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CARRO COM
FIBRA
O uso de material de origem vegetal na
produção de peças para automóveis é opção
para tornar a indústria mais sustentável
Suzel Tunes
T
suspendeu toda a produção de automóveis nos
Wellen.
Estados Unidos. Com isso, o experimento do
carro de soja não evoluiu. Depois, o esforço da
al como no projeto da Unesp com a
empresa foi direcionado à recuperação das
Volkswagen, a parceria entre
perdas causadas pela guerra e o automóvel de
brasilei- ros e alemães nasceu de
bioplástico caiu no esquecimento. Para o
buscas na in- ternet. Dessa vez, foi o
engenheiro químico Sandro Amico, coor-
lado brasileiro que tomou a iniciativa.
denador do Grupo de Materiais Compósitos e
Empenhada em desenvolver projetos
Nanocompósitos da Universidade Federal do Rio
na área de fibras vegetais e sabendo
Grande do Sul (UFRGS), outro fator que
do crescente interes- se da Alemanha
contri- buiu para o desinteresse da indústria
pela tecnologia verde, em 2015 a
foi o surgi- mento das fibras de vidro e carbono
pesquisadora da UFPB fez
nas décadas de 1930 a 1950. Ele explica que as
contatos com diversas universidades e
fibras sintéticas apresentavam vantagens como a
institutos de pesquisa germânicos.
elevada rigidez e a maior resistência mecânica a
Desses contatos resultou seu pós-doutorado no
ataques químicos e ambientais – enquanto as
Instituto Fraunhofer de Tecnologia de
naturais eram suscetí- veis à umidade, por
Manufatura e Materiais Avançados de Bremen e o
exemplo. Hoje, esse problema é contornável com
projeto atual. Para Wellen, coordenadora-geral
o tratamento das fibras ou pelo uso de aditivos
de pesquisa da UFPB, a troca de experiência
na formulação do compósito e a preocupação
entre as equipes é um dos aspectos mais
com o meio ambiente trouxe as fibras naturais de
importantes do convênio. “Houve uma melhora
volta ao cenário industrial.
na capacitação dos alunos. Temos dois
Amico trabalha há mais de duas décadas
integrantes da equipe fazendo douto- rado na
com diferentes tipos de fibra. “Hoje há vários
Alemanha.”
exemplos de aplicações que até cinco anos atrás
O novo polímero reforçado com fibras natu-
não existiam e outras que aumentaram de escala”,
rais está em fase de finalização e o protótipo de
atesta o pro- fessor. Como exemplo, ele cita a
uma peça automotiva feita com ele foi apresenta-
madeira plástica conhecida como WPC (wood-
do em outubro na Feira K 2022, maior evento in-
polymer compo- site), que surgiu na década de
ternacional da indústria de plásticos e
1960 e é formada
borracha,
PEÇAS AUTOMOTIVAS FEITAS COM FIBRAS VEGETAIS SÃO
MAIS LEVES E RESULTAM EM MENOR CONSUMO DE COMBUSTÍV
66 | JANEIRO DE 2023
Materiais desenvolvidos na Unesp de Botucatu (em sentido horário,
iniciando com a foto abaixo): componente automotivo fabricado
com biocomposto; corpo de prova elaborado com bambu;
compósito feito com fibra natural submetido a teste de resistência;
suporte para vidros criado com fibra de madeira
N
de juta e malva.
a Universidade Tecnológica Federal Segundo o pesquisador, que desde os anos
do Paraná (UTFPR), alunos do 1990 estuda o uso de fibras vegetais na produção
engenhei- ro florestal Ugo Leandro de te- lhas (ver Pesquisa FAPESP no 98), as telas
Belini, do De- partamento de de tecido de juta e malva justapostas e
Desenho Industrial e da Pós- conectadas entre si perpendicularmente formam
graduação em Sustentabilidade uma estrutura que confere leveza com maior
Ambiental Urbana, investigam como resistência mecânica e química do que o produto
elaborar produtos mais sustentáveis, patenteado há 10 anos. O projeto recebe apoio
como luminárias e óculos. Um da FAPESP e da Funda- ção de Amparo à
deles atraiu interesse de uma Pesquisa do Estado do Amazo- nas (Fapeam),
empresa local. por meio de acordo de cooperação científica que
“Em uma pesquisa de trabalho de conclusão de reúne pesquisadores da USP e da Universidade
curso, foi criada uma armação de óculos a par- Federal do Amazonas (Ufam).
tir de um compósito de partículas de bagaço de “A equipe do Amazonas tem expertise em
cana-de-açúcar tingidas com um corante natural, matri- zes poliméricas e nós em camadas de
açafrão, e aglutinadas com resina de fibrocimento. Há uma complementaridade e troca
poliuretano de mamona”, conta Belini. de experiên- cias enriquecedoras”, diz
Segundo uma análise de mercado publicada Savastano. Com a proi- bição do uso de amianto,
em 2020 pela consultoria norte-americana Grand ele vê boas perspectivas de comercialização das
View Research, o mercado de compósitos novas placas. “Como não há mais risco de
produ- zidos com fibra natural cresce no toxicidade, o fibrocimento tem sido considerado
mundo todo. A empresa estima que o setor também para usos internos, em divisórias de
chegue a 2024 avalia- do em US$ 10,9 bilhões. A ambientes, forros e placas de piso, o que pode
área que mais emprega esses materiais é a da elevar a demanda pelo novo produto no setor da
construção civil, que respon- de por mais da construção.” ■
metade da demanda. No exterior, o material
mais consumido é a madeira plástica WPC, Os projetos e o artigo científico consultados para esta reportagem estão
utilizada em pisos, assoalhos, batentes de listados na versão on-line.
PESQUISA FAPESP 323 | 67