIA | 49


RESISTÊNCIA

Não é
mimimi!

50 | MÁTRIA | MARÇO DE 2019


P assada a ressaca pelos acontecimentos das urnas, no final de 2018, e
pelos fatos, atos e declarações do novo Governo Federal – e de parte
do seu staff – já no início de 2019, fica um sinal de alerta ligado nos
corações e mentes de todos. A mobilização continua, porque há grandes
conquistas e enormes avanços que não podem retroceder, ou toda a luta
não terá valido a pena. O resultado das eleições não criou vitoriosos ou
derrotados porque, entre um lado e outro, há um país a se defender.

MARÇO DE 2019 | MÁTRIA | 51


Foto: Katia Maia RESISTÊNCIA

Marjorie: " Se há algo de


positivo no meio dessa lama
política, é perceber como tem
crescido a força feminista"

Aliás, na avaliação de quem avalia Marjorie Nogueira Chaves, Na avaliação do Centro Femi-
faz parte de movimentos de ativista pelos direitos das mulhe- nista de Assessoria e Estudos
resistência, antifascista, e pelos res, pesquisadora, doutoranda em (Cfemea), a diversidade da mobiliza-
direitos democráticos a derrota Política Social pela Universidade de ção nas eleições trouxe importantes
nas eleições, para o candidato da Brasília (UnB) e mestre em História conclusões: “Deixou evidente, apesar
direita, não foi suficiente para pela mesma instituição. das diferenças entre as mulheres
desfazer o sentimento de luta e presentes nos atos, a certeza de que
de união que levou milhares de Na rede juntas somos mais capazes de trans-
mulheres, de todo Brasil, às ruas, Entre dois mundos – o real e formar o poder. É isso que queremos,
unidas por um só sentimento. Por o virtual – o movimento #EleNão mais mulheres juntas, para trans-
isso, agora, depois da eleição, nin- ocupou espaços de grandes propor- formar a política e construir outras
guém solta a mão. ções, ao longo do segundo semestre formas de exercício do Poder”, con-
“Murchar agora é impossível. de 2018, e em 29 de setembro atin- clui o estudo.
O ano de 2018, apesar de ter havido giu seu ápice, quando centenas de Na ocasião, o atual Presidente era
um enorme retrocesso e uma dis- milhares de mulheres, em todo o apenas um candidato e a luta estava
cussão política extremamente Brasil e em outros países, saíram em plena efervescência. O resultado
violenta, a gente teve, enquanto às ruas para fazer frente à candi- das urnas, no entanto, revelou o
mulheres e movimento, muito datura do então deputado federal contrário e venceu o discurso ultra-
sucesso em mobilização política”, de direita, Jair Bolsonaro. conservador de direita. Mas, como

52 | MÁTRIA | MARÇO DE 2019


se avalia em momentos estratégicos, doutora em Ciência Política pelo chamada Constituição Cidadã. E
perde-se a batalha, mas não a guerra. Instituto de Ciência Política da UnB. foi justamente neste ano, que o
“A gente precisa entender, Assim, no momento imediata- país assistiu à sociedade dizer sim
também, que este não é um movi- mente após as eleições, a mensagem à onda de conservadorismo e movi-
mento somente do Brasil, ele está que mais reverberou nas redes mento de direita.
também na América Latina. Se a sociais foi “Ninguém Solta a Mão “Depois de tantas conquis-
gente considerar a ida das mulheres de Ninguém”, uma clara menção ao tas que, no Brasil, vieram com a
para as ruas, na Argentina, também dia seguinte, ao choque de realidade abertura pós-democrática, pós-
por conta da descriminalização do que acreditam será preciso enfren- -ditadura, com a Constituição
aborto, o movimento Nenhuma a tar pelos próximos quatro anos. Cidadã, com toda uma mobilização
Menos cresceu muito lá. Não tem mais “Para a gente, este é um momento da Constituinte em que todos os
como retroceder”, reafirma Marjorie. de muita coragem para enfrentar os movimentos sociais participaram.
desafios, mas requer força, união e A gente tem agora esta resposta –
Mãos dadas solidariedade de cada um”, declara algo, aliás, que a nossa sociedade
Para os especialistas, as eleições Maria José Moraes Costa, a Masé sempre foi; conservadora!”, desa-
expuseram um discurso extremista Moraes, da secretaria de mulheres da bafa Marjorie.
de direita, marcado pela raiva. Confederação dos Trabalhadores na “Se há algo de positivo, no meio
“Porém, não é de hoje que feministas, Agricultura (Contag). dessa lama política que estamos
cientistas políticas, educadoras, ati- vivendo, é perceber como tem cres-
vistas têm denunciado que o Brasil Emblemático cido a força feminista entre nós
– mas não só – tem experimentado, O ano de 2018 foi absolutamente mulheres brasileiras, como temos
na política e na cultura, uma onda representativo para a história do conseguido resistir com nossas
conservadora/reacionária”, avaliam mundo e do Brasil. O mundo viu próprias cabeças, almas, corpos e
as pesquisadoras Maria Ligia Elias, completar 70 anos da Declaração vozes!”, analisam Natalia Mori e
Doutora em Ciência Política pela Universal dos Direitos Humanos, e Sônia Malheiros, do Cfemea.
Universidade de São Paulo (USP), o Brasil, os 30 anos da promulgação Para elas, a verdade é que a luta
e Denise Mantovani, jornalista, da Constituição Federal de 1988, a requer tempo e paciência. “Afinal,

Foto: Jordana Mercado


Encontro de Mulheres da CNTE:
após o choque das urnas, de
mãos dadas para enfrentar
os próximos quatro anos

MARÇO DE 2019 | MÁTRIA | 53


RESISTÊNCIA

no Brasil, as mulheres foram auto-


rizadas a frequentar a universidade
em 1879; a acessar políticas de pla-
nejamento familiar para poderem
ter domínio de seus projetos de
vida; de quantas filhas, com quem
tê-las e em que momento de sua
vida ser (ou não) mães (Lei nº 9.263,
de 12 de janeiro de 1996); igualdade
de direitos para as trabalhadoras
domésticas (Lei Complementar 150
de junho de 2015); direito a viver
livre da violência de quem deve-
ria nos amar (Lei nº 11.340/2006,
Maria da Penha)”, enumeram Mori
e Malheiros.

Olhar para frente


Para 2019, a expectativa é de que são as que mais morrem por No fim das contas, para os movi-
luta redobrada. “A gente, desde o homicídio no Brasil. E, nos últimos mentos sociais, as perdas parecem
resultado das eleições, tem tido 10 anos, este números só aumentou evidentes, e o país pode vivenciar,
esta preocupação com a questão e significa que os instrumentos segundo Masé, uma fase de retro-
da violência e da repressão muito legais, de combate a violência contra cesso e de perdas de direitos, além
mais aflorada. A gente está olhando as mulheres, ainda precisam dialo- de muito conservadorismo. Assim,
com muito cuidado a questão do gar com a perspectiva racial, para em sua avaliação, o retrocesso
medo, mas não se pode apavorar”, entender que o racismo também é requer mesmo muita união.
comenta Masé. Ela destaca a apre- vetor desta violência”, ressalta.
ensão de como será a Marcha das No cenário atual, há de se
Margaridas, por exemplo, neste ano preocupar com a perspectiva da
de governo Bolsonaro. participação das mulheres no
“A princípio, a gente não conse- mercado de trabalho, da reforma
gue visualizar nenhum momento trabalhista e do fim do Ministé-
que haja abertura. A gente não rio do Trabalho. “Observando, vai
consegue ver isso da parte do ser muito prejudicial para a classe
novo governo, mas trabalhamos trabalhadora, como um todo, e
numa plataforma da marcha. Infe- principalmente para as mulheres”,
lizmente, a gente não consegue lamenta a pesquisadora.
visualizar que uma pessoa, que não De acordo com Marjorie, é
quer discutir direitos, queira dialo- notório que a desigualdade, que já
gar com movimentos”, lamenta. é discrepante, em relação à partici-
Marjorie diz que o sentimento pação e principalmente aos salários,
é de riscos ao que foi conquistado. vencimentos recebidos e formaliza-
“A gente fala de todas as mulheres, ção, que ainda existe entre homens
como um todo; das mulheres negras, e mulheres irá se acirrar.

54 | MÁTRIA | MARÇO DE 2019


Foto: Lula Marques

Movimento conclamado nas redes sociais,


o #EleNão, tomou as ruas de todo o país

Uma história narrada pelo jornalista Luís Nassif, que se passou


nos tempos da ditadura militar no Brasil, nos barracos improvisa-
dos, onde funcionava o Curso de Ciências Sociais da Universidade
Foto: Lula Marques
de São Paulo (USP). Ele conta que, de noite, quando as luzes das
salas de aula eram repentinamente apagadas, os estudantes bus-
cavam as mãos uns dos outros, se agarravam ao pilar mais próximo
e gritavam no meio do pavor: “Ninguém solta a mão de ninguém”,
na tentativa de impedir que alguns deles fossem levados pela re-
pressão. Depois, quando as luzes acendiam, faziam uma chamada
Mulheres fazem a
resistência nas ruas entre eles. Mas, muitas vezes, um colega não respondia, porque já
não estava mais lá.
Seguindo esse conceito, a imagem que viralizou imediatamen-
te após as eleições de 2018, criada pela artista plástica e tatuado-
ra mineira Thereza Nardelli, de 30 anos, mostra duas mãos entrela-
çadas com uma rosa no meio delas e a frase: Ninguém solta a mão
de ninguém. A frase, segundo Thereza, era repetida por sua mãe,
como uma espécie de mantra, durante uma época em que sua famí-
lia atravessava momentos difíceis.
“O desenho representar conforto, sabe? Que não estamos sós. Que
tem gente perto e que a gente pode contar sim um com o outro”, ava-
lia a tatuadora, para tentar explicar o sucesso da imagem que criou.

MARÇO DE 2019 | MÁTRIA | 55


ARTIGO

Yamile Socolovsky
Secretária de Relações Internacionais - CONADU

Uma maré verde que


constrói liberdade
A luta pela legalização do aborto tem
uma longa história na Argentina: sua
incorporação na agenda de lutas do
movimento de mulheres faz parte do processo de
desenvolvimento de um feminismo que avançou
parlamentar, permitiu, após várias tentativas,
que a proposta legislativa fosse debatida em 2018
no Congresso Nacional.
Neste ano, a última versão do Projeto da Cam-
panha foi assinada por mais de 70 deputadas e
de expressões originariamente vinculadas à mili- deputados de quase todos os blocos parlamen-
tância de alguns setores políticos minoritários e a tares, em um contexto de crescente mobilização
uma intelectualidade que recuperava e traduzia do movimento de mulheres, potencializado pelas
para as argentinas os debates e as palavras de convocações do Nem Uma a Menos contra a vio-
ordem impulsionadas em outras latitudes, para lência machista e, desde 2016, também contra as
uma configuração massiva, aberta e plural, que políticas de ajuste e repressão do governo neolibe-
amadureceu nos Encontros Nacionais de Mulhe- ral. Mobilizadas contra todas as violências às quais
res e, hoje, torna-se visível na “maré verde” que a cultura patriarcal e o sistema capitalista nos sub-
vem ocupando as ruas de todas as cidades do país metem, a penalização do aborto e a condenação à
repetidamente, colocando no espaço público a clandestinidade também foram compreendidas
urgência e a justiça de uma reparação desta como um exercício abusivo do poder sobre as
dívida da nossa democracia. mulheres e as pessoas com capacidade de gestar.
Um passo decisivo nesta história foi a cons- É assim que a reivindicação de reconhecimento
tituição, no ano de 2005, da Campanha pelo legal do direito ao aborto, em uma perspectiva
Aborto Legal, Seguro e Gratuito. Uma constru- integral que exige também uma política pública
ção que foi somando vontades e que, pouco a que assegure a educação sexual e o oferecimento
pouco, conseguiu ir ganhando a adesão de uma de métodos anticoncepcionais, foi incorporada
enorme variedade de organizações e institui- como um aspecto central da mobilização que,
ções representativas da vida social. Sindicatos, nesta etapa, ganha toda a vitalidade de um femi-
partidos políticos, universidades, organismos nismo popular capaz de convocar a juventude e
de defesa dos direitos humanos e coletivos mili- de crescer no interior das organizações políticas e
tantes de cores variadas puderam apropriar-se sindicais com uma força inevitável.
do Projeto de Lei da Campanha e unir-se à sua É assim que, frente à tentativa do governo
estratégia de sensibilização e mobilização que, de converter essa justa causa e essa ampla luta
em conjunto com um paciente e inteligente lobby em uma oportunidade para desviar o eixo do

56 | MÁTRIA | MARÇO DE 2019


debate social, o movimento de mulheres redo- o acesso à saúde. A clandestinidade agrava as
brou a aposta para fazer avançar o debate consequências da desigualdade de condições
parlamentar habilitado pelo oficialismo em sociais; a ausência de políticas públicas condena
direção a uma resolução favorável das vota- à morte e a sofrimentos evitáveis especialmente
ções. E respaldou essa aposta com a mobilização as mulheres pobres.
nas ruas e o debate democrático, replicado de Temos, além disso, como sindicatos da edu-
mil maneiras em cada cidade, em cada praça, cação, um compromisso especial com a disputa
em cada local de trabalho, em cada escola e pela democratização dos espaços e processos de
universidade, nas redes, em assembleias, em formação da cidadania. Por isso, nossos argu-
intervenções artísticas, em todo os âmbitos mentos também apelam aos governos para
em que os lenços verdes puderam ser exibidos que assumam a responsabilidade do estado de
para colocar à prova e demonstrar a legitimi- garantir que a educação sexual integral no sis-
dade social dessa reivindicação. O agitar dos tema público permita que os alunos e alunas
lenços e as vigílias acompanharam cada uma desconstruam, junto com seus professores, as
das audiências nas quais foram expressos com armadilhas culturais que reproduzem o poder
todas as modulações imagináveis nossos argu- patriarcal que impõe a maternidade às mulhe-
mentos a favor da sanção da Lei. res e, em geral, às pessoas com capacidade de
Ali estiveram também muitos sindicatos e, gestação, e que castiga o exercício elementar de
obviamente, também os sindicatos da educação, autonomia pessoal que reside na capacidade de
que puderam expor no Congresso os motivos decidir sobre aquilo que afeta o próprio corpo
pelos quais nossas entidades se pronunciaram e a própria vida. Trata-se, além disso, de um
publicamente a favor da sanção da Lei. Como assunto relativo à autonomia, ao nosso direito
indicamos na ocasião, é uma realidade que nós, de decidir e de não ter que pagar com a estig-
trabalhadoras, quando decidimos interromper matização, com a culpabilização e até com a
uma gravidez, abortamos, mesmo sujeitas às morte pela rebeldia de exercê-lo. Esta é uma
condições de clandestinidade que a penalização luta profundamente democrática, uma luta pela
impõe e expostas às suas injustas consequên- igualdade e pela liberdade: queremos apagar o
cias: o silêncio e a ocultação obrigados pela fogo da fogueira que uma cultura opressora
hipocrisia da sociedade, a coação das corpora- sempre volta a acender para disciplinar, através
ções eclesiásticas, a perversidade do negócio de de nossos corpos, toda a sociedade.
uma medicina que lucra na sombra, o risco para Finalmente, após ganhar a votação na
a nossa continuidade profissional e para nossa Câmara dos Deputados, o Senado rejeitou em
vida, que será maior quanto mais vulnerável e agosto o projeto de Lei. Apesar do resultado,
precária for nossa situação, no âmbito do traba- naquela madrugada, a vigília de centenas de
lho ou no espaço doméstico. O posicionamento milhares de lenços verdes não teve o gosto de
dos sindicatos é uma exigência da própria tarefa uma derrota. E embora um preocupante fas-
sindical e um dever de solidariedade, pois se cismo e obscurantismo tenha se manifestado
trata de pôr fim a uma das mais dramáticas nestes meses na ativação reacionária de um
consequências da desigualdade de poder em setor “antidireitos”, temos certeza de ter con-
nossa sociedade, que afeta especialmente as quistado a aprovação da maioria da sociedade.
trabalhadoras. Por isso, sustentamos que a lega- Mas, sobretudo, temos certeza de que o poder
lização do aborto é um assunto relativo à justiça deste movimento não se deterá. Voltaremos,
social e envolve direitos fundamentais, como como a maré, até que seja lei.

MARÇO DE 2019 | MÁTRIA | 57


Foto: Katia Maia DIVERSIDADE

Um dia para todo


o tipo de família
Na escola da diretora Keith e da supervisora pedagógica Hozana, o dia da Família é celebrado há 18 anos

E stá no dicionário: família é o


conjunto de pessoas, em geral
ligadas por laços de paren-
tesco, que vivem sob o mesmo teto;
pessoas do mesmo sangue ou não,
todas as formações familiares”,
explica Keith Soares Alves, diretora
da Escola Classe 12, localizada em
Taguatinga, Região Administrativa
(RA) de Brasília a 30 Km do centro da
tem pais, ou são filhos de viciados
em drogas ou presidiários. Então, o
nosso foco é trabalhar sempre com
a família”, explica Keith.
O Dia da Família é uma alter-
ligadas entre si por casamento, filia- Capital Federal. nativa também de respeito à
ção ou mesmo adoção (...). Em outras O Dia da Família – ou Festa da diversidade. Em 2018, Alexandre
palavras, família extrapola conceitos Família, como preferem algumas Marques, advogado e professor, deci-
pré-determinados e engloba toda e escolas – já é uma realidade, princi- diu tirar seu filho de quatro anos de
qualquer formação e/ou constitui- palmente na rede pública de ensino. uma escola particular, porque não
ção, independente de ser formada Na EC 12 de Taguatinga, a data é concordou com o modelo de realiza-
por um pai, uma mãe e filhos; dois comemorada há 18 anos. Os mais de ção do Dia das Mães.
pais ou duas mães e filhos ou qual- 400 alunos, do primeiro ao quinto “Tive um grande embate com
quer outro tipo de conjunto. ano, já estão acostumados com a a escola porque, na primeira festa,
Assim, tem sido uma tendência, festa, que acontece sempre no mês que é a das mães, no mês de maio,
em escolas de todo o país, a realiza- de maio, próximo ao Dia das Mães. vivi o constrangimento horrível de
ção do Dia da Família em vez de o “Na verdade, o perfil da nossa receber um bilhetinho falando da
Dia das Mães e o Dia dos Pais. Uma escola é estar de mãos dadas com a lembrancinha do dia das mães. Eu
alternativa politicamente correta família. A gente tem muitos alunos pontuei que meu filho não iria par-
“que contempla a todos e envolve com problemas familiares que não ticipar por uma única razão: ele não

58 | MÁTRIA | MARÇO DE 2019


Foto: Arquivo pessoal

materna”, disse e conta que quando


a professora pediu para ele fazer
um poeminha em relação a mãe “ele
conversou com outro coleguinha
e pontuou: como vou falar de mãe,
sendo que eu tenho dois pais e sinto
orgulho deles”. Messias avalia que
esse é um tipo de situação que acaba
trazendo à tona na vida das crianças
“um sentimento de abandono. Porque
se a mãe abandonou, esse momento
vai ser muito dolorido para ela”, disse.
Alexandre e Jr adotaram os irmãos Luiz Felipe e Marcos Vinícius
José Messias concorda que para
tem mãe. A escola chegou a pontuar entanto, era obrigado a fazer lem- a criança o Dia da Família não é só
que eu não me preocupasse porque brancinha do Dia dos Pais. “Minha importante pela questão LGBT, mas
a minha mãe poderia ir no lugar da mãe nunca bateu na minha cara, porque a família mudou. “Hoje a
mãe do meu filho”, contou. exceto uma vez, num Dia dos Pais família não é formada apenas por
Alexandre é casado com o em que a escola pediu para fazermos um pai e uma mãe, tem famílias em
dentista Inelson Junior e os dois ado- um presente para o pai e eu fiz o meu que avós e até tios assumem esse
taram dois meninos há três anos: o porcamente”, relembra. espaço”, lembra.
Luiz Felipe, de quatro anos, e o Marcos José Messias Araújo Laurentino, “Realizar o Dia da Família é,
Vinicius, de 13 anos. Ambos viviam em 42 anos, é outro pai que apoia o Dia da acima de tudo, uma questão de
um abrigo em Trindade (GO). Família. Para ele, a escolha por cele- respeito”, defende Hozana Costa,
“Eles sempre tiveram dois pais e brar a data é um avanço. Ele é casado supervisora pedagógica da EC 12. “Na
expliquei para a escola que só acei- com Dalmiro Oliveira de Jesus, 41 escola, a gente sempre foca na ques-
taria que a minha mãe fosse à festa anos. Os dois moram em Goiânia e tão do respeito à pessoa como cidadã,
se eu, Alexandre Marques, pudesse têm o Enzo, filho de 11 anos, adotado. independentemente de cor, raça ou
subir no palco e fazer as apresenta- “Nosso filho é muito bem ins- gênero. É um ser humano. Temos
ções para homenagear a mãe que é truído. Nunca negamos a questão que respeitar”, enfatiza a pedagoga.
minha. Ouvi a seguinte resposta: pai,
você é muito brincalhão”.
Foto: Arquivo pessoal
Celebrar a família, na opinião
do advogado, é um ato de respeito à
criança. Porque o contrário, avalia ele
“é um ato egoísta nosso homenagear
o pai ou a mãe e não se preocupar
se a criança, por exemplo, perdeu
o pai ou a mãe em acidente. Então,
celebrar o dia da mãe ou do pai seria
celebrar a morte deles?”, polemiza. Para José Messias, casado com
Ele se baseia na própria história Dalmiro, o Dia da Família é importante
porque o modelo de família mudou
com o pai, com quem sempre teve
problemas de relacionamento e, no

MARÇO DE 2019 | MÁTRIA | 59


GIRO
Mafalda: 50 anos de feminismo em tirinhas 
Em 2019, a personagem Mafalda completou 50 anos.
Criação do cartunista argentino Quino, a mocinha
se destaca por provocar reflexões em questões como
maternidade, guerra, infância e temas feministas.
Mafalda: Femenino Singular é a nova compilação
das tirinhas feita pela editora espanhola Lumen, que
pretende mostrar o que faz da personagem um ícone
na luta das mulheres em diversos países do mundo.

 Manifestação: barreira de mulheres


alcança 620 quilômetros na Índia
Em manifestação a favor da entrada de mulheres em
templos hindus, milhares de mulheres formaram uma
espécie de “barreira humana”, com 620 quilômetros
de extensão, em Kerala, sudeste da índia, no 1º de
janeiro de 2019. O protesto foi uma resposta aos
tradicionalistas que tentaram purificar o templo
hindu de Sabarimala, após a visita de duas mulheres,
Bindu e Karnaka Dung. Elas desafiaram uma tradição
de séculos que proíbe a entrada de mulheres em
idade reprodutiva nos templos. A suprema corte
do país retirou o banimento há cerca de três meses,
provocando revolta de grupos conservadores.

Mais mulheres e mais diversidade no


Parlamento dos EUA 
A representatividade feminina nos Estados Unidos
aumentou: nas eleições legislativas para o novo ciclo,
foram eleitas 117 mulheres para mandatos na Câmara e
no Senado, de um total de 534 congressistas; enquanto
no último ciclo, em 2016, foram 89 mulheres. Chama a
atenção a diversidade das eleitas: as deputadas Ilhan
Omar, de Minnesota, e Rashida Tlaib, de Michigan,
são as primeiras mulheres muçulmanas, na história,
eleitas para o Congresso norte-americano. Ilhan é a
primeira parlamentar de origem somali. Além disso,
foram eleitas deputadas pela primeira vez no país,
duas mulheres de origem indígena, Sharine Davids,
da nação Ho-Chunk, do Kansas, e Deb Haaland,
da tribo Pueblo de Laguna, do Novo México

 Islândia é o primeiro país a proibir


pagamento de salário inferior a mulheres
Em 1º de janeiro entrou em vigor, na Islândia, a lei
que proíbe às empresas e ao setor público pagar
salários maiores a homens que a mulheres. Órgãos
governamentais e empresas do setor privado com
mais de 25 funcionários terão que obter certificação
atestando a existência de políticas de igualdade salarial
efetivas em sua organização. O não cumprimento dos
requisitos será penalizado com multas diárias de cerca
de R$ 1.620. A medida torna a Islândia o primeiro país do
mundo a ter a igualdade salarial como obrigação.

60 | MÁTRIA | MARÇO DE 2019


INTERAGINDO
Sugestões de leitura
HEROÍNAS NEGRAS BRASILEIRAS (Pólen Editorial, 2017) » Jarrid Arraes apresenta 15
biografias de mulheres negras que foram fundamentais para a construção do nosso país e da nossa
história, entre elas Tereza de Benguela, Maria Firmina dos Reis e Aqualtune.

MADALENA, ALICE (Editora Nós, 2018) » Alice é a filha que cuida da mãe Madalena com
doença de Alzheimer. Madalena é a mãe até então ativa e independente que se vê nas mãos da filha
e idealiza um filho que foi cuidar da própria vida e não a incluiu. A autora Bia Barros retrata esse
relacionamento entre mãe e filha que convivem com essa doença.
Séries
A AMIGA GENIAL (EUA/Itália, 2018) » A primeira temporada da série inspirada no livro “A
amiga genial”, da Elena Ferrante, estreou no Brasil. O principal tema é a amizade entre duas meninas
na Itália da segunda metade do século XX e o poder da educação para a emancipação das mulheres.

O CONTO DE AIA (EUA, 2017) » Série baseada no livro homônimo da escritora canadense
Margaret Atwood. Offred é uma criada na casa do líder da República de Gilead, uma das últimas
mulheres férteis, o que a leva ser utilizada como escrava sexual que irá repopular o planeta devastado.

Documentários
EXTERIORES - MULHERES BRASILEIRAS NA DIPLOMACIA (Brasil, 2018) -
Documentário marca o centenário da presença de mulheres na carreira diplomática e resgata, entre
outras histórias, a da jovem baiana que, em 1918, se tornou a primeira mulher diplomata brasileira.
Direção: Ivana Diniz.

AS HIPER MULHERES (Brasil, 2012) » Registro sobre o Jamurikumalu, o maior ritual feminino
do Alto Xingu, no Mato Grosso. Direção: Carlos Fausto, Leonardo Sette e Takumã Kuikuro.

MISS REPRESENTATION (EUA, 2011) » “Falta de representação” é uma reflexão sobre como
as mulheres são retratadas nos meios de comunicação e o poder da mídia para a construção das
identidades de meninos e meninas. Direção: Jennifer Siebel Newson.
Filmes
ROMA (EUA/México, 2018, 135 minutos) » Inspirado na autobiografia do diretor Alfonso Cuarón,
Roma se passa na Cidade do México, durante a década de 1970, e acompanha a rotina de uma família
de classe média pelo olhar da babá e empregada doméstica. O filme retrata as contradições de classe e
a história de trabalhadoras domésticas da América Latina.

NISE: O CORAÇÃO DA LOUCURA (Brasil, 2015, 108 minutos) » Filme trata da biografia da
doutora Nise da Silveira, médica de um hospital psiquiátrico no Rio de Janeiro que se recusa a empregar
o eletrochoque e a lobotomia no tratamento dos esquizofrênicos. Direção: Roberto Berliner.

O SONHO DE WADJDA (Alemanha/Arábia Saudita, 2012, 100 minutos) » Wadja é uma menina
de 12 anos que mora no subúrbio da capital da Arábia Saudita. Apesar de viver em uma cultura
conservadora, Wadjda deseja disputar uma corrida de bicicleta com seu melhor amigo Abdallah e
enfrenta dificuldades para realizar seu sonho. Direção Haifaa Al Mansour.

ROSA LUXEMBURGO (Alemanha, 1986, 123 minutos) » Em 2019, o assassinato de Rosa


Luxemburgo completou 100 anos, uma das grandes líderes do movimento operário revolucionário
alemão. O centenário é uma oportuno para rever o filme. Direção: Margarethe von Trotta.

Sugestões de sites e blogs


www.leiamulheres.com.br
www.naomekahlo.com
www.mulheresnaciencia.com.br
www.geledes.org.br
www.onu.org.br/onu-no-brasil/onu-mulheres

MARÇO DE 2019 | MÁTRIA | 61


SUGESTÃO
DE ATIVIDADES
VIOLÊNCIA CONTRA MULHER » Mostrar o vídeo Tea Consent (Con-
sentimento é simples como chá - legendado): aos alunos a
partir de 15 anos e depois debater com eles como colocar em
prática. Explicar que relações saudáveis e seguras começam
quando as duas pessoas estão de acordo sobre cada passo do
relacionamento. » https://bit.ly/1FmbnXe

QUILOMBOLAS » Propor aos alunos uma pesquisa sobre Aqual-


tune e Tereza de Benguela e estimular a produção de um
quadro comparativo sobre semelhanças e diferenças entre
as histórias dessas duas mulheres líderes de quilombos. Em
paralelo, pedir para que eles pesquisem sobre os quilombos
que existem atualmente. Após as pesquisas, os alunos escre-
vem uma carta para uma dessas lideranças contando sobre
como são os quilombos hoje.

PREVENINDO ABUSO SEXUAL INFANTIL » Apresentar aos alunos do


ensino fundamental o vídeo: “Prevenção ao abuso sexual
infantil”. Em seguida, faça uma roda de conversa sobre o que
os estudantes pensam em relação aos riscos do contato com
estranhos ou até mesmo familiares ou pessoas próximas.
Mostrar o Estatuto da Criança e do Adolescente, descrevendo
os direitos das crianças, e explicar que o abuso sexual infan-
til é um problema social grave, que precisa ser combatido.
» https://bit.ly/2B4qV70

DIVERSIDADE » Pedir para os alunos trazerem fotos ou objetos


que representem os membros de suas famílias. Fazer uma
roda de conversa em que cada aluno apresenta esses objetos
e conta sobre sua família. Explicar que cada família é de um
jeito e que é importante respeitar todos os tipos de família.

FEMINISMO » Apresentar aos alunos do ensino médio a bio-


grafia da matemática Ada Lovelace e o legado dela para a
computação. Pedir aos alunos que pesquisem mulheres bra-
sileiras de destaque nas ciências na atualidade e estimular
que eles entrem em contato com essas cientistas e façam
entrevistas sobre o que elas estão produzindo.

62 | MÁTRIA | MARÇO DE 2019


Diretoria Executiva da CNTE
Gestão 2017/2021

PRESIDENTE
Heleno Araújo Filho (SINTEPE/PE)
VICE-PRESIDENTE
Marlei Fernandes (APP/PR)
SECRETÁRIA DE FINANÇAS
Rosilene Corrêa Lima (SINPRO/DF)
SECRETÁRIA GERAL
Fátima Aparecida da Silva (FETEMS/MS)
SECRETÁRIO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Roberto Leão (APEOESP/SP)
SECRETÁRIO DE ASSUNTOS EDUCACIONAIS
Gilmar Soares (SINTEP/MT)
SECRETÁRIO DE IMPRENSA E DIVULGAÇÃO
Luiz Carlos Vieira (SINTE/SC)
SECRETÁRIO DE POLÍTICA SINDICAL
Rui Oliveira (APLB/BA)
SECRETÁRIA DE FORMAÇÃO
Marta Vanelli (SINTE/SC)
SECRETÁRIA DE ORGANIZAÇÃO
Beatriz Cerqueira (SIND-UTE/MG)
SECRETÁRIA DE POLÍTICAS SOCIAIS
Ivonete Almeida (SINTESE/SE)
SECRETÁRIA DE RELAÇÕES DE GÊNERO
Isis Tavares (SINTEAM/AM)
SECRETÁRIA DE APOSENTADOS E ASSUNTOS PREVIDENCIÁRIOS
Selene Michielin (CPERS/RS)
SECRETÁRIO DE ASSUNTOS JURÍDICOS E LEGISLATIVOS
Gabriel Pereira Cruz (SINPRO/DF)
SECRETÁRIA DE SAÚDE DOS TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO
Francisca da Rocha (APEOESP/SP)
SECRETÁRIO DE ASSUNTOS MUNICIPAIS
Cleiton da Silva (SINPEEM/SP)
SECRETÁRIO DE DIREITOS HUMANOS
José Christovam Filho (SINDIUPES/ES)
SECRETÁRIO DE FUNCIONÁRIOS DA EDUCAÇÃO
José Carlos do Prado (AFUSE/SP)
SECRETÁRIA DE COMBATE AO RACISMO
Iêda Leal (SINTEGO/GO)

SECRETARIA EXECUTIVA
Ana Cristina Guilherme (SINDIUTE/CE)
Berenice D’Arc Jacinto (SINPRO/DF)
Cândida Beatriz Rossetto (CPERS/RS)
Edmilson Camargos (SAE/DF)
Girlene Lázaro da Silva (SINTEAL/AL)
Joaquim Juscelino Linhares (APEOC/CE)
José Valdivino de Moraes (APP/PR)
Luíz Carlos Paixão (APP/PR)
Manoel Rodrigues (SINTERO/RO)
Odeni de Jesus da Silva (SINTE/PI)
Raimundo Oliveira (SINPROESEMMA/MA)
Rosana Souza do Nascimento (SINTEAC/AC)

COORDENADOR DO DESPE
Mario Sergio Ferreira de Souza (PR)

COORDENADOR DO COLETIVO DA JUVENTUDE


Valdeir Pereira (MT)

DIRETORIA EXECUTIVA ADJUNTA


Alessandro Souza Carvalho (APEOC/CE)
Antônio Lisboa Amancio Vale (SINPRO/DF)
Carlos de Lima Furtado (SINTET/TO)
Dóris Regina Nogueira (SINTERG/RS)
Ionaldo Tomaz (SINTE/RN)
Marco Antônio Soares (APEOESP/SP)
Maria Marleide Matias (SINTE/RN)
Marilda de Abreu Araújo (SIND-UTE/MG)
Marilene dos Santos Betros (APLB/BA)
Nelson Galvão (SINPEEM/SP)
Odisséia Carvalho (OPOSIÇÃO SEPE/RJ)
Valéria Conceição da Silva (SINTEPE/PE)
Veroni Salete Del Ré (APP/PR)

CONSELHO FISCAL - TITULAR


Antônia Benedita Costa (SINPROESEMMA/MA)
Edson Rodrigues Garcia (CPERS/RS)
Ivaneia de Souza Alves (OPOSIÇÃO SINSEPEAP/AP)
José Teixeira da Silva (SINTE/RN)
Ornildo Roberto de Souza (SINTER/RR)

CONSELHO FISCAL - SUPLENTE


Edivaldo Faustino da Costa (SINTEP/PB)
Fábio Henrique Matos (SINTE/PI)
Francisca Ribeiro da Silva (SINTE/PI)
A Lei Maria da Penha Em Cordel
(Tião Simpatia)

A lei maria da penha Pro brasil desenvolver Violência sexual: Você pode me explicar?
Está em pleno vigor E tantos outros direitos Dá-se pela coação Tudo pode acontecer
Não veio pra prender homem Que não dá tempo dizer. Ou uso da força física No âmbito familiar!
Mas pra punir agressor Causando intimidação
Pois em “mulher não se bate E a lei maria da penha E obrigando a mulher Nesse caso é diferente;
Nem mesmo com uma flor”. Cobre todos esses planos? Ao ato da relação... A lei é bastante clara:
Ah, já estão assegurados Por ser uma questão de
A violência doméstica Pelos direitos humanos. Qualquer ação que impeça gênero
Tem sido uma grande vilã A lei é mais um recurso Esta mulher de usar Somente à mulher, ampara.
E por ser contra a violência Pra corrigir outros danos. Método contraceptivo Se a mulher for valente
Desta lei me tornei fã Ou para engravidar O homem que livre a cara.
Pra que a mulher de hoje Por exemplo: a mulher Seu direito está na lei
Não seja uma vítima amanhã. Antes da lei existir, Basta só reivindicar. E procure seus direitos
Apanhava e a justiça Da forma que lhe convenha
Toda mulher tem direito Não tinha como punir A quarta categoria Se o sujeito aprontou
A viver sem violência Ele voltava pra casa É a patrimonial: E a mulher desceu-lhe a
É verdade, está na lei. E tornava a agredir. Retenção, subtração, lenha
Que tem muita eficiência Destruição parcial Recorra ao código penal
Pra punir o agressor Com a lei é diferente Ou total de seus pertences Não à lei maria da penha.
E à vítima, dar assistência. É crime inaceitável Culmina em ação penal...
Se bater, vai pra cadeia. Agora, num caso lésbico;
Tá no artigo primeiro Agressão é intolerável. Instrumentos de trabalho Se no qual a companheira
Que a lei visa coibir; O estado protege a vítima Documentos pessoais Oferecer qualquer risco
A violência doméstica Depois pune o responsável. Ou recursos econômicos À vida de sua parceira
Como também, prevenir; Além de outras coisas mais A agressora é punida;
Com medidas protetivas Segundo o artigo sétimo Tudo isso configura Pois a lei não dá bobeira.
E ao agressor, punir. Os tipos de violência Em danos materiais.
Doméstica e familiar Para que os seus direitos
Já o artigo segundo Têm na sua abrangência A quinta categoria Estejam assegurados
Desta lei especial As cinco categorias É violência moral A lei maria da penha
Independente de classe Que descrevo na sequência. São os crimes contra a honra Também cria os juizados
Nível educacional Está no código penal De violência doméstica
De raça, de etnia; A primeira é a física Injúria, difamação; Para todos os estados.
E opção sexual... Entendendo como tal: Calúnia, etc. e tal.
Qualquer conduta ofensiva Aí, cabe aos governantes
De cultura e de idade De modo irracional Segundo o artigo quinto De cada federação
De renda e religião Que fira a integridade Esses tipos de violência Destinarem os recursos
Todas gozam dos direitos E a saúde corporal... Dão-se em diversos âmbitos Para implementação
Sim, todas! sem exceção Porém é na residência Da lei maria da penha
Que estão assegurados Tapas, socos, empurrões; Que a violência doméstica Em prol da população.
Pela constituição. Beliscões e pontapés Tem sua maior incidência.
Arranhões, puxões de orelha; Espero ter sido útil
E que direitos são esses? Seja um, ou sejam dez E quem pode ser enquadrado Neste cordel que criei
Eis aqui a relação: Tudo é violência física Como agente/agressor? Para informar o povo
À vida, à segurança. E causam dores cruéis. Marido ou companheiro Sobre a importância da lei
Também à alimentação Namorado ou ex-amor Pois quem agride uma
À cultura e à justiça Vamos ao segundo tipo No caso de uma doméstica rainha
À saúde e à educação. Que é a psicológica Pode ser o empregador. Não merece ser um rei.
Esta merece atenção
Além da cidadania Mais didática e pedagógica Se por acaso o irmão Dizia o velho ditado
Também à dignidade Com a autoestima baixa Agredir a sua irmã Que “ninguém mete a colher”.
Ainda tem moradia Toda a vida perde a lógica... O filho, agredir a mãe; Em briga de namorado
E o direito à liberdade. Seja nova ou anciã Ou de “marido e mulher”
Só tem direitos nos “as”, Chantagem, humilhação; É violência doméstica Não metia... agora, mete!
E nos “os”, não tem novidade? Insultos; constrangimento; São membros do mesmo clã. Pois isso agora reflete
São danos que interferem No mundo que a gente quer.
Tem! Tem direito ao esporte No seu desenvolvimento E se acaso for o homem
Ao trabalho e ao lazer Baixando a autoestima Que da mulher apanhar?
E o acesso à política E aumentando o sofrimento. É violência doméstica?

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