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MÓDULO 1

INTRODUÇÃO
EXPEDIENTE
GOVERNO FEDERAL
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA
SECRETARIA NACIONAL DE POLÍTICAS SOBRE DROGAS

SECRETÁRIO NACIONAL
Paulo Gustavo Maiurino

DIRETOR DE POLÍTICAS PÚBLICAS E ARTICULAÇÃO


INSTITUCIONAL
Marcelo de Oliveira Andrade

COORDENADOR-GERAL DE INVESTIMENTOS, PROJETOS,


MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO
Gustavo Camilo Baptista

PLANEJAMENTO E GESTÃO
Glauber da Cunha Gervásio
Carlos Timo Brito
Eurides Branquinho da Silva

CONTEUDISTAS
George Felipe Lima Dantas
Isângelo Senna da Costa

REVISÃO DE CONTEÚDO
Fernanda Flávia Rios dos Santos
Maria de Fátima de Moura Barros

APOIO
Kathyn Rebeca Rodrigues Lima

BY NC ND

Todo o conteúdo do Curso FRoNt - Fundamentos para Repressão ao Narcotráfico e ao


Crime Organizado, da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD), Ministério
da Justiça e Segurança Pública (MJSP) do Governo Federal - 2022, está licenciado sob
a Licença Pública Creative Commons Atribuição - Não Comercial- Sem Derivações
4.0 Internacional.

REALIDADE AUMENTADA (RA)


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que dão acesso a conteúdos extras. Para visualizá-los, baixe o aplicativo
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA (SEAD)

SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA


Luciano Patrício Souza de Castro

labSEAD

COORDENAÇÃO GERAL
Luciano Patrício Souza de Castro

FINANCEIRO
Fernando Machado Wolf

SUPERVISÃO TÉCNICA EAD


Giovana Schuelter

SUPERVISÃO DE PRODUÇÃO DE MATERIAL


Daniele Weidle

SUPERVISÃO DE MOODLE
Andreia Mara Fiala

SECRETARIA ADMINISTRATIVA
Elson Rodrigues Natário Junior
Maria Eduarda dos Santos Teixeira

DESIGN INSTRUCIONAL
Supervisão: Milene Silva de Castro
Gabriel de Melo Cardoso
Márcia Melo Bortolato
Marielly Agatha Machado

DESIGN GRÁFICO
Supervisão: Douglas Luiz Menegazzi
Heliziane Barbosa
Juliana Jacinto Teixeira
Luana Pillmann de Barros
Vinicius Alves Jacob Simões

REVISÃO TEXTUAL
Cleusa Iracema Pereira Raimundo

PROGRAMAÇÃO
Supervisão: Alexandre Dal Fabbro
Cleberton de Souza Oliveira
Thiago Assi

AUDIOVISUAL
Supervisão: Rafael Poletto Dutra
Fabíola de Andrade
Luiz Felipe Moreira Silva Oliveira
Renata Gordo Corrêa

TÉCNOLOGIA DA INFORMAÇÃO
Dalmo Tsuyoshi Venturieri
Wilton Jose Pimentel Filho
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 6

Unidade 1 | ASPECTOS MERCADOLÓGICOS 7


DO NARCOTRÁFICO E DO CRIME
ORGANIZADO
1.1 Economia das drogas 7

1.2 Mercados ilegais 18

1.3 Redução da oferta de drogas 30

Unidade 2 | CRIME, ORGANIZAÇÕES 38


CRIMINOSAS E NARCOTRÁFICO

2.1 Crime organizado 38

2.2 Organizações criminosas (características e 42


peculiaridades de uma ORCRIM)

2.3 Narcotráfico/tráfico de drogas 45

Unidade 3 | ELEMENTOS HISTÓRICOS, 48


SOCIOECONÔMICOS E NORMATIVOS
DO CRIME ORGANIZADO E DO
NARCOTRÁFICO

3.1 Violência e drogas no Brasil e no mundo 48

3.2 Caracterização da criminalidade no Brasil 52

3.3 Peculiaridades do Sistema de Justiça 56


Criminal brasileiro

REFERÊNCIAS 63
APRESENTAÇÃO

Olá, cursista!
RA
Enquadre no seu celular Seja bem-vindo ao nosso primeiro módulo do curso.
ou tablet o código de
REALIDADE AUMENTADA
do aplicativo Zappar
Neste módulo, trataremos da problemática do narcotráfico e do crime
para assistir ao vídeo de organizado, por meio de uma abordagem multidisciplinar que leva em
apresentação do módulo. conta, por exemplo, aspectos econômicos, sociais, culturais e psico-
lógicos. Nesse sentido, apresentaremos reflexões que nos permitam
entender no que consiste a economia das drogas e quais os elementos
que compõem o mercado das drogas. Outros pontos abordados no
módulo dizem respeito a concepções nacionais e internacionais do
que vem a ser o crime organizado e as organizações criminosas em
suas interfaces com a violência e com o Sistema de Justiça Criminal.

Objetivos do módulo

‹ Descrever noções e conceitos essenciais à temática narcotráfico


e crime organizado.

‹ Examinar a problemática do mercado das drogas em seus


diferentes níveis e interfaces com áreas do conhecimento como
Direito, Economia e Psicologia.

‹ Identificar os contornos conceituais da violência com enfoque


em suas interações com a temática das drogas.

‹ Discutir aspectos relevantes do Sistema de Justiça Criminal


brasileiro em face de fenômenos relativos ao narcotráfico e ao
crime organizado.

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
6
UNIDADE 1
ASPECTOS MERCADOLÓGICOS
DO NARCOTRÁFICO E DO CRIME
ORGANIZADO

Contextualizando
Nesta unidade, apresentaremos as principais noções e conceitos re-
lacionados aos aspectos mercadológicos do crime organizado e do
narcotráfico, assim como os aspectos relacionados à oferta de drogas.
Para compor nossa reflexão, vamos nos valer de aspectos econômicos,
sociais, culturais e psicológicos que circundam o problema.

Para entender como se estrutura o sistema de economia das drogas,


avance para o próximo tópico.

1.1 Economia das drogas


A questão das drogas é um tema bastante presente e controver-
tido politicamente na vida contemporânea. Você já deve ter ouvido
discussões que perpassam esse assunto, em ambientes diferentes,
por diversas pessoas. De fato, o problema das drogas causa pressão
nas áreas da saúde, educação, segurança pública, gestão prisional e
assistência social, entre outras.

Foto: © [Haider] / Adobe Stock.

Os hospitais, presídios e centros de recuperação de dependentes


químicos mostram uma face grotesca do que começa com a produção
de substâncias de uso ilícito, normalmente Cannabis e cocaína, seu
transporte e depois tráfico de forma pulverizada nas áreas urbanas
da maior parte do mundo, uma verdadeira epidemia silenciosa.

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MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
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Nas ruas da maioria das capitais do país, usuários de
drogas são vistos nas sinaleiras, numa situação degradante,
pedindo moedas e mendigando qualquer centavo para
compra de droga.
(SOUZA; CALVETE, 2017)

Você perceberá, ao longo deste módulo, que a questão das drogas


é bastante complexa, a começar por sua natureza sanitária, social
e econômica. A dependência química é uma doença com várias ex-
pressões e com relação a diferentes drogas.

saiba mais
O Código Internacional de Doenças (2013), em sua décima
edição, aponta os vários diagnósticos correspondentes
(disponível em: https://cid10.com.br/).

Para falarmos da relação entre economia e drogas, é necessário


falarmos de Gary Becker (Prêmio Nobel de Ciências Econômicas de
1992) e sua contribuição para o estudo da chamada Economia do
Crime. Em 2004, Becker e colaboradores focaram o tema específico
da Teoria Econômica dos Bens Ilegais: o Caso das Drogas. Veja:

Becker (1974, p. 4) pressupõe que o crime é uma atividade


ou ‘indústria’ economicamente relevante, conquanto
negligenciada pelos economistas; conjectura, na sequência,
que a negligência resulta de atitude que concebe a atividade
ilegal como demasiadamente imoral para que receba uma
atenção científica sistemática.
(CARDOSO, 2018, p. 185)

A ideia da descriminalização das drogas foi levantada por Becker e


colaboradores. O famoso e premiado economista, juntamente com
outros dois pesquisadores da Universidade de Cambridge, Inglaterra,
estimaram teoricamente que os custos sociais da criminalização das
drogas poderiam superar seus efeitos benéficos (BECKER; MURPHY;
GROSSMAN, 2006, p. 38 apud CARDOSO, 2018, p. 185).

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MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
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dica de mídia

“The Business of Drugs”, em inglês original, ou


“Drogas: oferta e demanda”, em português, é uma série,
disponível no aplicativo Netflix desde 2020.
A apresentadora da série é uma ex-analista da Agência
Central de Inteligência dos Estados Unidos da América
que esteve por vários anos no enfrentamento da questão
das drogas. No trailer da série, a apresentadora declara
que a única maneira de acabar com a guerra contra as
drogas é entendendo a economia que a impulsiona.

Vale ressaltar que a modelagem utilizada por Becker e colaboradores


é estritamente econométrica, ou seja, tem o objetivo de entender
as variáveis capazes de interferir em uma relação de causa e efeito.
Portanto, não tem provisão sobre as muitas variáveis intervenientes,
como é o caso na relação entre liberação de drogas e menores custos
econômicos e sociais, passíveis de atuarem sobre o complexo fenô-
meno estudado: as drogas ilícitas.

RA Passadas algumas décadas das reflexões teóricas e das projeções


de Becker acerca dos eventuais benefícios da descriminalização das
Enquadre no seu celular
drogas, hoje é possível comparar fatos sobre a aplicação das duas
ou tablet o código de
REALIDADE AUMENTADA políticas: a política de descriminalização e a política de proibição legal.
do aplicativo Zappar para
assistir ao vídeo sobre
Os Estados Unidos da América constituem um bom exemplo a ser
Economia do Crime.
estudado nesse sentido.

| estados em que o uso recreativo


da maconha é legalizado nos eua

WASHINGTON
VERMONT MAiNE

OREGON
MASSACHUSETTS
MiCHiGAN

NEVADA
CALiFÓRNiA iLLiNOiS
COLORADO
Estados que liberam o consumo
recrativo da Cannabis nos EUA:
Califórnia, Colorado, Oregon,
Massachusetts, Washington,
Maine, Nevada, Illinois, Michigan,
Vermont, Alasca e Maine.
ALASKA
Foto: Adaptado de © [sutowo] /
Adobe Stock.

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MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
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Lá as unidades federativas possuem legislações distintas, ao con-
trário do Brasil, país onde prevalece uma legislação federal única.
Em função disso, as políticas de liberação de uso e comercialização
legal de drogas podem assumir posições extremamente díspares.

Loja de maconha no Colorado (Native Roots


Marijuana Dispensary).
Foto: © [Kristina Blokhin] / Adobe Stock.

No estado do Colorado, por exemplo, houve um aumento em todas


as taxas criminais desde que as leis liberando a maconha foram
aprovadas (FURTON, 2018). Por outro lado, uma pesquisa mostrou
que, na cidade de Denver, também no Colorado, a presença de pontos
de venda de maconha se correlacionou positivamente com uma
redução de 17 crimes por mês a cada 10.000 residências nos bairros
onde foram instalados.

Veja os dados relativos à queda dos crimes na capital do Colorado:

Redução de 19% na
taxa média dos
glossário crimes na cidade de
Denver, Colorado.
Correlação é uma medida do
relacionamento linear entre duas
variáveis. Essas variáveis podem
estar positivamente relacionadas,
negativamente relacionadas ou não
relacionadas.

Ethos é o conjunto de traços e modos de


ser que dão contorno identitário de um
determinado grupo social. Libertário Porém, há que se ressaltar que correlações não são, necessariamente,
é a filosofia política que abrange a não relações de causa e efeito.
agressão como valor fundamental e
os direitos de propriedade como seu Algo digno de nota está no fato de o Colorado ser conhecido nos Es-
núcleo. Os libertários estão associados ao tados Unidos da América pelo ethos libertário de seus locais. Curiosa-
anarquismo e livre mercado. mente, a cidade de Boulder no Colorado foi ranqueada pela National
Geographic Society como sendo a mais feliz dos EUA.

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MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
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Como a cidade mais feliz dos EUA, é seguro dizer que
Boulder encontrou seu equilíbrio. Esta cidade descontraída
no sopé das Montanhas Rochosas pontua em vários níveis
da escala para hierarquizar a felicidade.
(GUPTON, 2017)

No sentido oposto à política de abertura para a liberação do comércio


de drogas, está o recrudescimento da repressão ao tráfico em países
como Filipinas e Indonésia. A guerra declarada pelo presidente fili-
pino Rodrigo Duterte contra o tráfico continua bastante popular no
país, ainda que tenha um alto índice de mortes relacionadas a essa
política, segundo o artigo de Martin Petty (2019).

Situação semelhante ocorre na Indonésia, país que até mesmo já


executou brasileiros envolvidos com o narcotráfico internacional.
A opção pela redução da oferta de drogas ao povo indonésio pela
via da repressão é perceptível em falas do presidente Joko Widodo.

As drogas estão entrando nas aldeias, arruinando nossos


jovens, estão sendo vendidas nos campi; até as universidades
têm problemas com drogas. Isto é uma emergência.

(JOKO WIDODO)

A questão tem se tornado tão séria que o governo brasileiro tem alertado
os viajantes brasileiros dos riscos de se ingressar na Indonésia portando
drogas, veja as Instruções para Viajantes Brasileiros (BRASIL, 2020).

PODCAST transcrito

É importante ressaltar que o crime de tráfico de drogas


é punido na Indonésia com pena de morte. Cidadãos
brasileiros já foram condenados por tráfico de drogas na
Indonésia e sentenciados à pena de morte e executados.
Recorda-se a todos os viajantes brasileiros com destino
ao país que as punições para tráfico de drogas são
extremamente severas e que sua aplicabilidade é de
total competência das autoridades locais. Nesse sentido,
viajantes devem conhecer bem o conteúdo de qualquer
pacote, presente, envelope ou contêiner levado à Indonésia.

Convém, ainda, evitar transportar encomendas, sobretudo


de desconhecidos. Não há garantias de que as autoridades
indonésias venham a promover suspensão de pena de
morte por questões judiciais.

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MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
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Se a imoralidade do tema tráfico e do uso de drogas é fato ou não, em
face das ciências, nem por isso a economia das drogas deixou de ser
tratada por diversas ciências, incluindo a própria economia. E para
você entender a economia das drogas, é necessário ter em conta,
inicialmente, a noção do que é a expressão “economia”.

Economia traduz o processo pelo qual bens e serviços são


produzidos, vendidos e comprados pelos agentes econômicos em
um determinado tempo e lugar.

Neste ponto, também se faz necessário compreender a expressão


“droga” no contexto deste curso.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) define ‘droga’


como sendo ‘toda substância, natural ou sintética, capaz de
produzir, em doses variáveis, os fenômenos de dependência
psicológica ou dependência orgânica’.

(OMS, 2008 apud ROCHA, 2015, p. 20)

RA Já o Departamento de Narcóticos da Polícia Civil do Paraná define o


termo “droga” ligeiramente diferente, para ele “droga é o nome gené-
Enquadre no seu celular
rico dado a todos os tipos de substâncias, naturais ou não, que ao serem
ou tablet o código de
REALIDADE AUMENTADA ingeridas provocam alterações físicas e psíquicas” (DENARC, 2020).
do aplicativo Zappar
para assistir ao vídeo
Correspondentemente, drogas de uso ilícito são produzidas em certos
que apresenta uma
classificação das drogas.
locais, sendo depois transportadas e finalmente vendidas e compradas:

‹ No mesmo local.

‹ Numa região específica.

‹ Globalmente.

Trata-se, portanto, de uma atividade de cunho translocalizado,


ou que pode acontecer sequencialmente em lugares diferentes, no
todo ou em parte.

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
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| principais fluxos globais de cocaína
Principais produtores de cocaína

CANADÁ 14

EUROPA
124
EUA
165
MÉXiCO

EUA
17

17 CARiBE
VENEZUELA
MÉXiCO
CANADÁ 14
DOS ANDES
REGiÃO

165

ÁFRiCA
OCiDENTAL
REGiÃO
Principais produtores de cocaína DOS ANDES
BRASiL
Tráfico de cocaína (em toneladas métricas)
CARiBE

140
60
15 ÁFRiCA
DO SUL
6

Consumo de cocaína (em toneladas métricas)


VENEZUELA
BRASiL

Fonte: Adaptado de UNODC (2011).

O termo “droga” teve origem na palavra droog, proveniente do ho-


landês antigo, cujo significado é folha seca (DENARC, 2020), por conta
dos medicamentos que antigamente eram feitos com plantas. Hoje, a
terminologia ‘droga’ se refere a toda substância que tem propriedade
de afetar a estrutura e produzir efeitos no organismo, segundo a OMS.
EUROPA
OCiDENTAL
ÁFRiCA

124

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
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Chamamos de drogas psicotrópicas aquelas que atuam diretamente
glossário no funcionamento do sistema cerebral e causam modificações no
estado mental.

A terminologia “psicotrópico” é composta Drogas psicotrópicas, também conhecidas por substâncias psicoa-
por duas palavras: psico e trópico. Psico tivas, são aquelas que atuam diretamente sobre o cérebro, alterando
está relacionado ao psiquismo, que abarca de alguma maneira o psiquismo. Elas dividem-se em três grupos:
todas as funções do sistema nervoso drogas depressoras, drogas estimulantes e drogas perturbadoras.
central (SNC), e “trópico” significa ter
atração por, em direção a.

DROGAS DEPRESSORAS
Seu efeito é diminuir a atividade cerebral.
Elas diminuem a atividade psicomotora do organismo,
assim como a atenção, a concentração, a capacidade
de memorização e intelectual.

DROGAS ESTiMULANTES
Seu efeito é acelerar a atividade cerebral, trazendo
como consequência um estado de alerta exagerado,
insônia, sentimento de perseguição e aceleração dos
processos psíquicos.

DROGAS PERTURBADORAS
Seu efeito é distorcer ou modificar a atividade cerebral,
causando delírios, alucinações e alterações
na sensopercepção (efeito sinestésico). As drogas
perturbadoras também são chamadas de alucinógenas.

É importante ressaltar que os usuários dessas drogas podem ser clas-


sificados de acordo com o padrão de consumo. As classificações são:

‹ Experimental.

‹ Ocasional.

‹ Usuários de abuso.

‹ Usuários crônicos.

As drogas psicotrópicas são altamente viciantes, podendo levar o


indivíduo à dependência química, física e psicológica, e, dentre outras
coisas, pode resultar na morte do usuário (DENARC, 2020).

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cocaínaabuso
crack
narcótico
risco heroína
vício crime
dependência vida
substância droga
Veja a seguir os detalhes do surgimento da Cocaína e da Heroína.

1.1.1 Cocaína e heroína


Em um ensaio informativo intitulado “Doses Diárias: cocaína, a
droga glamourosa dos anos 70 está de volta”, o site do Instituto
para Pesquisas em Ciências Sociais da Universidade de Queensland
(Austrália) traça, em breves linhas, a trajetória da cocaína ao longo
da história. Um trecho desse ensaio referindo-se a um dos derivados
mais perigosos da cocaína, o crack, está traduzido a seguir:

O crack de cocaína é processado com amônia ou bicarbonato


de sódio, produzindo uma versão sólida em pedra da droga
que pode ser fumada. Não só o crack foi mais potente, mas
os efeitos da droga (normalmente após o fumo) foram
sentidos mais rapidamente.

(FERRIS; WOOD; COOK, 2018)

Ainda de acordo com o autor, o fato de a droga ser muito mais ba-
rata permitiu que ela se espalhasse rapidamente nas comunidades
mais carentes. Em 1985, seu uso tornou-se uma epidemia que teve
duração de 10 anos.

| sobre o crack

É um tipo de apresentação da cocaína sob O nome da droga deriva do ruído


forma solidificada em cristais. característico produzido ao ser aquecido.

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
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Nos Estados Unidos da América, surge também a heroína, uma droga
derivada da papoula e, assim como a morfina, é um pó de cor branca.
A ela também foi associado um glamour, como na descrição do pe-
riódico “The Dispatch” da Universidade de Nova Iorque:

Em 1990, a heroína chique se tornou o auge do vício em


drogas na mídia, principalmente na indústria da moda,
onde a estética andrógina era procurada por designers,
fotógrafos e marcas, acreditando que, quanto mais doente
você parece, mais as pessoas olham para você. Com uma
indústria forjada pelo vício em drogas, treze designers se
uniram para derrubar o sentimento com a formação de
Designers Against Addiction.
(THE DISPATCH, 2018)

Seja por glamour, por ponderações econômicas ligadas à política criminal


ou por qualquer outro motivo, no Brasil também há um forte apelo
para a abolição das restrições ao comércio de drogas. Em manifestação
recente, o icônico advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida
Castro afirmou que há necessidade de descriminalizar todas as drogas
(JORNAL O MOSSOROENSE, 2020).

Contudo, essa intenção não se restringe a manifestações na mídia e em


eventos acadêmicos. Não é de hoje que sentenças judiciais e mesmo a
lei penal vêm paulatinamente incorporando a agenda defendida com
veemência por Almeida Castro. Um exemplo disso está na profunda
alteração da Lei de Drogas ocorrida em 2006.

Antes
Lei nº 6.368
21 de outubro de 1976

Art. 16.

Adquirir, guardar ou trazer consigo, para o uso próprio, substâncias


entorpecentes ou que determine dependência física ou psíquica,
sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar.

Pena: Detenção, de seis meses a dois anos, e pagamento de vinte a


cinquenta dias-multa.

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MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
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Depois
Lei nº 11.343
23 de agosto de 2006
Art. 28.

Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer


consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em
desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido
às seguintes penas:

I . advertência sobre os efeitos das drogas;

II. prestação de serviços à comunidade;

III. medida educativa de comparecimento a programa


ou curso educativo.

Nesse sentido, observando-se a evolução da taxa de homicídios no


Brasil, percebe-se um ponto de inflexão com o aumento de mortes
por armas de fogo justamente após o advento da Lei nº 11.343/2006, a
qual, na prática, despenalizou o consumo de drogas no país. Os aspectos
psicossociais e econômicos relacionados à liberação das drogas serão
retomados com maior profundidade ao longo deste curso.

| taxa de homicídio no brasil


Homicídio de 1980
POR OUTROS a 2017
MEIOS Homicídio POR ARMA DE FOGO

60.000
o POR OUTROS MEIOS Homicídio POR ARMA DE FOGO 47.510
50.000 Homicídio POR OUTROS MEIOS
47.510
Homicídio POR ARMA DE FOGO

60.000

34.147 47.510
40.000
50.000
34.147
30.000
40.000
34.147

20.000
30.000

10.000
20.000

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10.000

Fonte: Adaptado de Romano (2019)


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Veja a seguir como funciona o mercado do tráfico, e o que dizem
os indicadores.

1.1.2 Mercado do tráfico


Várias décadas após Gary Becker estabelecer as bases da Economia
glossário do Crime, são diversos os autores e instituições da área econômica
que também passaram a tratar do tema. Até mesmo importantes
indicadores econômicos já são associados a atividades ilícitas.
Os indicadores macroeconômicos
são medidas que indicam as variáveis A exemplo disso, estão os documentos de organizações UNODC,
agregadas de todo o país, ao contrário dos UNDP, OMS etc., que trazem referências a atividades ilícitas em sua
indicadores microeconômicos, que focam articulação com indicadores macroeconômicos.
em empresas ou setores específicos.
Segue abaixo um excerto de estudo do Banco Mundial a esse respeito,
especificamente no que concerne a atividades ilícitas na Colômbia:

O artigo articula um conjunto de dados cujos componentes


principais são estimativas de renda ilícita advinda do
tráfico de drogas e criminalidade comum. Rendas ilícitas
aumentaram drasticamente até 2001, atingindo um
máximo de aproximadamente 12 por cento do Produto
Interno Bruto (PIB) e então decresceram para menos de dois
por cento em 2013. No período de declínio estão superpostos
um período de alto crescimento econômico e a fase posterior
a implementação do Plano Colômbia.

(VILLA; MISAS; LOYAZ; 2020)

Entendidos os conceitos básicos sobre economia e drogas, é possível


imaginar a existência de uma economia das drogas. Ela envolve
diversos processos, incluindo a lavagem de dinheiro.
PROCESSOS ENVOLViDOS NA ECONOMiA DAS DROGAS

| processos envolvidos na economia das drogas

Produção Compra e Transporte Lavagem


venda de dinheiro
Muitas vezes feita Drogas de uso Rede complexa Tema sempre
em laboratórios ilícito. de transporte e presente na mídia
remotos e de transações contemporânea.
caseiros. financeiras.

Curso FRoNt
Lorem ipsum
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
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A lavagem de dinheiro é o processamento de recursos criminais para
disfarçar sua origem ilegal. Esse processo é crucial para as operações
do crime organizado, porque os infratores seriam descobertos facil-
mente se não pudessem “mesclar” seu dinheiro ilegal em um negócio
jurídico, banco ou imobiliário (SOUDIJN, 2014).

NA PRÁTICA
Por exemplo, um traficante de drogas pode comprar um
restaurante para disfarçar os lucros das drogas com os lucros
legítimos do restaurante. Dessa maneira, os lucros das drogas
são lavados pelo restaurante para fazer com que a renda
pareça ter sido obtida legalmente.

Tendo compreendido que a economia é um sistema e que envolve a


produção, o transporte, a compra e a venda de bens e serviços, emerge
a questão do mercado, seja ele tangível ou intangível (virtual, por
exemplo). É nele que os agentes econômicos trocam ou vendem seus
bens e serviços, valendo-se de unidades monetárias ou de outros bens.

É importante saber que os agentes econômicos que atuam no mer-


cado são indivíduos e organizações de indivíduos, o que chamamos
de crime organizado, quando referente a drogas de uso ilícito.

Ou seja, são seres humanos que fazem escolhas, sozinhos ou em grupo.


Portanto, um mercado é determinado pelo conjunto das interações
humanas que nele ocorrem. “Na economia global do século XXI, há
uma tendência inexorável nas organizações criminosas a se desen-
volverem como pequenos grupos de empreendedores que têm apenas
conexões tênues, ou como ela sugere, crime em rede.” (POTTER, 2007).

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
19
Assim como em qualquer outro mercado, o processo que constitui o
mercado das drogas ilícitas reflete questões macroestruturais, como
produção, distribuição, lucratividade, liquidez e segurança, e também
questões próprias do nível do indivíduo, de seu ambiente e de seus
grupos imediatos. Isso vale para a oferta, para a procura e para as
ações de prevenção e repressão a esse mercado.

Considerando que as escolhas individuais são relevantes para a


compreensão da dinâmica do mercado das drogas, fica explícito
que as ciências comportamentais também podem contribuir
para a compreensão e implementação de estratégias que
possam desarticulá-lo.

Veja a seguir algumas informações sobre os mercados ilegais.

1.2 Mercados ilegais

No glossário de termos organizado pela Gerência de Desenvolvimento


Econômico da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do
Distrito Federal, há uma versão adicional sobre o termo “mercado”.

Mercado deve ser entendido como o ‘local’ em que


operam as forças da oferta e demanda, através de
vendedores e compradores, de tal forma que ocorra a
transferência de propriedade da mercadoria através de
operações de compra e venda.
(EMATER-DF, 2020)

Você já deve ter entendido que, conforme referido anteriormente, a


ideia de mercado não pressupõe um local específico, mas um espaço
ou região em que compradores e vendedores se relacionam, de tal
forma que os preços de um mesmo bem (incluindo drogas ilícitas)
tendem, rapidamente, a serem iguais.

Mercado municipal Mercado on-line Mercado das drogas Mercado financeiro

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
20
Nesse sistema e na seara das drogas ilícitas, cabe destacar os for-
necedores de substâncias, os usuários e as próprias drogas ilícitas.

| alguns fatores que favorecem a


expansão do mercado global de drogas
mistura de múltiplas substâncias

aumento crescente da criação e utilização


de substâncias precursoras (necessárias
para produção de certas drogas)

tráfico de diferentes drogas e poliusuários


(usuários de drogas diferentes)

novas substâncias chegando ao


mercado de drogas

crescimento populacional

intersecção entre mercados


legais e ilegais

urbanização

renda novas tecnologias

Kuhns (2007) estabelece um diferencial também na maneira como


os mercados de drogas estão dispostos:

MERCADOS ABERTOS MERCADOS FECHADOS MERCADOS SEMiABERTOS

São mercados onde qualquer um Ou mercados discretos são Se desenvolvem quando os


pode comprar ou vender, num aqueles onde um número finito vendedores restringem suas
determinado local. Frequentemente de indivíduos compram, vendas a clientes conhecidos ou
estão localizados em áreas de vendem e usam as drogas, com clientes que são referidos por
trânsito pesado (esquinas, bairros, acesso aos vendedores outros conhecidos ou vendedores,
bares e assim por diante), onde os estritamente controlado. em um esforço para reduzir o risco,
usuários podem facilmente minimizar negócios que terminam
encontrar vendedores e vice-versa. mal e evitar conflitos nas
transações.

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
21
As substâncias psicoativas, hoje consideradas drogas ilícitas, estão
difundidas por todo globo. Sua difusão e respectivos mercados, corres-
pondentemente, aconteceu globalmente e desde tempos imemoriais.

A Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu o Protocolo de


Drogas Sintéticas de 1948, ou Protocolo de Paris. Tal protocolo, en-
tretanto, não é inovador sobre o tema, já que a Liga das Nações (que
antecedeu a ONU) também tratou da questão.

Fumante de ópio de Xangai na década de 1920.


Foto: Facts and Details.

A produção e uso de drogas, ainda que imemorial, tem alguns marcos


clássicos. O período que compreendeu as décadas de 1840 e 1850 foi
marcado por conflitos entre o Reino Unido e o Império Chinês em
razão do comércio do ópio. Foram as denominadas Guerras do Ópio.

saiba mais
Veja mais sobre o assunto no artigo “Guerras do Ópio”
(disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/
historiag/guerras-do-opio.htm).

Originado na Ásia e derivado da flor da papoula (papaverum somni-


ferum), o ópio tem efeitos analgésicos e era largamente consumido
na Europa e na América no século XIX. A morfina, importante droga
analgésica, é o mais conhecido dos alcaloides contidos no ópio.

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
22
Segunda Guerra do Ópio.
Foto: © [Archivist] / Adobe Stock.

Alguns textos específicos e atuais do Escritório das Nações Unidas


sobre Drogas e Crime trazem informações importantes sobre o cres-
cimento das substâncias ilegais em circulação e a realidade do número
de usuários no mundo.

Relatório Mundial sobre Drogas do UNODC 2020.


Fonte: UNODC (2020).

A seguir, apresentaremos informações relacionadas às drogas de uso


ilícito, usuários e fornecedores.

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
23
1.2.1 Drogas de uso ilícito
Veja o que nos diz o UNODC acerca do mercado de drogas ilícitas:

PODCAST transcrito

Nos anos 1990, cerca de 230 substâncias psicoativas


estavam sob controle internacional. Dessas 230, algumas
dominavam os mercados globais de maneira mais
saliente: Cannabis (ou maconha), cocaína, ópio, heroína,
anfetaminas e êxtase. Duas décadas depois, a situação
mudou, considerando a quantidade de drogas que
passaram a estar disponíveis no mercado. O número de
novas substâncias psicoativas (NSP) sintéticas cresceu de
166 para 950 substâncias, no período que compreende o
ano de 2005 até o final de 2019. Mundialmente, em anos
recentes, as autoridades identificaram mais de três vezes
a quantidade de NSP quanto ao número de substâncias
psicoativas já sob controle internacional. Em função
da velocidade do surgimento de novas substâncias, os
sistemas nacionais de controle colocaram um número
crescente de substâncias sob controle. Dessa forma, uma
certa quantidade dessas substâncias teve seu status legal
modificado num curto espaço de tempo.

Entre as substâncias que emergiram no mercado, na última década,


podemos citar: canabinoides sintéticos, catinonas, fenetilaminas,
piperazinas e várias substâncias análogas ao fentanil, que resul-
taram em um incremento na classificação dessas substâncias em
nível internacional.

1.2.2 Usuários de drogas ilícitas


Sobre os usuários e as consequências do consumo de drogas ilícitas
para a saúde, o World Drug Report 2020 do UNODC apresenta os
seguintes dados:

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
24
| NÚMERO DEusuários
número de USUÁRiOS NO
no ANO
ano deDE 2018
2018 em EM MiLHÕES
milhões

Cannabis Opioides e Opiáceos

192 88

58 30

Anfetaminas e Estimulantes
de prescrição Ecstasy

27 21

Cocaína

19

Fonte: Adaptado do Relatório Mundial sobre


Drogas do UNODC (2020). Ainda de acordo com o documento da ONU, 11 milhões de pessoas
injetam drogas e, entre elas:

HIV +
HIV Hepatite C Hepatite C
1,4 milhão de usuários de 5,5 milhões de usuários 1,2 milhão de usuários
drogas injetáveis vivem têm Hepatite C estão vivendo com
com HIV Hepatite C e HIV

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
25
Você sabia que os altos índices de transmissão de HIV e hepatite C
glossário fazem com que esses vírus sejam considerados epidemias globais?
As pessoas que injentam drogas (PWID) são uma das populações
mais vulneráveis ​​afetadas por essas doenças infecciosas.
PWID é a sigla em inglês para people who
inject drugs. A prevalência de HIV e hepatite C é desproporcionalmente alta nesse
grupo e é responsável por uma uma parte significativa de novos infec-
tados por HIV e por hepatite C em todo o mundo (UNODC, 2020, p. 11).

1.2.3 Fornecedores
Finalmente, considerando o componente “fornecedores” do mercado
de drogas, os documentos do UNODC dizem o seguinte:

PODCAST transcrito

Com relação ao suprimento de drogas, o mesmo relatório


do UNODC destaca que a Cannabis continua sendo a droga
mais amplamente produzida em todo o mundo, e esse
mercado está passando por transição e diversificação em
países que permitem o uso não medicinal de Cannabis.
O cultivo global da folha de coca mostrou uma clara
tendência ascendente no período de 2013 a 2017,
aumentando em mais de 100%.

Já a produção ilícita global estimada de cocaína atingiu uma


alta histórica de 1.976 toneladas em 2017. No mesmo ano,
cerca de 70% da área cultivada com coca foi localizada na
Colômbia, 20% no Peru e 10% no Estado plurinacional da
Bolívia. Ao mesmo tempo, a quantidade global de cocaína
apreendida em 2017 aumentou 13% em relação ao ano
anterior, ajudando a manter o suprimento de cocaína sob
controle, embora o uso de cocaína esteja aumentando na
América do Norte e na Europa Ocidental e Central. Em 2018,
houve um declínio no cultivo de papoula, principalmente
como resultado de uma seca no Afeganistão, que, no
entanto, foi novamente o país responsável pela grande
maioria do cultivo e produção ilícita de papoula do ópio no
mundo naquele ano” (UNODC, 2020).

Dos mencionados relatórios do UNODC, é possível mensurar e qua-


lificar o avanço, a complexidade e a extensão do mercado de drogas
no plano internacional.

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
26
| extensão do mercado de drogas internacional

RÚSSiA

CANADÁ

ÁSiA
CENTRAL

JAPÃO

EUA
CHiNA

MÉRICA
MÉ RICA
AMÉRICAA
CEN
CENTRALL

SUDESTE
ASiÁTiCO

REGIÃO BRASiL
DOS ANDES

AUSTRÁLiA
ÁFRiCA
DO SUL

Produção e consumo interno

País ou região produtiva

Cannabis Anfetaminas País ou região de trânsito

Opiáceos Ecstasy Cocaína Destino

Fonte: Adaptado de Mundo Estranho (2018).

Em síntese, nos últimos trinta anos vem ocorrendo em todo o mundo


um crescimento vertiginoso da quantidade e da variedade de drogas
ilícitas que se encontram difundidas pelo planeta. Entre essas subs-
tâncias, a Cannabis é a mais consumida e os opioides são as drogas
mais danosas à saúde.

Boa parte da totalidade de cocaína mundial é produzida em três países


que fazem fronteira com o Brasil: Colômbia, Peru e Bolívia.

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
27
dica de mídia

Para saber mais sobre o desenvolvimento do mercado da


maconha, vale a pena ver o vídeo “Evolução do Mercado
de Maconha” (disponível em: https://www.uniad.org.br/
galeria-de-videos/evolucao-do-mercado-de-maconha-
ronaldo-laranjeira-bloco-a-2-6/).

Esses números são refletidos nos altos índices de prisões provisórias


relacionadas ao crime de tráfico de drogas ou a crimes correlatos.
Veja o percentual no gráfico a seguir:

| PERCENTUAL
percentual de
DEpresos
PRESOSprovisórios
PROViSÓRiOSporPOR
crime praticado
TiPO DE CRiME PRATiCADO

Tráfico de Drogas ou Indução, Instigação ou Auxílio ao Uso de Drogas 29%


Roubo 26%
Homicídio 13%
Crime do Sistema Nacional de Armas 8%
Furto 7%
Receptação 4%
Crime de Ameaça 2%
Latrocínio 2%
Violência Doméstica 2%
Estupro de Vulneráveis 2%
Organização Criminosa 1%
Crime Tentado - Assunto 5555 1%
Estupro 1%
Extorsão 1%
Estelionato 0%
Sequestro 0%
Violação da Obrigação de Alimentos 0%
Crimes previstos no ECA 0%
Não Informado 9%
Não Classificado 6%

Fonte: Adaptado de Tribunal de Justiça (2017).

Vamos relembrar os pontos principais? Veja uma síntese dos pontos


mais importantes relacionados ao aumento das substâncias ilegais
em circulação e a realidade dos números de usuários no mundo.

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
28
No próximo tópico, você vai entender o panorâma geral das políticas
de redução de drogas no Brasil.

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
29
1.3 Redução da oferta de drogas
A Política Nacional sobre Drogas, instituída pelo Decreto nº 9.761/2019,
nomeou a redução da oferta de drogas como um de seus principais
eixos de atuação, com ações prioritárias sumarizadas pelo Ministério
da Justiça e Segurança Pública.

Segundo a Política Nacional sobre Drogas, as iniciativas de redução


da oferta incluem ações de Segurança Pública, defesa, inteligência,
regulação de substâncias precursoras, de substâncias controladas e
de drogas lícitas, repressão da produção não autorizada, operações
especiais, bem como a recuperação de ativos que financiem ou sejam
resultados dessas atividades criminosas.

Veja a seguir as ações previstas no eixo de redução de oferta:

Repressão ao uso de Combate ao narcotráfico, Bloqueio do ingresso das drogas


drogas ilícitas. à corrupção, à lavagem de oriundas do exterior, destinadas
dinheiro, ao crime organizado ao consumo interno ou ao
e crimes conexos. mercado internacional.

Erradicação e apreensão Identificação e Gestão de ativos criminais


permanentes de tais desmantelamento das gerados pelo narcotráfico,
substâncias produzidas organizações criminosas. apreendidos pelo Estado.
no território nacional ou
estrangeiro.

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
30
Com base no princípio da responsabilidade compartilhada, o combate
às drogas ilícitas vinculadas ao crime organizado deve priorizar as
regiões com maiores indicadores de homicídios.

Entende-se que a redução dos crimes relacionados ao tráfico e uso de


drogas ilícitas proporcionará melhoria substancial nas condições de
segurança e bem-estar de comunidades, de famílias e dos cidadãos,
de um modo geral.

Uma atribuição central da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas


é assessorar o Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública e
prestar assistência aos órgãos do ministério quanto às políticas sobre
drogas relacionadas com a redução da oferta, a repressão da produção
não autorizada e o combate ao tráfico ilícito de drogas, respeitadas as
competências de outras entidades da Administração Direta e Indireta.

Fonte: Divulgação/PRF.

As unidades de operações especiais, tanto das forças armadas quanto


RA das forças policiais brasileiras, figuram como importante recurso
Enquadre no seu celular para o enfrentamento repressivo da oferta de drogas.
ou tablet o código de
REALIDADE AUMENTADA
do aplicativo Zappar para
assistir ao vídeo sobre o
Comando de Operações
Táticas.

Comando de Operações Táticas do Departamento


da Polícia Federal.
Foto: © [André Gustavo Stumpf] / Flickr.

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
31
Dentre os principais termos técnicos e conceitos empregados no
texto do Ministério da Justiça e Segurança Pública sobre a redução
da oferta de drogas que serão abordados ao longo dos tópicos deste
módulo, um deles é as operações especiais.

Este tipo de unidade está presente nas forças militares (Exército,


RA Marinha e Aeronáutica) e nas demais instituições de polícia mundo
Enquadre no seu celular afora, mesmo naquelas de estética civil. Nesse sentido, um tipo de
ou tablet o código de unidade que figura como espécie do gênero forças especiais é a SWAT.
REALIDADE AUMENTADA
do aplicativo Zappar para
assistir ao vídeo animado Segundo Davidson (2007), a formação de unidades de operações
sobre as operações especiais SWAT marcou uma ruptura nos serviços policiais tradi-
especiais e sua relevância
cionais e trouxe um novo método de gerenciamento de crises pelos
no enfrentamento aos
grupos organizados. executivos policiais modernos. Foi possível perceber que a utilização
de uma equipe especializada, com policiais especialmente armados,
treinados e excepcionalmente bem liderados, reduziu os danos sobre
a população, com pouca ou nenhuma perda de vidas quando confron-
tados com criminosos pesadamente armados.

Nesse sentido, quando as ocorrências tinham um desfecho favorável


aos policiais, principalmente as que haviam cobertura midiática, foi
possível produzir bons efeitos de relações públicas.

William H. McRaven, por sua vez, ao definir sobre operações espe-


ciais, escreveu:

Uma operação especial é conduzida por forças especialmente


adestradas, equipadas e apoiadas visando um alvo específico,
cuja destruição, eliminação ou resgate (no caso de reféns)
constitui-se em imposição política ou militar.

(MCRAVEN, 1996)

No contexto brasileiro, o Curso de Ações de Comandos se destaca na


formação dos integrantes das unidades de operações especiais do
Exército Brasileiro.

Comando de Operações Táticas, a unidade de


operações especiais da Polícia Federal.
Foto: © [Alfredo Carrijo] / Revista Diálogo América.

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
32
No contexto das polícias militares, as unidades de operações es-
peciais são representadas pelos Batalhões de Operações Especiais
(BOPEs). Por sua vez, no combate ao narcotráfico nos níveis federal
e internacional, destaque-se o Comando de Operações Táticas
(COT), da Polícia Federal.

No contexto americano de operações especiais, a Joint Pub. 3-05


estabelece as missões de ação direta projetadas para a obtenção de
resultados específicos.

saiba mais
Para saber mais, leia na íntegra a publicação da Joint Pub.
3-05 (disponível em: www.jcs.mil/Doctrine/DOCNET/JP-
3-05-Special-Operations).

Veja mais vídeos sobre as operações especiais nas dicas de mídia


a seguir:

dica de mídia

Assista ao vídeo “Curso de Ações de Comandos”


(disponível em: https://youtu.be/ilvUX5LMlJ8).

Você também pode ter acesso aos trabalhos da BOPE,


no vídeo “BOPE Policia Militar- DF” (disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=QXlpRdg4scg).

Para entender mais sobre o Comando de Operações


Táticas, assista ao vídeo da Polícia Federal (disponível em:
https://youtu.be/fc1q9Hj4D2s).

Veja o vídeo institucional de conclusão do módulo


Resposta Tática do III Curso de Operações Especiais da
Polícia Rodoviária Federal (disponível em: https://www.
youtube.com/watch?v=glGazqxfdDQ).

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
33
Você sabe o que significa a expressão latina ultima ratio? Ela é uma
das expressões mais conhecidas no contexto das operações especiais.

Ultima ratio significa literalmente última razão, ou, em termos


mais práticos, último recurso. Tratando-se de uma alternativa
tática, seja no contexto macro do combate ao crime organizado,
seja no contexto específico do enfrentamento de narcotraficantes,
as ações envolvendo o emprego de forças especiais precisam ser
precedidas do trabalho de inteligência.

Isso se torna ainda mais relevante porque a Inteligência de Segurança


Pública está intimamente relacionada à execução de ações para prever,
prevenir, neutralizar e reprimir atos criminosos de qualquer natureza.

Lei nº 9883
de 7 de dezembro de 1999

Art. 1º

§ 2º, que instituiu o Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN)

“[...] entende-se como inteligência a atividade que objetiva a


obtenção, análise e disseminação de conhecimentos dentro e fora do
território nacional sobre fatos e situações de imediata ou potencial
influência sobre o processo decisório e a ação governamental e sobre a
salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado.”

Veja que essa definição está relacionada diretamente a questões de


Estado, ou seja, a referida lei trata eminentemente de Inteligência de
Estado. Por sua vez, como já mencionado, os recursos a serem em-
pregados pelas agências de Segurança Pública, tanto na prevenção
quanto no combate à prática de ilícitos como tráfico de drogas, sempre
serão melhores dosados se forem precedidos de ações de Inteligência
de Segurança Pública.

A atividade de Inteligência de Segurança Pública (ISP) é a sistemati-


zação de ações especializadas para identificar, avaliar e acompanhar
ameaças reais ou potenciais na esfera de Segurança Pública. Além
disso, suas ações servem de orientação para subsidiar os tomadores
de decisão, no planejamento e execução de uma política de Segurança
Pública, com ações voltadas para previsão, prevenção, neutralização
e repressão de atos criminosos de qualquer natureza que atentem à
ordem pública, à segurança das pessoas e do patrimônio.

Conheça algumas finalidades da ISP a seguir:

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
34
FiNALiDADES DA iSP

Proporcionar diagnósticos e prognósticos sobre a evolução de situações do interesse


da Segurança Pública, subsidiando seus usuários no processo decisório.

Contribuir para que o processo interativo entre usuários e


profissionais de Inteligência aumente o nível de eficiência dos usuários e de suas
respectivas organizações.

Subsidiar o planejamento estratégico integrado do sistema de Segurança Pública e a


elaboração de planos específicos para as diversas organizações que o compõem.

Assessorar as operações de prevenção e repressão da Segurança Pública, com


informações relevantes.

Proteger a produção do conhecimento de ISP.

Por sua vez, a Doutrina de Inteligência de Segurança Pública do Estado


do Rio de Janeiro (DISPERJ, 2015), precursora da própria Doutrina
Nacional de Segurança Pública (DNISP), define a atividade de Inteli-
gência de Segurança Pública (ISP), em seus dois ramos, Inteligência
e Contrainteligência, da seguinte forma:

O exercício permanente e sistemático de ações especializadas


para identificar, avaliar e acompanhar ameaças reais ou
potenciais na esfera de Segurança Pública, basicamente
orientadas para produção e salvaguarda de conhecimentos
necessários para subsidiar os tomadores de decisão, para
o planejamento e execução de uma política de Segurança
Pública e das ações para prever, prevenir, neutralizar e
reprimir atos criminosos de qualquer natureza que atentem à
ordem pública, à incolumidade das pessoas e do patrimônio.

(DISPERJ, 2015)

Aqui cabe refletir sobre os contornos conceituais da Doutrina Nacional


de Inteligência de Segurança Pública (DNISP). Segundo a DNISP (2015),
a doutrina é um “conjunto de conceitos, características, princípios,
valores, normas, métodos, procedimentos, ações e técnicas que
orientam e disciplinam as atividades de ISP.”

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
35
Propõe uma linguagem especializada entre os profissionais da ativi-
dade de ISP, de modo que as relações de comunicação essenciais ao
seu exercício ocorram sem distorções ou incompreensões.

Dentro dessa perspectiva, a doutrina deve ser capaz de padronizar


a atuação das agências que integram o Sistema de Inteligência de
Segurança Pública (SISP), visando maximizar os seus padrões de
eficácia e eficiência, convertendo-se em importante instrumento de
assessoria às políticas e ações relacionadas à área de Segurança Pública.

saiba mais
Ainda dentro da temática “inteligência”, para mais
informações sobre proteção de conhecimentos sensíveis
e sigilosos, bem como outros assuntos correlatos,
sugere-se a consulta ao “Caderno de Legislação da
Agência Brasileira de Inteligência” (disponível em:
https://www.gov.br/abin/pt-br/centrais-de-conteudo/
publicacoes/Col3v3.pdf).

Finalmente, para encerrar este tópico sobre elementos relevantes


para a política de redução da oferta de drogas, convém elucidar o que
vem a ser o “princípio da responsabilidade compartilhada”.

Mais de 11 mil militares e 33 agências governamentais


atuam no combate ao crime nas fronteiras.
Fonte: IDESF.

No contexto da Política Nacional sobre Drogas, esse princípio está


relacionado com a necessidade de se canalizarem esforços em nível
local, regional, nacional e internacional com vistas ao combate do
cultivo, da produção e do tráfico de drogas (ciclo logístico).

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
36
Ou seja, é preciso adotar estratégias de cooperação mútua e de arti-
culação de esforços entre governo, iniciativa privada, terceiro setor
e cidadãos de modo geral, com foco na priorização de regiões que
apresentam taxas de homicídios mais elevadas. Em outras palavras,
os múltiplos atores envolvidos nos esforços de redução da oferta
de drogas devem agir de forma mais organizada que aqueles que
atuam na atividade criminal. Parafraseando as palavras de Rudy
Giuliani, ex-prefeito da cidade de Nova Iorque, já é tempo de as
ações de redução da oferta de drogas passarem a ser tão organizadas
quanto o crime organizado.

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
37
Unidade 2
CRIME, ORGANIZAÇÕES
CRIMINOSAS E NARCOTRÁFICO

Contextualizando

Nesta unidade, você conhecerá as principais noções e conceitos re-


lacionados ao crime organizado e ao narcotráfico, sempre conside-
rando os contornos legais e gerenciais desses conceitos, tendo em
perspectiva aspectos econômicos, sociais, culturais e psicológicos.

2.1 Crime organizado


O crime organizado constitui um tema de alta complexidade e de
imenso interesse social, político, cultural e econômico. O assunto
está constantemente na pauta jornalística, na agenda de pesquisa das
ciências sociais aplicadas, nas audiências judiciais e também possui
forte inserção em filmes e programas televisivos.

Foto: © [Maxim_Kazmin] / Adobe Stock.

O crime organizado tornou-se um verdadeiro ícone da cultura


popular, objeto de atenção da sociedade civil e assunto de Estado.
Isso tanto na seara interna quanto internacional.

Trata-se de algo bem sintetizado por Sydney Mufamadi, Ministro


da Segurança e Proteção do Governo de Unidade Nacional da África
do Sul entre 1994 e 1999:

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
38
O crime organizado passou a ser, individualmente, a maior
ameaça global desde o final da Guerra Fria.

(POTTER, 2007, p. 887)

No entanto, o crime organizado continua sendo um dos termos re-


lacionados ao crime mais difíceis de definir com qualquer grau de
precisão. A “Enciclopédia Britânica” define o crime organizado como
um empreendimento complexo e altamente centralizado constituído
para práticas de atividades ilegais.

Trata-se de um tipo de organização que envolve delitos, como sub-


tração de cargas, fraudes, roubos, sequestros mediante resgate e
demanda por pagamentos por proteção.

A principal fonte de lucro para os sindicatos do crime é o


suprimento de bens e serviços que, não obstante serem ilegais,
são demandados continuamente pelo público, tais como drogas,
prostituição, agiotagem e jogatinas.

Klaus von Lampe, professor de Criminologia na Escola de Economia, Lei


e Direito de Berlim, em uma revisão sistemática da literatura da área,
colacionou mais de 200 definições para a expressão crime organizado.

Lampe argumenta que muitas das definições empregadas para a


expressão crime organizado nem mesmo podem ser tomadas por
definições no sentido exato da palavra. Em verdade, a maioria das
expressões não passariam de meras descrições. Isso porque, segundo o
autor, a definição pressupõe o delineamento das fronteiras do objeto.
Contudo, no caso do crime organizado, nem sempre as definições
empregadas obedecem esses critérios (LAMPE, 2016).

Ainda de acordo com Lampe, existem diferentes definições de crime


organizado, separados por perspectivas elementares.

| Perspectiva 1
Na primeira perspectiva, o que tornaria o crime organizado
seria a natureza dos crimes praticados ou os criminosos
por trás deles. Assim, para uma atividade ser classificada
como organizada, ela deveria apresentar um certo nível de
sofisticação, continuidade, racionalidade e dano.

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
39
| Perspectiva 2
Na segunda perspectiva, não importam os crimes praticados
em si, o que importa é como os criminosos se vinculam e se
associam uns com os outros. “O crime organizado estaria
relacionado a qualquer grupo que possui alguma estrutura
formal cujo objetivo primeiro seja obter dinheiro oriundo de
atividades ilegais (FBI apud LAMPE, 2016).

| Perspectiva 3
A terceira perspectiva estaria relacionada à concentração de
poder ilegítimo nas mãos de criminosos. Assim, os criminosos
poderiam criar um tipo de governo no submundo criminoso
que controla, regula e taxa atividades ilegais.

| Perspectiva 4
A quarta perspectiva, chama-se condição sistêmica, que
acontece quando o crime organizado influencia as instâncias
legítimas das sociedade, ou as toma em acordo com a elite
política e financeira que governa um país. Nessa perspectiva, os
criminosos exerceriam influência sobre a sociedade legítima,
substituindo o governo formal ou estabelecendo alianças com
políticos corruptos e com a elite empresarial com a finalidade de
manipular a ordem constitucional em vantagem própria. Lampe
denomina essa perspectiva também de condição sistêmica.

Como você viu, a condição sistemática, quarta perspectiva de crime


RA organizado, tem um processo muito semelhante às fases do processo
Enquadre no seu celular mapeado por Juliet Berg e descortinado para o público brasileiro por
ou tablet o código de Dantas. Veja:
REALIDADE AUMENTADA
do aplicativo Zappar
para assistir ao vídeo
animado sobre as quatro ” 1° Estágio: Confronto
perspectivas para definição
do crime organizado. O Estado passaria por uma situação de confronto em relação ao crime
organizado, utilizando métodos policiais para destruí-lo, na tentativa
de erradicar as ilicitudes por ele praticadas.

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
40
” 2° Estágio: Aquiescência
Ao perceber a incapacidade de adotar uma estratégia bem-sucedida
contra o crime organizado, o Estado seria forçado a aceitar a prevalência
de atividades ilegais daquelas organizações em seu território nacional.

” 3° Estágio: Conveniência tática


Nesse estágio, seria eleita pelo Estado a opção de tirar proveito das
operações ilícitas, na medida em que beneficiassem a economia, a
sociedade, ou mesmo os funcionários da Segurança Pública.

” 4° Estágio: Encorajamento
Membros do Estado, beneficiários diretos das atividades ilícitas do
crime organizado, passariam a prevenir ou sabotar estratégias de
contenção, para garantir os benefícios por eles auferidos.

Um exemplo de condição sistêmica no crime organizado foi o nar-


cotraficante Pablo Escobar, eleito como deputado suplente do Par-
lamento colombiano.

Fonte: La Parola.

Em suma, entre os principais elementos que configuram o crime


organizado, estão:

A interação social entre indivíduos que compõem


um grupo criminoso.

A busca de lucro, principalmente por meio da


prática de crimes.

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
41
A condução de negócios ilícitos em um ambiente
favorável, permeado por corrupção, demanda de
mercado e suporte social.

A realização de atividades ilícitas caracterizadas


por continuidade e persistência.

O uso de ameaças de violência e corrupção política


como meio de realização de negócios e proteção
do empreendimento criminoso.

Na sequência, veja as características das organizações criminosas.

2.2 Organizações criminosas


(características e peculiaridades
de uma ORCRIM)

A legislação brasileira não define o que é crime organizado. O texto


legal limita-se a descrever os requisitos formais que caracterizam
uma organização criminosa (ORCRIM).

Lei nº 12.850
de 2 de agosto de 2013

Art. 1°

§ 1º “Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro)


ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela
divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter,
direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a
prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4
(quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.”

Dentro das categorias sintetizadas por Klaus Von Lampe, nossa le-
gislação foca em definir organizações criminosas e em como os
criminosos vinculam-se uns aos outros.

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
42
Até 2013, o conceito de grupo ou organização criminosa utilizado
pela área jurídica era extraído da Convenção de Palermo, a qual foi
internalizada no ordenamento jurídico pátrio pelo Decreto nº 5.015,
de 12 de março de 2004.

Decreto nº 5.015
de 12 de março de 2004

Art. 2° (alínea A)

Grupo criminoso organizado: grupo estruturado de três ou mais


pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com
o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas
na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou
indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material.

Note que a definição antiga era mais rígida, pois alcançava grupos
formados por apenas três criminosos, diferentemente do atual requi-
sito mínimo para preenchimento do tipo penal atual, que considera
organização criminosa os grupos constituídos de quatro pessoas.

PODCAST transcrito

O que resta estabelecido legalmente é que o primeiro


requisito para a configuração de uma organização criminosa
(ORCRIM) é a associação de quatro ou mais pessoas.

Um segundo requisito para o mesmo fim é a divisão de


tarefas. Isso, inclusive, pressupõe a existência de relações
hierárquicas dentro da organização criminosa. Por fim,
como terceiro requisito fundamental para a configuração de
uma ORCRIM, é necessário que haja o uso instrumental de
atividades criminosas (condutas tipificadas como crime),
para o alcance de vantagens. É importante frisar que os
crimes praticados pela ORCRIM precisam ter penas máximas
superiores a quatro anos.

Por fim, além das questões jurídicas relacionadas à definição


e aos requisitos necessários para a configuração de uma
ORCRIM, é necessário considerar também o ambiente em
que esses grupos estão inseridos e os fatores psicológicos
internos aos indivíduos que os compõem.

Neste último aspecto, por exemplo, há fenômenos como o


comportamento dissocial, que é muito presente entre os
participantes de organizações criminosas. O comportamento
dissocial (categorizado no CID-10) é um transtorno de
personalidade que leva os indivíduos a serem extremamente
violentos com grupos antagônicos, mas chegam a cultuar e
demonstrar respeito cerimonial ao próprio grupo.

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
43
Assim como ocorre em organizações mafiosas mundo afora, o com-
portamento dissocial é uma marca bem presente na criminalidade
faccionada no Brasil. Organizações criminosas do narcotráfico, como
o Comando Vermelho e o Primeiro Comando da Capital, apresentam
rígidos códigos de hierarquia e disciplina reforçados por rituais e
protocolos não escritos que são reforçados pelo grupo o tempo todo,
quase sempre por estímulos negativos (punição).

saiba mais
Leia mais sobre a história do PCC e das facções criminosas,
seus códigos de ética e as regras de conduta dentro da
organização (disponível em: https://www.politize.com.
br/pcc-e-faccoes-criminosas/).

Assim, para o reforço das regras informais que mantêm a estrutura


organizada dos empreendimentos criminosos, o emprego da violência
extrema como recurso é a regra. Portanto, torturas, esquartejamentos
e decapitações são eventos sempre presentes nos relacionamentos
com clientes (como dependentes químicos que não pagam suas dívidas
com tráfico), com rivais, com as forças de segurança do Estado e com
os próprios membros da ORCRIM que violam as regras do grupo.

Agora, pense no que você viu até aqui e faça a seguinte reflexão:

NA PRÁTICA
A associação de quatro pessoas que, por meio da divisão
de tarefas, se utilizam do crime de tráfico de drogas para
enriquecimento ilícito configura uma organização criminosa,
cuja pena máxima é de 15 anos, nos termos da lei brasileira.
Por outro lado, por questão de política criminal, a associação
de pessoas visando à geração de lucros com o jogo do bicho é
caracterizada como contravenção penal, com pena máxima
de um ano e não configura uma ORCRIM.

Siga para o próximo tópico, no qual falaremos sobre narcotráfico e


tráfico de drogas como sinônimos, e suas implicações legais segundo
a legislação brasileira.

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
44
2.3. Narcotráfico/tráfico de drogas

O Escritório Sobre Drogas e Crimes da ONU define o tráfico de drogas


como sendo um “comércio global ilícito que envolve cultivo, fabri-
cação, distribuição e venda de substâncias que sejam proibidas por
leis de drogas” (UNODC, 2010).

Ou seja, as expressões “narcotráfico” e “tráfico de drogas” são equi-


valentes. O crime de tráfico de drogas é tipificado pela legislação
brasileira nos termos da Lei nº 11.343/2006. Confira:

Lei nº 11.343
de 23 de agosto de 2006
Art. 33.

Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir,


vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer
consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou
fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em
desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena: reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500


(quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

§ 1º - Nas mesmas penas incorre quem:

I. importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à


venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou
guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo
com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou
produto químico destinado à preparação de drogas;

II. semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em


desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas
que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;

III. utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a


propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou
consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente,
sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.

O caput do artigo 33 é aceito pelos doutrinadores como o tipo funda-


mental do tráfico de drogas. Porém, as condutas arroladas no § 1º do
art. 33 e nos artigos de 34 a 36 da mesma lei também são equiparadas
ao crime de tráfico de drogas.

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
45
Pela leitura do texto legal, você pode concluir que o crime de tráfico
de drogas é tipificado no Brasil como um crime de múltiplas condutas.
Essas condutas são expressas pelos seguintes verbos:

ministrar transportar remeter


guardar importar vender
expor à venda produzir exportar
prescrever trazer consigo
ter em depósito preparar
entregar a consumo ou fornecer drogas

A lei ainda acrescenta que o crime de tráfico pode ser configurado


mesmo que as ações que o caracterizam sejam realizadas gratuita-
mente, contanto que sejam práticas “sem autorização ou em desacordo
com determinação legal ou regulamentar” (SILVA, 2010).

Se é possível traçar seus contornos legais nos limites da lei brasileira,


a mesma coisa não se pode dizer da cadeia logística do narcotráfico.

||GEOGRAFIA DObrasil
geografia do BRASIL

As fronteiras brasileiras incluem dez nações, entre elas,


os três principais produtores de cocaína: Peru, Bolívia
e Colômbia. A cocaína produzida nesses países corresponde
a 75% da produção mundial.

VENEZUELA
COLÔMBIA GUIANA
SURINAME
GUIANA FRANCESA

EQUADOR

PERU
BRASIL

BOLÍVIA

PARAGUAI
CHILE

URUGUAI

ARGENTINA

Fonte: Adaptado de Roehrich (2014).

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
46
Sobre o caráter transnacional do tráfico de drogas e a necessidade
de cooperação internacional para seu enfrentamento, vale a pena a
leitura do trecho sobre o assunto, presente no livro “Lei de Drogas
Comentada”, de César Dario Mariano da Silva (2010). Veja:

PODCAST transcrito

A cooperação internacional segue o espírito das


Convenções das Nações Unidas e o princípio da justiça
universal, considerando ser obrigação de todos os países
participar do enfrentamento ao crime organizado, visto
como um mal universal.

A Lei de Drogas não fugiu a essa finalidade, deixando


evidente que o Brasil deve cumprir as convenções e
tratados internacionais dos quais faça parte para o
combate ao narcotráfico.

O Brasil é signatário de diversos acordos e tratados para


o combate ao narcotráfico, especialmente com países da
América Latina, podemos citar Chile, Equador, Argentina
e Cuba, entre outros. O Brasil também firmou acordos
internacionais com os Estados Unidos e com alguns países
da Europa, além de ser signatário da Convenção das
Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional,
realizada em novembro de 2000, na cidade de Nova Iorque.

Assim, cabe ao Brasil prestar auxílio às outras nações e


organismos internacionais, assim como solicitar apoio
em diversas áreas relacionadas ao combate ao tráfico de
drogas e outros delitos conexos, como o tráfico de armas,
lavagem de dinheiro e o desvio de produtos químicos para
a produção de drogas.

As áreas de inteligência, sem as quais esses delitos não


podem ser combatidos, também são alcançadas pelo
dispositivo. As informações são elementos essenciais para
o combate às organizações criminosas.

RA Você pode perceber que o narcotráfico, ou tráfico de droga, somente


se viabiliza por ações interdependentes que são puníveis pelas legis-
Enquadre no seu celular
lações internas dos países, mas que, para serem reprimidas de fato,
ou tablet o código de
REALIDADE AUMENTADA exigem respostas articuladas interna, regional e internacionalmente.
do aplicativo Zappar
para assistir ao vídeo que
apresenta o contexto do
combate ao tráfico de
drogas no Brasil.

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
47
Unidade 3
ELEMENTOS HISTÓRICOS,
SOCIOECONÔMICOS E NORMATIVOS
DO CRIME ORGANIZADO E DO
NARCOTRÁFICO

Contextualizando

Nesta unidade, apresentaremos o panorama da violência no Brasil e


no mundo, e a relação entre violência e a temática das drogas.

3.1 Violência e drogas no Brasil


e no mundo

Como já citado neste curso, uma das características mais marcantes


do modus operandi das organizações criminosas ligadas ao narco-
tráfico no Brasil e no mundo é a demonstração de força por meio do
emprego de violência extrema.

No início de 2019, imagens chocaram o país durante as rebeliões ocorridas


nos presídios da região Norte. Nesses episódios, abriram-se para o mundo
as assinaturas macabras que as ORCRIM do narcotráfico conceberam
para não deixar dúvidas de quem estava no comando das rebeliões.

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
48
dica de mídia

Jennifer Woodhull, do Departamento de Estudos


Religiosos da Universidade da Cidade do Cabo, apresenta
a raiz etimológica da palavra violência (título original:
“Etymological Root of the Word ‘Violence’”, disponível
em: https://www.youtube.com/watch?v=GfBirU1GLiw).

As origens etimológicas do termo violência sintetizam o conceito de


violência como a agressão (força) exercida contra alguém.

Por mais direto e objetivo que seja o conceito empregado por Jennifer
Woodhull, aspectos relevantes envolvendo a violência acabam não
sendo contemplados.

Quando se pensa no uso da força no contexto da violência, é razoável


imaginar situações como as mencionadas na abertura do presente
tópico. Diante de circunstâncias tão extremas quanto bárbaras, parece
ser fácil delimitar o conceito de violência. Entretanto, para o bem da
sociedade, a vida não é feita somente de extremos, pelo contrário.

O que dizer das consequências sociais, comunitárias e para a saúde


dos indivíduos mais vulneráveis que sofrem com a violência psico-
lógica, por exemplo?

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
49
O que dizer da violência que é fruto da ameaça, como é o caso de
comunidades inteiras subjugadas por meio do medo por conta das
demonstração de força dos cartéis de drogas?

Foto: © [Adragan] / Adobe Stock.

A Organização Mundial da Saúde, ao definir o termo violência, abrange


uma ampla gama de atos, como a violência interpessoal, o compor-
tamento suicida ou conflito armado. Indo mais além dos atos físicos
para incluir ameaças e intimidações. Veja:

Essa definição da OMS apresenta diferentes facetas da violência:

Esses diferentes tipos de violência possuem elementos bem presentes

A Organização Mundial da Saúde define violência como: o


uso intencional da força física ou poder, por intermédio de
ameaça ou de fato, contra o próprio indivíduo, contra outra
pessoas ou grupo ou comunidade, que resulte ou tenha
grande probabilidade de resultar em ferimento, morte, ou
dano psicológico, prejuízo ao desenvolvimento ou privação.
Além de morte e ferimentos, a definição também inclui uma
miríade de consequências menos óbvias de comportamentos
violentos, tais como prejuízo psicológico, privação e prejuízo
ao desenvolvimento que compromete o bem-estar dos
indivíduos, famílias e comunidades.
(WHO, 2002)

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
50
no quotidiano das cidades brasileiras, que, como já citado, se expan-
diram e continuam a se expandir rapidamente e de forma desordenada.

O tipo de força empregada (física ou poder).

A tangibilidade do recurso empregado (ameaça


ou poder de fato).

O sujeito que recebe a ação (o próprio indivíduo,


outro indivíduo, grupo ou comunidade).

E o tipo de resultado (ferimento,


morte, dano psicológico, prejuízo ao
desenvolvimento, ou privação).

Tudo isso é ainda mais agravado pelo advento de fenômenos como


o do crack, como bem aduzem De La Rosa, Lambert e Cooper (1990).

Ainda acerca da conexão entre tráfico de drogas ilícitas e violência, mais


uma vez convém recorrer ao posicionamento da OMS sobre o tema:

A economia do crack aumentou enormemente o número de


traficantes de drogas em várias comunidades dos centros
de cidade: a tecnologia e a disponibilidade de cocaína
coincidiram com um encolhimento das oportunidades de
trabalho decente em muitas dessas comunidades. Segundo
evidências recentes, o tráfico de crack quase invariavelmente
envolve violência; traficantes ameaçam uns aos outros e
à comunidade (Johnson et al., no prelo). Mas o papel das
quadrilhas nesta economia em expansão do crack ainda é
questionável e pouco compreendido.

(DE LA ROSA; LAMBERT; COOPER, 1990, p. 171)

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
51
Veja no próximo tópico os aspectos históricos e sociais do Brasil em
relação à criminalidade e ao fenômeno do tráfico de drogas. O que será

PODCAST transcrito

A violência e o uso de drogas ilícitas representam grandes


desafios à saúde pública. A OMS identifica fortes associações
entre ser vítima ou autor de violência e o uso de drogas
ilícitas. Além disso, os relacionamentos interpessoais,
a comunidade e o nível social foram identificados como
fatores de risco que aumentam a chance de o indivíduo
sofrer violência relacionada a drogas. Embora exista uma
clara relação entre drogas e comportamento violento, a
natureza dessa relação de causalidade é multifacetada e
poucos estudos examinaram tal relação. Essa relação existe
por várias razões, algumas diretas, como o próprio efeito
farmacológico dos medicamentos, e outras indiretas, como
a violência que ocorre para obter drogas, violência nos
mercados de drogas ilícitas e uso de drogas como resultado
de uma vida como vítima de atos violentos. Apesar de
uma série de evidências sugerir ligações entre várias
categorias de drogas e comportamento violento, existe
uma falta de ações preventivas destinadas à redução de
violência, especificamente voltada para o tema tráfico de
drogas. Embora esse seja um problema tradicionalmente
considerado exclusivo da Justiça Criminal, ele é mais
abrangente do que isso. A abordagem da saúde em face da
violência relacionada às drogas oferece uma maneira de
melhor entendimento, resposta e, finalmente, prevenção
da violência relacionada ao uso de drogas ilícitas.

que as taxas de criminalidade nos dizem?

3.2 Caracterização da
criminalidade no Brasil

É impossível dissociar a explosão da criminalidade da rápida e de-


sordenada expansão urbana e populacional experimentada pelo país.
Sachsida et al. (2010) apresentam em seu artigo algumas correlações
positivas entre desemprego, taxa de crescimento urbano e aumento
no número de crimes no Brasil. De forma semelhante, Cavalcanti e
Gonçalves (2010) encontraram correlações positivas entre o IDH e a
quantidade de homicídios na Região Metropolitana de Brasília.

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
52
Veja a figura a seguir, extraída do relatório da Segurança Pública do
Projeto Brasília 2060 (IBICT, 2015).

| Crescimento populacional e adensamento demográfico


em regiões metropolitanas selecionadas

Região Metropolitana

Rio de Belo Porto AMB


São Paulo Recife
Janeiro Horizonte Alegre

População
8.139.730 6.879.183 1.619.792 1.590.798 1.755.083 637.516
(1970)

Densidade
demográfica 1.024,0 1.395,10 112,4 162,3 634,1 19,8
(1970)

População
20.820.093 12.090.607 5.156.217 4.197.557 4.046.845 3.548.426
(2010)

Densidade
demográfica 2.621,20 2.452,00 357,7 428,2 1.462,00 110,3
(2010)

Crescimento
256% 176% 318% 264% 231% 557%
(1970-2010)

Fonte: IBGE.
A imagem sintetiza bem os números da expansão populacional em
seis das mais influentes regiões metropolitanas brasileiras, com
destaque para a Área Metropolitana de Brasília (AMB).

saiba mais
Veja o documento da Linha de Base do Projeto Brasília 2060
(disponível em: http://brasilia2060.ibict.br/wp-content/
uploads/2015/12/Linha-de-Base-Seguranca2.pdf).

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
53
Confrontando-se os dados relativos a recursos públicos com as esta-
tísticas criminais, observa-se que não foram apenas as taxas popula-
cionais, sobretudo em áreas metropolitanas, que dispararam no país.

‹ Crescimento de 60% de crimes intencionais


de 1996 contra a vida.

a 2015 ‹ Aumento de 4,5% ao ano no orçamento da


Segurança Pública.

Estamos diante de uma prova que demonstra a aplicação não eficaz


dos já escassos recursos públicos. Essa situação se agrava, uma vez
que as preocupações com a violência também congestionam a pauta
do Congresso Nacional.

Foto: © [SZ Photos] / Adobe Stock.

Já conforme o Centro de Estudos e Debates Estratégicos, um órgão


da Câmara dos Deputados, entre os anos de 2004 e 2018, mais de
1.500 proposições tramitaram no Congresso Nacional sobre o tema
Segurança Pública (CEDES, 2018).

Foto: © [MoiraM] / Adobe Stock.

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
54
No período foram abordados assuntos como:

‹ Sistema Único de Segurança Pública (SUSP).

‹ O limite das atribuições das instituições policiais.

‹ Alterações na política de persecução criminal.

‹ O atendimento às vítimas.

‹ Articulações de cooperação internacional contra o


crime organizado.

Sem dúvida, tais pautas são relevantes, mas terminam sobrepondo-se


a outros temas de igual ou maior significado.

É preciso destacar a significativa redução na taxa de homicídios no


país em 2019, que sofreu uma queda de 19%. Os números do Monitor
da Violência, iniciativa entre o Núcleo de Estudos da Violência da USP
e o G1, revelam que milhares de vidas foram poupadas no período.

Essa redução notável nos homicídios pode estar relacionada com


as recentes operações com precisão cirúrgica realizadas contra o
crime organizado.

Foto: © [Joa Souza] / Adobe Stock.

Dando continuidade ao assunto, veja a seguir algumas características


do Sistema de Justiça Criminal brasileiro em relação aos crimes de
tráfico de drogas.

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
55
RA 3.3 Peculiaridades do Sistema de
Enquadre no seu celular Justiça Criminal brasileiro
ou tablet o código de
REALIDADE AUMENTADA
do aplicativo Zappar Seja na perspectiva da repressão, seja na perspectiva da prevenção
para assistir ao vídeo das atividades do narcotráfico e do crime organizado, é necessário
com informações sobre
o Sistema de Justiça
considerar as peculiaridades do Sistema de Justiça Criminal pátrio.
Criminal brasileiro.
No Brasil, a atuação do Tribunal do Júri se limita aos crimes dolosos
contra a vida. Outras peculiaridades no país, e ainda mais marcantes,
se comparadas ao que ocorre nas demais nações, são a estética, a
organização e a abrangência territorial das polícias. No Brasil, con-
vivem instituições policiais de estética civil e militar, à semelhança
de países como Chile e Itália; porém, diferentemente desses países,
cujas polícias, em regra, possuem competência territorial nacional,
no Brasil as instituições policiais têm responsabilidade apenas no
nível de estados e municípios.

No Brasil, somente uma dessas polícias possui o ciclo policial com-


pleto: a Polícia Federal. Ou seja, o Sistema de Segurança Pública
brasileiro é um emaranhado de instituições, às vezes de estética civil,
às vezes de estética militar, que podem ter competência territorial
em nível nacional, estadual/distrital e municipal, e que quase nunca
podem exercer o ciclo completo de polícia.

Responsabilidade Responsabilidade Responsabilidade


federal estadual estadual e municipal

Nesse sentido, em revisão narrativa da literatura da área, Mendonça


e Dantas (2016), ao compararem as polícias do Brasil e dos Estados
Unidos, assim se manifestam sobre a importância de se conhecer a
forma de organização das forças policiais:

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
56
A forma de organização das forças policiais, e por
consequência, a sua efetividade no controle do fenômeno
da criminalidade e da desordem, concomitante com a tarefa
de proteger e servir, pode ter uma relevância decisiva. Já
a importância do tema para as polícias militares, interna
corporis, deve-se ao fato que tal atributo, a condição militar,
marque a própria existência histórica de todas elas.

(MENDONÇA; DANTAS, 2016, não paginado)

Em resumo, para você entender de forma geral o funcionamento do


sistema penal brasileiro, veja a comparação do Brasil com outros países.

| Comparação entre o Sistema de Justiça brasileiro E O DOS eua

Brasil Estados Unidos

Tribunal de Júri Limita-se aos crimes Pode abranger as mais variadas


dolosos contra a vida. infrações penais.

Abrangência Instituições policiais com Instituições policiais com


territorial das responsabilidade apenas no nível federal responsabilidade apenas no nível
polícias e estadual. Apesar de contarem com um federal, estadual e municipal.
protagonismo crescente na Segurança
Pública, as Guardas Municipais não são
instituições policiais.

Ciclo completo Apenas a Polícia Federal. Toda organização policial, seja


federal, estadual ou municipal, tem
em sua estrutura dois departamentos
distintos, com suas respectivas chefias,
porém ambos estão subordinados
hierarquicamente à mesma autoridade.

Investigação Em regra, realizada apenas por polícias Todo departamento de polícia possui um
judiciárias (Polícia Civil e Polícia Federal), segmento constituído de investigadores
principalmente para instruir o inquérito incumbidos de coletar evidências de
policial. A Polícia Militar conduz materialidade e autoria dos crimes
investigações sobre crimes militares, eventualmente registrados.
porém com foco em seu público interno.

Fonte: Adaptado de Mendonça e Dantas (2016).

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
57
Os autores colocam a questão de forma bem prática ao comparar o
modelo policial brasileiro e o americano: nos EUA, todas as polícias
fazem o ciclo completo. Nesses termos, convém explicar a ideia de
ciclo completo, justamente por ser, talvez, a maior característica do
Sistema de Justiça Criminal brasileiro.

Assim, o que significa ciclo completo de polícia? Sapori responde a


essa questão da seguinte forma:

Na prática, a expressão [ciclo completo de polícia] implica


que a mesma polícia tem um segmento constituído de
investigadores incumbidos de coletar evidências de
materialidade e autoria dos crimes eventualmente registrados.
No caso da sociedade brasileira, essa investigação corresponde
à elaboração do inquérito policial. E ambos os segmentos,
geralmente, ficam lotados na mesma unidade policial.

(SAPORI, 2016, p. 51-52)

Somente a Polícia Federal possui competência legal para exercê-lo e


ainda assim dentro dos limites de suas atribuições constitucionais.
Todas as demais instituições policiais do país estão circunscritas ao
processamento de apenas uma parte do ciclo normalmente atribuído
à polícia ao redor do mundo.

NA PRÁTICA
No Brasil, em regra, uma polícia efetua a prisão do traficante,
enquanto outra garante sequência ao caso. Essa sequência
inclui a lavratura do flagrante delito e a adoção das demais
medidas de polícia judiciária, tais como a condução de
investigações adicionais. Então, o conjunto probatório segue
para o Ministério Público oferecer a denúncia para o juízo
competente que julgará o caso.

Todo esse emaranhado se complica ainda mais diante da grande di-


versidade de organizações policiais elencadas no artigo 144 da Cons-
tituição Federal. Veja:

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
58
Constituição (1988)
(Emenda Constitucional nº 104, de 2019)

Art. 144.

A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade


de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da
incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes
órgãos:

I. polícia federal;

II. polícia rodoviária federal;

III. polícia ferroviária federal;

IV. polícias civis;

V. polícias militares e corpos de bombeiros militares;

VI. polícias penais federal, estaduais e distrital.

O mesmo dispositivo constitucional ainda traz a previsão das Guardas


Municipais: no parágrafo oito, prevê que os municípios poderão
constituir Guardas Municipais destinadas à proteção de seus bens,
serviços e instalações, conforme dispuser a lei.

Apesar de não serem organizações policiais, os integrantes das


Guardas Municipais são servidores públicos investidos do poder
de polícia administrativa que, em muitos casos, são autorizados a
portar armas de fogo.

Foto: © [Vanessa Volk] / Adobe Stock.

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
59
Observe como essas informações se entrelaçam na prática:

PODCAST transcrito

Se o traficante atuava em nível local ou interestadual e


foi preso por policiais rodoviários federais em uma das
rodovias do país, o flagrante delito e demais atos de polícia
judiciária devem ser levados a efeito pela Polícia Civil local.
Porém, se o traficante levava drogas para o exterior e foi
preso por policiais militares do policiamento turístico
(nível estadual) em um aeroporto, o flagrante e demais
atos de polícia judiciária devem ser levados a efeito pela
Polícia Federal. O que dizer da inserção das polícias penais e
legislativas assim hipotetizadas? Certamente a quantidade
de combinações seria da mesma grandeza dos problemas
práticos ocasionados pelo trânsito de informações, pessoas
detidas e materiais entre diferentes segmentos policiais,
com culturas, estruturas e competências legais e territoriais
completamente distintas.

O Sistema de Justiça Criminal brasileiro possui, em sua racionali-


dade e coerência lógica, elementos que estão bem sumarizados no
relatório final do Projeto Brasília 2060, elaborado pelo Instituto
Brasileiro de Ciência e Tecnologia (IBICT), veja:

Dentre as principais funções de um Estado, destaca-se o


fornecimento de segurança pública por meio de uma série de
atividades interdependentes, as quais, em conjunto, formam
o que se pode definir como Sistema de Justiça Criminal.

(IBICT, 2015)

| Composição do Sistema de Justiça Criminal

Polícias Ministério Ógãos do Sistema


Público Judiciário Penitenciário

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
60
Esse sistema começa pela criação, por parte do Estado, de leis que
orientarão o convívio social. Essa função do Estado é exercida pelo
Poder Legislativo nos âmbitos federal, estaduais e municipais, bem
como por determinados órgãos da administração pública, quando
previsto em lei.

É atribuição do Estado zelar pela ordem pública, de modo a manter


a normalidade pacífica do convívio social. Essa função estatal é
exercida primariamente pelas Polícias Militares, conforme prevê a
Constituição de 1988, art. 144.

Art. 144
§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira,
incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia
judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

§ 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da


ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições
definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.

Uma vez confirmada a quebra da ordem pública, o Estado deverá


investigar os fatos com vistas a consubstanciar a justa causa, isto
é, apresentar os indícios suficientes de autoria e a materialidade do
fato, no âmbito do inquérito policial.

O inquérito policial representa a materialização da investigação cri-


minal; é um procedimento de natureza administrativa, cuja finalidade
é reunir provas capazes de formar o juízo do representante do órgão
ministerial acerca da existência de justa causa para o início da ação penal.

Uma vez identificados indícios da autoria ou mesmo que essa seja


devidamente comprovada, cabe ao Estado, por intermédio do Mi-
nistério Público, denunciar os suspeitos (réus).

Foto: © [Freedomz] / Adobe Stock.

Por último, o Poder Judiciário deverá julgar os réus, os quais, caso


condenados, serão punidos. Dentre as penas possíveis, destacam-se
multas, serviços comunitários e as penas privativas de liberdade.

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
61
Assim, caberá também ao Estado, via sistema prisional, internar e
recuperar os condenados cujas penas envolvem privação de liber-
dade. Em caso de absolvição, o Sistema de Justiça Criminal haverá
cumprido, antecipadamente, o seu papel, não havendo mais motivo
para o desenvolvimento de ações (IBICT, 2015).

Ou seja, do ponto de vista deontológico (do dever ser), o Sistema


de Justiça Criminal brasileiro aparentemente apresenta coerência
e racionalidade. Ao menos na lei, realmente tem-se um sistema
como nas ciências biológicas, composto por órgãos especializados
concebidos para exercer funções específicas de forma integrada a
outros órgãos.

O grande problema, portanto, é saber o quanto aquilo que está


posto na lei e nos manuais técnicos da área é capaz de suprir as
demandas da sociedade contemporânea. Isso se torna ainda mais
significativo no contexto de temas tão complexos como o narco-
tráfico e o crime organizado.

Curso FRoNt
MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO
62
Referências

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didas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de
usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão
à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes
e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 2006.
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criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção
da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; altera
o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal);
revoga a Lei nº 9.034, de 3 de maio de 1995; e dá outras providências.
Brasília, DF: Presidência da República, 2013. Disponível em: http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12850.htm.
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66
REALIZAÇÃO
MÓDULO 2
ECONOMiA DAS DROGAS,
DiNÂMiCA DO NARCOTRÁFiCO
E CRiMES CONEXOS
EXPEDIENTE
GOVERNO FEDERAL
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA
SECRETARIA NACIONAL DE POLÍTICAS SOBRE DROGAS

SECRETÁRIO NACIONAL
Paulo Gustavo Maiurino

DIRETOR DE POLÍTICAS PÚBLICAS E ARTICULAÇÃO


INSTITUCIONAL
Marcelo de Oliveira Andrade

COORDENADOR-GERAL DE INVESTIMENTOS, PROJETOS,


MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO
Gustavo Camilo Baptista

PLANEJAMENTO E GESTÃO
Glauber da Cunha Gervásio
Carlos Timo Brito
Eurides Branquinho da Silva

CONTEUDISTAS
George Felipe Lima Dantas
Isângelo Senna da Costa

REVISÃO DE CONTEÚDO
Fernanda Flávia Rios dos Santos
Maria de Fátima de Moura Barros

APOIO
Kathyn Rebeca Rodrigues Lima

BY NC ND

Todo o conteúdo do Curso FRoNt - Fundamentos para Repressão ao Narcotráfico e ao


Crime Organizado, da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD), Ministério
da Justiça e Segurança Pública (MJSP) do Governo Federal - 2022, está licenciado sob
a Licença Pública Creative Commons Atribuição - Não Comercial- Sem Derivações
4.0 Internacional.

REALIDADE AUMENTADA (RA)


Nas páginas deste material encontram-se códigos como este ao lado
que dão acesso a conteúdos extras. Para visualizá-los, baixe o aplicativo
Zappar no seu celular ou tablet e enquadre os códigos no aplicativo (você
precisa ter conexão à internet).

Baixe o aplicativo Zappar no seu celular ou tablet


UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA (SEAD)

SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA


Luciano Patrício Souza de Castro

labSEAD

COORDENAÇÃO GERAL
Luciano Patrício Souza de Castro

FINANCEIRO
Fernando Machado Wolf

SUPERVISÃO TÉCNICA EAD


Giovana Schuelter

SUPERVISÃO DE PRODUÇÃO DE MATERIAL


Daniele Weidle

SUPERVISÃO DE MOODLE
Andreia Mara Fiala

SECRETARIA ADMINISTRATIVA
Elson Rodrigues Natário Junior
Maria Eduarda dos Santos Teixeira

DESIGN INSTRUCIONAL
Supervisão: Milene Silva de Castro
Gabriel de Melo Cardoso
Márcia Melo Bortolato
Marielly Agatha Machado

DESIGN GRÁFICO
Supervisão: Douglas Luiz Menegazzi
Heliziane Barbosa
Juliana Jacinto Teixeira
Luana Pillmann de Barros
Vinicius Alves Jacob Simões

REVISÃO TEXTUAL
Cleusa Iracema Pereira Raimundo

PROGRAMAÇÃO
Supervisão: Alexandre Dal Fabbro
Cleberton de Souza Oliveira
Thiago Assi

AUDIOVISUAL
Supervisão: Rafael Poletto Dutra
Fabíola de Andrade
Luiz Felipe Moreira Silva Oliveira
Renata Gordo Corrêa

TÉCNOLOGIA DA INFORMAÇÃO
Dalmo Tsuyoshi Venturieri
Wilton Jose Pimentel Filho
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 73

Unidade 1 | LÓGICA DE MERCADO (NÍVEL 74


MACRO): PRODUÇÃO, DISTRIBUIÇÃO E
CONSUMO DE DROGAS
1.1 Economia das drogas 74

1.2 Produção, distribuição e consumo de drogas 84

Unidade 2 | LÓGICA DE MERCADO 93


(NÍVEL MICRO)

2.1 Abordagens psicossociais sobre os atores do 93


varejo de drogas ilícitas

2.2 Influência social: Teoria do Comportamento 107


Planejado (atitude, norma subjetiva e controle
comportamental percebido)

2.3 Vulnerabilidades socioeconômicas e outros


115
preditores do envolvimento com o tráfico de
drogas e o crime organizado
2.4 Subculturas criminais 120

Unidade 3 | REDUÇÃO DA DEMANDA E 124


DA OFERTA DE DROGAS

3.1 Redução da demanda 124

3.2 Redução da oferta 128


Unidade 4 | LAVAGEM DE DINHEIRO E 136
FINANCIAMENTO DE ORGANIZAÇÕES
CRIMINOSAS
4.1 Financiamento de organizações criminosas 136

4.2 Lavagem de dinheiro 140

REFERÊNCIAS 147
APRESENTAÇÃO

RA Olá, cursista!

Enquadre no seu celular


O presente módulo tem por objetivo abordar a dinâmica do mercado
ou tablet o código de
REALIDADE AUMENTADA das drogas, com ênfase nos aspectos macroestruturais e também
do aplicativo Zappar nos aspectos ligados às trajetórias dos indivíduos que nele desempe-
para assistir ao vídeo de
nham ao menos três papéis elementares: ofertante, demandante ou
apresentação do módulo.
demandante-ofertante. Dessa maneira, você vai ter a oportunidade
de transitar por conhecimentos produzidos em áreas como o Direito,
Criminologia, Economia e a Psicologia.

Este módulo foi pensado para que você possa caminhar por essas e
outras áreas do conhecimento. Mas, acima de tudo, vai levá-lo a uma
espécie de passeio entre os diferentes níveis de análise exigidos pelos
complexos temas: crime organizado e tráfico de drogas.

Objetivos do módulo

‹ Descrever as noções e os conceitos essenciais à temática da


“economia das drogas”.

‹ Discutir fatores psicológicos, sociais, culturais e econômicos


relevantes para a identificação de fatores que preveem o
envolvimento dos indivíduos com a violência, o crime e as drogas.

‹ Apontar características gerais do perfil do demandante por drogas


e descrever o perfil do ofertante de drogas.

‹ Discutir os aspectos legais e operacionais relacionados à lavagem


de dinheiro e ao financiamento das organizações criminosas.

Curso FRoNt
73
MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
UNIDADE 1
LÓGICA DE MERCADO (NÍVEL
MACRO): PRODUÇÃO, DISTRIBUIÇÃO
E CONSUMO DE DROGAS

Contextualizando

A partir daqui, vamos percorrer nossa jornada pelo caminho do co-


nhecimento, mas você sabe por onde seguir?

Vamos iniciar nossa caminhada navegando pela lógica de mercado


do consumo de drogas. Assim, nesta unidade, a proposta didático-
-pedagógica é apresentar os aspectos macroestruturais do mercado
das drogas, bem como sua lógica econômica. Você também vai
estudar alguns aspectos relevantes sobre o cultivo, a produção e a
distribuição das drogas.

1.1 Economia das drogas

Tyler Cowen, professor de Economia da Universidade George Mason,


glossário em Fairfax, Virgínia, diz que a economia está presente em toda parte e
“entendê-la pode ajudar você a tomar melhores decisões, levando-o
a ter uma vida mais feliz.”
A cocaína, benzoilmetilecgonina, ou éster
do ácido benzoico, também conhecida Sabendo disso, considere que o termo também está presente nos
por coca, é um alcaloide, estimulante aspectos macroestruturais do mercado das drogas, conhecido como:
e com efeitos anestésicos, utilizado “economia das drogas”. A expressão pode ser entendida tanto como
fundamentalmente como uma droga gênero quanto como espécie. Enquanto gênero, trata-se de uma ati-
recreativa. Pode ser aspirada, fumada ou vidade que envolve agentes econômicos. Entre esses agentes estão:
injetada. Os alcaloides são uma classe de
substâncias orgânicas nitrogenadas com
características básicas (encontradas em ” Os produtores
plantas vasculares e em alguns fungos, São aqueles que plantam Cannabis sativa (genericamente conhecida
também podem ser obtidas por síntese, e como “maconha”), erythroxylum coca (genericamente conhecida,
muitas delas possuem ação terapêutica, depois de ter suas folhas processadas, como cocaína, sendo
caso da morfina, atropina etc.). apresentada em pó, pasta ou merla e cristais ou crack), bem como
os produtores de outras drogas de uso lícito.
A merla é a pasta resultante do
processamento de folhas de coca com ” Os transportadores
ácido sulfúrico, querosene e cal virgem Na linguagem própria do narcotráfico, são as “mulas”, ou “aviões”,
(óxido de cálcio) entre outras substâncias quando é pequena a quantidade a ser transportada.
precursoras, do qual resulta uma
concentração de 40 até 70% de cocaína. ” Os vendedores
Os chamados narcotraficantes (desde os atacadistas até os
Retalhistas são os vendedores do varejo. retalhistas).

Curso FRoNt
74
MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
” Os compradores
Os usuários de drogas. Algumas vezes, dependentes químicos
(eventualmente adoecidos e ao menos temporariamente
incapazes).

Também é importante que você saiba que nessa economia existem


mercados consumidores, que podem ser mercados de drogas abertos,
semiabertos ou fechados. Tudo isso sob sistemas de precificação e
regulamentação que muitas vezes não visíveis, porém fortemente
reforçados pelas leis da oferta e da procura, incluindo a influência
da própria legislação vigente, seja ela proibitiva ou não.

Enquanto espécie, a economia das drogas é uma vertente de pesquisa


econômica encabeçada por Gary Becker (2004). Resumidamente,
glossário
podemos entender que Becker, seus colaboradores e seguidores es-
tabeleceram, teoricamente, que a proibição legal da venda ou do uso
de drogas teria custos maiores e piores que os resultantes de políticas
Políticas Públicas são um sistema de públicas de liberação. Vale destacarmos que os custos das políticas
linhas de ação, medidas regulatórias, de liberação também foram previstos pelos autores.
leis e prioridades de financiamento,
levando em conta um determinado tema Nesse caso, os extratos sociais mais privilegiados seriam os menos
definido politicamente como prioridade. afetados pela liberação, enquanto a base da pirâmide socioeconômica
As políticas públicas são materializadas (os mais pobres) sofreria mais com as consequências das políticas
pela constituição, pelas leis ou pelas liberacionistas (adoecimento, desemprego, empobrecimento, vio-
decisões judiciais. lência etc.). Essa discussão, fora das equações de Becker, ainda não
produz conclusões definitivas.

Curso FRoNt
75
MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
Gary Becker (1930-2014).
Foto: © [Songman Kang] / Future Lear.

Gary Becker (1930-2014), ganhador do Prêmio Nobel de Economia


de 1992, é considerado fundador da literatura sobre economia do
crime. Seu estudo de 1968, “Crime e Castigo: Uma Abordagem Eco-
nômica”, foi a primeira análise rigorosa sobre o crime feita por um
economista e inspirou muitos outros economistas a seguirem o
exemplo de Becker (FUTURE LEARN, 2021).

As contribuições de Becker e seus colaboradores são ainda mais


significativas, dado que o modelo econômico tradicional é baseado
na relação direta de oferta e demanda. Isso porque estabelece bases
econômicas para a formulação de políticas de combate e prevenção às
drogas mundo afora. Os esforços para fornecer modelos econômicos
de mercados ilegais envolvendo as drogas remontam há, pelo menos,
cinco décadas (por exemplo, Becker, em 1968).

Contudo, é importante entendermos que o modelo econômico ortodoxo


apresenta limitações quando o assunto é a explicação do funcionamento
dos mercados de drogas ilegais. (NATIONAL RESEARCH COUNCIL, 2010).

Uma questão óbvia que muitas vezes passa despercebida é


o fato de que os mercados ilegais, como o das drogas, não
obedecem estritamente às mesmas regras dos mercados legais.
As características implícitas de muitos mercados legais nas
economias modernas, como a certificação de qualidade e os
mecanismos legais disponíveis para proteção contra fraude,
simplesmente estão ausentes nos mercados de drogas ilegais.

Outro fator fortemente presente no mercado de drogas é o fato de


que o consumidor pode estar sendo constantemente enganado,
apesar de existirem kits de teste de identificação, pureza e cortes de
cocaína. Ou seja, o usuário não possui recursos (de mercado) que lhe
garantam que a cocaína comprada possui o grau de pureza informado
pelo traficante. Por isso mesmo, não há mecanismo de “segurança
do consumidor” entre os agentes desse mercado ilegal.

Curso FRoNt
76
MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
presença de cocaína muito baixa

presença de cocaína baixa

média presença de cocaína

alta presença de cocaína

altíssima presença de cocaína

Kits de teste de identificação, pureza e cortes de cocaína.


Fonte: Adaptado de CNBS (2020). Além disso, muitas variáveis-chave da lógica dos mercados ilegais
e suas complexas características usualmente escapam às possi-
bilidades de análises racionais sistematizadas pela ciência e/ou
pelo poder público. Entre essas características, está a dependência
de fatores que, muitas vezes, não são mensuráveis, explícitos ou
mesmo determináveis.

Isso significa, por exemplo, que as respostas dos consumidores


de drogas aos aumentos e diminuições de preços podem ser
diferentes por conta da multiplicidade de variáveis peculiares
aos mercados ilegais e mesmo por questões intrínsecas aos
indivíduos que as adquirem (com diferentes níveis de compulsão
pela droga, por exemplo).

Diante da falta de dinheiro para comprar a droga de uso, os depen-


dentes químicos podem ter diferentes reações, a depender do grau
de comprometimento de sua saúde física ou mental. É muito comum
esses indivíduos cometerem delitos que a literatura norte-americana
trata como “aquisicionais” (usualmente contra o patrimônio).

Esses delitos são compulsivamente praticados por dependentes quí-


micos na ânsia de aplacar a drogadição, o que pode resultar em vio-
lência interpessoal. Infelizmente, crimes mais graves também são
corriqueiros, como o exemplo de um indivíduo que matou a própria
glossário
mãe a facadas, em São João da Boa Vista (SP), em 2019.

O autor do crime, de 32 anos, há sete anos dependente químico, co-


O termo drogadito deriva do nome em inglês meteu o crime para se apoderar do cartão de crédito da mãe e comprar
drug addict, em português: droga adicto. drogas. Na ocasião, ele negou a autoria do crime e tentou incriminar
Adicto significa pessoa viciada em droga. o namorado da mãe. No entanto, não podendo mais esconder o crime,
o drogadito terminou confessando tudo.

Curso FRoNt
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MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
dica de mídia

Você pode entender de maneira dinâmica como funciona


esse mercado de drogas assistindo aos vídeos a seguir,
que trazem os seguintes temas:

A colheita de coca:
https://www.youtube.com/watch?v=9MRd7DDLGjk

A preparação da cocaína:
https://www.youtube.com/watch?v=NxVKm6v8nEM

O tráfico de drogas:
https://www.youtube.com/watch?v=-E7rQs5Ly7U

O uso de drogas:
https://www.youtube.com/watch?v=ddYJ5kQffLE

Existem também aplicativos relacionados ao mercado das drogas.

saiba mais
Veja uma matéria sobre um brasileiro que criou um
aplicativo para encontrar parceiros usuários de maconha,
disponível em: https://www.opovo.com.br/noticias/
tecnologia/2015/05/brasileiro-cria-aplicativo-para-
encontrar-parceiros-de-maconha.html.

Outra característica complexa dos mercados das drogas é o alto nível


de dificuldade na pesquisa do consumidor sobre o produto que pre-
tende adquirir. Ao contrário dos percalços enfrentados por alguém que
pesquisa sobre drogas, alguém que procura um quarto de hotel para
se hospedar em qualquer grande cidade do mundo democrático pode
recorrer a dezenas de plataformas de pesquisa, por exemplo, onde é
possível verificar detalhes e características das instalações e comen-
tários de usuários que já utilizaram as acomodações.

Porém, se esse alguém é dependente químico e pretende fazer uso de


cocaína, não poderá contar com sites legais anunciando o produto e
muito menos acessar comentários de outros consumidores. Nesse ponto,
vale considerar que a cocaína é uma droga controlada em quase todos
os países que são membros da Organização das Nações Unidas (ONU),
a fim de usos medicinais.

Curso FRoNt
78
MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
Uma regra econômica que parece se amoldar bem à complexidade
do mercado das drogas é a elasticidade no preço de seus produtos.
Mankiw (2009) entende elasticidade como uma medida do
quanto compradores e vendedores respondem a mudanças nas
condições de mercado.

Nos mercados legais existem produtos conhecidos por sua alta sen-
sibilidade na demanda em relação às variações de preço. Os produtos
de luxo são um exemplo dessa categoria, também conhecida por sua
demanda elástica (a demanda diminui com preços maiores).

Por outro lado, produtos de primeira necessidade continuam sendo


demandados, mesmo com consideráveis altas de preço. Nesse caso,
trata-se de produtos de demanda inelástica. Por meio da elasticidade,
é possível analisar tanto a oferta quanto a demanda de drogas com
maior precisão. Por exemplo, os brasileiros não deixaram de consumir
arroz, mesmo com altas de preços bastante significativas em 2020.

O fenômeno da elasticidade pode ser resumido nos gráficos constantes


da imagem a seguir.

Curso FRoNt
79
MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
| elasticidade da oferta e demanda

DEMANDA DEMANDA DE
PERFEiTAMENTE DEMANDA ELASTiCiDADE
iNELÁSTiCA iNELÁSTiCA UNiTÁRiA
Y Y Y

P2 P2 P2

P1 P1 P1

X X X
Q1 Q2 Q1 Q2 Q1

DEMANDA
DEMANDA PERFEiTAMENTE
ELÁSTiCA ELÁSTiCA
Y Y

P2 P1

P1

Q2 Q1 X Q2 Q1 X

No eixo Y, encontram-se o preço de um item de consumo. No eixo


X, tem-se a quantidade desse mesmo item. Observe que a demanda
é perfeitamente inelástica quando permanece igual mesmo com a
mudança no preço do item. No caso da demanda inelástica, ocorre
uma sutil alteração na demanda, caso haja alteração no preço ou na
quantidade demandada. Já no caso da elasticidade unitária, o valor
absoluto da elasticidade é 1; em outras palavras, o preço aumenta
e a demanda reduz na mesma proporção. Por sua vez, perceba que,
quando a demanda é elástica, o preço muda e a demanda se altera
RA em uma proporção maior. No caso da demanda perfeitamente elás-
tica, mesmo uma ínfima alteração no preço causa uma mudança
Enquadre no seu celular
ou tablet o código de radical na demanda.
REALIDADE AUMENTADA
do aplicativo Zappar para Um trabalho publicado pela Organização dos Estados Americanos
assistir ao vídeo animado
sobre o fenômeno da
(OEA) expressa em números o fenômeno da elasticidade no mer-
elasticidade no mercado cado das drogas.
das drogas.

Curso FRoNt
80
MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
Segundo o conteúdo, intitulado “O problema das drogas nas Amé-
ricas: estudos, a economia do tráfico de drogas”, a quantidade
consumida é influenciada por mudanças nos preços das drogas.
Mais ainda, a quantidade de consumidores também seria afetada
pela variação no preço das drogas. O trabalho traz um importante
parâmetro para uma melhor compreensão do tema. A elasticidade
da demanda seria expressa pelo percentual total de mudança no
consumo (demanda) de um determinado produto diante da variação
de 1% em seu preço. Para a cocaína e a maconha, a elasticidade da
demanda seria estimada em aproximadamente -0,5%. Ou seja,
a demanda por essas drogas tende a cair 0,5% quando o preço au-
menta em 1%. Tal elasticidade seria semelhante ao que se observa
com a relação ao preço-demanda do tabaco.

Organização dos Estados Americanos (OEA)


e Comissão Interamericana para o Controle
do Abuso de Drogas (CICAD).
Fonte: OEA (2020).

O mesmo documento da OEA informa que há poucos estudos envol-


vendo a elasticidade da heroína (droga ilícita derivada da papoula,
assim como a morfina, e de baixa prevalência no Brasil). Porém, no
caso dessa droga, seria razoável estimar que a elasticidade seria em
torno de -0,3%; ou seja, um aumento de 1% no preço da heroína
levaria a uma redução de 0,3% em seu consumo. Isso significa que,
de maneira geral, os preços da cocaína, da maconha e da heroína
aumentam sem necessariamente haver uma redução equivalente
da demanda. Em outros termos, os traficantes acabam tendo lucros
ainda maiores quando os preços aumentam.

Cultivo de papoula no Afeganistão – a heroína é


derivada do ópio, produzido a partir da papoula.
Foto: © [AP] / G1.

Um caso emblemático, também reportado pela OEA, é o da metanfe-


tamina (droga sintética (ilícita), ou seja, uma substância psicoativa
de ação estimulante do sistema nervoso central. Entre os usuários,
a metanfetamina é conhecida como ice, Tina, meth, cocaína de
pobre, speed ou cristal). Os esforços do governo norte-americano

Curso FRoNt
81
MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
para reduzir o suprimento dos insumos químicos da metanfetamina
teriam triplicado temporariamente seu preço, causando impacto
inclusive na sua pureza, reduzida de 90% para 20%. Ademais, as
ocorrências de internações hospitalares envolvendo metanfetaminas
diminuíram cerca de 50%, e o uso dessa substância entre presos caiu
em média 55%. Contudo, nos quatro meses que se seguiram depois
das operações governamentais, os índices retornaram aos patamares
anteriores tão logo os preços caíram e a pureza da droga se elevou
(ORGANIZATION OF AMERICAN STATES, 2013, tradução nossa).

Leonardo Raffo López (2010), professor titular do Departamento


de Economia da Universidad del Valle, em Cali, Colômbia, também
destaca os efeitos colaterais das políticas de repressão da oferta de
drogas ilícitas como a cocaína e a heroína. Veja o que diz o autor,
que se inspira nos trabalhos de Becker e colegas:

OS LUCROS DOS
NARCOTRAFiCANTES CRESCEM,
OS PREÇOS DAS DROGAS
BEM COMO O AUMENTO DA MÃO
AUMENTAM E A ELASTiCiDADE DOS
DE OBRA USADA NA LOGÍSTiCA
PREÇOS É MENOR QUE 1%
DA PRODUÇÃO E DA
DiSTRiBUiÇÃO DAS DROGAS

Nesse sentido da sequência apresentada, podemos considerar que,


ao menos no curto prazo, a repressão contra a oferta de drogas poderia,
ao contrário do que se propõe, fomentar as atividades criminosas.

López sintetiza que o fator-chave na análise dos mercados de drogas


ilegais é justamente a elasticidade da relação preço-demanda, cuja
razão depende dos impactos de políticas de repressão, do progresso
técnico da produção e da distribuição de drogas, bem como da
flutuação da quantidade de terras agricultáveis para o cultivo da
coca. A análise dessas variáveis individualmente e das relações
que estabelecem entre si poderia explicar os resultados do Plano
Colômbia de repressão à oferta de drogas.

Por meio do referido plano, nas últimas décadas, a superfície do


glossário território colombiano coberta por plantações de coca tem caído
juntamente com o preço da cocaína. Por outro lado, a disponibilidade
da droga para o mercado consumidor interno e externo não parece
A produtividade, em geral, está sempre ter sido alterada. Para López, esse enigma pode ser explicado pelo
conectada a um equilíbrio de dois aumento da produtividade do mercado da droga.
“indicadores”, se podemos chamar assim:
a quantidade/qualidade de trabalho feito Uma vez que um aumento de 1% no preço da Cannabis (maconha)
e os recursos gastos para realizar esse não produz a esperada redução de, ao menos, igual percentual na
mesmo trabalho. demanda, é preciso investigar a razão pela qual ocorre esse descom-
passo na elasticidade da demanda. Para isso, é importante buscar

Curso FRoNt
82
MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
explicações, inclusive, para os principais fatores que determinam
as escolhas voluntárias ou mesmo a “rendição” dos indivíduos ao
consumo de drogas.

A plataforma on-line Addiction Center é um guia informal


na internet para quem está enfrentando problemas com
dependência química e existe desde 2014. A plataforma pertence
à Recovery Worldwide, organizada pela associação de várias casas
de recuperação nos Estados Unidos e especialistas.

É importante que você saiba que, à medida que a maconha tem sido
legalizada para propósitos medicinais em mais estados americanos,
mais pessoas têm se disponibilizado a experimentar essa droga
(BEZRUTCZIK, 2019).

Cannabis para uso medicinal e a disponibilidade


para experimentação.
Foto: © [Roxxyphotos] / Adobe Stock.

Enquanto existe uma tendência no discurso de especialistas e mi-


litantes em prol da liberação da venda drogas, sob o argumento de
que o risco de uma pessoa se viciar em maconha é baixo, a possibi-
lidade de desenvolvimento de dependência psicológica dessa pessoa
é inquestionável. Isso não é de hoje.

Podcast transcrito

Em 1975, o jornal “The New York Times” publicou um


artigo intitulado “Preços da maconha sobem com pessoas
mais ricas começando a usar a droga”. Naquele momento,
estudantes universitários pagavam entre 15 e 60 dólares
por cerca de 28 gramas de maconha (algo em torno de 71 a
285 dólares, em valores atualizados em setembro de 2020).

Curso FRoNt
83
MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
Atualmente, a plataforma informa que o custo médio
da Cannabis tem aumentado mais rapidamente do
que a inflação. Os preços da maconha nas ruas norte-
americanas alteram de acordo com variáveis econômicas,
como oferta, demanda e qualidade. Porém, os aspectos
legais também produzem impacto nesse mercado.

Por exemplo, alguém com uma recomendação médica que


lhe autorize a adquirir Cannabis legalmente, em estados
como o Colorado, paga em média entre 10 e 60 dólares
por cada grama da droga. Já em estados em que a droga
não foi legalizada, como é o caso do Texas, os valores
da maconha adquirida às margens da lei variam
entre 5,75 e 11,75 dólares.

Veja a seguir algumas reflexões acerca da produção e consumo de


drogas no Brasil.

1.2 Produção, distribuição e


consumo de drogas

Neste tópico, vamos estudar mais detalhadamente como os processos


de produção, distribuição e consumo de drogas acontecem.

1.2.1 Cultivo e produção


Na origem da cadeia de suprimento das drogas estão o cultivo e a
produção. Sobre esse assunto, inclusive com rico detalhamento, se
posiciona o Relatório Global sobre Drogas (World Drug Report) do
Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC). As in-
formações abaixo são um sumário do relato do Livreto 3, do Relatório
glossário
Global sobre Drogas, elaborado pelo referido órgão da ONU.

Em relação ao ópio, iniciamos sabendo que é produzido ilegalmente


O ópio, composto pela morfina, codeína em mais de 50 países, seu cultivo global somou algo em torno de
e heroína, é obtido através da realização 240.800 hectares em 2019, uma redução de 30% em relação ao ano
de uma incisão na cápsula da papoula anterior. Ainda assim, a área cultivada atualmente equivale a 337.325
(Papaver Somniferum) de onde sai um campos de futebol (um campo de futebol tem 8.250 metros quadrados,
líquido de aspecto leitoso que se solidifica logo, 337.325 campos totalizam 2.782.931.250 metros quadrados ou
com facilidade. 278.293 hectares). São necessárias, em média, 3.000 plantas para
obter um quilo e meio de ópio.

Curso FRoNt
84
MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
A maior parte desse volume (84%) foi cultivada no Afeganistão, onde
a tendência de cultivo permaneceu estável. Outrora responsáveis pelo
aumento na área cultivada de ópio, em 2018 e 2019, Mianmar e Afega-
nistão lideraram a queda global em sua produção. Entretanto, em que
pese a redução da área cultivada, a quantidade produzida de opioides
ilegais permaneceu estável em 7,610 toneladas em 2019. Isso significa
que os traficantes estão atingindo ganhos maiores em produtividade.

Cápsula da papoula, de onde se extrai o ópio.


Foto: © [Pyty] / Adobe Stock.

Em relação ao cultivo de coca, a área global está estimada em 244.200


hectares em 2018. Trata-se de uma queda marginal de -0,5% com
relação a 2017. Também houve um declínio significativo na pro-
dução de cocaína, refletindo uma queda na produção de cocaína
colombiana (-1,2%) e no Estado Plurinacional da Bolívia (-5,7%).
Esses dois países, juntamente com o Peru, respondem por 90% da
área cultivada de coca no mundo.

A Colômbia, de longe, é a maior líder mundial na produção de coca


(70%). No país, tal qual ocorreu com o ópio na Ásia, o aumento de
produtividade na produção de cocaína compensou a queda da área
cultivada de sua planta de origem. Ou seja, mesmo com a queda da
área cultivada, nos últimos anos não houve queda significativa na
produção da folha de coca. Estima-se que foram produzidas mais de
1.723 toneladas de cocaína pura em 2018.

Curso FRoNt
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MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
| cultivo global de coca e fabricação de cocaína (1998-2018)

300,000 2,000
Cultivo global de coca (hectares)

(toneladas com 100 por cento de pureza)


1,723
240,000 1,600
1,381

Fabricação de cocaína
180,000 1,200
869
120,000 800

60,000 400

0 0
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2017
2018
1998
1999

Cultivo total de coca (estimativa)


Cultivo de coca na Bolívia
Cultivo de coca no Peru
Cultivo de coca na Colômbia
Fabricação de cocaína

Fonte: World Drug Report (2020).


Em relação à Cannabis, é importante saber que faltam dados quanti-
tativos disponíveis suficientes para atualizar a estimativa global de
seu cultivo, porém é sabido que o cultivo dessa erva ocorre na maioria
dos países. Ou seja, isso a difere de plantas que dão origem a outras
drogas e estão limitadas a regiões específicas do planeta.

Já informações qualitativas de alguns países mostram que a plantação


externa de Cannabis é mais difundida pelo mundo do que a plantação
em ambientes fechados (como estufas). Por outro lado, aparentemente
o cultivo em ambientes internos parece crescer mais rapidamente
que o cultivo em ambientes externos.

Cultivo interno de Cannabis.


Foto: © [Claude Jin] / Adobe Stock.

Curso FRoNt
86
MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
Ainda há que se destacar o fato de que, ao contrário do que ocorre com a
planta de coca, o cultivo da erva Cannabis já foi liberado em vários países.

Porém, em relação à liberação do cultivo de Cannabis, há um caso


emblemático que acabou ganhando atenção em nível internacional:
um incêndio na Austrália.

Incêndio na Austrália iniciado para proteger


plantação de maconha.
Foto: © [Getty] / Metro.

Segundo a imprensa local e internacional, um dos maiores incêndios


florestais da história da Austrália, que varreu boa parte da costa
leste daquele país em 2019, foi iniciado por um homem que tentava
proteger sua plantação de maconha.

saiba mais
Você pode conferir a matéria completa sobre esse
incêndio na Austrália aqui, disponível em: https://metro.
co.uk/2019/11/18/australian-bushfire-started-man-
wanted-protect-cannabis-crop-11175202/

1.2.2 Distribuição

Os mercados de drogas, que podem ser abertos, semiabertos e fe-


chados, e o uso de drogas estão constantemente associados a lugares,
coisas e determinados indivíduos.

‹ Lugares – muitas vezes regiões inteiras, bairros, ruas,


esquinas etc.

‹ Coisas – simbologias visuais como tatuagens, pichações,


palavras-código etc.

Curso FRoNt
87
MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
‹ Determinados indivíduos – pessoas com alguma caracterização
pessoal ou de padrão gestual típico do uso ou do tráfico de
drogas ilícitas.

Distribuir, adquirir e consumir drogas pode ser algo bastante fluido aos
olhos de um desavisado que não conhece a trilogia simbólica evocativa
de “lugares, coisas e pessoas”. Essa trilogia é citada na doutrina da
organização “Narcóticos Anônimos” como algo a ser evitado.

O “Guia Introdutório para Narcóticos Anônimos” diz que, “quando


nos permitimos aproximar de velhos conhecidos e lugares, estamos
nos preparando para recair. Em relação à doença da adicção, somos
impotentes. Estas pessoas e lugares nunca nos ajudaram a nos
mantermos limpos. Seria tolice pensar que as coisas pudessem ser
diferentes agora.”

Tal problemática parece ter passado a um nível ainda complexo com


o advento da internet. (popularizada no início da década de 1990)
e, depois dela, da universalização da telefonia móvel (com os cha-
mados “celulares”, o primeiro deles tendo sido comercializado no
Brasil também na década de 1990). Nesse passo, também surgiram
as redes sociais e seus aplicativos como o WhatsApp, que desde 2009
é o aplicativo de smartphone (aparelho que que alia as tecnologias de
informação com as de comunicações) mais disseminado no Brasil,
tendo hoje milhões de usuários.

Foto: Adaptado de © [ameko_suki] /


Adobe Stock.

Atualmente, drogas são amplamente comercializadas on-line em


várias plataformas. A venda de drogas através dos mercados da cha-
mada Darknet é uma ameaça significativa e continua a se expandir.
Você pode entender Darknet como nome genérico de tecnologias
de informação, estudo, investigação e comunicações que permitem
comunicação anônima na internet com a utilização de navegadores
específicos. Utiliza criptografia na comunicação entre seus membros,
protegendo o anonimato deles. Funciona como um “apêndice”, parte
da internet, mas desconectado dela. Não há uma única Darknet para
diferentes usuários, mas várias delas, tantas quantas sejam estabe-
lecidas por seus usuários.

Curso FRoNt
88
MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
Ainda assim a distribuição de drogas manteve seus canais clássicos
(associados a lugares, coisas e pessoas), aos quais foram acrescidas
redes cujos usuários estão protegidos (tal qual a cidadania inteira)
pelos mais diversos instrumentos legais, resguardados por uma
série de institutos do Direito em geral, mais particularmente no
que concerne às garantias e direitos individuais. Surge assim uma
“criminalidade em rede”.

Em um desdobramento lógico e sequencial, esse tipo de expressão


do crime se exacerba ao ser instrumental para os “criminosos por
glossário excelência”, muitas vezes contumazes, aqueles que se encontram
nos estabelecimentos prisionais. No Brasil, já resta provado que
organizações criminosas foram estabelecidas a partir das prisões,
Tecnologias de Informação e estando fortemente conectadas com o narcotráfico e com o mundo
Comunicações (TIC) é uma expressão exterior a elas, não obstante o cometimento de vários outros delitos
que corresponde ao conjunto tecnológico, por elas, caso de extorsões e justiçamentos, por exemplo.
incluindo equipamentos físicos (hardware)
e programas (software) devidamente As Tecnologias de Informação e Comunicações (TIC) passaram
integrados, para a automação da pesquisa a ter a criminalidade em rede como objeto em prol da persecução
sobre redes (entre outras funções). penal. Várias gerações de ferramentas de visualização de redes cri-
minosas complexas foram concebidas, como podemos identificar
na imagem a seguir:

Característica complexa dos mercados de drogas –


criminalidade em rede.
Fonte: Adaptado de Xu e Schen (2005).

Curso FRoNt
89
MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
Há expressões no mundo inteiro para representar o fenômeno da
criminalidade em rede, veja a notícia veiculada pela rede BBC britânica
intitulada “Centenas de pessoas presas durante o cracking da rede de
bate-papo sobre crime”.

A NCA (National Crime Agency – Agência Nacional contra o


Crime) trabalhou com forças em toda a Europa na operação
‘maior e mais significativa’ de aplicação da lei no Reino
Unido. Os principais números do crime estavam entre mais
de 800 prisões em toda a Europa depois que mensagens
no EncroChat foram interceptadas e decodificadas. Mais
de duas toneladas de drogas, várias dezenas de armas e
£54 milhões em dinheiro suspeito foram apreendidos, diz
a NCA. Embora a NCA fizesse parte da investigação, ela foi
iniciada e liderada pela polícia francesa e holandesa,
e também envolveu a Europol – a Agência da União
Europeia para a Cooperação Policial.

(BBC, 2020)

A matéria, de autoria de Danny Shaw, correspondente de assuntos


internos, foi publicada em 2 de julho de 2020.

saiba mais
Você pode conferir a matéria na íntegra disponível em:
https://www.bbc.com/news/uk-53263310

Curso FRoNt
90
MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
Veja os principais fluxos do tráfico de Cannabis na Europa:

| produção, tráfico e distribuição de cannabis


herbácea na europa

PAÍSES
BAiXOS

REPÚBLiCA TCHECA

ALBÂNiA

Fonte: Adaptado de Europol (2017).

Em um relatório de análise recente das tendências globais, o National


Intelligence Council (EUA) incluiu uma pequena seção sobre organi-
zações e redes criminosas prevendo algumas ações futuras em relação
a essas organizações e rede criminosas. O relatório observou que as
organizações e redes criminosas sediadas na América do Norte, Europa
Ocidental, China, Colômbia, Israel, Japão, México, Nigéria e Rússia
expandiram a escala e o escopo de suas atividades. Essas organizações
formaram alianças frouxas entre si, com empreendedores criminosos
menores e movimentos insurgentes para operações específicas.

Curso FRoNt
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MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
O documento também previu que as organizações corromperam líderes
de Estados instáveis, economicamente frágeis ou em decadência.
Além disso, se insinuaram em bancos e empresas em dificuldades,
cooperando com movimentos políticos insurgentes para controlar
áreas geográficas substanciais.

As previsões do National Intelligence Council (EUA), mormente


considerando a relação das organizações criminosas com o poder
formal do Estado, ou mesmo a tomada das instituições legítimas
do Estado por tais organizações, estão em linha com as predições
de Juliet Berg, em dissertação apresentada em 1998 no Instituto de
Criminologia da Universidade de Cape Town, África do Sul. O pro-
cesso descortinado por Berg, especialmente em forma de alerta para
o Brasil, já foi tratado no Módulo 1.

Ainda assim, dada a sua pertinência com o presente tópico, vale a


pena terminar esta aula com mais uma citação do referido trabalho:

Num momento final, dar-se-ia o conluio, grau mais alto


de envolvimento do Estado com o crime organizado.
Em tal estágio, o Estado estaria completamente
envolvido com grupos criminosos, numa verdadeira
relação simbiótica. A estrutura estatal passaria a ter total
parceria nas atividades do crime organizado, com seus
representantes trabalhando diretamente com os sindicatos
do crime. Segundo Berg, o conluio será tão mais aberto
quanto maior seja o grau de subdesenvolvimento do país,
já que Estados industrializados ou pós-industrializados
costumam ser menos abertos em eventual conluio com o
crime organizado, vis-à-vis países pobres que dependem
mais intensamente da exportação de mercadorias ilegais.

(DANTAS, 2010)

E assim chegamos ao final de nossa primeira unidade. Seguindo, vamos


continuar pelo grande caminho que já fizemos até aqui, passando de um
“caminho largo” (macro) dos mercados de drogas para caminhos um
pouco mais específicos (micro) que explicam esses mesmos mercados.

Curso FRoNt
92
MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
UNIDADE 2
LÓGICA DE MERCADO
(NÍVEL MICRO)

contextualizando

Nesta unidade, a proposta didático-pedagógica é identificar fatores


relacionados ao engajamento dos indivíduos no mercado ilícito de
drogas, sobretudo do ponto de vista daqueles (indivíduos) que parti-
cipam ativamente desse mercado econômico no segmento da oferta.
Para tanto, serão consideradas questões disposicionais e situacionais
correlatas a processos psicossociais que dizem respeito aos indivíduos,
a seus relacionamentos em/com grupos e a seus ambientes imediatos.

Assim, iniciamos nossa caminhada pelos percursos do conhecimento


de lógica de mercado em nível micro.

2.1 Abordagens psicossociais


sobre os atores do varejo de
drogas ilícitas

Uma das questões centrais da Criminologia é: por que algumas pessoas


glossário cometem crimes e outras não?

Desde a alvorada da Criminologia e do Direito Penal no século XVIII,


A palavra latina “atavus”, que pode ser várias correntes criminológicas vêm tentando responder a essa per-
traduzida como “ancestral”, chegou à gunta fundamental. Por exemplo, a Criminologia Positivista, cujo
nossa língua como atavismo. O conceito é maior ícone foi Cesare Lombroso, apostava na investigação do cri-
usado, no campo da biologia, para nomear minoso nato (atavismo), assumindo o crime, portanto, como fruto
o fenômeno que implica o regresso de de algum tipo de patologia.
um ser vivo com características de seus
predecessores distantes. Outra corrente de pensamento que podemos destacar é o Utilitarismo,
que tinha como um nome importante o filósofo inglês e jurista teórico
Jeremy Bentham (1748-1832).

Curso FRoNt
93
MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
Jeremy Bentham.
Foto: © [Georgios Kollidas] / Adobe Stock.

Jeremy Bentham era chefe de um grupo de filósofos radicais, conhe-


cidos como “utilitaristas”, que pregavam reformas políticas e sociais,
entre elas uma nova Constituição para o país.

Podcast transcrito

Outra corrente de pensamento bem conhecida é a


Criminologia Psicanalítica. Criada por Freud com o objetivo
de tratar desequilíbrios psíquicos, esse corpo teórico foi
responsável pela descoberta do inconsciente na tentativa
de mapeá-lo e de compreender seus mecanismos em
um plano psíquico. Essa disciplina visa também analisar o
comportamento humano, decifrar a organização da mente
e curar doenças carentes de causas orgânicas.

Ainda sobre a Criminologia Psicanalítica, Cerqueira e Lobão


(2004) afirmam que “o crime representaria a erupção
vitoriosa das pulsões libidinosas no campo da consciência.
A função do crime seria, por conseguinte, satisfazer
simbolicamente os instintos libidinosos.”

Já para a Escola de Chicago ou da Ecologia Urbana, o crime


seria determinado pelas desordens físicas e sociais presentes
na cena urbana. Por sua vez, uma ampla revisão da literatura
realizada por Free Jr. encontrou evidências empíricas na
Teoria Broken Home, que tem sua origem ainda na década de
1940, no sentido de que os lares desestruturados são fortes
preditores de delinquência juvenil.

Curso FRoNt
94
MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
Por fim, ressalte-se que há correntes da Criminologia que
simplesmente rejeitam a simples hipótese da existência do
crime em si. A Criminologia Crítica, por exemplo, acredita
que o crime não passa de uma convenção discursiva que
visa justificar a dominação das classes dominantes sobre as
classes exploradas. De toda sorte, percebe-se, na maioria das
correntes criminológicas, a busca pelos elementos endógenos
(internos ao indivíduo) e exógenos (externos ao indivíduo)
que predispõem uma pessoa a escolher, como diz a linguagem
poética dos penalistas, a senda (caminho) do crime.

Ao contrário do Direito Penal, que se circunscreve às ciências jurídicas


e a seus métodos, a Criminologia possui caráter multidisciplinar e,
como observado nos exemplos acima, essa ciência utiliza em suas
investigações abordagens e técnicas de pesquisa das mais variadas
áreas do conhecimento. Estão entre essas áreas o próprio Direito,
a Sociologia, a Economia e a Psicologia.

Antropologia Psicologia
Cultura Decepção Influência Personalidade

Etnografia Magia Confiança

Sociologia
Economia
Conformidade
Religião Crença
Obediência

Redes sociais

Biologia

História Neurociência

Liderança chave Biologia evolucionária

Ciências Políticas
Tendências globais

Portanto, com a pesquisa criminológica dos crimes relacionados ao


narcotráfico e ao crime organizado não seria diferente. Não por outra
razão, importantes centros de pesquisa possuem um comitê para
a compreensão e o controle da demanda por drogas ilegais, como a
Academia Nacional de Ciências, Engenharia e Medicina dos Estados
Unidos, em sua Divisão de Comportamento, Ciências Sociais e Educação.

Segundo o National Research Council (2010), esse comitê tem abor-


dado a problemática da demanda por drogas sob o enfoque das mais
variadas áreas do conhecimento, como a Educação, a Medicina,

Curso FRoNt
95
MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
as Ciências Sociais e as Ciências Comportamentais, por meio de
relevantes pesquisas empíricas sobre o tema.

O que todas essas áreas têm em comum, seja na perspectiva endó-


gena, seja na perspectiva exógena, é o foco especial no ser humano
e em suas relações com seu entorno, mas cada uma, a seu turno,
com sua dimensão particular (biológica, cognitiva, emocional e
social, por exemplo).

Para entendermos melhor o caráter multidisciplinar da Criminologia,


veja o que a Encyclopedia of Police Science (2007) diz:

O estudo do crime e dos criminosos é a província da


criminologia. Conforme foi escrito pelo saudoso Edwin
Sutherland em seu trabalho clássico Principles of Criminology
(1939, 1) ‘A criminologia é o corpo de conhecimento com
respeito ao crime enquanto fenômeno social. Ela inclui em
seu escopo o processo legislativo, de violação da lei e de
reação contra a violação da lei.’ Ainda que a definição de
Sutherland acerca da criminologia seja comumente aceita e
vastamente citada, não é bastante acurada, porque declara
que o estudo da criminologia está focado apenas em fatores
sociais. Na realidade, o estudo do crime por criminologistas
engloba vários campos do conhecimento que não são
basicamente de natureza social.

A criminologia é geralmente entendida como um


descendente da disciplina de sociologia. Embora seja
indiscutivelmente o caso, tal declaração despreza tanto
a história da criminologia quanto as várias disciplinas
que compreendem a largura do campo. Em uma vez ou
outra, as disciplinas de filosofia, história, antropologia,
psicologia, psiquiatria, medicina, biologia, genética,
endocrinologia, neuroquímica, ciência política, economia,
serviço social, jurisprudência, geografia, planejamento
urbano, arquitetura, e todas as estatísticas tiveram papéis de
destaque no desenvolvimento [...].

Além da questão de por que algumas pessoas cometem crimes e outras


não, importantes criminólogos, como Edwin Sutherland, também
traziam e ainda trazem consigo outra inquietação: por que algumas
pessoas são punidas por seus crimes e outras não?

Curso FRoNt
96
MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
“POR QUE OS
DELiNQUENTES
DO COLARiNHO
BRANCO NÃO
SÃO PUNiDOS?”

EDWiN SUTHERLAND

Nesse sentido, subáreas da Psicologia como a Psicologia Social e a


Psicologia Ambiental podem contribuir em muito para a compreensão
do fenômeno criminal e principalmente sua mitigação. Isso vale espe-
cialmente para os fenômenos psicossociais correlatos ao envolvimento
dos indivíduos com as organizações criminosas que atuam direta ou
indiretamente no mercado das drogas.

A Psicologia Social, na definição clássica de Gordon Allport,


estuda como os pensamentos, as emoções e os comportamentos
das pessoas são influenciados pela presença real ou percebida
de outrem. Na categoria “outrem”, são incluídos os grupos de
pertença (conjunto de pares com que um indivíduo se identifica
e no qual pretende permanecer) ou mesmo aqueles que
circunstancialmente se formam em torno dos indivíduos.
Por sua vez, a Psicologia Ambiental investiga as relações
recíprocas entre a pessoa e o ambiente.

A Psicologia Ambiental tem contribuições importantes a fazer para


a Criminologia Ambiental, uma vez que este ramo da Criminologia
investiga a dinâmica do crime a partir de sua perspectiva temporal
e espacial. Assim, da mesma forma que a Criminologia Tradicional
pergunta o porquê de algumas pessoas se envolverem com o crime
e outras não, a Criminologia Ambiental pergunta o porquê de alguns
locais gerarem mais oportunidades para o crime (de tráfico, por
exemplo) do que outros; ou nos termos de Weisburd, Green e Ross
(1994, p. 65), que questionam: “por que alguns lugares se tornam
mercados de drogas e por que certos tipos de crimes são mais prováveis
de ocorrer lá do que em outros lugares”? Em suma, a Criminologia
Ambiental e a Psicologia Ambiental, quando articuladas, conseguem
trazer respostas bem consistentes para essa questão.

A Psicologia Social pode ajudar a desnudar os fenômenos de ordem


psicológica e social no ingresso e na permanência do indivíduo no
comércio ilegal de drogas. Por outro lado, a Psicologia Ambiental

Curso FRoNt
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MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
pode ajudar a descortinar a prática do comércio de drogas no varejo
a partir dos locais em que esses crimes são praticados.

É importante que você conheça três experimentos clássicos que aju-


daram na identificação e compreensão de fenômenos que, até hoje,
são objeto de estudos e intervenções na área. São eles:

1. Estudo de conformidade de Solomon Asch.

2. Experimento de obediência de Stanley Milgram.

3. Experimento da Prisão de Stanford conduzido por Philip


Zimbardo.

Na década de 1950, o polonês Solomon Asch conduziu experimentos


que marcaram para sempre a história da psicologia social. Seus ex-
perimentos mostraram o quanto as pessoas são capazes de adotar
comportamentos, muitas vezes irracionais, somente para se amoldar
ao comportamento dominante do grupo em que estão inseridas.

Podcast transcrito

O mais impressionante é que não importa se o grupo acabou


de se formar e irá se dissolver em instantes, como é o caso
do encontro corriqueiro de pessoas em um elevador, as
pessoas sempre têm a tendência de seguir aquilo que está
explicitado como sendo a norma (regra comportamental)
que impera no grupo. A Psicologia Social convencionou
chamar esse fenômeno de conformidade. Ou seja, as
pessoas tendem a se comportar conforme (com a forma) do
grupo. Ou seja, as pessoas tendem a se comportar conforme
(com a forma) do grupo. Veja como Meyers (2014, p. 162)
define e exemplifica o fenômeno da conformidade: “Assim
conformidade é uma mudança de comportamento ou de
crença para concordar com os outros. Quando, em meio
a uma multidão, você se levanta para aplaudir um gol de
vitória, você está se conformando? Quando, junto com
milhões de outras pessoas, você bebe leite ou café, você está
se conformando? Quando você e todo mundo concorda que
as mulheres ficam melhor com um cabelo mais longo do que
com cortes à escovinha, você está se conformando? Talvez
sim, talvez não. A chave é se o seu comportamento e suas
crenças seriam os mesmos fora do grupo. Será que você se
levantaria para aplaudir o gol caso fosse o único torcedor na
arquibancada?”

Parafraseando Gustave Le Bon, em “Psicologia das


Multidões”, num grupo, sentimentos e atos são
contagiosos, e contagiosos em tal grau, que o indivíduo

Curso FRoNt
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MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
prontamente sacrifica seu interesse pessoal em prol do
interesse coletivo. Para ilustrar, imagine o que acontece
com a violência em estádios de futebol. Existe uma
conformidade de comportamento agressivo entre pessoas
que não se conhecem.

Na imagem abaixo, vemos um exemplo de conformidade de com-


portamento agressivo, entre pessoas que não se conhecem, em um
estádio de futebol.

Para demonstrar o fenômeno da Conformidade, em 1951, Asch (1956


apud MCLEOD, 2018) apresentou a um grupo de oito pessoas um quadro
com vários cartazes. Em cada um dos cartazes, havia uma linha padrão
ao lado de outras três linhas (A, B e C) com alturas diferentes. A tarefa
do grupo era bem simples: um a um os participantes tinham de dizer
qual das linhas (A, B ou C) possuía a mesma altura da linha padrão.
Ocorre que, dos oito participantes, apenas o comportamento de um
participante (“o ingênuo”) realmente estava sendo avaliado pelo ex-
perimento. Todos os outros indivíduos, por assim dizer, eram “cúm-
plices” de Asch. Na dinâmica do experimento, Asch sempre colocava o
participante real para opinar por último. Na primeira rodada, as coisas
sempre iam bem para o ingênuo. Todos os participantes cúmplices,
com voz alta e sem vacilar, respondiam corretamente. Porém, ao final
de dezoito rodadas, em doze delas, os cúmplices com a mesma voz
alta e aparente convicção apresentavam respostas sistematicamente
erradas. Mais ainda, essas respostas erradas eram dadas de forma
unânime pelos cúmplices.
RA
Enquadre no seu celular O resultado esperado por Asch se confirmou em 75% dos casos; ou seja,
ou tablet o código de
a maioria absoluta dos participantes avaliados, ao menos uma vez, sim-
REALIDADE AUMENTADA
do aplicativo Zappar para plesmente respondia deliberadamente de forma incorreta, sucumbindo
assistir ao vídeo animado à pressão implícita do grupo. Outra forma de dizer esse resultado é
sobre conformidade de destacar que apenas 1/4 dos participantes manteve sua independência.
comportamento agressivo.

Curso FRoNt
99
MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
Nos anos seguintes, Asch continuou a realizar pesquisas sobre confor-
midade, e seus experimentos revelaram alguns elementos que estão
diretamente relacionados com esse fenômeno. Assim, conclui-se que:

‹ Quanto maior o tamanho do grupo, maior a conformidade


dos indivíduos.

‹ Quanto maior a unanimidade no grupo, menor a possibilidade


de um indivíduo isolado conseguir escapar à pressão. No sentido
oposto, quanto mais aliados fizerem, maiores são as chances de
os divergentes escaparem à pressão do grupo.

‹ Quanto maiores forem as ambiguidades entre o certo e o


errado, e quanto mais difíceis forem os desafios, maiores
serão as possibilidades de os sujeitos se submeterem à
pressão implícita do grupo.

Os experimentos de Asch acabaram se popularizando e entrando para


o mundo das pegadinhas. Um exemplo disso está no “experimento”
do Elevador de 1962, em que câmeras escondidas mostram pessoas
comuns, “ingênuas”, mudando estranhamente de posição seguindo
os movimentos de pessoas as quais nunca antes haviam visto.

Se os experimentos de Asch retratavam o fenômeno da conformi-


dade a partir da aprovação daqueles que se sujeitavam à pressão
implícita do grupo, os estudos de Stanley Milgram (2014) revelam
o poder que figuras de autoridade exercem sobre o comportamento
humano. Em seus estudos, Milgram conflitava entre a obediência à
autoridade e a consciência individual.

O Experimento de Milgram.
Foto: Visão.

Milgram tinha um especial interesse em saber como cidadãos co-


muns alemães se tornaram cúmplices das atrocidades nazistas, por
exemplo, entregando os próprios vizinhos para a morte.

Curso FRoNt
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MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
Podcast transcrito

Em seu experimento, Milgram selecionou participantes


ingênuos por meio de anúncios em jornais. O participante
era informado que teria uma tarefa simples. Ele ficaria ao
lado de um professor (caracterizado por jaleco branco),
que faria perguntas para outro participante (cúmplice) que
estava sendo submetido a um processo de aprendizagem.
Todas as vezes que o sujeito submetido à aprendizagem
(cúmplice) errasse uma resposta, supostamente ele
seria punido com um choque dado pelo participante
ingênuo. Claro que o choque era fictício. Porém a ambos,
participante ingênuo e cúmplice, era informado que o
choque teria três níveis de referência: de 15 volts (choque
leve), até 375 volts (choque severo e perigoso) e acima de
450 volts (possível letalidade).

Os resultados de Milgram foram impressionantes: dois


terços (65%) dos participantes continuaram aplicando
os choques até níveis superiores a 450 volts. Todos os
participantes, sem exceção, aplicaram mais de 300 volts,
mesmo tendo sido informados no início do experimento
que poderiam abandonar o estudo no momento que
desejassem. O pior, as pessoas continuavam aplicando
o choque apenas porque o “professor” pedia para que
continuassem. Isso, mesmo sob os gritos da vítima.

O último dos experimentos clássicos da Psicologia Social que podemos


destacar é o Experimento da Prisão de Stanford. Trata-se de algo
marcante para a Ciência da Influência Social.

saiba mais
A Ciência da Influência Social, dedicada a tratar do evento
em detalhes, é disponibilizada em português. Você
pode tomar conhecimento de tudo visitando a página
do Experimento da Prisão de Stanford, disponível em:
https://www.prisonexp.org/portuguese-1.

Curso FRoNt
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MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
O estudo foi conduzido por uma equipe liderada por Philip Zimbardo,
em 1971, no subsolo de um dos prédios da Universidade de Stanford.
Assim como no caso de Milgram, os participantes foram recrutados
por um anúncio de jornal que oferecia 15 dólares para os voluntários
a participarem de um estudo sobre unidades prisionais. Vinte quatro
jovens, brancos, de classe média e sem nenhum problema de saúde
foram selecionados para tomar parte no experimento.

Experimento Prisional de Stanford.


Foto: What is Psychology? (2020).

De forma aleatória, os voluntários foram divididos em dois grupos.


Um grupo foi designado para atuar como guardas e o outro como
prisioneiros. O experimento contou com a colaboração da polícia
local, de um padre e de um advogado. Os pais também puderam visitar
os filhos na “prisão”. O cenário e o figurino eram o mais próximo
possível de uma prisão real.

Assim, em uma manhã de domingo, no mês de agosto, policiais


reais foram às casas dos jovens escolhidos por cara ou coroa
para serem os presos. Todos os protocolos da polícia americana
foram seguidos e os detidos foram entregues na “prisão” de
experimento Zimbardo para cumprir pena por roubo à mão
armada e furto. Tudo estava programado para ocorrer em duas
semanas. Porém, em seis dias o estudo precisou ser interrompido
porque os abusos perpetrados pelos “guardas” e o sofrimento
imposto aos presos havia saído completamente do controle.

Os impactos desse experimento foram tão significativos que extrapo-


laram o campo da ciência e chegaram às telas dos cinemas. Três filmes
contaram sua história, um alemão e dois de Hollywood. Outros tantos
filmes se inspiraram nele. Tal qual o estudo de Milgram, Zimbardo,
com a prisão simulada em Stanford, mostrou como pessoas comuns,

Curso FRoNt
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MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
ao serem submetidas a determinadas circunstâncias, são capazes de
cometer as mais cruéis barbaridades contra seus semelhantes.

Para ampliar seu entendimento do conteúdo, disponibilizamos a


seguir uma indicação para você.

dica de mídia

O filme “A Onda” é baseado em um experimento de


ensino infame de 1967, conduzido na Califórnia por Ron
Jones (que atuou como consultor no filme). Trata-se
de um drama didático que “transplanta a ação para a
Alemanha moderna, onde Rainer (Jürgen Vogel), um
professor de ensino médio descolado, está tentando
transmitir os pontos mais delicados da autocracia.”
(CATSOULIS, 2020, tradução nossa). Disponível em:
https://youtu.be/zG3TfjAhs30

Os três experimentos que acabamos de conhecer trouxeram à tona


os contornos da “conformidade”, que até hoje são estudados nas
ciências comportamentais e lançam luz sobre o impacto da pressão
do grupo nos comportamentos individuais.

Os experimentos trazem elementos que ajudam a responder uma


variante da pergunta fundamental que abriu esta aula: “por que
algumas pessoas se envolvem com crimes como o narcotráfico e
o crime organizado e outras não?” E, de fato, compreender a força
da conformidade ajuda a desvendar um dos relevantes porquês do
envolvimento de determinadas pessoas com o tráfico de drogas.

Na direção de nosso estudo, conheça a história de Hosmany e apri-


more seus conhecimentos.

Curso FRoNt
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MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
ANOS 1970 1981
CiRURGiAS, Atendia em dois É condenado a 53 anos
CRiMES E FUGAS consultórios e era de detenção por vários
assistente de Ivo crimes: roubo de aviões,
Pitanguy, um dos maiores contrabando de
A trajetória de Hosmany, cirurgiões plásticos do automóveis, tráfico de
de médico brilhante a mundo. Vivendo em um drogas e assassinato do
assassino condenado apartamento de luxo em piloto Joel Avon. Depois
Copacabana, no Rio, de fugir do presídio, é
- e finalmente solto.
começa a traficar drogas encontrado no Paraguai.
internacionalmente.

1996 2008 2009

Escapa do Instituto Convoca jornalistas para É preso novamente ao


Penal Agrícola de Bauru anunciar que não voltará tentar entrar na Islândia
(SP) e é recapturado um à cadeia após o fim da com o passaporte do
mês depois ao participar saída temporária de Natal irmão. Passa a cumprir
do sequestro do e Ano Novo. Afirma que pena no presídio de
fazendeiro Ricardo denunciará a corrupção Junqueirópolis (SP).
Rennó. Pelo crime, é no sistema carcerário.
condenado a mais 30
anos de reclusão.

2016

Em setembro, sua defesa


solicita à Justiça o indulto
para que ele possa deixar
a penintenciária.
O Ministério Público
questiona a ausência de
exames criminológicos,
mas o Tribunal de Justiça
de São Paulo dá parecer
favorável à soltura
do médico.

Hosmany, de médico brilhante a assassino.


Fonte: Adaptado de Isto é (2017). Pela história de Hosmany, você pode ver que nem sempre há uma
explicação sobre por que as pessoas se envolvem com o tráfico.

saiba mais
Você pode acessar a matéria na íntegra disponível em:
http://redeglobo.globo.com/Linhadireta/ 0,26665,GIJ0-
5257-215694,00.html

Curso FRoNt
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MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
Como visto no estudo de Asch, a pressão do grupo não necessariamente
precisa ser explícita para que uma pessoa deliberadamente faça uma
escolha errada. Portanto, intuitivamente já é fácil imaginar como
as pessoas estão sujeitas à influência de grupos de pertença, como
familiares, vizinhos, colegas nas escolas e universidades, e amigos
de trabalho. Indo além da intuição, estudos vêm demonstrando a
validade dos achados de Asch.

As contribuições da literatura da área sobre a influência objetiva ou


subjetiva do grupo no comportamento dos indivíduos é vasta (LI-
TTLE; STEINBERG, 2006; MILLER; PRENTICE, 2016). A pesquisa de
Bearden, Rose e Teel (1994), por exemplo, revela como a influência
de familiares e amigos pode ser determinante para que alguém venha
a ingerir bebida alcóolica e consumir drogas ilícitas.

Já Pessoa et al. (2017, p. 251), em estudo qualitativo com ado-


lescentes com envolvimento com o tráfico de drogas na América
Latina, afirmam que:

A ausência de engajamento em atividades educacionais,


igualmente à futilidade de programas sociais, quase sempre é
abastecida pelo senso de pertencimento que pode ser atingido
pela participação em atividades ilícitas com a formação de
grupos que compartilham histórias de vida parecidas.

(PESSOA et al., 2017, p. 251)

Ou seja, mais uma vez se verifica a influência dos grupos de pertença


nos comportamentos dos indivíduos. Ainda assim, vale considerarmos
que não se trata somente da pressão de grupos de pertença.

Influência dos grupos de pertença.


Foto: © [Andril Zastrozhnov] / Adobe Stock.

Curso FRoNt
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MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
No experimento das linhas e em suas inúmeras repetições e varia-
ções, Asch e vários pesquisadores mostraram que grupos formados
instantaneamente também produzem efeitos significativos no com-
portamento dos indivíduos. Ou seja, o que ocorre em uma festa ou em
um passeio de férias, por exemplo, pode determinar todo o futuro
de um indivíduo. Isso ainda é mais significante quando se imagina
que a primeira experiência de uma pessoa com drogas ilícitas, ou
mesmo com a prática de algum crime ligado ao mercado de drogas,
pode acontecer justamente em uma dessas circunstâncias.

Se Asch demonstrou o efeito sutil, implícito, do grupo nos padrões


comportamentais dos indivíduos, Milgram desvendou o poder da
figura de autoridade. Mais recentemente, Cialdini e Salgarin (2005),
em uma série de estudos, assentou a autoridade como um de seus
seis princípios da persuasão. Esse princípio tem muitas implicações
para o contexto deste curso.

Basta imaginar a influência que um professor tem sobre os com-


portamentos de seus alunos ou mesmo o poder que a imagem de
um traficante que ostenta poder tem nos membros de uma comuni-
dade, principalmente sobre os mais jovens. Isso também vale para
a violência perpetrada por criminosos dentro das prisões quando
criminosos faccionados, seguindo o exemplo dos demais ou mesmo
diante das ordens dos líderes, praticam atos de barbárie como os
mencionados no Módulo 1.

Foto: © [Prot] / Adobe Stock.

Finalizando esta aula, ressalte-se que o experimento de Zimbardo


também reforçou a verdade inconveniente de que pessoas, sem
nenhum histórico anterior de agressão e violência, são capazes de
perpetrar os mais cruéis atos com cinismo e sadismo, a depender
da situação em que estão envolvidas. Porém, uma boa notícia é que
bastou a intervenção de uma pessoa para que o Experimento de
Stanford fosse interrompido e todos os participantes, inclusive os
pesquisadores, fossem trazidos de volta para a realidade.

Curso FRoNt
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MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
dica de mídia

Para aprimorar seus conhecimentos, seguem algumas


dicas de vídeos para você:

Parece exagero dizer que qualquer pessoa adulta e


psicologicamente sadia possa se submeter a um padrão
comportamental induzido por pessoas que acabou de
conhecer. Derren Brown, por meio da produção “The
Push” (Netflix), mostra que não há exagero nenhum
nisso. De forma chocante, Brown mostra como pessoas
comuns podem ser levadas a cometer atrocidades
inimagináveis ao estarem envolvidas em fenômenos
psicossociais como os estudados nesta aula.

Você também pode saber mais sobre o Experimento da


Prisão por meio do próprio Zimbardo em “Como pessoas
comuns se tornam monstros... ou heróis”, disponível em:
https://www.ted.com/talks/philip_zimbardo_the_
psychology_of_evil?language=pt-br.

Portanto, ainda diante de tudo, espera-se que o conhecimento dos


fenômenos retratados possa contribuir para uma melhor compreensão
da dinâmica psicossocial do crime organizado e do tráfico de drogas.

2.2. Influência social: Teoria


do Comportamento Planejado
(atitude, norma subjetiva e
controle comportamental
percebido)
Esta aula segue com a busca por respostas para a pergunta: “Por
que algumas pessoas se engajam em comportamentos criminosos
tais quais os relacionados ao crime organizado e ao tráfico de
drogas?”. Visando avançar ainda mais nesta direção, vale a reflexão
sobre o exemplo do envolvimento de determinados universitários
com o mundo do crime.

Não é de hoje que o recinto universitário vem se tornando cenário


para os mais variados crimes. Por exemplo, na Inglaterra os delitos
no ambiente acadêmico possuem até mesmo um ranking oficial,
sendo o roubo, o furto e as agressões sexuais as ofensas mais comuns
(WOOD, 2018).

Curso FRoNt
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MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
Livre comércio de drogas na UnB: conivência
ou falta de policiamento?
Foto: Metrópoles (2018).

No cenário brasileiro, somam-se a esses tipos penais o consumo e


a venda de drogas tanto nos centros acadêmicos quanto nas áreas
comuns das universidades (KERR-CORREA et al., 2001).

Uma pesquisa realizada pela Secretaria Nacional Antidrogas do


Ministério da Justiça, em 2010, revelou que os universitários
compõem a parcela da população brasileira que mais consome
drogas. Tal fato se reveste de especial gravidade, visto que vários
outros crimes estão associados ao uso de drogas.

Universitárias que abusam de substâncias ilícitas estão mais expostas


a agressões sexuais (GILMORE; LEWIS; GEORGE, 2015; HINES et
al., 2015). No mesmo sentido, usuários de drogas que se engajam
em crimes como furto, roubo e tráfico muitas vezes o fazem em
busca de recursos para sustentar o vício (LEIDENFROST; LEONARD;
ANTONIUS, 2017).

Como visto no Módulo 1, a maconha é a droga mais amplamente uti-


lizada pela população, e o público acadêmico não faz exceção a essa
regra (JANSON, 2017). Trata-se de algo preocupante. O consumo de
maconha está relacionado a diversos transtornos mentais, tais como
depressão (DEMBO et al., 2017), síndrome de pânico (DEAS; GERDING;
HAZY, 2000; ZVOLENSKY et al., 2006) e esquizofrenia (OLIVEIRA;
MOREIRA, 2007). Ao seu turno, a percepção de disponibilidade da
droga constitui fator preditor de seu uso, não importando a faixa
etária (MARTINS et al., 2016; MAURO et al., 2017).

Aproximadamente 4% dos adultos do mundo (cerca de 162 milhões


de pessoas) consomem Cannabis pelo menos uma vez no decorrer
de um ano, tornando-a a droga ilícita mais usada no mundo.

Curso FRoNt
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MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
Assim, assume-se neste curso que o desenvolvimento de abordagens
baseadas em evidências científicas para o enfrentamento do tráfico
e do consumo de drogas ilícitas e suas consequentes mazelas, nas
universidades e em todos os outros lugares, é uma necessidade
atual e imediata.

Somando-se ao fenômeno da conformidade e por se tratar de uma


situação paradigmática, nas próximas linhas será discorrido sobre o
poder de variáveis específicas na predição da intenção de estudantes
em traficar drogas no ambiente universitário sob as lentes de uma
das mais relevantes abordagens de influência social, a Teoria do
Comportamento Planejado – TCP (AJZEN, 1991).

Em linhas gerais, a Teoria do Comportamento Planejado (TCP) parte


da premissa de que todo comportamento realizado por ato de vontade
é precedido por uma intenção. Por isso, ao se predizer a intenção,
também é possível, em boa parte dos casos, predizer se a pessoa irá
ou não realizar determinado comportamento.

Podcast transcrito

A pesquisa na área vem mostrando, desde a década


de noventa, que essa regra vale para as mais variadas
circunstâncias da vida social humana. Com os temas abuso
de drogas, violência, agressão e crime não é diferente.

A TCP é um dos modelos de predição de comportamento


mais parcimoniosos no campo da Psicologia Social
e amplamente empregado em diversas áreas do
conhecimento, tais como Economia, Nutrição e
comportamento do consumidor. Com a prevenção de
crimes e comportamentos antissociais ocorre o mesmo.

Em 2015, Finigan-Carr e colegas usaram a TCP em busca da


predição de comportamentos agressivos e porte de arma
entre jovens negros de baixa renda. Já em 2017, Skrzypiec
usou uma abordagem interdisciplinar, empregando a TCP
e aportes da Criminologia, para examinar a intenção de
adolescentes em se envolver em atividades criminais. Entre
os estudos com suporte teórico na TCP, estão vários que
buscam investigar fatores que possibilitem a predição da
intenção de uso de maconha entre estudantes de graduação.

O modelo tradicional da TCP adota as variáveis atitude,


norma subjetiva e controle comportamental, percebidas
como preditores da intenção do indivíduo em praticar
determinado comportamento.

Curso FRoNt
109
MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
Na figura abaixo, você pode observar o modelo da TCP de forma gráfica:

| teoria do comportamento planejado (tcp)

ATiTUDES EM RELAÇÃO
AO COMPORTAMENTO

iNTENÇÃO DE
NORMA SUBJETiVA COMPORTAMENTO COMPORTAMENTO

CONTROLE PERCEBiDO
DO COMPORTAMENTO

Note-se que as três variáveis (atitudes, norma subjetiva e controle


comportamental percebido), além de predizerem a intenção, se in-
fluenciam mutuamente. Nesse ponto, é relevante trazer definições
sucintas do que vêm a ser os elementos do modelo.

Do ponto de vista estritamente da Psicologia Social, as atitudes têm


a ver com as avaliações que as pessoas fazem do que as cercam em
suas vidas. Tecnicamente “a atitude consiste numa predisposição para
responder de forma favorável ou desfavorável em relação a objetos,
pessoas, instituições ou acontecimentos” (AJZEN; FISHBEIN, 1972).

Nesse sentido, por exemplo, uma pessoa pode ter uma atitude po-
sitiva em relação a um determinado político e negativa em relação
a outro. Já na Segurança Pública, uma pessoa pode ter uma atitude
positiva ante o porte irrestrito de armas e uma atitude negativa ante
a legalização da venda de drogas.

Em ambos os casos, a atitude pode predizer a intenção de


voto de acordo com a avaliação pessoal dos políticos
e de suas bandeiras.

Por sua vez, as normas subjetivas (ou sociais) estão relacionadas


às reações ou avaliações das pessoas ao redor (por exemplo, ante
a objetos e situações) e se o indivíduo está ou não interessado em
acatar as expectativas dessas pessoas. Em outras palavras, elas
“referem-se às comparações que são feitas com pessoas próximas,

Curso FRoNt
110
MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
as quais podem influenciar a forma de pensar de quem está ao seu
redor.” (AJZEN, 2008).

Um exemplo do poder da influência da norma subjetiva está em sua


predição da conformidade, como pode ser observado nos experimentos
de Solomon Asch. Seja no caso da comparação entre os tamanhos das
linhas, seja no caso do posicionamento que as pessoas adotavam no
elevador, o que a pessoa identificava como sendo a norma do grupo
invariavelmente exercia uma influência quase que irresistível sob
sua própria forma de agir.

Isso também ocorre no mercado das drogas. Li e Feigelman (1994)


examinaram a influência de algumas variáveis, como a prática de
tráfico por familiares e amigos próximos, na intenção de jovens
adolescentes se envolverem nessa atividade e encontraram fortes
correlações entre essas variáveis.

Uma espécie de norma subjetiva é aquela que prescreve o silêncio


diante de faltas cometidas por colegas de serviço. De caráter
universal, em diversas culturas e profissões, essa regra sutil parece
ser ainda mais significativa em meio aos agentes da lei.

A obra de William Westley, “Violence and the Police” (1970), é con-


siderada um dos trabalhos mais importantes já desenvolvidos sobre
a polícia, sendo constantemente referida na literatura respectiva
e nos círculos que tratam do comportamento desviante e controle
social. Westley busca explicar a razão pela qual a violência policial é
tão generalizada e difícil de controlar.

O autor baseia seu estudo na cultura ocupacional, valendo-se dela


enquanto conceito explanatório básico. Observa que, em razão de
o público poder ser não confiável, hostil, e até mesmo violento,
a cultura ocupacional policial enfatiza a proteção individual, sigilo
e violência, bem como a ideia-força da necessidade de manutenção
do respeito pela polícia.

Westley aponta aqueles temas como configurações variáveis, mais


salientes nos grandes departamentos urbanos de polícia do que em
outras organizações menores.

Curso FRoNt
111
MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
NA PRÁTICA
O pesquisador, em sua obra de referência, observa que
mais de três de cada quatro policiais (parte da amostra de
uma enquete por ele desenvolvida), declararam que não
denunciariam outro policial por receber dinheiro de um
preso, e que tampouco testemunhariam contra ele, caso fosse
acusado posteriormente por isso. Tal atitude seria parte do
famoso “código de silêncio”, aspecto da cultura ocupacional
antagônico ao controle da corrupção policial.

Finalmente, o controle comportamental percebido diz respeito aos


fatores que podem facilitar ou bloquear a efetivação do comportamento
(AZJEN, 2008). Em outros termos, isso teria relação com a crença da
pessoa quanto à sua capacidade de efetivamente performar determi-
nado comportamento e conseguir arcar com as consequências do feito.

Um exemplo do controle comportamental percebido está no fato de


um universitário perceber que possui acesso a drogas no atacado, tem
condições de vendê-las no varejo entre os colegas universitários e não
será incomodado pela administração da universidade ou pela polícia.

Foto: © [Syda Productions] / Adobe Stock.

Curso FRoNt
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MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
Veja a seguir alguns estudos empregados com a variável:

ORBELL E COLEGAS (2001)


Testaram o controle comportamental percebido diante do uso
efetivo de ecstasy como variável mediadora entre o hábito e a
intenção de se usar a droga.

SKRZYPiEC (2017)
Empregou a variável fortalecimento da reputação (reputation
enhancement) como um fator entre a variável e a intenção de
engajamento de jovens em atividades criminais.

LiTTLE E STEiNBERG (2006)


Testaram os efeitos do acesso a drogas e do envolvimento de
amigos no crime sob a intenção de adolescentes seguirem o
mesmo caminho.

Como podemos observar, em todos os casos, de forma isolada ou


interagindo com atitudes e normas subjetivas, o controle compor-
tamental percebido revelou-se um fator determinante na predição
da intenção de se praticar os crimes de uso e tráfico de drogas.

Em suma, o modelo da Teoria do Comportamento Planejado (TCP)


assume que a intenção é fator determinante para os comportamentos
performados pelos indivíduos de forma livre. Ou seja, três são as
variáveis que determinam a intenção: a atitude, as normas subjetivas
e o controle comportamental percebido.

Ademais, a maior parte dos exemplos citados na apresentação da


TCP relaciona-se à intenção de universitários se envolverem com
o tráfico de drogas. Porém, ressalta-se que o poder preditor da
TCP abrange vários outros tipos de comportamentos quotidianos,
inclusive criminosos.

Para finalizar o tópico, segue um exemplo de aplicação prática da


TCP em exercício de análise do crime de roubo ao transporte coletivo.
Vale lembrar que esse tipo de crime muitas vezes está diretamente
relacionado ao narcotráfico, visto que serve para pagar dívidas

Curso FRoNt
113
MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
com o tráfico, sustentar o vício ou mesmo levantar recursos para
as organizações criminosas das quais seus autores fazem parte.
Em outras palavras, muitas vezes “o crime (comum) é um meio de
garantir o bom funcionamento do mercado de drogas.” (WEISBURD;
GREEN; ROSS, 1994).

Atitude favorável

O indivíduo avalia que, por meio do roubo em


transporte coletivo, pode auferir lucro fácil e alto, com
o qual poderá adquirir drogas e outros objetivos de seu
interesse, ao mesmo tempo que avalia positivamente
essa prática. O indivíduo, então, avalia que, se realizar
um roubo a coletivo no horário de pico, pode obter
grande quantia em dinheiro, além de celulares e demais
pertences das vítimas.

Norma subjetiva

Existindo, na comunidade em que o indivíduo


está inserido, aceitabilidade quanto à prática de
determinados delitos, para esta comunidade a prática
criminosa é relativizada. Muitas vezes esse é o caminho
que parece ser mais fácil encontrado pelas pessoas
na comunidade para conseguir ter acesso a bens
materiais e influência. Assim, o indivíduo entende que
entre seus pares o crime é algo aceito. Sendo assim,
a norma subjetiva seria a aceitabilidade do crime na
comunidade em que o delinquente está inserido.

Controle comportamental percebido

O indivíduo acredita fielmente que não será preso


em razão da prática delituosa, tendo em vista confiar
em sua habilidade. Isso permite um paralelo com
o instituto da culpa consciente, tratada no direito
penal, em que o indivíduo acredita fielmente que o
resultado não ocorrerá por conta de sua habilidade na
prática daquela conduta.

Curso FRoNt
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MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
Intenção

Estando as três variáveis antecedentes convergentes,


forma-se a intenção do indivíduo em praticar roubos
em transporte coletivo.

Comportamento

Havendo oportunidade e reunindo o indivíduo os


meios para tal, ele possivelmente praticará roubos em
transporte coletivo.

Avance para o tópico a seguir e veja como alguns fatores podem estar
diretamente relacionados com o envolvimento no tráfico de drogas.

2.3 Vulnerabilidades
socioeconômicas e outros
preditores do envolvimento com
o tráfico de drogas e o crime
organizado

Compreender as variáveis preditoras do envolvimento das pessoas


com atividades criminosas é essencial para o desenvolvimento de
estratégias preventivas; ou seja, para que isso não aconteça. O mesmo
princípio vale para as ações interventivas; ou seja, de resgate daqueles
que já estão inseridos no mundo do crime.

Isso se torna ainda mais significativo, uma vez que as pesquisas re-
velam que, embora os números da criminalidade saltem aos olhos,
apenas uma pequena parcela da população realmente se envereda pelo
caminho do crime. Portanto, os esforços do governo e da sociedade se
tornam mais eficazes se direcionados a fatores de risco relacionados
a públicos específicos.

Curso FRoNt
115
MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
Observe a imagem a seguir:

| princípio de pareto

20% ESFORÇO 80% RESULTADOS

20%

80%
=
Princípio de Pareto: sustenta que a expressão 80%
majoritária dos resultados de muitos
80%
fenômenos (80%) resulta de esforços 20%
quantitativamente minoritários (20%) de 20%
um conjunto de variáveis independentes.

Em revisão sistemática da literatura, Komatsu e Bazon (2018), em-


glossário pregando categorias predefinidas por Hawkins e colegas (2000), tendo
o público jovem como referência, organizaram os principais fatores
preditores de envolvimento com a criminalidade violenta em cinco
Revisão sistemática da literatura é quando categorias: indivíduo, família, escola, pares e bairro/comunidade.
os autores tentam encontrar todas as
pesquisas sobre um determinado assunto, Na pesquisa de Komatsu e Bazon, pode-se observar os seguintes
estabelecendo um recorte temporal dentro resultados:
de bases específicas. Uma base de pesquisa
muito consultada é o Google Acadêmico.

Categoria indivíduo
Os fatores que mais se sobressaíram
foram baixa empatia e baixo
autocontrole.

Categoria família
Destacaram-se violências físicas e
rejeição parental.

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MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
Domínio escolar
Os principais fatores encontrados
foram reprovação e evasão escolar.

Categoria pares
Verificou-se que fatores de risco se
mostraram bastante influentes no final da
adolescência e no início da vida adulta.

Domínio bairro/
comunidade
Trabalhos pesquisados revelaram o
poder da influência da desordem e da
criminalidade.

Para a realização da pesquisa, Komatsu e Bazon (2018) se debruçaram


sobre 37 artigos, que envolveram estudos empíricos e investigações
que se utilizaram de dados secundários (por exemplo, estatísticas
oficiais). No domínio indivíduo, os resultados apontaram o poder
preditivo do envolvimento com o crime em fatores como o abuso
de substâncias. Os autores definem o abuso de substâncias como a
“condição psiquiátrica diagnosticada pelas consequências negativas
à saúde e ao cumprimento dos deveres sociais que o uso de álcool
e/ou outras drogas produz ao indivíduo”.

Foto: © [Photographee.eu] / Adobe Stock.

Curso FRoNt
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MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
Um dos estudos realizados no Brasil mostrou que os adolescentes
glossário abusadores de álcool possuem duas vezes mais chances de se envolver
com a criminalidade violenta que os adolescentes que não têm a
mesma experiência daqueles que passam por problemas com o álcool.
“Aviãozinho” é um dependente químico Por exemplo, esse é um resultado que está em linha com o que foi
que “trabalha” para traficantes, fazendo encontrado em uma pesquisa no estado do Texas, nos Estados Unidos.
a entrega de droga por dinheiro ou
em troca de pequenas porções para o Outro fator abordado pelos autores na categoria indivíduo é o histórico
consumo próprio. com o crime. Pessoas que se envolveram com o crime na adolescência
revelaram ter muito mais chances de seguir a trajetória do crime na
vida adulta. Isso é bastante significativo na realidade brasileira, onde
adolescentes são utilizados pelo narcotráfico tanto para servirem
como “aviõezinhos” quanto para executarem os atos de justiçamento
dos “tribunais do crime”.

saiba mais
Para que você possa compreender melhor o que são os
“tribunais do crime”, acesse esta matéria na íntegra,
disponível em: https://www.midiamax.com.br/
policia/2020/adolescente-que-matou-jovemem-
tribunal-do-crime-e-flagrado-com-carro-furtado

Na categoria família, na revisão de Komatsu e Bazon (2018), chama


a atenção que “o fato de um dos responsáveis pelo adolescente ter
sido preso constitui um importante indicador de risco em relação ao
envolvimento do(s) filho(s) em delitos violentos.” Esses resultados
foram encontrados nos cinco estudos que trataram do tema.

Uma pesquisa na Suécia, por exemplo, revelou que tanto faz se os


pais são biológicos ou adotivos, se esses tiverem envolvimento com
o crime, a tendência é que seus filhos também o venham a ter no
futuro. Ainda na perspectiva familiar, sofrer violência no ambiente
doméstico ou testemunhá-la também se mostrou um forte preditor
de futuras manifestações de atos de violência.

Foto: © [Prostock-studio] / Adobe Stock.

Curso FRoNt
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MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
No domínio escola, reprovações e expulsões se mostraram como os
fatores mais impactantes para um futuro envolvimento com a de-
linquência. Adolescentes que passaram por esse tipo de experiências
foram identificados como tendo até cinco vezes mais chances de se
envolver com crimes violentos. Outros fatores importantes que podem
ser detectados no ambiente escolar são as agressões a professores e a
desorganização. Alunos que possuem histórico de agressões a profes-
sores ou que estão em ambientes escolares marcados pela desordem
mostraram-se mais propensos a cometerem crimes fora da escola.

Foto: © [Pololia] / Adobe Stock.

No domínio pares, o principal fator preditor de delinquência foi o


envolvimento de colegas com o mundo do crime. O mesmo resultado
foi encontrado para o envolvimento com gangues juvenis.

Foto: © [olly] / Adobe Stock.

Por ora, destaca-se que esses resultados podem ser explicados pelo
fenômeno da norma subjetiva. Em outras palavras, os resultados
estatísticos e os fenômenos psicológicos estudados até o momento
parecem corroborar um famoso dito popular, que precisa apenas de
uma adaptação ao contexto das ciências comportamentais: “diga-me
com quem tu andas, e te direi como tu te comportas”.

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MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
Finalmente, a pesquisa de Komatsu e Bazon (2018) informa que, na
categoria bairro/vizinhança, os principais fatores de risco são a desor-
ganização e o ambiente criminal. Sobre o assunto, os autores registram:

Um bairro degradado, percebido como perigoso devido


às taxas de criminalidade, e devido à existência de pouco
aparato social, associa-se ao aumento do relato de
envolvimento em delitos violentos. Nofziger e Kurtz (2005),
por sua vez, já haviam encontrado que adolescentes que
testemunham violência no cotidiano de suas comunidades,
como brigas, roubos, venda de drogas e outros tipos
de crime, possuem maior risco de se envolver em
comportamentos violentos.
(KOMATSU; BAZON, 2018)

Siga para a próxima aula, nela você verá algumas reflexões sobre as
subculturas criminais.

2.4 Subculturas criminais

Nas aulas anteriores desta unidade, foi traçada uma visão panorâmica
da criminologia e também dos fenômenos psicossociais e de suas
relações com variáveis que possuem influência sobre o engajamento
das pessoas com crimes como o tráfico de drogas. Nesta última aula
da Unidade 2, iremos contemplar aspectos relacionados ao envolvi-
mento com a criminalidade no nível dos indivíduos, de seus grupos
e ambientes imediatos. Contudo, serão incorporadas reflexões sobre
elementos atinentes a variáveis e fenômenos de outras perspectivas
como a econômica, a social e a cultural.

Podcast transcrito

Duas das principais frentes de explicação para o crime e para


a delinquência nos Estados Unidos nos anos 1920, e que
ainda influenciam a Criminologia contemporânea, eram a
Teoria da Associação Diferencial de Edwin Sutherland e a
Teoria da Estrutura e da Anomia de Robert Merton.

A proposta de Sutherland se baseava na visão da


Universidade de Chicago sobre o aprendizado de
comportamentos (transmissão de hábitos e costumes)
pelas interações em grupo. Ou seja, da mesma forma
que os demais comportamentos, o comportamento

Curso FRoNt
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MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
criminal também seria aprendido pelo contato estreito
entre os membros de um determinado grupo, conforme
citado nos Princípios da Aprendizagem Diferencial
de Sutherland. Já a visão de Merton se inspirava no
princípio da anomia de Émile Durkheim. Para Merton, ao
compartilhar do sonho americano, mas não possuir os
recursos para realizá-lo, os indivíduos mais vulneráveis
da sociedade passariam a produzir adaptações visando
o equilíbrio entre objetivos e meios. O crime, portanto,
seria apenas uma dessas adaptações.

Edwin Sutherland nasceu em 13 de agosto de 1883, em Gibbon em Ne-


braska e morreu em 11 de outubro de 1950, na cidade de Bloomington,
em Indiana. Foi um criminologista americano que se tornou especial-
mente conhecido por seu desenvolvimento da teoria da associação
diferencial do crime. O prêmio anual mais importante da American
Society of Criminology é concedido em seu nome, em reconhecimento
à sua influência na área.

Em que pese haver sofrido forte influência de Sutherland e Merton,


Albert K. Cohen acreditava que a delinquência juvenil era fruto
de subculturas em que imperava o desvio de valores e padrões
morais. Cohen nomeou esses subsistemas contrários às regras da
maior parte da sociedade (ou seja, antissistemas) de subculturas
delinquentes (criminais).

Para Cohen, a principal característica das subculturas criminais era o


desvio dos valores e dos padrões morais da sociedade. Se por um lado
esses desvios seriam identificados pela sociedade como crimes, por
outro, seriam justamente os fatores que geram mais prestígio e reco-
nhecimento para os membros das subculturas. Por esses princípios,
todo ato hostil, agressivo e violento contra não membros seria justi-
ficável e não geraria nenhum tipo de sentimento de remorso ou culpa.

Na base da concepção de Cohen, encontram-se elementos da


anomia, tal qual em Merton. Assim, as subculturas criminais
seriam fruto da impossibilidade de jovens dos extratos mais
vulneráveis da sociedade conseguirem alcançar aquilo que a
sociedade entende por sucesso.

Tendo almejado os sonhos comuns, mas sem as condições materiais


para alcançá-los, para Cohen, o jovem acabava por se unir a outros
jovens igualmente frustrados e resignados. Assim, se formaria um
subgrupo, uma subcultura, com linguagem, códigos morais e regras
comportamentais peculiares. A quantidade de subculturas delinquentes
seria tanto quanto fossem os arranjos criados nesse novo perfil.

Curso FRoNt
121
MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
saiba mais
Você sabia que hoje em dia, no Brasil, é possível
encontrar evidências de padrões de linguagem de
subculturas criminais no exemplo do uso de tatuagens por
criminosos? O capitão da Polícia Militar da Bahia, Alden
José Lázaro da Silva, realizou uma extensa pesquisa que
constatou que 60% dos presidiários possuíam tatuagens
em seus corpos, disponível em: http://front.senad.ufsc.
br/frontM1SL1/

Para encerrar esta aula, vale relatar a experiência de Boston, nos Estados
Unidos, em mais um momento de encontro entre a subcultura criminal
envolvendo a juventude e seu encontro com espécies de drogas recém-
-chegadas no mercado. O que podemos chamar de um case de sucesso.

Podcast transcrito

“Como muitas cidades americanas durante o final década


de 1980 e início de 1990, a cidade de Boston sofreu uma
epidemia de violência juvenil que teve suas raízes na rápida
disseminação dos mercados de rua de cocaína/crack
(Kennedy, Piehl e Braga 1996). Gangues se envolveram no
comércio de crack e cada vez mais recorrem a armas de fogo
para proteger seu território e interesses financeiros, bem
como manter o respeito de seus rivais. O desrespeito entre
eles foi um gatilho para a violência de gangues. A violência
de gangue envolvia conflitos em curso entre grupos
específicos que eram muito pessoais e semelhantes a uma
vingança. Os ciclos de violência entre gangues de Boston
permaneceram após os conflitos territoriais do mercado
de rua de crack ficarem estabilizados. Em 1990, a cidade de
Boston teve um recorde de 152 homicídios. A cidade parecia
fora de controle e os residentes de Boston exigiram o fim da
grave crise de violência que atormentou seus bairros.”

Em meio a esse cenário, não é difícil imaginar o alto nível de


insatisfação e os elevados escores de medo e insegurança
registrados pela comunidade daquela que é a capital e a
mais importante cidade do estado de norte-americano
de Massachusetts. Foi justamente nesse cenário que se
desenvolveu o policiamento comunitário, conhecido
como policiamento de bairro, em Boston. As estratégias e
táticas de policiamento desenvolvidas pelo Departamento
de Polícia de Boston alcançaram tamanho sucesso que
serviram de inspiração para as ações realizadas pelo
programa Tolerância Zero em Nova York.

Curso FRoNt
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MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
Uma das experiências mais exitosas de Boston com o policiamento
comunitário ocorreu em meados dos anos noventa com o cha-
mado Boston Gun Project’s Operation Ceasefire. O projeto envolveu
duas frentes principais. Uma das frentes envolveu a distribuição de
panfletos em comunidades que tinham problemas com gangues,
informando que qualquer ato de delinquência geraria consequên-
cias imediatas a seus autores. Essa medida buscava a mudança das
normas subjetivas entre os jovens.

A segunda frente envolveu o envolvimento de líderes religiosos de


comunidades negras em que a violência envolvendo armas e drogas
ocorria com mais frequência. Essa medida tinha por objetivo colocar
o relacionamento entre polícia e comunidade debaixo de um guar-
da-chuva de legitimidade. Os líderes religiosos que participaram na
mudança de percepção da polícia também participaram ativamente
da abordagem tolerância zero, sem deixar de serem críticos da ação
policial em favor de suas comunidades.

Se você observar bem, vai perceber que a polícia de Boston, para


reverter a subcultura que gerava crime e violência em seus bairros,
articulou em seu programa de polícia comunitária vários elementos
estudados ao longo desta unidade. Entre esses elementos estão:

O reconhecimento do poder
do grupo na modulação do
comportamento.

O reconhecimento da norma O reconhecimento do


subjetiva entre os jovens, poder da autoridade sobre
com sua consequente o comportamento dos
mudança. indivíduos.

Veja na próxima unidade como são realizadas as políticas de re-


dução de demanda.

Curso FRoNt
123
MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
UNIDADE 3
REDUÇÃO DA DEMANDA
E DA OFERTA DE DROGAS

contextualizando
Nesta unidade, você terá a oportunidade de aprofundar seus conhe-
cimentos acerca de como os fenômenos e as abordagens da Unidade
2 podem ser articulados com aplicações práticas para a redução da
demanda e da oferta de drogas.

3.1 Redução da demanda


Esta aula versa sobre a redução da demanda por drogas. Então, é
importante contar um pouco sobre quem é o demandante por drogas.
Para isso, primeiramente, é preciso considerar que “narco” tem
origem na expressão grega νάρκη, que significa "torpor".

Pois bem, o demandante por drogas, também conhecido por termos


mais técnicos como drogadito, ou por termos que evocam um esta-
tuto moral (viciado), é alguém a quem o imaginário popular associa
historicamente ao LSD, cuja sigla advém de Lysergsäurediethylamid,
palavra alemã para a dietilamida do ácido lisérgico, uma das mais
potentes substâncias alucinógenas conhecidas.

Porém, como você já deve ter testemunhado presencialmente ou pelas


telas de TVs e celulares, hoje é comum no cotidiano das grandes ci-
dades que os usuários de crack estejam em um estado de alta excitação.
Essa excitação se traduz por “demandar a droga” e seus respectivos
efeitos. E demandar consiste em tentar obter, pedir, exigir, precisar.
No ambiente de usuários de drogas, a demanda pela droga é referida
como “fissura”.

Tharcila Chaves e colaboradores (2011, p. 1.171), em artigo que pros-


pectou adictos de crack pela técnica de entrevista, apontam três ci-
tações acerca da demanda/fissura:

“Pistas internas: ‘Eu parei [de fumar crack], só que aí


quando começava (sic) as brigas em casa, eu ia e fumava.’
(...) Pistas externas: ‘Às vezes eu pegava aquele dinheiro,
eu falava: ‘Agora eu vou no restaurante. Vou comer’. Aí eu
passava em frente à bocada, o pessoal me chamava e pronto.
Aí eu comprava [crack]. Ali mesmo eu ficava.’ (...).”

Curso FRoNt
124
MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
“Após a retirada do crack, quando o indivíduo quer obter o
prazer mais uma vez ou, pelo menos, não quer mais sentir o
desconforto de ficar sem o crack: ‘A fissura, ela vem quando
você perde aquela sensação de prazer que estava sentindo,
tipo, você fumou, você está sentindo um puta (sic) prazer,
está um puta (sic) negócio legal, gostoso. Do nada, ela pára.
(...) você quer sempre aquele prazer de novo.’ (...).”

“Na vigência do uso de crack, a fissura como um de seus


efeitos. Esse tipo de fissura parece ter forte relação com os
binges de consumo de crack: ‘Não existe uma [pedra] só.
(...) você nem terminou a primeira [pedra], você já está
pensando como você vai fazer para pegar a segunda.’ (...)”.

Diante disso, verifica-se que, enquanto os adictos/dependentes quí-


micos (de crack ou de outras drogas psicoativas) estiverem fora de si,
em estado de torpor ou de excitação, são considerados incapazes de
praticar de forma livre e consciente os atos da vida civil perante a lei.

Veja o que diz o Código Civil Brasileiro, no art. 4º, inciso II:

Código Civil Brasileiro


Art. 4º

Inciso II. São incapazes a certos atos ou à maneira de os exercer os


ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental,
tenham o discernimento reduzido.

A lei brasileira, inclusive, prevê que aqueles que, por causa transi-
tória ou permanente não puderem exprimir a sua vontade, fiquem
sujeitos à assistência de curador nomeado judicialmente. Isso vale
para o embriagado, o usuário de crack e também para alguém que
esteja tendo alucinações provocadas por LSD.

A incapacidade permanente ou temporária do dependente


químico também causa impactos significativos na economia
formal e nas contas públicas.

Curso FRoNt
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MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
Uma notícia publicada pelo jornal “O Globo” apresenta informações
de que, nos últimos anos, o requerimento de benefícios ao INSS au-
mentou em 256%. Isso significa que o consumo de drogas cresce de
forma alarmante, bem como afasta milhares de brasileiros de seus
trabalhos e aumenta a pressão sobre os recursos humanos, materiais
e orçamentários da Previdência pública.

Veremos adiante os fatores de proteção e de risco para as drogas –


eles implicam a construção de políticas públicas de aplicação social
e proteção coletiva – políticas genéricas, portanto, de redução da
demanda. Nesse ponto, entretanto, parece oportuno enfatizar os
aspectos referentes ao próprio indivíduo que está no processo de
parar de demandar por drogas e as estratégias individuais para isso.

Reduzir a demanda por drogas implica, individualmente, manter


a cessação do uso. Uma palavra-chave desse processo é “coping”
(palavra oriunda da língua inglesa).

Coping : sem tradução exata para a língua portuguesa, pode


significar lidar, manejar, adaptar-se ou enfrentar. Trata-se
de um processo de interação entre o indivíduo e o meio
ambiente, com a função de reduzir ou suportar uma situação
adversa que exceda os recursos do indivíduo.

(ALMEIDA; STROPPA, 2009)

A esse respeito, vale citar novamente Tharcila Chaves e colaboradores


(2011). Para os autores, coping tem a ver com as habilidades que a
pessoa desenvolve com vistas ao domínio e à adaptação das situa-
ções de estresse. Dessa forma, as estratégias ou processos de coping
permitem uma resposta, comportamental ou cognitiva, frente às
adversidades quotidianas. A escolha da estratégia ou das estratégias
empregadas pela pessoa em uma determinada situação depende de
seu repertório individual e das experiências tipicamente reforçadas
em sua trajetória pessoal. Por outro lado, as pesquisas revelam que
pessoas dependentes de cocaína possuem dificuldade de entender
e reconhecer as próprias emoções. Isso constitui um obstáculo ao
desenvolvimento de habilidade de enfrentamento (coping), como
o autocontrole. Tharcila Chaves e colaboradores concluem com um
exemplo bastante pertinente ao presente tópico:

Nosso estudo demonstrou haver associação entre o uso de


algumas estratégias de coping e a motivação para parar de
usar crack, o tempo de internação e o tempo de abstinência
desta substância. Os pacientes mais motivados parecem
tentar fazer um esforço no sentido de controlar a fissura
e evitar a recaída, utilizando as estratégias aprendidas
durante o tratamento.

Curso FRoNt
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MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
Na medicina, nem mesmo as drogas escaparam à influência da mitologia
grega. O mais conhecido narcótico do grupo dos opioides, a morfina,
obteve seu nome de Morfeu, o deus grego dos sonhos. (VIANA, 2010).

Outro dado importante está no fato de os demandantes por drogas


ilegais de hoje terem sido aqueles que fazem ou fizeram uso abusivo
de drogas legais ontem. Nos Estados Unidos, por exemplo, 0,3% da
população fez uso de heroína nos últimos doze meses, dessas pessoas,
80% também fizeram uso abusivo de opioides vendidos legalmente
com prescrição médica.

Outro aspecto importante, em relação ao dependente químico, é se


ele, além do crime de consumo – que, diga-se de passagem, foi des-
penalizado no Brasil em 2006 –, também for praticante contumaz de
outros crimes. Barbero e Pérez (2009) realizam uma análise de três
hipóteses relacionadas a essa questão, quais sejam:

‹ O consumo de drogas causa delinquência.

‹ A delinquência causa consumo de drogas.

‹ Não existe relação de causalidade entre o consumo de drogas


e delinquência porque ambos os comportamentos são
deflagrados por causas comuns.

As autoras argumentam que esta última hipótese é a que vem rece-


bendo mais atenção nas últimas décadas, dado que as pesquisas vêm
mostrando que o consumo de drogas e a delinquência são causados
pelos mesmos fatores. Para explicar as condutas de consumo e delin-
quência, o trabalho se debruça sobre questões familiares, de grupos
de pertença e causas pessoais, muito ao estilo do que foi ministrado
na Unidade 2 deste módulo.

A conclusão da investigação das autoras é a de que, de fato, um


consumidor de drogas não necessariamente se envolve com outras
modalidades de crimes. O sentido oposto também se mostra verda-
deiro no trabalho citado, nem todo criminoso é usuário de drogas.
Porém, em grande medida, os mesmos preditores do crime e da
violência também predizem que alguém, em determinado momento
de sua vida, irá se tornar um usuário de drogas ilícitas.

Nesse sentido, o Relatório Mundial sobre Drogas do Escritório das


Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), em sua versão de 2020,
pode ser instrumental para políticas de prevenção do crime, em geral,
e de redução da demanda por drogas, em específico, na medida em que
aponta os fatores de risco para o uso prejudicial dessas substâncias.

Curso FRoNt
127
MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
| Fatores de risco para uso | fatores protetivos vis-à-vis
prejudicial de drogas o uso de substâncias

” Pobreza. ” Bairros seguros.

” Guerras e conflitos. ” Segurança física e inclusão social.

” Falta de moradia e status de refugiado. ” Ambiente escolar de qualidade.

” Exclusão social e desigualdade. ” Acesso a serviços de saúde.

” Desordem de bairros. ” Envolvimento de cuidadores e


monitoramento sendo feito por eles.
” Uso de substâncias pelos pares e
disponibilidade de drogas. ” Habilidades nas áreas de saúde e
neurologia: habilidades na lida (manejo)
” Problemas de saúde mental. de indivíduos e regulação emocional.

” Traumas e adversidades na infância.

Tais fatores parecem ter relação direta com a redução da demanda,


posto que constam de um documento essencialmente preditivo.
Os fatores de risco precisam ser prevenidos ou neutralizados se
já estiverem instalados, ou até mesmo reprimidos em situações
extremas. De outra parte, os fatores de proteção precisam ser proa-
tivamente promovidos.

Curiosamente, os fatores de risco possuem um caráter essencialmente


estrutural (de manejo complexo), enquanto os fatores de proteção
parecem ser mais específicos (de manejo objetivo enquanto alvos de
políticas públicas focadas especificamente na redução da demanda).

3.2 Redução da Oferta

A Política Nacional sobre Drogas (PNAD) brasileira mudou signi-


ficantemente com o advento do Decreto nº 9.761, de 11 de abril de
2019. Já em sua introdução, a nova PNAD destaca a ênfase das ações
de redução da oferta, as quais incluem:

Curso FRoNt
128
MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
Decreto nº 9.761
de 11 de abril de 2019
As ações de segurança pública, defesa, inteligência, regulação de
substâncias precursoras, de substâncias controladas e de drogas
lícitas, repressão da produção não autorizada, de combate ao tráfico
de drogas, à lavagem de dinheiro e crimes conexos, inclusive por meio
da recuperação de ativos que financiem ou sejam resultados dessas
atividades criminosas.

Com o referido decreto, o governo federal brasileiro passou a enfa-


tizar, no âmbito da redução de oferta de drogas, o que é denominado
de “ciclo virtuoso”. A expressão ‘ciclo virtuoso’ é utilizada para
designar um círculo de acontecimentos positivos que se retroali-
mentam. No polo diametralmente oposto está o ciclo vicioso.

| o ciclo virtuoso da política nacional


sobre drogas (pnad)

Fomento,
Gestão de modernização,
ativos capacitação e
criminais fortalecimento
das polícias

Apreensão de
bens pelas
polícias

Em seguida, entenda como funciona o ciclo vicioso, na prevenção


criminal.

Curso FRoNt
129
MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
Podcast transcrito

Em prevenção criminal, um exemplo de ciclo vicioso está


na relação desordem-medo do crime-crime-violência-
desordem. Ambientes caracterizados por desordens físicas e
sociais geram medo do crime, afastando usuários legítimos.
Em seguida, a ausência de atividades lícitas, ou dos “olhos
da rua”, nas palavras de Jane Jacobs, acaba se tornando
um fator atrativo para atividades ilegítimas ou antissociais
que terminam gerando ambientes propícios a crimes
menos graves e depois a crimes mais graves. Por fim, os
ambientes são tomados pela violência, como, por exemplo,
o assassinato de rivais, ou de consumidores que não efetuam
o pagamento da droga, em “bocas de fumo” (mercados de
drogas). Os ambientes marcados por medo, crime e violência
acabam gerando mais desordens físicas e sociais. Tem-se,
assim, um ciclo vicioso.

A lógica do ciclo virtuoso que, desde 2019, passou a


orientar a política pública brasileira de redução da oferta
de drogas está centrada na conversão dos bens e ativos
das organizações criminosas (ORCRIMs) em recursos que
venham a fortalecer as ações de repressão a essas mesmas
organizações. Dessa forma, equipamentos, propriedades,
veículos e os demais recursos apreendidos das ORCRIMs
são repassados para a Secretaria Nacional Sobre Drogas
(SENAD). Esses recursos, então, são leiloados e cerca de
20% a 40% do valor obtido é repassado diretamente para
as instituições policiais responsáveis pelas apreensões ou
confisco de bens e ativos de origem criminosa. O restante do
percentual apurado pela SENAD é utilizando para fomento,
modernização, capacitação e fortalecimento das polícias,
para que estas possam aumentar o número de apreensões
e confiscos de bens e ativos. Completa-se, assim, o ciclo
virtuoso de redução da oferta de drogas.

O resultado da orientação da política de drogas, com ênfase no


desmantelamento das organizações criminosas, inclusive com
uso de seus próprios recursos, começa a ser expresso em números.
Somente em ações da Polícia Federal, R$ 653,9 milhões de recursos
de lavagem de dinheiro do tráfico de drogas foram bloqueados
em 2019. Isso representa um aumento de 44% em relação a 2018,
quando foram bloqueados R$ 451,5 milhões em ações de mesma
natureza. Em nota ao site R7, a Polícia Federal informou que esses
“[...] números confirmam o empenho da instituição em promover
a descapitalização financeira de organizações criminosas”.

Curso FRoNt
130
MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
saiba mais
No início de 2021 a Polícia Rodoviária Federal publicou
resultados operacionais apontando recordes de apreensões
e redução da violência no trânsito em 2020, impactando
também na logística do crime organizado. Veja a notícia
completa e os quadros comparativos sobre apreensões de
drogas, disponível em: https://www.gov.br/prf/pt-br/
noticias/nacionais/resultados-operacionais-da-prf-
apontam-recordes-de-apreensoes-e-reducao-da-
violencia-no-transito-em-2020

RA É importante também enfatizar que os recursos obtidos a partir do


leilão dos bens disponibilizados à Secretaria Nacional de Políticas sobre
Enquadre no seu celular
Drogas (SENAD) também podem ser revertidos em favor dos estados.
ou tablet o código de
REALIDADE AUMENTADA
do aplicativo Zappar para A Lei nº 13.886, de 17 de outubro de 2019, garantiu ainda mais se-
assistir ao vídeo que trata
gurança jurídica ao processo de aceleração da destinação de bens
da descapitalização
do narcotráfico. apreendidos ou sequestrados que tenham vinculação com o tráfico
ilícito de drogas. Essa lei se juntou ao já referido Decreto nº 9761,
de 11 de abril de 2019, e facilitou a venda de bens apreendidos ou
confiscados do tráfico para que o dinheiro seja utilizado em polí-
ticas públicas. Assim, joias, aeronaves, fazendas e veículos de luxo
apreendidos em condutas criminosas associadas ao tráfico de drogas
podem ser vendidos e investidos em ações federais e estaduais contra
a oferta de drogas.

Os recursos obtidos com o tráfico não precisam necessariamente ser


apenas leiloados. As armas apreendidas com criminosos podem ser
destruídas ou doadas para as forças de segurança. Veja o que diz a
Lei nº 13.886/2019:

Lei nº 13.886
Art. 3º.

O art. 25 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, passa a vigorar


com a seguinte redação:

As armas de fogo apreendidas, após a elaboração do laudo pericial e


sua juntada aos autos, quando não mais interessarem à persecução
penal serão encaminhadas pelo juiz competente ao Comando do
Exército, no prazo de até 48 (quarenta e oito) horas, para destruição
ou doação aos órgãos de segurança pública ou às Forças Armadas, na
forma do regulamento desta Lei.

Curso FRoNt
131
MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
§ 1º As armas de fogo e munições apreendidas em decorrência do
tráfico de drogas de abuso, ou de qualquer forma utilizadas em
atividades ilícitas de produção ou comercialização de drogas abusivas,
ou, ainda, que tenham sido adquiridas com recursos provenientes
do tráfico de drogas de abuso, perdidas em favor da União e
encaminhadas para o Comando do Exército, devem ser, após perícia
ou vistoria que atestem seu bom estado, destinadas com prioridade
para os órgãos de segurança pública e do sistema penitenciário da
unidade da federação responsável pela apreensão.

RA O exemplo do repasse das armas apreendidas com criminosos para


as instituições policiais é ilustrativo do papel dessas instituições no
Enquadre no seu celular
ciclo virtuoso objetivado pela Nova Política Nacional sobre Drogas.
ou tablet o código de
REALIDADE AUMENTADA Trata-se da superação de um paradigma outrora alicerçado quase
do aplicativo Zappar para que exclusivamente em políticas de cunho social. A respeito desse
assistir ao vídeo sobre assunto, é importante revisitar um comentário de Brito e Dantas
alterações da gestão
de ativos que geraram
(2009): “a utilização exclusiva de iniciativas de prevenção criminal
transformações na Política baseadas em políticas de cunho social pode limitar a eficiência da ação
Nacional sobre Drogas. do Estado no provimento da segurança pública e na performance da
polícia nas ações correspondentes”.

Ou seja, para prevenir o crime e o narcotráfico, não é exceção à regra,


são necessárias ações que vão muito além do discurso hegemônico
de que nenhuma outra ação seria efetiva fora da superação das de-
sigualdades sociais, econômicas, raciais, de gênero etc. Por essa e
outras razões, a Nova Política sobre Drogas dirige um olhar especial
para temas como a Inteligência de Segurança Pública (ISP).

Um dos recursos essenciais à inteligência, sobretudo de segurança


pública, é a vigilância. Segundo a Doutrina Nacional de Inteligência
de Segurança Pública (DNISP), a vigilância é uma das modalidades
de ações de busca em inteligência.

Em termos práticos, tenha em mente que boa parte das apreensões


de drogas e armas por parte da Polícia Rodoviária Federal (PRF)
ocorre em razão da vigilância empreendida por homens e equipa-
mentos dessa instituição ao longo dos milhares de quilômetros da
malha viária nacional.

Curso FRoNt
132
MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
Esse é um exemplo de vigilância física que, em atividades típicas de
polícia judiciária, se as autoridades suspeitarem que alguém está
envolvido em atividades ilícitas podem recorrer ao ato de segui-lo.

PRF terá à disposição carro de luxo apreendido


em operação contra a corrupção.
Foto: Jovem Pan.

O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC)


reconhece ser a vigilância uma ferramenta de investigação ampla-
mente utilizada, embora a maioria dos países tenha posto limite a
esse tipo de ação de busca. O direito à privacidade na própria casa,
por exemplo, tem reconhecimento quase universal, então os países
impõem restrições a tal intrusão. O limite de quando as autoridades
governamentais podem entrar em espaços privados depende da juris-
dição e pode incluir causa provável, suspeita razoável, fundamentos
razoáveis e prováveis e geralmente requer autorização judicial prévia.

Vigilância de áudio Vigilância visual Vigilância de Vigilância de dados


rastreamento

Escuta telefônica Câmeras de vigilância Aparelhos de localização Computudores e internet


oculta georreferenciada (GPS) (spyware e cookies)

Roteamento de
conversação humana Câmeras embarcadas Dispositivo de Telefones móveis
usando a internet ou em veículos identificação de
qualquer outra rede de radiofrequência
computadores baseada
Dispositivos de
no Protocolo de Internet Circuito fechado de TV monitoramento de
(VOIP - Voice over (CCTV) teclados (keystroke
Internet Protocol) Dispositivo para
monitoring)
leitura de informação
biométrica
Câmeras corporais
(ex.: leitura de retina)
Tipos e exemplos de
Dispositivos de escuta
vigilância eletrônica
(ex.: escuta ambiental)
Câmeras infravermelhas Telefones portáteis

Curso FRoNt
133
MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
Um tipo de vigilância essencial para a atividade de ISP contra o nar-
cotráfico e o crime organizado é a vigilância eletrônica, a qual tem
natureza intrusiva, principalmente quando realizada por meio de
escuta eletrônica. O UNODC orienta que, nos países em que for per-
mitida, a vigilância eletrônica só pode ser considerada quando os
meios menos invasivos tiverem sido esgotados ou ineficazes, ou
quando nenhuma alternativa razoável para obter provas possa ser
oferecida, dadas as circunstâncias do caso.

Um exemplo para representar essa vigilância é a possibilidade de a polícia


invadir o WhatsApp para obter provas sobre algum suspeito de tráfico.

Foto: © [tashatuvango] / Adobe Stock.

Ainda de acordo com o UNODC, a vigilância eletrônica desempenha


uma função semelhante às operações veladas, mas permite a coleta
de uma gama mais ampla de evidências. É o método de investigação
preferido quando um grupo criminoso organizado não pode ser
penetrado por um estranho ou quando a infiltração física ou vigi-
lância representam um risco inaceitável para a investigação ou para
a segurança dos investigadores. Dada a sua intromissão, a vigilância
eletrônica está sujeita a um estrito controle judicial e salvaguardas
legais para prevenir abusos e limitar a invasão de privacidade.

Como se vê, a vigilância é essencial à atividade de ISP contra as orga-


nizações criminosas envolvidas na oferta de drogas. Isso vale tanto
para a vigilância física, realizada por uma agência de policiamento
ostensivo, como a Polícia Rodoviária Federal, quanto para a vigilância
eletrônica, realizada pelas polícias investigativas. Para os dois casos,
a realização de vigilância depende do investimento na qualificação
de agentes e na compra de equipamentos.

Portanto, resta evidente o potencial de impacto do uso dos recursos


e ativos das organizações criminosas para o fortalecimento das or-
ganizações policiais com o fechamento do ciclo virtuoso de redução
da oferta de drogas.

Curso FRoNt
134
MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
O Decreto nº 9.662, de 1º de janeiro de 2019, Anexo I, ao descrever
as competências da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas
(SENAD), já antecipava a guinada da expressão legal da Política sobre
Drogas no país. Note que esse decreto foi editado em janeiro de 2019,
enquanto o Decreto nº 9.761/2019 seria editado em abril e a Lei nº
13.886/2019 somente viria a ser promulgada em outubro daquele ano.

Nas competências da SENAD, está implícita a ênfase da gestão dos


recursos e ativos das organizações criminosas, de forma que as agên-
cias policiais pudessem ser fortalecidas para combatê-las:

Decreto nº 9.662
de 1º de janeiro de 2019

Anexo I.

À Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas compete:

VI. Indicar bens apreendidos e não alienados em caráter cautelar, a serem


colocados sob custódia de autoridade ou de órgão competente para
desenvolver ações de redução da demanda e da oferta de drogas,

IX. Executar ações relativas à gestão de ativos no âmbito da Política


Nacional sobre Drogas e aos programas federais de políticas sobre drogas.

Por fim, repare que essas atribuições da SENAD estão em linha com
o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 16, da Organização das
Nações Unidas, particularmente a meta 16.4, qual seja:

Até 2030, reduzir significativamente os fluxos financeiros


ilícitos e de armas, fortalecer a recuperação e devolução
de bens roubados e combater todas formas de crime
organizado, está no cerne da resposta ao combate ao
tráfico de drogas.
(ONU, 2021).

Siga para a próxima unidade, e continue seus estudos.

Curso FRoNt
135
MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
UNIDADE 4
LAVAGEM DE DINHEIRO
E FINANCIAMENTO DE
ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS

Contextualizando

Você está lembrado da afirmação de Ferro Júnior e Dantas (2011)


sobre o fato de ser o dinheiro “o sangue que corre nas veias do nar-
cotráfico”? Pois bem, nesta unidade, você terá a oportunidade de
aprofundar um pouco mais seus conhecimentos sobre dois temas
introduzidos no Módulo 1: a lavagem de dinheiro e o financiamento
das organizações criminosas.

4.1. Financiamento de
organizações criminosas

Financiamento é o dinheiro que um determinado indivíduo ou em-


presa necessita para alguma finalidade econômica (empreendimento).
Pode ser considerado simplesmente o processo de obtenção de fundos
ou, ainda, o arranjo para que o dinheiro seja obtido por alguém e
pago posteriormente ao agente financeiro. A expressão, portanto,
é essencialmente abrangente quanto aos possíveis objetos da sua
aplicação (o que está sendo financiado).

Os agentes financeiros, igualmente, podem ser tão diversos quanto


um governo central ao financiar um determinado programa, plano
ou política de um ente federativo. Os mecanismos de financiamento
não são diferentes no mundo da ilicitude. Drogas ilícitas são passí-
veis de financiamento em sua produção, processamento, transporte,
distribuição e atividades retalhistas nos respectivos mercados em
que são consumidas por seus usuários e/ou dependentes químicos.

O financiamento dessas atividades, de maneira óbvia, acontece


pela rentabilidade e liquidez vantajosas das atividades do mercado
de drogas ilícitas, em oposição ao que é lícito e seguro no mercado
tradicional (usualmente com menor liquidez e rentabilidade do que
em transações ilícitas).

O professor Pery Shikida, um estudioso da economia do crime, nos


últimos vinte anos tem se notabilizado pelos trabalhos de pesquisa
que vem realizando com detentos. Os resultados de suas pesquisas
têm desafiado o senso comum ao revelar que os criminosos ligados ao

Curso FRoNt
136
MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
que ele define como crimes lucrativos ou econômicos (furto, tráfico de
drogas, entre outros) não se reconhecem como vítimas da sociedade.

Pelo contrário, as muitas centenas de pessoas entrevistadas por ele


afirmam que entram para o mundo do crime pela rentabilidade de
suas ações criminosas; ou seja, para ganhar muito dinheiro.

saiba mais
Para saber mais sobre os estudos do professor Shikida,
assista à entrevista que ele concedeu ao programa
“Dentro da Lei” do canal da Gazeta do Povo no
YouTube, disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=6XhzpU1-hcU&feature=youtu.be.

Do retorno dos investimentos ilícitos, advêm ativos financeiros.


Os ativos financeiros usualmente são dinheiro em espécie, que,
por sua vez, é obtido através de operações ilícitas. Esse dinheiro
“sujo” implica no fenômeno da “lavagem de dinheiro”, sendo
transformado em “dinheiro limpo”, ao ser integrado ao mercado
financeiro e lícito. Um exemplo de operações do tipo é a compra de
bens de luxo ou imóveis pagos com dinheiro em espécie e que, ao
fim, passam a estar devidamente documentados.

4.1.1 A Produção de Cannabis e cocaína

O fenômeno econômico das drogas e de seu financiamento lícito


tem feições próprias nos lugares em que já aconteceu a liberação de
glossário
subprodutos de drogas atualmente ilícitas no Brasil, como no caso
da Cannabis. Assim ocorre nos Estados Unidos da América (EUA) e
no seu estado do Colorado.
O canabidiol é uma substância extraída
da planta da maconha que atua no Fruto de um “ambiente econômico liberacionista”, empresas que
sistema nervoso central, sendo útil no comercializam subprodutos farmacêuticos da Cannabis (a exemplo,
tratamento de doenças psiquiátricas ou o canabidiol) já estão posicionadas oficialmente em bolsas de valores
neurodegenerativas, como esclerose dos EUA e Canadá. Ainda que, indiretamente, até mesmo brasileiros já
múltipla, esquizofrenia, mal de Parkinson, possam investir em tais negócios (iguais aos cidadãos de outros países).
epilepsia ou ansiedade.
Tratar do financiamento das organizações criminosas, particular-
mente no caso em que o “empreendimento” é a produção de drogas
atualmente de uso ilícito no país, sobretudo cocaína e Cannabis (drogas
ilícitas majoritariamente usadas no Brasil), envolve primariamente
o custo do cultivo destas duas espécies vegetais: Erythroxylum coca
(insumo natural da cocaína) e Cannabis sativa (espécie vegetal que
origina a “erva” conhecida como maconha).

Curso FRoNt
137
MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
Foto: © [Elroi] / Adobe Stock.

O tema passa a ser ainda mais complexo ao considerar que o cultivo


da Erythroxylum coca está relacionado com hábitos ancestrais dos
povos nativos da chamada “América Andina” (como os povos aimará
e quíchua), o que inclui a Colômbia, Peru e Bolívia.

Sobre a questão dos hábitos ancestrais, veja um exemplo: Evo Morales,


ex-presidente da Bolívia, ao falar da cocaína disse que “se trata de
uma folha de coca. Esta não é a cocaína. Isso representa a cultura dos
povos indígenas da região andina”.

Na Bolívia, a legislação do país reconhece o uso tradicional da folha


de coca, tanto para mascar quanto para a manufatura de bebidas e
alimentos, sem esquecer seu uso ritual pela população nativa (tão
majoritária que a Bolívia se denomina constitucionalmente como
“Estado Plurinacional”). A Organização das Nações Unidas (ONU)
reconheceu a legalidade dessa utilização cultural da folha de coca na
Bolívia, muito embora tenha vedado a sua exportação, por classificá-la
como substância de uso narcótico.

Tal situação já não acontece com a Cannabis no Brasil, já que não


existe, via de regra, outra utilização dela que não seja como droga
psicoativa de uso ilícito.

Diferentemente do que acontece na Bolívia com a Erythroxylum coca,


no Brasil a Cannabis sativa é de cultivo vedado, na conformidade da
glossário legislação que trata do tema. Entretanto, para produzir Cannabis,
geralmente vendida in natura, é necessário tão somente obter uma
área agricultável, fazer o cultivo (envolvendo água, mão de obra
O tetrahidrocanabinol, também chamado intensiva, defensivos agrícolas e sementes modificadas genetica-
de THC, Δ⁹-THC, é a principal substância mente em prol de um maior grau de prevalência de tetrahidroca-
psicoativa encontrada nas plantas do nabinol), colher, secar, transportar e comercializar. Bem diferente
gênero Cannabis. da maconha/Cannabis, comercializada pura, a folha de coca precisa
passar por alguns estágios de produção, inclusive com a utilização
de substâncias ditas precursoras.

Curso FRoNt
138
MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
Assim, em que pese praticamente toda a produção da folha de coca
ocorrer nos países andinos, vizinhos do Brasil, o processamento
de seu princípio ativo para a obtenção da cocaína e derivados pode
ocorrer em qualquer lugar do mundo. Nesses termos, nem mesmo
a Europa, distante geograficamente dos centros produtores da
folha de coca, escapa da produção de cocaína e derivados entre suas
fronteiras. A situação se torna ainda mais grave dado o pacote de
crimes conexos que acompanham o mercado das drogas ilegais.

Os desafios enfrentados pelos 27 Estados-membros da União Euro-


peia (UE) com o mercado das drogas é detalhado no site da Agência
Policial da UE (Europol), o qual reporta que os mercados de drogas
continuam sendo os maiores mercados criminosos no território sob
os auspícios da UE. Mais de um terço dos grupos criminosos ativos
na UE estão envolvidos na produção, tráfico ou na distribuição de
vários tipos de drogas.

O comércio de drogas ilícitas gera lucros de bilhões de euros para


os grupos envolvidos no mercado das drogas na União Europeia,
cujo varejo tem um valor estimado em pelo menos 24 bilhões de
euros por ano.

Foto: © [Mipan] / Adobe Stock.

Os imensos lucros gerados a partir do comércio de drogas financiam


várias outras atividades criminosas que permitem que as orga-
nizações criminosas (ORCRIMs) prosperem e desenvolvam seus
empreendimentos criminosos em prejuízo da saúde, prosperidade
e segurança dos cidadãos da UE.

Um fator bastante relevante reportado pela Europol é a


dependência que as ORCRIMs ligadas ao tráfico de drogas possuem
da corrupção para facilitar suas atividades.

Curso FRoNt
139
MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
Ademais, para financiar e desenvolver seus “negócios”, o tráfico de
drogas, além da corrupção, se utiliza de um emaranhado de outros
crimes na UE.

Entre esses crimes com relação ao tráfico de drogas, estão:

‹ O uso de documentos fraudulentos para importação falsa.

‹ O registro de empresas de fachada.

‹ A adulteração de certificados para esconder a importação de


drogas ilícitas entre bens legais.

‹ O registro legal de equipamentos que depois são usados como


parte de processos de produção de drogas ilícitas.

Se o financiamento do tráfico, sobretudo transnacional, como é o caso


da UE, na escala macro de sua logística, está mais associado a delitos
como o crime do colarinho branco e o tráfico de pessoas, no nível local,
como é o caso do Brasil, esse financiamento apresenta uma face um
tanto quanto mais violenta. Isso pode ser observado nas explosões
de caixas eletrônicos e mesmo no roubo no transporte coletivo.

4.2 Lavagem de dinheiro


glossário
No Brasil, como nas demais nações signatárias da Convenção de
Viena de 1988, esconder recursos legais ou ilegais é uma conduta
A Convenção de Viena de 1988 foi contra tipificada como crime.
o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e
Substâncias Psicotrópicas. O artigo 1º da Lei nº 9.613/1998 define este crime, que também abrange
a ocultação de bens, direitos e valores, a saber:

Lei nº 9.613/1998
Art. 1º.

Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição,


movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes,
direta ou indiretamente, de infração penal.

Perceba que o crime de lavagem de dinheiro não precisa ser ne-


cessariamente antecedido por crimes relacionados ao tráfico de
drogas. Em que pese o foco inicial da Convenção de Viena ter sido
esse, inclusive também o foco da legislação brasileira, hoje a la-
vagem de dinheiro (e condutas criminais conexas) constitui um
crime por si. Existem razões para que isso seja assim. Uma dessas
razões está na multiplicidade de origens e destinos do dinheiro
“sujo”, a exemplo do terrorismo.

Curso FRoNt
140
MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
Diante do que estamos estudando, leia o verso abaixo da
música “Pecado Capital”, de Paulinho da Viola.

Dinheiro na mão é vendaval

É vendaval

Na vida de um sonhador

De um sonhador

Quanta gente aí se engana

E cai da cama

Com toda a ilusão que sonhou

E a grandeza se desfaz

Quando a solidão é mais

Alguém já falou

O terrorismo parece algo distante da realidade brasileira, principal-


mente quando imaginado nos padrões enviesados retratados pela
mídia ou pelo cinema. Há alguns anos, um artigo publicado no jornal
“The Washington Times” por Alexander e Dantas (2005) mostrou
que a situação é um tanto quanto diferente.

Podcast transcrito

Primeiramente, o artigo aponta que seria apenas questão de


tempo para ocorrer, em outro lugar do planeta, um ataque
semelhante ao ocorrido em 11 de setembro em Nova York
e Washington. Os autores também trazem a lembrança de
que brasileiros já foram vítimas de atentados terroristas
ou de ações contra terroristas no exterior apenas porque
estavam no lugar errado e na hora errada. Ademais, o artigo
segue contextualizando os desafios impostos pelos Jogos
Olímpicos Pan-americanos de 2007 no Rio de Janeiro.

Particularmente, dois pontos destacados no artigo do


Washington Times, e de interesse imediato deste curso,
são: a expansão do nexo entre crime e grupos terroristas
em atividades ilegais, como drogas, tráfico, contrabando
e lavagem de dinheiro; e “o possível ‘transbordamento’
terrorista da área da tríplice fronteira entre Brasil,
Argentina e Paraguai”.

Curso FRoNt
141
MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
Sobre a tríplice fronteira sul do Brasil, o artigo indica que
essa é uma região conhecida pelos crimes de tráfico de
armas, tráfico de drogas, contrabando, fraude monetária,
lavagem de dinheiro e fabricação e transporte de
mercadorias pirateadas. Mas não apenas isso, também
é chamada a atenção para os vários relatórios de
inteligência à época que mencionaram o fato de que a
América Latina poderia ser palco de atividades de grupos
como Hamas, Hezbollah e Al Qaeda. Ou seja, como os
próprios autores concluem: “o potencial de colaboração
entre criminosos brasileiros e terroristas estrangeiros
é possível, senão provável.” Esse cenário parece ainda
mais factível diante das ações do narcoterrorismo na
fronteira norte e noroeste do Brasil, região bem próxima
de onde facções criminosas do narcotráfico realizaram
decapitações e extrações de corações de inimigos no
epicentro da crise dos presídios em 2019. Isso sim está
dentro do estereótipo dos grupos terroristas retratados
com frequência pela mídia, como o Estado Islâmico.

Existem outros estudos que mostram a relação entre o crime orga-


nizado e o terrorismo na América Latina.

dica de mídia

Para saber mais sobre as relações entre o crime


organizado e o terrorismo na América Latina, você pode
acessar uma palestra ministrada pelo professor espanhol
David Odalric de Caixal i Mata, no I Congresso de Ciências
Policiais organizado pela Polícia Militar do Distrito
Federal, disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=D3KHs-PYIbM

Não obstante ao que já foi apresentado nesta aula, talvez você ainda
esteja se perguntando: por que tratar de terrorismo dentro de um
curso de narcotráfico e crime organizado, ainda mais quando o tópico
é lavagem de dinheiro?

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MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
Essa, sem dúvida, é uma questão legítima, e a ex-tradutora do FBI,
Sibel Edmonds (2020), a responde de forma bem direta:

Você chega a um ponto em que tudo fica muito complexo,


em que há atividades de lavagem de dinheiro, atividades
relacionadas a drogas e atividades de apoio ao terrorismo
convergindo em certos pontos e se tornando uma só.

(EDMONDS, 2020).

As organizações terroristas também necessitam de dinheiro para


financiar os ataques a seus alvos. Os recursos que alimentam as ati-
vidades de grupos terroristas podem advir de diversas fontes.

Fato peculiar é que os terroristas, em regra, não procuram disfarçar a


origem de seus recursos. Por outro lado, desenvolvem maneiras de con-
ciliar o destino de seus recursos ao propósito para o qual foram coletados.

Ainda assim, as técnicas empregadas pelos terroristas e por suas or-


ganizações para esconder recursos são muito parecidas com aquelas
utilizadas pelos demais criminosos envolvidos com a lavagem de dinheiro.

Por isso, a aplicação de técnicas de investigação e de inteligência no


contexto da lavagem de dinheiro constitui um caminho eficaz para
prever, detectar e desarticular tanto as ações terroristas quanto as
atividades comuns.

Por incrível que pareça, talvez o criminoso que possua o modus operandis
mais semelhante ao terrorista quando o assunto é lavagem de dinheiro
seja o corrupto. O corrupto, diferentemente da maioria dos chefes do
tráfico, não vive escondido. Pelo contrário, tal qual o terrorista, ele
busca se inserir o mais intrinsecamente possível no tecido social.

O Ministro Luiz Fux (2012), do Supremo Tribunal Federal, sintetiza


bem esse quadro quando assevera que, a partir do momento em que
a parte recebe o dinheiro por corrupção, ela não vai guardar esse
dinheiro num armário nem numa estante, ela vai tentar integrá-lo
à economia. Ou seja, enquanto os líderes do tráfico, em geral, cons-
troem verdadeiras fortalezas nas favelas, o corrupto compra, com
dinheiro ilícito, obras de arte ou produtos de luxo para revendê-los
em seguida, para dar a aparência de uma operação comercial legal.

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MÓDULO 2 - ECONOMIA DAS DROGAS, DINÂMICA DO NARCOTRÁFICO E CRIMES CONEXOS
Mansões dos chefões da Rocinha são
ilhas de luxo na favela.
Foto: Veja (2011).

Antes de encerrar esta aula, é importante abordar adicionalmente al-


gumas questões técnicas acerca da lavagem de dinheiro. Como citado
no início da aula, no Brasil, esse crime e suas nuances estão previstos
na Lei nº 9.613/1998.

Em poucas palavras, o crime de “lavagem” ou ocultação de


bens, mais conhecido como lavagem de dinheiro, diz respeito ao
ato de ocultar ou dissimular a origem ilícita de bens ou valores
que sejam fruto de crimes. A expressão lavagem de dinheiro
está relacionada à origem ilícita dos recursos, que precisam ser
lavados para se tornarem limpos.

A legislação prevê pena de três até dez anos de reclusão e multa para
esse tipo de prática. Também prevê penas maiores para os casos nos
quais o crime ocorra de forma reiterada ou por intermédio de orga-
nização criminosa. A reprimenda pode ser ainda maior a depender
de fatores como o cometimento de outros crimes e a associação de
seus autores com outros criminosos. Contudo, se o autor do crime
colaborar espontaneamente com a Justiça, sua pena pode ser reduzida
em até ⅔, além de poder contar com outras alternativas de pena que
não seja a reclusão em presídio.

Veja o que diz a Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, sobre a tipificação


e a punição dos crimes de lavagem de dinheiro ou ocultação de bens,
direitos e valores:

Lei nº 9.613
de 3 de março de 1998

Art. 1º.

Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição,


movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores
provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal (redação
dada pela Lei nº 12.683, de 2012).

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Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa (redação dada pela
Lei nº 12.683, de 2012).

§ 1º Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a


utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal:
(redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)

I. os converte em ativos lícitos;

II. os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia,


guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere;

III. importa ou exporta bens com valores não correspondentes


aos verdadeiros.

§ 2º Incorre, ainda, na mesma pena quem: (redação dada pela Lei nº


12.683, de 2012)

I - utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou


valores provenientes de infração penal (redação dada pela Lei nº
12.683, de 2012);

II - participa de grupo, associação ou escritório tendo


conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é
dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei.

§ 3º A tentativa é punida nos termos do parágrafo único do art. 14 do


Código Penal.

§ 4º A pena será aumentada de um a dois terços, se os crimes


definidos nesta Lei forem cometidos de forma reiterada ou por
intermédio de organização criminosa (redação dada pela Lei nº
12.683, de 2012).

§ 5º A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida


em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de
aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de
direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente
com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à
apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores
e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do
crime (redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012).

Assim, chegamos ao fim de mais um módulo. Até aqui você percorreu


um caminho pelo conhecimento da economia envolvida no mercado
drogas, o qual contemplou:

‹ As noções e os conceitos essenciais à temática da


economia das drogas.

‹ Os fatores psicológicos, sociais, culturais e econômicos relevantes


para a identificação de fatores que preveem o envolvimento dos
indivíduos com a violência, o crime e as drogas.

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‹ As características gerais do perfil do demandante por drogas e do
perfil do ofertante de drogas.

‹ Os aspectos legais e operacionais relacionados à lavagem de


dinheiro e ao financiamento das organizações criminosas.

Curso FRoNt
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157
REALIZAÇÃO
MÓDULO 3

ORGANiZAÇÕES CRiMiNOSAS
NO EXTERiOR
EXPEDIENTE
GOVERNO FEDERAL
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA
SECRETARIA NACIONAL DE POLÍTICAS SOBRE DROGAS

SECRETÁRIO NACIONAL
Paulo Gustavo Maiurino

DIRETOR DE POLÍTICAS PÚBLICAS E ARTICULAÇÃO


INSTITUCIONAL
Marcelo de Oliveira Andrade

COORDENADOR-GERAL DE INVESTIMENTOS, PROJETOS,


MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO
Gustavo Camilo Baptista

PLANEJAMENTO E GESTÃO
Glauber da Cunha Gervásio
Carlos Timo Brito
Eurides Branquinho da Silva

CONTEUDISTAS
George Felipe Lima Dantas
Isângelo Senna da Costa

REVISÃO DE CONTEÚDO
Fernanda Flávia Rios dos Santos
Maria de Fátima de Moura Barros

APOIO
Kathyn Rebeca Rodrigues Lima

BY NC ND

Todo o conteúdo do Curso FRoNt - Fundamentos para Repressão ao Narcotráfico e ao


Crime Organizado, da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD), Ministério
da Justiça e Segurança Pública (MJSP) do Governo Federal - 2022, está licenciado sob
a Licença Pública Creative Commons Atribuição - Não Comercial- Sem Derivações
4.0 Internacional.

REALIDADE AUMENTADA (RA)


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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA (SEAD)

SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA


Luciano Patrício Souza de Castro

labSEAD

COORDENAÇÃO GERAL
Luciano Patrício Souza de Castro

FINANCEIRO
Fernando Machado Wolf

SUPERVISÃO TÉCNICA EAD


Giovana Schuelter

SUPERVISÃO DE PRODUÇÃO DE MATERIAL


Daniele Weidle

SUPERVISÃO DE MOODLE
Andreia Mara Fiala

SECRETARIA ADMINISTRATIVA
Elson Rodrigues Natário Junior
Maria Eduarda dos Santos Teixeira

DESIGN INSTRUCIONAL
Supervisão: Milene Silva de Castro
Gabriel de Melo Cardoso
Márcia Melo Bortolato
Marielly Agatha Machado

DESIGN GRÁFICO
Supervisão: Douglas Luiz Menegazzi
Heliziane Barbosa
Juliana Jacinto Teixeira
Luana Pillmann de Barros
Vinicius Alves Jacob Simões

REVISÃO TEXTUAL
Cleusa Iracema Pereira Raimundo

PROGRAMAÇÃO
Supervisão: Alexandre Dal Fabbro
Cleberton de Souza Oliveira
Thiago Assi

AUDIOVISUAL
Supervisão: Rafael Poletto Dutra
Fabíola de Andrade
Luiz Felipe Moreira Silva Oliveira
Renata Gordo Corrêa

TÉCNOLOGIA DA INFORMAÇÃO
Dalmo Tsuyoshi Venturieri
Wilton Jose Pimentel Filho
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 164

Unidade 1 | O CRIME ORGANIZADO 165


COMO FENÔMENO LOCAL E GLOBAL

1.1 Entendimento preliminar do fenômeno 165

1.2 A globalização do crime organizado e das 167


organizações criminosas

Unidade 2 | A MÁFIA 176

2.1 A máfia italiana 176

2.2 A omertà 179

2.3 A máfia no século XX 183

2.4 Metástase: a máfia italiana em solo 185


norte-americano

Unidade 3 | ORGANIZAÇÕES 196


CRIMINOSAS NAS AMÉRICAS

3.1 Estados Unidos: o movimento sindical e os 196


sindicatos criminais

3.2 Um parelelo com o Brasil 199

3.3 Principais organizações criminosas 202


latino-americanas (Parte 1)

3.4 Principais organizações criminosas 217


latino-americanas (Parte 2)
Unidade 4 | OUTRAS ORGANIZAÇÕES 230
CRIMINOSAS DE RELEVÂNCIA

4.1 Máfia russa, “firmas” britânicas e grupos 230


albaneses
4.2 Tríades (China), Yakuza (Japão), grupos 235
organizados sul-africanos e nigerianos

REFERÊNCIAS 247
APRESENTAÇÃO

Olá, cursista!

Neste módulo, você conhecerá as diferentes variações das organizações


criminosas no mundo atual e as peculiaridades dessas organizações no
que concerne ao mercado de drogas e questões conexas. Agora, você
poderá associar os conceitos e definições apreendidos, aplicando-os
no decorrer deste estudo sobre o envolvimento das organizações cri-
minosas com o narcotráfico. Além dessas capacitações, você poderá
comparar a situação histórica, cultural, econômica, política e social
das organizações criminosas oriundas de diferentes continentes com
as implicações multidimensionais no Brasil.

Objetivos do módulo

‹ Identificar os conceitos básicos da temática das organizações


criminosas internacionais: fatores comuns de formação,
padrão genérico de estrutura e maneiras comuns de
operação/funcionamento.

RA ‹ Descrever as principais organizações criminosas


“internacionais” em atuação nos tempos recentes.
Enquadre no seu celular
ou tablet o código de
REALIDADE AUMENTADA ‹ Compreender as semelhanças e diferenças das organizações
do aplicativo Zappar criminosas, em termos de estruturas, atuação, escopo e alcance.
para assistir ao vídeo de
apresentação do módulo.
‹ Perceber os traços culturais e simbólicos de tais organizações.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 164
Unidade 1
O CRIME ORGANIZADO COMO
FENÔMENO LOCAL E GLOBAL

Contextualizando

Nesta unidade, será apresentado o contexto histórico da globalização


e as consequências positivas e negativas desse fenômeno no que se
refere à facilitação e dinâmica dos métodos, procedimentos e meios de
criminalidade e hostilidade de crimes, mais especificamente aqueles
ligados à lavagem de dinheiro e às variadas formas de tráfico – de
drogas, de armas e de pessoas –, principalmente o contrabando e as
fraudes de diversos tipos.

1.1 Entendimento preliminar


do fenômeno
A globalização, processo que caracteriza o final do século XX e início
do século XXI, acelerou e intensificou as interações econômicas, so-
ciais, políticas e culturais entre regiões, países, povos, comunidades
e indivíduos. Essas conexões, sejam elas físicas e virtuais, analógicas
ou digitais, facilitadas pelos meios de transporte e comunicação,
transcendem as fronteiras nacionais e ocorrem sob influência de
diversos avanços tecnológicos.

Fonte: Adaptado de © [Hurca!] / Adobe Stock.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 165
Os efeitos desse fenômeno são complexos, multifacetados e diver-
gentes. Isso porque, por um lado, esse dinamismo resultou, nas
últimas décadas, em aumento da renda global geral e em redução
de conflitos armados entre os países; por outro lado, há evidências
inquestionáveis de que tais interações intensificadas têm gerado
inúmeros efeitos danosos, tais como degradação ambiental, crises
financeiras e, evidentemente, insegurança epidemiológica.

Dentre os efeitos danosos da globalização, é possível destacar a


expansão transnacional de determinados crimes, em especial a
lavagem de dinheiro, as variadas formas de tráfico – de drogas,
de armas e de pessoas, principalmente –, o contrabando e as
fraudes de diversos tipos.

Além de desviar improdutivamente os benefícios produzidos pela


globalização, as atividades ilícitas desgastam a economia legal, cor-
rompem o ambiente político, dificultam a governança, e colocam
famílias e indivíduos em maior risco.

A vulnerabilidade das possíveis vítimas se justifica, em parte, pela


existência de uma quantidade enorme de métodos, procedimentos e
meios de criminalidade e hostilidade, cujo acesso é facilitado, e so-
ma-se isso à proliferação de armas leves e de tecnologias cibernéticas.

Essa vulnerabilidade é, também, consequência do despreparo e desco-


nhecimento das autoridades locais em prevenir novas ameaças e ge-
renciar novos riscos. Em âmbito internacional, é notável a defasagem
da coordenação entre as diversas polícias nacionais em comparação à
escala global de organização das atividades criminosas e terroristas.

Talvez você já tenha percebido que a cooperação policial internacional


é bastante limitada se comparada com o alto grau de coordenação e a
colaboração observados entre grupos e redes criminosas. Não à toa,
há uma percepção generalizada de que os criminosos internacionais
estão “ganhando o jogo” (FELBAB-BROWN, 2012) ou “um passo à
frente” das polícias (DENIOZOS; VLADOS; CHATZINIKOLAOU, 2018).

Foto: © [Sikov] / Adobe Stock.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 166
Essas organizações criminosas surgem, evidentemente, em um con-
texto local, específico de uma localidade, mas se expandem para
outras localidades, chegando, muitas vezes, a ultrapassar fronteiras
regionais e nacionais.

Quando o processo de expansão das organizações criminosas


ocorre internacionalmente de forma sucessiva, dizemos que tais
organizações são também transnacionais, por perpassarem as
fronteiras nacionais e associarem-se a outros atores, processos e
forças globalizantes, como o próprio crime, ou seja, culminam em
diferentes formas de tráfico.

Siga para o próximo tópico, nele você poderá entender melhor a


RA relação entre a globalização e a globalização do crime organizado.
Enquadre no seu celular
ou tablet o código de
REALIDADE AUMENTADA
do aplicativo Zappar para
assistir ao vídeo sobre o 1.2 A globalização do crime
crime organizado.
organizado e das organizações
criminosas

A plataforma Politize! conceitua a globalização como sendo um pro-


cesso de expansão econômica, política e cultural em nível mundial
(LOPES, 2017). No século XX, esse processo, que remete às Grandes
Navegações (sec. XV a XVII), acelerou-se, principalmente em decor-
rência da Terceira Revolução Industrial.

Se nos primórdios da globalização, modelos de organização


política, de cultura e de religião eram transmitidos pelo globo
terrestre pela via da colonização, da imigração e das trocas
comerciais, hoje, a evolução das tecnologias de transporte e
comunicação é que vem reduzindo mais significativamente a
distância e as fronteiras geográficas.

Como consequência disso, a globalização promoveu o aumento das


trocas comerciais entre os países e da velocidade com que essas
trocas ocorrem.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 167
Foto: © [Cybrain] / Adobe Stock.

Mas, como você viu, o intercâmbio promovido pela globalização não


se limita à dimensão econômica. Nessa abrangência da globalização,
o crime, criminosos e questões conexas também estão incluídos.

Ainda, no que concerne ao conceito de cultura, segundo a plataforma


Politize!, temos a seguinte reflexão:

A cultura é outra dimensão do processo de globalização.


A troca de cultura entre diferentes países, independentemente
da fronteira física entre eles também foi intensificada e
acelerada pela Terceira Revolução Industrial.
Podemos definir cultura como o conjunto de conhecimentos,
crenças, leis, moral, arte e costumes de uma sociedade.

(LOPES, 2017)

A antropologia sociocultural trata do conceito de cultura ao especificar


como, localmente, valores universais são expressos em diferentes
sociedades de forma distinta, como os valores relacionados à ali-
mentação, nutrição e reprodução.

Um exemplo disso está na corrupção, que, mesmo sendo percebida


de forma particular nas diferentes culturas humanas, não deixa de
ser corrupção (ROTHSTEIN; TORSELLO, 2013).

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 168
Foto: © [Ricochet64] / Adobe Stock.

Já para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a globalização tem


outra definição:

Globalização é o aumento da interconexão e interdependência


de povos e países. É geralmente entendida como incluindo
dois elementos inter-relacionados: a abertura das fronteiras
internacionais para fluxos cada vez mais rápidos de bens,
serviços, finanças, pessoas e ideias; e as mudanças nas
instituições e políticas em nível nacional e internacional que
facilitam ou promovem esses fluxos.

(ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE, 2021,


tradução nossa)

Talvez você esteja se perguntando se os avanços em tecnologias de


comunicação, especialmente com o surgimento dos smartphones,
influenciam nesse processo. De fato, a disponibilidade de acesso à
internet nos últimos anos tem permitido a disseminação e o compar-
tilhamento de conhecimentos e ideias que, em frações de segundos,
percorrem todo o globo.

Então, da mesma forma que boas práticas de gestão pública e tecno-


logias comunitárias desenvolvidas em um país podem ser adaptadas e
implementadas em um outro país situado a milhares de quilômetros
de distância, as estratégias utilizadas pelos criminosos em um local
também podem ser copiadas em diversos outros pontos do planeta.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 169
A globalização difunde tanto as boas quanto as
más práticas de outros locais do mundo.

Nesse processo, as organizações criminosas mundo afora cada vez


glossário mais têm adotado a ética, estética e os métodos da máfia, outrora
um fenômeno que permaneceu por séculos circunscrito a uma ilha
ao sul da Europa, a Sicília.
Ética é o conjunto de regras e preceitos de
ordem valorativa e moral de um indivíduo, Nas pesquisas atuais sobre o crime organizado transnacional, é comum
de um grupo social ou de uma sociedade. encontrar referências de como contrabandistas e traficantes de drogas
e armas sequestraram a economia global, criando no processo um
Estética é um termo originário da língua submundo do crime que contorna, desafia, corrompe e subverte os
grega, mais especificamente da palavra controles e autoridades do Estado.
aisthésis, e tem como significado o ato de
perceber, de notar. Essas entidades criminosas estão, de certa forma, construindo pontes
umas com as outras, colocando em risco estilos de vida nas diferentes
sociedades (PUBLIC ANTHROPOLOGIST, 2019).

Um exemplo relacionado a essas pesquisas que contemplam dados


sobre globalização, uso de tecnologias da informação, crime orga-
nizado transnacional e submundo do crime pode ser visualizado na
RA ilustração abaixo, sobre a internet oculta. Uma fração das informa-
Enquadre no seu celular ções que transitam pela internet está na parte chamada “dark web”,
ou tablet o código de local onde transitam dados ocultos relacionados a tráfico de armas,
REALIDADE AUMENTADA
drogas, pornografia, etc.
do aplicativo Zappar para
assistir ao vídeo sobre
crimes internacionais e a
globalização.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 170
SURFACE WEB
Google
Facebook
Instagram

DEEP WEB
Documentos legais
Registros do governo
Relatórios científicos
Registros acadêmicos
Registros financeiros

DARK WEB
Armas
Drogas
Pornografia
Comércio de crimes digitais

Um dos trechos das pesquisas sobre crime organizado transnacional,


publicado pela plataforma Public Anthropologist, é ainda mais inquie-
tante quando você percebe que essa criminalidade fluida influencia
muito mais que o plano material da sociedade. Além das estruturas
econômicas, também se encontram em jogo as estruturas políticas
e simbólicas que sustentam a paz e a segurança das nações.

Instituições políticas podem ser infiltradas e


corrompidas por entidades criminosas.

Nesse sentido, parece ser muito pertinente uma citação de Manuel


Castells (2001, p. 436) citada por Dallago (2020), sobre o tema crime
organizado e o fenômeno do terrorismo no Brasil.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS 171
Nossa sociedade está construída em torno de fluxos: fluxos
de capital, fluxos da informação, fluxos da tecnologia,
fluxos de interação organizacional, fluxos de imagens, sons
e símbolos. Fluxos não representam apenas um elemento
da organização social: são a expressão dos processos que
dominam nossa vida econômica, política e simbólica.
Nesse caso, o suporte material dos processos dominantes
em nossas sociedades será o conjunto de elementos que
sustentam esses fluxos e propiciam a possibilidade material
de sua articulação em tempo simultâneo. Assim, proponho
a ideia de que há uma nova forma espacial característica
das práticas sociais que dominam e moldam a sociedade em
rede: o espaço de fluxos. O espaço de fluxos é a organização
material das práticas sociais de tempo compartilhado
que funcionam por meio de fluxos. Por fluxos, entendo
as sequências intencionais, repetitivas e programáveis
de intercâmbio e interação entre posições fisicamente
desarticuladas, mantidas por atores sociais nas estruturas
econômicas, política e simbólica da sociedade.

RA (CASTELLS, 2001, p. 436 apud DALLAGO, 2020, p. 42)

Enquadre no seu celular


ou tablet o código de
REALIDADE AUMENTADA
do aplicativo Zappar para
Outro fator relevante no processo de globalização do modelo da
assistir ao vídeo sobre
a cooperação entre as máfia está na crescente cooperação entre as organizações crimi-
organizações criminosas. nosas. A Máfia pode ser considerada a principal referência de várias
organizações criminosas que operam transnacionalmente, essas
organizações podem ser compreendidas como mafioides, no sen-
tido de que não são derivadas diretamente da máfia, mas guardam
características muito semelhantes a ela.

Digitais das redes globais de criminosos.


Foto: Public Anthropologist.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 172
A Enciclopédia de Ciência Policial coloca essa questão nos seguintes
termos:

Sem dúvida, o desenvolvimento mais atraente da


participação no crime organizado no final do século XX é
a tendência para o desenvolvimento de grupos criminosos
de organização transnacional e a sugestão de que esses
grupos estão começando a colaborar e cooperar de forma
sistemática para facilitar a entrega de bens e serviços ilícitos
em escala internacional.

(POTTER, 2007, p. 1293)

Nesse ponto, cabe um alerta: o crime organizado e o narcotráfico têm


sido estudados a partir de uma visão multidisciplinar e multinível.
Ao salientar esses aspectos do curso, reconhecemos que os tópicos que
temos discutido, como os casos práticos de organizações criminosas
de alta complexidade vistos, até então, podem ser enfrentados de
forma proativa por agentes e instituições de todos os níveis.

As conexões entre as organizações criminosas em nível global


precisam ser desarticuladas por ações robustas, como a cooperação
entre instituições policiais com técnicas sofisticadas de inteligência
(particularmente vigilância). Assim como a atuação dessas mesmas
organizações pode e deve ser enfrentada por meio da criação de
obstáculos para a oferta de drogas no nível local (cidade, bairro ou
mesmo uma praça, vielas e becos).

Muitas vezes, isso pode ser feito por meio de pequenas intervenções
no ambiente, como bem orienta a Prevenção Criminal pelo Design
do Ambiente (CPTED) (SANTOS; SENNA, 2019).

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 173
Foto: © [Anatoliy] / Adobe Stock.

Para falarmos sobre a influência do nível local na atuação das or-


ganizações criminosas, é importante entender a ideia de sindicatos
do crime de caráter mafioso. Muito utilizada na língua inglesa
(criminal syndicate), mas também presente na língua espanhola
(sindicato criminal), a expressão “sindicato do crime” refere-se
a uma afiliação de criminosos que se juntam de forma organizada
para cometer crimes (LAWI, 2019).

Vale a pena mencionar mais um trecho da Enciclopédia de Ciências


Policiais:

Os sindicatos do crime organizado ainda estão enraizados


em condições locais, protegidos pela política local, e limitados
pela necessidade de pessoal de controle em nível local.
A União Européia enfraquece fronteiras e incentiva o
livre fluxo de pessoas e bens. Russos, italianos, romenos,
britânicos, e os sindicatos da Córsega simplesmente
respondem a uma nova realidade. Não é nem a Malina
(Máfia de Odessa, Ucrânia) nem a Máfia que criaram
essas oportunidades; em vez disso, foram os Estados e a
corporações multinacionais. Traficantes de drogas nigerianos
não são responsáveis ​​pelo enorme aumento recente no
comércio internacional ou no crescente fluxo de pessoas
através das fronteiras. Eles meramente tiram proveito dessa
situação. Quando colaboram com produtores asiáticos de
heroína, isso não significa o nascimento de uma nova ordem
criminosa internacional; apenas reflete os mesmos tipos de
arranjos que estão ocorrendo na comunidade empresarial em
geral. Os plantadores de papoula agora podem comercializar
seus produtos em uma arena mais ampla. Contrabandistas
nigerianos têm um mecanismo em vigor para utilizar de
forma eficiente e vantajosa as novas tecnologias e respectivas
oportunidades. A colaboração é tão natural quanto a que
existe entre fabricantes de automóveis dos EUA e produtores
de peças no Brasil ou no México.
(GREEN, 2007, p. 1293)

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 174
Continue seus estudos e avance para a próxima unidade, nela você
estudará tudo sobre a máfia, e como essa organização influenciou e
influencia organizações criminosas até hoje.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 175
Unidade 2
A MÁFIA

Contextualizando

Você sabe dizer o que foi a Máfia? Nesta unidade, será apresentada,
em linhas gerais, a máfia italiana, seu histórico e suas características,
e você poderá refletir sobre a influência dessa máfia nas organizações
mafioides ao redor do mundo.

2.1 A máfia italiana


O termo Máfia é utilizado como sinônimo de “crime organizado”, mas
isso pode ser um equívoco. Confira a definição de crime organizado:

O crime organizado é um empreendimento criminoso


contínuo que funciona racionalmente para lucrar com
atividades ilícitas que muitas vezes são muito procuradas
pelo público. Sua existência contínua é mantida por meio
da corrupção de agentes públicos e do uso de intimidação,
ameaças ou força para proteger suas operações.

(UNODC, 2018, tradução nossa)

Baseado nessa ideia, tornou-se comum utilizar a palavra “máfia”


para referenciar diversas organizações criminosas mafioides:

MÁFiA

ORGANiZAÇÕES
MAFiÓiDES

PRiMEiRO
COMANDO
COSA NOSTRA YAKUZA COMANDO
VERMELHO
DA CAPiTAL

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 176
Na verdade, a “máfia” denota algo historicamente vinculado ao
crime organizado italiano.

As estruturas sociológicas da máfia, em sua identidade com a


cultura da Itália, da Sicília e mesmo dos Estados Unidos da América
no início do século XX, para onde ela foi exportada, fazem dela
um fenômeno único. Por isso é preciso estudá-la para conhecer e
compreender seus elementos distintivos e até mesmo estabelecer
“categorias mafioides”.

Curiosamente, as chamadas “máfias” estão espalhadas expressiva-


mente por países dos quatro continentes, alguns mais e outros menos.
No continente Africano, por exemplo, não encontramos organizações
mafiosas com tanta expressão como vimos nos países da América.

A esse respeito, vale citar o que nos diz o Índice de Crime Organizado
– África 2019:

Existem muitos Estados na África que têm uma forte


presença de redes do crime organizado, mas que, no
entanto, não vivenciam o crime organizado mafioso que se
vê em muitos países latino-americanos. Esta é a realidade
em países como Togo, Guiné-Bissau e Costa do Marfim,
entre outros, onde as redes criminosas desempenham um
papel proeminente no ecossistema do crime organizado,
mas onde grupos mafiosos ou não existem ou não
desempenham mais do que um papel secundário.

(ENACT, 2019, p. 66, tradução nossa)

Siga para o próximo tópico para conhecer a história da máfia italiana


e entender por que sua estrutura passou a ser referência para outras
organizações criminosas.

2.1.1 Que máfia italiana é essa, em seu


significado original, puro ou bruto?
glossário
Segundo a Enciclopédia Britânica (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA,
1998), a máfia surgiu na Sicília, no final da Idade Média (476 d.C. a
Sarracenos são árabes ou muçulmanos. 1453). De início, tratava-se possivelmente de uma organização se-
creta que tinha por objetivo proteger os habitantes locais ao serem
Normandos é o povo germânico atacados por conquistadores estrangeiros, entre os quais estavam os
descendente dos viquingues. sarracenos, os normandos e os espanhóis.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 177
Os proprietários de terras, por vezes ausentes de suas propriedades,
contratavam pequenos exércitos particulares, também denominados
mafie, para proteger as respectivas propriedades ao longo do tempo em
que boa parte da Sicília permaneceu sem lei. Esses grupos de enfren-
tamento são considerados a origem da máfia na ilha. Você consegue
ver alguma semelhança da mafie com as milícias brasileiras?

Os diversos reinos que formavam a Espanha, durante a


Reconquista aos mouros invasores, proveram, conforme a
época, distintos corpos de milícia destinados não à guerra,
e sim à segurança interna de seus súditos. Por agruparem
pessoas que verdadeiramente se consagravam à caça dos
malfeitores, ao patrulhamento das terras e cidades, e à
apuração dos delitos, e à proteção do povo contra eventuais
desmandos de senhores feudais e autoridades locais, tais
corpos policiais foram chamados de irmandades, fraternidades.

(BRODBECK, 2010)

De acordo com Nelli (1981, p. 4), os ditados dos camponeses locais


refletem essa “disputa” entre a cultura e a lei, e restava recorrer
ao código de comportamento pessoal individualizado. Entre esses
ditados, estão:

‹ “As galés são para os pobres”.


glossário
‹ “Os tribunais são para os tolos”.

Galés são navios movidos a remo nos ‹ “Quem tem amigos pode riscar a lei”.
quais prisioneiros agrilhoados executavam
trabalhos forçados. ‹ “Um peixe morto começa a cheirar mal pela cabeça”.

‹ “Aquele que rouba do rei (do estado) não comete crime”.

‹ “O porco gordo não paga impostos”.

Todos esses ditados refletem, de forma ou de outra, metáforas sobre


como a corrupção se estabelece no topo. Já durante os séculos XVIII
e XIX, os líderes desses pequenos exércitos ganharam tanto poder e
prestígio que acabaram por se voltar contra os próprios proprietários
de terras que antes os contratavam para proteção.

Nesse cenário, surge um dos principais elementos característicos da


máfia: a cobrança (extorsão) por proteção.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 178
Foto: © [motortion] / Adobe Stock.

Uma das razões para a máfia siciliana ter sobrevivido aos sucessivos
governos estrangeiros na ilha estava no despotismo dos invasores.
Para gerações e gerações de sicilianos, as práticas da máfia, baseadas
em códigos morais complexos, eram mais toleráveis do que as arbi-
trariedades perpetradas pelos estrangeiros invasores.

2.2 A omertà

A omertà é um traço importante da máfia e do crime organizado do sul


da Itália, dos quais são exemplo as famílias mafiosas ‘Ndrangheta,
Camorra, Cosa Nostra e Sacra Corona Unita.

” Camorra (máfia napolitana)


A Camorra apareceu pela primeira vez em meados de 1800 em Ná-
poles, Itália, como uma gangue de prisão – a palavra “Camorra”
significa gangue. Depois de libertados, os membros formaram clãs
nas cidades e acabaram por se tornar o maior dos grupos italianos
do crime organizado.

” Sacra Corona Unita


Sacra Corona Unita – traduzida como “Coroa Sagrada Unida” –
no final dos anos 1980. Como outros grupos, começou como uma
gangue de prisão. Quando seus membros foram libertados, eles se
estabeleceram na região de Puglia, na Itália, e continuaram a cres-
cer e formar ligações com outros grupos da máfia.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 179
Na imagem a seguir, você pode ver as características da Máfia italiana.

A MÁFiA ITALiANA
OMERTÀ

Código de Silêncio.

Ninguém na Sicília fala sobre a Máfia porque


sabe e teme a punição.

“A melhor palavra é aquela que não se diz”.

Punível com a morte.

Segundo a Enciclopédia Britânica, o código moral da máfia era ba-


seado no princípio da omertà. Etimologicamente, a palavra omertá
está relacionada à virilidade, à qualidade de ser homem; ou na prática
de resolver os problemas entre seus iguais.

Omertà significa a obrigação de nunca solicitar justiça às


autoridades legais e nunca ajudar o Estado, de forma nenhuma,
na elucidação de crimes cometidos contra si ou contra terceiros.

Trata-se de um código de honra que impõe o silêncio perante as


ações das autoridades na elucidação de crimes. Igualmente, omertà
também diz respeito à não interferência nas ações ilegais de outros.

A vingança deveria ser privada, e o direito de vingar os males sofridos


estava reservado aos ofendidos e, principalmente no caso de assassi-
nato, às famílias da vítima. Quebrar o código de silêncio fatalmente
levava a represálias da máfia.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 180
A omertà possivelmente possui resquícios de elementos da sharia
glossário islâmica, especialmente no que toca ao fato de a família da vítima
de homicídio opinar sobre a pena do autor.

A sharia (em árabe, “legislação”) é o Conheça, a seguir, a história do Império Islâmico, a influência do
direito islâmico. Califado Fatímida e a Sicília.

Podcast transcrito

Entre os séculos VII e VIII, o Império Islâmico alcançou sua


maior extensão territorial, abarcando terras desde a Ásia
Central até a Península Ibérica, passando pelo norte da
África. Dentro deste vasto território, em que imperava a
sharia islâmica, encontrava-se justamente a Sicília.
Por mais de um século a Sicília esteve sob total domínio árabe.
O Emirado da Sicília foi um emirado situado na ilha da Sicília e
em algumas partes do sul da Itália que existiu de 965 a 1072,
nessa época a ilha era dominada pelo Califado Fatímida.

Califado é a forma islâmica monárquica de governo,


representa a unidade e liderança política do mundo
islâmico. O Califado Fatímida foi formado com a ascensão
da dinastia dos Fatímidas, uma dinastia xiita ismailita
constituída por catorze califas.

Entretanto, a influência islâmica na ilha não cessou com


a perda do poder formal do califado, ela se perpetuou por
séculos, influenciando a Sicília e, a partir dela, boa parte
da Europa, em todos os sentidos, inclusive o cultural e o
acadêmico. Segundo a plataforma Iqara Islam, foi através
da Sicília, pela Espanha, que ideias e conhecimentos foram
transmitidos para Europa. Mesmo durante as cruzadas,
monarcas latinos patrocinaram estudos muçulmanos.
O Rei Roger II da Sicília não só continuou a Universidade em
Palermo, que foi realizada por muçulmanos, mas também
patrocinou em sua corte o conhecido geógrafo Dreses
(Abu Abdulá Maomé Idrissi), que foi um dos melhores
estudiosos da época.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 181
Além da participação da família da vítima na definição da pena do
assassino, o código de moral da máfia siciliana tinha outro elemento
em comum com o código moral mulçumano: tanto as regras da máfia
quanto as regras do Islã não são universais. Elas valem somente para
seus semelhantes. Nesse sentido, segue um trecho do texto “Os quatro
fundamentos do islamismo”.

Mafioso não pode roubar outro mafioso. Mafioso deve


obediência cega ao ‘padrinho da família’, entenda-se:
o chefão da quadrilha. Mas se um mafioso rouba e/ou mata
um não mafioso, está tudo bem. É escusado dizer que todas
as regras da omertà não admitem reciprocidade em relação
aos não mafiosos. Só valem para uso interno. Tal como a
‘ética’ muçulmana, ela só tem validade para um grupo ou
comunidade humana, não para quaisquer outros fora dela.
E é justamente por isso que tanto as regras dos muçulmanos
como as da Máfia não são universalizáveis, mediante
regras gerais tais como: ‘Não matar’, ‘Não roubar’,
‘Não prestar falso testemunho’, etc. extensíveis a todos os
seres humanos sem exceção.

(GUERREIRO, 2014)

Perceba que a moral na omertà é instrumental e casuística. A narrativa


glossário moral da omertà se aplica à imposição do silêncio e também a todos os
demais atos da máfia. Nesses termos, estamos muito mais diante do
fenômeno psicossocial denominado desengajamento moral (IGLE-
Desengajamento moral é o conceito SIAS, 2008) do que diante da moral filosófica tradicional.
utilizado para explicar como as pessoas se
liberam de seus padrões morais para infligir Vamos relembrar os pontos principais?
ações danosas a outros, sem que se sintam
culpadas por sua conduta não moral.

Moral é o conjunto de valores, de normas


e de noções do que é certo ou errado,
proibido e permitido, dentro de uma
determinada sociedade, de uma cultura.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 182
| Elementos comuns entre a máfia e o
código muçulmano

Um código de honra.

O direito à vingança era reservado aos ofendidos.

A família da vítima definia a pena do assassino.

As regras não universais, válidas somente para


seus semelhantes.

A imposição do silêncio.

O código de silêncio era fatal se fosse quebrado.

Avance para próximo item e veja a história da máfia no decorrer do


século XX.

2.3 A máfia no século XX

RA Por volta de 1900, as várias “famílias” da máfia e grupos de famílias


Enquadre no seu celular
com base nas aldeias do oeste da Sicília haviam se unido em uma
ou tablet o código de confederação independente e controlavam a maioria das atividades
REALIDADE AUMENTADA econômicas em suas respectivas localidades.
do aplicativo Zappar para
assistir ao vídeo sobre a
história da máfia na Sicília
durante o século XX.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 183
Na era fascista de Benito Mussolini, a máfia chegou perto de ser eli-
glossário minada por conta da prisão e do julgamento de milhares de supostos
mafiosos e a longas penas de prisão que receberam.

Fascismo é uma ideologia Passada a Segunda Grande Guerra (1939-1945), os mafiosos foram
ultranacionalista e ditatorial, suprimindo libertados junto com presos comuns e presos políticos. Daí, as organi-
a oposição pela força com suporte da zações mafiosas foram se estruturando e ganhando força. Entretanto,
sociedade e da economia. o protagonismo da máfia acabou se deslocando das zonas rurais da
Sicília para as áreas urbanas de Palermo. Assim, a extorsão, antes
Benito Mussolini foi líder do fascismo centrada na proteção de propriedades rurais, ganhou a indústria,
italiano. Assumiu o poder em 1922, no qual o ramo dos negócios, a construção civil e o contrabando tradicional.
permaneceu até ser executado, em praça
pública, em 1945. Já no final da década de 1970, a máfia de Palermo, em definitivo,
acrescentou o narcotráfico ao seu portfólio de crimes, envolven-
do-se no refino e no transporte de heroína para os Estados Unidos
da América (EUA). Essas operações lucrativas terminaram por gerar
uma competição mortal entre os clãs da máfia. A onda de assassinatos
que resultou dessas disputas levou as autoridades governamentais a
agirem com firmeza na condenação e na prisão dos líderes da máfia.
Um marco dessa reação por parte do Estado foi o “julgamento má-
ximo” de 1987, onde 338 mafiosos sicilianos foram condenados.

O julgamento máximo, de 1987.


Foto: Descobrindo a Sicilia.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 184
Vamos relembrar o percurso histórico da máfia no século XX? Confira:

1900
As várias “famílias” da máfia
haviam se unido em uma
confederação independente e
controlavam a maioria das 1939 - 1945
atividades econômicas. A máfia chegou perto de
ser eliminada por conta das
prisões realizadas na era
fascista de Mussolini.
1945 - 1970
As organizações
mafiosas foram se
estruturando e 1970
ganhando força na
cidade de Palermo. A máfia de Palermo
acrescentou o
narcotráfico ao seu
portfólio de crimes,
transportando heroína
para os EUA.

1987
Um marco na repressão à
máfia foi a condenação de
338 mafiosos sicilianos no
“julgamento máximo”.

Siga seus estudos e veja no tópico as influências da máfia italiana nas


organizações criminosas estadunidenses do século XX.

2.4 Metástase: a máfia italiana em


solo norte-americano

Você sabe o que é a metástase? Esse termo médico é utilizando quando


o câncer se dissemina além do local onde começou para outras partes
do corpo. Você pode pensar na metástase como uma metáfora do
processo de ‘migração’ da máfia na Itália para os EUA.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 185
Como isso aconteceu? Alguns dos imigrantes italianos chegados aos
Estados Unidos da América e à América Latina entre os séculos XIX e
XX tinham influência da cultura mafiosa. Particularmente durante a
década de 1930 nos Estados Unidos da América, passaram a imitar a
cultura mafiosa no enfrentamento de grupos rivais, como as gangues
de irlandeses e de judeus.

Foto: © [Николай Григорьев] / Adobe Stock.

Nelli (1981), no livro “The Business of Crime: Italians and Syndicate


glossário Crime in the United States”, detalha os tipos de crimes que preva-
leciam nos enclaves de imigrantes italianos nos Estados Unidos dos
anos 1930.
A Lei Seca foi uma legislação norte-
americana de 1920 relativa aos temas da Como a maioria dos crimes comuns ocorridos na época, assim como
pobreza e violência. Por intermédio da 18ª vemos hoje, o crime italiano era mais frequente e visível na cena
Emenda constitucional, ficou estabelecida urbana marcada pela pobreza e pela desordem física e social.
a proibição da fabricação, comércio,
transporte, exportação e importação de Era um contexto criminal nos moldes das subculturas criminais,
bebidas alcoólicas nos Estados Unidos da muito caracterizado por meninos formados em gangues de rua a
América. A emenda vigorou de 1920 até 1933. gangues criminosas. Contudo, nenhuma dessas gangues era muito
grande até que a Lei Seca trouxe o Grande Salto para a Frente, a um
nível que Nelli denominou de “crime empresarial”.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 186
Veja a seguir a história de Al Capone, o maior gângster da história
dos Estados Unidos:

Podcast transcrito

Você sabe quem foi Al Capone? Ele foi sem dúvida o gângster
norte-americano mais famoso da história. Ele dominou o
crime organizado na cidade de Chicago, no estado de Illinois.
Durante o período da Lei Seca nos Estados Unidos, Al Capone
ganhou muito com o mercado ilegal de bebidas, além de
mandar matar muitas pessoas. Iniciou sua carreira de delitos
na sexta série do ensino básico, deixando sua escola no
bairro do Brooklin da cidade de Nova Iorque para juntar-se
aos criminosos daquele mesmo bairro. Uma briga de rua
resultou numa marca em seu rosto, a qual lhe valeu o apelido
de Scarface, cara de cicatriz em português. Aos 28 anos tinha
uma fortuna que era estimada em 100 milhões de dólares,
fruto de atividades ilícitas como o jogo e a prostituição.
Foi preso em 1931 por não pagar impostos, condenado
a 11 anos de prisão.

O relato de Nelli (1981) dá sentido a muitos incidentes e assassinatos,


que são interpretados a partir da lógica de atuação da máfia. O autor
também diferencia lugares e descreve indivíduos emblemáticos e
seus talentos, como o cérebro de Torrio, e a brutalidade de Al Capone,
que permitiram a esses e outros sujeitos se tornarem verdadeiros
ícones do crime.

dica de mídia

Caso você queira ter acesso aos detalhes da vida Al


Capone, uma das maiores personalidades da máfia
italiana nos Estados Unidos da América, recomendamos
que você assista ao documentário, disponível no link:
https://www.youtube.com/watch?v=U94_aHnn4oo.

Já em 1933, após o fim da Lei Seca, os mafiosos deixaram as atividades


ligadas ao comércio ilegal de bebidas alcoólicas, passando a explorar
atividades igualmente criminosas nas áreas de jogos de azar, extorsão
no ambiente trabalhista (em função de um sindicalismo exacerbado),
prostituição, agiotagem e drogas.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 187
EXTORSÃO NO
JOGOS DE AZAR AMBiENTE TRABALHiSTA PROSTiTUiÇÃO

AGiOTAGEM DROGAS LAVAGEM DE DiNHEiRO

Essa “máfia unificada” tornou-se muito poderosa ao “lavar o di-


nheiro sujo” em negócios supostamente legítimos, caso de hotéis,
empresas da indústria de bebidas e alimentos e do entretenimento
(ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, 1998).

Extensas investigações norte-americanas feitas nas décadas seguintes


revelaram que o “modelo mafioso italiano” havia sido realmente
instalado naquele país: ficava exposta a Cosa Nostra, em português
“Coisa Nossa”.

Tal modelo de crime organizado estava disseminado por todo o país


em 24 “famílias”. De maneira mais proeminente foram identificadas
cinco delas na cidade de Nova Iorque. Cada uma dessas famílias
tinha uma estrutura hierárquica com um capo famiglia, que seria o
patrão ou chefão, e toda uma sequência hierárquica organizacional.
Como no mundo empresarial e lícito, os profissionais dessas “fa-
mílias” se organizavam em linhas de coordenação, supervisão e
execução de seus negócios ilícitos e violentos. Os capos eram figuras
de destaque nesse modelo. Também chamados de capitães, serviam
de anteparo entre os agentes do escalão inferior e o próprio capo
famiglia. Em outras palavras, os capos protegiam o chefe de ter sua
imagem diretamente associada com ilicitudes.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 188
| Estrutura hierárquica mafiosa

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 189
Nos dias atuais, a Cosa Nostra não dá mais sinais de expansão ou
glossário mesmo de atividade. Deserções, chacinas internas e longas condena-
ções de mafiosos como John Gotti levaram esse modelo de organização
criminosa a uma aparente extinção nos Estados Unidos.
John Joseph Gotti Jr. foi um gângster e
chefe criminoso da Família Gambino na
cidade de Nova Iorque.

O jeito americano de viver (American way of life) parece também ter


contribuído para a extinção da máfia norte-americana, muito pro-
vavelmente pelo fato da não conformidade dessa expressão violenta
do crime organizado com o ambiente político e socioeconômico dos
Estados Unidos da América.

A Cosa Nostra perdeu terreno, apesar de ainda estar viva.


A principal máfia italiana hoje é a ‘Ndrangheta, calabresa.
Outras máfias entraram no jogo depois da globalização: russos,
turcos, nigerianos, chineses. O crime é hoje mais pulverizado e
existe menos concentração de poder. Mas o negócio continua
o mesmo: onde os Estados fazem leis para proibir algum tipo
de comércio, as máfias entram com o tráfico, de drogas a seres
humanos. Elas são parte da economia, e o giro de dinheiro
empreendido por elas afeta a todos nós.

(DEMORI, 2016)

E o caso da Cosa Nostra não é isolado: a própria máfia italiana não


possui as exatas características do passado.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 190
Assim, vale destacar que a palavra “máfia” deve ser entendida
como a organização específica do grupo italiano. Quando usada
para adjetivar organizações criminosas atuais, o termo mafioide
demonstra que aquela organização possui características
semelhantes com as organizações mafiosas do passado, e não uma
identidade absoluta.

Para você compreender melhor essa diferença entre máfia e orga-


nizações mafioides, veja a seguir os atributos que caracterizam uma
organização criminosa mafioide:

Atributo Descrição

1. Autojustificação moral Prática de crimes para evitar agressões “maiores” a uma


comunidade que supostamente se quer proteger.

2. Organização em rede Permeabilidade das organizações criminosas ao longo de


grandes territórios ou mesmo de todos eles (globalização ou
translocalização do crime).

3. Severa organização hierárquica O equivalente a chefes, conselheiros, capos, soldados,


e disciplinar dependendo das denominações locais.

4. Existência de um capo famiglia Figuras máximas na estrutura de comando: “poderosos chefões”


na alusão real e até mesmo ficcional a eles.

5. Mistura de negócios lícitos e ilícitos Uso de negócios legais (restaurantes, bares, transportadoras,
etc.) para ocultar negócios ilegais. Crimes perpetrados em
conexão com políticos, financistas, sindicalistas, doleiros,
operadores do direito, etc.

6. Lavagem de dinheiro, evasão fiscal Aquisição de bens de luxo, manutenção de negócios comuns (como
e semelhantes pizzarias, comércios diversos, etc.). Articulação de fuga de capitais
para organizações bancárias estrangeiras, evasão fiscal, etc.

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MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 191
Atributo Descrição

7. Omertà “Códigos de Silêncio” frente a justiçamentos, chacinas;


estatutos de crime; demonização da polícia, etc.

8. Recurso à violência Ameaças, agressões, sequestros, homicídios (incluindo


chacinas), justiça própria (morte ou punições).

9. Corrupção de agentes públicos Cooptação de agentes públicos ou infiltração de membros da


organização na estrutura do Estado (inclusive pelo processo
político eleitoral).

Como você pôde observar, uma das principais características das


organizações mafioides está em sua forma de organização em rede.
Nesse sentido, Canter e Youngs (2009) fazem uma alusão interessante
ao crime organizado em sua obra “Investigative Psychology: Offender
Profiling and the Analysis of Criminal Action”.

Segundo os autores, a maioria dos criminosos faz parte de uma ou


mais redes de delinquentes. Estes são grupos com vínculos fracos
entre si, que possuem contato ocasional um com o outro de tempos
em tempos, mas em alguns casos podem espelhar a estrutura hie-
rárquica e atribuições de papel de organizações legítimas, uma das
características das organizações mafioides, como no atributo número
3, apresentado no quadro acima.

Tais variedades de estruturas organizacionais paralelas revelam


propriedades importantes de como operam, como a existência de um
grupo informal fechado, indivíduos-chave na rede de comunicação
ou, até mesmo, a existência de indivíduos isolados.

Todos esses aspectos de redes ilegais revelam vulnerabilidades


potenciais que podem ser alvo de agências policiais em uma estratégia
que pode ser pensada como psicologia organizacional destrutiva.
Como exemplo de estratégias do tipo, estariam as ações de redução
da oferta de drogas centradas no desmantelamento de grupos
criminosos com base em informações obtidas nas redes sociais.

Um exemplo dessa estratégia pode ser a análise de redes sociais.

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MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 192
Foto: © [aleksandarfilip] / Adobe Stock.

Todos esses atributos são vistos em outras organizações criminosas


do restante do mundo, razão pela qual elas são vistas como a res-
pectiva materialização e transcendência da máfia propriamente dita.
Essas organizações são chamadas de “mafioides” por constituírem
“padrões” originalmente detectados na máfia.

Vale destacar que tais atributos e a respectiva materialização/mani-


festação constituem “padrões” do fenômeno criminológico, do qual
trata a disciplina da Análise Criminal (AC).

A AC é o estudo de ocorrências policiais; a identificação


de padrões, tendências e problemas; e a disseminação de
informação que contribui para que uma agência policial
desenvolva tática e estratégia para resolver questões
pertinentes aos mesmos padrões, tendências e problemas.

(BRUCE, 2004, p. 411, tradução nossa)

A Análise Criminal é uma disciplina da área de segurança pública que


provê apoio de informação para as missões das instituições policiais
ou do sistema de justiça criminal. Ela envolve:

‹ O estudo de ocorrências criminais.

‹ A identificação de padrões.

‹ Tendências e problemas do crime.

A AC é um conjunto de processos direcionados na promoção de in-


formações importantes sobre padrões do crime e correlações. Essas
informações servem de apoio para as áreas operacionais e adminis-
trativas no planejamento e na distribuição de recursos para prevenir
e suprimir atividades criminais, auxiliando o processo investigativo

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 193
e aumentando o número de prisões e de esclarecimentos de casos
(GOTTLIEB, 1994).

A disseminação de informação obtida deve ser disponibilizada de uma


forma que a instituição possa desenvolver táticas e estratégias para
resolução de questões relativas a padrões, tendências e problemas
(MACA, 2005).

Por sua vez, o padrão diz respeito a duas ou mais ocorrências re-
lacionadas a um fator causal comum, usualmente com respeito ao
autor, local ou “alvo” (pessoa ou coisa). Padrões usualmente são
fenômenos de curta duração, ainda que nem sempre se apresentem
assim (BRUCE; IACA, 2004).

No contexto da Análise Criminal, segundo Dantas e Souza (2004),


existem dois padrões importantes a serem avaliados. A expressão
padrão corresponde a uma característica da ocorrência de um de-
terminado delito, segundo a qual pelo menos uma mesma variável
daquela ocorrência se repete em outra ou outras ocorrências, ao longo
do tempo (antes e/ou depois).

Tendência Variável repetida

Indica uma propensão Pode ser o dia da semana, hora,


quantitativa geral de um local, tipo de vítima, descrição do
fenômeno da segurança pública, autor, modus operandi ou outra
que deve ser verificada ao variável qualquer da ocorrência
longo de uma área por tempo sob análise.
suficiente para que a tendência
possa ser determinada.

Tendo em conta que o crime organizado rapidamente se adapta a novas


oportunidades por serem exploradas, a UNODC devota recursos sig-
nificativos para a pesquisa e análise em proveito do desenvolvimento
de medidas e instrumentos para mensurar e acompanhar tendências
das atividades criminais transnacionais.

Coletar fatos e informações sobre o crime é algo especialmente de-


safiador e a UNODC (2010) está trabalhando para desenvolver e re-
finar medidas e padrões para incrementar a habilidade dos governos
e instituições internacionais nas atividades de coleta e análise de
dados criminais.

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MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 194
dica de mídia

“O Poderoso Chefão” (The Godfather) (1972). O filme


conta a história de Vito Corleone (personagem fictício),
chefão da máfia italiana. Durante a história, o poder da
família Corleone passa de Don Vito (Marlon Brando) para
seu filho Michael (Al Pacino), após sua morte.

Avance para a próxima unidade e confira as principais organizações


mafioides espalhadas ao redor do mundo.

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MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 195
Unidade 3
ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NAS
AMÉRICAS

Contextualizando

Até agora foi apresentado o contexto histórico que explica o sur-


gimento das organizações criminosas, e você entendeu quem foi a
máfia, assim como o peso da sua influência sobre outras organizações
mafioides ao redor do mundo. Mas você saberia dizer quais são essas
organizações mafioides? Nesta unidade, você vai conhecer as princi-
pais organizações criminosas do continente Americano, com ênfase
nos Estados Unidos e nos países da América Latina, cujas fronteiras
estão próximas ao Brasil.

3.1 Estados Unidos: o movimento


sindical e os sindicatos criminais
Você lembra como a máfia italiana teve uma “metástase” nos Estados
Unidos, reeditando no país muitas das características que possuía
no continente europeu? Agora, você terá uma visão panorâmica de
como os vínculos entre os sindicatos e o crime organizado, sobretudo
a máfia, se fortaleceram no auge do sindicalismo norte-americano.

Foto: Adaptado de © [aleksandarfilip]


/ Adobe Stock.

Para compreender melhor o cenário, vale lembrar que um sindicato


criminal até pode ser constituído por elementos legítimos de orga-
nizações representativas de determinadas classes laborais, porém
não se limita a esse contexto.

Historicamente, existe uma persistente relação entre o movimento


sindical dos Estados Unidos com a máfia e outras expressões do crime
organizado. Toda essa história se torna ainda mais palpável se narrada
tendo como pano de fundo a trajetória do sindicalista Jimmy Hoffa.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 196
Jimmy Hoffa.
Foto: © [Hank Walker] / JOTA.

Veja a história de Hoffa e a do envolvimento do movimento sindical


americano com a máfia.

Podcast transcrito

Jimmy Hoffa nasceu em 1913, em uma cidade chamada


Brazil, situada no estado de Indiana. Uma grande
coincidência. Ele foi um dos líderes sindicais mais
controversos de seu tempo. Órfão aos sete anos de idade,
Hoffa mudou-se com a família para Detroit, deixando a
escola aos 14 anos e começando trabalhar em um armazém.
Nesse emprego, ele permaneceu por vários anos. Em 1930,
Hoffa iniciou sua carreira como ativista sindical. Dez anos
depois, já era o líder do Conselho de Caminhoneiros dos
Estados da Região Central Norte-americana. Em 1942,
Hoffa assumiu a presidência do braço da Irmandade
Internacional dos Caminhoneiros em Michigan, tendo
alcançado a vice-presidência da organização no início da
década de 1950. Em 1957, ele se tornou o presidente da
organização. Curiosamente, Hoffa não era caminhoneiro!

Entre os caminhoneiros, o líder era conhecido pela


capacidade de negociar duramente com a classe patronal
da indústria automotiva pesada. Com essa característica,
ele conseguiu centralizar a administração e a condução
das negociações do sindicato. Seu poder e influência
aumentaram quando ele conseguiu criar o primeiro acordo
entre trabalhadores e empresas do setor de transporte de
cargas dos Estados Unidos. Isso ajudou a Irmandade a se
tornar o maior sindicato de trabalhadores do país.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 197
Nas décadas de 1950 e 1960, a organização sindical Irmandade Inter-
glossário nacional dos Caminhoneiros em Michigan se tornou a maior e mais
poderosa dos Estados Unidos, com mais de 2,3 milhões de filiados.
Ela era capaz de parar o país. Hoffa sabia e se utilizava muito bem
Trotskista, que segue a doutrina de disso. Mesmo que tenha parado de estudar no nono ano do ensino
Leon Trotsky. Este, ao lado de Lenin e fundamental, em matéria de agitação e táticas de enfrentamento,
Stalin, é um dos três maiores nomes da Hoffa era mestre. Muito desse conhecimento se deve às suas relações
Revolução Comunista ocorrida na Rússia com um sindicalista trotskista chamado Farrell Dobbs.
em outubro de 1917.
Entre as diversas curiosidades e controvérsias envolvendo Hoffa, está
o fato de ele nunca ter sido caminhoneiro, em que pese sua trajetória
como líder de um sindicato de caminhoneiros. Além disso, certamente
o fato mais controverso em sua biografia está em seus laços com o
mundo do crime. A própria organização sindical de Hoffa se notabi-
lizou por suas conexões com o crime organizado e com o submundo.

Em 1964, Hoffa foi condenado pela apropriação de


aproximadamente dois milhões de dólares dos fundos de pensão
dos trabalhadores sindicalizados. Em sua sentença, também
pesavam crimes como suborno e fraude. Por isso, ele passou
cinco anos na cadeia.

Esse tempo na prisão seria maior se Hoffa não tivesse sido libertado
sob a condição de manter-se distante da vida sindical até 1980 (ano
em que completaria sua sentença). Contudo, tão logo saiu da cadeia,
Hoffa reestabeleceu seus laços com a atividade sindical até que,
misteriosamente, desapareceu em 1975 (JACOBS, 2007). Apesar de
ninguém ter sido condenado pelo crime, para a Justiça norte-ame-
ricana, Hoffa foi assassinado. Há poucas dúvidas de que o homicídio
tenha sido cometido pela máfia.

dica de mídia

O filme “O Irlandês”, de Martin Scorsese, com Robert


Niro, Al Pacino e Joe Pesci, tem como enredo central o
envolvimento do maior sindicato norte-americano com
a máfia e é uma sugestão para quem se interessa pela
história recente dos Estados Unidos, o Direito do Trabalho
e o movimento sindical do país.

Siga para o próximo tópico e bons estudos.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 198
3.2 Um paralelo com o Brasil
Em que pesem as significativas diferenças entre a organização política
do Brasil e dos Estados Unidos da América nos anos 1930, na época
as fontes que inspiraram os contornos legais da organização sindical
em ambos os países eram as mesmas.

| pilares de representação trabalhista

A organização confederativa O papel moderador


A unicidade sindical das representações sindicais do Estado

Os pilares da representação trabalhista adotados pelos governos


de Getúlio Vargas e Franklin Delano Roosevelt foram idênticos:
a unicidade sindical, ou seja, a existência de um sindicato por cate-
goria profissional, a organização confederativa das representações
sindicais e o papel moderador do Estado em face das disputas entre
patrões e empregados.

Dentro desse modelo, órgãos governamentais legitimavam sindi-


catos que recebiam a chancela de serem representações oficiais dos
trabalhadores. Por sua vez, essas organizações se aglomeravam em
forma de confederação, sob estruturas rigidamente hierarquizadas.

O resultado dessa política, no Brasil e nos Estados Unidos, foi a


proliferação exponencial de estruturas sindicais, muitas vezes
à custa de corrupção. Ao longo das décadas, esse modelo sofreu
significativas alterações entre os norte-americanos, contudo no
Brasil preserva muitas de suas características originais.

A prova disso é a enorme quantidade de representações de natureza


sindical no Brasil: 11.257 sindicatos de trabalhadores (GALUPPO,
2019), número que supera, mais que triplamente, a quantidade de
prefeituras em nosso país. Para que você tenha uma dimensão do
que isso significa, lembre-se de que no Brasil há 5.570 municípios.

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MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 199
saiba mais
Veja na reportagem a seguir a investigação da PF sobre
indícios de esquema de venda de registros sindicais ao
Ministério do Trabalho, disponível em: https://www.
gazetadopovo.com.br/politica/republica/pf-coloca-sob-
suspeita-criacao-de-150-sindicatos-e-divulga-email-
para-denuncias-btu08hygldhe1fs9xg39qkkmc/.

Durante o Estado Novo, os sindicatos no Brasil foram mantidos sob


glossário controle do Governo Central. Depois da Era Vargas, o controle governa-
mental das lideranças sindicais passou a ser mais sutil, mais indireto.

O Estado Novo foi a terceira e última fase Esse controle passou a ser realizado ora por aquilo que Smith (2000)
da Era Vargas. Durou de 1937 a 1945. denominou de “Acordo Forçado”, ora pela distribuição de cargos pú-
A característica principal do Estado Novo blicos para líderes sindicais. Já nos Estados Unidos, essas estruturas
era o fato de ter sido propriamente um possuíam bastante independência, elas podiam, inclusive, administrar
regime ditatorial inspirado no modelo os fundos de pensão de seus membros.
nazifascista europeu, em voga na época.
Isso garantiu poder e influência para líderes como Hoffa, que podiam
escolher onde investir milhões de dólares, incluindo na construção
de hotéis e de cassinos. O que acabou chamando a atenção da Máfia
(JACOBS, 2007). Outro fato curioso é que, na história recente do Brasil,
recursos dos fundos de pensão dos trabalhadores, no caso de estatais,
também foram objeto de más administrações de dirigentes em dife-
rentes posições após trajetórias de sucesso no movimento sindical.

O encontro da máfia ítalo-americana com o movimento sindical gerou


ganhos recíprocos.

| ANTES E DEPOIS DAS ORGANIZAÇÕES MAFIOIDES NOS EUA

ANTES DEPOiS

Mafiosos eram contratados pelos patrões Mafiosos passaram a servir à


para colocar fim a greves e agitações. causa dos sindicatos.

A máfia contava com a estrutura Gângsteres da máfia passaram a


logística e administrativa dos sindicatos participar ativamente do quotidiano
para levar a cabo seus negócios. dos sindicatos.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 200
De um lado, porque os elementos mafiosos que outrora eram contra-
tados pelos patrões para colocar fim a greves e agitações passaram a
servir à “causa” dos trabalhadores.

Por outro lado, porque, sobretudo durante a Lei Seca, a máfia contava
com a estrutura logística e administrativa dos sindicatos para levar a
cabo seus negócios. Isso envolvia, por exemplo, tanto a lavagem de
dinheiro quanto o emprego de caminhões e respectivos motoristas
para o contrabando de bebidas alcóolicas. Porém, nesse processo, os
gângsteres da máfia passaram a participar ativamente do quotidiano
dos sindicatos, contribuindo para que chefões como Hoffa se perpe-
tuassem no poder, nem que fosse à custa do assassinato de oponentes.

O processo, segundo Jacobs (2007), é o mesmo que permitiu à Cosa


Nostra alcançar poder, influência e notoriedade. Confira:

| processo de infiltração no movimento sindical

1O 2O 3O
A organização A família mafiosa Esse poder é usado
infiltra-se no consolida seu poder para que a família se
movimento por meio de fraudes e torne parte da
trabalhista. da violência. estrutura do poder
político e econômico
do ambiente urbano.

Primeiro, a organização conseguiu se infiltrar no movimento traba-


lhista; depois, a família mafiosa conseguiu consolidar seu poder por
meio do patrocínio de fraudes e da violência; finalmente, todo esse
poder foi usado para que a família pudesse se tornar parte da estru-
tura do poder político e econômico do ambiente urbano dos Estados
Unidos no século XX.

Nesses termos, a Cosa Nostra é historicamente referida como “sindicato


do crime”, numa alusão, em exagero, a sua estrutura, seu desdobra-
mento nacional, número de afiliados etc. O vínculo da organização,
de fato, com os sindicatos é muito mais tênue do que qualquer alusão
metafórica com os sindicatos propriamente ditos, não obstante a his-
tória de ambos com o crime se mostrarem intimamente intrincadas.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 201
3.3 Principais organizações
criminosas latino-americanas
(Parte 1)
Você sabia que existe uma plataforma digital que se dedica ao estudo
do crime organizado na América Latina e no Caribe? A plataforma
InSight Crime divulga o conteúdo da fundação InSight, e considera
que o crime organizado é a principal ameaça à segurança nacional e
à cidadania na região.

A plataforma informa que sua missão é aprofundar o debate sobre


o crime organizado na América Latina e no Caribe, proporcionando
informações periódicas, análises e investigações sobre o tema e as
iniciativas empreendidas pelos países da região para enfrentá-lo.

Fonte: Wikipedia.

Entre as principais iniciativas utilizadas para cumprir sua missão,


a plataforma produz investigações e informações sobre o crime orga-
nizado e suas múltiplas manifestações, incluindo seu impacto sobre os
direitos humanos, os governos, a política de drogas e outros problemas
sociais, econômicos e políticos. Além disso, há o desenvolvimento de
uma rede de investigadores que estudam o crime organizado.

Em 2020, a InSight Crime organizou uma lista com as dez organizações


criminosas com maior poder e influência na região. Para chegar a essa
lista, a fundação apurou, de forma metodológica, a definição de dez
categorias que permitiram comparar as organizações entre si. Confira:

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 202
Indicador Definição

1. Estrutura Estrutura político-militar que garante resiliência e coesão


à organização.

2. Liderança central Poder centralizado em um líder ou em um grupo de líderes,


a exemplo das organizações mafioides.

3. Identidade/ideologia Identidade, código ou ideologia que facilita o recrutamento de


novos integrantes, com vistas ao fomento de uma reputação e
de uma marca própria garantindo a lealdade de seus membros.
As estruturas criminosas com maior êxito ao longo da história,
como a máfia siciliana e a Yakuza, criaram uma mitologia
que se traduz em um estrito código de conduta que inclui,
inclusive, ritos de iniciação. Trata-se, em última instância, de
justificativas morais calcadas em ideologias como o marxismo-
leninismo, ou em ideologias de defesa de território, como
vimos no nascedouro da máfia siciliana.

4. Poderio econômico Corresponde não somente à acumulação de poder econômico,


mas também à diversidade do portfólio criminal e à capacidade
de absorver perdas. Nessa categoria também se encontra a
capacidade que a organização possui de lavar dinheiro.

5. Penetração no Estado Capacidade que a organização possui de evitar que o Estado


não interfira negativamente ou contribua com seus negócios.
Isso é possível pela corrupção ou pela infiltração de criminosos
na estrutura do Estado, inclusive por vias legítimas, tais quais
eleição, nomeação em cargos comissionados, nomeação em
conselhos e assinatura de contratos.

6. Ameaças ou exercício da violência A violência e o crime organizado são quase que indivisíveis na
América Latina. Na ausência de recursos legais para o cumprimento
de acordos, a reputação violenta constitui elemento-chave para a
realização dos negócios.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 203
Indicador Definição

7. Efetivo e capacidade militar Quantidade de combatentes que a organização possui à sua


disposição e capacidade de realizar operações sofisticadas e precisas
ao estilo militar para facilitar e proteger os empreendimentos
criminais. Esse critério também envolve o treinamento de novos
agentes do crime para a realização dessas atividades.

8. Alianças criminais Capilaridade e capacidade de se articular em rede com outras


organizações criminais.

9. Influência territorial e governança Capacidade de controlar áreas geográficas (territórios).


criminal Isso envolve o controle de rendas ilegais e o impedimento de
invasões por grupos rivais. Além disso, há a criação de governos
paralelos com a cobrança de taxas e a aplicação da justiça privada
(tribunais do crime, justiçamentos etc.)

10. Longevidade Tempo de existência do grupo criminoso.

Metodologia Empregada pela InSight Crime para


medir e comparar os grupos criminosos que atuam
na América Latina e no Caribe.
Fonte: InSight Crime (2020).

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 204
O resultado da pesquisa realizada pela plataforma acerca das dez maiores
organizações criminosas da América Latina em 2019 foi o seguinte:

ESTADOS UNiDOS

3
9 MAR
4 DO
MÉXiCO
CARiBE

7
10
1 Exército Nacional de Libertação (ENL) 1
EL SALVADOR 5
8
2 Primeiro Comando Capital (PCC) COLÔMBiA

3 Cartel de Sinaloa
BRASiL
2
6
4 Jalisco Cartel Nova Geração (CJNG)
OCEANO
5 Ex-FARC Máfia PACÍFiCO

6 Comando Vermelho (CV)

7 MS-13

8 Autodefesas Gaitanistas de Colombia (AGC)

9 Cartel do Golfo

10 Barrio 18

Fonte: Adaptado de InSight Crime (2020).


Nos tópicos a seguir, você terá a oportunidade de conhecer um pouco
sobre algumas dessas organizações internacionais, considerando que
o PCC (número dois no ranking) e o CV (número seis no ranking) serão

RA analisados em outro momento. Avance e confira!

Enquadre no seu celular


ou tablet o código de
REALIDADE AUMENTADA
do aplicativo Zappar para 3.3.1 Exército de Libertação Nacional –
assistir ao vídeo sobre as
principais organizações
ELN (Colômbia)
criminosas do Brasil.
São muitas as fontes que tratam do Exército de Libertação Na-
cional da Colômbia (ELN) como objeto de estudo acadêmico ou de
atenção midiática.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 205
Exército de Libertação Nacional.
Foto: DW.

Ainda que o ELN não constitua um cartel de drogas explicitamente, ele


figura, conforme apontado pela organização InSight Crime, no topo
da lista das dez maiores organizações criminosas da América Latina.
Todas as outras nove organizações possuem maior ou menor relação
de pertencimento direto com o narcotráfico. Vale destacar alguns fatos
acerca do ELN (AFP, 2017). Confira:

Podcast transcrito

O Exército da Libertação Nacional, conhecido pela


sigla ELN, foi fundado no dia 4 de julho de 1964 por
sindicalistas e estudantes, muitos dos quais haviam
recebido formação em Cuba e eram simpatizantes de
Ernesto “Che” Guevara, teórico e estrategista da guerra
de guerrilha, figura comunista proeminente na Revolução
Cubana (1956-1959) e líder guerrilheiro na América do
Sul. No ano seguinte, se uniu ao ELN o padre colombiano
Camilo Torres, seguido por três sacerdotes espanhóis,
entre eles Manuel Pérez, que chegou a comandar a
guerrilha. Esses religiosos eram expoentes da Teologia da
Libertação, corrente da Igreja católica latino-americana
que reivindica a luta a favor dos mais pobres.

Essa influência religiosa se mantém até hoje. O ELN conta


com 1.500 combatentes e milhares de milicianos, segundo
o governo, embora a guerrilha afirme que esse número seja
muito maior, e é liderado por Nicolás Rodríguez Bautista,
“Gabino”, que ingressou em suas fileiras quando tinha
14 anos. Gabino impulsionou uma agenda nacionalista
centrada no controle dos recursos naturais.

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MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 206
O ELN tem como alvos militares a infraestrutura energética e as
transnacionais presentes no país, além de recorrer ao sequestro e à
chantagem para o seu financiamento.

O que diferencia o ELN das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia


(FARC)? As duas guerrilhas foram financiadas pelo narcotráfico, pela
mineração ilegal, pela extorsão e pelo sequestro. “Se há uma guerrilha
sequestradora, é o ELN”, afirmou Jorge Restrepo, diretor do Centro de
Recursos para Análises do Conflito (CERAC).

| diferenças entre as FARC e o ELN

AS FORÇAS ARMADAS O EXÉRCITO


REVOLUCiONÁRiAS DA DA LIBERTAÇÃO
COLÔMBiA (FARC): NACIONAL (ELN):

Foram uma organização muito vertical. Tem uma estrutura mais “federada”,
com voz própria em cada frente.
Foram desarmadas e convertidas
em um partido político. Tem menor capacidade de fogo.

Tiveram maior capacidade de fogo. Sua base social, composta por


milicianos, é mais ampla.
Ênfase nas negociações de paz no
desenvolvimento agrário e na Ênfase na participação da sociedade
repartição de terras. nos diálogos.

A organização InSight Crime não retrata o ELN de maneira distan-


ciada do narcotráfico. Observe acerca disso em alguns fragmentos
da matéria dessa organização:

O último exército rebelde da Colômbia é agora o sindicato


criminoso mais poderoso da América Latina, à medida que se
expande pela Colômbia e pela Venezuela, aprofundando seu
envolvimento no tráfico de drogas. O Exército de Libertação
Nacional tem resistido aos melhores esforços do governo
colombiano e de seu aliado norte-americano por mais de
cinco décadas. Amigos em posições importantes em Caracas
estão ajudando o ELN a se tornar um exército revolucionário
venezuelano-colombiano, com profundas consequências
para as duas nações e para o panorama criminoso regional.

(INSIGHT CRIME, 2020)

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MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 207
É aqui que o ELN se destaca com sua estrutura político-militar, que
sobreviveu às ofensivas de governos colombianos apoiados pelos EUA,
paramilitares de direita e outros grupos criminosos colombianos por
mais de cinco décadas.

Apesar de ter sido quase eliminado várias vezes, o ELN sempre


se recuperou, reconstruindo e compartimentando ainda mais
sua estrutura e aumentando sua resiliência a todas as formas de
ataque. As divisões de combate, ou frentes de guerra (Frentes de
Guerra), fornecem o quadro estrutural e, em seguida, as frentes
individuais (frentes) agem como batalhões militares, divididos em
empresas e unidades.

Não existem outras estruturas criminosas, exceto a ex-máfia das


FARC, que possam competir com esse tipo de coesão quase militar.
A natureza das gangues de prisão é resistente, mas fragmentada,
como o Primeiro Comando da Capital (PCC), Comando Vermelho
(CV), MS13 e Barrio 18, com base em torno de diferentes prisões e
diferentes facções, o que significa que eles operam mais como uma
franquia do que como uma organização centralizada.

O Cartel de Sinaloa, após a captura de Joaquín Guzmán Loera, co-


nhecido como El Chapo, pode ter visto mais poder concentrado nas
mãos de Ismael Zambada García, conhecido como El Mayo, mas é uma
federação de elementos diferentes e frequentemente desconectados,
cada um com grande autonomia e independência de ação.

Agora que você entendeu um pouco mais sobre o ELN e relacionou


sua atuação com as FARC, siga para os próximos tópicos, neles você
conhecerá outras organizações, suas características e funcionamentos.

3.3.2 Cartel de Sinaloa (México)

No terceiro lugar no ranking da InSight Crime, temos o Cartel de Sinaloa.

O Cartel de Sinaloa é reconhecido pelo governo norte-americano


como sendo uma das maiores organizações do narcotráfico no
mundo. Desde sua fundação, em 1980, a organização foi dirigida
por um criminoso que ganhou as páginas de livros e jornais, além
das telas: Joaquín Guzmán, o El Chapo.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 208
O Cartel de Sinaloa é reconhecido pelo emprego de violência ex-
trema, para a consecução de seus objetivos. Sequestros, tortura e
assassinatos de rivais estão entre as principais práticas do grupo,
que também se notabilizou por seu arsenal bélico. O próprio El
Chapo, líder desse verdadeiro império do crime, possuía um fuzil
Ak-47 de ouro (BBC, 2019).

Em julho de 2019, a organização sofreu um duro golpe. El Chapo foi


sentenciado pela Justiça norte-americana à pena de prisão perpétua.
Entre as principais acusações que pesaram na pena, estão o tráfico
internacional de cocaína, heroína e maconha, além da manutenção
de uma folha de pagamento da qual constavam traficantes, seques-
tradores e assassinos.

CULiACÁN

PRiNCiPAiS ÁREAS
GEOGRÁFiCAS
CiDADE DO MÉXiCO
Sinaloa

Áreas de influência do Cartel de


Sinaloa no México. Tierra Caliente
Fonte: Adaptado de BBC (2019).
Tamaulipas

Mesmo com a prisão de El Chapo e a guerra interna e com grupos


rivais no vácuo do poder, o Cartel de Sinaloa se mantém poderoso
e influente. Sua presença continua significativa em cidades de uma
extensa região que vai de Buenos Aires a Nova York.

Homens armados do cartel, incluindo comandos em


caminhões equipados com metralhadoras de alto calibre,
conseguiram deter e ameaçar as forças de segurança
federais e exigir a libertação do filho de El Chapo da
custódia. [...]. Em 2015, o presidente da McEwan Mining,
listado em Toronto, causou um pequeno escândalo no
México depois de dizer que sua empresa geralmente tinha
um bom relacionamento com grupos do crime organizado
em Sinaloa, após o roubo de US $ 8,5 milhões em ouro de
uma das instalações da empresa.

(FLANNERY, 2020)

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MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 209
A rede e amplitude de atuação da organização é responsável por ne-
gócios em bilhões de dólares como o tráfico de drogas para os Estados
Unidos da América, Europa e Ásia.

dica de mídia

A série “El Chapo” (Netflix) retrata a ascensão, a captura


e a fuga do notório chefe do Cartel de Sinaloa, cujo
verdadeiro nome é Joaquín Guzmán.

Você sabia que algumas investigações já demonstram ligações entre


o Cartel de Sinaloa e o Primeiro Comando da Capital? Em 2019, Décio
Gouveia da Silva, “Decinho”, foi preso em Arraial do Cabo no Rio de
Janeiro. No telefone de Décio foram encontradas informações que o
relacionavam com o Cartel de Sinaloa. Décio era o homem de con-
fiança de Marcos Willians Herbas Camacho, “Marcola”, chefe do PCC.

Por meio da prisão de Décio, a polícia chegou ao braço responsável


pela logística de transporte de drogas realizado por uma célula
que operava as transações entre o PCC e o Cartel de Sinaloa, sob
a liderança do empresário português Mauro Cláudio Monteiro
Loureiro, “Murruga”.

Segundo alguns dados (OBID, 2020), na operação foram apreendidos


veículos de luxo, cocaína, armas e nove aeronaves. Os aviões faziam
parte de uma frota utilizada para transporte de drogas, armas e dinheiro.

Aeronaves apreendidas por possível braço conjunto


do PCC com o Cartel de Sinaloa.
Foto: UOL.

Conheça a seguir o Cartel de Jalisco, no México, e suas influentes


rotas de tráfico.

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MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 210
3.3.3 Cartel de Jalisco – Nova Geração
(México)

O Cartel de Jalisco Nova Geração (CJNG) é a quarta organização cri-


minosa no ranking da InSight Crime. Ele também é chamado Los
Matazetas devido ao ferrenho antagonismo ao cartel Los Zetas.

AGUASC A L i ENT ES
NAYA RI T Aguascalientes

Tepic

Guadalajara

JA L I SCO
Morelia
Colima
Jalisco é um dos Estados do México, M I C H OAC ÁN
sua capital é Guadalajara. COL I M A
Foto: Adaptado de Family Search.

Para se ter ideia da periculosidade do CJNG, ele já desferiu vários


ataques contra as forças de segurança mexicanas. O Cartel de Sinaloa
é um grupo rival do CJNG, e também é supostamente de onde viriam
suas origens: Essas duas organizações estão envolvidas em uma dis-
puta ferrenha pelo estratégico corredor de distribuição de drogas, que
vai de Tijuana, no México, a San Diego, na Califórnia (KORTE, 2020).

ESTADOS UNIDOS
CALIFÓRNIA
ARIZONA
NOVO MÉXICO

BAIXA
CALIFÓRNIA

SONORA
CHIHUAHUA

MÉXICO COAUiLA
DE SARAGOÇA

BAIXA
CALIFÓRNIA
DO SUL
Proximidade entre
San Diego e Tijuana.

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MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 211
Segundo um relatório do Departamento de Justiça dos Estados Unidos
(2019), o CJNG é uma das organizações criminosas que mais crescem
em poder e influência. Em Guadalajara, o cartel possui centrais de
distribuição em cidades norte-americanas como Los Angeles, Nova
York, Chicago e Atlanta. Já em seu país de origem, o grupo está em
24 dos 32 estados.

| Rotas de drogas no méxico

ESTADOS UNiDOS
San Diego Mexicali
Douglas El Paso
Tijuana
Juarez
Nogales Agua
Prieta
Nuevo
Laredo
GOLFO
Laredo
DO
McAllen MÉXiCO
OCEANO
PACÍFiCO Reynosa
de origem da Colômbia,
Venezuela e Brasil
Culiacan

Mazatlan
Tampico
Merida Cancun

Puerto
Vallarta Veracruz
Cidade do
de origem da Ásia México
Lazaro
Cardenas
Acapulco
HONDURAS

Tráfico de cocaína

Ephedra (utilizada como precursora


para fabricação de metanfetamina)

Maconha e metanfetamina
de origem da Colômbia
Drogas em geral

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MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 212
Uma das principais estratégias usadas em sua rápida expansão tem
glossário sido o confronto violento com as forças governamentais mexicanas
e com os cartéis rivais. O CJNG possui uma longa lista de assassinatos
de policiais e outros agentes do Estado, além das inúmeras chacinas.
O fentanil é um semelhante sintético
da heroína. A substância, originária Tal quais outros grupos criminosos do México, o CJNG tem atuado na
primariamente da China e do México, produção, no atacado e no varejo de diversos tipos de drogas, como
está na categoria das drogas ilícitas mais metanfetamina, cocaína, heroína e fentanil.
letais em uso abusivo nos Estados Unidos,
responsável por um elevado número de
mortes no país e no mundo.

Uma dose letal de heroína (à esquerda) e uma


dose letal de fentanil (à direita).
Foto: Fundação para um Mundo Sem Drogas.

Não fugindo à regra vigente na América Latina, o Cartel de Jalisco Nova


Geração também possui como uma de suas características mafioides
a busca de legitimação moral nos territórios que controla.

A organização faz isso invocando solidariedade e prometendo livrar


as áreas das operações de outros grupos criminais, como é o caso dos
Zetas. Durante a crise do coronavírus, em junho de 2020, por exemplo,
o CJNG distribuiu brinquedos para crianças em uma comunidade onde
enfrentava rivais. O grupo também, durante a pandemia, distribuiu
caixas de itens de primeira necessidade em várias partes do país,
incluindo Guadalajara, a segunda maior cidade mexicana.

saiba mais

Para saber mais sobre o Fentanil, acesse o link para


a matéria do G1 sobre parceria entre a PF e a polícia
dos EUA contra o tráfico internacional de opioides,
disponível em: https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/
noticia/2019/07/16/em-parceria-com-policia-do-
eua-pf-faz-operacao-em-sc-e-sp-contra-o-trafico-
internacional-de-opioide.ghtml.

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MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 213
Veja a seguir algumas informações relacionadas às ex-Forças Armadas
Revolucionárias da Colombia, organização criminosa que disputava
espaço com o ELN, como você viu anteriormente.

3.3.4 Ex-FARC máfia (Colômbia)


A plataforma InSight Crime (2020) relata que a ex-FARC máfia surgiu
após o acordo de paz entre as Fuerzas Armadas Revolucionarias de
Colombia (FARC) e o governo colombiano em 2016.

Conheça a seguir a história das FARC:

Podcast transcrito

As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia foram


criadas pelo ex-comandante liberal Pedro Antonio Martin,
em 1964. O grupo, que perdura até os dias atuais, defendia
a igualdade de renda, além da reforma agrária, e possuía
cerca de 18 mil guerrilheiros na década de 1990. Por conta
disso, era responsável por ocupar uma área territorial de
40% da Colômbia.

A população que via nas forças armadas (FARC) um


caminho para se livrar da corrupção, além de acreditar
em igualdade social, passou a enxergar as FARC de forma
diferente. Por conta disso, grande parte da população
colombiana hoje é contrária à existência do grupo no país.

Em razão das relações políticas e econômicas com os


Estados Unidos, a Colômbia conseguiu um financiamento
do Exército Nacional que fez com as FARC diminuíssem
seu poderio. Assim, o grupo das forças armadas foi
obrigado a povoar as fronteiras dos países mais próximos.
A ação abalou a força do grupo, que perdeu grande parte
dos guerrilheiros. Hoje o grupo é formado por menos da
metade dos guerrilheiros, totalizando oito mil.

A organização se aproveita da experiência de ex-combatentes des-


mobilizados e do discurso ideológico das FARC para criar uma
glossário
marca própria.

Das FARC, a ex-FARC máfia também herdou a organização paramilitar.


Ex-combatentes desmobilizados são As divisões, ou frentes de guerra, constituem o marco estrutural para
combatentes que deixaram o movimento as frentes individuais que atuam como batalhões militares. Estes, por
ideológico revolucionário. sua vez, são divididos em companhias e pelotões, a exemplo das forças
militares regulares. Com uma exceção, essa estrutura está a serviço do
crime organizado e do narcotráfico internacional.

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MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 214
Foto: © [Bumble Dee] / Adobe Stock.

Em um trabalho intitulado “Chronicle of a Threat Foretold: the


ex-FARC Mafia”, ou, na tradução livre para o português, “Ex-FARC
máfia: crônica de uma ameaça anunciada”, McDermott (2019) afirma
que era previsível que pudesse haver dissidentes das FARC que não
aceitariam um acordo de paz com o governo colombiano. O problema
está no fato de esse número ser muito elevado a ponto de a ex-FARC
máfia estar crescendo tão rapidamente que o próprio processo de paz
na Colômbia está sendo posto em risco.

Foto: © [hobbitfoot] / Adobe Stock.

Atualmente, há cerca de 3.000 combatentes desertores das FARC,


quase 20% do efetivo total do grupo revolucionário marxista que foi
desmobilizado. Entre os dissidentes, estão figuras que há pouco tempo
ocupavam o alto escalão das FARC, como é o caso de Ivan Márquez,
que, antes de desertar e voltar para as armas era o segundo homem
de toda a guerrilha e peça-chave nas negociações de paz.

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MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 215
Ivan Márquez.
Foto: Gazeta do Povo.

Ainda segundo Insight Crime (2019), do ponto de vista econômico,


as atividades criminais que sustentaram as FARC por mais de cinco
décadas estão mais lucrativas do que nunca, com a Colômbia atingindo
recordes na produção de cocaína.

Imagem ilustrativa de um traficante produzindo cocaína.


Foto: © [Gorodenkoff] / Adobe Stock.

A questão fica ainda mais complexa, principalmente para os países


que recebem as substâncias traficadas pela organização, como Brasil
e Estados Unidos, uma vez que a ex-FARC máfia atua para além do
mercado de cocaína. Os negócios da organização têm também abar-
cado a produção de derivados da papoula, como a heroína.

O contrabando e o sequestro eram uma das práticas utilizadas pelas


FARC, com o intuito de manter o armamento e ser frente aos demais
grupos políticos da Colômbia. Entretanto, com o passar dos anos,
o narcotráfico começou a se intensificar dentro da organização, além
de várias ações violentas. Dessa forma, a visão de revolução que as FARC
passavam deu lugar ao terrorismo. Isso porque, na década de 1980,
as FARC estavam constantemente envolvidas com a venda de drogas.

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MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 216
Guerrilheiros das Forças Armadas
Revolucionárias da Colômbia.
Foto: © [unisinos] / Conhecimento científico.

Avance para o próximo tópico e continue seus estudos.

3.4 Principais organizações


criminosas latino-americanas
(Parte 2)
Continuando o estudo das dez organizações criminosas apresentadas
na plataforma digital InSight Crime, veja a seguir a história do MS-13
(El Salvador), da Urabenhos, ou Autodefensas Gaitanistas de Colombia
(AGC), do Cartel do Golfo (México) e do Barrio 18 (El Salvador).

3.4.1 MS13 (El Salvador)

A organização criminosa MS-13 está em atividade há mais de quarenta


anos e seu nome é a sigla para Mara Salvatrucha. “Mara” é gangue,
“salva” é salvador e “trucha” significa malandros da rua. Por sua vez,
o número 13 representa a posição da letra M no alfabeto.

Todo esse tempo de atuação coloca a organização em destaque no


ranking da InSight Crime (2020) no critério longevidade.

Com a eleição do presidente Donald Trump, a MS-13 passou a estar


nos holofotes quando o assunto é a associação da criminalidade
com a imigração ilegal nos Estados Unidos (BRUM, 2018). Em sua
trajetória, a organização tem deixado um rastro de crimes praticados
com extrema violência como tráfico de drogas, assassinatos de rivais,
latrocínios e estupros.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 217
A gang MS-13 de El Salvador na mira do
Departamento do Tesouro dos Estados Unidos.
Foto: BBC.

A MS-13 tem sua origem em Los Angeles na década de 1980. Confira:

Seus primeiros integrantes eram principalmente


imigrantes que fugiam da Guerra Civil de El Salvador.

Seus membros são imigrantes de outras regiões e países:

Caribe Honduras México Guatemala

Portanto, no DNA da MS-13 está a violência brutal vivenciada nos


tempos de conflito armado em El Salvador, uma violência exacerbada
que persiste por décadas. O país é considerado um dos mais violentos
do planeta. Trata-se de uma violência quase sempre associada às
atividades das gangues, que também são conhecidas como maras ou
pandillas (ROQUE, 2012).

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 218
| As cidades com os maiores índices de homicídios em 2016

San Luis

Victoria
Acapulco San Pedro Sula
Distrito Central Valencia
San Salvador Caracas
Barquisimeto Maturín
Cumaná
Ciudad Guayana

Belém
Natal

Feira de Santana Aracaju


Salvador Vitória da Conquista

Campos dos Goytacazes

Cidade do Cabo

HOMiCÍDiOS PARA CADA 100.000 HABiTANTES

Caracas Venezuela 130,35


Acapulco México 113,24
San Pedro Sula Honduras 112,09
Distrito Central Honduras 85,09
Victória México 84,67
Maturín Venezuela 84,21
San Salvador El Salvador 83,39
Ciudad Guayana Venezuela 82,84
Valencia Venezuela 72,02
Natal Brasil 69,56
Belém Brasil 67,41
Aracaju Brasil 62,76
Cidade do Cabo África do Sul 60,77
San Luís Estados Unidos 60,37
Feira de Santana Brasil 60,23
Vitória da Conquista Brasil 60,10
Barquisimeto Venezuela 59,38
Cumaná Venezuela 59,31
Campos dos Goytacazes Brasil 56,45
Salvador Brasil 54,71

Fonte: Adaptado de Consejo Ciudadano para a


Segurança Pública e a Justicia Penal (DW, 2017).
A guerra civil de El Salvador, a despeito do processo de pacificação
nacional pela ONU, em curso ao longo dos anos 1980 e início dos
anos 1990, talvez explique parte de um contexto de violência ex-
trema, capaz de favorecer algo tão anômalo quanto a existência da
MS-13 (ROQUE, 2012).

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 219
Forte presença policial em várias cidades de El Salvador
por conta da extrema violência das gangues.
Foto: © [Matt Chandler, Al Jazeera] / William J. Perry
Center for Hemisferic Defense Studies.

Veja, a seguir, por que a MS-13 é uma das principais ameaças dos EUA.

Podcast transcrito

A MS-13 atualmente representa uma das principais ameaças


aos países da América do Norte e Caribe, em termos não
apenas da criminalidade comum, mas também em termos
políticos, econômicos e militares. A organização se destaca
pela versatilidade de atuação, ajustando-se de país para
país e acumulando vitórias sobre grupos rivais e mesmo
sobre as agências governamentais. Quando necessário,
a MS-13 inclusive parte para a eliminação física de agentes
públicos, chegando a situações de assassinato de 40
pessoas em um só dia, a fim de extorquir os governantes a
cederem às suas estratégias.

A MS-13 talvez seja a gangue de rua com maior poder e


influência no hemisfério ocidental, segundo a InSight
Crime. Isso porque sua presença não se limita mais apenas
às ruas americanas como nos tempos de seu nascimento.
Uma política iniciada ainda no Governo Bill Clinton teve
grande impacto nesse processo de metástase:
a deportação de membros da gangue para os seus
países de origem. Houve momentos em que dezenas de
criminosos eram repatriados por dia. Criminosos que,
ao chegarem em países como El Salvador, já não possuíam
significativas conexões sociais, culturais e principalmente
com o mercado de trabalho. Daí, a tendência foi se
moverem para aquilo que já estavam acostumados a fazer:
a atividade criminal em gangue.

A gangue ficou famosa por seus atos de violência extrema,


como matar usando facões, por exemplo. De acordo com o
FBI, Polícia Federal americana, a MS-13 já está presente em
46 dos 50 estados americanos.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 220
Em 2012, o governo americano classificou a gangue como uma orga-
nização criminosa transnacional. Foi a primeira gangue de rua a ser
descrita dessa forma, equiparando-se, portanto, a grandes organi-
zações criminosas internacionais, como a mexicana Zetas, a japonesa
Yakuza e a italiana Camorra. Segundo um especialista do FBI que
investiga o grupo, o lema da MS-13 é “matar, estuprar e controlar”.

Uma das atividades criminais da MS-13 é servir de


entreposto para cocaína que vem da Colômbia e do Brasil
em direção à América do Norte.

(FARAH; BABINEAU, 2018, p. 25)

Ilustrando essa situação, podemos citar as alianças criminais entre


a MS-13 e o PCC (PINTO, 2018). Com o tempo, o problema chegou às
dimensões atuais, as quais os Estados caribenhos já não conseguem
administrar. Um efeito paralelo desse quadro foi o surgimento de
grupos antimaras, compostos por policiais e militares em atividade
ou expulsos das corporações, um cenário que se assemelha muito à
realidade das milícias do Rio de Janeiro.

3.4.2 Urabenhos, ou Autodefensas


Gaitanistas de Colombia – AGC
(Colômbia)
Os Urabenhos são a oitava organização criminosa no ranking da
InSight Crime, também conhecidos como Clã do Golfo, Clã Úsuga
ou Autodefensas Gaitanistas de Colombia. A organização possui
uma estrutura rígida e centralizada como principal característica.
De acordo com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DEA,
2019), trata-se do grupo armado organizado (GAO) com maior pre-
sença no território colombiano.

Autodefesas Gaitanistas da Colômbia anunciam


greve sob força das armas.
Foto: © [Hechoencali] / Contagio Radio.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 221
Os Urabenhos mantêm suas atividades a partir do tráfico de drogas
e de uma estrutura paramilitar. Desde sua origem, em meados dos
anos 2000, a organização tem expandido suas operações pelo Norte
da Colômbia e outras regiões do país, beneficiando-se do enfraque-
cimento de rivais, como as FARC.

Em que pese sua atual expressão nacional, os Urabenhos mantêm sua


base de atuação em Urabá, na região Noroeste do país. Utilizando-se
dessa posição geográfica privilegiada, com acesso às costas pacíficas
e caribenhas, a organização criminosa envia, principalmente por
via marítima, cocaína para o Panamá (país que faz fronteira com a
Colômbia) e outros países da América Central.

MAR DO CARiBE

GOLFO DE DARiÉN
PANAMÁ

GOLFO DE
URABÁ

REGiÃO DE
GOLFO DO DARiÉN
PANAMÁ

COLÔMBiA
Golfo de Urabá.

OCEANO PACÍFiCO

Veja a seguir a história do surgimento dos Urabenhos.

Podcast transcrito

Os Urabenhos surgiram após a derrocada dos


movimentos paramilitares colombianos, sobretudo das
Autodefensas Unidas de Colombia (AUC). As origens
da organização remontam aos tempos de um notório
chefe paramilitar chamado Vicente Castaño, que, como
tem ocorrido com as lideranças das FARC, se separou do
movimento de desmobilização, que consiste na entrega
das armas por parte de grupos armados organizados
de perfil ideológico em favor da reintegração de seus
membros à sociedade, e abraçou o crime comum, levando
consigo boa parte de seus ex-liderados.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 222
Parte do rápido sucesso da organização, com pouco
tempo de existência, dá-se pela adoção dos símbolos,
identidades e justificativas morais de seus predecessores.
Além disso, como é típico no mundo do narcotráfico,
outra estratégia utilizada para a escalada do grupo na
hierarquia das organizações criminosas foi o emprego
exacerbado da violência.

Gordillo Aldana (2018, p. 73), coloca a questão nos seguintes termos:

Los Urabeños e Clan Úsuga implementaram ações como


desaparecimento, deslocamento forçoso individual,
assassinatos seletivos, tortura e esquartejamento.
Ações que foram além da morte das pessoas, já que
procuravam espalhar e manter a sensação de medo
e inquietação mediante as “casas de pique” e as
“acuafosas”, locais que estruturaram a latência da morte.

Casas de pique e acuafosas não são citadas por Gordillo Aldana em


seu sentido literal, mas sim como figura de linguagem do crime.
Acuafosas são cemitérios clandestinos. Elas são localizadas em
estuários, um ambiente aquático de transição entre um rio e o mar.
Os corpos das pessoas são jogados no rio, ou suas partes são espa-
lhadas em diferentes bairros da favela.

Para compreender melhor o que significa o termo “casas de pique”,


veja a explicação.

Casa de Pique é uma estratégia de tortura coletiva, que se


baseia no sequestro da pessoa, tortura, desmembramento da
pessoa viva e desaparecimento do corpo ou repartição dos
membros do corpo em diferentes locais da vila. Mecanismo que
tem como lógica a comunicação do terror.

(SALLAS E GORDILLO, 2017)

Os dois primeiros casos têm um forte componente de desapareci-


mento, no entanto as famílias se restringem a pegar os corpos no rio
ou procurá-los nos esteiros. Por conta disso, o esteiro desapareceu
como fonte de pesca para converter-se em cemitério clandestino.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 223
Acredita-se que muitos dos cadáveres das pessoas desaparecidas ficam
nos esteiros Aguacatal, San Antonio, La Calavera e TCbuen. O líder co-
munitário, Manuel Bedoya, ressalvou que o governo municipal deve levar
em conta os quase dois mil cadáveres que poderiam ficam no esteiro
San Antonio durante o projeto de reestruturação do porto.

Algo que também chama atenção são as conexões dos Urabenhos


com o Primeiro Comando da Capital (PCC), na intricada logística do
narcotráfico internacional. Além disso, algo ainda mais preocupante
é a relação de ambos com o terrorismo jihadista, pessoa que
segue, defende ou participa do Jihad, da guerra santa muçulmana,
especialmente falando dos que combatem o ódio ao islã com violência.

Em uma entrevista concedida, o Embaixador Nathan A. Sales, coorde-


nador de contraterrorismo dos EUA, ao ser perguntado diretamente
sobre a parceria do Hezbollah com o PCC e com cartéis colombianos
como os Urabenhos, respondeu:

Bem, devemos sempre estar atentos a esse risco, pois os


grupos terroristas buscarão relações vantajosas, de modo
oportunista, com o crime organizado, negócios escusos,
ou com outros protagonistas malévolos. [...]
Também temos que estar atentos à natureza adaptativa
dos nossos adversários. Eles trabalharão com qualquer um
que sirva aos seus propósitos. Devemos estar atentos a isso,
observando e tomando medidas contra isso.

(GLOBAL PUBLIC AFFAIRS, 2018)

Perceba que esta não foi a única organização criminosa apresentada


até o momento que mantém relações com o PCC por conta da logís-
tica do narcotráfico internacional: a MS-13 e o cartel El Chapo foram
exemplos citados anteriormente.

saiba mais
Para mais detalhes sobre as relações do narcotráfico
latino-americano com o movimento jihadista
internacional, recomendamos que você assista à palestra
do Prof. Dr. David Odalric de Caixal i Mata, ministrada
no I Congresso Internacional de Ciências Policiais
(2018), disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=D3KHs-PYIbM.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 224
Siga para o próximo tópico e conheça o Cartel do Golfo, outra orga-
nização criminosa do México e nona no ranking da InSight Crime.

3.4.3. Cartel do Golfo (México)

O Cartel do Golfo é um dos grupos criminosos mais antigos e mais


poderosos do México. Nos últimos anos, a organização tem perdido
influência e território para grupos rivais. Em seus tempos áureos,
o chefe do Cartel do Golfo, Osiel Cardenas Guillen, era reconhecido
como o líder criminoso mais poderoso do país. Na época, o grupo era
ligado a um grupo armado que teria surgido para combater o Cartel
de Sinaloa, conhecido como Los Zetas.

Logo do Cartel Del Golfo.


Fonte: Wikimedia Commons.

Conheça a seguir a história da origem do Cartel do Golfo.

Podcast transcrito

O Cartel do Golfo teve sua origem em 1984, quando houve


uma aliança entre o empreendimento criminoso liderado
por Juan Garcia Abrego e o Cartel de Cali da Colômbia, rival do
Cartel de Medelin, do famoso narcotraficante Pablo Escobar.

Para os colombianos o negócio foi interessante, uma vez que


a aliança lhes garantiu novas rotas para os Estados Unidos,
após sucessivas perdas de “produtos” para as ações norte-
americanas na América Central. Para o Cartel do Golfo,
a aliança representou altos lucros, poder e influência.

Tradicionalmente o centro de operações da organização fica


no Estado de Tamaulipas, no México. Antes da aliança com os
colombianos, o grupo costumava traficar prioritariamente
maconha. Com a aliança, o tráfico de cocaína se tornou o
carro chefe dos negócios da organização, que hoje incluem
heroína e metanfetaminas.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 225
Uma das principais frentes de disputa do Cartel do Golfo é a região
Nordeste do México. Trata-se de uma sangrenta guerra interna entre
criminosos iniciada com o fim da cooperação entre o Cartel do Golfo
e o Los Zetas, em 2010. No cerne dessa disputa, está a rota que leva
drogas para o Texas por meio da travessia da fronteira entre o vale do
Rio Grande e a Ilha de Padre do Sul. A garantia dessa posição permite
ao Cartel do Golfo manter centros de distribuição de drogas (atacado)
em cidades como Houston e Detroit.

Apreensão de criminosos e
armamentos dos Los Zetas.
Foto: Contra Línea.

Para um paralelo entre o fenômeno das milícias no Brasil e a relação


dos Los Zetas com o Cartel do Golfo, vale a pena ler um trecho de
matéria publicada pela Deutsche Welle, confira:

Los Zetas são formados por um grupo de soldados de elite


altamente treinados, que foram enviados ao estado de
Tamaulipas para combater o narcotráfico no final dos anos
90. Contudo, os soldados mais bem treinados acabaram
entrando nas fileiras do crime. [...] O que é mais preocupante
no Brasil é justamente o fato de as milícias serem formadas
por agentes estatais ativos, treinados, equipados e
‘altamente violentos’. Existem diversos grupos de milícias em
todo o país, mas, devido ao anonimato em que trabalham,
não se sabe a quantidade exata de grupos ou quantos
membros eles possuem.

(HERNÁNDEZ, 2019)

Para finalizar seu estudo acerca das principais organizações criminosas


mafioides da América Latina, veja a seguir o Barrio 18, de El Salvador.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 226
3.4.4 Barrio 18 (El Salvador)
O Barrio 18 ocupa a 10º posição no ranking da InSight Crime. O Barrio
glossário 18, tal qual o MS-13, evoluiu no Triângulo Norte após a deportação
em massa de criminosos dos Estados Unidos no início dos anos 2000.

El Salvador, Honduras e Guatemala, são Esse grupo criminoso possui a mesma natureza de gangues de prisão
países conhecidos como o Triângulo Norte como o Primeiro Comando da Capital (PCC), o Comando Vermelho
da América Latina (TNAC), uma das regi- (CV) e a MS-13. Como os exemplos citados, o Barrio 18 é resistente,
ões mais violentas do mundo. contudo, fragmentado, com bases de operações em torno de diferentes
prisões e diferentes facções, operando mais como uma franquia do
que como uma organização centralizada.

Detentos do Barrio 18 e suas tatuagens.


Foto: © [TWITTER @PRESIDENCIASV]/ Época.

Tal qual a sua rival, a MS-13, o Barrio 18 tem crescido rapidamente.


Ambos os grupos se caracterizam pela adoção de rituais de iniciação e
do uso de tatuagens que formam um uniforme e marcam claramente
pertencimento e lealdade.

No aspecto mafioide, a MS-13 adota como causa moral a proteção


dos integrantes do grupo, à semelhança do PCC e do Comando
Vermelho no Brasil. Por sua vez, o Barrio 18, como as demais
gangues de prisão e organizações mafioides, mantém o
antagonismo natural às forças do Estado.

Porém, isso não o impediu de negociar tréguas com o governo de El


Salvador a partir de 2012. O mesmo também ocorreu com o MS-13,
e mostra que até mesmo as gangues mais brutais podem se abrir ao
diálogo e à política. O problema é que isso muitas vezes se dá pela
penetração ou infiltração de criminosos na estrutura do Estado.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 227
saiba mais
Sobre o diálogo com lideranças criminosas com vistas à
obtenção de tréguas em face de violência conflagrada, vale
a pena assistir o depoimento do ex-comandante-geral da
Polícia Militar do Estado de São Paulo, Coronel Elizeu Eclair
Teixeira Borges, sobre o fim da explosão de violência havida
naquele Estado por ocasião de ações perpetradas pelo PCC
em 2006, disponível em: https://www.facebook.com/
ibsporg/videos/717874988801850/ (minuto 55).

Você chegou ao final da terceira unidade, vamos retomar os principais


pontos estudados?

Existe uma persistente relação histórica entre o


movimento sindical dos Estados Unidos e a máfia,
e outras expressões do crime organizado.

As fontes que inspiraram os contornos legais da


organização sindical no Brasil e nos Estados Unidos da
América eram as mesmas, durante a década de 1930.

A plataforma InSight Crime divulga o conteúdo da


fundação InSight e considera que o crime organizado
é a principal ameaça à segurança nacional e à
cidadania na região.

A fundação InSight Crime apurou dez categorias


para medir e comparar os grupos criminosos que
atuam na América Latina e Caribe:

1 Estrutura
2 Liderança central
3 Identidade/ideologia
4 Poderio econômico
5 Penetração no Estado
6 Ameaças ou exercício da violência
7 Efetivo e capacidade militar
8 Alianças criminais
9 Influência territorial e governança criminal
10 Longevidade

A fundação InSight Crime elencou o top 10 grupos


criminosos de 2019:

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR
1 Exército Nacional de Libertação (ENL) 228
2 Primeiro Comando da Capital (PCC)
3 Cartel de Sinaloa
9 Influência territorial e governança criminal
10 Longevidade

A fundação InSight Crime elencou o top 10 grupos


criminosos de 2019:

1 Exército Nacional de Libertação (ENL)


2 Primeiro Comando da Capital (PCC)
3 Cartel de Sinaloa
4 Jalisco Cartel Nova Geração (CJNG)
5 Ex-FARC máfia
6 Comando Vermelho (CV)
7 MS-13
8 Autodefensas Gaitanistas de Colombia (AGC)
9 Cartel do Golfo
10 Barrio 18

Avance para a próxima unidade e continue seus estudos.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 229
Unidade 4
OUTRAS ORGANIZAÇÕES
CRIMINOSAS DE RELEVÂNCIA

Contextualizando

Nesta unidade, você terá a oportunidade de conhecer um pouco de


uma seleção de países fora da América Latina que também sofrem
com a atuação de organizações criminosas de caráter mafioide.

4.1 Máfia russa, “Firmas”


britânicas e grupos albaneses

A máfia russa é uma denominação genérica emprestada a vários


grupos criminosos que surgiram com a desintegração da antiga
União Soviética. O processo de surgimento de tais grupos foi marcado
pela infiltração de ex-presidiários e delinquentes de todo gênero na
estrutura do Estado.

Bandeiras da União Soviética e da Rússia.


Foto: © [Onur] / Adobe Stock.

Os grupos criminosos mais ativos, à época, estavam localizados nas


cidades de São Petersburgo, Moscou, Ecaterimburgo e na Chechênia.
Desses vários grupos criminosos, o grupo chamado Círculo dos Irmãos
é um dos mais importantes no contexto do curso, por ter atuações
na América Latina, entre outros locais do mundo.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 230
O crime organizado russo se especializou em:

‹ Raptos.

‹ Fraude bancária.

‹ Contrabando de armas.

‹ Tráfico de seres humanos.

‹ Tráfico de drogas.

O FBI, em sua página institucional, trata dos Grupos do Crime Orga-


nizado Transnacional Euroasiático nos seguintes termos:

Com o colapso da União Soviética em 1991, os membros do


crime organizado se aliaram a funcionários públicos corruptos
para adquirir o controle de indústrias e recursos que estavam
sendo privatizados. Isso deu ao ‘sindicato’ uma infusão única
de riqueza e forneceu a infraestrutura para fluxos de caixa
contínuos e oportunidades de lavagem de produtos criminosos.
Em fevereiro de 1993, Boris Yeltsin, o primeiro presidente eleito
da Federação dos Estados Russos, disse: ‘O crime organizado
se tornou a ameaça nº 1 aos interesses estratégicos da Rússia
e à segurança nacional ... Estruturas corrompidas no mais alto
nível não têm interesse em reforma’.

(FBI, 2021)

Os tempos de Guerra Fria e Cortina de Ferro ainda influenciam de al-


guma forma o imaginário e o comportamento das pessoas pelo mundo.

saiba mais
Você sabia que existe uma relação entre a Adidas e a baixa
máfia russa? Leia mais sobre essa história acessando o link
para a leitura, disponível em: https://br.rbth.com/estilo-
de-vida/79586-mafia-adidas-russia.

Continue seus estudos e veja a seguir um pouco da história das


firmas britânicas.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 231
4.1.1 “Firmas” britânicas

Diferentemente do fenômeno mafioide exportado da máfia italiana


para os Estados Unidos da América, o crime organizado do Reino
Unido é constituído por organizações essencialmente locais.

Muito embora o Reino Unido seja uma sociedade multiétnica,


os “Brancos Britânicos” formam o grupo criminoso mais pre-
valente na Grã-Bretanha. Os principais grupos de organizações
criminosas estão localizados nas cidades de Londres, Liverpool,
Glasgow, Manchester e New Castle.

dica de mídia

Um recorte do estilo mafioide que imperava na Londres


dos anos 1960 e ainda persiste no submundo criminal
britânico é contado em filmes como “Os Irmãos Kray” e
“As lendas do crime”. Ambos contam a saga mafioide dos
gêmeos Ronald Kray e Reginald Kray, responsáveis por
assaltos à mão armada, ataques e assassinatos, ao mesmo
tempo que operavam uma das casas noturnas mais
famosas de Londres.

Hoje o crime organizado no Reino Unido é marcado sobretudo pelo


tráfico de drogas e pessoas em redes de prostituição, pedofilia e de
imigração ilegal, além da ameaça constante do terrorismo (NCA, 2020).

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 232
| Fluxo de drogas com impacto no Reino Unido

Fluxo de cocaína

Fluxo de heroína

Centros de trânsito de cocaína

Centros de trânsito de heroína

Principais países de origem da cocaína

Principal fonte de heroína

O Sudeste do Brasil aparece na rota imediata


Avance para o próximo tópico e conheça a história dos grupos albaneses.
de cocaína para a Europa e a África.
Fonte: Adaptado de National Crime Agency (2020, p. 35).

4.1.2 Grupos albaneses


Máfia albanesa, ou crime organizado albanês, são os termos mais
utilizados ​para designar as organizações mafioides com sede na
Albânia ou compostas por pessoas de origem étnica albanesa.

Bandeira da Albânia.
Foto: © [bourjart_20] / Adobe Stock.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 233
O crime organizado albanês está ativo na Europa, América do Norte,
América do Sul e várias outras partes do mundo, incluindo o Oriente
Médio e a Ásia.

A máfia albanesa participa de uma ampla gama de empreendimentos


criminosos, incluindo tráfico de drogas, armas, seres humanos e
órgãos humanos (TOWNSEND, 2019). O cenário criminal albanês é
caracterizado por negócios criminosos diversificados que, em sua
complexidade, mostram uma das maiores capacidades criminosas do
mundo, incluindo crimes no mundo virtual. Só na Albânia, existem
mais de 15 famílias mafiosas que controlam o crime organizado.

A penetração do crime organizado na estrutura do Estado


albanês encontra-se tão avançada que o país vem sendo
chamado abertamente pela mídia internacional de narco-
estado. Isso se deve pelo envolvimento cada vez maior dos
chefões da droga com as autoridades que deveriam coibir
suas ações. Por conta disso, a Albânia tem sido referida
também como a Colômbia da Europa.

(ZHILLA; LAMALLARI, 2015, p. 329-347)

Nesse sentido, veja a situação albanesa em relação ao status de nar-


coestado:

Podcast transcrito

Narcoestado é um estado em que todas as instituições


legítimas foram penetradas pelo poder e dinheiro do
tráfico de drogas ilegais. A Albânia é o único narcoestado na
Europa, isso porque seus chefões da droga não são foras da
lei renegados. Eles são próximos de pessoas no governo do
país e muitas vezes estão mancomunados com as mesmas
autoridades que deveriam persegui-los. Para a Europa,
o conceito de narcoestado sempre pareceu muito distante
para os europeus, mas isso mudou depois que a Albânia
passou a ter posição central na indústria de drogas, bem na
hora em que os albaneses estavam esperando se conectar
mais ao motor econômico da União Europeia.

A parte mais trágica sobre um narcoestado: apoiar a elite da nação


com fundos de atividades criminosas, tem seu maior impacto não
em terras distantes, mas nas oportunidades do seu próprio povo.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 234
Kelly (2018) expôs a nova rota de tráfego e afirma que grupos crimi-
nosos albaneses dominam o cenário do crime organizado no Reino
Unido, confira:

Da Albânia ao Reino Unido no


50% dos imigrados caminho: Montenegro,
por facções criminosas Sérvia, Alemanha, Espanha
chegam no Reino Unido e finalmente Reino Unido.
Mar do Norte
com sucesso. Preço: Sete à dez mil euros

REiNO
UNiDO ALEMANHA

FRANÇA
OCEANO
ATLÂNTICO NORTE ROMÊNiA

iTÁLiA
SÉRViA
MONTE BULGÁRiA
NEGRO

ALBÂNiA

ESPANHA
GRÉCiA

Mar Mediterrâneo

Grupos criminosos albaneses dominam o cenário


do crime organizado no Reino Unido. Veja a seguir as organizações criminosas na China, no Japão e algumas
Foto: Adaptado de Tirana Echo. organizações sul-africanas e nigerianas.

4.2 Tríades (China), Yakuza


(Japão), grupos organizados sul-
africanos e nigerianos

Você conhece a história da máfia chinesa? Também conhecida por-


tríades, a história é contada com propriedade por Broadhurst (2012).
O autor informa que esse tipo peculiar de organização mafioide tem
suas raízes mitológicas, ou justificativas morais, nas ações de au-
toajuda e autoproteção perpetradas por trabalhadores que migraram
para Xangai e Hong Kong durante o vertiginoso crescimento dessas
cidades nos tempos do comércio do ópio com os ingleses.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 235
Para entender melhor a história das tríades, confira a explicação a seguir:

Podcast transcrito

Longe de suas vilas, os trabalhadores encontravam nas


tríades vínculos que simulavam laços familiares. A afiliação
com a gangue significava proteção e pertencimento para
indivíduos que muitas vezes enfrentavam o desemprego e a
exclusão social.

A subcultura das gangues de estética tríade se apropriou


de princípios do confucionismo para fomentar ideais de
lealdade entre seus integrantes, que se reuniam em rituais
muitas vezes secretos.

Entretanto, a quebra desse “estatuto moral” ou o embate


com grupos rivais sempre envolviam a violência extrema.
Por conta disso, no final do século XIX, as tríades se tornaram
uma ameaça tanto para a força colonial britânica quanto
para a dinastia Qing, que já se encontrava perto do seu
fim, depois de 268 anos de governo. O resultado disso foi a
proibição das tríades e sua transformação em sociedades
secretas ainda mais violentas e dedicadas ao crime
organizado e às atividades conexas. Apesar disso, as tríades
também precisaram se adaptar e, para isso, como ocorre no
padrão mafioide, um dos recursos utilizados nesse processo
foi a mistura de seus negócios ilegais com negócios legais.

Isso é bem descrito por Petta (2017) ao relatar os impactos do processo


de “desfavelização” de Hong Kong nas atividades das tríades, veja:

A destruição das ‘favelas’ e cortiços, como a cidade murada


de Kowloon (territórios de ampla influência das tríades),
e sua substituição por diversas moradias populares também
fizeram parte do avanço social, no que se refere ao processo
de desenvolvimento urbano da cidade. Esse avanço em
várias frentes, contra a influência das tríades na cidade,
obrigou-as a um novo ajustamento de suas operações
caso decidissem sobreviver, afastando-se cada vez mais
da imagem da criminalidade violenta para assumir
características mais empresariais, relacionadas aos crimes
de “colarinho branco” ou redes de contato e influência.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 236
Ainda hoje as organizações criminosas de estética tríade encontram-se
operando entre as comunidades de imigrantes chineses espalhados
pelo mundo. No Brasil, não faltam notícias jornalísticas detalhando
a extorsão de comerciantes chineses ou de descendência chinesa
em locais como a movimentada Avenida 25 de março em São Paulo.

saiba mais
Veja um exemplo disso em um trecho de uma matéria
divulgada pela Folha de S.Paulo, disponível em: https://
www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1411200113.htm.

Veja no esquema gráfico a seguir a estrutura da tríade.

| Organograma hierárquico de uma tríade

Mestre da Montanha
Líder

Deputado do Mestre da
Vanguardista Mestre Incensário
Montanha
Chefe de operações Mestre de Cerimônias
Representante

Hélice de Papel Branco Trave Vermelho Sandália de Palha


Administrador Soldado Chefe de Comunicações

49ers ou 49 Lanternas Azuis


(do inglês “Forty Niners”) Membros ainda não
Membros Comuns iniciados

Fonte: Adaptado de Estilo Gangster (2021).

Avance para o próximo tópico e conheça a história da máfia coreana.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 237
4.2.1 Máfia coreana

Kkangpae é a transliteração do coreano para caracteres ocidentais


e significa ‘gângster’ ou ‘bandido’. O termo geralmente se refere a
gangues de rua não organizadas, mas também pode se referir àquilo
que alguns denominam de Yakuza coreana.

Ou seja, Kkangpae também pode se relacionar a mafiosos ou


membros de gangues do crime organizado coreano. De uma forma
ou de outra, essas gangues de criminosos apareceram na cultura
popular sul-coreana, incluindo filmes, programas de televisão e até
mesmo jogos de videogame.

O surgimento e a trajetória da máfia coreana contada pela plataforma


digital Inside Corea (BOULLAY, 2017) revela traços comuns com o
ambiente em que se desenvolveu a máfia italiana.

Confira o contexto social que deu origem à organização criminosa


Kkangpae:

Podcast transcrito

No século XIX, havia um intenso comércio entre os


impérios coloniais europeus e a península coreana. Junto
com as mercadorias, chegavam à região criminosos de
toda espécie. Ali já começavam a surgir milícias para
proteger comunidades abandonadas pelos governos e
grandes companhias. Alguns anos depois, no início do
século XX, enquanto a Península Coreana servia de rota
para o intenso comércio entre o Império Japonês e o
Governo da Ásia, a situação era a mesma: a população da
região precisava se virar para contar com o mínimo de
segurança. Foi justamente nesse contexto que se formou
a figura quase mitológica de um revolucionário anarquista
chamado Kim Jwa-Jin, o qual entrou para a história como
símbolo do movimento de independência da Coreia. Mais
tarde, seu filho, Kim Doo Han, se torna um dos primeiros
líderes ao estilo Kkangpae.

Apesar de não ser tão conhecida como outras organizações mafioides


asiáticas, como a Yakuza japonesa, a Kkangpae continua ativa em
território coreano, mas também naquilo que os próprios coreanos
chamam de diáspora. Ou seja, a Kkangpae está onde as comunidades
coreanas estão pelo mundo (GANGSTERS INC, 2020).

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 238
saiba mais
Veja a reportagem sobre o desmonte de uma organização
mafiosa que movimentava mais de 1 milhão de reais
por dia em crimes cometidos por pessoas de origem
coreana no estado de São Paulo, disponível em: https://
recordtv.r7.com/balanco-geral-manha/videos/policia-
desmonta-mafia-coreana-que-movimentava-r-1-
milhao-por-dia-em-sp-20102018.

Veja a seguir Kim Jwa-Jin, símbolo da resistência coreana.

Foto: Inside Corea.

Avance para o próximo tópico para entender melhor a história da


Yakuza, no Japão.

4.2.2 Yakuza (Japão)

A contradição entre o altíssimo desenvolvimento econômico e taxa


de criminalidade consistentemente baixa, menor do que na maioria
dos demais países desenvolvidos, faz do Japão um enigma para os
criminologistas e um campo de estudo rico para qualquer abordagem
em criminologia comparada (BROADHURST; GANAPATHY, 2008).
Assim, seria impossível falar da criminalidade no País do Sol Nascente
sem mencionar a Yakuza.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 239
Bandeira do Japão.
Foto: © [somartin] / Adobe Stock.

A Yakuza, palavra transliterada do japonês, identifica os membros


de organizações criminosas japonesas de caráter mafioide, conforme
você viu na tabela da InSight Crime. No Japão, a polícia e a imprensa
chamam esses criminosos de shiteiboryokudan, grupo de violência,
em português. Já os membros da Yakuza chamam a si próprios de
ninkyō dantai, Organização Cavalheiresca, em português.

A Yakuza é dividida em mais de 22 famílias criminosas, a maior


delas, a Yamagushi-gume, possui mais de 40 mil membros. Os seus
segmentos obedecem a uma organização patriarcal composta pelo
líder oyabun, o pai e seus filhos, kobun (ADAL, 2014).

Chefe de Yakuza identificado por


tatuagens é preso na Tailândia.
Foto: Reuters.

Segundo a Enciclopédia Britânica (1998), no Japão e especialmente


nos países ocidentais, o termo Yakuza pode ser empregado para
identificar integrantes de gangues ou os próprios grupos crimi-
nosos. O termo também pode se referir a qualquer grupo criminoso
de origem japonesa em geral. Em regra, essas organizações adotam
rituais assemelhados ao dos samurais dos tempos do feudalismo do
Japão. Da mesma forma que nas gangues penitenciárias latino-ame-
ricanas, os membros da Yakuza costumam se utilizar de elaboradas
tatuagens como forma de comunicação corporal.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 240
Apesar da imitação da estética Samurai, que no passado empregava
rígidos códigos de honra, a história da Yakuza é marcada por crimes
como extorsão, chantagem, contrabando, prostituição, tráfico de
drogas, jogatinas, agiotagem, exploração de mão de obra.
Além disso, tais quais outras organizações do tipo, as famílias
da Yakuza atuam em um misto de negócios legais e ilegais,
controlando restaurantes, casas noturnas, frotas de táxis,
companhias de transporte etc. Tudo isso dentro e fora do Japão.

Um dos mercados em que atua a Yakuza é o agenciamento de mo-


delos. Em meio ao glamour da indústria da moda, a organização criou
o cenário perfeito para esconder o tráfico de drogas e de mulheres.
Nesse caso, mesmo latinas, inclusive brasileiras, acabam por ser
atraídas pela gangue e quando percebem se tornaram escravas sexuais
(RODRÍGUEZ, 2019).

Mulheres eram atraídas com promessas de carreiras


bem-sucedidas como “modelo” ou “bailarina”, mas
forçadas a se prostituir para “pagar dívidas”.
Foto: © [artit] / Adobe Stock.

Por último, veja a seguir os grupos organizados sul-africanos e da Nigéria.

4.2.3 Grupos organizados


sul-africanos e nigerianos
A história das gangues mafioides da África do Sul segue o mesmo
enredo de outros grupos de mesma natureza ao redor do mundo. Veja:

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 241
Podcast transcrito

Em 1950, a Lei de Áreas de Grupo, além de impor a


segregação racial, promoveu a migração forçada e o
empobrecimento de milhares de pessoas. Nas décadas
seguintes, a situação se agravou com ações estatais
que envolveram até mesmo a demolição de conjuntos
habitacionais multirraciais nos centros urbanos. Um
exemplo emblemático disso foi a destruição de edificações
no Distrito 6, de 1974 a 1975. Esse caldo de segregação
racial, pobreza e desordem política e social criou o cenário
em que comumente se desenvolvem grupos que buscam
garantir a segurança física e alimentar dos mais vulneráveis,
ao mesmo tempo que que exercem a vingança privada em
seus nomes.

Veja a imagem da demolição de edificações no Distrito 6 para alocação


de novas famílias em observação à Lei de Áreas de Grupo.

Foto: UCT News.

No caso sul-africano, as gangues de estética mafioide atacavam ati-


vistas antiapartheid em troca de que a polícia fizesse vistas grossas
para suas atividades ilegais. Da mesma forma, as organizações cri-
minosas formadas por pessoas de etnia negra contavam com a omertà
por parte das comunidades em que estavam situadas.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 242
Bandeira da África do Sul.
Foto: © [Warning signs] / Adobe Stock.

glossário

O termo apartheid se refere a uma política Porém, tudo isso se agravou com o fim do apartheid e a democrati-
racial implantada na África do Sul. zação de 1994, pois o controle de fronteiras enfraqueceu ao mesmo
De acordo com esse regime, a minoria tempo que a nascente democracia ainda não tinha forças para garantir
branca, os únicos com direito a voto, a segurança pública em níveis aceitáveis. Assim, a criminalidade
detinha todo poder político e econômico proliferou junto com as organizações de caráter mafioide no país.
no país, enquanto à imensa maioria
negra restava a obrigação de obedecer Atualmente, segundo o Índice do Crime Organizado – África 2019, um
rigorosamente à legislação separatista. documento elaborado pela União Europeia (ENACT, 2019), a África do
Sul ocupa a 10ª posição entre 54 nações africanas, quando o assunto
envolve mercados e atores criminais.

Esses índices interessam diretamente ao Brasil porque aquele país


é uma das principais rotas para a cocaína que passa pelo Sudeste
brasileiro e segue para África, para de lá ser transportada para o
resto do mundo (AFRICA CENTER FOR STRATEGIC STUDIES, 2017).
Somente em 2017, foram apreendidos mais de 36 milhões de
dólares em cocaína na África do Sul.

Nesse sentido, a BBC Brasil apresentou uma matéria (CUETO, 2020)


sobre um estudo que conta como o PCC assumiu as principais rotas do
tráfico de drogas na América do Sul e tem se unido a organizações es-
trangeiras para levá-las para a Europa, através da África, por exemplo:

O desaparecimento dos cartéis de Medellín e Cali deixou


espaço para outros atores, menos piramidais, cuja
organização é horizontal e complexa e, portanto, mais
difícil de rastrear. [...] O PCC leva a droga ao longo dessa
rota caipira e a deixa em portos brasileiros, onde as máfias
europeias a levam ao continente, à África e até à Ásia.

(CUETO, 2020)

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 243
Confira as rotas mais comuns do tráfico internacional:

O Brasil possuí uma rota de tráfico


Avance e conheça o crime organizado nigeriano.
direta para a Africa do Sul.
Fonte: Adaptado de Africa Center for
Strategic Studies.

4.2.4 Crime organizado nigeriano


Ao lado do Kênia e da África do Sul, a Nigéria é um dos principais
entrepostos para o crime organizado internacional no continente
africano (ENACT, 2019). De acordo com o Relatório Mundial sobre
Drogas da ONU, dois terços da cocaína proveniente da América do
Sul com destino à Europa passam pelo Oeste da África, basicamente
por Benin, Cabo Verde, Gana, Guiné-Bissau, Mali, Nigéria e Togo
(AFRICA CENTER FOR STRATEGIC STUDIES, 2017).

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 244
Segundo o mesmo documento, a situação se torna ainda mais
complexa, dado que grupos terroristas jihadistas controlam essas
mesmas rotas para financiar suas atividades. Um desses grupos é
o Boko Haram, o qual ficou famoso mundialmente após sequestrar
276 adolescentes cristãs na Nigéria em 2014.

À época, a primeira-dama da maior potência militar do planeta suplica


aos terroristas a devolução das adolescentes sequestradas:

Foto: rfi.

O narcotráfico e o terrorismo na Nigéria estão intimamente conec-


tados a uma série de outros crimes, como as fraudes e o banditismo
ao estilo do novo cangaço brasileiro (saques e sequestros em aldeias
e nas principais rodovias).

saiba mais
Veja a matéria sobre o sequestro das 276 adolescentes
pelo grupo extremista Boko Haram, disponível em:
https://www.rfi.fr/br/africa/20190414-nigeria-5-anos-
apos-sequestro-112-meninas-continuam-nas-maos-
do-boko-haram, e sobre as fraudes conhecidas como
Golpe da Nigéria, disponível em: https://noticias.r7.com/
cidades/conheca-os-golpes-da-nigeria-e-saiba-se-
proteger-24062015.

Organizações criminosas nigerianas cometem seus delitos no território


do país e no restante do mundo, principalmente pela África Ocidental.
Essas organizações ganharam destaque na década de 1980, devido à
globalização das economias mundiais e ao alto nível de ilegalidade
já existente no país.

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 245
Um dos golpes transnacionais que se tornaram populares entre as
máfias nigerianas é o chamado estelionato sentimental. O assunto,
inclusive, já foi objeto de decisão do Tribunal de Justiça do Distrito
Federal, por envolver uma vítima da capital federal brasileira. Veja:

CONFLITO DE JURISDIÇÃO. JUÍZO DA QUINTA VARA


CRIMINAL DE BRASÍLIA VERSUS JUÍZO DA VARA CRIMINAL
E TRIBUNAL DO JÚRI DE SÃO SEBASTIÃO. MÁFIA
NIGERIANA. ESTELIONATO SENTIMENTAL. CONEXÃO
PROBATÓRIA ENTRE INQUÉRITOS POLICIAIS INSTALADOS
PELA DEAM. COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITANTE.
1 Conflito negativo de jurisdição instaurado pelo Juízo
da Quinta Vara Criminal de Brasília em face do Juízo
da Vara Criminal e Tribunal do Júri de São Sebastião,
em virtude de crime de estelionato tentado. 2 Inquérito
Policial que apura o chamado ‘estelionato sentimental’
supostamente praticado por integrantes da célula brasileira
da organização criminosa conhecida como ‘Máfia
Nigeriana’, de caráter transnacional e especializada em
crimes cibernéticos. A conexão probatória entre os inquéritos
policiais implica a competência do Juízo Suscitante por este
ter antecedido ao Suscitado no deferimento das medidas
cautelares. 3 Conflito de jurisdição conhecido para declarar
competente o Juízo da Quinta Vara Criminal de Brasília.

(BRASIL, 2019)

Você chegou ao final do nosso terceiro módulo. Avance para o módulo


a seguir e continue seus estudos!

Curso FRoNt
MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 246
Referências

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252
REALIZAÇÃO
MÓDULO 4

ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS
NO BRASIL
EXPEDIENTE
GOVERNO FEDERAL
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA
SECRETARIA NACIONAL DE POLÍTICAS SOBRE DROGAS

SECRETÁRIO NACIONAL
Paulo Gustavo Maiurino

DIRETOR DE POLÍTICAS PÚBLICAS E ARTICULAÇÃO


INSTITUCIONAL
Marcelo de Oliveira Andrade

COORDENADOR-GERAL DE INVESTIMENTOS, PROJETOS,


MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO
Gustavo Camilo Baptista

PLANEJAMENTO E GESTÃO
Glauber da Cunha Gervásio
Carlos Timo Brito
Eurides Branquinho da Silva

CONTEUDISTAS
George Felipe Lima Dantas
Isângelo Senna da Costa

REVISÃO DE CONTEÚDO
Fernanda Flávia Rios dos Santos
Maria de Fátima de Moura Barros

APOIO
Kathyn Rebeca Rodrigues Lima

BY NC ND

Todo o conteúdo do Curso FRoNt - Fundamentos para Repressão ao Narcotráfico e ao


Crime Organizado, da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD), Ministério
da Justiça e Segurança Pública (MJSP) do Governo Federal - 2022, está licenciado sob
a Licença Pública Creative Commons Atribuição - Não Comercial- Sem Derivações
4.0 Internacional.

REALIDADE AUMENTADA (RA)


Nas páginas deste material encontram-se códigos como este ao lado
que dão acesso a conteúdos extras. Para visualizá-los, baixe o aplicativo
Zappar no seu celular ou tablet e enquadre os códigos no aplicativo (você
precisa ter conexão à internet).

Baixe o aplicativo Zappar no seu celular ou tablet


UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA (SEAD)

SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA


Luciano Patrício Souza de Castro

labSEAD

COORDENAÇÃO GERAL
Luciano Patrício Souza de Castro

FINANCEIRO
Fernando Machado Wolf

SUPERVISÃO TÉCNICA EAD


Giovana Schuelter

SUPERVISÃO DE PRODUÇÃO DE MATERIAL


Daniele Weidle

SUPERVISÃO DE MOODLE
Andreia Mara Fiala

SECRETARIA ADMINISTRATIVA
Elson Rodrigues Natário Junior
Maria Eduarda dos Santos Teixeira

DESIGN INSTRUCIONAL
Supervisão: Milene Silva de Castro
Gabriel de Melo Cardoso
Márcia Melo Bortolato
Marielly Agatha Machado

DESIGN GRÁFICO
Supervisão: Douglas Luiz Menegazzi
Heliziane Barbosa
Juliana Jacinto Teixeira
Luana Pillmann de Barros
Vinicius Alves Jacob Simões

REVISÃO TEXTUAL
Cleusa Iracema Pereira Raimundo

PROGRAMAÇÃO
Supervisão: Alexandre Dal Fabbro
Cleberton de Souza Oliveira
Thiago Assi

AUDIOVISUAL
Supervisão: Rafael Poletto Dutra
Fabíola de Andrade
Luiz Felipe Moreira Silva Oliveira
Renata Gordo Corrêa

TÉCNOLOGIA DA INFORMAÇÃO
Dalmo Tsuyoshi Venturieri
Wilton Jose Pimentel Filho
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 258

Unidade 1 | CRIMINALIDADE FACCIONADA 259


NO BRASIL: ENTENDIMENTO

1.1 Criminalidade faccionada no Brasil e abertura 260


do mercado consumidor de drogas

1.2 Criminalidade faccionada no Brasil, a guerra 268


nos presídios e o mercado (atacadista e varejista)
de drogas

Unidade 2 | A CRIMINALIDADE
271
FACCIONADA NO BRASIL E SUAS
PRINCIPAIS ORGANIZAÇÕES

2.1 O Primeiro Comando da Capital (PCC) 273

2.2 O Comando Vermelho (CV) 283

2.3 Algumas diferenças entre o PCC e o CV 286

2.4 As milícias 287

2.5 Outras organizações criminosas de origem 293


brasileira

REFERÊNCIAS 296
APRESENTAÇÃO

Olá, cursista!

O presente módulo tem por objetivo apontar, identificar e apresentar


diferentes variações de organizações criminosas em atuação no Brasil
em 2020, de origem local.

De início, torna-se oportuno lembrar que o crime organizado, em


regra, é um fenômeno transnacional e não respeita os limites das
fronteiras nacionais (simbólicas ou concretas). Assim, não é intenção
do módulo explorar a atuação de organizações criminosas de origem
estrangeira com eventual atuação no país.
RA Este módulo buscará, portanto, examinar as peculiaridades das
Enquadre no seu celular
ou tablet o código de organizações brasileiras no que concerne ao mercado de drogas e
REALIDADE AUMENTADA questões conexas. Os conteúdos dos módulos anteriores poderão
do aplicativo Zappar auxiliar na aplicação dos conceitos e definições previamente ensi-
para assistir ao vídeo de
nados, tendo como foco as organizações criminosas em geral e as
apresentação do módulo.
do narcotráfico brasileiro.

Objetivos do módulo

‹ Descrever e modelar o conhecimento sobre a expressão


brasileira do crime organizado, comparando e contrastando essa
expressão local com a genérica e universal do mesmo fenômeno.

Curso FRoNt
258
MÓDULO 4 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL
UNIDADE 1
CRIMINALIDADE FACCIONADA NO
BRASIL: ENTENDIMENTO

Contextualizando

No módulo anterior, você teve acesso a uma visão panorâmica de


diversas organizações criminosas, de estética mafioide, que operam
em todos os continentes. Assim, você pode perceber que o crime orga-
nizado se encontra globalizado e, de uma forma ou de outra, impacta
nossa realidade no Brasil.

Foto: Adaptado de © [mrtimmi] / Adobe Stock.

Somos afetados em nosso cotidiano e também em nosso papel no


Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas (SISNAD). Para relem-
brar resumidamente o que já estudamos nos módulos anteriores e
fortalecer os principais conceitos e abordagens que serão úteis para
o entendimento da problemática do crime organizado no Brasil, mais
uma vez recorremos a um trecho de um documento das Nações Unidas
que possui muita pertinência para este momento de nosso curso:

Fatos rápidos
Estima-se que o crime organizado transnacional gere
US $ 870 bilhões por ano – mais de seis vezes o montante
da ajuda oficial ao desenvolvimento e cerca de sete por
cento das exportações mundiais de mercadorias (2009).

Curso FRoNt
259
MÓDULO 4 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL
Todos os anos, inúmeras vidas são perdidas em consequência
do crime organizado. Problemas de saúde e violência
relacionados com as drogas, mortes por armas de fogo e
métodos e motivos inescrupulosos de traficantes de seres
humanos e contrabandistas de migrantes fazem parte disso.

O crime organizado transnacional não está estagnado, mas


é uma indústria em constante mudança, adaptando-se
aos mercados e criando novas formas de crime. Em suma,
é um negócio ilícito que transcende as fronteiras culturais,
sociais, linguísticas e geográficas e que não conhece
fronteiras nem regras.

Existem muitas atividades que podem ser caracterizadas


como crime organizado transnacional, incluindo tráfico
de drogas, contrabando de migrantes, tráfico de pessoas,
lavagem de dinheiro, tráfico de armas de fogo, produtos
falsificados, vida selvagem e propriedade cultural e até
mesmo alguns aspectos do crime cibernético.

(UNODC, 2011)

glossário

Faccionar é dividir em facções, em Assim, a proposta didático-pedagógica desta unidade é apontar e apre-
bandos, enquanto facção é reunião das sentar a estrutura e as características do funcionamento da criminali-
pessoas que se comportam ou pensam dade faccionada, enumerando as principais organizações criminosas
de uma maneira diferente em relação às brasileiras que guardam padrões semelhantes de operação (modus
pessoas que fazem parte do seu próprio operandi). Sempre bom lembrar que este módulo deverá permitir que
grupo, partido, etc. ou daquelas que você possa fazer generalizações acerca de padrões da criminalidade
causam perturbação à ordem pública ou organizada constituída no restante do mundo, mais particularmente
têm propósitos ilícitos: facção criminosa. no que tange às dez maiores organizações criminosas na América
Latina (conforme apontado pela organização InSight Crime).

1.1 Criminalidade faccionada no


Brasil e abertura do mercado
consumidor de drogas

Nos módulos anteriores, você teve a oportunidade de estudar sobre


um dos principais fatores críticos para a segurança pública no Brasil:
a extensa fronteira do país com os maiores centros de cultivo, produção
e distribuição de cocaína no planeta: Colômbia, Peru e Bolívia – três
países andinos fronteiriços ao Brasil.

Curso FRoNt
260
MÓDULO 4 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL
| Fronteira do Brasil com Peru, Bolívia e Colômbia

COLÔMBIA

BRASiL
PERU

BOLÍViA

RA É importante lembrar que essa situação se agrava ainda mais por conta
do papel do Paraguai na dinâmica do contrabando internacional de
Enquadre no seu celular
ou tablet o código de
armas e no cultivo e exportação de maconha para o Cone Sul.
REALIDADE AUMENTADA
do aplicativo Zappar para A fronteira do Paraguai com o Brasil se estende por 1.366 km, sendo
assistir ao vídeo sobre
uma das mais extensas do planeta. Isso faz com que o Brasil seja um
como a Polícia Federal
tem enfrentado o tráfico elo importante na cadeia logística do narcotráfico internacional,
de maconha no Brasil tornando-se um dos maiores países com mercados consumidores
com ações no território globais de drogas.
Paraguaio.

Curso FRoNt
261
MÓDULO 4 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL
saiba mais
Leia a matéria do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA) intitulada “Faixa de fronteira
do Brasil é tema de estudo do Ministério da
Integração e Ipea”, disponível em: https://www.
ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_
content&view=article&id=30512&Itemid=7.

E quando associamos esse assunto ao ponto de vista da violência e


da economia das drogas, verificamos que essa realidade se tornou
ainda mais complexa com a Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006.

Foto: © [kittyfly] / Adobe Stock.

Até 2006, qualquer pessoa flagrada fumando maconha ou usando


qualquer outra droga ilícita era detida pela Polícia Militar (PM),
levada para a Delegacia/Distrito Policial e só era liberada mediante
fiança. Com raras exceções, ninguém em sã consciência se permitia
usar droga em público. Ao avistar uma viatura da PM, o usuário de
drogas sabia que estava “encrencado.”

Quem ousava fazer o consumo de drogas ou o fazia em festas res-


tritas, de classes média e alta, ou escondidas em ambientes mais
propícios, como prédios abandonados, sem iluminação e embaixo
de copas de árvores.

Curso FRoNt
262
MÓDULO 4 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL
Foto: © [serpeblu] / Adobe Stock.

Ou seja, a maioria absoluta da população, principalmente as crianças, não


tinha um contato tão constante e intenso com drogas como se vê hoje.

Tudo mudou rapidamente com o advento da Lei nº 11.343, de 23 de


agosto de 2006, quando consumir drogas deixou de ser razão de
apenamento. O resultado disso foi a explosão do consumo de drogas
em locais públicos como praças, esquinas e tantos outros. Isso é ainda
mais significativo quando lembramos que, para a psicologia social,
critérios como tempo, frequência e intensidade são os principais fa-
tores que determinam a atitude, ou seja, a aceitação dos mais variados
objetos e comportamentos por parte dos indivíduos.

Com a Lei nº 11.343/2006, uma geração inteira tem vivido com uma
exposição precoce, frequente e intensa às drogas e entorpecentes,
o que tem retroalimentando o ciclo desurgimento de novos con-
sumidores. Essa explosão no consumo, além dos resultados óbvios
para a saúde pública, também teve consequências graves para a
segurança pública.

O ano de 2006 foi marcado pelo maior ataque coordenado a forças de


segurança pelo crime na história do estado de São Paulo. Os ataques
perpetrados pelo PCC a unidades policiais e agentes da lei no horário
de folga foram típicos dos cartéis da Colômbia e das gangues peni-
tenciárias Barrio 18 e MS-13. Tudo isso está registrado em detalhes
em uma entrevista concedida pelo ex-comandante-geral da Polícia
Militar do Estado de São Paulo, coronel Elizeu Eclair Teixeira Borges.

Entender a influência da Lei nº 11.343/2006, principalmente os efeitos


sociais gerados após sua aprovação, é de grande importância para
sua atuação no combate do mercado de drogas.

Curso FRoNt
263
MÓDULO 4 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL
dica de mídia

A entrevista concedida pelo ex-comandante-geral da


Polícia Militar do Estado de São Paulo, coronel Elizeu Eclair
Teixeira Borges, referenciada anteriormente, pode ser
acessada no link: https://www.facebook.com/watch/
live/?v=717874988801850&ref=watch_permalink.

Vale considerar que até 2006 a legislação brasileira reprimia tanto


o tráfico (em suas diferentes modalidades) quanto o consumo de
drogas, e o advento da Lei nº 11.343/2006 reverteu uma política
pública de 30 anos.

Nesse sentido, veja na sequência dois dispositivos da revogada Lei


nº 6.368/1976, a qual regia os temas:

Antes
Lei nº 6.368
de 21 de outubro de 1976

Art. 12.

Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir,


vender, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente,
ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever,
ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância
entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica,
sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar;

Pena: Reclusão, de 3 (três) a 15 (quinze) anos, e pagamento de 50


(cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.

Art. 16.

Adquirir, guardar ou trazer consigo, para o uso próprio, substância


entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica,
sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar:

Pena: Detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de


(vinte) a 50 (cinquenta) dias-multa.

Curso FRoNt
264
MÓDULO 4 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL
Depois
Lei nº11.343/2006
de 21 de outubro de 1976

Art. 3º.

O Sisnad tem a finalidade de articular, integrar, organizar e coordenar


as atividades relacionadas com:

I. a prevenção do uso indevido, a atenção e a reinserção social


de usuários e dependentes de drogas;

II. a repressão da produção não autorizada e do tráfico


ilícito de drogas.

Assim, a nova lei optou por medidas de caráter educativo, tendo como
objetivo a prevenção do uso de drogas, a atenção e a reinserção social
dos usuários e dependentes.

No Módulo 1, já tivemos a oportunidade de estudar que dentro da


temática “economia das drogas” há visões que se contrapõem dire-
tamente à proibição do comércio de drogas. Foram citados exemplos
de juristas, políticos e de cidades no exterior que seguem um caminho
diferente do que se chama de “proibicionismo”.

dica de mídia

No vídeo “Da proibição nasce o tráfico”, de Laerte,


Dahmer e Arnaldo, você tem a oportunidade de conhecer
mais um pouco dos argumentos que sustentam a visão
contrária à proibição do comércio e do consumo de
drogas, disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=s53leELilaQ&feature=emb_logo.

Em 2008, passados dois anos da mudança na política criminal de


drogas no país, dois pesquisadores policiais militares enfrentaram
o tema em um curso de especialização promovido por uma parceria
entre a Universidade de Brasília (UnB) e a Secretaria Nacional de
Segurança Pública (SENASP). Pela precisão do prognóstico realizado
por Popov e Ferreira (2008), vale a pena você conhecer o resumo do
trabalho nas palavras dos próprios autores:

Curso FRoNt
265
MÓDULO 4 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL
Com o advento da Lei nº 11.343/06, o Brasil instituiu o
Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad)
pelo qual, além de outras implicações passou a adotar uma
modelo penal com maior ênfase na punição do traficante
e a adoção de penalidades relativamente brandas para o
usuário. Contudo, tanto traficante quanto usuário mantém
uma relação de interdependência sistêmica evidenciada pela
correlação de oferta e demanda de drogas, sendo ambos,
mutuamente responsáveis pelas consequências maléficas
que essa atividade causa à sociedade brasileira. O tráfico e o
consumo de drogas estão intimamente ligados à prática de
vários crimes e desta maneira, não há como negar que ambos
alimentam a violência e a cultura do medo.
A discussão em torno do entendimento do consumo de drogas
como mero problema de saúde pública ou como questão de
segurança pública é feita através da comparação da atual lei e
da antiga lei de entorpecentes (Lei nº 6.368/76).
São utilizados como exemplo alguns crimes ocorridos
no Distrito Federal com relação direta ou indireta com o
consumo e o tráfico de drogas. Entender o consumo de
drogas como mero problema de saúde pública desqualifica
o potencial ofensivo do crime cometido, pois abranda as
penas aplicáveis. O aumento na demanda por drogas é uma
presunção esperada e discutida neste trabalho, partindo-se
do pressuposto de que punições amenas tendem a diminuir
certos freios legais para os usuários, por sua vez a oferta
sofrerá um incremento, no sentido de atender a procura.
As repercussões deste instrumento jurídico somente poderão
ser realmente avaliadas a longo prazo.

(POPOV; FERREIRA, 2008)

RA Pelo posicionamento dos autores, podemos entender que a Lei nº


11.343/2006 representou uma importante mudança de paradigma
Enquadre no seu celular
na política nacional de drogas.
ou tablet o código de
REALIDADE AUMENTADA
do aplicativo Zappar para Ao mesmo tempo que foi instituído o SISNAD, houve o que Popov e
assistir ao vídeo sobre os Ferreira chamam de instituição de penas mais brandas para o con-
efeitos da Lei 11.343 –
Lei Nacional Antidrogas.
sumo, e o Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou no sentido
de que houve de fato a despenalização do consumo (BRASIL, 2007).

Em outras palavras, a conduta descrita no artigo 28 da Lei nº


11.343/2006 continua sendo crime, contudo, ao consumidor de
drogas não pode ser imposto qualquer tipo de pena privativa de
liberdade ou pecuniária (ex.: multa), e muito menos a imposição de
fiança quando apresentado em uma delegacia ou distrito policial.

Outro ponto destacado por Popov e Ferreira e que tem relação direta
com o presente curso é o resultado da liberação do consumo no au-

Curso FRoNt
266
MÓDULO 4 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL
mento da demanda por drogas e consequentemente em toda a dinâmica
do mercado de drogas no país. Citando uma pesquisa que apontou ser
a população com maior poder aquisitivo a que mais consumia drogas
no Brasil àquela altura, os autores destacaram que:

[...] A população com maior poder aquisitivo é a responsável


pela maior parte do consumo de cocaína e maconha vendida
no Brasil. O que se comprova com a pesquisa é que a relação
entre oferta e demanda se aplica perfeitamente ao tráfico
de drogas. O consumo aquece o mercado ilícito de drogas e
garante o comércio, já que proporciona retorno.
Nessa relação evidencia-se a violência como forma de
garantia de pontos de vendas (varejos), de aquisição de
drogas na origem (atacado) ou como forma de obtenção de
meios de aquisição por parte do usuário.

(POPOV; FERREIRA, 2008, p. 26)

Fato tanto emblemático como lamentável, nesse sentido, foi o as-


sassinato de um jovem em uma festa na Faculdade de Direito da
Universidade de Brasília por criminosos que possuíam histórico com
o tráfico de drogas. O episódio teria ocorrido em mais um evento
que envolve bagunça, barulho, bebedeira, sexo, consumo e tráfico
de drogas nas dependências de uma universidade pública brasileira.

Podcast transcrito

Até aqui, é importante rememorar que praticamente


toda a coca do mundo é cultivada e processada em escala
industrial basicamente em três países do altiplano andino:
Peru, Colômbia e Bolívia, com uma crescente participação
do Equador e da Venezuela no refino e no tráfico de cocaína.
Até 2006, depois de processada, parte da cocaína deixava
esses países vizinhos e passava pelo Brasil em direção a
mercados mais lucrativos, como o europeu e o americano.
Uma vez que o consumo de drogas deixou de ser punido no
Brasil e explodiu o número de consumidores, os traficantes
reconheceram que seria muito mais lucrativo intensificar
seus investimentos por aqui mesmo do que levar a droga
para outros continentes. Afinal, nenhum outro país com
a população e as dimensões territoriais colossais do Brasil
possui um mercado consumidor de drogas completamente
aberto como se tornou a realidade nacional.

Esse mercado extraordinário começou a atrair


empreendedores. No começo, o terreno era vasto e as
organizações criminosas até mesmo cooperavam entre si.
Porém, quanto mais os cartéis cresciam, mais precisavam

Curso FRoNt
267
MÓDULO 4 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL
avançar sobre o território de outros cartéis, até o ponto
de terem de se enfrentar para garantir os territórios
conquistados. Traficantes não disputam clientes e espaço
no mercado por meio de preço e qualidade do serviço
prestado. Como já vimos nos elementos caracterizadores
das organizações mafioides, no mundo do crime, a violência
muitas vezes é a estratégia mais eficiente para se ganhar
mercados. Possivelmente, esta seja uma das explicações
para o mar de sangue no qual se tornaram os presídios
brasileiros, uma das principais arenas de disputa entre as
facções do narcotráfico.

1.2 Criminalidade faccionada no


Brasil, a guerra nos presídios e o
mercado (atacadista e varejista)
de drogas

O livro “A guerra: ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil”,


de Bruno Paes Manso e Camila Nunes Dias (2018), descreve em de-
talhes a relação entre as ações das facções nos presídios e o mercado
atacadista e varejista de drogas no Brasil.

Foto: © [motortion] / Adobe Stock.

Os autores iniciam a obra afirmando que, por trinta anos, o crime


organizado ligado ao tráfico de drogas no Brasil formava uma rede que
se dividia em duas vertentes com atribuições específicas. Por um lado,
havia a vertente atacadista, articulada nas fronteiras para introduzir
e distribuir drogas no país ou enviá-las para o exterior, como a busca
da droga em fazendas do Paraguai ou da Amazônia andina, a travessia
de fronteiras e a entrega aos centros distribuidores. Por outro lado,
havia a vertente varejista, organizações locais que vendiam drogas
nas ruas de seus Estados (“mercados abertos”, conforme estudado
anteriormente). Veja, a seguir, o que caracteriza cada vertente.

Curso FRoNt
268
MÓDULO 4 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL
VERTENTE VAREJISTA VERTENTE ATACADISTA

Vertente mais envolvida com a Vertente mais endinheirada e


criminalidade violenta no dia a dia sofisticada da rede do narcotráfico.
das ruas brasileiras.

Envolve planejamento,
Garantem seus pontos de venda articulação de agentes qualificados
em confrontos com rivais (às vezes pilotos de aeronaves),
e com a polícia. e capital financeiro para o
investimento na mercadoria e no
suborno de autoridades.

Dividem-se em duas subvertentes,


ou modelos: modelo paulista e
Comando Vermelho (CV).

Perceba que, ainda dentro da vertente varejista, surgem duas sub-


vertentes, ou modelos. Cada um com sua especificidade de atuação
dentro da própria vertente.

Do primeiro modelo varejista surgiu o Comando Vermelho, no final


da década de 1970, com estrutura centralizada e hierarquizada.
Para ser imposto, esse modelo exigiu disputas cinematográficas,
como invasões de comunidades com armamento pesado e resgates
de seus líderes em operações complexas nos presídios.

glossário
Já o modelo paulista, que também se verificou no restante do país,
baseou-se no acesso direto aos atacadistas por pequenos grupos
ou mesmo indivíduos. Esses dois modelos varejistas de negócio
Atacarejo é uma modalidade de comércio não prescindiram do uso de violência e seus agentes morriam em
criada a partir da junção do atacado com disputas internas e confrontos com rivais e com a polícia ou mesmo
o varejo. Tal estilo de venda deu origem por ações de grupos de extermínio. Isso sem contar os assassinatos
ao conceito “cash and carry” (“pagar e por motivos banais. Esse modelo aparentemente continua em vigor.
levar”), isso porque, num atacarejo, basta Ou seja, os processos varejistas e atacadistas continuam a existir.
o cliente encontrar o que procura para levar
imediatamente para casa, o que acaba por Vale entendermos que cada vez mais, como vem acontecendo no mer-
eliminar a intermediação de vendedores e, cado formal de itens básicos no Brasil, as organizações criminosas, antes
consequentemente, reduz o preço. regionais, vêm ganhando musculatura e concentrando os processos
atacadistas e varejistas naquilo que vem se denominando “atacarejo”.

saiba mais
Leia sobre a origem e o segredo do sucesso do atacarejo no
Brasil na matéria intitulada “O fenômeno dos atacarejos
no Brasil”, disponível em: https://www.senior.com.br/
blog/o-fenomeno-dos-atacarejos-no-brasil.

Curso FRoNt
269
MÓDULO 4 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL
Assim, finalizamos nossa primeira unidade do módulo. Até aqui pu-
demos conhecer mais sobre o mercado de drogas e a criminalidade
faccionada no Brasil. Siga para a próxima unidade para continuarmos
com o aprendizado.

Curso FRoNt
270
MÓDULO 4 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL
UNIDADE 2
A CRIMINALIDADE FACCIONADA
NO BRASIL E SUAS PRINCIPAIS
ORGANIZAÇÕES

Contextualizando

Como vimos no módulo anterior do curso, a plataforma digital InSight


Crime organizou uma lista com as dez organizações criminosas com
maior poder e influência na região.

| RANKING DOs 10 maiores grupos criminosos da América Latina (2019)

ESTADOS UNiDOS

3
9 MAR
4 DO
MÉXiCO
CARiBE

7
10
1 Exército Nacional de Libertação (ENL) 1
EL SALVADOR 5
8
2 Primeiro Comando da Capital (PCC) COLÔMBiA

3 Cartel de Sinaloa
BRASiL
2
6
4 Jalisco Cartel Nova Geração (CJNG)
OCEANO
5 Ex-FARC Máfia PACÍFiCO

6 Comando Vermelho (CV)

7 MS-13

8 Autodefesas Gaitanistas de Colombia (AGC)

9 Cartel do Golfo

10 Barrio 18

Fonte: Adaptado de InSight Crime (2020).


Quase todas essas organizações foram estudadas no módulo ante-
rior, à exceção das organizações de origem brasileira, as quais serão
examinadas a seguir.

Curso FRoNt
271
MÓDULO 4 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL
De todo modo, para chegar a essa lista, a fundação fez uma apuração
detalhada por um procedimento metodológico com a definição de dez
categorias que permitiram que as organizações fossem comparadas
entre si. Relembre essas categorias no quadro a seguir.

Indicador Definição

1. Estrutura Estrutura político-militar que garante resiliência e coesão


à organização.

2. Liderança central Poder centralizado em um líder ou em um grupo de líderes,


a exemplo das organizações mafioides.

3. Identidade/ideologia Identidade, código ou ideologia que facilita o recrutamento de


novos integrantes, com vistas ao fomento de uma reputação e
de uma marca própria garantindo a lealdade de seus membros.
As estruturas criminosas com maior êxito ao longo da história,
como a máfia siciliana e a Yakuza, criaram uma mitologia
que se traduz em um estrito código de conduta que inclui,
inclusive, ritos de iniciação. Trata-se, em última instância,
de justificativas morais calcadas em ideologias como o
marxismo-leninismo, ou em ideologias de defesa de território,
como vimos no nascedouro da máfia siciliana.

4. Poderio econômico Corresponde não somente à acumulação de poder econômico,


mas também à diversidade do portfólio criminal e à capacidade
de absorver perdas. Nessa categoria também se encontra a
capacidade que a organização possui de lavar dinheiro.

5. Penetração no Estado Capacidade que a organização possui de evitar que o Estado


não interfira negativamente ou contribua com seus negócios.
Isso é possível pela corrupção ou pela infiltração de criminosos
na estrutura do Estado, inclusive por vias legítimas, tais quais
eleição, nomeação em cargos comissionados, nomeação em
conselhos e assinatura de contratos.

6. Ameaças ou exercício da violência A violência e o crime organizado são quase que indivisíveis
na América Latina. Na ausência de recursos legais para o
cumprimento de acordos, a reputação violenta constitui
elemento-chave para a realização dos negócios.

Curso FRoNt
272
MÓDULO 4 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL
Indicador Definição

7. Efetivo e capacidade militar Quantidade de combatentes que a organização possui à sua


disposição e capacidade de realizar operações sofisticadas e precisas
ao estilo militar para facilitar e proteger os empreendimentos
criminais. Esse critério também envolve o treinamento de novos
agentes do crime para a realização dessas atividades.

8. Alianças criminais Capilaridade e capacidade de se articular em rede com outras


organizações criminais.

9. Influência territorial e governança Capacidade de controlar áreas geográficas (territórios).


criminal Isso envolve o controle de rendas ilegais e o impedimento de
invasões por grupos rivais. Além disso, há a criação de governos
paralelos com a cobrança de taxas e a aplicação da justiça privada
(tribunais do crime, justiçamentos etc.)

10. Longevidade Tempo de existência do grupo criminoso.

Metodologia Empregada pela InSight Crime para


medir e comparar os grupos criminosos que atuam
na América Latina e no Caribe.
Nessa lista elaborada pelo InSight Crime, há duas organizações de
Fonte: InSight Crime (2020). origem brasileira: o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando
Vermelho (CV). Convergentemente, segundo o Observatório Brasileiro
de Informações Sobre Drogas (OBID), os grupos que traficam drogas
ilícitas no Brasil têm suas atividades estruturadas a partir exatamente
desses dois grupos. Ambos nasceram a partir de associações formadas
em presídios brasileiros nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro,
respectivamente. Seus líderes e integrantes são na maioria brasileiros.

2.1 O Primeiro Comando


da Capital (PCC)

O Primeiro Comando da Capital (PCC) é uma organização criminosa


com origem no estado de São Paulo, tendo surgido no início da dé-
cada de 1990. O PCC figura, conforme apontado pelo InSight Crime,
no segundo lugar da lista dos dez maiores grupos de organizações
criminosas da América Latina, perdendo apenas para o Exército da
Libertação Nacional (ELN) da Colômbia.

Curso FRoNt
273
MÓDULO 4 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL
Assim, vale destacar os seguintes fatos acerca do PCC, de acordo com
publicação da organização InSight Crime (2020):

O crescimento explosivo do PCC nos últimos anos se deve ao


seu envolvimento cada vez maior no comércio de cocaína.
Se a receita inicial dele consistia no microtráfico de drogas
nas prisões e depois na região sede da organização em São
Paulo, hoje o PCC adquire cocaína na Bolívia, na Colômbia
e no Paraguai e participa da movimentação de remessas de
drogas para o exterior, principalmente para a Europa, isso
tudo via portos, como o de Santos.

Ou seja, a rota de drogas da organização se estendeu a nível internacional.

| As rotas da droga do PCC

iNGLATERRA

FRANÇA

PORTUGAL

iTÁLiA

GUiANA

COLÔMBiA
ÁFRiCA
OCiDENTAL

PERU
BRASiL

BOLÍViA
PARAGUAi

ÁFRiCA DO SUL

Fonte: Adaptado de Defesa Net (2018).

Curso FRoNt
274
MÓDULO 4 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL
RA Uma monografia apresentada por Oklak Martins Cortes à Universi-
dade Federal de Roraima, em 2019, sob o título “Reflexões sobre o
Enquadre no seu celular
Combate às Facções Criminosas pelos Órgãos de Inteligência de Se-
ou tablet o código de
REALIDADE AUMENTADA gurança Pública de Roraima” (CORTES, 2019), traz alguns elementos
do aplicativo Zappar para informativos adicionais sobre o PCC.
assistir a animação sobre
a história do Primeiro
Comando da Capital.
Primeiramente o PCC apossou-se do slogan “Paz, Justiça e Liberdade”,
originalmente utilizado pelo Comando Vermelho. Paralelamente,
os “dirigentes” da organização se preocuparam em dominar todo o
processo produtivo do tráfico ilícito de entorpecentes, controlando
desde a matéria-prima produzida pelos fornecedores até a distribuição
no atacado e no varejo do seu produto final.

Foto: © [fusssergei] / Adobe Stock.

Também foi amplamente desenvolvido o estímulo à progressão


funcional de seus “colaboradores”, através de “promoções” a cargos
mais importantes, de acordo com o nível de lealdade e produtividade
demonstrado pelos merecedores (CORTES, 2019).

Embasando toda essa estratégia, estava o estatuto da facção, reforçado


pelas ordens emanadas dos chefes estaduais, através dos chamados
“salves”, reproduzidos de forma manuscrita em todas as unidades
prisionais onde se encontravam os “irmãos” do crime.

Fonte: © Lucas Lacaz Ruiz/AE (Correio 24h).

Curso FRoNt
275
MÓDULO 4 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL
Jozino (2017) esclarece como começou uma das mais poderosas
facções do crime organizado do Brasil, que tem ramificações es-
palhadas por vários países da América Latina. O autor destaca os
embriões da facção, relatando os diálogos que motivaram a orga-
nização dessa facção e os principais personagens que se tornaram
membros da história da criação do que veio se tornar conhecido como
Primeiro Comando da Capital. Essa organização criminosa passaria
a comandar o crime no estado de São Paulo. Sua mensagem logo se
espalhou como propaganda pelas penitenciárias, pelas carceragens
dos distritos policiais, pelas cadeias públicas, pelas paredes e muros,
e pelas portas de celas. Até mesmo camisas eram confeccionadas
estampada com a imagem de Che Guevara, ou com o número 15.3.3.

Uma curiosidade, a exemplo do Comando Vermelho, o Primeiro


Comando da Capital também passou a usar um número para caracte-
rizar a sigla PCC, o número 15.3.3 faz referência ao “alfabeto congo”,
no qual a sigla “P” se refere à décima quinta letra do alfabeto e as
siglas “C” se referem à terceira letra na ordem alfabética.

P C C

15 3 3

O dia 2 de outubro de 1992 deve ter ficado marcado na


vida de muitos brasileiros, principalmente na população
carcerária de todo o país. O dia em que uma rebelião
foi finalizada com a ação da tropa de choque da Polícia
Militar do Estado de São Paulo e resultou na morte de 111
presos que estavam cumprindo pena no pavilhão 9, que
era conhecido como complexo do Carandiru. Tal fato foi
o principal incentivador da criação de uma das maiores
facções criminosas, que passaria a comandar o crime no
estado de São Paulo.

(CORTES, 2019, p. 24-25)

Apesar de a imprensa ter feito o fato ficar conhecido como “Massacre


do Carandiru”, grande parte da população tinha outra opinião a respeito
do ocorrido. “Em São Paulo os telefones das principais emissoras de
rádio não paravam de tocar. Muita gente ligando para saudar a atitude
dos PMs. Alguns lamentavam que o número de mortos não fosse maior.
Defendiam até a implosão do presídio com todos os presos dentro”
(JOZINO, 2017, p. 18 apud CORTES, 2019, p. 25).

Curso FRoNt
276
MÓDULO 4 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL
As informações trazidas pela plataforma InSight Crime e Cortez
(2008) destacam alguns elementos mafioides do PCC que estruturam
e distinguem a organização como forma de preservação dos códigos
comportamentais. São eles:

Organização Discurso
em rede ideológico
moral

Emprego
da violência

Mais à frente, ainda neste módulo, você vai conhecer mais sobre essa
organização, que tem crescido em poder e influência dentro e fora
das fronteiras brasileiras.

Segundo Manso e Dias (2018), a configuração das redes


(atacadistas e varejistas) começou a mudar no final dos anos 1990.
Uma figura icônica desse momento foi Fernandinho Beira-Mar.

O traficante, empresário varejista do Comando Vermelho (CV),


ao perceber a importância estratégica das fronteiras e da parceria
com grandes produtores, passou a eliminar intermediários. Juntando
atacado e pontos que já possuía sob seu controle, Beira-Mar obteve
boa entrada junto aos criminosos do mercado varejista paulista.

Fernandinho Beira-Mar.
Fonte: © Erbs Jr./ Frame (Folhapress).

Curso FRoNt
277
MÓDULO 4 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL
Com a prisão do líder do CV, em 2002, o Primeiro Comando da Capital
(PCC) – na época, uma agremiação criminosa local – aproximou-se
dos centros produtores em ações articuladas a partir de presídios.
Nesse processo, o PCC se aproveitou das técnicas do Comando Ver-
melho; contudo, o advento do telefone celular nas prisões permitiu
a potencialização das articulações realizadas a partir dos presídios,
as quais passaram a ter caráter profissional.

Outras inovações trazidas pelo ingresso do PCC no mercado ataca-


dista foram sua forma de gestão e seu discurso ideológico, muito
à semelhança das justificativas de cunho moral das organizações
mafioides. Nas palavras de Manso e Dias (2018):

Os paulistas diziam que seus crimes eram praticados em


nome dos ‘oprimidos pelo sistema’ e não em defesa dos
próprios interesses, o que os diferenciava do personalismo
dos traficantes cariocas. Eles assumiam a existência de um
mundo do crime e da ilegalidade, tanto nas prisões como nas
periferias, conhecidas como ‘quebradas’. Com o PCC, o crime
passaria a se organizar em torno de uma ideologia: os ganhos
da organização beneficiariam os criminosos em geral.

Curso FRoNt
278
MÓDULO 4 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL
Podemos entender ainda mais o cunho ideológico adotado pelo
Comando Vermelho por meio dos mandamentos criados e seguidos
pelos envolvidos:

0S MANDAMENTOS DO
Comando Vermelho

1. Não negar a pátria.

2. Não cobiçar a mulher do próximo.

3. Não conspirar.

4. Não acusar em vão.

5. Fortalecer os caídos.

6. Orientar os mais novos.

7. Eliminar nossos inimigos.

8. Dizer a verdade mesmo que custe a vida.

9. Não caguetar.

10. Ser coletivo.

Ou seja, no lugar de se enfrentarem e se autodestruírem, os criminosos


do PCC adotavam uma filosofia de união, autoproteção e aumento de
lucros. Adotava-se, assim, a máxima: “o crime fortalece o crime”.

Nessa perspectiva, os verdadeiros inimigos eram os policiais e os


demais criminosos que não comungavam dos mesmos princípios.

Com o novo modelo de negócio e filosofia, o PCC passou a reunir


recursos para chegar diretamente aos fornecedores de maconha e
da pasta-base de cocaína, tornando-se um grande atacadista que
distribuía drogas para varejistas de todos os estados brasileiros.

Não demoraria para essa rede dar origem a novas


rivalidades e conflitos capazes de produzir um efeito em
cascata. Os integrantes desse mundo perderam o status de
bichos soltos. Agora a trajetória de cada um estava ligada às
facções a que pertenciam.

(MANSO; DIAS, 2018, p. 10)

Curso FRoNt
279
MÓDULO 4 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL
Em agosto de 2018, o PCC conseguiu enviar para Europa sua primeira
carga de cocaína. Trata-se de um marco na trajetória logística da
organização que demonstrou a capacidade de comprar cocaína na
Bolívia e entregá-la diretamente ao comprador em outro continente.
Tal feito era um objetivo da organização criminosa e foi concluído
pelos criminosos Gegê e Paca. Essa operação era chamada pelo grupo
de “princezinha” ou “tomate”.

Ressaltando a importância do feito para a mudança de padrão na cri-


minalidade brasileira, o Observatório Brasileiro de Informações Sobre
Drogas (OBID, 2020) registrou a situação com as seguintes palavras:

É interessante deixar relacionado que esta foi a primeira


atividade deste tipo feita com o nome da organização, mas
vários membros individuais, já o faziam isso, sem passar sua
expertise à organização, como: Luciano Geraldo Daniel, vulgo
‘Tio Patinhas’, Valdeci Alves dos Santos, vulgo ‘Colorido’ [...].
Convém relacionar que apesar do PCC estar em brigas com
organizações locais, percebe-se que este faz negócios com
quem paga, não sendo possível afirmar que tem desavenças
com outras organizações criminosas transnacionais.

O envolvimento e as parcerias do PCC com organizações criminosas


internacionais têm alçado a organização a ocupar lugar de destaque
no cenário global.

Podcast transcrito

Como já vimos na Unidade 2, a InSight Crime posiciona


o PCC no topo das organizações criminosas latino-
americanas. Ao seu turno, o pesquisador Ryan Berg,
associado ao American Enterprise Institute, afirma que o
PCC rapidamente tem se tornado o grupo criminoso mais
bem estruturado da América do Sul. Sobre as conexões do
PCC com organizações criminosas estrangeiras, vamos
conhecer mais alguns trechos do relatório do Observatório
Brasileiro de Informações Sobre Drogas (OBID, 2020)
enviado pelo governo brasileiro à UNODC em 2020.

Associação do PCC com cartéis mexicanos


No dia 12 de agosto de 2019, foi preso em Arraial do Cabo
(Rio de Janeiro) Décio Gouveia da Silva, conhecido como
Decinho. No dia de sua prisão, os policiais encontraram em
seu telefone indícios de que Decinho teria contato com
o Cartel de Sinaloa. Através da prisão de Décio, policiais

Curso FRoNt
280
MÓDULO 4 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL
paulistas chegaram no braço responsável pela logística de
transporte de drogas. No ano de 2019, após ser preso, Décio
expôs sua vontade de realizar uma delação premiada.

Em outro caso, no dia 28 de dezembro de 2017, um dos três


líderes do Cartel foi preso na cidade de Fortaleza, no Ceará.
A prisão de José Gonzalez Valencia, vulgo ‘Chepa’, aconteceu
através de informações coletadas que diziam que um cartel
mexicano estaria se associando ao PCC, para compra de
drogas na Bolívia e transporte até a Inglaterra, a presença
de uma das lideranças no Ceará do CJNG fez aumentar as
suspeitas. O Ceará foi o local utilizado para escoamento
internacional de drogas das quadrilhas lideradas por
Gilberto Aparecido dos Santos, conhecido como ‘Fuminho’,
e por Rogério Geremias de Simone, o ‘Gegê’, e Fabiano Alves
dos Santos, o ‘Paca’, todos do PCC e responsáveis pelo envio
da droga para a Inglaterra (OBID, 2020).

Conexão do PCC com ORCRIM italiana


Em 31 de julho de 2019, os italianos Nicola e Patrick Assisi,
membros da Ndragueta, foram presos na cidade de Praia
Grande, conhecida por ser um dos grandes berços do PCC
no estado de São Paulo. Foram encontrados documentos
que relacionavam ligações destes com o PCC. Rocco
Morabito, também membro da Ndragueta, fora preso no
Uruguai com passaportes falsos brasileiros, na época de
sua prisão, foram apreendidos diversos materiais que
permitiam afirmar que ele havia morado certo tempo no
Brasil. Em 2019 Morabito fugiu da prisão no Uruguai com
dois brasileiros e um argentino, a ‘Ndrangheta controla
o porto de Gioia Tauro, um dos portos que mais recebe
cocaína enviada pelo PCC para Europa.

Perceba que o envolvimento e as parcerias do PCC com organizações


criminosas internacionais contribuem para a expansão dos crimes e
isso tem chamado a atenção de autoridades governamentais e aca-
dêmicas no Brasil e no Exterior.

Para manter sua expansão e as posições já conquistadas, o PCC precisa


manter-se “abaixo do radar”, por meio da lavagem de dinheiro e da
ocultação de recursos obtidos com o crime. Outra forma de tornar-se
sustentável é por meio da corrupção de agentes públicos ou mesmo
da infiltração nas estruturas do Estado. A má notícia é que isso parece
que já está em curso e em um estágio avançado.

Curso FRoNt
281
MÓDULO 4 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL
Foto: © [motortion] / Adobe Stock.

Segundo promotores italianos que estudam a ligação do PCC com a


máfia ‘Ndrangheta, aparentemente ainda não se registra no Brasil
o mesmo cenário de penetração do crime na política que se verifica
na Itália, sobretudo na região da Calábria. Entretanto, investigações
da Polícia Federal já indicam indícios do financiamento do PCC em
campanhas eleitorais no Brasil. Essas mesmas investigações, por meio
de relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras, têm
revelado que, em quatro anos, mais de 70 empresas lavaram R$ 32
bilhões para o PCC. É justamente a sofisticação na lavagem de dinheiro
que torna o PCC mais próximo do modelo de mafioide italiano.

O PCC tem superado etapas importantes rumo a uma estrutura mafioide


semelhante àquela que tantas iniquidades trouxeram à sociedade
italiana ao se tornar amalgamada com a estrutura do próprio Estado.
É exemplo do fortalecimento da instituição o próprio uso da infraes-
trutura nacional (estradas, portos e aeroportos) para escoar a cocaína
e a maconha vindas dos países vizinhos para centros consumidores
no Brasil e ao redor do mundo. De igual forma, a ORCRIM também
tem se fortalecido por meio de operações de lavagem de dinheiro e
mistura de negócios ilícitos com negócios lícitos, a exemplo de outras
organizações mafioides. Aqui, caminhamos para o terceiro estágio da
relação do crime organizado com o Estado, naquilo que Juliet Berg
(1998 apud DANTAS, 2002) denominou de “convivência tácita”.

Vale relembrar o conceito de “convivência tácita”:

Nesse estágio, seria eleita pelo Estado a opção de tirar


proveito das operações ilícitas, na medida em que
beneficiassem a economia, a sociedade, ou mesmo os
funcionários da Segurança Pública eles próprios.

(DANTAS, 2002, não paginado)

Curso FRoNt
282
MÓDULO 4 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL
2.2 O Comando Vermelho (CV)

O Comando Vermelho é a sexta organização criminosa constante da


lista da plataforma InSight Crime. Na última unidade deste módulo,
você terá a oportunidade de conhecer mais sobre essa organização.

Apesar de sua popularidade no Brasil, negócios pelo mundo e de seu


poder bélico nas favelas cariocas, o Comando Vermelho não ocupa
o topo da classificação da InSight Crime por conta da ausência de
um exército de natureza quase regular como ocorre com os cartéis
mexicanos e com as forças paramilitares de guerrilha que operam na
Colômbia (Ex-Farc Máfia e ELN).

No livro “Comando Vermelho: a história secreta do crime organizado”,


Amorim (1993) aponta que o Comando Vermelho teve sua origem
na convivência entre presos políticos e presos comuns no Instituto
Penal Cândido Mendes, conhecido como presídio da Ilha Grande, em
Angra dos Reis, estado do Rio de Janeiro.

Muitos revolucionários políticos foram presos e encarcerados


no presídio de Ilha Grande. Os ativistas revolucionários
de esquerda agiam movidos por uma ideologia política,
seguiam o pensamento de Che Guevara, adotando, os que
eram mais rebeldes, a luta armada.

(MAIA, 2014, p. 7)

Acerca da transferência de conhecimentos dos revolucionários para


os criminosos comuns, Maia (2014) segue afirmando que:

O intercâmbio cultural proporcionou aos bandidos comuns


uma nova visão, uma maior conscientização do mundo que
os cercava, absorveram as idéias daqueles e as aplicaram
em suas atividades criminosas. Como conseqüência ocorre o
surgimento de um tipo de crime mais elaborado, planejado
com mais cuidado.

(MAIA, 2014, p. 8)

Ou seja, os criminosos na Ilha Grande encontraram nos ideais da luta ar-


mada socialista a autojustificação moral muito comum às organizações
mafioides. E dentro deste estatuto moral inspirado nos movimentos de
guerrilha marxista latino-americanos até mesmo a violência extrema
e instrumental passou a ser justificada. Nesse sentido, vale sublinhar
uma das frases célebres de um dos maiores ícones da esquerda mundial,
e ainda mais influente à época, Ernesto Che Guevara (1967):

Curso FRoNt
283
MÓDULO 4 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL
O ódio é o elemento central de nossa luta! O ódio é tão
violento que impulsiona o ser humano além de suas
limitações naturais, convertendo-o em uma máquina
de matar com violência e a sangue frio. Nossos soldados
têm que ser assim.

Ao verificarmos a ideologia que levou a guerrilha ao poder em Cuba,


glossário o foquismo, fica mais fácil entender por que a violência e o terror se
tornaram os primeiros recursos da caixa de ferramentas dos grupos
revolucionários inspirados no que ocorreu na ilha caribenha.
O foquismo se traduzia na estratégia
de espalhar focos de guerrilha pelo Assim, Amorim (1993) nos mostra que, quando não mais havia presos
mundo, provocando danos constantes políticos em Ilha Grande, houve uma sangrenta disputa de poder entre
e intensos (inclusive assassinatos) no as facções de bandidos comuns que permaneciam em condições sub-
imperialismo capitalista. -humanas no presídio. Dessa disputa, o Comando Vermelho, facção
que mais tarde ganharia as páginas dos jornais e a tela dos cinemas,
sagrou-se vencedor.

A partir da tomada do presídio de Ilha Grande, a facção passou pau-


latinamente a ganhar força e influência dentro e fora da prisão.
Para tanto, o Comando Vermelho contou com a tecnologia de ação
da guerrilha no enfrentamento de seus adversários e, principalmente,
para a tomada de territórios e a conquista de novos correligioná-
rios. De uma estratégia de sobrevivência na adversidade extrema no
cárcere, agora o CV conquistava territórios, mentes e corações pelo
lema gestado a partir da convivência com os membros foquistas da
luta armada brasileira: “paz”, “justiça” e “liberdade”. Trata-se de
uma mensagem tão sedutora que ainda hoje é acolhida pela mídia de
massa e inclusive por seu principal adversário na atualidade, o PCC.

Assim, desde suas origens, o Comando Vermelho preserva uma


característica típica das organizações criminosas mafioides:
a busca constante por se legitimar perante seus membros e aqueles
que as cercam em suas respectivas bases territoriais.

Sobre esse assunto, Amorim afirma que existem situações em que


outras quadrilhas alugam ou emprestam homens e armas para ações
do Comando Vermelho. Isso sob a condição de que não se atinja a po-
pulação do território em que o grupo está instalado ou os interesses
da organização. Ou seja, tal qual ocorre com outras organizações
criminosas de estética mafioide, está clara a tentativa de criação e
manutenção de vínculos com o meio social em que a organização
criminosa mafioide está inserida.

Atualmente, o Comando Vermelho também possui outros atributos


típicos de organizações mafioides como a forte hierarquia e disciplina
entre seus membros. Como destaca Amorim (1993):

Curso FRoNt
284
MÓDULO 4 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL
Para os chefões do crime organizado, esse tipo de ação
indiscriminada simplesmente não interessa. Porque não
vale a pena ser preso e atrapalhar os negócios lucrativos
da droga por qualquer besteira. As quadrilhas que servem
ao Comando Vermelho punem com a morte qualquer
desobediência. Dentro do grupo não se admitem ações
individuais, salvo quando autorizadas pelos líderes.

Por fim, convidamos-lhe a refletir sobre a trajetória e as caracterís-


ticas dessa organização, relembrando os elementos distintivos de
uma organização mafioide.

Atributo Descrição

1. Autojustificação moral Prática de crimes para evitar agressões “maiores” a uma


comunidade que supostamente se quer proteger.

2. Organização em rede Permeabilidade das organizações criminosas ao longo de


grandes territórios ou mesmo de todos eles (globalização ou
translocalização do crime).

3. Severa organização hierárquica O equivalente a chefes, conselheiros, capos, soldados,


dependendo das denominações locais.
e disciplinar

4. Existência de um capo famiglia Figuras máximas na estrutura de comando: “poderosos chefões”


na alusão real e até mesmo ficcional a eles.

5. Mistura de negócios lícitos e ilícitos Uso de negócios legais (restaurantes, bares, transportadoras,
etc.) para ocultar negócios ilegais. Crimes perpetrados em
conexão com políticos, financistas, sindicalistas, doleiros,
operadores do direito, etc.

6. Lavagem de dinheiro, evasão fiscal Aquisição de bens de luxo, manutenção de negócios comuns (como
pizzarias, comércios diversos, etc.). Articulação de fuga de capitais
e semelhantes
para organizações bancárias estrangeiras, evasão fiscal, etc.

Curso FRoNt
285
MÓDULO 4 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL
Atributo Descrição

7. Omertà “Códigos de Silêncio” frente a justiçamentos, chacinas;


estatutos de crime; demonização da polícia, etc.

8. Recurso à violência Ameaças, agressões, sequestros, homicídios (incluindo


chacinas), justiça própria (morte ou punições).

9. Corrupção de agentes públicos Cooptação de agentes públicos ou infiltração de membros da


organização na estrutura do Estado (inclusive pelo processo
político eleitoral).

2.3 Algumas diferenças entre


o PCC e o CV

Como vimos anteriormente, o PCC possui gerenciamento de modelo


empresarial, com estrutura piramidal, tal qual a estrutura hierárquica
de outras organizações mafioides, contudo sem a figura patriarcal, por
exemplo, do capo família (máfia italiana) ou do pai (máfia chinesa).
Sua cúpula, apesar de presa, empenha-se em manter o comando da
organização, coordenando ações criminosas de dentro dos presídios,
valendo-se de advogados e familiares para disseminação de ordens.

CONSELHO DELiBERATiVO DiRETOR PRESiDENTE FiNANCEiRO

R6 F1

CONDEPE
ViCE-PRESiDENTE
R1 R2

DH

R’S

R3 R4 R5 R7 R8 R9 R10 R11 R12 R13 R14 R17

R18 R19 R20 R21 R22 R23 R24 R25 R26 R27 R28 R29
Ilustração representativa do Conselho e a Sintonia
Final, órgão de decisão suprema do PCC.
Fonte: Adaptado de Farah (2017). R30 R32 R33 R35 R36 R37 R38 R41 RX RX RX RX

Curso FRoNt
286
MÓDULO 4 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL
Por sua vez, a hierarquia de comando no CV é dividida por territórios.
Cada líder de território, preso ou não, é independente para orientar
ações em suas áreas de domínio, podendo contar ainda com ajuda
mútua entre faccionados para conquistar e manter territórios de
vendas de drogas.

Como as demais gangues presidiárias latino-americanas, fora de seus


Estados de origem, o PCC e o Comando Vermelho funcionam muito
mais como franquias do crime do que como organizações com rígida
unidade de comando.

Podcast transcrito

O PCC e o CV permanecem rivais. Disputam as rotas e os


mercados das drogas, bem como o domínio e o controle
dos presídios em praticamente todo o território nacional.
Ambos possuem vínculos internacionais, visto que as
drogas ilícitas que circulam no país quase sempre têm
origem nos países vizinhos (Paraguai, Bolívia, Colômbia e
Peru). Atualmente, o PCC domina grande parte das rotas
do tráfico internacional da cocaína, que tem a Europa e a
África como principais mercados imediatos. De outro giro,
as facções brasileiras contam com parcerias com os grupos
criminosos latino-americanos para levar drogas para o
mercado norte-americano.

Na tentativa de evitar que as organizações sejam


comandadas de dentro dos presídios estaduais,
autoridades brasileiras passaram a custodiar os principais
líderes e outros membros de maior envergadura em
estabelecimentos penais federais de segurança máxima.
O líder do CV, Marcelo dos Santos Nepomuceno, conhecido
como “Marcinho VP”, atualmente cumpre pena no presídio
federal localizado no estado do Paraná. Marcos Willians
Herbas Camacho, mais conhecido como “Marcola”,
principal líder do PCC, cumpre pena no presídio federal
localizado no Distrito Federal. Em 2020, as forças de
segurança do Distrito Federal foram postas em alerta por
conta de rumores de que Marcola estava por ser resgatado.

2.4 As milícias

A conhecida linguista Squarisi (2013), editora do periódico Correio


Braziliense, tece algumas considerações acerca do significado ou do
que vem a ser a palavra milícia. Vale citar parte da matéria de sua
autoria, datada de 12 de março de 2019:

Curso FRoNt
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MÓDULO 4 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL
Segurança Pública Terça-feira, 12 de Março, 2019

MiLÍCiA
“Origem – Milícia vem do latim militias. Pertence à família de miliciano, milico, militança.”

Pensar nessa expressão atrai, portanto, ideias vigilantes e toda e qualquer outra categoriaque
em associação com militares ou paramilitares atue em algo tão genérico como “militância”
de diferentes espécies, incluindo indivíduos (conforme constante da citação acima).
egressos das Forças Armadas propriamente Milicianos e traficantes, no contexto das organi-
ditas, militares das forças de segurança pública zações criminosas, parecem entidades siamesas
dos entes federativos, chegando a alcançar até – mais dia, menos dia, estão lado a lado no
mesmo seus meros assemelhados, como é o mundo do crime, por mais antagônicos que
caso de guardas penitenciários, guardas civis, sejam entre si.

Após uma primeira delimitação cognitiva remontando ao sentido


etimológico da expressão milícia, vale situá-la também no tempo
e no espaço, o que remete o fenômeno ao estado do Rio de Janeiro
nas décadas mais recentes. A razão da citação às milícias em um
curso sobre drogas está no fato de elas existirem no mesmo tempo
e espaço de outras organizações criminosas associadas especifica-
mente ao narcotráfico.

Num tempo de acentuada polaridade político-ideológica,


também vale destacar que as milícias estão associadas, por
alguns, ao conservadorismo (“direita”), enquanto aquelas
outras organizações criminosas – as do narcotráfico – estão
associadas, por outros, a um garantismo jurídico reformista
ou revolucionário (“esquerda”).

Curso FRoNt
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MÓDULO 4 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL
Conforme já estudado neste mesmo módulo, organizações revolu-
cionárias de esquerda como o ELN e as FARC possuem associação
notória com o narcotráfico continental. No polo oposto, ainda no
exemplo latino-americano, estão organizações direitistas como as
Autodefesas Unidas da Colômbia e o Los Zetas do México. Por último,
importante citar que as milícias também estão associadas ao que
possa existir de um “poder paralelo” nos locais de sua presença.

Parte desse fenômeno, o poder político do estado do Rio de Janeiro


não poderia deixar de estar envolvido no imaginário daqueles que
tratam ou já trataram acadêmica e/ou midiaticamente do tema das
milícias. Disso decorre a seguinte citação de Brancoli e Vasquez
(2016) nas eleições locais do Rio de Janeiro em 2012:

Nesse contexto, à medida que as disputas iam sendo


centralizadas nos candidatos mais bem colocados nas
enquetes, Luiz Carlos Pezão (PMDB) e Marcelo Crivela
(PRB), as conversas começaram a ficar galvanizadas a
respeito dos mecanismos de governança dos supostos
contendores. Na narrativa mainstream, a primeira teria
o apoio, ao longo de outros segmentos, das “milícias”,
organizações paraestatais que usam a extorsão de algumas
comunidades para obter o controle de bairros inteiros.

(BRANCOLI; VASQUEZ, 2016, p. 112,


tradução nossa, grifo nosso)

Já o professor Arias (2013), da renomada Faculdade de Justiça Cri-


minal John Jay da Universidade de Nova Iorque, amplia e generaliza
a visão sobre as organizações criminosas da América Latina inteira,
incluídas as milícias, mas com um “olhar” específico.

Curso FRoNt
289
MÓDULO 4 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL
glossário
Arias elabora academicamente sobre o potencial disruptivo de tais
organizações sobre o Estado Democrático de Direito, e para tanto
No Estado Democrático de Direito, as aponta vínculo entre membros do crime organizado e prepostos
leis são criadas pelo povo e para o povo, do estado no Rio de Janeiro (somando, de maneira genérica, ainda
respeitando-se a dignidade da pessoa mais aos argumentos de Brancoli e Vasquez).
humana.
Na tradução livre do texto correspondente de Arias: “Os impactos
Prepostos são agentes do Estado, como da dominação armada diferencial da política no Rio de Janeiro,
funcionários públicos e políticos. Brasil”, podemos evidenciar o seguinte trecho que elucida melhor a
questão do colapso gerado pelas organizações criminosas no Estado
Democrático de Direito.

Em todas as Américas, do norte do México aos vales


montanhosos da Colômbia e às favelas do Brasil,
a escalada da violência armada e o crescente poder das
organizações criminosas gerou uma enorme preocupação
pública sobre o colapso do Estado Democrático de Direito.
Enquanto alguns formuladores de políticas e jornalistas
escrevem sobre a falha do Estado e o surgimento de
espaços sem governo, as evidências apresentadas neste
artigo mostram que, longe de uma falta de governança
ou falha do Estado, as organizações criminosas
frequentemente colaboram com uma variedade de atores
do Estado para criar sistemas variados de ordem localizada
que perpetuam o poder do crime e minam a maioria dos
esforços políticos para controlar o crime e a violência.
Em contraste com a dependência de estudos anteriores em
estudos de casos únicos para analisar os esforços de atores
armados para construir ordens localizadas, este artigo
oferece uma análise comparativa sistemática de uma
rede de proteção conectada à polícia e a uma gangue de
traficantes operando em dois bairros do Rio de Janeiro sob
condições políticas semelhantes. A análise das evidências
mostra variação nas estruturas organizacionais dos atores
armados e, em particular, como sua proximidade com
funcionários do Estado apresenta consequências variadas
para o desenvolvimento local, incluindo a dinâmica da
política e formulação de políticas, vida associativa e
violência e segurança.

(ARIAS, 2013)

Ainda que as referências ao crime organizado, especificamente


milícias, enfatizem seus trabalhos atuais, e, de maneira geral,
no espaço geográfico que corresponde ao Rio de Janeiro, tal unidade
federativa certamente não deve ser tomada como um caso isolado do
fenômeno. Mesmo que o estado do Rio de Janeiro seja paradigmático
na origem de fenômenos como o “jogo do bicho”, “comandos” (caso
do PCC e CV), tráfico de drogas e, mais atualmente, milícias, ele é
muito mais um “show room” desses fenômenos do que um lócus
exclusivo da incidência deles.

Curso FRoNt
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MÓDULO 4 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL
Foto: Adaptado de © [pabloprat] / Adobe Stock.

As milícias estão, sim, mais ou menos distribuídas pelo país inteiro.


Misse (2011) trata desse mesmo tema em seu trabalho “Crime orga-
nizado e crime comum no Rio de Janeiro: diferenças e afinidades”,
cujo resumo aponta que:

O artigo trata das relações entre ‘crime organizado’ e


‘crime comum’ no Rio de Janeiro. Seu objetivo é definir
as condições para responder a questões como o quanto
o crime organizado explica as lógicas do crime comum
ou se estamos subestimando ou superestimando essa
relação entre um e outro. A análise foca três atividades
criminais violentas organizadas: (i) o ‘jogo do bicho’; (ii)
os ‘comandos’ que controlam e disputam territórios de
venda a varejo de drogas e outras mercadorias ilícitas; (iii)
as “milícias”, que disputam com os “comandos” o controle
desses territórios, com vistas a impor a venda de proteção
aos seus moradores. Concluímos defendendo que o modelo
das milícias, como também ocorreu com o jogo do bicho e
com o tráfico de drogas, todos surgidos no Rio de Janeiro,
vem sendo adotado em cidades de outros estados brasileiros,
nacionalizando formas de organizações criminosas que têm
no recurso à violência uma de suas principais características.
A dinâmica de funcionamento dessas organizações depende,
primordialmente, de sua constituição como mercados
ilegais, em que cada mercadoria explorada – jogo, drogas,
armas e proteção – possuem diferentes propriedades como
capital. A dinâmica social, a atuação e a violência associados
a cada uma dessas atividades, por sua vez, estão ligados a
essas propriedades.

(MISSE, 2011, p. 13)

Dessa forma, podemos entender que a milícia carioca está para o


território brasileiro como um dia esteve a máfia italiana para o ter-
ritório norte-americano. Em outras palavras, no lugar de um ente
onipresente e extratemporal, trata-se muito mais de um modelo
(lembre-se do que foi aprendido sobre “padrões”) que extrapola o
território de origem, adaptando-se aos mais variados ambientes nos
quais venha a se fixar.

Curso FRoNt
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MÓDULO 4 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL
É justamente com esse olhar que o convidamos agora a refletir sobre
as premissas abaixo, extraídas de um trabalho de Hidalgo e Lessing
(2014), sobre as milícias do Rio de Janeiro:

A fraqueza do Estado pode ser autorreforçada, encorajando


grupos rebeldes ou criminosos a desafiar diretamente o
poder do Estado, gerando conflitos frontais que podem
enfraquecer ainda mais o Estado.

Com os paramilitares – grupos não revolucionários


pró-governo, muitas vezes com laços informais com as
forças do Estado –, o enfraquecimento do Estado ocorre
menos por meio de conflito aberto do que por canais mais
indiretos, incluindo a política eleitoral.

Um exemplo disso está nos grupos milicianos ligados à


polícia do Rio de Janeiro. Antes exclusivos para algumas
favelas, onde enfrentavam as poderosas organizações do
tráfico da cidade, as milícias proliferaram rapidamente entre
2003 e 2007 para controlar cerca de 170 comunidades.

A eleição de líderes da milícia e candidatos simpatizantes


da polícia em 2006 levou à especulação de que a coerção
armada por milícias havia efetivamente transformado
comunidades dominadas em redutos eleitorais.

A expansão da milícia no Rio de Janeiro acompanhou o


aumento drástico da proporção de votos dos candidatos
que adotavam o discurso de simpatia para com a polícia.

Por fim, as milícias usaram o poder político para enfraquecer


os esforços do Estado para restringir suas atividades.

Perceba que são premissas que podem ser extrapoladas para as demais
organizações criminosas estudadas até o momento, principalmente
na perspectiva dos riscos que essas organizações criminosas repre-
sentam para o Estado Democrático de Direito e para tudo o que ele
significa para a paz e a segurança de um país.

Curso FRoNt
292
MÓDULO 4 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL
2.5 Outras organizações
criminosas de origem brasileira

Além das citadas organizações criminosas, a Família do Norte (FDN),


radicada no estado do Amazonas, teve, por breve período, destaque
no cenário nacional. A FDN adquire drogas, principalmente a cocaína
e a maconha do tipo skank, na Tríplice Fronteira formada por Brasil,
Colômbia e Peru.

Na tentativa de se estabelecer, a FDN se aliou inicialmente com o


Comando Vermelho e, posteriormente, com o Primeiro Comando da
Capital. Atualmente, disputa, sem sucesso, com o CV o controle da dis-
tribuição de drogas em Manaus. Na tentativa de se posicionar de forma
autônoma na região Norte do Brasil, a FDN se envolveu nos massacres
que marcaram o primeiro semestre de 2019, logo após a posse do atual
governo federal e dos governadores dos estados da região.

saiba mais
Leia a matéria sobre o massacre que marcou 2019 em
Manaus intitulada “Massacre em presídios deixa
dezenas de mortos em Manaus (AM)”, disponível em:
https://veja.abril.com.br/galeria-fotos/fotos-massacre-
em-presidios-deixa-dezenas-de-mortos-em-manaus-
am-27-05-2019/..

Em relação à trajetória da Família do Norte, podemos destacar que se


iniciou em 2007 em atividades organizada por facções. E, desde então,
vem se tornando uma das maiores facções do país (OBID, 2020).

Podcast transcrito

Breve nota sobre a trajetória da Família do Norte (FDN):


Inicialmente a Família do Norte dominava as negociações
na tríplice fronteira (Brasil, Peru e Colômbia) e as rotas do
transporte do entorpecente. Ocorre que líderes da Família
do Norte foram presos e um deles, no interior do presídio,
teve contato com membros do Comando Vermelho.
Nesse contato, o Comando Vermelho passou a conhecer as
rotas e as vantagens do preço do entorpecente negociado
na tríplice fronteira. Com isso, de forma estratégica,
o Comando Vermelho passou a enviar seus membros para
o estado do Amazonas e a cadastrar ex-integrantes da
Família do Norte, oferecendo vantagens e fornecendo

Curso FRoNt
293
MÓDULO 4 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL
equipamentos para tentar ingressar no mercado vantajoso
da Tríplice Fronteira Amazônica.

No passado, o Primeiro Comando da Capital também tentou


realizar a mesma manobra, enviando seus membros para o
Estado do Amazonas e tentando recrutar outros membros
da Família do Norte, porém sem êxito. Atualmente, três
facções criminosas mais conhecidas disputam a liderança
pelas negociações do entorpecente na tríplice fronteira
amazônica, a FDN – que ganhou o apoio do PCP (Primeiro
Comando Puro) – na batalha contra o Comando Vermelho,
e toda essa disputa tem sido marcada pelo derramamento
de muito sangue dentro e fora dos presídios.

Também existem outras organizações criminosas menores que atuam


no varejo local de drogas. A maioria, a depender do contexto, busca
alianças pontuais com o PCC ou com o CV para obtenção de drogas
destinadas à comercialização, bem como de armas para defesa de seus
territórios. Entre essas alianças destacam-se:

Guardiões do Estado (GDE),


no estado do Ceará

CE RN Sindicato do Crime (SDC),


no Rio Grande do Norte,
se aliou ao CV
AC
RO
Bonde dos 13,
no estado do Acre
DF
Comboio do Cão,
no Distrito Federal
Comando do Panda,
em Rondônia

Curso FRoNt
294
MÓDULO 4 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL
Vamos relembrar os pontos principais desta unidade? Veja uma
síntese dos marcos mais importantes relacionados às facções
criminosas brasileiras.

1970 Surge o primeiro modelo varejista, o Comando


Vermelho (CV), no Presídio de Ilha Grande/RJ.

1992 Acontece o “Massacre do Carandiru” e surge o


Primeiro Comando da Capital (PCC).

O empresário e líder do CV, Fernandinho


2002
Beira-Mar, é preso e surgem as articulações
dentro dos presídios por meio de telefone celular.

2006 O Brasil se tornou o maior mercado consumidor


legal de drogas do mundo.

2007 Surge a Família do Norte (FND), uma das


maiores facções do Brasil.

2008 O PCC envia sua primeira carga de cocaína


para a Europa.

2019 O PCC e o CV estão entre os 10 maiores grupos


criminosos da América Latina (InSight Crime).

Assim, chegamos ao fim de mais uma jornada de aprendizado.

Curso FRoNt
295
MÓDULO 4 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL
Referências

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em: https://pt.slideshare.net/AltairMoissAguilar/apresentao-sem-
-ttulo-1-40663438. Acesso em: 23 fev. 2021.

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nizado. Rio de Janeiro, Record. 1993.

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tics in Rio de Janeiro, Brazil. Studies in Comparative International
Development, Nova Iorque, n. 8, p. 263-284, ago. 2013. Disponível
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BRANCOLI, F.; VASQUEZ, P. H. Deconstructing automatisms: milicia


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BRASIL. Lei nº 11.343 de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema


Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve me-
didas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de
usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão
à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes
e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 2006.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
2006/2006/lei/l11343.htm. Acesso em: 10 jan. 2021.

BRASIL. Lei nº 6.368, de 21 de outubro de 1976. Dispõe sobre me-


didas de prevenção e repressão ao tráfico ilícito e uso indevido de
substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física
ou psíquica, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência
da República, 1976. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/leis/L6368.htm. Acesso em: 10 jan. 2021.

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SQUARISI, Dad. Milícia: significado e etimologia. Blog da Dad. Brasília,


3 ago. 2013. Disponível em: https://blogs.correiobraziliense.com.br/
dad/milicia-significado-e-etimologia/. Acesso em: 24 fev. 2021.

STABILE, A. Suposto Salve PCC. Ponte Jornalismo, 18 jun. 2020.


Disponível em: https://ponte.org/em-bilhete-pcc-denuncia-que-
-presos-com-covid-19-estariam-sendo-misturados-aos-saudaveis/
suposto-salve-pcc/. Acesso em: 19 jan. 2021.

UNODC. Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime. Estima-


ting illicit financial flows resulting from drug trafficking and other
transnational organized crimes: Research report. 2011. Disponível
em: https://www.unodc.org/documents/data-and-analysis/Studies/
Illicit_financial_flows_2011_web.pdf. Acesso em: 22 fev. 2021.

298
REALIZAÇÃO
MÓDULO 5

TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO


AO NARCOTRÁFICO E AO
CRIME ORGANIZADO
EXPEDIENTE
GOVERNO FEDERAL
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA
SECRETARIA NACIONAL DE POLÍTICAS SOBRE DROGAS

SECRETÁRIO NACIONAL
Paulo Gustavo Maiurino

DIRETOR DE POLÍTICAS PÚBLICAS E ARTICULAÇÃO


INSTITUCIONAL
Marcelo de Oliveira Andrade

COORDENADOR-GERAL DE INVESTIMENTOS, PROJETOS,


MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO
Gustavo Camilo Baptista

PLANEJAMENTO E GESTÃO
Glauber da Cunha Gervásio
Carlos Timo Brito
Eurides Branquinho da Silva

CONTEUDISTAS
George Felipe Lima Dantas
Isângelo Senna da Costa

REVISÃO DE CONTEÚDO
Fernanda Flávia Rios dos Santos
Maria de Fátima de Moura Barros

APOIO
Kathyn Rebeca Rodrigues Lima

BY NC ND

Todo o conteúdo do Curso FRoNt - Fundamentos para Repressão ao Narcotráfico e ao


Crime Organizado, da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD), Ministério
da Justiça e Segurança Pública (MJSP) do Governo Federal - 2022, está licenciado sob
a Licença Pública Creative Commons Atribuição - Não Comercial- Sem Derivações
4.0 Internacional.

REALIDADE AUMENTADA (RA)


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que dão acesso a conteúdos extras. Para visualizá-los, baixe o aplicativo
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA (SEAD)

SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA


Luciano Patrício Souza de Castro

labSEAD

COORDENAÇÃO GERAL
Luciano Patrício Souza de Castro

FINANCEIRO
Fernando Machado Wolf

SUPERVISÃO TÉCNICA EAD


Giovana Schuelter

SUPERVISÃO DE PRODUÇÃO DE MATERIAL


Daniele Weidle

SUPERVISÃO DE MOODLE
Andreia Mara Fiala

SECRETARIA ADMINISTRATIVA
Elson Rodrigues Natário Junior
Maria Eduarda dos Santos Teixeira

DESIGN INSTRUCIONAL
Supervisão: Milene Silva de Castro
Gabriel de Melo Cardoso
Márcia Melo Bortolato
Marielly Agatha Machado

DESIGN GRÁFICO
Supervisão: Douglas Luiz Menegazzi
Heliziane Barbosa
Juliana Jacinto Teixeira
Luana Pillmann de Barros
Vinicius Alves Jacob Simões

REVISÃO TEXTUAL
Cleusa Iracema Pereira Raimundo

PROGRAMAÇÃO
Supervisão: Alexandre Dal Fabbro
Cleberton de Souza Oliveira
Thiago Assi

AUDIOVISUAL
Supervisão: Rafael Poletto Dutra
Fabíola de Andrade
Luiz Felipe Moreira Silva Oliveira
Renata Gordo Corrêa

TÉCNOLOGIA DA INFORMAÇÃO
Dalmo Tsuyoshi Venturieri
Wilton Jose Pimentel Filho
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 305

Unidade 1 | ATIVIDADE POLICIAL: 306


COMPONENTES DA PRÁTICA,
ENVOLVIMENTO EM PROCESSOS
JUDICIAIS E ATIVIDADE PRISIONAL

1.1 Componentes da prática: técnica, tática e 306


estratégia policial

1.2 Envolvimento em processos judiciais: meios de 313


prova e meios de obtenção de prova

1.3 Atividade prisional 319

Unidade 2 | EMPREGO DA 324


INTELIGÊNCIA PARA REPRESSÃO
AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME
ORGANIZADO

2.1 Doutrina Nacional de Inteligência de 324


Segurança Pública (DNISP)

2.2 Atividade de investigação e atividade de 326


Inteligência de Segurança Pública

2.3 Técnicas Operacionais de Inteligência de 329


Segurança Pública
Unidade 3 | NOÇÕES BÁSICAS DE 335
ANÁLISE CRIMINAL ANTIDROGAS

3.1 Breve histórico da Análise Criminal 335

3.2 Fundamentos da Análise Criminal 341


Investigativa

Unidade 4 | CONVENÇÕES E 351


ENTIDADES INTERNACIONAIS DE
CONTROLE DE DROGAS E REPRESSÃO
DO NARCOTRÁFICO

4.1 Convenções das Nações Unidas sobre Drogas 351


(1961, 1971 e 1988)

4.2 Convenção de Palermo 360

4.3 Entidades internacionais 1: CND e UNODC 363


(ONU); Comissão Europeia; CICAD (OEA)

4.4 Entidades internacionais 2: INTERPOL, 367


EUROPOL e AMERIPOL

REFERÊNCIAS 373
APRESENTAÇÃO

Olá, cursista!

Neste módulo, apresentaremos os instrumentos e procedimentos


que possibilitam ao Estado brasileiro, em articulação com outras
nações e organizações internacionais, reprimir o narcotráfico e o
crime organizado e promover a segurança pública. Para tanto, iremos
explorar a atividade policial em termos de seus componentes práticos
e seu envolvimento em processos judiciais e, em especial, conhe-
ceremos o importante papel dessa atividade no âmbito prisional.
Também conheceremos as diversas possibilidades de atuação policial
e identificaremos a importância da área de Inteligência de Segurança
Pública para promover estratégias efetivas de repressão ao narco-
tráfico. Estudaremos, ainda, as principais atividades e técnicas de
inteligência policial.

Em seguida, examinaremos a Análise Criminal, desde sua origem e

RA desenvolvimento até seu estado atual e as competências essenciais


de um analista criminal, especialmente aqueles responsáveis pela
Enquadre no seu celular
ou tablet o código de
gestão. Por fim, identificaremos as principais convenções e entidades
REALIDADE AUMENTADA internacionais de controle de drogas e repressão do narcotráfico.
do aplicativo Zappar Esperamos que as competências desenvolvidas neste módulo possam
para assistir ao vídeo de
qualificar ainda mais os agentes que estão, direta ou indiretamente,
apresentação do módulo.
envolvidos com a repressão ao narcotráfico.

Objetivos do módulo

‹ Descrever os aspectos relevantes das atividades policial e


prisional com vistas à previsão, prevenção, neutralização e
repressão do narcotráfico e do crime organizado.

‹ Examinar as bases doutrinárias, os conceitos e as técnicas de


Inteligência de Segurança Pública relacionados à temática
deste módulo.

‹ Identificar as noções básicas de Análise Criminal voltadas ao


enfrentamento do narcotráfico e do crime organizado.

‹ Identificar as principais convenções e entidades relacionadas


à repressão ao narcotráfico e ao crime organizado em
âmbito internacional.

Curso FRoNt
MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 305
Unidade 1
ATIVIDADE POLICIAL:
COMPONENTES DA PRÁTICA,
ENVOLVIMENTO EM PROCESSOS
JUDICIAIS E ATIVIDADE PRISIONAL

Contextualizando
De acordo com Greene (2007), em sua obra “Enciclopédia de Ciência
Policial”, a ciência policial é composta de um amplo conjunto de
atividades que incluem desde a prática de policiamento, no âmbito
individual, até interconexões de policiamento de âmbito coletivo,
que podem abranger o mundo todo.

A ciência policial é multidisciplinar e se intersecciona, principal-


mente, com o campo do direito e das ciências físicas (no caso da
ciência forense, por exemplo). Essa ciência também se serve da
psicologia, da sociologia, das políticas públicas, da história, da eco-
nomia, da geografia e de métodos de avaliação e análise estatística,
bem como da criminologia e da administração da justiça. O exercício
da atividade policial, incluindo seus métodos e procedimentos, é,
portanto, informado por variados domínios do conhecimento.

Assim, nesta unidade, apresentaremos alguns métodos e proce-


dimentos policiais que demandam conhecimentos e habilidades
técnicas específicas e também multidisciplinares para sua aplicação.
Por meio desta apresentação, objetivamos aumentar seu grau de
clareza acerca do emprego de métodos e procedimentos policiais
em diferentes âmbitos (civis ou militares, individuais ou coletivos,
externos ou em presídios etc.), os quais, quando corretamente uti-
lizados, podem contribuir para uma repressão eficaz ao narcotráfico
e ao crime organizado.

1.1 Componentes da prática: técnica,


tática e estratégia policial

A atividade policial é composta especialmente por três importantes


elementos: a técnica, a tática e a estratégia policial. Vamos examinar
cada um desses conceitos a seguir.

De acordo com o “Caderno Doutrinário 2: Tática Policial, Abordagem


a Pessoas e Tratamento às Vítimas”, publicado pela Polícia Militar
de Minas Gerais (PMMG), em 2013:

Curso FRoNt
MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 306
Entende-se por técnica policial o conjunto dos métodos e
procedimentos utilizados na execução da atividade policial.
O estabelecimento de técnicas visa alcançar os princípios da
eficiência, segurança e legalidade.

(POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE MINAS GERAIS,


2013, p. 21)

A técnica é um dos componentes mais importantes da prática poli-


cial. Para cada recurso utilizado no serviço policial, seja humano ou
material, existem técnicas preestabelecidas.

É importante distinguir entre técnica policial e tática policial. Ainda


RA de acordo com o caderno doutrinário da PMMG, a expressão técnica
Enquadre no seu celular policial está relacionada ao “como fazer”. Já a expressão tática poli-
ou tablet o código de cial está relacionada à forma de se empregar, com eficácia, recursos
REALIDADE AUMENTADA
técnicos que se tenham à disposição em dada situação. Portanto,
do aplicativo Zappar para
assistir ao vídeo animado a tática define quais técnicas precisam ser utilizadas para maximizar
sobre Técnica Policial. a obtenção de sucesso em cada caso.

O policial, em seu turno de serviço, principalmente em situações de


emergência, por vezes precisa tomar decisões em frações de segundo.
O mesmo ocorre com outras categorias profissionais, a exemplo dos
bombeiros e dos médicos. Isso exige desses profissionais a apresen-
tação de habilidades de inteligência muscular e de técnicas específicas.

Para desenvolver habilidades de inteligência muscular, o policial,


em particular, precisa ser submetido a treinamentos baseados em
repetições, de modo que o possibilitem usar o seu próprio corpo com
grande precisão quando necessário ou oportuno. Um dos benefícios
desses tipos de treinamento é o desenvolvimento da capacidade de
decidir o que fazer em dada situação e executar ações correspondentes
a essa decisão em menor tempo.

Imagine, como exemplo, um policial realizando um patrulhamento


noturno, em uma rua mal iluminada, que se depara com uma potencial
ameaça. Quase que de forma instantânea, o policial precisa distinguir
se está diante de uma pessoa comum ou diante de um criminoso que
está a ponto de tirar-lhe a vida, precisa decidir efetuar ou não um
disparo. Caso decida realizar o disparo, necessita sacar sua arma,
identificar pontos que neutralizem unicamente a ação do agressor e
efetuar um disparo correto. Nesse contexto, um treinamento ante-
rior, baseado em repetições, poderá possibilitar ao policial efetuar o
disparo mantendo os olhos no alvo a todo instante, sem olhar para
a arma e no menor tempo possível, talvez, salvando-lhe a vida.

Curso FRoNt
MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 307
Como ilustrado pelo exemplo anterior, tanto a vida dos cidadãos
comuns quanto a vida dos policiais podem ser preservadas, caso não
haja falha técnica ou execução de atitudes precipitadas e equivocadas
no uso de armas por policiais, ou caso não haja falhas no julgamento
ou no tempo de reação. Portanto, um desenvolvimento técnico de
qualidade é essencial para o trabalho eficaz de um policial.

A técnica policial pode variar a depender do âmbito de atuação do


policial. Um policial que faça parte de uma unidade de operações espe-
ciais, como o Batalhão de Operações Especiais (BOPE) de uma Polícia
Militar ou o Comando de Operações Táticas (COT) da Polícia Federal,
por exemplo, precisa dominar técnicas que raramente são exigidas
dos demais policiais. Como exemplo dessas técnicas podemos citar:

A forma de
adentramento/
O manuseio penetração em
de material regiões dominadas
explosivo. pelo narcotráfico,
em que há conflitos
armados de baixa
intensidade.

Se as técnicas de uso de explosivos e adentramento serão empre-


RA gadas ou cederão lugar a outras alternativas no cumprimento de um
Enquadre no seu celular mandado de prisão contra um traficante de alta periculosidade, isso
ou tablet o código de é questão de escolha tática.
REALIDADE AUMENTADA
do aplicativo Zappar para
assistir ao vídeo que trata Sobre o contexto da técnica de adentramento/penetração mencio-
dos desafios da atividade nada acima, é importante explicarmos o que é um conflito de baixa
policial. intensidade. Via de regra, é um conflito que possui natureza políti-
co-militar e vai da propaganda e da subversão ao uso real de forças
militares. Esse tipo de conflito pode ocorrer entre Estados ou entre
grupos rivais (grupos subnacionais), abaixo dos níveis de uma guerra
convencional e acima dos níveis quotidianos e ordinários de disputas
em tempos de paz. O termo conflito de baixa intensidade vem sendo
cada vez mais empregado para caracterizar as confrontações entre
grupos criminosos ligados ao narcotráfico na América Latina ou
entre esses e a polícia.

Apesar de as técnicas poderem variar a depender das características


do âmbito de atuação, às vezes, mesmo que este seja diferente, as téc-
nicas podem ser as mesmas. É o caso, por exemplo, quando membros
de forças de Segurança Pública necessitam executar técnicas típicas
do contexto militar, assim como aqueles que operam em situações
de violência urbana como nos morros cariocas.

Curso FRoNt
MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 308
Agora que temos maior clareza acerca da distinção entre técnica e
tática policial, convém ressaltar que, independentemente da natureza
do trabalho realizado pelos integrantes das organizações policiais,
eles podem carregar consigo uma grande variedade de equipamentos.
Em todos os casos, para operar tais equipamentos, o policial precisa
ser dotado de técnicas policiais apuradas. Alguns dos equipamentos
mais comuns utilizados por policiais são:

ESPARGiDOR - SPRAY
DE PiMENTA

CÂMERA
CASSETETE CORPORAL

REVÓLVER PiSTOLA

ARMA DE iNCAPACiTAÇÃO
NEUROMUSCULAR

Policiais uniformizados costumam portar mais equipamentos do que


policiais que atuam à paisana em investigações. Por sua vez, inte-
grantes de forças especiais e de controle de distúrbio civil costumam
trazer consigo ainda mais equipamentos.

Os equipamentos e armamentos, entretanto, não se limitam àqueles


que o policial traz junto ao próprio corpo. Outros equipamentos
também o cercam no veículo policial (viatura) e em outros diversos
contextos de trabalho. A própria pilotagem de viaturas, sobretudo as
ostensivas, exige o domínio de técnicas específicas. Do mesmo modo,
quem opera equipamentos de escuta ambiental ou de interceptação
telefônica no contexto de forças-tarefas contra o crime organizado
e crimes conexos, como corrupção e lavagem de dinheiro, também
precisa dominar algumas técnicas.

Em que pese a relevância do domínio técnico de ferramentas utilizadas


no contexto da atividade de polícia, é preciso que você saiba que a
técnica policial não se limita ao manuseio eficaz de armamentos e
equipamentos. Policiais que atuam de forma ostensiva no policia-
mento preventivo ou na execução de mandados de prisão, busca e
apreensão, por exemplo, também precisam ser hábeis em técnicas
de imobilização/contenção de pessoas e de defesa pessoal.

Curso FRoNt
MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 309
Nessas mesmas situações, igualmente se espera que os policiais sejam
hábeis em técnicas tipicamente militares, como a busca de abrigos
e coberturas em situações de confronto armado. Já em cenários em
que há reféns ou criminosos encurralados que resistem a se render,
esperam-se habilidades mínimas em relação a técnicas de mediação
e negociação. Essas, por sua vez, envolvem conhecimentos em áreas
como Direito e Psicologia.

Em relação à Psicologia, essa área pode contribuir significativa-


mente com a atividade policial. Vejamos, a seguir, alguns exem-
plos de técnicas oriundas da psicologia que podem ser úteis para o
trabalho policial:

TÉCNiCAS TÉCNiCAS TÉCNiCAS


AMBiENTAiS INTERROGATÓRiAS INVESTiGATiVAS

O estudo da interação das pessoas O emprego de técnicas O emprego de técnicas


com seus ambientes pode auxiliar interrogatórias da Psicologia psicológicas investigativas pode
na identificação de fatores no pode auxiliar na elucidação de auxiliar os policiais no processo
espaço urbano que favorecem crimes por meio de entrevistas de prisão e apresentação de
comportamentos antissociais com vítimas ou acusados. criminosos à Justiça.
como o consumo de drogas.

Os conhecimentos oriundos da Psicologia são também especialmente


úteis para o desenvolvimento de técnicas de persuasão e tomada de
decisão. Além disso, também auxiliam na caracterização dos perfis
das vítimas e criminais.

saiba mais

Em 2017, em um esforço para unir a ciência à atividade


policial e aprimorar a técnica dos negociadores policiais,
a Polícia Militar do Distrito Federal inovou o módulo
de Psicologia do Curso de Negociadores do Batalhão
de Operações Especiais (BOPE). A instituição contou
com conhecimentos e experiências de pesquisadores
do Grupo Influência da Universidade de Brasília (UnB).
Para entender como foram os 45 dias de curso, acesse a
matéria “Formatura do V Curso de Negociador Policial”,
disponível em: http://www.pmdf.df.gov.br/index.php/
institucionais/15557-formatura-do-v-curso-de-
negociador-policial.

Curso FRoNt
MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 310
Para a efetividade da atividade policial, também há necessidade de
que existam policiais hábeis no emprego de técnicas de inteligência.
Trata-se de algo ainda mais significativo no contexto do enfren-
tamento do narcotráfico e do crime organizado intra e transnacio-
nalmente localizados.

Isso tanto é verdade que a Agência das Nações Unidas sobre Drogas
e Crime (UNODC), em um módulo instrucional intitulado “Ferra-
menta para aplicadores da lei e cooperação”, em uma capacitação
sobre crime organizado, em 2018, pontuou especificamente o tópico
“Técnicas de investigação e de reunião de inteligência”, com a citação
de técnicas de vigilância eletrônica e operações veladas. O Departa-
mento Federal de Investigação, unidade de polícia do Departamento
de Justiça dos Estados Unidos (FBI), se manifesta da mesma forma,
em sua página na internet, quando explicita a importância de técnicas
como vigilância eletrônica, operações veladas, uso de informantes
e entrevistas com vítimas para levantamento de informações que
sirvam às ações de inteligência policial.

Além das técnicas e táticas, outro importante conceito relacionado


à atividade policial é o de estratégia, que se refere ao planejamento
e às decisões policiais em um âmbito macro, geralmente organiza-
cional, de médio e longo prazo.

Com base em Bergue (2013), a estratégia organizacional


pode ser compreendida como um conjunto de ações gerenciais
orientadas para o posicionamento eficiente, eficaz e efetivo de
uma organização e, consequentemente, de seus membros,
em um cenário futuro específico. Desse modo, a estratégia envolve
coordenar ações de diferentes partes da organização de maneira
integrada, a fim de atingir um ou mais objetivos em comum,
a partir das diretrizes estabelecidas por gestores.

A noção de estratégia policial possui uma relação direta com a for-


mulação de políticas públicas. A decisão de investir mais recursos
em equipamentos e no aprimoramento técnico e tático policial para
a repressão ao narcotráfico, por exemplo, é de nível estratégico e
compõe a formulação de políticas públicas sobre combate ao tráfico
de drogas. Vejamos, a seguir, o caso de uma viatura da Polícia Rodo-
viária Federal alvejada em troca de tiros com criminosos:

Curso FRoNt
MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 311
prfoficial

36.000 curtidas

prfoficial Na última terça-feira (01), em uma


ação conjunta com a @pmproficial, após troca
de tiros com um veículo envolvido no assalto
Fonte: Instagram da Polícia Rodoviária Federal – ao banco da cidade de Floraí (PR), nossa viatura
Unidade de Floraí, Paraná. foi alvejada com vários disparos. Devido à
blindagem, os policiais saíram sem ferimentos.

Neste caso, foi apenas devido ao investimento estratégico na blin-


dagem da viatura que a vida dos policiais foi salva. Assim, ainda que
as decisões estratégicas sejam geralmente tomadas em mesas de
reuniões, aparentemente distantes da prática em campo, elas afetam
diretamente as ações cotidianas dos policiais.

A Polícia Rodoviária Federal (PRF) é uma instituição bastante


estratégica no combate ao narcotráfico e ao crime organizado no
Brasil. Isso fica ainda mais evidente quando nos lembramos de
que boa parte da produção de derivados de cocaína e da folha de
maconha sai de nossos países vizinhos (Colômbia, Bolívia, Peru e
Paraguai) e é escoada pelas rodovias federais brasileiras. Portanto,
tal qual deve ser para as demais forças policiais, com a PRF não pode
ser diferente: seus integrantes precisam ser altamente treinados
nas mais variadas técnicas policiais.

Curso FRoNt
MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 312
Nesse sentido, em 2019, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) formou a
maior turma de novos ingressantes de sua história. O Curso de For-
mação Profissional da PRF (CFP/2019) formou mais de 1000 novos
agentes. No trecho abaixo, note a ênfase dada ao enfrentamento do
tráfico de drogas e os temas da capacitação técnica que os alunos
receberam para torná-lo mais eficaz:

| Alguns temas de capacitação técnica da PRF:

‹ Enfrentamento ao Tráfico de Drogas ‹ Técnicas de Defesa Policial

‹ Armas e Munições ‹ Uso Diferenciado da Força

‹ Enfrentamento a Fraudes Veiculares ‹ Fiscalização de Trânsito

‹ Direitos Humanos e Cidadania ‹ Aspectos Legais dos Procedimentos Policiais

‹ Técnicas de Abordagem Policial ‹ Atendimento de Primeiros Socorros

‹ Prática de Tiro ‹ Ética e Atividade Policial

‹ Condução Veicular Policia ‹ Relações Humanas, entre outros.

Por fim, é preciso ressaltar que a falha no emprego de uma técnica


RA policial pode levar a consequências graves e, por vezes, duradouras
Enquadre no seu celular e irreversíveis, tanto para vítimas quanto para acusados, policiais e
ou tablet o código de instituições. Nesse sentido, é essencial planejar e coordenar ações,
REALIDADE AUMENTADA
a fim de aperfeiçoar, continuamente, as técnicas, táticas e estra-
do aplicativo Zappar para
assistir ao vídeo sobre a tégias policiais, evitando, por exemplo, processos judiciais por
PRF e o investimento em abuso de autoridade, em decorrência de violência arbitrária ou do
recursos humanos. uso indevido da força.

1.2 Envolvimento em processos


judiciais: meios de prova e meios
de obtenção de prova
Além da técnica, da tática e da estratégia, também são essenciais os
meios de prova e de obtenção de prova para dar suporte aos processos
judiciais, de modo que seja possível, em conformidade aos direitos e
garantias constitucionais, condenar criminosos e possibilitar o des-
mantelamento ou o enfraquecimento de suas organizações e redes.
Tudo isso tendo policiais, promotores e o próprio Judiciário atuando
de forma articulada e harmônica com base em evidências.

A atividade policial, nessa direção, envolve principalmente a utilização


de meios de prova, para a contestação e convencimento dos juízes,

Curso FRoNt
MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 313
e dos meios de obtenção de prova, como o próprio nome indica,
para obter provas. A seguir, vamos examinar alguns conceitos do
campo do Direito para melhor compreendermos o envolvimento de
atividades policiais nos processos judiciais.

Primeiramente, precisamos desenvolver uma noção básica de como


funciona um processo judicial. Podemos representar um processo
judicial, de maneira simplificada, da seguinte maneira:

Ou seja, um processo judicial envolve um juiz, que recebe elementos


probatórios (provas) das partes envolvidas e possibilita a cada parte
contestar (contraditar) o que foi apresentado pela outra. Por partes
envolvidas, podemos citar aqueles que executam a acusação e aqueles
que executam a defesa. Usualmente, do lado da acusação está um
representante do Ministério Público, por exemplo, um promotor de
justiça, e, do outro lado, um advogado ou defensor público defen-
dendo o réu (acusado).

É justamente a partir desse triângulo processual que, no final do


processo, o magistrado (juiz) emite uma sentença baseada em sua
livre convicção acerca da verdade dos fatos que emergem das provas
produzidas em juízo, ou seja, durante o processo judicial.

De acordo com o artigo 155 do Código de Processo Penal brasileiro,


alterado pela Lei nº 11.690, de 9 de julho de 2008:

Curso FRoNt
MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 314
Código de Processo Penal
Art. 155.

O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida


em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão
exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação,
ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Ou seja, em termos mais simples, além de outros aspectos legais,


para alguém ser condenado por algum crime no Brasil, existe a ne-
cessidade de se apresentarem provas produzidas ao longo de um
processo judicial.

Mas o que exatamente é considerada uma prova em um processo


judicial? Apesar de não fazer parte da legislação penal, o Código de
Processo Civil brasileiro, em seu artigo 369, define uma prova em
um processo judicial como:

Código de Processo Penal


Art. 369.

[...] todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos,


ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos
fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na
convicção do juiz.

É importante ressaltar que esses meios legais podem ser empregados


por ambas as partes envolvidas num processo judicial, ou seja, tanto
pela acusação quanto pela defesa.

saiba mais
Para entender mais sobre o princípio da verdade real e
sobre os tipos de verdade que vigoram no processo penal
e no processo civil, acesse o texto “Princípio da Verdade
Real”, disponível em: https://sites.google.com/site/
zeitoneglobal/processo-penal-i/2-06-principio-da-
verdade-real.

Curso FRoNt
MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 315
Desse modo, a fim de convencer o juiz a chegar a um veredito num
processo judicial, são necessárias provas e meios de apresentá-las.
Isto nos leva a dois importantes conceitos que precisam ser devi-
damente caracterizados e distinguidos: os “meios de obtenção de
provas” e os “meios de prova”.

Meios de obtenção de prova Meios de prova

Dizem respeito às formas e recursos São os meios utilizados pelos envolvidos no


empregados para se obterem os elementos processo judicial para convencerem o juiz,
probatórios de um processo, tais como ou seja, dizem respeito à apresentação e à
laudos periciais, gravações de conversas forma de apresentação de provas obtidas.
entre acusados, versões de testemunhas
reduzidas a termo em depoimentos etc.
Nessa categoria, estão escutas telefônicas
e ações de busca e apreensão de pessoas e
objetos ligados ao crime.

Assim, os meios de obtenção de prova são típicos da fase pré-proces-


RA sual, em contexto de flagrante de delito, das investigações conduzidas
Enquadre no seu celular no âmbito do inquérito policial, ou de investigações complementares
ou tablet o código de que ocorrem mediante requisição do Ministério Público. Já os os
REALIDADE AUMENTADA
meios de provas, em regra, estão circunscritos à fase processual
do aplicativo Zappar para
assistir ao vídeo sobre o uso da persecução criminal.
de cães farejadores como
meio de obtenção de provas
É importante ressaltar que, em todos os casos, os meios de obtenção
contra o narcotráfico.
de provas empregados na fase pré-processual agridem, mesmo que
legitimamente e em menor grau, direitos fundamentais, como os de
privacidade, propriedade e liberdade, por exemplo; portanto, precisam
de autorização de um juiz para serem levados a efeito. São exemplos
de tais meios de obtenção de provas as interceptações telefônicas e
o confisco de bens de pessoas que ainda sequer foram condenadas.

glossário Não obstante, tome nota que, mesmo não sendo a regra, também
pode haver o emprego de meios de obtenção de prova durante a fase
processual. Esse é o caso da colaboração premiada.
A colaboração premiada é um meio
de obtenção de prova que se baseia na A colaboração premiada alcançou notoriedade ao ser usada pelo ma-
oferta de benefícios àquele que confessar gistrado italiano Giovanni Falcone para impor severas perdas à famosa
e prestar informações que sirvam ao organização mafiosa italiana Cosa Nostra. Um artigo publicado na
esclarecimento de crimes cometidos. plataforma JusBrasil, intitulado “Investigação e dos meios de obtenção
da prova”, se refere à colaboração premiada da seguinte forma:

Curso FRoNt
MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 316
A colaboração premiada é uma modalidade de meio de
obtenção de prova disponibilizada às partes envolvidas
na persecução criminal, tanto em sua fase investigativa
quanto em sua fase processual, possibilitando a
negociação entre os agentes públicos encarregados da
atividade de persecução e os integrantes de organização
criminosa, com vistas ao fornecimento de informações
que se prestem ao desmantelamento da organização,
a identificação de seus integrantes e a repressão e punição
das atividades ilícitas por ela desenvolvidas.

(INVESTIGAÇÃO..., 2016)

Apesar de já possuir alguns de seus elementos na Lei nº 8.072, de 25


de julho de 1990 (Lei dos Crimes Hediondos), a delação premiada,
ou colaboração premiada, ganhou melhores contornos no Brasil
com a aprovação da Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013, que de-
fine organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal,
os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o pro-
cedimento criminal. Porém, foi com o chamado Pacote Anticrime
(Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019) que o instituto ganhou
ainda mais força no país.

Onde está, então, a relação da atividade policial com os processos


judiciais? Essa relação está, principalmente, na utilização de meios
de obtenção de provas pelos policiais, seja na fase pré-processual,
como usualmente ocorre, seja na fase processual, como nos casos
em que ocorre a colaboração premiada.

Foto: © [Björn Wylezich] / Adobe Stock.

Em 2012, o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime


(UNODC) publicou um documento baseado em estudos de caso
com lições aprendidas sobre o combate ao crime organizado,
denominado “Digest of organized crime cases: A compilation of
cases with commentaries and lessons learned”, ou “Resumo de casos
de crime organizado: uma compilação de casos com comentários e

Curso FRoNt
MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 317
lições aprendidas”. Uma das assertivas trazidas pelo UNODC neste
documento é a necessidade de haver uma abordagem proativa e
altamente especializada por parte de policiais e promotores de
justiça para combater o crime organizado. Nesse sentido, há dois
elementos de particular importância em uma abordagem proativa.
Vejamos, a seguir, quais são eles.

1
O primeiro desses elementos é a própria natureza das
investigações sobre as organizações criminosas.
Recolher e analisar informações sobre a história, a composição,
os meios empregados, os objetivos e modus operandi de grupos
criminosos, bem como das redes e mercados ilícitos,
são componentes essenciais de qualquer investigação e
geralmente também são importantes fatores desencadeantes de
outras frentes investigativas e de obtenção de meios de prova.

2
O segundo elemento, que tem sido exemplo de boas práticas,
consiste em ampliar a investigação e abranger toda a estrutura
e conduta de grupos ou redes criminosas, independentemente
de quão pequeno era o caso no início, com o objetivo final de
prevenir crimes futuros.

Há necessidade de se investigar mesmo os pequenos eventos crimi-


nosos, pois esses podem ser a ponta do novelo de toda uma sequência
de fatos que podem descortinar uma organização criminosa. A Ope-
ração Lava Jato, maior do tipo no desbaratamento de organizações
criminosas na história do Brasil, é um exemplo disso.

Segundo a Polícia Federal, o Posto da Torre, situado a 3 km do


Congresso Nacional, funcionava como uma espécie de “caixa
eletrônico da propina” na capital federal. Em um escritório situado
no local, teriam sido gerenciadas contas que movimentaram pelo
menos R$ 10,8 milhões entre 2007 e 2014.

As informações do fluxo financeiro do Posto da Torre foram


extraídas de um CD apreendido pela Polícia Federal nas
dependências do estabelecimento, cujo proprietário era o doleiro
Carlos Habib Chater.

Em conclusão, verifica-se a importância da investigação, recolhi-


mento e análise de informações, por parte dos policiais, mesmo em
crimes de menor magnitude, a fim de obterem provas que possam

Curso FRoNt
MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 318
subsidiar novas investigações, condenações e o desmantelamento
de organizações e redes criminosas.

1.3 Atividade prisional

Agora que temos maior clareza acerca da importância da técnica


policial e de como a atividade policial pode contribuir para processos
judiciais e para a prevenção de crimes e promoção da justiça, vamos,
a seguir, compreender alguns aspectos importantes da atividade
policial no sistema prisional.

Para desenvolver uma noção básica do Sistema Prisional Federal,


chamamos sua atenção às palavras da Ministra Maria Thereza de
Assis Moura, do Superior Tribunal de Justiça, pronunciadas durante
o X Workshop sobre o Sistema Penitenciário Federal (2020) e repro-
duzidas nos anais desse mesmo evento:

O Sistema Prisional Federal é o nome dado ao conjunto


de unidades federais de execução penal, cuja previsão
está expressa na Lei de Execução Penal e na Lei de Crimes
Hediondos, anunciado em 2003 e implantado em 2006
com a unidade de Catanduvas, no Paraná. Atualmente,
o Sistema conta com outras quatro unidades: Porto Velho,
Mossoró, Campo Grande e Brasília. Cada penitenciária
federal tem capacidade para 208 presos e obedece ao
mesmo projeto arquitetônico, que foi inspirado no modelo
da SuperMax do sistema americano, o qual é realizado por
regramento específico, baseando-se em rígidas exigências
de inclusão e manutenção de presos.

(MOURA, 2020 apud WORKSHOP SOBRE O SISTEMA


PENITENCIÁRIO FEDERAL, 2020, p. 14)

O sistema prisional possui papel fundamental no combate ao crime


organizado e ao narcotráfico. Uma das maiores contribuições do sis-
tema prisional para esse combate é o isolamento e o monitoramento
de líderes de organizações criminosas.

Contudo, é também dentro do âmbito prisional que, por vezes,


se formam organizações criminosas que, por meio da utilização de
mecanismos dos mais diversos, dispõem de significativa influência
sobre a ocorrência de crimes na sociedade.

Curso FRoNt
MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 319
Foto: © [poco_bw] / Adobe Stock.

Essa foi uma das razões que levaram o Estado brasileiro à criação
de penitenciárias federais, nas quais há o chamado regimento penal
diferenciado de tratamento para líderes de facções. Esse é o caso do
líder do PCC, Marcos Camacho (Marcola), preso na Penitenciária
Federal em Brasília.

O regime penal diferenciado impôs às organizações criminosas a


necessidade de buscar alternativas para restabelecer a comunicação
entre seus líderes presos e soltos. Uma das alternativas encontradas
é a cooptação de advogados, que desviam as prerrogativas da classe,
previstas no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, para o fo-
mento da atividade criminosa.

saiba mais
Veja um exemplo dessa questão da cooptação de
advogados. O Grupo de Atuação Especial de Combate
ao Crime Organizado (GAECO), do Ministério Público do
Estado de São Paulo (MPSP), deflagrou operação para
desarticular a célula jurídica da organização criminosa que
atua no estado, a chamada Primeiro Comando da Capital
(PCC). A Operação Fast Track, com o apoio da Polícia
Militar, cumpriu 13 mandados de prisão e 23 mandados
de busca e apreensão. Leia mais sobre o acontecimento
na matéria: “Gaeco prende 8 advogados e líder nacional
de célula jurídica do PCC”, disponível em: http://www.
mpsp.mp.br/portal/page/portal/noticias/noticia?id_
noticia=23663938&id_grupo=118.

Da mesma forma, não foi por acaso que, logo após o assassinato de
Giovanni Falcone e Paolo Borsellino, símbolos da luta contra a máfia e
o crime organizado na Itália, uma das principais medidas adotadas pelo
sistema penal italiano foi o recrudescimento do regime para o cumpri-
mento de penas: o chamado sistema penal bipolar, ou duplo binário.

Curso FRoNt
MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 320
O sistema duplo binário garantia tratamento diferenciado para os
criminosos integrantes de organizações mafiosas. Estes podiam
ser, simultaneamente, submetidos a pena e a medida de segurança.
Diferentemente do sistema vicariante, no qual, após a condenação
ser estabelecida pelo juiz e o criminoso cumprir a pena privativa de
liberdade, o juiz analisa novamente o caso, podendo ou não decidir
por implementar uma medida de segurança.

Já vimos, neste curso, que a mistura de presos comuns e presos políticos


no presídio da Ilha Grande no Rio de Janeiro é considerada uma das
principais causas do surgimento do Comando Vermelho (CV). Também
já estudamos que o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da
Capital (PCC), a exemplo das organizações Barrio 18 e Mara Salvatrucha
(MS-13) da América Central e do Norte, são consideradas organizações
criminosas penitenciárias (ou gangues penitenciárias) por sua forte in-
fluência nas prisões e coordenação de operações externas a partir destas.

Assim sendo, a atividade prisional apresenta alta complexidade tanto


por seus desafios intra quanto extramuros. Por um lado, existe a tensão
constante com a possibilidade de rebeliões em prisões superlotadas;
por outro, tem-se a constrangedora participação de presos em ações
fora das penitenciárias. Desse modo, por um lado, o policial penal
precisa, por exemplo, coibir o tráfico de drogas dentro do presídio;
por outro, precisa evitar que presos articulem as ações do tráfico nas
ruas e morros a partir das unidades prisionais.

Foto: © [SecondSide] / Adobe Stock.

Por isso, da mesma maneira que o policial, seja ele militar, federal, civil
ou rodoviário, e o guarda municipal precisam passar por capacitações
constantes com vistas ao seu aperfeiçoamento técnico, o policial
penal também precisa passar por constante aprimoramento de seus
conhecimentos, habilidades e atitudes. É especialmente importante
que o policial penal seja hábil para, por exemplo, obter provas que
subsidiem a autorização de juízes para a realização de ações que
promovam o desmantelamento de organizações criminosas dentro
das prisões ou articuladas a partir delas.

Curso FRoNt
MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 321
saiba mais
Talvez, você não esteja familiarizado com o termo “policial
penal”. Até pouco tempo, os profissionais responsáveis por
ações como custódia e escoltas de presos eram conhecidos
apenas como agentes penitenciários, agentes carcerários,
entre outras designações. Com a Emenda Constitucional
nº 104, de 4 de dezembro de 2019, houve a alteração do
inciso XIV do caput do art. 21 do § 4º do art. 32 e do art. 144
da Constituição Federal, e assim foram criadas as polícias
penais federal, estaduais e distrital. Leia mais sobre o
assunto na “Emenda Constitucional, Nº 104”, disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/
emendas/emc/emc104.htm e na matéria “Polícia Penal:
afinal, o que é?”, disponível em: https://www.politize.
com.br/policia-penal/#:~:text=O%20policial%20
penal%2C%20anteriormente%20conhecido,dos%20
detentos%20nas%20casas%20penais.

O policial penal é responsável por coibir o acesso dos detentos a apa-


relhos celulares. Essa é, contudo, apenas uma das medidas necessárias
para que os criminosos presos não se comuniquem com os membros
de suas organizações que ainda estão à solta.

É justamente por esse tipo de comunicação que organizações como o


PCC coordenam, por exemplo, atentados contra agentes públicos ou
outras pessoas com as quais tenham desafetos. Essas comunicações
entre criminosos presos e soltos também são responsáveis pelos
conhecidos “salves”, os quais já foram tratados neste curso.

Sobre a possibilidade de líderes de facções emitirem salves a partir


dos presídios e a importância do regime penal diferenciado, veja o
que diz o jurista e magistrado brasileiro Walter Nunes da Silva Júnior,
Coordenador Geral do X Workshop do Sistema Penitenciário Federal,
ocorrido em março de 2020, em Brasília:

O regime fechado, em presídio federal, é de isolamento


e monitoramento. Enquanto estiver em presídio federal,
embora sejam respeitados os direitos fundamentais, o preso
não fará jus ao direito à visita íntima. Se assim não for,
resta evidente que o encarcerado, ainda que recolhido a
presídio federal, terá todas as possibilidades de continuar
gerindo a empresa criminosa, mediante a emissão de salves
por meio de cônjuge.

(SILVA JÚNIOR, 2020, p. 21)

Curso FRoNt
MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 322
É preciso destacar que, assim como a coibição do acesso ao celular,
a simples vedação do acesso de presos a visitas íntimas não é suficiente
para interromper as comunicações das organizações criminosas a
partir dos presídios. Para tanto, o emprego de técnicas de investigação
e inteligência é imprescindível.

Podcast transcrito

Você já pensou na relevante contribuição dos policiais


penais para a vida em nossa sociedade? Você sabia que nos
Estados Unidos esses policiais possuem até mesmo uma
semana do ano em que são homenageados?

“Como os policiais prisionais trabalham atrás dos


muros das prisões ou cadeias, muitas vezes deixamos
de reconhecer o papel vital que eles desempenham
na segurança pública. A Semana Nacional de Oficiais
Correcionais (policiais prisionais), que ocorre de 3 a 9 de
maio, é um momento para homenagear formalmente as
dezenas de milhares destes funcionários que servem nosso
país em instalações locais, estaduais e federais, incluindo
os mais de 36.000 funcionários do Departamento Federal
de Prisões”, indica Katharine T. Sullivan, Vice Procuradora
Geral Adjunta Principal.

Fonte: https://www.ojp.gov/news/ojp-blogs/2020-ojp-
blogs/dedication-corrections-officers.

Em síntese, o policial em atividade prisional enfrenta alguns desafios


singulares e que demandam uma articulação integrada e coordenada
entre estratégia, tática e técnica policial. Assim, o policial penal é
especialmente responsável por monitorar e investigar a ação de
criminosos presos, a fim de coibir articulações criminosas intra e
extramuro, que ocorrem por diferentes meios, e obter provas que
viabilizem a realização de ações para desmantelamento de organi-
zações e redes criminosas, de modo a combater e prevenir crimes.

Curso FRoNt
MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 323
Unidade 2
EMPREGO DA INTELIGÊNCIA PARA
REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E
AO CRIME ORGANIZADO

Contextualizando
Nesta unidade, apresentaremos as bases doutrinárias nacionais
de Inteligência em Segurança Pública, distinguiremos atividade
de investigação e atividade de Inteligência de Segurança Pública,
e conheceremos algumas Técnicas Operacionais de Inteligência e
resultados esperados de seu uso.

Por meio desta apresentação, objetivamos aumentar seu grau de


competência para caracterizar o trabalho de Inteligência em Se-
gurança Pública de modo a aumentar a probabilidade de que você
possa contribuir para uma repressão eficaz do narcotráfico e do
crime organizado, por meio da participação ou cooperação com
ações de inteligência.

Para tanto, usaremos como ponto de partida para nosso estudo a Dou-
trina Nacional de Inteligência de Segurança Pública (DNISP) em sua
interface com a Doutrina de Inteligência em seu contexto mais amplo.

2.1 Doutrina Nacional de


Inteligência de Segurança
Pública (DNISP)
Para que possamos compreender a importância e as ações da Inteli-
gência de Segurança Pública (ISP), primeiramente, precisamos au-
mentar nosso grau de clareza acerca do que está sendo entendido como
inteligência neste contexto. De acordo com Ferro Júnior (2008, p.12):

Inteligência é a atividade de produção de conhecimento


para o assessoramento da tomada de decisão.

(FERRO JÚNIOR, 2008, p. 12)

Curso FRoNt
MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 324
O conceito de inteligência também se encontra definido em termos
legislativos, conforme veremos a seguir.

Lei nº 9.883
de 7 de dezembro de 1999

Art. 1º

§ 2º Para os efeitos de aplicação desta Lei, entende-se como


inteligência a atividade que objetiva a obtenção, análise e disseminação
de conhecimentos dentro e fora do território nacional sobre fatos
e situações de imediata ou potencial influência sobre o processo
decisório e a ação governamental e sobre a salvaguarda e a segurança
da sociedade e do Estado.

Uma vez identificado o conceito de inteligência, vejamos, a seguir,


como a lei define a Inteligência de Segurança Pública (ISP).

Decreto nº 3.695
de 21 de dezembro de 2000

Art. 1º

Fica criado, no âmbito do Sistema Brasileiro de Inteligência, instituído


pela Lei nº 9.883, de 7 de dezembro de 1999, o Subsistema de
Inteligência de Segurança Pública, com a finalidade de coordenar
e integrar as atividades de inteligência de segurança pública em
todo o País, bem como suprir os governos federal e estaduais de
informações que subsidiem a tomada de decisões neste campo.

Nesse sentido, a ISP é um sistema de inteligência que obtém, produz,


sistematiza, analisa e dissemina conhecimentos que subsidiem os
governos na tomada de decisões no que tange à Segurança Pública.

A definição da atividade da ISP também pode ser formalmente en-


contrada na Resolução nº 01/SENASP/2009, mais precisamente na
alínea X do parágrafo 4º do art. 1º, a saber:

Resolução nº 01/SENASP/2009
Art. 1º

§ 4º, X A atividade da Inteligência de Segurança Pública é técnica


especializada, permanentemente exercida e orientada para a produção
e salvaguarda de conhecimentos de interesse da segurança pública
que, por seu sentido velado e alcance estratégico, configurem segredos
de interesse do Estado e das instituições, objetivando assessorar as
respectivas chefias em qualquer nível hierárquico.

Curso FRoNt
MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 325
No âmbito do Governo Federal, integram o Subsistema de Inteligência
de Segurança Pública:

Ministério da Justiça e Segurança Pública

Ministério da Economia

Ministério da Defesa

Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República

A lei também faz menção ao Ministério da Integração Nacional, porém


este foi extinto. O órgão central do Subsistema de Inteligência de Segu-
rança Pública é a Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP).

Lei nº 9.883
de 7 de dezembro de 1999

Art. 2º

§ 2º Poderão ainda integrar o Subsistema de Inteligência de


Segurança Pública os órgãos de Inteligência de Segurança Pública dos
Estados e do Distrito Federal.

De acordo com o Decreto nº 3.695, § 3º, art. 2º, cabe aos integrantes
da ISP, no âmbito de suas competências, identificar, acompanhar e
avaliar ameaças reais ou potenciais de Segurança Pública e produzir
conhecimentos e informações que subsidiem ações para neutralizar,
coibir e reprimir atos criminosos de qualquer natureza.

2.2 Atividade de investigação


e atividade de Inteligência de
Segurança Pública
Agora que caracterizamos a Inteligência de Segurança Pública, vamos
entender melhor a distinção entre duas instâncias de atividades que
resguardam semelhanças, mas que são, em seu cerne, distintas:
a atividade de Inteligência de Segurança Pública e as atividades de
investigação conduzidas pelas instituições de Segurança Pública.

Curso FRoNt
MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 326
Obter clareza acerca desta distinção é especialmente importante,
pois ela possibilita identificar aspectos singulares que caracterizam
a atuação em duas áreas diferentes da polícia: a inteligência policial
e a investigação policial.

De acordo com a Secretaria de Segurança Pública e Administração


Penitenciária do Paraná:

A atividade de Inteligência Policial e a Investigação Policial


lidam, invariavelmente, com os mesmos objetos: crime,
criminosos, criminalidade e questões conexas.

Entretanto, um dos aspectos diferenciadores e relevantes é


que, enquanto a Investigação Policial está orientada pelo
modelo de persecução penal previsto e regulamentado na
norma processual própria objetivando a produção de provas
(autoria e materialidade delitiva), a Inteligência Policial
está orientada para a produção de conhecimentos com
intuito de subsidiar a tomada de decisões nos níveis político,
estratégico, tático e operacional.

Ou seja, apenas, excepcionalmente, no nível operacional,


é que atua com o objetivo de subsidiar a produção de provas
em apoio às investigações policiais presididas pelas demais
unidades de polícia judiciária.

(AGÊNCIA DE INTELIGÊNCIA DA POLÍCIA CIVIL, 2021)

Com base nessa explicação, é importante que você identifique que a


atividade de investigação desenvolvida pelas instituições policiais,
sobretudo por aquelas responsáveis por atuar como polícia judiciária
(ex. Polícia Federal e Polícia Civil), está voltada principalmente para
a obtenção de provas que irão garantir a repressão de crimes como
o narcotráfico por meio do Sistema de Justiça Criminal.

Foto: © [DedMityay] / Adobe Stock.

Curso FRoNt
MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 327
Por sua vez, a atividade de Inteligência contribui de forma prepon-
derante para o processo de tomada de decisão nos níveis político,
estratégico, tático e operacional em Segurança Pública.

Dessa forma, no contexto de tomada de decisão em nível político,


estratégico e tático, a Inteligência de Segurança Pública (ISP) en-
contra-se mais afastada do universo das investigações policiais e da
obtenção de provas. Entretanto, do “ponto de vista das decisões de
nível operacional, portanto de natureza executiva, a ISP visa sancionar
ou punir criminosos, ou instituir alguma política local” (FEITOZA,
2011 apud FERRO JÚNIOR, 2016, p. 21).

Não obstante a manutenção e a garantia da lei e da ordem, a interação


com os cidadãos e o oferecimento de serviços sejam parte da atividade
policial contemporânea, essas frentes de atuação representam apenas
uma fração do que a polícia faz.

Em verdade, a atividade policial dedica-se menos a


controlar o crime e mais a detectar e administrar seus
riscos, transmitindo, sobretudo, conhecimento sobre esse
risco para outras instituições da sociedade que necessitem
de tal conhecimento.

(GIDDENS, 2005, p. 186)

Tomem-se, por exemplo, os riscos pessoais (ex.: morte e lesão corporal


de policiais) e institucionais (ex.: tomada de instituição por organi-
zações mafiosas) relacionados ao enfrentamento do narcotráfico e
do crime organizado. O conhecimento produzido pela Inteligência de
Segurança Pública é um recurso essencial que pode ser usado para
subsidiar ações para prever, prevenir e neutralizar tais riscos.

A Secretaria da Segurança Pública e Administração Penitenciária do


Estado do Paraná, perante os diversos campos de atuação da Segu-
rança Pública e das peculiaridades de cada instituição, cita, em seu
site, como espécies de Inteligência de Segurança Pública:

A atividade de Inteligência Policial Judiciária é o exercício


Inteligência permanente e sistemático de ações especializadas para identificar,
Policial Judiciária avaliar e acompanhar ameaças reais ou potenciais na esfera de
Segurança Pública, orientadas para produção e salvaguarda de
conhecimentos necessários para assessorar o processo decisório
no planejamento, execução e acompanhamento de uma política
de Segurança Pública; nas investigações policiais; e nas ações
para prever, prevenir, neutralizar e reprimir atos criminosos de
qualquer natureza que atentem à ordem pública e à incolumidade
das pessoas e do patrimônio, sendo exercida pelas agências de
inteligência (AIs) no âmbito das Polícias Civis e Federal.

Curso FRoNt
MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 328
A atividade de Inteligência Policial Rodoviária Federal é o exercício
Inteligência permanente e sistemático de ações especializadas para identificar,
Policial Rodoviária avaliar e acompanhar ameaças reais ou potenciais na esfera da
Segurança Pública e da Segurança Nacional, no âmbito das rodovias
Federal
e estradas federais. Orientadas para a produção e salvaguarda de
conhecimentos necessários para assessorar o processo decisório,
para o planejamento, a execução e o acompanhamento de assuntos
pertinentes à segurança da sociedade e do Estado, essas ações
visam prevenir e neutralizar ilícitos e ameaças de qualquer
natureza, buscando se antecipar aos fatos que possam afetar a
ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio,
e são exercidas pelas AIs da Polícia Rodoviária Federal.

A atividade de Inteligência Penitenciária é o exercício permanente


Inteligência e sistemático de ações especializadas para a identificação,
Penitenciária acompanhamento e avaliação de ameaças reais ou potenciais
na esfera do Sistema Penitenciário. Estas são basicamente
orientadas para a produção e salvaguarda de conhecimentos
necessários à decisão, ao planejamento e à execução de uma
política penitenciária e, também, para prevenir, obstruir, detectar e
neutralizar ações adversas de qualquer natureza dentro do Sistema
Penitenciário e atentatórias à ordem pública.

A atividade de Inteligência Bombeiro Militar é o exercício


Inteligência permanente e sistemático de ações especializadas para identificar,
Bombeiro Militar avaliar e acompanhar ameaças reais ou potenciais na esfera de
Segurança Pública, orientadas para produção e salvaguarda de
conhecimentos necessários para subsidiar o processo decisório;
para o planejamento, execução e acompanhamento de uma
política de Segurança Pública e das ações para prever, prevenir
e neutralizar riscos referentes a desastres naturais e de causa
humana, calamidades, a ordem pública, a incolumidade das
pessoas e do patrimônio; assuntos de interesse institucional e a
proteção dos seus ativos corporativos, sendo exercida pelas AIs dos
Corpos de Bombeiros Militares.

RA
Enquadre no seu celular 2.3 Técnicas Operacionais de
ou tablet o código de
REALIDADE AUMENTADA Inteligência de Segurança Pública
do aplicativo Zappar para
assistir ao vídeo sobre
Uma vez tendo caracterizado a Inteligência de Segurança Pública e
tecnologia, inteligência e
apreensão de drogas nas distinguido as atividades de investigação e inteligência policial, vamos,
rodovias federais. a seguir, focar nesta última, e examinar como a atividade de Inteli-
gência Policial pode contribuir para a promoção da segurança pública,
em especial, para a repressão ao crime organizado e ao narcotráfico.

Curso FRoNt
MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 329
Ao longo de nosso curso, já citamos uma frase famosa atribuída ao
ex-prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani, a qual parafraseamos,
a seguir, de acordo com a temática desta aula:

Já é hora de a Segurança Pública gerir o conhecimento tanto


quanto o crime organizado.

Esta é a função para a qual o Subsistema de Inteligência de Segu-


rança Pública foi criado, gerir o conhecimento, de modo que este
se torne mais uma poderosa ferramenta para a repressão ao crime
organizado e ao narcotráfico.

A função deste subsistema é especialmente importante para fazer pa-


ridade ao crime organizado atual, uma vez que este já faz um uso, por
vezes de caráter cirúrgico e tecnológico, do conhecimento a seu favor.
Para o Delegado da Polícia Federal Rodrigo Carneiro Gomes (2009):

A gestão de conhecimento pelos criminosos é tolerada


pelo Estado. A omissão e a ineficácia estatais, muitas vezes
compradas, quando combinadas com a leniente legislação
prisional, carente de regulamentação, permitem a perigosos
criminosos o uso irrestrito de meios de comunicação, acesso à
telefonia móvel celular, computadores, e-mail, livros, jornais,
televisões, por meio dos quais a network da organização
criminosa estabelece seus vínculos e se fortalece.

(GOMES, 2009, p. 108)

Para combater essa situação e gerir o conhecimento eficazmente de


modo dar suporte às ações de previsão, prevenção, neutralização e
repressão ao narcotráfico e ao crime organizado, é necessário, pri-
meiramente, produzir dados. Para produzir dados, existem dois tipos
usuais de ações de inteligência policial:

A ação de A ação de
coleta de dados. busca de dados.

Embora no imaginário popular seja de costume associar a atividade de


Inteligência Policial às operações espetaculares de agentes secretos
como James Bond, as ações de coleta, por exemplo, estão relacionadas
a todo e qualquer procedimento realizado com o objetivo de obter

Curso FRoNt
MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 330
dados depositados em fontes abertas, em que esses se encontram
publicamente disponíveis.

Uma simples visita às redes sociais de alguém envolvido com o nar-


cotráfico, a fim de confirmar suas relações pessoais com integrantes
de um determinado grupo criminoso, por exemplo, já pode ser
considerada uma ação de coleta de dados no âmbito da Inteligência
de Segurança Pública.

Já as ações de busca podem envolver medidas como a interceptação


de sinais e de dados, por exemplo, por meio de escutas telefônicas,
infiltração em organizações criminosas ou adentramento em
ambientes privados sem o conhecimento de seus proprietários.

As ações de busca, por vezes, constituem um desafio à parte para


as instituições de Segurança Pública, por colidirem com direitos
fundamentais da pessoa alvo da busca ou mesmo representar a vio-
lação de preceitos da lei penal. Isso ocorre, especialmente, quando,
para a efetivação das ações de busca, são adotadas medidas como o
reconhecimento, a vigilância, o recrutamento operacional, a infil-
tração, a desinformação, a provocação, a entrevista, a entrada e a
interceptação de sinais e de dados.

O promotor de justiça Evandro Ornelas Leal (2016, p. 19-20) explica


cada um desses termos da seguinte forma:

” Reconhecimento
É a ação de busca realizada para obter dados sobre o ambiente
Procedimentos operacional ou identificar visualmente uma pessoa. Normalmente é
típicos de ações uma ação preparatória que subsidia o planejamento de uma Operação
de Inteligência.
de busca
” Vigilância
É a ação de busca que consiste em manter um ou mais alvos
sob observação.

” Recrutamento operacional
É a ação de busca realizada para convencer uma pessoa que não
pertencente à atividade de Inteligência a trabalhar em benefício desta.

” Infiltração
É a ação de busca que consiste em colocar uma pessoa junto ao alvo,
a fim de captar todas as informações de interesse para o processo
de conhecimento.

” Desinformação
É a ação de busca realizada para, intencionalmente, confundir
alvos, sejam estes pessoas ou organizações, a fim de induzir esses
alvos a cometerem erros de apreciação, levando-os a executar um
comportamento predeterminado.

Curso FRoNt
MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 331
” Provocação
É a ação de busca, com alto nível de especialização, realizada para
fazer com que uma pessoa/alvo modifique seus procedimentos e
execute algo desejado pela agência de inteligência, sem que o alvo
desconfie da ação.

” Entrevista
É a ação de busca realizada para obter dados por meio de uma
conversação, mantida com propósitos definidos, planejada e
controlada pelo entrevistador.

” Entrada
É a ação de busca realizada para obter dados em locais de acesso restrito
e sem que seus responsáveis tenham conhecimento da ação realizada.

” Interceptação de sinais e dados


É a ação de busca realizada por meio de equipamentos adequados,
operados por integrantes da inteligência eletrônica, os quais captam
os dados de interesse no exato instante em que são transmitidos de
uma fonte para outra.

Na intercepção de sinais e dados, a transmissão é feita sem produzir


qualquer alteração nos dados e sem revelar que tais dados estão sendo
captados, podendo ser citadas como exemplos a interceptação tele-
fônica, a interceptação telemática, a escuta ambiental.

Para serem efetivas, as medidas empregadas em ações de busca


precisam ser realizadas em conjunto com Técnicas Operacionais de
Inteligência (TOIs). Entre as principais TOIs presentes na Doutrina
Nacional de Segurança Pública estão: a observação, memorização e
descrição (OMD); a estória-cobertura; o disfarce; as comunicações
sigilosas; a análise de veracidade; e a fotointerpretação. A seguir,
veja o que significa cada uma delas:

Observação, memorização e descrição (OMD):


consiste em uma ação dividida em três etapas. Primeiro,
o agente usa seus sentidos para captar o máximo de
informações possíveis existentes no ambiente; segundo,
o agente reconstitui o máximo de detalhes observados em
sua mente; terceiro, o agente descreve verbalmente ou
formalmente (ex.: por relatório) o máximo de detalhes e
impressões captadas no ambiente.

Curso FRoNt
MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 332
Estória-cobertura:
visa encobrir as reais identidades dos agentes de inteligência,
a fim de facilitar a obtenção de dados, dissimulando os
verdadeiros propósitos da atividade, e assegurar a segurança
e o sigilo da operação.

Infiltração:
consiste em colocar um profissional de inteligência de segurança
pública junto ao alvo, com o propósito de obter o dado negado.

Comunicação sigilosa:
técnica operacional que visa viabilizar a comunicação de forma
dissimulada, visando à sua não detecção.

Análise de veracidade:
é a TOI utilizada para analisar, por meio de recursos tecnológicos,
se há veracidade no que uma pessoa esteja falando.

Fotointerpretação, ou inteligência de imagem:


visa gerar subsídios para o planejamento de operações podendo
envolver, por exemplo, fotografias aéreas, imagens de satélite,
de drones e mesmo radares.

O manejo das TOIs em articulação com as ações de coleta e de busca,


em sede de inteligência aplicadas à atividade policial, em particular,
e de Segurança Pública, em geral, gera informações de alta relevância
para o enfrentamento e investigação de organizações criminosas,
mormente considerando àquelas ligadas ao narcotráfico.

Curso FRoNt
MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 333
Assim, por meio dos recursos técnicos da Inteligência de Segurança
Pública, é possível alcançar resultados como:

Identificação de grupos criminosos, de seu modus operandi


e de sua divisão de tarefas.

Individualização de seus integrantes e comandos hierárquicos.

Plotagem da localidade ou região de atuação.

Monitoramento e documentação da atuação criminosa e de


eventuais informantes (interceptação telefônica combinada
com ação controlada, com recurso de vigilância eletrônica,
móvel ou fixa).

Identificação do indivíduo criminoso mais propenso para


Resultados de Operações cooperar com a investigação policial ou para ser oferecida
de Inteligência Policial a delação premiada.

Traçado de tendências criminosas.

Prevenção de crimes.

Proteção de testemunhas.

É relevante comentar, ainda, do ponto de vista de inteligência aplicada


aos serviços de polícia judiciária e de Segurança Pública em geral,
que o Ministério da Justiça e Segurança Pública criou, sob a respon-
sabilidade da Secretaria de Operações Integradas (SEOPI), a Rede de
Centros Integrados de Inteligência de Segurança Pública. Os centros
são responsáveis por reunir dados de inteligência entre os órgãos
estaduais, com o intuito de obter informações sobre integrantes
das organizações criminosas, bem como antecipar investidas desses
grupos de forma preventiva.

Em conclusão, vimos que uma das principais atividades da Inteligência


RA Policial é a gestão do conhecimento e que, para gerir o conhecimento,
Enquadre no seu celular
fazendo oposição ao crime organizado, é comum a utilização das ações
ou tablet o código de de coleta e busca de dados, efetivadas por um conjunto de medidas
REALIDADE AUMENTADA e técnicas operacionais. Em suma, com a Unidade 2, foi possível
do aplicativo Zappar para
identificar que atuação policial é ampla e diversa, e encontra na sua
assistir ao vídeo sobre a
Secretaria de Operações frente de inteligência um de seus maiores expoentes para repressão
Integradas (SEOPI) e seus ao crime organizado e ao narcotráfico, especialmente, por meio da
resultados.
gestão especializada, estratégica e inovativa do conhecimento.

Curso FRoNt
MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 334
Unidade 3
NOÇÕES BÁSICAS DE ANÁLISE
CRIMINAL ANTIDROGAS

Contextualizando

Nesta unidade, apresentaremos um breve histórico da Análise Cri-


minal, a fim de que você possa conhecer um pouco sobre a origem
e o desenvolvimento dessa área. Também abordaremos os funda-
mentos da Análise Criminal investigativa, seu estado atual com o
uso intensivo de recursos tecnológicos, opções de fontes de dados
para uso do analista criminal e as principais competências esperadas
desse profissional. Identificaremos, ainda, o destaque que a área tem
recebido e os esforços promovidos no âmbito do Ministério da Justiça
e Segurança Pública para o fomento da Análise Criminal.

Desse modo, objetivamos aumentar seu conhecimento acerca de


importantes aspectos e recursos que possam contribuir em trabalhos
conjuntos com a Inteligência de Segurança Pública para o enfrenta-
mento do narcotráfico e do crime organizado.

3.1 Breve histórico da Análise


Criminal

Para começarmos a compreender mais sobre a Analise Criminal,


vamos examinar um pouco da sua origem e seu desenvolvimento.
Contudo, antes de começarmos a percorrer a história da Análise Cri-
minal, é necessário a conceituarmos. De acordo com a Enciclopédia
de Ciência Policial:

A Análise Criminal é a coleta e o manejo de informações


relacionadas ao crime e com dados para discernir padrões dentro
desses mesmos dados, com o objetivo de prever, compreender,
ou explicar empiricamente o crime e a criminalidade, para avaliar
o desempenho de uma agência de justiça criminal do governo,
ou para estabelecer o desdobramento tático e estratégico dos
recursos humanos de tais agências. (LUM, 2007)

Curso FRoNt
MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 335
Este tipo de análise tem sido mais regularmente usado por agências
policiais. Contudo, sua utilização também pode ser identificada
em outras agências de justiça criminal, bem como no trabalho de
cientistas sociais, particularmente no campo da Criminologia, que
tem usado múltiplas abordagens analíticas do crime para auxiliar
as agências policiais.

A Análise Criminal não se restringe a nenhum conjunto específico


de ferramentas analíticas, sistemas, tipo de informações ou fontes.
Porém, é possível indicar alguns fatores que podem servir como parâ-
metros para decidir o modo como a análise será conduzida. Estes são,
geralmente, o objetivo da análise, os tipos de dados, necessários ou
oportunos, e disponíveis e acessíveis, para subsidiar o atingimento
do objetivo da análise e as habilidades analíticas do responsável pela
análise (LUM, 2007). Por isso, a capacitação de profissionais que atuam
na área ou que com ela tangenciam suas atividades é algo bastante
relevante. Você faz parte deste esforço coletivo!

3.1.1 Os primórdios da Análise


Criminal no Reino Unido
De acordo com Bieck (1995), há duas versões para a origem da
Análise Criminal (AC) que apontam para a cidade de Londres,
na Inglaterra. Uma delas refere o londrino Henry Fielding, no ano
de 1749, como criador da AC.

Henry Fielding.
Foto: Citações.

Já a outra dirige seu olhar para a Polícia Metropolitana de Londres


como iniciadora da AC. Ainda conforme Bieck (1995), uma terceira
versão atribui indiretamente a criação da AC também aos britâ-
nicos. Para esta, a AC teria surgido nos EUA sob influência inglesa,
por intermédio do lendário chefe de polícia da cidade de Berkeley,
na Califórnia, August Vollmer. Vollmer também é considerado por
muitos como o “pai” das polícias norte-americanas modernas.

Curso FRoNt
MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 336
August Vollmer.
Fonte: Berkeleyside.

3.1.2 Henry Fielding, a Análise Criminal


e sua influência na criação da
polícia moderna

Henry Fielding (nascido em Sharpham, Inglaterra, 1707-1754) é uma


figura histórica que transcende a Análise Criminal. Ele também é
conhecido como um escritor de sátiras focadas na política e na arte.

Fielding também foi juiz do Tribunal de Westminster, Londres, Reino


Unido. Em tal condição, estabeleceu, em 1749, uma espécie de grupo
policial semiformal (pago com verbas do tribunal), alcunhado de
“Bow Street Runners” (“Corredores da Rua Bow”, em uma alusão ao
antigo endereço do tribunal). O grupo é considerado precursor do
que depois viria a ser a Polícia Metropolitana de Londres, ou Scotland
Yard, ou “Met”, como é popularmente chamada.

Os membros do grupo (originalmente oito deles) atuavam de forma


bem semelhante aos atuais oficiais de justiça brasileiros, cuidando
da entrega de mandados judiciais, além de efetuar prisões.

Fielding é referido na literatura da Polícia Metropolitana de Londres


como o primeiro sistematizador de dados de registros criminais e
respectiva análise. Fielding estimulava o público a fazer denúncias
de crimes e descrições de seus perpetradores, informações que eram
depois consolidadas por ele próprio em uma publicação chamada
“The Covent Garden Journal” (1752).

Curso FRoNt
MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 337
Fonte: Mcleod (2012).

Tal publicação continha dados de descrições e análises, a exemplo


de furtos, respectivos autores e bens subtraídos. A publicação passou
depois a ser denominada “Police Gazette” (1828), e sua edição ficou
sob a responsabilidade da Polícia Metropolitana de Londres (1883).

saiba mais
A Enciclopédia Britânica aponta a seguinte entrada para
a “Police Gazette”: A “Police Gazette” é uma publicação
diária da Polícia Metropolitana de Londres e que contém
detalhes de bens subtraídos e pessoas procuradas por
crimes cometidos. Ela é distribuída gratuitamente
para forças policiais britânicas e para algumas forças
policiais europeias. Leia mais sobre a Police Gazette na
“Enciclopédia Britânica”, disponível em: https://www.
britannica.com/topic/The-Police-Gazette.

A “Gazette” pode ser considerada a primeira “base de dados”, an-


cestral conceitual dos modernos sistemas automatizados de dados.

Com a morte de Henry, em 1754, sua função passou a ser ocupada,


até 1780, por seu irmão John Fielding.

O grupo dos “Bow Street Runners”, em 1805, tornou-se uma patrulha


a cavalo organizada por Richard Ford, sucessor de John Fielding.
Por essa época, os membros da patrulha montada já trajavam a túnica
azul, que caracteriza historicamente os membros da polícia londrina.

Foto: © [Denis Feldmann] / Adobe Stock.

Curso FRoNt
MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 338
Com esses antecedentes, em 1829, Robert Peel criou oficialmente a
Polícia Metropolitana de Londres, tida como a instituição que inau-
gurou a polícia moderna.

Podcast transcrito

A “Met” é considerada mundialmente uma instituição


paradigmática da prestação de serviços policiais,
precursora das organizações policiais ocidentais
modernas, caso, por exemplo, do Departamento de Polícia
da Cidade de Nova York (formalmente estabelecido como
tal em 1844, 15 anos após a instituição formal da Polícia
Metropolitana de Londres).

A localização de antecedentes históricos da Análise Criminal no Reino


Unido, especificamente na Inglaterra e em Londres, dá corpo e, se-
gundo alguns, autenticidade, à suposição de que a “Scotland Yard”
tenha sido a origem da Análise Criminal.

Reunir e sistematizar dados e informações sobre crime, criminosos


e questões conexas é instrumental para o processo de descoberta de
padrões, tendências, correlações e problemas de segurança pública,
objetivo fundamental da Análise Criminal. É possível afirmar que os
trabalhos de Henry Fielding, em Londres, caracterizam um empreen-
dimento pioneiro de reunir e sistematizar dados e informações sobre
o fenômeno criminal, o que seria depois consolidado pela própria
Polícia Metropolitana de Londres.

3.1.3 Estados Unidos como possível


local de origem da Análise Criminal

Duas versões apontam a origem da Análise Criminal (AC) nos Estados


Unidos da América (EUA). Uma delas refere-se a um indivíduo, August
Vollmer, enquanto outra aponta o momento inicial da AC ocorrendo
nos EUA por conta de uma instituição daquele país, o “Northwestern
Traffic Institute” (Instituto de Trânsito do Noroeste). A referência
à segunda origem permanece obscura na literatura correspondente
(BIECK, 1995).

August Vollmer (natural de New Orleans, Louisiana, EUA, 1876-1955)


pode ser considerado como: “o pai da profissão policial moderna
nos EUA” (MACNAMARA, 1995). Vollmer “dá o tom” da existência e
desenvolvimento de uma Ciência Policial ainda no início do século XX.

Curso FRoNt
MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 339
Uma atitude intelectual crítica de Vollmer, e que certamente o
vincula à disciplina de AC, é seu “olhar” voltado para a regularidade
do fenômeno criminal. Ele teria referido, em seu próprio tempo
de gestor policial nos idos de 1909, que determinadas ocorrências
policiais podem, depois de tabuladas e analisadas, apontar locais
de risco para vitimização, o que é hoje reafirmado nas modernas
“Teorias da Prevenção Criminal Situacional” (TPCS).

Vollmer, sob a legitimidade do seu exercício de docência de Adminis-


tração Policial na Universidade da Califórnia, em Berkeley, entre 1932
a 1937, cria uma tradição acadêmica para o ensino e a pesquisa em
Segurança Pública/Justiça Criminal/Ciência Policial. Ao mesmo tempo,
desenvolve os programas de graduação e mestrado em Criminologia
daquela conhecida instituição de ensino superior norte-americana.

A respeito do “olhar” de Vollmer voltado para a regularidade do


fenômeno criminal, Frank Williams observa que:

[...] uma teoria criminológica, a das atividades de rotina,


precipitou uma nova abordagem analítica para localização
do crime nos chamados ‘pontos quentes’.

(WILLIAMS, 1995, p. 181)

Com terminologia genérica, era a isso que Vollmer já se referia há


mais de um século. Ainda assim, a “linha” de uma Ciência Policial e
dos supostos primórdios da AC nos EUA apenas se inicia com Vollmer.
Orlando Winfield Wilson, ex-policial sob o comando de Vollmer em
Berkeley, sucede seu mentor profissional na docência em Berkeley,
seguindo depois para o Departamento de Polícia de Chicago.

Em Chicago, a sucessão de “notáveis” da moderna Ciência Policial


tem sua continuidade com Herman Goldstein, eventualmente as-
sessor da Wilson na polícia de Chicago. Goldstein fica celebrizado pela
moderna doutrina de polícia comunitária e respectiva obra seminal,
“Policiando uma Sociedade Livre” (traduzida para o português e
publicada pela editora da Universidade de São Paulo).

A ideia de buscar sentido em conjuntos de registros de ocorrências


criminais com as técnicas da Análise Criminal é retomada por Wilson,
nos seguintes termos:

Curso FRoNt
MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 340
As divisões de análise criminal são responsáveis pelo exame
sistemático de boletins diários de ocorrência de determinados
crimes, de modo a determinar hora, local, características
especiais, semelhanças com outras ocorrências e vários outros
fatos significativos que podem contribuir para a identificação
de um criminoso ou de um padrão de atividade criminal.

(WILSON apud DANTAS; SOUZA, 2004, p. 9)

A referência de Wilson às divisões de Análise Criminal remete à questão


da finalidade dessa atividade. Ela pode ter conotação tática, estratégica
ou administrativa, enquanto a Análise Criminal Investigativa é assim
chamada em razão do seu objeto/objetivo de estudo e intervenções.

3.2 Fundamentos da Análise


Criminal Investigativa

Agora que conhecemos um pouco sobre a origem e desenvolvimento


da Análise Criminal, vamos conhecer o estado atual da área que tem
feito uso intensivo de recursos tecnológicos. Também conheceremos
opções de fontes de dados para uso do Analista Criminal e as principais
competências esperadas deste profissional.

3.2.1 A Análise Criminal e as


Tecnologias da Informação

Na Análise Criminal Investigativa, nos dias de hoje, tem-se feito


uso cada vez mais frequente das Tecnologias da Informação (TI) em
proveito da Segurança Pública (SP) e da Justiça Criminal (JC). Este uso
se tornou viável com a universalização dos microcomputadores e dos
dispositivos móveis (smartphones e tablets) e respectivos aplicativos.

Alguns exemplos são:

| aplicações da TI à Análise Criminal Investigativa

Microsoft Office Word e PowerPoint, assim Plataforma i2 e ferramentas de Business


como aplicativos semelhantes da Apple e de Intelligence como o IBM Watson Analytics
computação na nuvem do Google, úteis para e o MS Microsoft Power BI, úteis para
a edição e apresentação de documentos o cruzamento e gerenciamento de
gerais de análise. informações.

Curso FRoNt
MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 341
Microsoft Office Excel, IBM
Google Maps e ArcGIS, sistemas Facebook, Twitter, Instagram
SPSS Statistics e o software
de informação geográfica, e outras redes sociais, úteis
livre de aplicação estatística
úteis para a realização de para levantamento de
“R”, úteis para realização de
mapeamento criminal. informações suspeitas.
estatísticas criminais.

A análise criminal investigativa, hoje, aproveita-se da possibilidade de


processamento e interpretação automatizada, em tempos mínimos,
de bilhões de dados e informações de registros de comunicações, por
exemplo, com o concurso de “link analysis” (análise de vínculos).

A técnica referida e respectivos aplicativos computacionais de extração


e análise de big data (isto é, de grandes quantidades de dados) são atual-
mente imprescindíveis para diferentes setores da vida humana, que vão
da saúde pública, como no caso da identificação da rede de transmissão
do novo coronavírus, até as ações de marketing nas redes sociais.

No caso do narcotráfico e do crime organizado, a Análise Criminal


Investigativa possibilita a rápida determinação da materialidade e da
autoria de delitos, em apurações que antes demandariam tamanha
quantidade de tempo ao limite da inviabilidade. Além disso, com
os recursos de análise de big data, a Análise Criminal Investigativa
pode ser ainda mais efetiva na identificação e no desmantelamento
de redes criminosas.

saiba mais
O que é Big Data?

De acordo com o site Marketing por Dados, trata-se um


conceito que descreve o grande volume de dados estruturados
e não estruturados que são gerados a cada segundo.

Hoje, geramos muito mais dados com dispositivos


como celular e TVs do que fazíamos no passado.
Além disso, temos as mídias sociais que geram a
todo tempo informações majoritariamente públicas.
Atualmente, já é realidade a existência de carros,
geladeiras e dispositivos vestíveis (wearable devices)
RA conectados entre si e gerando ainda mais dados para
Enquadre no seu celular serem processados e transformados em informações
ou tablet o código de úteis. Veja mais sobre o assunto acessando a matéria
REALIDADE AUMENTADA “Afinal, o que é Big Data?”, disponível em: http://
do aplicativo Zappar para
assistir ao vídeo animado
marketingpordados.com/analise-de-dados/o-que-e-
sobre Tecnologias da big-data-%F0%9F%A4%96/.
Informação aplicadas à
Segurança Pública.

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MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 342
Contudo, não podemos nos esquecer de algo de extrema relevância:

Muito embora os avanços da tecnologia disponibilizem


diariamente novas ferramentas para a coleta de dados,
desde as imagens de satélites até modernos aplicativos para
análise de vínculos, a prática nos mostra que as pessoas
ainda são, e provavelmente continuarão a ser, por um bom
tempo, a melhor e mais preciosa fonte de dados para o
desvelamento de fatos que precisam ser elucidados.

(MAURMANN; PINTO, 2020, p. 11)

3.2.2 O papel do Ministério da Justiça


e Segurança Pública no fomento da
Análise Criminal e da Inteligência de
Segurança Pública

Além do uso de inovações tecnológicas, outros esforços vêm sendo


realizados direta ou indiretamente pelo Ministério da Justiça e Se-
gurança Pública em prol da Análise Criminal.

Um deles foi a promoção e implementação, por meio da Secretaria


Nacional de Segurança Pública, da Doutrina Nacional de Segurança
Pública (DNISP), instrumento de orientação geral para os órgãos de
Inteligência de Segurança Pública (ISP) dos entes federativos; ou seja,
das Coordenações de Inteligência das Secretarias de Segurança Pública
(CI/SSP) e respectivos órgãos institucionais locais (CIs do Bombeiro
Militar, Polícia Civil e Polícia Militar). Isso inclui os procedimentos
de Análise Criminal Investigativa (ACInv) e Análise Criminal de In-
teligência (ACIntel).

Foto: © [Brian Jackson] / Adobe Stock.

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MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 343
Outro esforço implementado em prol da análise criminal foi a pro-
mulgação da Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019, referente ao
Pacote Anticrime, que trouxe bastante dinamismo e recursos para as
ações capitaneadas pela Secretaria Nacional Sobre Drogas (SENAD).

Tudo isso foi possível com o suporte prestado pelas ações de ACInv e
ACIntel às operações conjuntas realizadas pelos órgãos de Segurança
Pública e Justiça Criminal.

Também vale ressaltar o esforço de interação do Sistema Nacional


de Políticas sobre Drogas (SISNAD) com o Sistema Brasileiro de In-
teligência (SISBIN).

Lei nº 11.343
de 23 de agosto de 2006

Institui o SISNAD e prescreve medidas de prevenção do uso


indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes
de drogas e normas para repressão à produção não autorizada e ao
tráfico ilícito de drogas.

Por fim, a criação da Secretaria de Operações Integradas (SEOPI)


também constituiu um importante passo para a condução da nova
política pública para a segurança implementada pelo Governo Federal.
Uma das principais funções da SEOPI é promover a integração das
atividades de Inteligência de Segurança Pública, em consonância
com os órgãos federais, estaduais, municipais e distrital dentro do
que prevê o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), instituído
pela Lei nº 13.675, de 11 de junho de 2018.

3.2.3 Fontes de dados para uso do


Analista Criminal

Agora que temos maior clareza acerca dos recursos tecnológicos e


dos esforços conjuntos de órgãos oficiais para a Análise Criminal,
vamos conhecer fontes de dados pertinentes para o uso do analista
criminal, de modo a identificar mais um recurso que possa o auxiliar
no seu trabalho.

As fontes de dados para a Análise Criminal, como se diz na mate-


mática, tendem ao infinito. Elas vão das imagens produzidas pelas
câmeras instaladas nas rodovias do país às informações levantadas
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre a
população. Neste tópico, desejamos chamar a atenção para três
fontes em particular:

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MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 344
1 2 3
As chamadas para Os registros de Os registros de
os números de ocorrências realizados flagrante delito e o
emergência. pelos cidadãos. termo circunstanciado
e de atividade policial
realizados pelas
instituições policiais
e por seus agentes.

Os serviços de atendimento telefônico de emergências de Segurança


Pública estão disseminados pelo mundo inteiro. A regra universal
é que esse número possua três dígitos.

Em boa parte da União Europeia (UE), prevalece o número 1-1-2,


instituído em 1972. Alguns outros países, não pertencentes à UE,
também utilizam o 1-1-2, como nos casos da África do Sul e Suíça
(país europeu que não faz parte da UE). Nos Estados Unidos, temos o
conhecido 9-1-1. No Brasil, o mais conhecido é o número da Polícia
Militar, 1-9-0, aliado aos números 1-9-3 (Corpo de Bombeiros),
1-9-7 (Polícia Civil), 1-9-2 (Serviço de Atendimento Móvel de Ur-
gência – SAMU), 1-9-1 (Polícia Rodoviária Federal) e por aí vai.

De maneira geral, em uma situação de emergência de segurança


pública (furto, roubo, agressão sexual, invasão de propriedade,
testemunho de agressões em andamento, acidente de trânsito etc.),
as pessoas que residem no Brasil já estão condicionadas (ou deve-
riam) a acionar o número 190.

Foto: Adaptado de © [releon8211] / Adobe Stock.

Essa ligação, sem custo, é atendida por uma central telefônica (call
center) que faz uma triagem inicial e passa orientações ao usuário.
Na sequência ou de forma concomitante, um segundo profissional
recebe o registro e designa (despacha) a viatura disponível que estiver
mais próxima do evento para o atendimento da ocorrência.

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MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 345
No Distrito Federal, tem sido assim ao menos desde 1975. No restante
do país não é diferente. Entretanto, com o avanço das Tecnologias
da Informação e Comunicação (TICs), cada vez mais os números
de emergência vêm cedendo espaço para outras alternativas, como
aplicativos de mensagens instantâneas (o WhatsApp, por exemplo)
e aplicativos para dispositivos móveis com uso de um “botão de pâ-
nico” (botão para chamar por ajuda de emergência).

Outra fonte de dados para o analista criminal está nas comunicações


que as pessoas fazem às instituições de Segurança Pública por outros
meios que não sejam os números de emergência. Isso envolve desde
os registros feitos diretamente no balcão das delegacias de Polícia
Civil até as comunicações registradas nas ouvidorias e e-mails das
instituições reportando eventos criminais e questões outras com
impacto na segurança pública, tais como as desordens sociais (ex.:
pontos de prostituição e consumo de drogas).

É importante ressaltar que, como pode ser observado, o registro de


ocorrência, na prática, não se restringe às classificações penais.

Por último, ressaltamos a relevância dos registros realizados de


ocorrências havidas no contexto da própria atividade policial por
imperativo legal, por exemplo, registro de flagrante delito.

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MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 346
Podcast transcrito

No quotidiano das polícias ostensivas (ex. Polícia Militar


e Polícia Rodoviária Federal), bem como das Guardas
Municipais, ou mesmo da Polícia Federal em aeroportos, é
comum seus agentes, em abordagens de rotina (como blitz
policial, por exemplo) ou no curso de investigações (no caso
da Polícia Civil e da Polícia Federal), se depararem com crimes
como porte ilegal de arma, contrabando e tráfico de drogas.
Diante disso, a equipe policial não possui outra escolha a não
ser dar voz de prisão ao autor do crime e conduzi-lo para
lavratura de flagrante delito.

Há casos em que os policiais, acionados em patrulhamento,


se deparam com infrações penais de menor potencial ofensivo
em andamento (ameaça, transporte irregular de passageiros,
bancas do jogo do bicho etc.). Nesses casos, a equipe policial,
sem deixar o local da ocorrência, pode realizar a lavratura
(preenchimento de formulários) do Termo Circunstanciado
de Ocorrência (TCO). Com o TCO, os envolvidos podem ser
liberados ali mesmo, com o compromisso de comparecerem
ao órgão judicial competente quando forem acionados para tal.

Uma outra modalidade de registro espontâneo de ocorrência policial é


o Registro de Atividade Policial (RAP). Mesmo com outras designações,
a depender da Unidade da Federação e da instituição policial, o RAP
pode envolver visitas a vítimas de crimes para redução das chances
de revitimização (ex.: vítimas de violência doméstica e de furto em
estabelecimento comercial) e a realização de palestras em escolas em
programas de repressão às drogas como o Programa Educacional de
Resistência às Drogas e à Violência (PROERD).

saiba mais
A Polícia Militar do Distrito Federal tem empreendido
esforços no sentido aumentar o registro formal de suas
interações com a comunidade. Em 2019, a instituição
computou um total de 13.333 registros de atividades
policiais (RAP), entre os quais estão visitas domiciliares
de acompanhamento às famílias em contexto de violência
doméstica. Veja mais sobre o assunto no “Relatório de
Gestão de 2019 da Polícia Militar do Distrito Federal”,
disponível em: http://www.pmdf.df.gov.br/images/
banners/relatoriogestao2019.pdf.

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MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 347
Seja pelo tradicional número de emergência 190, seja pelos números
dos demais órgãos de segurança, ou ainda por aplicativos de smar-
tphones com botão de pânico, os bancos de dados gerados pelos mi-
lhares de acionamentos de emergência que ocorrem diariamente no
Brasil são uma rica fonte para o analista criminal.

Também o são os dados constantes de flagrantes delitos, termos


circunstanciados de ocorrências, registros de atividade policial e os
registros e comunicações feitas pelos cidadãos comuns às instituições.

Afinal, por meio desses dados, o analista pode determinar man-


chas criminais, aferir a flutuação de crimes específicos ao longo de
determinados períodos do dia e regiões específicas e mesmo traçar
padrões e tendências do comportamento de criminosos e de suas
potenciais vítimas.

3.2.4 Competências essenciais ao


Analista Criminal e às instâncias de
Gestão no contexto do enfrentamento
do crime organizado e do
narcotráfico

Nesse ponto, acreditamos que você já tenha percebido que a Análise


Criminal tem como propósito último prover informação para gerar
conhecimento necessário para a gestão da Segurança Pública (SP) e
da Justiça Criminal (JC). Isso é especialmente relevante no contexto
do enfrentamento do crime organizado e do narcotráfico. Para que
tal propósito seja alcançado, tanto as estruturas de gestão quanto os
próprios analistas criminais precisam ser dotados de competências
(conhecimentos, habilidades e atitudes) bastante específicas. A seguir,
identificaremos algumas dessas competências.

Em relação aos agentes públicos responsáveis pela gestão, podem


ser identificadas como competências essenciais:

1. Auxiliar na determinação da distribuição espaço-temporal


dos recursos humanos e materiais da SP/JC.

2. Auxiliar na identificação de locais de incidência repetida de


ocorrências criminais (hot spots ou pontos quentes) para fins
de prevenção e controle.

3. Auxiliar na identificação de delinquentes crônicos ou


contumazes para fins de neutralização das respectivas
ações delitivas.

4. Auxiliar na identificação de potenciais alvos (vítimas


e/ou patrimônio) para fins da sua “blindagem” ou
“endurecimento”.

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MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 348
5. Auxiliar na determinação da tipologia das intervenções
policiais necessárias (conduzidas segundo os respectivos
tipos, processos e modalidades de policiamento).

6. Auxiliar na determinação das prioridades investigativas para


fins de efetividade da atividade-fim policial.

7. Auxiliar no estabelecimento de políticas, programas, planos


e ações de SP/JC.

8. Auxiliar na avaliação da efetividade, eficiência e/ou eficácia


de políticas, programas, planos e ações de SP/JC e das
respectivas ações das organizações policiais, bem como
em outras necessidades, frutos de diferentes dinâmicas
conjunturais, locais e circunstanciais.

Por sua vez, para ser proficiente nas atividades descritas, o analista
criminal deverá ter formação ou especialização técnica que inclua a
aprendizagem de conteúdos de diferentes áreas temáticas específicas
que lhe garantam competências em termos de:

Inteligência de Segurança Pública (ISP), tendo como objetos


de estudo terrorismo, corrupção, crime organizado, quadrilhas,
narcotráfico, lavagem de dinheiro, pedofilia e tráfico de seres
humanos, entre outros temas.

Aplicações Estatísticas e Cartográficas, tendo como objetos de


estudo indicadores de criminalidade, índices de delitos, taxas,
métodos e técnicas de análise espaço-temporal de fenômenos
criminais, incluindo previsões e estimativas.

Análise de Dados, tendo como objetos de estudo a mineração


de dados, determinação de padrões (incluindo modus operandi) e
tendências do fenômeno do crime, bem como tipos e modalidades
de ações tático-operacionais de controle.

Análise de Inteligência, tendo como objetos de estudo conjuntos


de dados protegidos de registros diversos, incluindo registros
telefônicos, bancários, fiscais e de transações eletrônicas em geral,
coletados sob autorização do Poder Judiciário, processados em
proveito da construção de matrizes de análises de vínculos entre
entidades constitutivas de redes/quadrilhas e apresentados em
diagramas de apelo à inteligência visual.

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MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 349
Análise Criminal Investigativa de Suspeitos, tendo como objetos
de estudo elementos constitutivos de locais de crime (inclusive
“assinaturas” deixadas pelos autores dos crimes), perfis de homicidas,
de delinquentes sexuais e de autores de outros crimes violentos.

Análise Criminal Investigativa de Crimes Violentos, tendo como


objetos de estudo os perfis (de comportamentos e de identificação
individual) de homicidas, estupradores e de autores de outros
crimes praticados com violência extrema (seriais), distúrbios
comportamentais e psiquiátricos e diferenciais do comportamento
delitivo de homens e mulheres.

Métodos de Pesquisa Estatística de Previsões e Estimativas, tendo


como objetos de estudo procedimentos de coleta de dados, técnicas
de amostragem, tratamento estatístico de dados, teste de hipóteses
e técnicas e padrões de confecção de relatórios de pesquisa.

Métodos de Pesquisa Estatística e Amostragem, tendo como objetos de


estudo os métodos de pesquisa quantitativa e o processo de constituição
de amostras, tanto aleatórias quanto não randômicas.

Ainda em termos de competências, é importante que você tome nota


que, via de regra, os policiais buscam determinar a materialidade
e autoria de crimes, o que os obriga a eventualmente agir sobre os
“alvos” da sua atividade de Inteligência.

Já os agentes da inteligência de Estado usualmente buscam conhecer


e informar o poder executivo sobre seus “alvos”, o que implica uma
atuação passiva em relação a eles, até mesmo para que tais alvos
jamais saibam que foram observados.

Em síntese, nesta unidade, perpassamos por um breve histórico da


Análise Criminal, conhecemos os fundamentos da Análise Criminal
Investigativa e seu estado atual. Esperamos que esses conhecimentos
o auxiliem no seu trabalho como analista criminal ou quando estiver
em cooperação com a área.

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MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 350
Unidade 4
CONVENÇÕES E ENTIDADES
INTERNACIONAIS DE CONTROLE
DE DROGAS E REPRESSÃO DO
NARCOTRÁFICO

Contextualizando
Nesta unidade, apresentaremos as principais convenções e entidades
internacionais de controle de drogas e repressão ao narcotráfico.
Também abordaremos algumas ações de cooperação do Brasil com
outras nações. Desse modo, objetivamos aumentar seu grau de clareza
acerca de instrumentos e dispositivos internacionais que podem ser
utilizados no combate ao narcotráfico e suas características, de modo
a promover melhor acionamento ou utilização desses instrumentos
quando necessário ou oportuno.

4.1 Convenções das Nações Unidas


sobre Drogas (1961, 1971 e 1988)
Vamos começar conhecendo sobre as convenções internacionais, em
especial, a Convenção de 1961, da Organização das Nações Unidas sobre
Drogas (ONU). Segundo o Escritório de Ligação e Parceria no Brasil
das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), o marco legal da
ONU sobre o controle de drogas se assenta em três convenções que
são complementares.

1 1961
Convenção Única
sobre Entorpecentes

2 1971
Convenção sobre
Substâncias Psicotrópicas

3 1988
Convenção de Viena

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MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 351
As duas primeiras, editadas respectivamente em 1961 e 1971, possuem
como principal escopo a sistematização das medidas de controle
internacional de drogas, preservando a disponibilidade de drogas
narcóticas e substâncias psicotrópicas para uso médico e científico.
Ao mesmo tempo, essas convenções visam prevenir a distribuição de
drogas lícitas por meios ilícitos, além de abordarem medidas gerais
sobre o tráfico e o abuso de drogas.

Já a última Convenção do tripé de dispositivos da ONU sobre o controle


de drogas, editada em 1988, trata do tráfico ilícito de entorpecentes e
substâncias psicotrópicas. Esse instrumento fornece medidas abran-
gentes contra o tráfico de drogas e trata da lavagem de dinheiro e do
fortalecimento do controle de precursores químicos. Também trata de
medidas de cooperação internacional, como a extradição de traficantes
de drogas. Ao longo desta aula, vamos tratar de cada uma dessas con-
venções um pouco mais detalhadamente.

Para se conhecer um pouco dos antecedentes da edição das convenções


que foram o tripé normativo da ONU para o controle de drogas, vale a
pena ler um trecho do trabalho de Paiva (2018) intitulado “Panorama
internacional das políticas sobre drogas”, a saber:

[...] é possível afirmar que o modelo de controle como o


conhecemos surgiu no início do século XX, com as primeiras
iniciativas diplomáticas para restringir e controlar o
comércio internacional de ópio. Foi em 1907 que Reino
Unido, China e Índia assinaram o acordo dos dez anos,
destinado a banir a exportação de ópio produzido na
Índia para território chinês e o cultivo de papoula na
China – importante notar que o acordo foi firmado em
torno do controle da oferta, que seria o modelo do sistema
internacional dali em diante.

O primeiro acordo multilateral destinado a restringir


a circulação internacional de drogas é a Convenção
Internacional do Ópio, de 1912. Nela, os países signatários
comprometeram-se a impedir a exportação de ópio
para países em que a substância fosse proibida, bem
como controlar a produção, a importação, o comércio,
a distribuição e a exportação de morfina, cocaína e os
respectivos sais.

É, também, o primeiro documento internacional a incentivar


os países a enfrentar o abuso de drogas em seus territórios.
O documento somente entrou em vigor em 1919, após o fim
da Primeira Guerra Mundial, incorporado ao Tratado de
Versalhes e ao sistema da recém-criada Liga das Nações.

(PAIVA, 2018, p. 99-100)

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MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 352
4.1.1 Convenção Única sobre
Entorpecentes de 1961 (emendada em 1972)

A Convenção sobre Drogas Narcóticas assinada em 30 de março de


1961, com emendas de um protocolo editado em 1972, unificou e, em
outros casos, substituiu regramentos prévios da ONU sobre o tema.

Também conhecido como Convenção Única sobre Entorpecentes, esse


instrumento, que está completando 60 anos, não obstante, continua
sendo o alicerce do atual sistema internacional sobre o controle de
drogas. Sob os auspícios dessa Convenção, foi criado o Órgão In-
ternacional de Controle de Entorpecentes (International Narcotics
Control Board - INCB).

A Convenção de 1961 estabeleceu um sistema universal que visava,


por meio de ação coordenada entre os países-membros da ONU,
limitar o cultivo, a produção, a distribuição, o comércio, a posse e o
uso de substâncias a propósitos medicinais e científicos.

Nesses termos, especial atenção foi dirigida a substâncias narcóticas


com origem vegetal, a exemplo das seguintes relações: ópio/heroína,
coca/cocaína e Cannabis/maconha ou skunk.

saiba mais
Skunk, ou supermaconha, é uma droga ilícita, ou seja,
uma substância psicoativa de ação perturbadora do
sistema nervoso central. O skunk é produzido a partir
de uma espécie de Cannabis sativa hibrida, ou seja,
resultado de cruzamentos de espécies diferentes de
plantas do mesmo gênero (Cannabis sativa, Cannabis
indica e Cannabis ruderalis), cultivada de forma diferente,
com o objetivo de se obter uma concentração maior de
THC (tetrahidrocannabinol), substância ativa com poder
narcótico presente nas plantas desse gênero. Entenda
mais no site Brasil Escola, disponível em: https://
brasilescola.uol.com.br/drogas/skank.htm.

Em seu preâmbulo, a Convenção de 1961 assevera que “o vício (de-


pendência) em drogas narcóticas (entorpecentes) constitui um
grave mal para o indivíduo e representa um grande perigo social e
econômico para a humanidade”. Ao mesmo tempo, o documento
reconhece que o uso de drogas para fins medicinais é indispensável
para o alívio de dores e do sofrimento, exigindo, portanto, a ade-
quada disponibilidade para esse propósito.

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MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 353
Apesar das seis décadas que nos separam da edição da Convenção de
1961, é inegável o caráter atual de suas premissas. Para tanto, basta
nos lembrarmos da acalorada discussão acerca do uso de derivados da
planta de maconha – tetraidrocannabidiol (THC) e cannabidiol (CBD)
– para alívio de dores crônicas e controle de convulsões, por exemplo.

Foto: © [Aleksandr] / Adobe Stock.

Se, por um lado, há preocupação com o abuso dessas substâncias e


suas consequências nefastas para o indivíduo (ex.: gatilho para esqui-
zofrenia) e a sociedade (ex.: aumento de acidentes automobilísticos);
por outro lado, há a luta desesperada de pais para que seus filhos com
problemas neurológicos graves tenham acesso a tais substâncias.

4.1.2 Convenção sobre Substâncias


Psicotrópicas de 1971

glossário A Convenção de 1971 estabeleceu um sistema de controle internacional


para substâncias psicotrópicas. Ela constituiu uma reação à expansão
e à diversificação das situações de abuso de drogas.
Substância psicotrópica é um termo legal
que se refere a qualquer substância natural Assim, em relação à Convenção de 1961, esse instrumento avançou
ou sintética listada na Convenção. sobre o controle de diversas drogas sintéticas, visando o potencial de
criação de dependência e o poder terapêutico dessas drogas.

Nos termos da Convenção, qualquer material, sintético ou natural,


que contenha substâncias psicotrópicas ou sejam essenciais para a
sua preparação está sujeito ao mesmo controle.

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MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 354
A Convenção de 1971, em seu preâmbulo, apresenta uma série de
assertivas, que são bastante relevantes para a compreensão de sua
finalidade, quais sejam:

1. Reconhece a preocupação com a saúde e o bem-estar da


humanidade.

2. Torna notória a preocupação com os problemas sociais e


os problemas causados à saúde pública em decorrência do
abuso de certas substâncias psicotrópicas.

3. Expressa a determinação em se prevenir e combater o


abuso de substâncias psicotrópicas, bem como o tráfico
ilícito dessas substâncias. Pode-se inferir dessa premissa
no original que o abuso de drogas fomenta o tráfico.

4. Considera que medidas rigorosas são necessárias para a


restrição do uso de substâncias psicotrópicas apenas ao seu
uso legítimo.

5. Reconhece que o uso de substâncias psicotrópicas para fins


medicinais e científicos é indispensável e a sua disponibilidade
para esses propósitos não deve ser restringida.

6. Explicita a crença de que medidas efetivas contra o abuso


de substâncias psicotrópicas requerem coordenação e
ações universais.

7. Reconhece a competência da ONU no campo do controle


de substâncias psicotrópicas e o anseio de que órgãos
internacionais concernentes ao tema atuem de acordo com
a estrutura da Organização.

8. Reconhece que, para se atingir tais premissas, uma nova


convenção seria necessária.

De acordo com o material instrucional do Órgão Internacional de


Controle de Entorpecentes sobre a Convenção de 1971, o instrumento
prevê quatro diferentes tabelas de substâncias psicotrópicas. Cada
tabela possui um regime de controle diferente, o que reflete a ne-
cessidade de se aplicar controles variados de acordo com seu valor
terapêutico e seu risco de abuso. Assim, existe uma gradação do
nível de controle das substâncias a partir da tabela 1, mais restrita,
até a tabela 4, de acesso menos restrito.

Curso FRoNt
MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 355
1 2
RESTRiÇÃO RESTRiÇÃO DE
DE ACESSO ACESSO ALTA
MUiTO ALTA

4 3
RESTRiÇÃO DE RESTRiÇÃO DE
ACESSO BAiXA ACESSO MÉDiA

As substâncias constantes das quatro tabelas compõem o que se de-


nomina “Lista Verde”, a qual encontra-se sob a responsabilidade do
INCB. Essa lista, bem como as tabelas, pode ser modificada mediante
requerimento de qualquer país signatário da Organização Mundial
da Saúde (OMS). A título de exemplo, substâncias como o tetrahy-
drocannabinol (derivado da maconha) e tenamfetamina (substância
sintética do grupo das anfetaminas) encontram-se na tabela 1 (de
maior controle), enquanto uma droga legalizada de uso controlado,
como o diazepam no Brasil, encontra-se classificada na tabela 4 (de
controle menos restrito).

saiba mais
Disponível no mercado desde 1963, o diazepam é um
ansiolítico utilizado nos distúrbios de ansiedade e até
na desintoxicação alcoólica, e ainda é considerado uma
das medicações de maior sucesso do seu tempo: a partir
dele se estabeleceu um padrão em termos de potência,
início de ação e segurança dos psicofármacos. Saiba mais
na matéria da UOL “Diazepam é veloz para aliviar crise
de ansiedade, mas só trata os sintomas”, disponível
em: https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/
redacao/2020/08/18/diazepam-e-veloz-para-aliviar-
crise-de-ansiedade-mas-so-trata-os-sintomas.
htm?cmpid=copiaecola.

Destaca-se que o INCB recebeu, por meio da Convenção de 1971,


a incumbência de monitorar a implementação das medidas acor-
dadas pelas Nações Unidas naquele documento. Essas medidas são
as mínimas providências que os países-membros devem adotar.
Não obstante, o país pode adotar medidas de controle ainda mais

Curso FRoNt
MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 356
estritas, caso entenda que isso seja importante para a saúde pública
e o bem-estar de seus cidadãos.

Isso encontra-se explícito no caput e no parágrafo único do art. 2º da


Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, a qual estabeleceu, entre outras
providências adotadas, o Sistema Nacional sobre Drogas (SISNAD), veja:

Lei nº 11.343
de 23 de agosto de 2006

Art. 2º

Ficam proibidas, em todo o território nacional, as drogas, bem


como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e
substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas,
ressalvada a hipótese de autorização legal ou regulamentar, bem
como o que estabelece a Convenção de Viena, das Nações Unidas,
sobre Substâncias Psicotrópicas, de 1971, a respeito de plantas de uso
estritamente ritualístico-religioso.

Parágrafo único. Pode a União autorizar o plantio, a cultura e a


colheita dos vegetais referidos no caput deste artigo, exclusivamente
para fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados,
mediante fiscalização, respeitadas as ressalvas supramencionadas.

Com o propósito de se aplicarem as medidas previstas na Convenção


de 1971, o art. 6º do documento recomenda que cada Estado-membro
deva estabelecer uma administração central para tratar do controle
de substâncias psicotrópicas. Esta instância deve ser responsável por
coordenar, nos níveis nacional e internacional, os assuntos relativos
às obrigações do governo do país ante a Convenção. No Brasil, a orien-
tação dessas ações é centralizada, por meio do Conselho Nacional
Antidrogas (CONAD), com execução descentralizada das atividades
realizadas nas esferas federal, distrital, estadual e municipal (art. 7,
Lei nº 11.343/06).

4.1.3 Convenção Contra o


Tráfico Ilícito de Entorpecentes e
Substâncias Psicotrópicas de 1988 –
Convenção de Viena

A Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias


Psicotrópicas foi concluída em Viena, em 20 de dezembro de 1988.
O instrumento foi incorporado ao Direito interno brasileiro por meio
do Decreto nº 154, de 26 de junho de 1991. Em seu art. 2º, a Convenção
destaca seu propósito, a saber:

Curso FRoNt
MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 357
Decreto nº 154
de 26 de junho de 1991

Art. 2º

O propósito desta Convenção é promover a cooperação entre as


Partes a fim de que se possa fazer frente, com maior eficiência,
aos diversos aspectos do tráfico ilícito de entorpecentes e de
substâncias psicotrópicas que tenham dimensão internacional.
No cumprimento das obrigações que tenham sido contraídas em
virtude desta Convenção, as Partes adotarão as medidas necessárias,
compreendidas as de ordem legislativa e administrativa, de acordo
com as disposições fundamentais de seus respectivos ordenamentos
jurídicos internos.

Percebe-se, já na abertura dessa declaração do propósito, o peso que


a Convenção empresta à cooperação internacional para o enfrenta-
mento do narcotráfico. Isso também fica evidente quando, já em seu
preâmbulo, o instrumento faz menção ao tráfico ilícito de drogas, ao
crime organizado e à lavagem de dinheiro no âmbito internacional.

Do ponto de vista do âmbito interno, o documento também se ocupa


de trazer diretrizes claras para o enfrentamento daquilo que deno-
mina como “grave ameaça à saúde e ao bem-estar dos seres humanos
e que têm efeitos nefastos sobre as bases econômicas, culturais e
políticas da sociedade” (BRASIL, 1991). Assim, impõe-se uma série
de situações: “Cada uma das Partes adotará as medidas necessárias
para caracterizar como delitos penais em seu direito interno, quando
cometidos internacionalmente” (BRASIL, 1991).

Entre os itens da lista de situações que os países signatários da Con-


venção acordaram em tipificar como crimes, encontram-se:

1
A produção, a fabricação, a extração, a preparação, a oferta para
venda, a distribuição, a venda, a entrega em quaisquer condições,
a corretagem, o envio, o envio em trânsito, o transporte,
a importação ou a exportação de qualquer entorpecente ou
substância psicotrópica, contra o disposto na Convenção de 1961
em sua forma emendada, ou na Convenção de 1971.

2
O cultivo de sementes de ópio, do arbusto da coca ou da planta
de Cannabis, com o objetivo de produzir entorpecentes, contra o
disposto na Convenção de 1961 em sua forma emendada.

Curso FRoNt
MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 358
3
A posse ou aquisição de qualquer entorpecente ou substância
psicotrópica com o objetivo de realizar qualquer uma das
atividades enumeradas no item 1).

4
A fabricação, o transporte ou a distribuição de equipamento,
material ou das substâncias, sabendo que serão utilizados para
o cultivo, a produção ou a fabricação ilícita de entorpecentes ou
substâncias psicotrópicas.

5
A organização, a gestão ou o financiamento de um dos delitos
enumerados nos itens anteriores.

Outra medida de cunho interno prevista na Convenção de Viena é o


confisco do produto, dos bens, dos instrumentos ou de quaisquer
outros elementos relacionados ao narcotráfico. Nesse sentido, vale
ressaltar que o chamado Pacote Anticrime, aprovado em dezembro
de 2019, garantiu maior eficácia à Convenção no Brasil, diga-se de
passagem, depois de mais de três décadas da edição dessa Convenção.

As mudanças substanciais na política de confisco dos recursos do crime


organizado podem ser verificadas naquilo que os juristas crimina-
listas estão denominando “perda alargada”, ou “confisco alargado”,
algo possibilitado pela inserção do art. 91-A no Código Penal, o qual
passou a prescrever:

Código Penal
Art. 91-A.

Na hipótese de condenação por infrações às quais a lei comine pena


máxima superior a 6 (seis) anos de reclusão, poderá ser decretada a
perda, como produto ou proveito do crime, dos bens correspondentes
à diferença entre o valor do patrimônio (todos os bens móveis ou
imóveis) do condenado e aquele que seja compatível com o seu
rendimento lícito.

Curso FRoNt
MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 359
4.2 Convenção de Palermo

A Convenção de Palermo é como ficou popularmente conhecida a


Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transna-
cional. Essa convenção remota a Assembléia Geral da ONU, realizada
em novembro de 2000, na sede da organização em Nova Iorque.

Nos termos do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime


(UNODC):

A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado


Transnacional, também conhecida como Convenção de
Palermo, é o principal instrumento global de combate
ao crime organizado transnacional. Ela foi aprovada
pela Assembleia-Geral da ONU em 15 de novembro de
2000, data em que foi colocada à disposição dos Estados-
membros para assinatura, e entrou em vigor no dia 29 de
setembro de 2003.

A Convenção é complementada por três protocolos que


abordam áreas específicas do crime organizado: o Protocolo
Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de
Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças; o Protocolo
Relativo ao Combate ao Tráfico de Migrantes por Via
Terrestre, Marítima e Aérea; e o Protocolo contra a fabricação
e o tráfico ilícito de armas de fogo, suas peças e componentes
e munições. Observa-se que os países devem ratificar a
Convenção antes de aderir a qualquer um dos protocolos.

A Convenção representa um passo importante na luta


contra o crime organizado transnacional e significa o
reconhecimento por parte dos Estados-membros da
gravidade do problema, bem como a necessidade de
promover e reforçar a estreita cooperação internacional a
fim de enfrentar o crime organizado transnacional.

Os Estados-membros que ratificaram este instrumento


se comprometem a adotar uma série de medidas
contra o crime organizado transnacional, incluindo a
tipificação criminal na legislação nacional de atos como a
RA participação em grupos criminosos organizados, lavagem
Enquadre no seu celular de dinheiro, corrupção e obstrução da justiça.
ou tablet o código de A convenção também prevê que os governos adotem
REALIDADE AUMENTADA
do aplicativo Zappar para
medidas para facilitar processos de extradição, assistência
assistir ao vídeo sobre legal mútua e cooperação policial. Adicionalmente, devem
como a Polícia Federal ser promovidas atividades de capacitação e aprimoramento
tem prendido líderes de
de policiais e servidores públicos no sentido de reforçar
organizações criminosas
e atingido recordes na a capacidade das autoridades nacionais de oferecer uma
apreensão de bens do crime. resposta eficaz ao crime organizado.

(UNODC, 2021)

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MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 360
A UNODC (2021) detalha os três protocolos que abordam segmentos
específicos do crime organizado da seguinte forma:

Protocolo Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do


Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças

Aprovado pela resolução da Assembleia-Geral nº 55/25,


o protocolo entrou em vigor em 25 de dezembro de 2003.
Trata-se do primeiro instrumento global juridicamente
vinculante com uma definição consensual sobre o
tráfico de pessoas. Essa definição tem o fim de facilitar a
convergência de abordagens no que diz respeito à definição
de infrações penais nas legislações nacionais para que
elas possam apoiar uma cooperação internacional eficaz
na investigação e nos processos em casos de tráfico de
pessoas. Um objetivo adicional do protocolo é proteger e
dar assistência às vítimas de tráfico de pessoas, com pleno
respeito aos direitos humanos.

Protocolo Relativo ao Combate ao Tráfico de Migrantes


por Via Terrestre, Marítima e Aérea

Este protocolo foi aprovado pela Resolução da Assembleia-


Geral nº 55/25 e entrou em vigor no dia 28 de janeiro de
2004. O protocolo lida com o problema crescente de grupos
criminosos organizados para o contrabando de migrantes,
atividade que muitas vezes representa um alto risco para
os migrantes e grandes lucros para os infratores. A grande
conquista do protocolo foi que, pela primeira vez,
um instrumento internacional global chegou a uma
definição consensual do contrabando de migrantes.
O protocolo visa à prevenção e ao combate desse tipo
de crime, bem como promover a cooperação entre os
países signatários, protegendo os direitos dos migrantes
contrabandeados e prevenindo a exploração dessas pessoas.

Protocolo contra a Fabricação e o Tráfico Ilícito de Armas


de Fogo, suas Peças e Componentes e Munições

Este protocolo foi aprovado por resolução da Assembleia-


Geral nº 55/255 de 31 de maio de 2001 e entrou em vigor
em 3 de julho de 2005. O protocolo, primeiro instrumento
juridicamente vinculante sobre as armas de pequeno porte
adotado em esfera mundial, tem o objetivo de promover,
facilitar e reforçar a cooperação entre os Estados Partes, a fim
de prevenir, combater e erradicar a fabricação e o tráfico ilícito
de armas de fogo, suas peças e componentes e munições.

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MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 361
Ao ratificar o protocolo, os Estados se comprometem a
adotar uma série de medidas de controle da criminalidade
e aplicar em seu ordenamento jurídico interno três
conjuntos de disposições normativas. A primeira diz respeito
ao estabelecimento de infrações penais relacionadas à
fabricação ilegal e ao tráfico de armas de fogo, com base nos
requisitos e definições estabelecidos pelo Protocolo. A segunda
se refere a um sistema de autorizações e licenciamento por
parte dos governos a fim de assegurar a fabricação legítima
de armas de fogos, diferenciando-a do tráfico. A terceira se
refere à marcação e ao rastreamento de armas de fogo.

Agora que examinamos cada uma das convenções, vejamos, a seguir,


uma linha do tempo com um resumo de cada uma delas para auxiliar
em seus estudos.

1961 CONVENÇÃO ÚNiCA SOBRE ENTORPECENTES

Tem o objetivo de combater o abuso de drogas por meio de ações internacionais


coordenadas. Existem duas formas de intervenção e controle que trabalham juntas:
a primeira é a limitação da posse, do uso, da troca, da distribuição, da importação,
da exportação, da manufatura e da produção de drogas exclusivas para uso médico
e científico; a segunda é o combate ao tráfico de drogas por meio da cooperação
internacional para deter e desencorajar os traficantes.

1971 CONVENÇÃO SOBRE SUBSTÂNCiAS PSiCOTRÓPiCAS

Estabelece um sistema de controle internacional para substâncias psicotrópicas e é


uma reação à expansão e diversificação do espectro do abuso de drogas. A Convenção
criou ainda formas de controle sobre diversas drogas sintéticas conforme, por um lado,
o potencial de dependência e, por outro, o poder terapêutico.

1988 CONVENÇÃO CONTRA O TRÁFiCO iLÍCiTO


DE ENTORPECENTES E SUBSTÂNCiAS PSiCOTRÓPiCAS

Fornece medidas abrangentes contra o tráfico de drogas, inclusive métodos contra


a lavagem de dinheiro e o fortalecimento do controle de precursores químicos.
Ela também fornece informações para uma cooperação internacional por meio,
por exemplo, da extradição de traficantes de drogas, seu transporte e
procedimentos de transferência.

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MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 362
2000 CONVENÇÃO DE PALERMO

Representa um passo importante na luta contra o crime organizado transnacional


procedimentos de transferência.

2000 CONVENÇÃO DE PALERMO

Representa um passo importante na luta contra o crime organizado transnacional


e significa o reconhecimento por parte dos Estados-membros da gravidade do
problema, bem como a necessidade de promover e reforçar a estreita cooperação
internacional, a fim de enfrentar o crime organizado transnacional.

4.3 Entidades internacionais 1:


CND e UNODC (ONU); Comissão
Europeia; CICAD (OEA)
Ao longo do presente módulo, você já deve ter percebido que a coo-
peração no âmbito interno e externo deve ser a tônica do combate ao
crime organizado. Agora que conhecemos as principais convenções
internacionais que orientam sobre o controle de drogas e combate
ao tráfico ilegal de substâncias ilícitas, vamos conhecer algumas
entidades internacionais que contribuem para esta mesma finalidade.

4.3.1 Comissão de Narcóticos (CND)

Para uma apresentação da Comissão de Narcóticos (CND) do Con-


selho Econômico e Social da ONU, segue um texto adaptado da versão
inglesa constante da página oficial da Comissão.

A Comissão de Narcóticos (CND) foi estabelecida pela


resolução 9 (I) do Conselho Econômico e Social da ONU em
1946, para auxiliar a supervisão da aplicação dos tratados
internacionais de controle de drogas. Em 1991, a Assembleia
Geral ampliou o mandato da CND para habilitá-la a
funcionar como órgão dirigente do UNODC. A resolução do
Conselho Econômico e Social 1999/30 solicitou à Comissão de
Narcóticos que estruturasse sua agenda em dois segmentos
distintos: um segmento normativo para o desempenho de
funções baseadas em tratados e normativas (marco legal);
e um segmento operacional para o exercício da função de
órgão de governo do UNODC.

A Comissão de Narcóticos reúne-se anualmente quando


trata de uma série de decisões e resoluções. Reuniões
extraordinárias da CND podem ser regularmente convocadas
para fornecer orientação política à UNODC. Perto do final
de cada ano, a CND se reúne em uma nova sessão para
considerar questões orçamentárias e administrativas como
órgão dirigente do programa de drogas das Nações Unidas.

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MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 363
No segmento ministerial de sua 62ª sessão em 2019,
a Comissão adotou a Declaração Ministerial de 2019
sobre o fortalecimento das ações nos níveis nacional,
regional e internacional para acelerar a implementação
dos compromissos conjuntos assumidos para enfrentar e
combater o problema mundial das drogas. Na Declaração,
os Estados-membros escolheram a reunião da Comissão que
será realizada em 2029 para verificar o progresso alcançado
com a implementação dos compromissos políticos assumidos.
Para 2024, está prevista uma reunião de controle, mas
sempre com o foco em 2029.

(UNITED NATIONS OFFICE ON DRUGS AND CRIME, 2021)

4.3.2. Agência das Nações Unidas sobre


Drogas e Crime (UNODC)

Ao longo de todo nosso curso, temos citado repetidas vezes a UNODC,


que é a sigla em inglês para a Agência das Nações Unidas sobre Drogas
e Crime. A UNODC possui a incumbência de coordenar as atividades
internacionais do controle de drogas.

A UNODC oferece assistência técnica aos Estados-membros nas


áreas de Saúde, Justiça Criminal e Segurança Pública, incluindo
controle e prevenção do uso de drogas, enfrentamento ao crime
organizado transnacional, tráfico ilícito de drogas, de seres
humanos e de armas, reforma penitenciária, corrupção e lavagem
de dinheiro, gestão e recuperação de ativos, além da prevenção ao
HIV entre usuários de drogas e pessoas em privação de liberdade.

Em nosso país, essas ações são realizadas mormente por meio do


Escritório de Ligação e Parceria do UNODC no Brasil.

Destacamos, ainda, que o UNODC possui como pilares para a sua


atuação as convenções da ONU que tratamos ao longo das primeiras
aulas desta unidade. Um exemplo nesse sentido foi nossa utilização,
no Módulo 2, dos livretos temáticos que trazem o Relatório Mundial
Sobre Drogas 2020. Os livretos nos forneceram informações rele-
vantes e atualizadas acerca da evolução da área de plantio de coca
na América Andina.

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MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 364
4.3.3 Comissão Europeia

A Comissão Europeia ajuda a definir a estratégia geral da União Euro-


peia (UE), propõe novos atos legislativos e políticas da UE, acompanha
a respetiva execução e gere o orçamento da UE. Ela desempenha
também um papel importante no apoio ao desenvolvimento inter-
nacional e na prestação de ajuda humanitária.

No âmbito da União Europeia, outro segmento importante para a


temática deste curso é o Observatório Europeu da Droga e da Toxi-
codependência (OEDT).

O OEDT tem a incumbência de fornecer à União Europeia e aos seus


Estados-membros informações factuais, objetivas, confiáveis e
comparáveis em nível europeu sobre droga e toxicodependência
e as respectivas consequências. Tem por objetivo fornecer dados
que possam ser utilizados no quadro da definição de políticas e das
iniciativas de luta contra a droga.

É importante lembrar que praticamente toda a produção de coca no


mundo está concentrada em nossos vizinhos andinos (Bolívia, Peru e
Colômbia) e que, no Brasil, acaba sendo exercido o escoamento da co-
caína e derivados para o resto do mundo, particularmente para a Europa.

Foto: © [photopixel] / Adobe Stock.

Haja vista a crescente presença de cocaína na Europa, a cooperação entre


o governo brasileiro, principalmente de seus órgãos de persecução cri-
minal, e a União Europeia, por exemplo, por meio da Comissão Europeia
ou do OEDT, torna-se cada vez mais relevante e urgente.

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MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 365
saiba mais
Leia mais sobre a presença da cocaína na Europa,
acessando o texto “Cocaína, mais disponível que
nunca na Europa”, disponível em: https://noticias.
uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2020/09/22/
cocaina-mais-disponivel-que-nunca-na-europa.
htm?cmpid=copiaecola.

4.3.4 Comissão Interamericana para


Controle do Abuso de Drogas (CICAD)

A última agência internacional de natureza política de Direito Inter-


nacional da qual vamos tratar nesta aula é a Comissão Interameri-
cana para Controle do Abuso de Drogas (CICAD) da Organização dos
Estados Americanos (OEA).

Esta Comissão tem por objetivo aumentar as capacidades


humanas e institucionais de seus Estados-membros, a fim de
reduzir a produção, tráfico e uso de drogas ilícitas. A Comissão
busca apoiar a pesquisa relacionada com drogas, o intercâmbio
de informações e o treinamento especializado. Essas ações em
conjunto com os Estados-membros visam combater o problema
das drogas de forma multidimensional, sendo a questão da
demanda por drogas e como ela pode ser suprimida, hoje, um dos
principais focos das ações da CICAD.

A CICAD foi estabelecida pela Assembleia Geral da Organização dos


Estados Americanos (OEA) em 1986. A comissão se insere na OEA
como um fórum de políticas do hemisfério ocidental e visa, com o
apoio do secretariado executivo, fortalecer as capacidades humanas
e institucionais e canalizar os esforços coletivos dos seus Estados-
-membros para reduzir a produção, tráfico e uso de drogas ilegais.

Para tanto, a CICAD promove duas reuniões anuais, nas quais mem-
bros do alto escalão dos governos participantes se reúnem, a fim de
promover a cooperação e coordenação entre os Estados-membros da
OEA. Além disso, a CICAD também realiza, conjuntamente ao secre-
tariado executivo, programas de prevenção e tratamento de abuso
de substâncias, o enfraquecimento e a redução da disponibilidade de
drogas ilícitas, bem como o fortalecimento das instituições e sistemas
de controle de drogas nacional.

Esta atuação conjunta também objetiva o melhoramento das leis e


práticas de controle de lavagem de dinheiro e a promoção de assis-
tência aos governos membros para melhorar a sua coleta de dados e
análise sobre todos os aspectos do problema das drogas.

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MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 366
Em 2020, foi assinado um acordo de cooperação entre o governo bra-
sileiro e a OEA com vistas à redução da demanda de drogas em nosso
país. O acordo foi assinado pela Secretaria Geral da Organização dos
Estados Americanos (OEA), por meio da Comissão Interamericana
para o Controle do Abuso de Drogas (CICAD), e o Ministério da Ci-
dadania do Brasil e sua Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção
às Drogas (SENAPRED).

4.4 Entidades internacionais 2:


INTERPOL, EUROPOL e AMERIPOL

Na aula anterior, nós tratamos de entidades de caráter político do


Direito Internacional com relevância para o combate ao narcotráfico
e ao crime organizado. Nesta última aula do último módulo de nosso
curso, vamos tratar de entidades internacionais de natureza policial.
Vamos começar com a famosa Organização Internacional de Polícia
Criminal, mais conhecida como INTERPOL.

4.4.1 Organização Internacional de


Polícia Criminal (INTERPOL)

A INTERPOL é uma organização intergovernamental composta por


194 países-membros e possui por objetivo auxiliar as polícias locais
a, de forma coordenada, tornar o mundo mais seguro. Para alcançar
esse objetivo, a INTERPOL possibilita que as polícias dos Estados-
-membros compartilhem e acessem dados de crimes e criminosos,
ao mesmo tempo que lhes oferece um vasto repertório de suporte
técnico e operacional.

A sede da Interpol se encontra em Lyon, na França. A organização


também possui um complexo de inovação em Singapura e vários
escritórios satélites espalhados pelo mundo. Em todos os países que
compõem a Interpol, há um Escritório Central Nacional (National
Central Bureau – NCB). Esses escritórios, ao lado da Secretaria
Geral e da Assembleia Geral, compõem a estrutura organizacional
da INTERPOL. Normalmente, os NCBs são dirigidos por policiais
locais e estão vinculados ao ministério responsável pela estrutura
policial do país-membro.

O Brasil é membro desde 6 de outubro de 1986. O Escritório Central


Nacional da INTERPOL está sediado em Brasília, no Departamento
de Polícia Federal, o qual faz parte da unidade de Coordenação
Geral de Cooperação Internacional. Entretanto, existe um NCB em
cada estado brasileiro. Ressalta-se que, entre 2014 e 2018, o NCB
nacional coordenou mais de 200 prisões de fugitivos internacionais
em nosso país (CRAVO, 2019).

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MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 367
Para conectar os países-membros, a INTERPOL possui um sistema
glossário chamado I-24/7.

Pois bem, por meio do I-24/7, os países que compõem a INTERPOL


A expressão 24/7 é comumente usada no podem contatar uns aos outros e a Secretaria Geral sempre que isso
universo policial e militar para indicar for necessário. O sistema também permite aos países-membros aces-
uma atividade que acontece 24 horas por sarem bancos de dados que disponibilizam serviços em tempo real,
dia, sete dias por semana; ou seja, uma como fornecimento de informações sobre passaporte e impressões
atividade ininterrupta. digitais de suspeitos.

Foto: © [piter2121] / Adobe Stock.

A INTERPOL também coordena redes de policiais e especialistas


em diferentes áreas criminais, fomentando trabalhos em grupo e
conferências para troca de experiências e ideias, mormente con-
siderando as atividades criminais mais críticas para a comunidade
internacional em nossos dias: o terrorismo, os crimes cibernéticos
e o crime organizado.

Além disso, a organização oferece suporte para investigações por


meio de ciência forense, análises e assistência na localização de fu-
gitivos ao redor do mundo. Tudo isso tendo o treinamento constante
como prioridade e sem perder de vista o investimento em inovação
e identificação de tendências.

Podcast transcrito

No Brasil, o histórico de sucesso em operações de captura


de criminosos internacionais por meio dos recursos
da INTERPOL é extenso. A título de exemplo, em 2019,
por exemplo, uma brasileira envolvida na logística do
narcotráfico na América do Sul e que possuía pedido de
busca pela INTERPOL foi capturada em uma ação conjunta
entre a Brigada Militar e a Polícia Federal. Também em
2019, um italiano foi preso na cidade de Teófilo Otoni/

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MG, em cumprimento a um mandado judicial de prisão,
para fins de extradição, expedido pelo Supremo Tribunal
Federal, em razão de Difusão Vermelha da INTERPOL.
O preso estava na lista de procurados internacionais
e encontrava-se foragido desde 2007. Ele havia sido
condenado pela justiça italiana a uma pena de 11 anos e
10 meses de prisão por tráfico de drogas.

4.4.2. Agência Policial da União


Europeia (EUROPOL)
A EUROPOL é a agência policial da União Europeia (UE). Em seu
site, a instituição informa que possui por principal objetivo alcançar
uma Europa mais segura para o benefício de todos os seus cidadãos.
A sede da EUROPOL fica situada na cidade de Hague, nos Países Baixos.
A organização presta suporte aos 27 países-membros da UE na luta
contra o terrorismo, crimes cibernéticos, outros crimes graves e
formas de crime organizado.

Algo relevante para se tomar nota é que a EUROPOL também


trabalha em parceria com Estados e organizações internacionais
que não fazem parte da União Europeia. Isso é especialmente
significativo para o combate ao narcotráfico e ao crime organizado
no Brasil, haja vista que a Europa é um dos principais destinos do
tráfico de drogas e de pessoas que partem dos principais portos
marítimos e aéreos de nosso país.

No site da EUROPOL também é destacado o peso da ameaça que os


crimes em larga escala e as redes terroristas representam para a se-
gurança interna da União Europeia e para a qualidade de vida de sua
população. Desta forma, as principais ameaças à segurança listadas
pela EUROPOL são:

Terrorismo

Tráfico internacional
Fraudes organizadas de drogas e lavagem
e falsificação de euros de dinheiro
AMEAÇAS À SEGURANÇA

Tráfico de pessoas

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Segundo a EUROPOL, esses crimes são especialmente desafiadores de-
vido ao fato de que as redes que os sustentam conseguem se aproveitar
rapidamente de qualquer nova oportunidade que surja. Da mesma
forma, essas redes são resilientes em relação às medidas policiais
tradicionais. Veja-se, por exemplo, o caso de um casal brasileiro
preso em Portugal por envolvimento em esquemas de falsificação de
passaportes. A prisão foi realizada por meio da cooperação entre a
Polícia Federal brasileira e a EUROPOL, com investigações realizadas
inclusive na dark web, uma parte específica da deep web.

saiba mais
A deep web é a camada de sites que se localiza abaixo da
surface web. Geralmente, entende-se que tudo o que
não é visto livremente na internet faz parte da deep web.
Atualmente essa terminologia é usada para se referir a
endereços que não são indexados por mecanismos de
busca, como o Google e o Bing. Vale notar que esses sites
precisam ser assim por vários motivos, como segurança
e privacidade. Conheça mais sobre o assunto acessando
o texto “Deep Web e Dark Web: qual a diferença?”,
disponível em: https://tecnoblog.net/282436/deep-
web-e-dark-web-qual-a-diferenca/.

Em 2017, em Haia, foi aprovado um acordo de cooperação entre o Brasil


e a EUROPOL. A medida tem por objetivo a prevenção e o combate ao
crime organizado, ao terrorismo e a outras formas de crime interna-
cional. Entre os avanços conquistados, estão o intercâmbio de infor-
mações operacionais, estratégicas e técnicas entre a Europa e o Brasil.

O acordo foi recepcionado (homologado internamente) pelo Estado


brasileiro, por meio do Decreto nº 10.364, de 21 de maio de 2020.
Em seu art. 4º, o instrumento traz alguns produtos práticos dele
decorrentes, a saber:

Decreto nº 10.364
de 21 de maio de 2020

Art. 4º

A cooperação pode, além da troca de informações, em conformidade com


as funções da EUROPOL descritas no Conselho Deliberativo da EUROPOL,
incluir o intercâmbio de conhecimentos especializados, relatórios
gerais de situação, resultados de análise estratégica, informação sobre
procedimentos de investigação criminal, informações sobre métodos de
prevenção de crimes, participação em atividades de formação, bem como
assessoria e apoio em investigações criminais concretas.

Curso FRoNt
MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 370
4.4.3 Comunidade de Polícias da
América (AMERIPOL)

De acordo com o site da organização, o termo AMERIPOL é a versão


reduzida para Comunidade de Polícias da América. Trata-se de um
mecanismo de cooperação hemisférico, integrado e coordenado,
que possui como propósito promover e fortalecer a cooperação
policial em matéria técnico-científica, de capacitação, bem como
dinamizar e tornar mais efetivo o intercâmbio de informações com
fins de inteligência.

De igual forma, a comunidade tem por objetivo coordenar e poten-


cializar ações sustentadas de investigação criminal e assistência
judicial entre as instituições policiais e/ou instituições homologadas
na América. Tudo isso visando a consolidação da doutrina e da filo-
sofia policial, e a prevenção e neutralização do delito. Atualmente, 33
instituições policiais ou instituições homologadas e 26 organismos
observadores distribuídos ao redor do mundo compõem a comunidade.

A AMERIPOL foi criada em 2007, em um encontro de chefes de po-


lícia dos países da América Latina e Caribe realizado em Bogotá,
na Colômbia. No ano seguinte, a sede da organização foi inaugurada
naquela mesma cidade. O Brasil é representado na organização por
dois delegados da Polícia Federal.

NA PRÁTICA
A participação brasileira na organização já tem produzido
bons frutos para nosso país. Por exemplo, em 2019,
um curso internacional sobre terrorismo global foi promovido
pela AMERIPOL em Curitiba (PR). A capacitação contou
com especialistas de entidades policiais e procuradores de
diversos países. No evento, um dos tópicos ressaltados foi
a importância da organização para a formação de equipes
conjuntas de investigação, com objetivo de combater a
criminalidade transnacional na região.

Por certo, a AMERIPOL ainda se encontra distante do nível de es-


truturação de suas congêneres: INTERPOL e EUROPOL. Entretanto,
depois de tudo que estudamos neste curso sobre o narcotráfico e crime
organizado, sobretudo ao considerarmos a ascensão de organizações
criminosas como o PCC no cenário internacional, espera-se que a
AMERIPOL desenvolva cada vez mais um papel crucial na prevenção
e na repressão da criminalidade organizada no Brasil e em todo o
continente americano.

Curso FRoNt
MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 371
Nesta unidade, passamos a conhecer as principais convenções e
entidades internacionais de controle das drogas e repressão ao nar-
cotráfico. Também descobrimos algumas ações de cooperação do
Brasil com outras nações e órgãos internacionais que têm gerado
bons frutos. Esperamos que o conhecimento desses instrumentos e
dispositivos internacionais fomentem cada vez mais a realização de
ações conjuntas que possam beneficiar a segurança pública.

Curso FRoNt
MÓDULO 5 - TÓPICOS ESPECIAIS EM REPRESSÃO AO NARCOTRÁFICO E AO CRIME ORGANIZADO 372
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