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Capítulo 8

Limite e Continuidade

8.1 Necessidade de limites

O Cálculo Integral é essencialmente um estudo de quantidades. Este estudo


pode ser aplicado no cálculo de diversas grandezas, como a distância percorrida
por uma partícula com velocidade conhecida, o trabalho realizado por uma força,
a quantidade de tinta necessária para pintar uma escultura de formato complicado.

Entre as diversas aplicações possíveis


começaremos pelo problema mais sim-
ples possível que exige o conceito de in-
tegral, que é o cálculo de áreas. Sabemos
pelas leis de Kepler que a linha que liga o
Sol aos planetas percorre áreas iguais em
intervalos de tempo iguais, mesmo com a
trajetória elíptica dos planetas. Para utili-
zar as leis de Kepler e prever a posição dos planetas numa data futura devemos
evidentemente saber calcular esta área, que é o objetivo do Cálculo Integral.

O Cálculo Diferencial por sua vez estuda a variação das funções, ou seja, se
a variável y depende da variável x por uma função y = f (x), como a variação em
x afeta a variação em y. Numa função que descreve uma reta, este conceito é
simples. Quanto maior a inclinação da reta maior é a resposta na variável y a uma
variação em x.
22 Limite e Continuidade

f(x) f(x) f(x)

x x x

Figura 8.1: A curva da esquerda tem inclinação pequena, a do meio tem inclinação
maior. A terceira curva possui várias inclinações.

Se a função descreve uma curva, esta resposta não é tão simples. Intuitiva-
mente podemos perceber que há uma resposta. Se a curva descreve uma ladeira
podemos perceber que precisamos de mais esforço para subir uma ladeira reta
mais inclinada que uma ladeira reta menos inclinada. Já na curva podemos in-
tuitivamente enxergar em quais trechos o esforço é grande, em quais o esforço é
pequeno e até mesmo em quais o esforço é negativo (como ao descer uma ladeira).
O objetivo do Cálculo Diferencial é calcular estas diversas inclinações, definindo
assim o conceito de derivada.
Em princípio a área limitada por uma curva (descrita pelo Cálculo Integral) e a
inclinação da curva (descrita pelo Cálculo Diferencial) são conceitos geométricos
independentes. Mas o teorema mais importante deste capítulo, chamado Teorema
Fundamental do Cálculo, mostra que estes conceitos distintos são intimamente
ligados, motivo pelo qual são estudados como um único assunto, o Cálculo Dife-
rencial e Integral.
Historicamente o primeiro destes problemas a ser tratado foi o da área limitada
por uma curva, como por exemplo no Método da Exaustão de Arquimedes. Com
este conceito Arquimedes foi capaz de calcular a área limitada por uma parábalo e
a área limitada por uma circunferência, entre outros exemplos. O conceito de de-
rivada apareceu séculos mais tarde com Fermat no estudo de máximos e mínimos
de funções.
À medida que o conhecimento matemático avançava, estes conceitos foram
cada vez mais aperfeiçoados. O desenvolvimento das fórmulas de Bhaskara, Car-
dano e Ferrari permitiram que o método da exausão fosse aplicado a diversas
curvas. Pascal e Fermat utilizaram aproximações por retângulos ao invés de triân-
gulos. Newton e Leibniz de maneiras independentes formularam a relação entre
os conceitos de derivada e integral e posteriormente Cauchy e Riemann viram a
necessidade de formular os conceitos de derivada e integral de maneira mais con-
sistente e rigorosa. Esta necessidade motivou a definição do conceito de limite,
como será ilustrada nos exemplos a seguir.
8.1 Necessidade de limites 23

Exemplo 8.1 (Área debaixo de uma curva).

h h

b b

Figura 8.2: Áreas do retângulo e do triângulo.

Pela geometria básica sabemos calcular a área de um retângulo pelo produto


do comprimento da base e da altura, ou seja, A = b · h. A área de um triângulo é
igual à metade da área do menor retângulo que o contém, isto é, A = 12 b · h.

Figura 8.3: Áreas de um polígono regular e um polígono irregular.

A área de um polígono, mesmo que irregular, pode ser calculada dividindo


o polígono em triângulos e calculando a área de cada triângulo individualmente,
somando os resultados. Este processo pode ser trabalhoso, como ter que dividir
uma região em 50 triângulos. Mesmo assim é uma conta que já sabemos fazer.
Uma região limitada por uma curva mais geral, como circunferências, elipses,
hipérboles e parábolas, não pode ser dividida em um número finito de retângulos
ou triângulos. No entanto podemos aproximar esta área por uma quantidade finita
de retângulos. Seja por exemplo, a área debaixo de uma parábola, como ilustrada
na figura a seguir.
24 Limite e Continuidade

f(x) Podemos encaixar esta figura em um re-


y=x2 tângulo de base b = 1 e altura h = 1. Evi-
dentemente a área desta região é positiva
e menor que a área do retângulo, que sa-
h=1
bemos calcular. Se A é a área debaixo da
parábola,

b=1
x 0<A<1. (8.1)
Dividindo a base da figura em quatro pedaços, podemos também encaixar
cada pedaço em um retângulo diferente. Podemos também desenhar retângulos
dentro da região. Os retângulo menores, à esquerda na figura 8.4, estão contidos
na região de área desconhecida, portanto a área debaixo da parábola é maior que
a soma das áreas destes retângulos menores. Calculamos assim uma aproximação
inferior para a área desconhecida A.

f(x) f(x)

x x

Figura 8.4: Aproximação por quatro retângulos.

Já a união dos retângulos maiores, à direita na figura 8.4, contém a região de


área desconhecida. Então a área debaixo da parábola é menor que a soma da área
destes quatro retângulos maiores, que também sabemos calcular. Temos assim
uma aproximação superior. Com estes retângulos temos que

0.21875 < A < 0.46875 . (8.2)

Evidentemente esta aproximação é melhor que aproximar por um retângulo


apenas. Podemos melhorar ainda mais a aproximação dividindo a base da figura
em oito pedaços iguais, como ilustrado na figura 8.6. Comparando com a aproxi-
mação por quatro retângulos podemos notar que a aproximação por cima diminuiu
8.1 Necessidade de limites 25

enquanto a aproximação por baixo aumentou, resultando numa aproximação ainda


melhor para a área desconhecida dada por

0.2734375 < A < 0.3984375 . (8.3)

f(x) f(x)

x x

Figura 8.5: Aproximação por oito retângulos.

Repetindo a operação dividindo a base em 16 partes iguais calculamos

0.302734375 < A < 0.365234375 . (8.4)

Este processo de dividir a base em partes cada vez menores pode ser repetido
quantas vezes quisermos, gerando aproximações ainda melhores para esta área
desconhecida. Neste método o número de retângulos é cada vez maior, mas o
tamanho da base também é cada vez menor. Com o método da exaustão, Arqui-
medes calculou esta área como A = 1/3.
Por maior que seja o número de retângulos, a região em questão é limitada por
uma curva, que nunca pode ser aproximada por uma quantidade finita de retân-
gulos. A área exata deste retângulo por este método é calculada apenas com um
número infinito de retângulos. Como a área de cada retângulo individual é cada
vez menor, estas áreas se aproximam de zero. Portanto para aplicar este método
é necessário desenvolver uma matemática capaz de descrever a soma da área de
infinitos retângulos de área zero, isto é, uma matemática em que expressões como

1
•·0 = (8.5)
3
fazem sentido.
26 Limite e Continuidade

Exemplo 8.2 (Reta tangente a uma curva).


f(x) Seja uma curva descrita pela equação
y = f (x) e (x0 , f (x0 )) um ponto qual-
quer desta curva. Intuitivamente pode-
f(x0)
mos perceber que existe uma inclinação
da curva no ponto escolhido, e quere-
mos encontrar a equação de uma reta que
passa pelo ponto (x0 , f (x0 )) e que pos-
sui a mesma inclinação. O problema em
x0 x
questão é como definir e calcular esta
reta.
Se a curva em questão for uma circunferência, podemos definir esta reta como
a reta tangente, isto é, uma reta que intercepta a circunferência em apenas um
ponto. No entanto a definição de reta tangente como uma reta que intercepta a
curva em apenas um ponto é satisfatória para a circunferência mas não para uma
curva arbitrária. Por exemplo, qualquer reta vertical intercepta a parábola y = x2
em qualquer ponto e claramente a inclinação da parábola não é vertical.

y y

x x

Figura 8.6: Reta tangente como uma aproximação por retas secantes.

Precisamos de uma definição capaz de encontrar a reta que possui a mesma


inclinação que a curva, que chamamos de reta tangente mesmo que a curva não
seja uma circunferência, e que seja a própria reta tangente caso a curva seja de
fato uma circunferência. Uma reta que intercepta a circunferência em dois pontos
é chamada de reta secante. Se mantivermos um destes pontos fixo e variarmos o
segundo ponto aproximando-o cada vez mais do ponto mantido fixo a reta secante
definida pelos pontos se aproxima cada vez mais da reta tangente à circunferência
que passa pelo ponto mantido fixo.
8.1 Necessidade de limites 27

f(x)

Voltando à curva descrita pela equação


y = f (x), o ponto (x0 , f (x0 )) será man-
f(x0)
tido fixo enquanto o ponto (x1 , f (x1 )) é
variável. Existe apenas uma reta que
passa por estes dois pontos, que tam-
bém chamaremos de reta secante, des-
x0 x1 x1 x1 x crita pela equação

✓ ◆ ✓ ◆
f (x1 ) f (x0 ) f (x0 )x1 f (x1 )x0
y= x+ . (8.6)
x1 x0 x1 x0

A inclinação da reta é o termo que multiplica a variável x. Denotando esta incli-


nação pela letra m, calculamos a inclinação da reta secante como

f (x1 ) f (x0 )
m= . (8.7)
x1 x0

À medida que o valor de x1 se aproxima do valor mantido fixo x0 , a reta secante se


aproxima da reta que definimos como a reta tangente à curva y = f (x) que passa
pelo ponto (x0 , f (x0 )). No entanto a reta secante torna-se a reta tangente somente
se x1 = x0 . Enquanto x1 for diferente de x0 , calculamos apenas uma aproximação
para a reta tangente, nunca a reta tangente verdadeira. E se escolhermos x1 = x0 a
expressão para a reta tangente possui uma divisão por zero.
Além do denominador podemos perceber que o numerador também se anula
se x1 = x0 . Então para calcular o valor preciso da inclinação da reta tangente
precisamos de uma matemática em que, de alguma forma, a expressão
0
=4 (8.8)
0
faça sentido e seja possível de ser calculada sem ambiguidades.
28 Limite e Continuidade

8.2 Definição de limites


8.2.1 Noção intuitiva de limites
Seja a parábola representada por

y = x2 (8.9)

como mostrada na figura abaixo. O ponto (2, 4) pertence a esta parábola e quere-
mos calcular a expressão da reta tangente a esta curva que passa pelo ponto (2, 4)
aproximando-a por retas secantes.
f(x) Escolhemos um ponto x 6= 2 e a inclina-
ção da reta que passa pelos pontos (2, 4)
e o ponto (x, x2 ) é
x2

Dy x2 4
m(x) = = . (8.10)
Δy Dx x 2
Evidentemente a função m(x) não está
4
definida no ponto x = 2, isto é, este
2 x x ponto não pertence ao domínio da fun-
Δx
ção. Mas nada nos impede de calcular
a função m(x) em valores próximos de
x = 2. Montando tabelas para valores
maiores e menores que 2 temos os se-
guintes valores:

x m(x) x m(x)
2.2 4.2 1.8 3.8
2.1 4.1 1.9 3.9
2.05 4.05 1.95 3.95
2.01 4.01 1.99 3.99
2.001 4.001 1.999 3.999
2.0001 4.0001 1.9999 3.9999

Tabela 8.1: Valores de m(x)

Pelos valores tabelados parece seguro afirmar que o valor de m(x) se aproxima
do número real 4 quando o argumento x se aproxima de 2. Portanto a inclinação
da reta tangente à parábola y = x2 no ponto (2, 4) vale m = 4 e sua equação é

(y 4) = 4(x 2) ou y = 4x 4. (8.11)
8.2 Definição de limites 29

Este número real (m = 4) do qual a função m(x) se aproxima à medida que em


que o argumento x se aproxima do valor 2 é chamado de limite da função m(x)
quando x tende a 2 e é denotado por

x2 4
lim =4. (8.12)
x!2 x 2

Porém podemos encontrar exemplos em que este método de definir e calcular


limites pode não funcionar tão bem como neste primeiro exemplo. Seja a função

2
x3 + 10x 5 sen(x)
f (x) = . (8.13)
x

Esta função é par ( f ( x) = f (x)). Podemos calcular f (x) apenas para os valo-
res positivos de x para analisar como o valor de f (x) se comporta quando x se
aproxima do zero. Montamos então a seguinte tabela.

x f (x)
1 1.000084
0.5 0.250017
0.1 0.0100102
0.05 0.00251005
0.01 0.000110002
0.005 0.0000350005
0.001 0.000011

Tabela 8.2: Valores de f (x)

Se pararmos por aqui podemos nos convencer de que os valores da tabela se


aproximam de f (x) = 0 à medida que o argumento x se aproxima do zero, ou seja,

lim f (x) = 0 . (8.14)


x!0

No entanto se continuarmos calculando valores da tabela para valores ainda


menores de x encontramos os seguintes resultados.
30 Limite e Continuidade

x f (x)
0.0005 0.00001025
0.0001 0.00001001
0.00005 0.0000100025
0.00001 0.0000100001
0.000005 0.000010000025
0.000001 0.000010000001

Tabela 8.3: Valores mais precisos de f (x)

O número 1 sempre aparece na quinta casa em todos os valores calculados


pela tabela. Então com uma tabela mais precisa o limite correto parece ser

lim f (x) = 0.00001 . (8.15)


x!0

O valor correto deste limite é o segundo. Neste exemplo uma tabela com poucos
valores pode nos enganar e sugerir um limite diferente do correto.
Partimos agora para outro exemplo. Seja a função
p
1 + x2 1
g(x) = , (8.16)
x2
que descreve a curvatura de uma hipérbole. Esta função claramente não está de-
finida em x = 0, pois há uma divisão por zero. Mas nada nos impede de tabelar
valores da função calculada em valores de x cada vez mais próximos de zero.
Como no exemplo anterior, esta função é par e podemos tabelar apenas os valores
positivos de x.

x g(x)
1 0.41421
10 1 0.49875

10 2 0.49998

10 3 0.50000

10 4 0.50000

10 5 0.50000

Tabela 8.4: Valores de g(x)

Até aqui parece seguro afirmar que


p
1 + x2 1 1
lim = . (8.17)
x!0 x2 2
8.2 Definição de limites 31

No entanto vimos no exemplo anterior que o comportamento aparente dos valores


da tabela pode mudar à medida que calculamos valores ainda mais próximos de
x = 0. Continuando os cálculos da tabela anterior encontramos

x g(x)
10 6 0.500044
10 7 0.488498
10 8 0.000000
10 9 0.000000
10 10 0.000000

Tabela 8.5: Valores mais precisos de g(x)

Agora a tabela sugere que

p
1 + x2 1
lim =0, (8.18)
x!0 x2

mas, como veremos futuramente, o valor correto deste limite é 12 . Ao contrário do


exemplo anterior, uma tabela com poucos cálculos é capaz de encontrar o limite
correto enquanto uma tabela muito precisa pode nos induzir a conclusões falsas.
3 x2 5
No exemplo f (x) = x +10 x sen(x) a tabela com poucos valores é ruim e foram
necessários
p vários valores para chegar no limite correto, enquanto no exemplo
1+x2 1
g(x) = x2
a tabela com poucos valores calculou um valor correto e a tabela
com mais valores nos induziu a um erro. Como saber se no exemplo de f (x) uma
tabela ainda mais precisa exibe um comportamento diferente como aconteceu no
exemplo de g(x)? Analisando apenas os valores calculados nas tabelas não é
possível saber qual o valor correto do limite em cada exemplo.
Podemos adotar uma abordagem mais geométrica e tentar encontrar uma curva
que interpola os pontos calculados pela tabela. Voltando ao exemplo bem com-
2
portado da função m(x) = xx 24 , se montarmos um gráfico com os diversos valores
da tabela 8.1 podemos ver que os pontos estão todos contidos em uma reta.
32 Limite e Continuidade

f(x) f(x)

4 4

2 x 2 x

Figura 8.7: Representação geométrica da tabela 8.1

Como a função m(x) não é definida no ponto x = 2 esta reta possui um “bu-
raco” em x = 2, mas todos os outros pontos da reta correspondem a algum valor
que pode ser tabelado. Este “buraco” possui altura y = 4, então a abordagem
geométrica sugere também que
x2 4
lim =4. (8.19)
x!2 x 2

Utilizaremos esta abordagem no exemplo da função


⇣p⌘
h(x) = sen . (8.20)
x
Esta função não está definida em x = 0 pois há uma divisão por zero no argumento
da função seno, mas podemos calcular os valores da função em valores de x muito
próximos de zero. Esta função é ímpar, então o comportamento em x > 0 é refle-
tido na região em que x < 0. Logo podemos calcular a tabela apenas em valores
positivos de x.

x h(x)
1 sen(p) = 0
10 1 sen(10p) = 0
10 2 sen(100p) = 0
10 3 sen(1000p) = 0
10 4 sen(10000p) = 0
10 5 sen(100000p) = 0

Tabela 8.6: Primeira tabela com valores de h(x)


8.2 Definição de limites 33

É simples perceber que podemos continuar os cálculos em potências ainda


menores de 10 e obter um valor nulo para a função. Se montarmos uma curva
com os pontos da tabela percebemos que todos os pontos estão na reta horizontal
y = 0. Seguindo a reta até o x = 0 podemos concluir que
⇣p⌘
lim sen =0. (8.21)
x!0 x
Montamos agora uma outra tabela de valores da mesma função mas calculando
nos pontos 25 , 29 , 13
2 2
, 17 , e assim por diante, ou seja, aumantamos o denominador
de quatro em quatro.

x h(x)
2/5 sen 5p
2 =1
2/9 sen 9p
2 =1
2/13 sen 13p
2 =1
2/17 sen 17p
2 =1
2/21 sen 21p
2 =1

Tabela 8.7: Segunda tabela com valores de h(x)

Montando um gráfico com os pontos desta tabela verificamos que os pontos


possuem a mesma coordenada vertical. Todos eles estão contidos na reta horizon-
tal y = 1 e seguindo esta reta concluímos que
⇣p⌘
lim sen =1. (8.22)
x!0 x

Montamos agora uma terceira tabela, agora nos pontos 23 , 27 , 11


2
, 2
15 . Como na
tabela anterior, aumantamos o denominador de quatro em quatro.

x g(x)
2/3 sen 3p
2 = 1
2/7 sen 7p
2 = 1
2/11 sen 11p
2 = 1
2/15 sen 15p
2 = 1
2/19 sen 19p
2 = 1

Tabela 8.8: Terceira tabela com valores de h(x)

Assim como nas tabelas anteriores, a coordenada vertical é a mesma. Todos


os pontos estão contidos na reta horizontal y = 1 e de acordo com esta tabela a
34 Limite e Continuidade

conclusão é que
⇣p⌘
lim sen = 1. (8.23)
x!0 x
Montamos três tabelas diferentes para a função h(x), cada uma podendo ser
calculada em infinitos valores diferentes que se aproximam cada vez mais de x =
0, e que sugerem um valor diferente para o limite da função quando x tende a zero.
A noção intuitiva de calcular valores da função cada vez mais próximas de zero
falha neste exemplo.
O motivo pelo qual a tabela falha é que
a função h(x) = sen px é uma oscilação
entre os valores 1 e 1 cada vez mais
rápida à medida que o argumento x se
x
aproxima de zero. A tabela 8.6 foi mon-
tada com raízes da função, a tabela 8.7
foi montada com os máximos da função
e a tabela 8.8 foi montada com os míni-
mos da função.
Estes exemplos mostram como calcular o limite de uma função por valores de
uma tabela pode induzir a resultados errados. Precisamos melhorar a definição de
limite, porque a definição “número real do qual a função se aproxima à medida em
que o argumento se aproxima de um determinado valor” é imprecisa. Se este mé-
todo de cálculo de limite falhou nestes exemplos pode falhar em diversos outros.
Precisamos de uma definição mais precisa que não preveja resultados ambíguos
como a extrapolação da tabela.
O problema da noção intuitiva é que existem inúmeras maneiras pelas quais
o argumento x pode tender ao ponto x0 . Então a definição rigorosa deve ser in-
dependente da maneira que x tende a x0 . Uma expressão melhor para o limite é
dizer que “O valor da função f (x) tende ao número real L quando x tende a x0 se
os valores de f (x) estão próximos de L sempre que x está próximo de x0 .” Esta
definição já não depende de como x tende a x0 , mas precisamos ainda expressar
melhor o que significa estar próximo de L ou estar próximo de x0 .

8.2.2 Vizinhança de um ponto


A vizinhança de um ponto é definida como o conjunto de pontos até uma certa
distância do ponto de referência. Se x0 é o nosso ponto de referência e x é algum
outro ponto da reta real, a distância entre estes pontos é

x x0 , se x x0 ,
d(x, x0 ) = (8.24)
x0 x , se x < x0 ,
8.2 Definição de limites 35

ou apenas

d(x, x0 ) = |x x0 | . (8.25)

Essencialmente, é a diferença entre o maior valor e o menor valor.


Seja a um número real positivo. O conjunto de pontos da reta real até uma
distância menor que a do ponto de referência x0 é o conjunto de valores de x que
satisfazem a desigualdade

|x x0 | < a . (8.26)

Esta expressão equivale a

a<x x0 < a (8.27)

que por sua vez equivale a

x0 a < x < x0 + a . (8.28)

Esta desigualdade representa os valores de x pertencentes a um intervalo aberto.


Definimos este intervalo como a vizinhança de distância a do ponto x0 , que pode-
mos expressar como

Va (x0 ) = {x 2 R | x0 a < x < x0 + a} . (8.29)

Podemos dizer também que

x 2 Va (x0 ) se |x x0 | < a . (8.30)

8.2.3 Definição precisa de limite


f(x) Seja f (x) valores de uma função definida
para todo número real diferente de um
2
certo x0 , como na função f (x) = xx 24
que não está definida em x0 = 2. Ima-
gine que o gráfico de f (x) é uma curva
L
com um “buraco” em x0 cuja coordenada
vertical é o limite L que queremos calcu-
lar, como ilustrado na figura ao lado.
x0 x

Dizemos agora que f (x) tende a L quando x tende a x0 se f (x) está próximo
de L sempre que x está próximo de x0 . Uma maneira ainda melhor de expressar
36 Limite e Continuidade

este conceito é dizer que f (x) está em uma vizinhança pequena de L sempre que
x está em uma vizinhança pequena de x0 . Esta expressão em língua portuguesa
deve agora ser traduzida para equações matemáticas.
A vizinhança de tamanho a do ponto x0 é o conjunto que denotamos por Va (x0 )
dos pontos que satisfazem a desigualdade |x x0 | < a. Se f (x) está numa vizi-
nhança de tamanho b do número real L, denotamos esta vizinhança por Vb (L) e a
desigualdade que f (x) deve satisfazer é | f (x) L| < b.
f(x) No plano xy a expressão y 2 Vb (L), que
equivale à desigualdade L b < y < L+b
representa uma faixa de horizontal es-
pessura 2b em torno da reta horizontal
y = L. Se a curva y = f (x) possui um
L
comportamento como na figura ao lado,
a fronteira da faixa intercepta a curva em
dois pontos. Estes dois pontos podem ser
c 0x d x
projetados no eixo x definindo os pontos
c e d como na figura, um deles menor
que x0 e outro maior que x0 .
Neste caso podemos perceber que sempre que escolhermos algum ponto no
intervalo aberto (c, d), o valor correspondente f (x) estará dentro da faixa de es-
pessura 2b. Em outras palavras, f (x) 2 Vb (L) sempre que c < x < d. Dentro deste
intervalo aberto podemos encontrar uma vizinhança de x0 . Seja a um número real
menor que as distâncias |x0 c| e |x0 d|. Então se x 2 Va (x0 ), automaticamente
x 2 (c, d) que por sua vez que dizer que f (x) 2 Vb (L). Para esta vizinhança em par-
ticular de L de tamanho b foi possível encontrar uma vizinhança de x0 de tamanho
a tal que

f (x) 2 Vb (L) sempre que x 2 Va (L) . (8.31)

Falta ainda definir o que é uma vizinhança pequena. No tamanho do Brasil, ci-
dades a 50 km de distância uma da outra podem ser consideradas cidades vizinhas.
Mas duas pessoas que moram na mesma cidade jamais se considerariam vizinhas
morando a esta distância uma da outra. Sem saber qual é a aplicação prática da
conta que estamos fazendo não é possível dizer o que é pequeno e o que é grande.
Por este motivo a definição de limite deve ser válida para qualquer vizinhança,
por menor que ela seja. Então a definição de que f (x) está próximo de L sempre
que x está próximo de x0 é melhor expressa como “Para qualquer vizinhança b
arbitrariamente pequena do ponto L existe alguma vizinhança de tamanho a do
ponto x0 tal que f (x) 2 Vb (L) sempre que x 2 Va (L)”. Este conceito é ilustrado na
figura 8.8.
8.2 Definição de limites 37

f(x) f(x)

L L

c x0 d x c x0 d x

Figura 8.8: Vizinhanças cada vez menores de L.

Podemos também formular o conceito de limite da seguinte maneira. Para


qualquer valor de b positivo existe um valor de a positivo tal que

| f (x) L| < b sempre que |x x0 | < a . (8.32)

Um detalhe importante que foi omitido. O valor f (x) não precisa estar defi-
nido em x0 para definirmos o conceito de limite. O ponto x = x0 pode ser expresso
por |x x0 | = 0. Então se trocarmos a expressão |x x0 | < a por 0 < |x x0 | < a
automaticamente excluímos o ponto x0 da vizinhança em questão. Assim com-
pletamos a definição de limite da função. Dizemos que f (x) tende a L quando x
tende a x0 se para todo valor positivo de b existir algum valor positivo de a tal que

| f (x) L| < b sempre que 0 < |x x0 | < a . (8.33)

Para manter uma notação consistente com a literatura, trocaremos as letras a


e b pelas letras gregas d e e, chegando assim na definição adotada pelos livros de
Cálculo Diferencial e Integral.
Definição 8.1. Dizemos que f (x) tende ao número real L quando x tende a x0 se
para todo e positivo existir algum d positivo tal que

| f (x) L| < e sempre que 0 < |x x0 | < d . (8.34)

O número real L é chamado de limite da função, que denotamos por

lim f (x) = L . (8.35)


x!x0
38 Limite e Continuidade

Exemplo 8.3.
Seja a função

x2 4
m(x) = (8.36)
x 2
cujos valores tabelados sugerem que o limite seja 4 quando x tende a 2. Pela
definição precisa devemos mostrar que para todo e > 0 existe algum d > 0 tal que

|m(x) 4| < e sempre que 0 < |x 2| < d . (8.37)

Manipulamos a expressão |m(x) 4| < e da seguinte forma

x2 4
4 <e, (8.38)
x 2

(x 2)(x + 2)
4 <e, (8.39)
x 2

|(x + 2) 4| < e , (8.40)

|x 2| < e . (8.41)

As equações (8.38) e (8.41) são equivalentes, isto é, uma implica a outra.


Então para qualquer e > 0 podemos escolher um d tal que 0 < d < e, como por
exemplo d = e/2, e

0 < |x 2| < d =) |x 2| < e =) |m(x) 4| < e . (8.42)

Portanto podemos afirmar pela definição rigorosa de limite que

x2 4
lim =4. (8.43)
x!2 x 2

Exemplo 8.4.
Seja agora h(x) = sen px e x0 = 0, que é o ponto no qual h(x) não está defi-
nido. Se calcularmos uma tabela com valores de x dados por x = 1n com n inteiro
sugere um limite nulo. Então escolhemos uma vizinhança de tamanho e de L = 0.
8.2 Definição de limites 39

Se e > 1 toda a curva y = h(x) está dentro da faixa de espessura 2e em torno da


reta horizontal y = 0, pois o valor da função seno está sempre no intervalo [ 1, 1].
Assim em qualquer vizinhança de tamanho d em torno de x0 = 0 é verdade
que

|h(x) 0| < e sempre que 0 < |x 0| < d . (8.44)

No entanto esta condição deve ser verdade para qualquer valor de e, e em parti-
cular para os arbitrariamente pequenos. Escolhendo um e menor que 1, como por
exemplo e = 4/5, a curva y = f (x) sai da faixa de espessura 2e em torno da reta
horizontal y = 0.

x x

Figura 8.9: Vizinhanças de y = 0 com e = 1.2 e e = 0.8.

Como vimos ao montar tabelas desta função, sempre que o argumento x é da


1
forma x = 4n+1 o valor da função é h(x) = 1. Agora seja d um número positivo
qualquer, mesmo que muito pequeno. Por menor que seja ele, sempre existe um n
1
grande suficiente tal que 4n+1 < d. Então no intervalo 0 < x < d sempre vai existir
pontos em que a curva sai da faixa. Neste valor específico de e não pode existir
um valor positivo de d tal que

|h(x) 0| < e sempre que 0 < |x 0| < d . (8.45)

Por causa da oscilação cada vez mais rápida da função h(x) quando x se aproxima
de zero, o valor da função nunca se aproxima de um único número real. Neste
caso dizemos que
⇣p⌘
lim sen não existe. (8.46)
x!0 x
40 Limite e Continuidade

Exemplo 8.5.
Seja f (x) = 2x + 7 e x0 = 4. Se montarmos uma tabela com os valores desta
função com o argumento se aproximando de x0 = 4 percebemos que o valor da
função se aproxima de L = 15. Então manipulamos a expressão | f (x) 15| < e.
|(2x 7) 15| < e , (8.47)

|2x 8| < e , (8.48)

e
|x 4| <. (8.49)
2
Então se escolhermos algum d menor que e/2, como e/3 ou e/4, temos que
e
0 < |x 4| < d =) |x 4| < =) |(2x 7) 15| < e . (8.50)
2
Portanto
lim (2x 7) = 15 . (8.51)
x!4
Exemplo 8.6.
Seja agora o exemplo da função f (x) = |x|
x . Esta função não está definida em
x0 = 0 mas podemos tentar calcular o seu limite. Lembrando que

x , se x 0
|x| = (8.52)
x , se x < 0
podemos simplificar a expressão de f (x) como

|x| 1 , se x > 0
f (x) = = (8.53)
x 1 , se x < 0
cujo gráfico é mostrado na figura abaixo.
f(x)

Qualquer vizinhança de x0 = 0 de tama-


nho d qualquer contém números positi-
vos e números negativos. Então os ele-
mentos da vizinhança à direita de x0 pos-
x
suem valor f (x) = 1 enquanto os ele-
mentos à esquerda de x0 possuem valor
f (x) = 1. Assim como no exemplo da
função sen px se e < 1 é impossível en-
contrar uma vizinhança de x0 = 0 tal que

| f (x) L| < e sempre que 0 < |x x0 | < d (8.54)


8.2 Definição de limites 41

para qualquer L real. Portanto pela definição de limite

|x|
lim não existe. (8.55)
x!0 x

8.2.4 Limites laterais


O exemplo da função f (x) = |x| x é curioso porque se escolhermos apenas uma
vizinhança à direita de x0 = 0, isto é, os pontos no intervalo

x0 < x < x0 + d , (8.56)

estamos escolhendo apenas valores positivos de x, para os quais f (x) = 1. Então


nesta vizinhança temos que

| f (x) 1| = |1 1| = 0 . (8.57)

Para qualquer e > 0 e qualquer d > 0 temos que

|x|
1 <e sempre que 0<x<d. (8.58)
x

Podemos assim definir o limite à direita.

Definição 8.2. Se para todo e > 0 existir algum d > 0 tal que

| f (x) L| < e sempre que x0 < x < x0 + d , (8.59)

dizemos que f (x) tende a L quando x tende a x0 pela direita. Denotamos o limite
à direita como

lim f (x) = L . (8.60)


x!x0+

Da mesma forma podemos definir o limite à esquerda.

Definição 8.3. Se para todo e > 0 existir algum d > 0 tal que

| f (x) L| < e sempre que x0 d < x < x0 , (8.61)

dizemos que f (x) tende a L quando x tende a x0 pela esquerda. Denotamos o


limite à esquerda como

lim f (x) = L . (8.62)


x!x0
42 Limite e Continuidade

No exemplo da função f (x) = |x|


x temos que qualquer vizinhança à esquerda do
ponto x0 = 0 contém apenas números negativos, para os quais f (x) = 1. Assim
| f (x) ( 1)| = 0 < e sempre que d < x < 0 para quaisquer valores positivos de
e e d. Logo

|x|
lim = 1. (8.63)
x!0 x
Para que o limite de uma função exista quando x ! x0 , é necessário que o
limite à direita e o limite à esquerda existam e sejam iguais. No caso da função
f (x) = |x|
x os dois limites laterais existem, mas são valores diferentes. Já no caso
h(x) = sen px nem mesmo os limites laterais existem.

Exemplo 8.7. p
Seja agora o exemplo da função f (x) = x, definida nos valores x 2 [0, +•).
Queremos calcular o limite quando x0 ! 0. Montando uma tabela de valores cada
vez menores de x a função parece tender a zero. Neste caso podemos calcular
apenas em valores à direita de x0 = 0. Manipulando a expressão | f (x) L| < e
com L = 0 encontramos
p
x 0 <e, (8.64)

x < e2 . (8.65)

Se escolhermos algum d < e2 , como por exemplo d = e/2, temos que


p p p
0 < x < d =) 0 < x < d < e =) | x| < e . (8.66)

Então concluímos que


p
lim x = 0 . (8.67)
x!0+

Como a função não está definida


p em valores negativos de x, não existe o limite
à esquerda da função f (x) = x quando x tende a 0 . Por este motivo dizemos
também que
p
lim x não existe, (8.68)
x!0

pois apenas o limite à direita existe.


8.3 Propriedades de limites 43

8.3 Propriedades de limites


Vimos pela definição rigorosa de limite que

lim (2x + 7) = 15 . (8.69)


x!4

Se dobrarmos a função, devemos esperar que o limite também sobre, isto é,

lim (4x + 14) = 30 ? (8.70)


x!4

Somando 1 ao valor da função, devemos esperar que o limite também aumente em


1, isto é,

lim (4x + 15) = 31 ? (8.71)


x!4

Podemos verificar pela definição rigorosa. Manipulando a expressão | f (x)


L| < e temos

|(4x + 15) 31| < e , (8.72)

|4x 16| < e , (8.73)

e
|x 4| < . (8.74)
4
Então se escolhermos qualquer valor de d maior que zero e menor que e/4 temos
que
e
0 < |x 4| < d =) |x 4| < =) |(4x + 15) 31| < e , (8.75)
4
então de fato

lim (4x + 15) = 31 (8.76)


x!4

como esperávamos.
No entanto é impraticável repetir o teste pela definição rigorosa cada vez que
modificarmos uma função com limite conhecido. Por este motivo é interessante
deduzir propriedades que permitem reduzir o cálculo do limite de uma função
complicada em limites mais simples.
44 Limite e Continuidade

Teorema 8.1.
Se os limites

lim f (x) = L1 e lim g(x) = L2 (8.77)


x!x0 x!x0

existem, então
(a)

lim [ f (x) + g(x)] = L1 + L2 ; (8.78)


x!x0

(b)

lim [ f (x) · g(x)] = L1 · L2 ; (8.79)


x!x0

(c)

f (x) L1
lim = se L2 6= 0 . (8.80)
x!x0 g(x) L2

Em outras palavras, o limite da soma de duas funções é a soma dos limites indi-
viduais, o limite do produto é o produto dos limites e o limite da razão é a razão
dos limites desde que o denominador seja diferente de zero.
Demonstração. Para provar a primeira propriedade, devemos mostrar que para
todo e > 0 existe algum d > 0 tal que

|( f (x) + g(x)) (L1 + L2 )| < e sempre que 0 < |x x0 | < d . (8.81)

Manipulamos o primeiro módulo como

|( f (x) + g(x)) (L1 + L2 )| = |( f (x) L1 ) + (g(x) L2 )| . (8.82)

Pela desigualdade triangular temos que

|( f (x) + g(x)) (L1 + L2 )|  | f (x) L1 | + |g(x) L2 | . (8.83)

Sabemos por hipótese que os limites individuais de f (x) e g(x) existem e tendem,
respectivamente, a L1 e L2 . Então para o número positivo e/2 existem números
positivos d1 e d2 tais que
e
| f (x) L1 | < sempre que 0 < |x x0 | < d1 , (8.84)
2
e
|g(x) L2 | < sempre que 0 < |x x0 | < d2 . (8.85)
2
8.3 Propriedades de limites 45

Escolhemos como d o menor valor entre d1 e d2 . Assim


0 < |x x0 | < d =) (0 < |x x0 | < d1 ) E (0 < |x x0 | < d2 ) , (8.86)
que implica
⇣ e⌘ ⇣ e⌘
| f (x) L1 | <
E |g(x) L2 | < , (8.87)
2 2
que por sua vez implica
e e
|( f (x) + g(x)) (L1 + L2 )|  + =e. (8.88)
2 2
Em outras palavras,
|( f (x) + g(x)) (L1 + L2 )| < e sempre que 0 < |x x0 | < d, (8.89)
como queríamos demonstrar.
As outras propriedades são demonstradas de maneira semelhante, apenas com
uma manipulação mais trabalhosa. Para provar a segunda propriedade, devemos
mostrar que para todo e > 0 existe um d > 0 tal que
|( f (x) · g(x)) (L1 · L2 )| < e sempre que 0 < |x x0 | < d. (8.90)
O primeiro módulo deve ser manipulado em termos das diferenças | f (x) L1 | e
|g(x) L2 | que sabemos que são arbitrariamente pequenas pela definição de limite.
Somando e subtraindo g(x) · L1 temos que
f (x) · g(x)L1 · L2 = f (x) · g(x) L1 · L2 + g(x) · L1 g(x) · L1
= ( f (x) L1 ) g(x) + L1 (g(x) L2 ) . (8.91)
Ainda temos um g(x) que não está na forma desejada. Então somamos e subtraí-
mos ( f (x) L1 ) L2 para obter
f (x) · g(x) L1 · L2 = ( f (x) L1 ) g(x) + L1 (g(x) L2 ) + ( f (x) L1 ) L2 ( f (x) L1 ) L2
= ( f (x) L1 ) (g(x) L2 ) + L1 (g(x) L2 ) + L2 ( f (x) L1 ) . (8.92)

Nesta última expressão temos a soma de 3 termos que envolvem as diferenças


desejadas. Devemos argumentar que cada um dos três termos é menor que e/3
quando x está suficientemente próximo de x0 . Pela definição de limite, para qual-
quer e > 0 existem números reais d1 , d2 , d3 e d4 tais que
r
e
| f (x) L1 | < sempre que 0 < |x x0 | < d1 , (8.93)
3
r
e
|g(x) L2 | < sempre que 0 < |x x0 | < d2 , (8.94)
3
e
| f (x) L1 | < sempre que 0 < |x x0 | < d3 , (8.95)
3(1 + |L2 |)
e
|g(x) L2 | < sempre que 0 < |x x0 | < d4 . (8.96)
3(1 + |L1 |)
46 Limite e Continuidade

Seja d o menor valor entre d1 , d2 , d3 e d4 . Então se 0 < |x x0 | < d, todas estas


quatro últimas condições são válidas. Pela desigualdade triangular
|( f (x) · g(x)) (L1 · L2 )| < | f (x) L1 | · |g(x) L2 | + |L1 | |g(x) L2 | + |L2 | | f (x) L1 |
r r
e e e |L1 | e |L2 |
< · + +
3 3 3 1 + |L1 | 3 1 + |L2 |
e e e
< + + =e. (8.97)
3 3 3
Ou seja, de fato para qualquer e > 0 existe um d > 0 tal que

|( f (x) · g(x)) (L1 · L2 )| < e sempre que 0 < |x x0 | < d . (8.98)

Para a última propriedade, devemos mostrar que para todo e > 0 existe um
d > 0 tal que

f (x) L1
<e sempre que 0 < |x x0 | < d (8.99)
g(x) L2

Começamos com a seguinte manipulação

f (x) L1 f (x) · L2 g(x) · L1


= . (8.100)
g(x) L2 L2 · g(x)

Somando e subtraindo L1 · L2 no numerador temos

f (x) L1 ( f (x) L1 )L2 (g(x) L2 )L1


= . (8.101)
g(x) L2 g(x) · L2

Os termos do numerados já podem ser feitos arbitrariamente pequenos, mas ainda


temos um g(x) no denominador. Se L2 6= 0, a quantidade |L22 | é um número posi-
tivo. Para este número positivo existe uma vizinhança d1 tal que

|L2 |
|g(x) L2 | < sempre que 0 < |x x0 | < d1 . (8.102)
2
Nesta vizinhança temos que

|L2 |
|L2 | = |L2 g(x) + g(x)|  |L2 g(x)| + |g(x)| < + g(x) . (8.103)
2
|L2 |
Subtraindo 2 em cada termo temos

|L2 |
< |g(x)| (8.104)
2
8.3 Propriedades de limites 47

ou
1 2
 sempre que 0 < |x x0 | < d1 . (8.105)
|g(x)| |L2 |

Além disso, para todo e > 0 existem d2 e d3 positivos tais que


|L2 |
| f (x) L1 | < e sempre que 0 < |x x0 | < d2 , (8.106)
4
|L2 |2
|g(x) L2 | < e sempre que 0 < |x x0 | < d3 . (8.107)
4(1 + |L1 |)
Novamente escolhemos d como o menor valor entre d1 , d2 e d3 . Assim sempre
que 0 < |x x0 | < d temos que
f (x) L1 1 1
 (| f (x) L1 | · |L2 | + |g(x) L2 | · |L1 |)
g(x) L2 |g(x)| L2
✓ ◆
2 1 |L2 | |L2 |2
< |L2 |e + |L1 |e
|L2 | |L2 | 4 4(1 + |L1 |)
e e
< + =e. (8.108)
2 2
Portanto, para todo e > 0 existe um d > 0 tal que

f (x) L1
<e sempre que 0 < |x x0 | < d , (8.109)
g(x) L2

encerrando assim a demonstração do teorema.

Seja

3x2 x + 4
f (x) = . (8.110)
x2 + 1
Queremos calcular o limite desta função quando x tende a 1. Nesta função seria
impraticável utilizar a definição, no entanto, se soubermos calcular os limites

lim (3x2 x + 4) = L1 e lim (x2 + 1) = L2 (8.111)


x!1 x!1

e verificarmos que L2 6= 0, reduzimos o cálculo do limite de uma função racional


ao cálculo do limite de polinômios, que são funções mais simples. Mesmo estes
cálculos podem ser simplificados ainda mais.
48 Limite e Continuidade

Exemplo 8.8 (Função constante).


Uma função constante é tal que
f (x) = K (8.112)
em toda a reta real. Neste exemplo é simples verificar pela definição que
lim f (x) = K (8.113)
x!x0

para qualquer valor de x0 . A diferença | f (x) K| é nula em toda a reta real. Então
para qualquer e > 0 temos que
| f (x) K| < e , 8x 2 R . (8.114)
Então para qualquer vizinhança de tamanho d de qualquer ponto x0 é verdade que

| f (x) K| < e sempre que 0 < |x x0 | < d . (8.115)


Exemplo 8.9 (Função identidade).
O caso da função
f (x) = x (8.116)
também é simples de calcular. Seja x0 qualquer. Para mostrar que
lim x = x0 (8.117)
x!x0

devemos mostrar que para todo e > 0 existe algum d > 0 tal que
| f (x) x0 | < e sempre que 0 < |x x0 | < x0 . (8.118)
Neste caso
| f (x) x0 | = |x x0 | . (8.119)
Então para qualquer e > 0 podemos escolher um d tal que 0 < d < e e assim
0 < |x x0 | < d =) |x x0 | < e . (8.120)
Exemplo 8.10.
No caso do polinômio
p(x) = 3x2 x+4 (8.121)
podemos calcular o limite pelos exemplos anteriores e pelo teorema 8.1.
✓ ◆✓ ◆✓ ◆ ✓ ◆✓ ◆ ✓ ◆
2
lim (3x x + 4) = lim 3 lim x lim x + lim 1 lim x + lim 4
x!1 x!1 x!1 x!1 x!1 x!1 x!1
= 3 · 1 · 1 + ( 1) · 1 + 4 = 6 . (8.122)
8.3 Propriedades de limites 49

Exemplo 8.11.
Se
q(x) = x2 + 1 , (8.123)

✓ ◆✓ ◆ ✓◆
2
lim (x + 1) = lim x lim x + lim 1 = 1 · 1 + 1 = 2 . (8.124)
x!1 x!1 x!1 x!1

Exemplo 8.12.
No caso da função racional
3x2 x + 4
f (x) = . (8.125)
x2 + 1
Nos exemplos anteriores calculamos isoladamente os limites do numerador e do
denominador. Como o limite do denominador é diferente de zero, podemos aplicar
as propriedades de limite e concluir que
3x2 x + 4 limx!1 (3x2 x + 4) 6
lim = = =3. (8.126)
x!1 x2 + 1 limx!1 (x2 + 1) 2
Exemplo 8.13.
Seja agora a função racional
x3 1
f (x) = . (8.127)
x 1
Queremos calcular o limite quando x tende a 1. Calculando os limites do numera-
dor e do denominador isoladamente temos
✓ ◆✓ ◆✓ ◆ ✓ ◆
3
lim (x 1) = lim x lim x lim x + lim 1 = 1 · 1 · 1 1 = 0 (8.128)
x!1 x!1 x!1 x!1 x!1
e
✓ ◆ ✓◆
lim (x 1) = lim x + lim 1 = 1 1=0. (8.129)
x!1 x!1 x!1

Neste caso o denominador tende a zero e não podemos utilizar o teorema 8.1.
Precisamos de outra abordagem para calcular este limite.
Lembrando que x3 1 = (x 1)(x2 + x + 1), escrevemos
x3 1 (x 1)(x2 + x + 1)
f (x) = = = x2 + x + 1 . (8.130)
x 1 x 1
Assim
✓ ◆✓ ◆ ✓ ◆ ✓ ◆
lim f (x) = lim x lim x + lim x + lim 1 = 1 · 1 + 1 + 1 = 3 . (8.131)
x!1 x!1 x!1 x!1 x!1
50 Limite e Continuidade

Existem duas propriedades semelhantes às já vistas.

Teorema 8.2.
Se

lim f (x) = L1 e lim g(x) = L2 (8.132)


x!x0 x!x0

e K é um número real qualquer,

(a)

lim (K · f (x)) = K · L1 ; (8.133)


x!x0

(b)

lim ( f (x) g(x)) = L1 L2 . (8.134)


x!x0

Demonstração. De acordo com o teorema 8.1,


✓ ◆✓ ◆
lim (h(x) · f (x)) = lim h(x) lim f (x) (8.135)
x!x0 x!x0 x!x0

Se h(x) = K é uma função constante, já sabemos calcular este limite. Assim

lim (K · f (x)) = K · L1 . (8.136)


x!x0

Ainda de acordo com o teorema 8.1,


✓ ◆ ✓ ◆✓ ◆
lim ( f (x) + h(x) · g(x)) == lim f (x) + lim h(x) lim g(x) . (8.137)
x!x0 x!x0 x!x0 x!x0

Escolhendo h(x) = 1 constante, temos

lim ( f (x) g(x)) = L1 + ( 1)L2 = L1 L2 . (8.138)


x!x0

Exemplo 8.14.
Queremos agora calcular o limite da função
p p
x 2
f (x) = (8.139)
x 2
8.3 Propriedades de limites 51

quando x ! 2. Neste caso o denominador tende a zero e não podemos utilizar o


teorema 8.1, mas podemos manipular a função da seguinte maneira.
p p p p
x 2 x+ 2 x 2 1
f (x) = p p = p p =p p . (8.140)
x 2 x + 2 (x 2)( x + 2) x+ 2
p p
O denominador agora é q(x) = x+ 2, mas os teoremas vistos não permitem
calcular o limite
p desta função. Devemos voltar à definição e encontrar um limite
para a funçãop x quando x ! 2. Um palpite razoável é supor que o limite desta
função seja 2, que devemos ainda verificar. A expressão
p p
| x 2| < e (8.141)

equivale a
p p p
2 e < x < 2+e . (8.142)

Como estamos interessados em vizinhanças pequenas, podemos considerar o termo


à esquerda como positivo. Assim elevando os termos ao quadrado não alteramos
a ordem da desigualdade, obtendo
p p
( 2 e)2 < x < ( 2 + e)2 . (8.143)

Subtraindo 2 de cada termo temos


p p
( 2 e)2 2 < x 2 < ( 2 + e)2 2. (8.144)
p p
Seja d o menor valor entre 2 ( 2 e)2 e ( 2 + e)2 2. A p desigualdade
p 0<
|x 2| < d implica a equação (8.144), que por sua vez implica | x 2| < e.
Assim sabemos que
p p
lim x = 2 . (8.145)
x!2

O denominador que faltava calcular é


p p p p p
lim ( x + 2) = 2 + 2 = 2 2 . (8.146)
x!2

Então a função original tem limite


p p
x 2 1 1
lim = lim p p = p . (8.147)
x!2 x 2 x!2 x+ 2 2 2
52 Limite e Continuidade

Neste último exemplo vimos que


p q
lim x = lim x . (8.148)
x!2 x!2

Queremos saber se esta propriedade é válida com alguma função no argumento da


raiz. Vimos já que se x0 = 0 existe apenas o limite à direita, que é nulo.
Teorema 8.3.
Se
p p
lim f (x) = L > 0 , então lim f (x) = L. (8.149)
x!x0 x!x0

Se
p
lim f (x) = 0 , então lim f (x) = 0 (8.150)
x!x0 x!x0

somente se f (x) 0 em alguma vizinhança de x0 .


Demonstração. Primeiro devemos mostrar que
p p
lim u = a (8.151)
u!a

para todo a positivo. Seja e > 0, a expressão


p p
| u a| < e (8.152)

equivale a
p p p
a e  u  a+e . (8.153)
p
Se e > a escrevemos
p p
0  u  a+e . (8.154)

Elevando cada termo na desigualdade não mudamos a ordem, então


p p
( a e)2  u  ( a + e)2 (8.155)
p
se 0 < e < a ou
p
0  u  ( a + e)2 (8.156)
p
se e > a. Subtraindo a de cada termo temos

p p
( a e)2 au a  ( a + e)2 a (8.157)
8.3 Propriedades de limites 53

p
se 0 < e < a ou
p
a  u  ( a + e)2 a (8.158)
p
se e > a. p p
Seja d1 o menor valor entre a ( a e)2 , ( a + e)2 a ou a. Neste caso
sempre que
0 < |u a| < d1 (8.159)
as condições (8.157) e (8.158) são automaticamente satisfeitas, que por sua vez
implicam
p p
| u a| < e , (8.160)
provando assim que de fato
p p
lim u = a (8.161)
u!a

para todo a positivo.


Agora escrevemos u = f (x) e a = L. Pelo limite que acabamos de provar,
podemos afirmar que para todo e existe um d1 tal que
p p
f (x) L < e sempre que 0 < | f (x) L| < d1 . (8.162)

Sabemos que f (x) tende a L quando x tende a x0 , ou seja, para todo e1 > 0 existe
algum d > 0 tal que
| f (x) L| < e1 sempre que 0 < |x x0 | < d . (8.163)
Em particular, podemos escolher e1 = d1 . Assim
p p
0 < |x x0 | < d =) | f (x) L| < e1 = d1 =) f (x) L < e , (8.164)

provando assim que


p p
lim f (x) = L se lim f (x) = L > 0 . (8.165)
x!x0 x!x0
p
No caso em que L = 0, a composição f (x) não pode ser definida numa
região em que f (x) < 0. Se em toda a vizinhança de x0 a função é positiva, como
no caso da função f (x) = (x x0 )2 , que tem uma raiz em x0 mas forapdela é sempre
positiva, então podemos calcular o limite à direita e à esquerda de f (x) quando
x tende a x0 .
Se f (x) = (x x0 )3 , à esquerda de x0 a função é negativa, por isso não existe
o limite à esquerda, apenas o limite à direita.
54 Limite e Continuidade

Exemplo 8.15.
Seja agora
p
1 + x2 1
f (x) = , (8.166)
x2
que é a função não definida em x0 = 0 e cuja tabela pouco precisa sugere um limite
L = 1/2 se calcularmos até x = 10 5 mas para valores mais precisos ainda o limite
parece tender a L = 0. Manipulando a expressão para contornar a divisão por zero
temos
p p
1 + x2 1 1 + x2 + 1 1 + x2 12 1
f (x) = 2
· p = p =p . (8.167)
x 2 2
1 + x + 1 x ( 1 + x + 1)2 1 + x2 + 1
A função no argumento da raiz tem o seguinte limite.
✓ ◆ ✓ ◆✓ ◆
2
lim (1 + x ) = lim 1 + lim x lim x = 1 + 0 · 0 = 1 . (8.168)
x!0 x!0 x!0 x!0

Como este limite é positivo, podemos calcular o limite da raiz como


p p
lim 1 + x2 = 1 = 1 (8.169)
x!0

O limite da função em questão é


lim 1 1 1
x!0
lim f (x) = p = = . (8.170)
x!0 lim 1 + x + lim 1 1 + 1 2
2
x!0 x!0

O valor sugerido pela tabela calculando até x = 10 5 está correto, enquanto


valores muito precisos de x começam a sugerir um valor errado para o limite.
Este erro ocorre devido à aritmética de ponto flutuante e precisão utilizada pela
calculadora ou computador.
Exemplo 8.16.
O ramo superior de uma circunferência de raio a centrada na origem é repre-
sentada pelo gráfico da função
p
f (x) = a2 x2 . (8.171)

O argumento da raiz descreve uma parábola com raízes a e a. O limite da


parábola quando x tende a um x0 qualquer é
✓ ◆ ✓ ◆✓ ◆
2 2 2
lim (a x ) = lim a lim x lim x = a2 x02 . (8.172)
x!x0 x!x0 x!x0 x!x0
8.3 Propriedades de limites 55

Este limite é positivo apenas no intervalo aberto de a até a, ou seja, se x0 2


( a, a). Nestes pontos o limite da função f (x) pode ser calculado como
p q
lim a x = a2 x02 .
2 2 (8.173)
x!x0

No ponto x0 = a o argumento da raiz tende a zero. Analisando o comportamento


da parábola vemos que ela é positiva na vizinhança à esquerda de x0 = a e negativa
na vizinhança à direita de x0 = a. Então
p p
lim a2 x2 = 0 e lim a2 x2 não existe. (8.174)
x!a x!a+

No ponto x0 = a temos o contrário. À direita deste ponto a parábola é positiva e


à esquerda deste ponto é negativa. Portanto
p p
lim a2 x 2 = 0 e lim a2 x2 não existe. (8.175)
x! a+ x! a

Teorema 8.4 (Teorema do confronto).


Se f (x)  g(x)  h(x) em alguma vizinhança de x0 exceto talvez em x0 , se

lim f (x) = L e lim h(x) = L , (8.176)


x!x0 x!x0

então

lim g(x) = L . (8.177)


x!x0

Demonstração. Seja d1 o tamanho do intervalo em torno de x0 no qual f (x) 


g(x)  h(x). Como os limites de f (x) e g(x) existem e valem L, para qualquer
e > 0 existem d2 e d3 tais que
L e < f (x) < L + e sempre que x0 d2 < x < x0 + d2 , (8.178)
L e < h(x) < L + e sempre que x0 d3 < x < x0 + d3 . (8.179)
Seja d o menor valor entre d1 , d2 e d3 . Então sempre que 0 < |x x0 | < d,
temos que

L e < f (x)  g(x)  h(x) < L + e , (8.180)

ou seja,

|g(x) L| < e sempre que 0 < |x x0 | < d . (8.181)


56 Limite e Continuidade

Exemplo 8.17.
Seja agora o caso da função
⇣p⌘
f (x) = x sen , (8.182)
x
que não está definida em x = 0 mas cujo limite pode ser calculado. Não podemos
utilizar a propriedade de limite
✓ ◆✓ ⇣ p ⌘◆
lim f (x) = lim x lim sen (8.183)
x!0 x!0 x!0 x

porque o segundo limite não existe. Mas sabemos que a função seno é limitada,
então
⇣p⌘
1  sen 1 (8.184)
x
para todo x real. Multiplicando esta expressão por x temos a desigualdade
⇣p⌘
x  x sen x. (8.185)
x
No meio temos a função cujo limite queremos calcular. Nos extremos temos a
função linear ou um múltiplo dela, cujo limite é simplese já calculamos como
L = 0. Então pelo teorema do confronto
⇣p⌘
lim x sen =0, (8.186)
x!0 x
p
mesmo não existindo o limite da função sen x .
8.4 Limites envolvendo o infinito 57

8.4 Limites envolvendo o infinito


Estudamos agora o caso da função f (x) = x12 . Esta função não está definida na
origem e queremos saber se o limite

1
lim (8.187)
x!0 x2

existe e, caso exista, qual o seu valor. Não podemos utilizar a propriedade da
razão dos limites porque o denominador tende a zero. Portanto devemos voltar à
definição e tentar encontrar um número real L tal que para todo e > 0 existe algum
d > 0 de modo que

1
L <e sempre que 0 < |x| < d . (8.188)
x2

Como a imagem da função f (x) = x12 é o conjunto dos números positivos, espe-
ramos que este L seja positivo. A desigualdade que envolve L é equivalente a

1
L e< < L+e . (8.189)
x2

Considere e pequeno o suficiente de modo que L > e. Assim cada termo na desi-
gualdade acima é positivo. Tomando os inversos escrevemos a desigualdade como

1 1
> x2 > . (8.190)
L e L+e

Agora trocamos a ordem dos elementos e tiramos a raiz quadrada de cada um,
obtendo

1 1
p < |x| < p . (8.191)
L+e L e

Em outras palavras,

1 1 1
L <e somente se p < |x| < p . (8.192)
x2 L+e L e
58 Limite e Continuidade

f(x)
Como ilustrado na figura ao lado, as re-
giões no eixo x que correspondem a va-
lores de f (x) dentro da faixa de espes-
L sura 2e em torno do L escolhido são dois
intervalos abertos, um deles com valores
de x positivos e outro com valores de x
negativos. Estes intervalos abertos são
c x0 d
x expressos por

1 1 1 1
p <x< p e p <x< p . (8.193)
L e L+e L+e L e

Os valores de x imediatamente próximos de 0 correspondem a valores de x


acima da faixa. Se aumentarmos o valor de L os intervalos representados na equa-
ção (8.193) se aproximam do ponto x0 = 0. No entanto, por maior que seja o valor
de L, enquanto este valor for finito sempre existe uma vizinhança de x0 tal que

1
0 < |x| < p =) f (x) > L + e . (8.194)
L+e

Como não existe número real L que satisfaça a definição de limite, dizemos
que

1
lim não existe. (8.195)
x!0 x2

Este exemplo de inexistência do limite é especial devido ao motivo pelo qual


o limite não existe. Vimos que para todo L + e = M > 0 existe uma vizinhança de
x0 = 0de tamanho d = p1M tal que

f (x) > M sempre que 0 < |x x0 | < d . (8.196)

Em outras palavras, para qualquer número real M arbitrariamente grande é possí-


vel encontrar uma vizinhança do ponto x0 no qual o gráfico da função f (x) está
acima da reta horizontal y = M em toda esta vizinhança.
Quando o limite de f (x) quando x tende a x0 não existe porque os valores
de f (x) são maiores que qualquer valor arbitrário M se estivermos próximos o
suficiente de x0 , denotamos esta inexistência de limite pelo abuso de notação

lim f (x) = +• , (8.197)


x!x0

pois o símbolo de infinito não representa um número real.


8.4 Limites envolvendo o infinito 59

Definição 8.4.
Dizemos que
lim f (x) = +• (8.198)
x!x0

se para todo M > 0 arbitrariamente grande existir um d > 0 tal que


f (x) > M sempre que 0 < |x x0 | < d . (8.199)
Dizemos também que
lim f (x) = • (8.200)
x!x0

se para todo M > 0 arbitrariamente grande existir um d > 0 tal que


f (x) < M sempre que 0 < |x x0 | < d . (8.201)
Exemplo 8.18.
Considere agora a função
1
f (x) = , (8.202)
(x a)4
que não está definida em x = a. Seja M um número real arbitrariamente grande.
Queremos mostrar que a f (x) é menor que M se x for próximo o suficiente de a.
Fazemos a seguinte manipulação. Começamos com a expressão
1
< M, (8.203)
(x a)4
onde multiplicamos por 1 e tomamos o inverso, resultando em
1
(x a)4 <
. (8.204)
M
Os dois termos são positivos e podemos calcular a raiz.
1
|x a| < p
4
. (8.205)
M
1
Escolhendo d = p
4 temos que
M

1
0 < |x a| < d =) |x a| < p
4
=) f (x) < M . (8.206)
M
Portanto pela definição podemos afirmar que
1
lim = •. (8.207)
x!a (x a)4
60 Limite e Continuidade

Exemplo 8.19.
Seja agora uma função mais simples, dada por

1
f (x) = . (8.208)
x
Para qualquer x0 6= 0 podemos calcular o limite pelas propriedades já vistas. No
entanto se x0 = 0 o denominador tende a zero, então voltamos à definição. Pelos
exemplos anteriores parece um bom palpite verificar se o limite é +•. Seja então
um M positivo arbitrariamente grande. A desigualdade

1
>M (8.209)
x
equivale a

1
x< . (8.210)
M
1
Encontramos um valor máximo para x que implica x > M, mas não um valor
mínimo. No entanto, como M > 0 temos
1
> 0 =) x > 0 , (8.211)
x
1
o que determina o valor mínimo. Escolhendo d < M temos que

1
>M sempre que 0 < x < d . (8.212)
x
A definição de limite para o infinito é válida somente numa vizinhança à direita
de x0 = 0, portando podemos afirmar que

1
lim = +• . (8.213)
x!0+ x
Analisando o comportamento da função na vizinhança a esquerda, para os mes-
mos M e d acima temos que

1 1
d < x < 0 =) > =) M > f (x) . (8.214)
d x
Então podemos dizer que

1
lim = •. (8.215)
x!0 x
8.4 Limites envolvendo o infinito 61

8.4.1 Assíntotas verticais e horizontais


Seja f uma função definida em todo x real exceto em x = a e tal que
lim f (x) = +• , (8.216)
x!a

como no caso da função f (x) = (x 1a)2 . De acordo com a definição de limite, para
qualquer valor de M arbitrariamente grande é possível encontrar uma vizinhança
de x0 = a tal que toda a curva y = f (x) está acima deste valor grande M. Os pontos
da curva y = f (x) estão cada vez mais próximos da reta vertical x = a quando os
valores de y são muito grandes. Mas como a função não está definida em x = a, a
curva nunca intercepta a reta vertical.
Este comportamento de se aproximar cada vez mais de uma reta é chamada de
comportamento assintótico e esta reta é chamada de assíntota da curva represen-
tada por y = f (x). No exemplo da função f (x) = (x 1a)4 vimos que esta função
possui limite real para todo x0 6= a de acordo com as propriedades de limite, mas
que a função tende a • quando x tende a a.
f(x) O gráfico da função claramente possui
uma assíntota vertical em x = a, mas
neste caso os valores de f (x) tornam-
se cada vez maiores à medida em que
x se aproxima de a por ambos os lados.
Pode-se calcular que a distância do ponto
(x, f (x)) à reta vertical diminui à medida
em que x se aproxima de a. No entanto,
para todo x 6= 0 a distância é positiva, ou
x seja, a curva nunca intercepta a reta.
1
Já no caso da função f (x) = x vimos que
1 1 1
lim = +• , lim = • e lim não existe. (8.217)
x!0+ x x!0 x x!0 x

f(x) A curva representada por y = 1x também


possui uma assíntota vertical em x = 0,
mas neste caso se x > 0 a coordenada y
aumenta à medida que x se aproxima de
zero pela direita e se x < 0 a coordenada
x y diminui à medida que x se aproxima de
zero pela esquerda.
62 Limite e Continuidade

Observando com mais cuidado a curva, que na verdade representa uma hipér-
bole, podemos perceber uma segunda assíntota. A função positiva é decrescente
no intervalo (0, +•), então a curva se aproxima cada vez mais da reta horizontal
y = 0 quando x assume valores cada vez maiores.
Podemos expressar este conceito de assíntotas horizontais com limites de fun-
ções. Uma curva representada por y = f (x) se aproxima assintoticamente da reta
horizontal y = L se para toda vizinhança de L existir um valor arbitrariamente
grande de x denotado por x̄ tal que
| f (x) L| < e sempre que x > x̄ . (8.218)
No caso de f (x) = 1x , seja e > 0 arbitrariamente pequeno.
1 1
0 < e =) |x| > , (8.219)
x e
que por sua vez implica
1 1
x> ou x< . (8.220)
e e
Como e é positivo, o seu inverso é positivo com valor finito e sempre existe algum
x̄ maior que ele. Assim
1
0 <e sempre que x > x̄ . (8.221)
x
Este limite é denotado pela expressão
1
lim =0. (8.222)
x!+• x

Definição 8.5.
Dizemos que
lim f (x) = L (8.223)
x!+•

se para todo e > 0 existir algum x̄ tal que


| f (x) L| < e sempre que x > x̄ . (8.224)
Dizemos também que
lim f (x) = L (8.225)
x! •

se para todo e > 0 existir algum x̄ tal que


| f (x) L| < e sempre que x < x̄ . (8.226)
8.4 Limites envolvendo o infinito 63

Exemplo 8.20.
Seja o exemplo

x+1
f (x) = (8.227)
x
cujo gráfico parece se aproximar assintoticamente da reta horizontal y = 1. Faze-
mos a seguinte manipulação

x+1
1 <e, (8.228)
x

x+1 x
<e, (8.229)
x

1
<e, (8.230)
x

1
|x| > . (8.231)
e
Esta última condição é satisfeita se

1 1
x> ou x< (8.232)
e e
1
Escolhendo x̄ > e temos que

x+1
1 <e sempre que x > x̄ . (8.233)
x
1
Além disso, se escolhermos x̄ < e temos que

x+1
1 <e sempre que x < x̄ . (8.234)
x

Assim podemos afirmar que

x+1 x+1
lim =1 e lim =1. (8.235)
x!+• x x! • x
64 Limite e Continuidade

Exemplo 8.21.
Escolher agora a função

f (x) = x2 (8.236)

para testar se existe alguma assíntota horizontal, isto é, se existe algum L de modo
que para todo e > 0 existe algum x̄ tal que

|x2 L| < e sempre que x > x̄ . (8.237)

A desigualdade |x2 L| < e equivale a

L e < x2 < L + e . (8.238)

Considerando o lado esquerdo positivo podemos tomar as raízes e obter


p p
L e < |x| < L + e . (8.239)

Existem dois intervalos nos quais o a curva y = x2 está contida na faixa horizontal
de espessura 2e em torno de L, que são
p p p p
L+e < x < L e ou L e < x < L + e (8.240)
p
Sempre que x > L + e a curva y = x2 estará acima da faixa em questão, para
qualquer valor de L real. Portanto

lim x2 não existe. (8.241)


x!+•

No entanto este limite não existe porque a função cresce indefinidamente. Seja
M um número positivo
p arbitrariamente grande. A condição x2 p> M é satisfeita
sempre que x > M, isto é, para todo M positivo existe um x̄ = M tal que

x2 > M sempre que x > x̄ . (8.242)

Este comportamento é expresso pelo abuso de notação

lim x2 = +• . (8.243)
x!+•

Definição 8.6.
Dizemos que

lim f (x) = +• (8.244)


x!+•

se para todo M > 0 existir algum x̄ tal que

f (x) > M sempre que x > x̄ . (8.245)


8.4 Limites envolvendo o infinito 65

Dizemos que

lim f (x) = • (8.246)


x!+•

se para todo M > 0 existir algum x̄ tal que

f (x) < M sempre que x > x̄ . (8.247)

Dizemos que

lim f (x) = +• (8.248)


x! •

se para todo M > 0 existir algum x̄ tal que

f (x) > M sempre que x < x̄ . (8.249)

Dizemos que

lim f (x) = • (8.250)


x! •

se para todo M > 0 existir algum x̄ tal que

f (x) < M sempre que x < x̄ . (8.251)

Exemplo 8.22 (Função constante).


O gráfico de uma função constante f (x) = K é uma reta horizontal. Obvia-
mente ela tende ao valor K, pois

| f (x) K| = 0 para todo x real. (8.252)

Então para qualquer valor de e e qualquer valor de x̄ temos que

| f (x) K| < e sempre que x > x̄ ou x < x̄ . (8.253)

Portanto

lim K = K e lim K = K . (8.254)


x!+• x! •

Exemplo 8.23 (Função identidade).


O limite da função identidade

f (x) = x (8.255)

também é simples. Para todo M > 0 basta escolher x̄ > M que

x>M sempre que x > x̄ , (8.256)


66 Limite e Continuidade

portanto

lim x = +• . (8.257)
x!+•

Além disso, para todo M > 0 escolhendo x̄ < M temos que

x< M sempre que x < x̄ , (8.258)

portanto

lim x = • . (8.259)
x! •

Exemplo 8.24 (Função trigonométrica).


Seja agora a função

f (x) = cos(x) . (8.260)

Sempre que x é um múltiplo par de p temos que cos(2np) = 1 e sempre que x é


um múltiplo ímpar de p cos((2n + 1)p) = 1. A função sempre oscila entre 1
e +1 sem nunca se aproximar de uma assíntota. Se escolhermos qualquer L entre
1 e +1 e qualquer e positivo e menor que 1 sempre haverá pontos da curva fora
da faixa horizontal de espessura 2e em torno de L. Então

lim cos(x) não existe. (8.261)


x!•

Assim como no caso dos limites que não envolvem o infinito, existem teore-
mas convenientes que permitem reduzir o cálculo de um limite complicado em
vários cálculos de limites simples.

Teorema 8.5.
Se

lim f (x) = L1 e lim g(x) = L2 , (8.262)


x!+• x!+•

então

(a)

lim [ f (x) + g(x)] = L1 + L2 ; (8.263)


x!+•

(b)

lim [ f (x) g(x)] = L1 L2 ; (8.264)


x!+•
8.4 Limites envolvendo o infinito 67

(c)

lim [ f (x) · g(x)] = L1 · L2 ; (8.265)


x!+•

(d)

f (x) L1
lim = se L2 6= 0 . (8.266)
x!+• g(x) L2

Estas propriedades também são válidas se trocarmos a expressão “x ! +•” por


“x ! •”.
Demonstração. Provaremos apenas a propriedade (c) para ilustrar a diferença
quando trocamos “x ! x0 ” por “x ! +•”. Como já visto no teorema 8.1,

| f (x) · g(x) L1 · L2 |  | f (x) L1 | · |g(x) L2 |+|L2 | | f (x) L1 |+|L1 | |g(x) L2 | .


(8.267)

Devemos mostrar que estes três termos do lado direito são arbitrariamente
pequenos quando x é suficientemente grande. Como f (x) tende a L1 e g(x) tende
a L2 , para todo e > 0 existem x¯1 , x¯2 , x¯3 e x¯4 tais que
r
e
| f (x) L1 | < sempre que x > x¯1 , (8.268)
3

r
e
|g(x) L2 | < sempre que x > x¯2 , (8.269)
3

e
| f (x) L1 | < sempre que x > x¯3 , (8.270)
3(1 + |L2 |)

e
|g(x) L2 | < sempre que x > x¯4 . (8.271)
3(1 + |L1 |)
Seja x̄ o maior de todos estes x¯1 , x¯2 , x¯3 e x¯4 . Então sempre que x > x̄ temos que
r r
e e e |L2 | e |L1 | e e e
| f (x) · g(x) L1 · L2 |  · + + < + + =e.
3 3 3 1 + |L2 | 3 1 + |L1 | 3 3 3
(8.272)
68 Limite e Continuidade

Exemplo 8.25 (Função racional).


Seja f a razão entre dois polinômios, como por exemplo

3x4 2x3 + 5x2 + 7x 2


f (x) = . (8.273)
2x4 5x2 + 1
Queremos saber se esta função possui uma assíntota horizontal ou, caso não tenha,
se tende a +• ou •. Neste caso a definição torna-se impraticável. Mas podemos
utilizar teoremas já vistos. Calculando isoladamente os limites do numerador e
denominador temos
⇣ ⌘ ⇣ ⌘ ⇣ ⌘
lim 2x4 5x2 + 1 = 2 lim x4 5 lim x2 + lim 1 (8.274)
x!+• x!• x!• x!•

O limite da função constante é a própria constante, enquanto x2 e x4 tendem a +•.


Então escrevendo com abuso de notação temos

lim 2x4 5x2 + 1 = 2(+•) 5(+•) + 1 . (8.275)


x!+•

Estas operações não estão definidas. Devemos calcular o limite com outra abor-
dagem. Tanto no numerador quando no denominador podemos colocar um x4 em
evidência, resultando em
2
x4 3 x + x52 + x73 2
x4
3 2
x + x52 + x73 2
x4
f (x) = = . (8.276)
x4 2 5
+ x14 2 5
+ x14
x2 x2

Agora calculamos o limite do denominador como


✓ ◆ ⇣ ⌘ ✓ ◆ ✓ ◆
5 1 1 1
lim 2 + = lim 2 5 lim 2 + lim 4 = 2 0+0 = 2 .
x!• x2 x4 x!• x!• x x!• x
(8.277)

O limite do numerador é
✓ ◆ ⇣ ⌘ ✓ ◆ ✓ ◆
2 5 7 2 1 1
lim 3 + + = lim 3 2 lim + 5 lim 2
x!• x x2 x3 x4 x!• x!• x x!• x
✓ ◆ ✓ ◆
1 1
+7 lim 3 2 lim 4 = 3 0 + 0 + 0 0 = 3 . (8.278)
x!• x x!• x

Agora tanto o numerador quando o denominador possuem um limite real e vale o


teorema visto. Então
3x4 2x3 + 5x2 + 7x 2 3
lim = . (8.279)
x!+• 2x4 5x2 + 1 2
8.5 Indeterminações 69

8.5 Indeterminações
A propriedade
✓ ◆ ✓ ◆
lim f (x) · g(x) = lim f (x) · lim g(x) (8.280)
x!x0 x!x0 x!x0

exige que os limites individuais existam para que a propriedade seja válida. Esta-
mos agora interessados no caso em que uma destas funções ou ambas tenha uma
assíntota vertical. É de se esperar que se as duas funções crescem sem limite supe-
rior ao se aproximarem de x0 , o produto também deve crescer sem limite superior.
Mas o que podemos esperar no caso do produto de uma função que tende a zero
com uma função que tende a +•?
Teorema 8.6.
Se
lim f (x) = +• e lim g(x) = +• , (8.281)
x!x0 x!x0

então
lim [ f (x) + g(x)] = +• e lim [ f (x) · g(x)] = +• (8.282)
x!x0 x!x0

Demonstração. Como f (x) e g(x) tendem a +• quando x tende a x0 , para todo


M > 0 existem d1 e d2 tais que
M
f (x) > sempre que 0 < |x x0 | < d1 (8.283)
2
e
M
g(x) > sempre que 0 < |x x0 | < d2 . (8.284)
2
Seja d o menor valor entre d1 e d2 . Então sempre que 0 < |x x0 | < d temos que
M M
f (x) + g(x) > + =M . (8.285)
2 2
Além disso, existe d3 tal que
g(x) > 2 sempre que 0 < |x x0 | < d3 . (8.286)
Seja d o menor valor entre d1 e d3 . Então sempre que 0 < |x x0 | < d temos que
M
f (x) · g(x) > ·2 = M . (8.287)
2
70 Limite e Continuidade

Teorema 8.7.
Se

lim f (x) = L e lim g(x) = +• , (8.288)


x!x0 x!x0

então

+• , se L > 0
lim [ f (x) + g(x)] = +• e lim [ f (x) · g(x)] = (8.289)
x!x0 x!x0 •, se L < 0

Demonstração. Para todo e > 0 existe um d1 tal que

L e < f (x) < L + e sempre que 0 < |x x0 | < d1 . (8.290)

Para o valor M L + e com M arbitrário existe um d2 tal que

g(x) > M L+e sempre que 0 < |x x0 | < d2 . (8.291)

Escolhendo d como o menor valor entre d1 e d2 , sempre que 0 < |x x0 | < d temos
que

f (x) + g(x) > L e+M L+e = M , (8.292)

provando assim a propriedade da soma.


Quanto ao produto, no caso L > 0 a equação (8.290) torna-se
L 3L
0< < f (x) < sempre que 0 < |x x0 | < d1 . (8.293)
2 2
Para todo M > 0 existe um d3 > 0 tal que
2M
g(x) > sempre que 0 < |x x0 | < d3 . (8.294)
L
Assim escolhendo o menor valor entre d1 e d3 , sempre que 0 < |x x0 | < d temos
que
L 2M
f (x) · g(x) > =M . (8.295)
2 L
No caso L < 0 temos que
3L L
< f (x) < < 0 sempre que 0 < |x x0 | < d1 . (8.296)
2 2
2M
Para o número positivo L existe um d4 tal que
2M
g(x) > sempre que 0 < |x x0 | < d4 . (8.297)
L
8.5 Indeterminações 71

Na vizinhança de tamanho d escolhido como o menor valor entre d1 e d4 temos


que
2M
g(x) > . (8.298)
L
Multiplicando os dois lados por f (x), que é negativo, temos
2M 2M L
f (x) · g(x) < f (x) < = M. (8.299)
L L 2

Teorema 8.8.
Se

lim f (x) = L e lim g(x) = • , (8.300)


x!x0 x!x0

então

•, se L > 0
lim [ f (x) + g(x)] = • e lim [ f (x) · g(x)] = (8.301)
x!x0 x!x0 +• , se L < 0

Demonstração. A prova deste teorema é idêntica ao teorema anterior.


Teorema 8.9.
Se

lim f (x) = +• e lim g(x) = • , (8.302)


x!x0 x!x0

então

lim [ f (x) · g(x)] = • (8.303)


x!x0

Demonstração. A prova é idêntica às já vistas.

Teorema 8.10.
Se

lim f (x) = • e lim g(x) = • , (8.304)


x!x0 x!x0

então

lim [ f (x) + g(x)] = • e lim [ f (x) · g(x)] = +• (8.305)


x!x0 x!x0
72 Limite e Continuidade

Demonstração. A prova é idêntica às já vistas.

Podemos provar também que todos estes teoremas continuam válidos se tro-
carmos as expressões “x ! x0 ” por “x ! x0+ ”, “x ! x0 ”, “x ! +•” ou “x ! •”
com pequenas diferenças nas demonstrações.

Teorema 8.11.
Se

lim f (x) = +• , (8.306)


x!x0

então
1
lim =0. (8.307)
x!x0 f (x)

Demonstração. Seja e um número positivo qualquer. A quantidade 1e é finita e


sempre podemos escolher um M maior que 1e . Para este M existe um d > 0 tal que

f (x) > M sempre que 0 < |x x0 | < d . (8.308)

Tomando o módulo em cada lado da condição f (x) > M temos

1 1
| f (x)| > M =) < <e. (8.309)
f (x) M

Teorema 8.12.
Se

lim f (x) = 0 (8.310)


x!x0

e existir alguma vizinhança de x0 na qual f (x) >, isto é, se

f (x) > 0 sempre que 0 < |x x0 | < d1 (8.311)

para algum d1 > 0, então

1
lim = +• . (8.312)
x!x0 f (x)
8.5 Indeterminações 73

Demonstração. Para todo M > 0 existe algum e > 0 tal que e < M1 . Para este valor
de e existe algum d2 > 0 tal que

| f (x)| < e sempre que 0 < |x x0 | < d2 . (8.313)

Seja d o menor valor entre d1 e d2 . Neste caso sempre que 0 < |x x0 | < d temos
que f (x) > 0 e

1 1 1
| f (x)| < e =) > =) >M . (8.314)
| f (x)| e | f (x)|

O exemplo f (x) = 1x é interessante para ilustrar a exigência de que a função


deve ser positiva em toda a vizinhança. Em x0 = 0 o denominador tende a zero.
Mas á direita de x0 = 0 a função é positiva e à esquerda de x0 = 0 a função é
negativa, violando a condição do teorema. Se considerarmos apenas a vizinhança
à direita, a função f (x) = 1x é positiva e vale o teorema para o limite à direita.
Na vizinhança à esquerda a função é negativa e vale o oposto do teorema. Mas
condiderando os dois lados da vizinhança não podemos dizer que a função tende
a +• ou a •, isto é,
1 1 1
lim = +• , lim = • e lim não existe. (8.315)
x!0+ x x!0 x x!0 x

Com abusos de notações, podemos expressar estes teoremas como

(+•) + (+•) = +• , (8.316)

( •) + ( •) = • , (8.317)


+• , se L > 0
L · (+•) = (8.318)
•, se L < 0


•, se L > 0
L · ( •) = (8.319)
+• , se L < 0

(+•) + L = +• , (8.320)
74 Limite e Continuidade

( •) + L = • , (8.321)

(+•) · (+•) = +• , (8.322)

(+•) · ( •) = • , (8.323)

( •) · ( •) = +• , (8.324)

1
=0, (8.325)
±•

1
= ±• , a depender do sinal de f (x) na vizinhança. (8.326)
0
Pode-se notar que estas expressões não incluem as combinações (+•) (+•),
( •) ( •), 0 · •, 00 e • • . Como veremos após alguns exemplos simples, estas
expressões são indeterminadas. Dependendo do exemplo elas podem tender a
+•, tender a • ou até mesmo tender a um número real. Estas determinações
são extremamente importantes porque a definição de derivada envolve a indeter-
minação 00 tendendo a um número real enquanto a definição de integral envolve a
indeterminação • · 0 tendendo à uma área finita.
Exemplo 8.26 (• •).
Sejam f (x) = x2 e g(x) = 2x 1.
lim x2 = • · • = +• , (8.327)
x!•

lim 2x 1 = 2·• 1=• 1 = +• . (8.328)


x!•

Então a diferença f (x) g(x) tende a • • quando x tende ao infinito. Neste


caso em particular
lim f (x) g(x) = lim x2 2x + 1 = lim (x 1)2
x!+• x!+• x!+•
= (• 1) · (• 1) = (•) · (•) = +• . (8.329)
8.5 Indeterminações 75

Trocando a ordem, temos que a função g(x) f (x) também é um caso de


• •, mas

lim g(x) f (x) = lim 1 · [ f (x) g(x)] = ( 1) · (+•) = • . (8.330)


x!• x!•

Se considerarmos agora h(x) = 2x + a onde a é um número real qualquer,


temos que

lim 2x + a = 2 · • + a = • + a = • . (8.331)
x!•

A diferença h(x) g(x) também tende a • •, mas neste caso

lim h(x) g(x) = lim 2x + a (2x 1) = lim a + 1 = a + 1 . (8.332)


x!• x!• x!•

Estes exemplos mostram que a expressão • • pode expressar um limite que


tende a +•, a • ou até mesmo a um número real.

Exemplo 8.27 (• · 0).


Sejam agora
1 1 a
f (x) = x2 , g(x) = , h(x) = e m(x) = , (8.333)
x x3 x2
onde a é um número real qualquer. Os limites destas funções quando x tende ao
infinito são

lim f (x) = +• , lim g(x) = 0 , lim h(x) = 0 e lim m(x) = 0 . (8.334)


x!• x!• x!• x!•

O produto de f (x) com qualquer uma destas outras funções é um exemplo de


• · 0.
1
lim f (x) · g(x) = lim x2 = lim x = +• , (8.335)
x!• x!• x x!•

1 1
lim f (x) · h(x) = lim x2 3
= lim = 0 , (8.336)
x!• x!• x x!• x

a
lim f (x) · m(x) = lim x2 = lim a = a . (8.337)
x!• x!• x2 x!•
O resultado de • · 0 pode tender a +•, pode tender a 0 ou até mesmo para um
número real.
76 Limite e Continuidade

Exemplo 8.28 ( •
• ).
Sejam agora

f (x) = x2 , g(x) = x , h(x) = x3 e m(x) = ax2 . (8.338)

Todas estas funções tendem a +• quando x ! +• se a > 0. Então a razão de


quaisquer duas funções tende a •
• , no entanto

f (x) x2
lim = lim = lim x = +• , (8.339)
x!• g(x) x!• x x!•

f (x) x2 1
lim = lim 3 = lim = 0 (8.340)
x!• h(x) x!• x x!• x

e
f (x) x2 1 1
lim = lim 2 = lim = . (8.341)
x!• m(x) x!• ax x!• a a
Então o abuso de notação •
• pode representar uma tendência ao infinito ou a algum
número real qualquer, motivo pelo qual é indeterminado.
Exemplo 8.29 ( 00 ).
Sejam agora

f (x) = x4 , g(x) = x2 , h(x) = x6 e m(x) = ax4 . (8.342)

Todas estas funções tendem a 0 quando x ! 0 se a > 0. Então a razão de quaisquer


duas funções tende a 00 , no entanto

f (x) x4
lim = lim 2 = lim x2 = 0 , (8.343)
x!0 g(x) x!0 x x!0

f (x) x4 1
lim = lim 6 = lim 2 = +• (8.344)
x!0 h(x) x!0 x x!0 x

e
f (x) x4 1 1
lim = lim 4 = lim = . (8.345)
x!0 m(x) x!0 ax x!0 a a

Então o abuso de notação 00 pode representar uma tendência ao infinito ou a algum


número real qualquer, motivo pelo qual é indeterminado.
8.5 Indeterminações 77

Resumindo, os abusos de notação • •, 0 · •, • 0


• e 0 representam limites que
podem tender a +•, a •, a 0 ou a algum número real qualquer. Não existe
um comportamento geral como no casos dos outros abusos de notação. Por este
motivo estas indeterminações devem ser analisadas caso a caso.

Exemplo 8.30 (Polinômio de quarto grau).


Neste exemplo verificamos o comportamento de um polinômio quando x cresce
indefinidamente. Seja por exemplo o polinômio de quarto grau

f (x) = 2x4 3x3 2x2 + 3x + 1 . (8.346)

Se tentarmos usar a propriedade de que o limite da soma é a soma dos limites


encontramos

lim f (x) = 2 lim x4 3 lim x3 2 lim x2 + 3 lim x lim 1 = • • • + • + 1 .


x!• x!• x!• x!• x!• x!•
(8.347)

Este cálculo envolve a indeterminação • •, então devemos utilizar outra abor-


dagem para calcular este limite. Se colocarmos o termo x4 em evidência temos

✓ ◆
4 3 2 4 3 2 3 1
f (x) = 2x 3x 2x + 3x + 1 = x 2 + + (8.348)
x x2 x3 x4

se x 6= 0. Como estamos interessados no comportamento para valores grandes de


x, não precisamos nos preocupar com o valor da função em x = 0. O termo x4
tende ao infinito, pois

lim x4 = • · • · • · • = • . (8.349)
x!•

O limite do termo entre parênteses é


✓ ◆
3 2 3 1 3 2 3 1
lim 2 2
+ 3+ 4 = lim 2 lim lim 2 + lim 3 + lim 4
x!• x x x x x!• x!• x x!• x x!• x x!• x
3 2 3 1
= 2 + + (8.350)
• •2 •3 •4
= 2 0 0+0+0 = 2 .

Assim o limite do polinômio é calculado como

lim f (x) = • · 2 = +• . (8.351)


x!•
78 Limite e Continuidade

Exemplo 8.31 (Polinômio de grau n).


Seja agora

p(x) = an xn + ax 1x
n 1
+ · · · + a2 x 2 + a1 x + a0 , (8.352)

onde an 6= 0, senão o polinômio seria de grau menor que n. Colocamos em evi-


dência o termo xn , escrevendo o polinômio como
⇣ an 1 a2 a1 a0 ⌘
p(x) = xn an + +···+ n 2 + n 1 + n . (8.353)
x x x x
Ao calcular o limite do termo entre parênteses quando x tende ao infinito, temos
que o primeiro termo é constante e os demais envolvem um limite do tipo •1 , que
provamos que é nulo. Assim
⇣ an 1 a2 a1 a0 ⌘
lim an + + · · · + n 2 + n 1 + n = an , (8.354)
x!• x x x x
que é um número real não nulo. O termo xn é calculado como

lim xn = (+•)n = +• , (8.355)


x!•

pois envolve n produtos do tipo (+•) · (+•) que sempre resulta em +•. Portanto


+• , se an > 0
lim p(x) = an · (+•) = (8.356)
x!+• •, se an < 0

Em outras palavras, um polinômio sempre tende a +• se o seu coeficiente de


maior grau for positivo e sempre tende a • se o coeficiente de maior grau for
negativo.
Quando x ! •, o termo entre parênteses também tende à mesma constante
an , mas o termo xn tende a ( •)n . Se n é um número par, temos que ( •)n = +•,
enquanto se n é um número ímpar, ( •)n = •. Então
8
> +• , se an > 0 e n é par
>
<
• , se an < 0 e n é par
lim p(x) = (8.357)
x! • >
> • , se an > 0 e n é ímpar
:
+• , se an < 0 e n é ímpar

Exemplo 8.32 (Função racional).


Seja agora uma função definida pela razão entre polinômios, como por exem-
plo

2x5 + 7x4 3x3 + x2 x + 8


f (x) = . (8.358)
5x3 3x2 + 2x + 1
8.5 Indeterminações 79

O comportamento do polinômio quando x tende ao infinito é determinado pelo


termo de maior grau. Escrevendo em evidência x5 no numerador e x3 no denomi-
nador temos
7 3
x5 2 + x x2
+ x13 1
x4
+ x85 2 + 7x 3
x2
+ x13 1
x4
+ x85
f (x) = 3 2
= x2 (8.359)
x3 5 x + x2
+ x13 5 3
x + 2
x2
+ x13

Calculando isoladamente os limites relevantes temos


✓ ◆
7 3 1 1 8
lim 2 + + + =2, (8.360)
x!• x x2 x3 x4 x5

✓ ◆
3 2 1
lim 5 + 2+ 3 = 5 (8.361)
x!• x x x
e

lim x2 = +• . (8.362)
x!•

Então
✓ ◆
2x5 + 7x4 3x3 + x2 x + 8 2
lim = (+•) · = •. (8.363)
x!+• 5x3 3x2 + 2x + 1 5
Exemplo 8.33 (Função racional).
Consideramos agora uma função racional onde o grau do denominador é maior
que o grau do numerador, como por exemplo
x 1
f (x) = . (8.364)
x2 + 1
Novamente isolamos a maior potência no numerador e no denominador, resul-
tando em
1 1
x 1 x 11 x
f (x) = 2 1
= 1
. (8.365)
x 1+ x 1+
x2 x2

Assim

lim f (x) = 0 · 1 = 0 . (8.366)


x!•

Pode-se mostrar que quando o grau do denominador é maior que o grau do nume-
rador, a função racional sempre tende a zero quando x tende a +• ou a •.
80 Limite e Continuidade

8.6 Extensões do conceito de limite


8.6.1 Sequências
Uma sucessão de números reais que segue uma certa regra é chamada de
sequência de números reais.
Exemplo 8.34.
Os números reais 1, 12 , 13 , 14 , 15 , 61 , 17 , . . . formam uma sequência de números
reais em que aumentamos o denominador a cada sucessão.
Em geral queremos escrever os elementos desta sequência como uma fórmula
que dada um número inteiro k obtenha o k-ésimo elemento da sequência, de modo
que a sequência possa ser escrita como

a1 , a2 , a3 , a4 , a5 , a6 , a7 , . . . (8.367)

No exemplo 8.34 podemos escrever o termo geral como


1
ak = . (8.368)
k
Neste exemplo a sequência é rotulada com índice k começando de 1, mas em geral
o rótulo de uma sequência pode começar de qualquer número inteiro.
Exemplo 8.35.
Seja ak = k!1 . Rotulando esta sequência a partir de k = 0 obtemos

1 1 1 1
1, 1, , , , ,··· (8.369)
2 6 24 120
Exemplo 8.36.p
Seja ak = k 2. Se quisermos um resultado real, não podemos rotular a
sequência a partir de k = 0 ou k = 1. Começando com k = 2 a sequência a2 , a3 ,
a4 , a5 ,a6 ,a7 , . . . resulta em
p p p
0, 1, 2, 3, 2, 5, . . . (8.370)
p
Esta sequência pode ser obtida também pelo termo geral bk = k rotulada a partir
de k = 0, o que mostra que o termo geral de uma sequência não é único.
Exemplo 8.37.
Seja o termo geral

+1, se k é par
ak = (8.371)
1, se k é ímpar
8.6 Extensões do conceito de limite 81

Por esta regra a sequência a0 , a1 , a2 , a3 , a4 , . . . pode ser escrita como

+1, 1, +1, 1, +1, · · · (8.372)

Esta mesma sequência pode ser escrita da forma mais simples pelos termos gerais
ak = ( 1)k ou ak = cos(kp).

Exemplo 8.38.
O termo geral de uma sequência pode ser expresso por uma fórmula recursiva.
Seja

1, se k = 1 ou k = 2
ak = (8.373)
ak 1 + ak 2 , se k > 2

Os dois primeiros termos são definidos como 1. A partir deles cada termo é a
soma dos dois termos anteriores. Neste exemplo a sequência a1 , a2 , a3 , a4 , a5 , a6 ,
a7 , a8 , a9 , . . . resulta em

1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, . . . (8.374)

Esta sequência é conhecida como sequência de Fibonacci.

Exemplo 8.39.
k
Seja ak = k+1 . Tabelando os valores desta sequência obtemos o seguinte re-
sultado

k ak k ak
0 0 7 7/8 = 0.875
1 1/2 = 0.5 8 8/9 = 0.888 . . .
2 2/3 = 0.666 . . . 9 9/10 = 0.9
3 3/4 = 0.75 10 10/11 = 0.9090 . . .
4 4/5 = 0.8 100 0.99009900 . . .
5 5/6 = 0.8333 . . . 1000 0.999000999000 . . .
6 6/7 = 0.857142 . . . 10000 0.9999000099990000 . . .

Os valores desta sequência se aproximam cada vez mais do número real 1.


Mas assim como no caso de limites de funções precisamos de uma definição pre-
cisa de limites de sequências. Não podemos apenas confiar em valores de uma
tabela.

Definição 8.7. Dizemos que a sequência de números reais com termo geral ak
possui um limite L quando k tende ao infinito se para todo número real positivo
e existir um número inteiro N tal que |ak L| < e sempre que k > N. Neste caso
82 Limite e Continuidade

dizemos também que a sequência converge para L e denotamos esta convergência


pelos símbolos

lim ak = L . (8.375)
k!•

Se não existir tal número real L, dizemos que a sequência diverge.

No exemplo ak = k/k+1, a tabela sugere que o limite da sequência vale 1. Po-


demos verificar este limite pela definição. Seja e um número positivo qualquer.
Queremos encontrar valores de k tais que

k
1 <e. (8.376)
k+1

Devemos aqui manipular esta expressão e tentar isolar o k como função de e.


k k+1
<e, (8.377)
k+1 k+1
1
<e, (8.378)
k+1
1
<e, (8.379)
k+1
1
k+1 > , (8.380)
e
1
k> 1. (8.381)
e
Por menor que seja o valor de e, a quantidade 1e 1 é um número real. Para
qualquer número real existe um número inteiro N maior que este número real
qualquer. Portanto para todo e > 0 existe N inteiro tal que k > 1e 1. Para todo
k > N automaticamente k > 1e 1, que implica |ak 1| < e. Provamos assim que
lim a = 1.
k!• k

Exemplo 8.40.
Seja o termo geral ak = k2 , que define a sequência

0, 1, 4, 9, 16, 25, . . . (8.382)

Queremos saber se esta sequência converge, isto é, se existe algum número real L
de modo que para qualquer e > 0 existe um número inteiro N tal que |k2 L| < e
sempre que k > N. Como esta sequência é positiva, esperamos que este L, se
existir, seja positivo. Assim a desigualdade |k2 L| < e equivale a L e < k2 <
L + e, tirando a raiz quadrada destes termos, que são positivos se L > e, temos
8.6 Extensões do conceito de limite 83

p p
L e < k < L + e. Então para que a desigualdade p |k2 L| < e seja satisfeita,
o rótulo k não pode ser maior que o número real L + e. Mas estamos analisando
o comportamento da sequência em valores arbitrariamente grande de k. Portanto
para qualquer número real L existe algum k grande o suficiente de modo que a
desigualdade |k2 L| < e não seja válida para qualquer e positivo. Então o limite
desta sequência não existe e por definição a sequência diverge.
Neste exemplo podemos notar que o motivo pelo qual a sequência diverge é
que os valores de ak crescem ainda mais rápido que os valores de k, não tendo um
limite superior, isto é, de maneira ilimitada. Se escolhermos qualquer númeropreal
M arbitrariamente grande, sempre existe um número inteiro N maior que M,
que implica ak = k2 > M se k > N. Esta divergência específica é denotada por um
símbolo especial.
Definição 8.8. Se para qualquer número real M > 0 arbitrário existir um número
inteiro N tal que ak > M sempre que k > N, dizemos que a sequência diverge para
o infinito e denotamos a divergência por

lim ak = +• . (8.383)
k!•

Se para qualquer M < 0 arbitrário existir um número inteiro N tal que ak <
M sempre que k > N, dizemos que a sequência diverge para o menos infinito e
denotamos a divergência por

lim ak = • . (8.384)
k!•

8.6.2 Cálculo de sequências


Evidentemente a definição de limites por epsilons e deltas é importante para
definirmos o conceito e as propriedades, mas não é prática para o cálculo do li-
mite de uma sequência. No entanto, várias propriedades de limites de funções
contínuas são naturalmente extendidas para limites de sequências.
Teorema 8.13. Seja ak o termo geral de alguma sequência. Se existir alguma
função definida em todo x > 0 tal que ak = f (k), então

lim ak = lim f (x) , (8.385)


k!• x!•

se este limite existir.


Demonstração. Se

lim f (x) = L , (8.386)


x!•
84 Limite e Continuidade

por definição, para todo e > 0 existe algum x̄ real tal que

| f (x) L| < e sempre que x > x̄ . (8.387)

Para todo x̄ real existe um número inteiro N > x̄. Então sempre que x > N auto-
maticamente x > x̄, que implica | f (x) L| < e. Sabendo que ak = f (k), se k > N,
então

|ak L| = | f (k) L| < e , (8.388)

que implica

lim ak = L = lim f (x) . (8.389)


k!• x!•

Exemplo 8.41.
Seja ak = k/k+1. Podemos escrever ak = f (k) onde f é dado pela função con-
tínua f (x) = x/x+1 em x > 0. Calculando o limite desta função temos
x 1 1 1
lim = lim 1
= 1
= =1, (8.390)
x!• x + 1 x!• 1 + 1 + limx!• x 1+0
x

portanto

lim ak = 1 , (8.391)
k!•

como obtido por epsilons e deltas, mas por um processo mais simples.
A recíproca deste teorema não é necessariamente verdadeira. O teorema diz
que se ak = f (k) onde f é uma função real, o limite da sequência é igual ao
limite da função real se este limite existir. No entanto é possível que o limite da
sequência exista mas o limite da função real não.
Exemplo 8.42.
Seja f (x) = sen(px). Esta função é contínua para todo x real. O limite desta
função quando x tende ao infinito não existe, pois o valor da função oscila entre
1 e 1 ad infinitum. Podemos definir uma sequência pelo termo geral ak = f (k) =
sen(pk). Como k é um número inteiro, a função é sempre calculada num múltiplo
de p, portanto ak = 0 e obviamente converge para 0.
Podemos definir outra sequência por outros valores da função sen(px), como
em ak = sen p 4k+1 2 . Neste caso
⇣ p⌘ ⇣p⌘
ak = sen 2pk + = sen =1 (8.392)
2 2
8.6 Extensões do conceito de limite 85

que obviamente converge para 1. Neste exemplo podemos definir uma sequência
infinita a partir da função f (x) = sen(kx) que converge para qualquer valor real
entre 1 e 1. No entanto o limite da função real quando x tende ao infinito não
existe.
Quando calculamos limites por tabelas, estamos no fundo tentando calcular o
limite de uma função real por uma sequência de números reais definida a partir
da função real. Mesmo com funções simples como f (x) = sen(kx) é possível
montar tabelas diferentes que convergem para valores diferentes. Este é o motivo
pelo qual não se deve calcular limites de funções reais por tabelas e a definição
rigorosa por epsilons e deltas deve ser utilizada.

8.6.3 Sequências monótonas


Definição 8.9. Uma sequência de termo geral ak é dita crescente se ak+1 ak
para qualquer valor de k. Ela é dita estritamente crescente se ak+1 > ak para
qualquer k. Dizemos que a sequência é decrescente se ak+1  ak para qualquer
valor de k e estritamente decrescente se ak+1 < ak . Em qualquer um destes quatro
casos dizemos que a sequência é monótona.

Sequências monótonas são particularmente convenientes pois sua convergên-


cia depende apenas do fato dela ser limitada, que é uma condição simples de ser
verificada.

Teorema 8.14. Uma sequência monótona converge se e somente se ela é limitada,


isto é, se existe um número real M > 0 tal que |ak |  M para todo k.

Demonstração. Se uma sequência crescente é ilimitada superiormente, então para


qualquer M real existe algum N inteiro tal que aN > M. Como a sequência é
crescente, ak > M sempre que k > N, portanto esta sequência diverge para +•.
Se uma sequência decrescente é ilimitada inferiormente, então para qualquer M
real existe um N inteiro tal que aN < M. Sendo a sequência decrescente, ak <
M sempre que k > N, portanto esta sequência diverge para •. Resta agora
provar que uma sequência monótona converge para mostrar que esta condição é
necessária e suficiente.
Suponha que a sequência seja crescente. Se ela é limitada superiormente,
temos um conjunto não vazio de números reais com um limite superior. Logo
existe um supremo desta sequência, isto é, o menor limite superior. Seja L =
sup{ak }. Por definição ak  L para todo k.
Seja e um número real positivo arbitrário. Como L e < L, o valor L e não
pode ser um limite superior da sequência, senão L não seria o supremo. Portanto
deve existir algum N tal que aN > L e. Como a sequência é crescente, ak aN
86 Limite e Continuidade

sempre que k > N. Então

L e < aN  ak  L < L + e (8.393)

ou apenas

L e < ak < L + e (8.394)

sempre que k > N. Pela definição de limite,

lim ak = L . (8.395)
k!•

Sequências crescentes limitadas sempre convergem para o seu supremo. O mesmo


raciocínio prova que uma sequência decrescente limitada inferiormente converge
para o seu ínfimo.

Exemplo 8.43.
Seja novamente a sequência de termo geral ak = k/k+1, com k 1. Neste
exemplo o numerador é positivo e menor que o denominador. Portanto ak < 1
para qualquer valor de k 1. Além disso

k+1 k (k + 1)2 k(k + 2) 1


ak+1 ak = = = > 0 , (8.396)
k+2 k+1 (k + 2)(k + 1) (k + 2)(k + 1)
que implica ak+1 > ak para todo k, isto é, que a sequência é estritamente crescente.
Por ser uma sequência crescente limitada superiormente, esta sequência converge.
É importante notar que este argumento apenas prova que a sequência converge,
mas não prova que o limite desta sequência é igual a 1. Para o cálculo deste limite
é necessário outra abordagem.
Exemplo 8.44.
Seja a sequência com termo geral dado pela fórmula recursiva
⇢ p
2, se k = 1
ak = p (8.397)
2ak 1 , se k > 1

Queremos saber se esta sequência converge. Podemospprovar por indução que


a sequência é limitada pelo número real 2. Se k = 1, a1 = 2 < 2, então o primeiro
elemento da sequência é menor que 2. Agora supomos que um elemento qualquer
ak é limitada por 2 para provar que o próximo elemento ak+1 também é. Pela
fórmula recursiva,
p p
ak+1 = 2ak < 2 · 2 = 2 . (8.398)
8.6 Extensões do conceito de limite 87

Por indução, os infinitos elementos desta sequência são limitados pelo número
real 2.
Agora precisamos mostrar que esta sequência é crescente. Novamente usamos
a fórmula recursiva,
p p ⇣p p ⌘
ak+1 ak = 2ak ak = ak 2 ak . (8.399)

Vimos que ak < 2, portanto o termo entre parênteses na última equação é sempre
positivo. Portanto ak+1 ak > 0, o que implica que a sequência é crescente.
Sendo crescente e limitada superiormente, a sequência converge para algum li-
lim ak . Para calcular este limite, aplicamos o limite na fórmula recursiva
mite L = k!•

p
lim ak = lim 2ak 1 . (8.400)
k!• k!•
p
Como x é contínua, o limite pode “entrar” na raiz, resultando em
q
lim ak = 2 lim ak 1 . (8.401)
k!• k!•
p
Como o limite das sequências é um número real L, temos L = 2L, cujas soluções
são L = 0 e L = 2. Por motivos óbvios o limite não pode ser nulo, portanto

lim ak = 2 . (8.402)
k!•

8.6.4 Séries infinitas


Considere uma sequência de termo geral ak , cujos primeiros elementos são

a1 , a2 , a3 , a4 , a5 , a6 , a7 , . . . (8.403)

A partir desta sequência definimos uma nova sequência chamada somas parciais
da sequinte maneira:
s1 = a1 , (8.404)
s2 = a1 + a2 , (8.405)
s3 = a1 + a2 + a3 , (8.406)
..
.
n
sn = a1 + a2 + · · · + an = Â ak . (8.407)
k=1

Estas somas parciais podem ser definidas para qualquer número inteiro positivo
n. Como o conjunto dos números inteiros positivos é infinito, podemos também
88 Limite e Continuidade

definir uma soma infinita dos elementos de uma sequência, que chamamos de
série infinita. Podemos denotar uma série infinita como

 ak = a1 + a2 + a3 + · · · (8.408)
k=1
Assim como no caso de sequências, uma série de números reais não precisa ser
rotulada a partir do k = 1. Por exemplo,

1 1 1 1 1
 k! = 1 + 1 + 2 + 6 + 24 + 120 + · · · (8.409)
k=0
é uma série cujo rótulo começa com k = 0. Obviamente o termo geral p precisa
estar definido no rótulo inicial, então uma série com termo geral ak = k 2
deve começar a partir de k 2.
Se existir um número real S tal que
n •
S = lim sn = lim
n!• n!•
 ak =  ak , (8.410)
k=1 k=1
dizemos que a série infinita converge e possui soma S. Se tal S não existir, dizemos
que a série infinita diverge. No caso em que a série diverge porque a sequência de
somas parciais eventualmente é sempre maior que qualquer número real arbitrari-
amente grande, dizemos que

 ak = +• . (8.411)
k=1
Da mesma forma, se a série diverge porque a sequência de somas parciais eventu-
almente é menor que qualquer número real negativo com módulo arbitrariamente
grande, dizemos que

 ak = •. (8.412)
k=1
Exemplo 8.45 (Série Harmônica).
Seja ak = 1/k. A série infinita

1 1 1 1
 k = 1+ 2 + 3 + 4 +··· (8.413)
k=1
é chamada de série harmônica. Esta série é divergente, como provaremos agru-
pando os termos da seguinte maneira.
• ✓ ◆ ✓ ◆ ✓ ◆
1 1 1 1 1 1 1 1
 = 1+ 2 + 3 + 4 + 5 + 6 + 7 + 8 + (8.414)
k=1 k
✓ ◆
1 1 1 1 1 1 1 1
+ + + + + + + +···
9 10 11 12 13 14 15 16
8.6 Extensões do conceito de limite 89

A cada novo parênteses agrupamos o dobro de elementos do parênteses anterior.


Como a sequência 1/k é decrescente, em cada parênteses o elemento menor é o
último, o que nos permite escrever
• ✓ ◆ ✓ ◆ ✓ ◆
1 1 1 1 1 1 1 1
 > 1+ 2 + 4 + 4 + 8 + 8 + 8 + 8 + (8.415)
k=1 k
✓ ◆
1 1 1 1 1 1 1 1
+ + + + + + + +···
16 16 16 16 16 16 16 16

Agora cada termo entre parênteses é uma soma de 2n 1 termos maiores ou iguais
a 1/2n . Então mesmo entre os elementos omitidos, cada agrupamento é maior que
1/2, isto é


1 1 1 1 1
 k > 1+ 2 + 2 + 2 + 2 +··· (8.416)
k=1

Se contarmos a soma parcial até o termo 2n para completar um número finito n de


parênteses, o valor obtido é tal que
2n
1 n
s2n = Â k > 1+ 2 . (8.417)
k=1

Seja M um número real positivo arbitrariamente grande. Se n > 2M temos que


1 + n/2 > M, portanto
2n
1 n
s2n = Â k > 1+ 2 > M (8.418)
k=1

sempre que n > 2M para qualquer M positivo. Pela definição de limites, a série
harmônica diverge, isto é,

1
 k = +• . (8.419)
k=1
90 Limite e Continuidade

Exemplo 8.46 (Séries telescópicas).


Existe outro tipo de série cuja soma parcial pode ser expressa em uma fórmula
simples. Seja uma sequência de termo geral ak . Definimos uma série cujo termo
geral é a diferença entre dois elementos consecutivos da sequência original, isto
é, uma série dada pela fórmula

 (ak+1 ak ) . (8.420)
k=1

Calculando as somas parciais temos


s1 = a2 a1 (8.421)
s2 = (a2 a1 ) + (a3 a2 ) = a3 a1 (8.422)
s3 = (a2 a1 ) + (a3 a2 ) + (a4 a3 ) = a4 a1 (8.423)
..
.
Estes primeiros elementos da soma parcial sugerem o cancelamento de diversos
termos restando apenas dois elementos, que podemos mostrar de maneira geral
manipulando as somatórias.
n n n
sn = Â (ak+1 ak ) = Â ak+1 Â ak (8.424)
k=1 k=1 k=1

Queremos deixar as duas somatórias em termos de ak , então em uma delas troca-


mos o índice de modo que k0 = k + 1, resultando em
n+1 n
sn = Â ak 0 Â ak , (8.425)
k0 =2 k=1

onde podemos novamente trocar k0 por k. No entanto as somatórias não podem


ser canceladas porque começam e terminam com índices diferentes. Então na pri-
meira somatória escrevemos separado o termo referente a k = n + 1 e na segunda
somatória isolamos o termo de k = 1, resultando em
n n
sn = an+1 +  ak  ak a1 . (8.426)
k=2 k=2

Agora podemos cancelar as somatórias e obter a fórmula geral da soma parcial


sn = an+1 a1 . (8.427)
Não importa o número de elementos na série, ao calcularmos a soma parcial
sempre haverá cancelamentos restando apenas dois elementos, motivo pelo qual a
série é chamada de série telescópica.
8.6 Extensões do conceito de limite 91

Teorema 8.15. Uma série telescópica



 (ak+1 ak ) (8.428)
k=1

converge se e somente se a sequência de termo geral ak converge.


Demonstração. A soma parcial é dada por sn = an+1 a1 . Se existe um número
lim an , então lim = L a1 , portanto a convergência de an+1
real L tal que L = n!• n!•
lim an não existir, o limite de
implica a convergência de sn . Da mesma forma, se n!•
sn também não existe.
Exemplo 8.47.
Somas telescópicas são particularmente úteis para deduzir fórmulas para so-
mas do tipo
n
 k2 = 12 + 22 + 32 + · · · + n2 . (8.429)
k=1

Sabemos que
n
Â1=n, (8.430)
k=1

pois é a soma de n elementos iguais a 1. Temos que


(k + 1)2 = k2 + 2k + 1 (8.431)
(k + 1)2 k2 = 2k + 1 (8.432)
n n n
 (k + 1)2 k2 = 2  k +  1 (8.433)
k=1 k=1 k=1

O lado esquerdo é uma soma telescópica, a última somatória também é conhecida.


Logo
n
(n + 1)2 12 = 2 Â k + n (8.434)
k=1

e isolando a somatória restante encontramos


n
1 n(n + 1)
Âk= 2 n2 + 2n + 1 1 n =
2
, (8.435)
k=1

fórmula esta que Gauß foi capaz de deduzir aos oito anos de idade para não ter
que somar manualmente os 100 primeiros números naturais como esperava seu
professor.
92 Limite e Continuidade

Com esta fórmula podemos deduzir a soma dos n primeiros números naturais
ao quadrado.

(k + 1)3 = k3 + 3k2 + 3k + 1 (8.436)


(k + 1)3 k3 = 3k2 + 3k + 1 (8.437)
n n n n
 (k + 1)3 k3 = 3  k2 + 3  k +  1 (8.438)
k=1 k=1 k=1 k=1
n
n(n + 1)
(n + 1)3 13 = Âk 2
+3
2
+n (8.439)
k=1

e finalmente isolando a somatória restante temos


n ✓ ◆
1 3 3 2 3
 k = 3 n + 3n + 3n + 1 1 2 n 2 n n
2 2
(8.440)
k=1
n ✓ ◆
1 3 3 2 n 2n3 + 3n2 + n n(n + 1)(2n + 1)
 k 2
=
3
n +
2
n +
2
=
6
=
6
(8.441)
k=1

Continuando o procedimento com ordens mais altas e utilizando os resultados


anteriores podemos deduzir as fórmulas
n
n2 (n + 1)2
 k3 = 4
(8.442)
k=1
n
6n5 + 15n4 + 10n3 n
 k4 = 30
(8.443)
k=1

e assim por diante.

Exemplo 8.48 (Série Geométrica).


Uma progressão geométrica é uma sequência que começa com um número
real qualquer a0 e a partir daí cada elemento da sequência é o anterior multiplicado
por um fator r, gerando a sequência

a0 , a0 r, a0 r2 , a0 r3 , . . . , (8.444)

cujo termo geral pode ser escrito como

ak = a0 rk , k = 0, 1, 2, 3, . . . (8.445)

A série infinita

 a0 r k (8.446)
k=0
8.6 Extensões do conceito de limite 93

é chamada de série geométrica.


Seja sn a soma parcial dos n + 1 primeiros elementos da série geométrica.
Isolando o primeiro elemento desta soma temos
n
sn = a0 + Â a0 rk . (8.447)
k=1

Agora multiplicamos a soma parcial por r e obtemos


n
rsn = a0 r + Â a0 rk+1 , (8.448)
k=1

onde isolamos o último termo com potência rn+1 e devolvemos o termo de potên-
cia r à somatória, resultando em
n 1
rsn = Â a0rk+1 + a0rn+1 . (8.449)
k=0

Nesta somatória fazemos uma mudança de índices onde k passa a ser representado
por k0 1. Assim o índice inicial k = 0 passa a ser representado por k0 = 1, o índice
final k = n 1 passa a ser representado por k0 = n e o termo geral a0 rk+1 é trocado
0
por a0 rk , resultando em
n
Â
0
rsn = a0 rk + a0 rn+1 . (8.450)
k =1
0

Tanto k quanto k0 são índices mudos. Podemos na última equação trocar k0 por k
sem alterar o resultado, obtendo
n
rsn = Â a0rk + a0rn+1 . (8.451)
k=1

Agora a somatória é a mesma que aparece na equação (8.447). Subtraindo sn de


rsn temos
! !
n n
rsn sn = Â a0rk + a0rn+1 a0 + Â a0 rk . (8.452)
k=1 k=1

Agora as somatórias finitas podem ser canceladas, resultando em


(r 1)sn = a0 rn+1 a0 , (8.453)
ou
1 rn+1
sn = a0 . (8.454)
1 r
94 Limite e Continuidade

Evidentemente esta fórmula não é válida se r = 1. Esta caso no entanto é


simples, a série geométrica de razão 1 é uma série com termo geral constante
dada por
• •
 a0 1k =  a0 (8.455)
k=0 k=0

e a soma parcial dos n + 1 primeiros elementos é sn = (n + 1)a0 , que obviamente


diverge quando n ! •. No caso r = 1, a série geométrica se torna uma soma
alternada dada por

 a0 ( 1)k = a0 a0 + a0 a0 + a0 + · · · (8.456)
k=0

A soma parcial dos n + 1 primeiros elementos desta série vale a0 se n é par e 0 se


n é ímpar. Se a0 6= 0, esta sequência alterna entre dois números reais sem nunca
convergir, portanto a série diverge se r = 1.
Se |r| > 1, a soma parcial dada pela equação (8.454) diverge. No caso r < 1,
a sequência alterna entre números positivos e negativos com módulo cada vez
maior. No caso r > 1, a sequência diverge para o +•.
Finalmente, no caso |r| < 1 temos que

1 rn+1 1 limn!• rn+1 1


lim sn = lim a0 = a0 = a0 . (8.457)
n!• n!• 1 r 1 r 1 r
Exemplo 8.49 (Paradoxo de Aquiles e a Tartaruga).
O filósofo pré-socrático Zenão de Eleia acreditava que o movimento era uma
ilusão e para refutar esta ideia formulou alguns paraxodos que aparentemente im-
plicavam uma contradição. O paradoxo de Zenão mais famoso se chama paradoxo
de Aquiles e a Tartaruga. Nele o herói grego Aquiles e uma tartaruga apostam
uma corrida. Como Aquiles é muito mais rápido que a tartaruga, ela começa com
uma certa vantagem. Dada a largada, Aquiles precisa de uma certa quantidade
de tempo t0 para percorrer a distância original d0 entre ele e a tartaruga. Mesmo
sendo lenta, a tartaruga se move com uma certa velocidade, então neste intervalo
de tempo inicial a tartaruga percorreu uma distância adicional d1 , ficando à frente
de Aquiles, que agora precisa de um intervalo de tempo adicional t1 para percorrer
essa distância d1 . Neste novo intervalo de tempo a tartaruga percorre mais uma
distância d2 , que será percorrida por Aquiles em um novo intervalo de tempo t2 .
Em cada intervalo de tempo adicional a tartaruga sempre percorrerá uma dis-
tância adicional positiva, por menor que seja, exigindo de Aquiles um número
infinito de intervalos de tempo até finalmente alcançar a tartaruga. Segundo Ze-
não esta necessidade de um número infinito de intervalos de tempo exigiria de
8.6 Extensões do conceito de limite 95

Aquiles uma quantidade de tempo infinita para alcançar a tartaruga, motivo pelo
qual o movimento seria uma ilusão.
Imagine que a velocidade da tartaruga é de 1 metro por segundo e que a de
Aquiles é de 10 metros por segundo. Se a distância original é de 100 metros,
temos a seguinte sequência de intervalos de tempo:
d0 = 100m =) t0 = 10s ,
t0 = 10s =) d1 = 10m =) t1 = 1s
t1 = 1s =) d2 = 1m =) t2 = 0.1s
t2 = 0.1s =) d3 = 0.1m =) t3 = 0.01s
Os intervalos de tempo seguem uma progressão geométrica tk = 10(0.1)k , com
razão r = 0.1, portanto a série geométrica é convergente. A soma dos infinitos
intervalos de tempo é dada por

1 10
T= Â 10(0.1)k = 10 1 =
0.1 0.9
= 11.111 . . . (8.458)
k=1

em unidades de segundos. O paradoxo de Aquiles e a tartaruga não é uma contra-


dição para quem domina as ferramentas do Cálculo.
Exemplo 8.50 (Esquema de pirâmide financeira).
Um esquema de pirâmide financeira funciona da seguinte maneira. Ao ser
recrutado para o esquema você deve pagar uma comissão a quem te recrutou,
então você começa com um prejuízo. Mas se você recrutar uma pessoa você
recebe a comissão dela e recupera o seu “investimento inicial”. Ao recrutar uma
segunda pessoa você recebe outra comissão e já está lucrando.
Imagine que cada membro sempre recruta duas pessoas e que o fundador do
esquema define o nível 0. As pessoas recrutadas pelo fundador definem o nível 1.
As pessoas recrutadas pelo nível 1 definem o nível 2 e assim por diante, formando
uma estrutura de uma pirâmide. O número de pessoas em cada nível da pirâmide
cresce em progressão geométrica. Neste exemplo em que cada nível dobra de ta-
manho o nível k possui 2k membros. Ao completar n níveis da pirâmide o número
de pessoas que já passaram pelo esquema é de
n
1 2n+1
N(n) = Â 2k = 1 2
= 2n+1 1. (8.459)
k=0

Em geral cada pessoa tenta recrutar mais que duas pessoas para o esquema.
Imagine então um esquema em que cada pessoa recruta outras oito pessoas. O
número de pessoas em cada nível do esquema passa a ser
n
1 8n+1 8n+1 1
N(n) = Â 8k = 1 8
=
7
, (8.460)
k=0
96 Limite e Continuidade

que se tabelarmos encontramos os seguintes valores.

n N(n)
1 9
2 73
3 585
4 4681
5 37449
6 299593
7 2396745
8 19173961
9 153391689
10 1227133513
11 9817068105

Neste ritmo de crescimento não há pessoas vivas o suficiente para completar o


décimo primeiro nível. Ao completar um certo nível, apenas as pessoas nos níveis
anteriores estão lucrando, então claramente em qualquer estágio a grande maioria
das pessoas está devendo dinheiro. Como a população mundial é finita, eventual-
mente o esquema não tem para onde crescer e a pirâmide desaba. Esquemas de
pirâmide são insustentáveis, motivo pelo qual são ilegais na maioria dos países.
Muitos esquemas de pirâmides são disfarçados sob o nome de Marketing Multi-
Nível e trazem um produto que, se for vendido, poderia alimentar o esquema e
sustentar a pirâmide, o que na prática não acontece.

Exemplo 8.51 (Número de Euler).


Imagine que uma poupança com rendimento de 100% ao ano começa com
um saldo de 1 real. Ao final de um ano, o valor creditado na poupança será de 2
reais. Se o rendimento for de 50% a cada 6 meses, ao final do primeiro semestre
o valor na poupança será multiplicado por (1 + 50%) = (1 + 1/2). Ao final do
ano, este fator é multiplicado duas vezes. Então o saldo inicial é multiplicado por
(1 + 1/2)2 = 2.25.
Se o rendimento for de 33.33 . . . % a cada 4 meses, ao final de um ano o valor
inicial é multiplicado por (1 + 1/3)3 = 2.370370 . . .. Se o rendimento passa a ser
de 25% a cada 3 meses, ao final de um ano o fator é de (1 + 1/4)4 = 2.44140625.
Naturalmente podemos imaginar juros de 1/12 ao mês que resultam num fator
anual de (1 + 1/12)12 ' 2.613035, juros de 1/52 por semana que resultam num fator
anual de (1 + 1/52)52 ' 2.692597 e juros de 1/365 ao dia que resultam num fator
anual de (1 + 1/365)365 ' 2.714567.
Podemos continuar este raciocínio definindo juros a cada hora, a cada segundo,
a cada milésimo de segundo, até o intervalo de tempo tender a zero. Se o ano é
8.6 Extensões do conceito de limite 97

divido em n intervalos iguais e a cada intervalo é aplicado juros de 1/n, ao final de


um ano o investimento inicial é multiplicado por um fator
✓ ◆
1 n
an = 1 + . (8.461)
n

A sequência definida por este termo geral converge para algum valor real quando
n tende ao infinito?
Se montarmos uma tabela com valores desta sequência, o resultado obtido
sugere que sim. Mas para provarmos a existência deste limite devemos primeiro
mostrar que esta sequência é crescente e que ela é limitada superiormente. Pelo
binômio de Newton,
✓ ◆ ✓ ◆ ✓ ◆ ✓ ◆ ✓ ◆
1 n n 1 n 1 n 1 n 1
1+ = 1+ + 2
+ 3
+···+
n 1 n 2 n 3 n n nn
1 n(n 1) 1 n(n 1)(n 2) 1 n! 1
= 1+n + 2
+ 3
+···+
n 2! n 3! n n! nn
1 n(n 1) 1 n(n 1)(n 2) 1 n! 1
= 1+ + + + · · · +
1! n2 2! n3 3! nn n!
Nesta última linha os fatores que multiplicam termos com um fatorial no denomi-
nador são sempre menores ou iguais a 1. Portanto
✓ ◆
1 n 1 1 1 1
1+ < 1+ + + +···+ . (8.462)
n 1! 2! 3! n!
1 1
Sabendo que (n + 1)! 2n para todo n 1, temos que (n+1)!  2n e
✓ ◆
1 n 1 1 1 1
1+ < 1+ 0 + 1 + 2 +···+ n 1 (8.463)
n 2 2 2 2

Estes termos são os n primeiros elementos de uma série geométrica de razão 1/2.
✓ ◆ n 1 ✓ ◆k • ✓ ◆k
1 n 1 1
1+ < 1+ Â < 1+ Â = 1+2 = 3 , (8.464)
n k=0 2 k=0 2

ou seja,
✓ ◆
1 n
1+ <3 (8.465)
n

para todo n 1.
98 Limite e Continuidade

Provamos que a sequência é limitada superiormente por 3. Resta provar que é


estritamente crescente, ou seja, que an < am se n < m. Vimos que
✓ ◆
1 n 1 n(n 1) 1 n(n 1)(n 2) 1 n! 1
1+ = 1+ + 2
+ 3
+···+ n (8.466)
n 1! n 2! n 3! n n!

e apenas trocando n por m temos


✓ ◆
1 m 1 m(m 1) 1 m(m 1)(m 2) 1 m! 1
1+ = 1+ + + +· · ·+ m (8.467)
m 1! m2 2! m3 3! m m!

Se n < m, temos que 1/n > 1/m, 1/n < 1/m e (1 1/n) < (1 1/m), assim como
(1 2/n) < (1 2/m), (1 3/n) < (1 3/m) e assim por diante. Logo

n(n 1) n 1 1 1 m(m 1)
= =1 <1 = (8.468)
n2 n n m m2
e
✓ ◆✓ ◆
n(n 1)(n 2) n 1 n 2
= (8.469)
n3 n n
✓ ◆✓ ◆ ✓ ◆✓ ◆
1 2 1 2 m(m 1)(m 2)
= 1 1 < 1 1 = .
n n m m m3
Assim sucessivamente podemos mostrar que cada termo da expansão binomial
de (1 + 1/n)n é menor que o termo correspondente da expansão binomial de (1 +
1/m)m , que implica

✓ ◆ ✓ ◆
1 n 1 m
1+ < 1+ (8.470)
n m
se n < m.
Mostramos que a sequência an = (1 + 1/n)n é estritamente crescente e limitada
superiormente pelo número real 3. Pelo teorema 20.2 esta sequência converge
para o seu supremo. Como 3 é um limite superior, sabemos apenas que o limite
da sequência é menor ou igual a 3. Este raciocínio não é capaz de calcular o valor
do limite, apenas garante a existência dele. Este número real cuja existência é
garantida é chamado de número de Euler e denotado pela letra e.
✓ ◆
1 n
e = lim 1 + (8.471)
n!• n
8.7 Continuidade 99

8.7 Continuidade
Em muitos exemplos vimos que o limite de uma função quando x ! x0 resul-
tou no valor da função quando calculada em x = x0 , como no caso de polinômios.
Exemplo 8.52 (Polinômio de segundo grau).
Seja p(x) = ax2 + bx + c. Pelas propriedades de limites
✓ ◆✓ ◆✓ ◆ ✓ ◆✓ ◆ ✓ ◆
lim p(x) = lim a lim x lim x + lim b lim x + lim c
x!x0 x!x0 x!x0 x!x0 x!x0 x!x0 x!x0

= ax02 + bx0 + c = p(x0 ) . (8.472)


Note que esta equação vale para qualquer x0 pertencente ao domínio de p. Nem
toda função possui esta propriedade.
Exemplo 8.53.
Seja
(
x2 9
, se x 6= 3
f (x) = x 3 (8.473)
3, se x = 3

Esta função está definida em todo x real. Calculando em x = 3 temos f (3) = 3,


no entanto
x2 9 (x + 3)(x 3)
lim f (x) = lim = lim = lim (x + 3) = 6 . (8.474)
x!3 x!3 x 3 x!3 x 3 x!3

Neste caso o limite é diferente do valor da função calculado no ponto em questão.


Se redefinirmos a função de modo que f (3) = 6 esta função recupera a proprie-
dade de que o limite é igual ao valor da função.
Exemplo 8.54.
Seja agora
⇢ |x|
, se x 6= 0
f (x) = x (8.475)
0, se x = 0
Já calculamos os limites laterais desta função e sabemos que

lim f (x) = 1 , lim f (x) = 1 e lim f (x) não existe. (8.476)


x!0+ x!0 x!0

Neste exemplo f (0) é diferente dos limites laterais. Se redefinirmos f (0) = 1


recuperamos a propriedade

lim f (x) = f (0) , (8.477)


x!0+
100 Limite e Continuidade

e se redefinirmos f (0) = 1 temos que

lim f (x) = f (0) , (8.478)


x!0

mas, ao contrário do exemplo anterior, como o limite não existe, é impossível


redefinir f (0) de modo que o limite seja igual ao valor da função.
Exemplo 8.55.
Por fim, seja
1
f (x) = . (8.479)
x2
Esta função é par e portanto o comportamento desta função em x < 0 é simétrico
ao comportamento em x > 0. Mesmo assim o limite da função quando x tende a
zero não existe, pois vimos que a função cresce indefinidamente sem se aproxi-
mar de um número real específico. Portanto neste exemplo também é impossível
definir f (0) de modo que o limite seja igual ao valor da função.
Estes exemplos mostram que nem toda função possui a propriedade de que

lim f (x) = f (x0 ) . (8.480)


x!x0

Esta propriedade é tão importante que damos um nome especial às funções que a
satisfazem.
Definição 8.10.
Uma função é dita contínua em x0 se

lim f (x) = f (x0 ) . (8.481)


x!x0

Nesta equação está implícito que


(a) x0 2 D f , isto é, f (x0 ) 2 R;

(b) lim existe.


x!x0

Dizemos que f é contínua no intervalo aberto (a, b) se f é contínua em todo x0 2


(a, b). Dizemos que f é contínua no intervalo fechado [a, b] se ela for contínua no
intervalo aberto (a, b), se

lim f (x) = f (a) e se lim f (x) = f (b) . (8.482)


x!a+ x!b

Por fim, dizemos que f é contínua (omitindo o intervalo) se ela for contínua em
todo o seu domínio.
8.7 Continuidade 101

Exemplo 8.56.
Seja a função que descreve o ramo superior de uma circunferência de raio a
centrada na origem,
p
f (x) = a2 x2 , (8.483)

cujo domínio é o intervalo fechado [ a, a]. Sabemos que o limite da raiz de uma
função é igual à raiz do limite da função se esta função for positiva em uma vizi-
nhança de x0 . Então para todo x0 2 ( a, a), sabendo que polinômios de segundo
grau são funções contínuas, temos que

lim a2 x 2 = a2 x02 > 0 . (8.484)


x!x0

Logo
p q
lim f (x) = lim a2 x2 = a2 x02 = f (x0 ) (8.485)
x!x0 x!x0

e a função é contínua no intervalo aberto ( a, a). Resta agora verificar a conti-


nuidade na fronteira do domínio. Em x0 = a basta que o limite à esquerda exista e
seja igual ao valor da função. De fato em uma vizinhança pequena à esquerda de
x0 = a o argumento a2 x2 é positivo, portanto
p r p
lim a2 x2 = lim a2 x2 = 0 = 0 . (8.486)
x!a x!a

Em uma vizinhança pequena à direita de x0 = a o argumento da raiz também é


positivo, então
p r p
lim 2 2
a x = lim a2 x2 = 0 = 0 . (8.487)
x! a+ x! a+

Então como a função f é contínua em todo o domínio, dizemos apenas que ela é
contínua sem a necessidade de especificar os pontos.
Teorema 8.16.
Se f (x) e g(x) são funções contínuas em x0 , então
(a) A soma f (x) + g(x) é contínua em x0 ;

(b) A diferença f (x) g(x) é contínua em x0 ;

(c) O produto f (x) · g(x) é contínuo em x0 ;


f (x)
(d) A razão g(x) é contínua em x0 se g(x0 ) 6= 0.
102 Limite e Continuidade

Demonstração. Das hipóteses do teorema sabemos que

lim f (x) = f (x0 ) e lim g(x) = g(x0 ) . (8.488)


x!x0 x!x0

Pelas propriedades de limite temos que

lim ( f (x) ± g(x)) = lim f (x) ± lim g(x) = f (x0 ) + g(x0 ) , (8.489)
x!x0 x!x0 x!x0

✓ ◆ ✓ ◆
lim ( f (x) · g(x)) = lim f (x) · lim g(x) = f (x0 ) · g(x0 ) (8.490)
x!x0 x!x0 x!x0

e
f (x) lim f (x) f (x0 )
x!x0
lim = lim
= (8.491)
x!x0 g(x) x!x0 g(x) g(x0 )

desde que g(x0 ) 6= 0.


Teorema 8.17.
Todo polinômio é uma função contínua.
Demonstração. Vimos que polinômios de segundo grau são funções contínuas.
Agora provamos que polinômios de grau n arbitrário são funções contínuas. Esta
prova é feita por indução. Supomos que o que queremos provar seja verdade para
um n qualquer e a partir desta suposição provamos que o caso n + 1 é também
verdade.
Como já sabemos que o teorema é válido para os casos n = 0, n = 1 e n = 2,
o caso n = 2 prova que o n = 3 é verdadeiro. O caso n = 3 prova que o caso n = 4
é verdadeiro, que por sua vez prova que o caso n = 5 é verdadeiro, e assim por
diante para todo n inteiro positivo.
Um polinômio de grau n + 1 pode ser manipulado como
pn+1 (x) = an+1 xn+1 + an xn + an n 1xn 1 + · + a2 x2 + a1 x + a0 (8.492)
= x (an+1 xn ) + an xn + an n 1xn 1 + · + a2 x2 + a1 x + a0 .
Nesta última expressão os termos entre parênteses são polinômios de grau n, que
estamos supondo que sejam funções contínuas. A função identidade também é
contínua, então o polinômio de grau n + 1 foi escrita como o produto de duas
funções contínuas somado a outra função contínua. O resultado destas operações
deve ser também uma função contínua de acordo com o teorema anterior. Portanto
está provado por indução que todo polinômio é uma função contínua para qualquer
grau n inteiro.
8.7 Continuidade 103

Teorema 8.18.
As funções trigonométricas sen(x) e cos(x) são contínuas.
Demonstração. Primeiro precisamos mostrar que
⇣ p p⌘
| sen(x)|  |x|  | tan(x)| se x 2 , . (8.493)
2 2
Seja x o ângulo representado na figura ao
lado, que é positivo e menor que p/2. De-
senhamos um arco de circunferência de
raio 1 e a região destacada em azul tem
B área 2x .
C
O triângulo OAC está contido na região
destacada e possui altura sen(x). O tri-
ângulo OAB, de altura tan(x) contém a
região destacada. Portanto as áreas dos
O A
triângulos satisfazem

1 x 1
sen(x) < < tan(x) , (8.494)
2 2 2
ou apenas
p
sen(x) < x < tan(x) se 0<x< . (8.495)
2
Como estas três funções são positivas temos que
p
| sen(x)| < |x| < | tan(x)| se 0<x< . (8.496)
2
p
Se x 2 2,0 definimos y = x e vale que

sen(y) < y < tan(y) , (8.497)

que implica

sen( x) < x < tan( x) . (8.498)

Todas estas funções são ímpares, então multiplicando por 1 temos


p
sen(x) > x > tan(x) se <x<0. (8.499)
2
Neste intervalo as três funções são negativas, então em termos do módulo temos
p
| sen(x)| > |x| > | tan(x)| se <x<0. (8.500)
2
104 Limite e Continuidade

Multiplicando por 1 temos


p
| sen(x)| < |x| < | tan(x)| se <x<0. (8.501)
2
Em x = 0 temos trivialmente que

sen(0) = 0 = tan(0) . (8.502)

Podemos agrupar as três condições como uma única


p p
| sen(x)|  |x|  | tan(x)| se <x< . (8.503)
2 2
Agora podemos provar que

lim sen(x) = sen(x0 ) e lim cos(x) = cos(x0 ) (8.504)


x!x0 x!x0

para qualquer x0 2 R.
Pelas propriedades trigonométricas sabemos que
✓ ◆ ✓ ◆
x x0 x + x0
sen(x) sen(x0 ) = 2 sen cos . (8.505)
2 2
Tomando o módulo desta expressão temos
✓ ◆ ✓ ◆
x x0 x + x0
|sen(x) sen(x0 )| = 2 sen cos . (8.506)
2 2

Sabendo que | cos(q)|  1 para qualquer q real temos que


✓ ◆
x x0
|sen(x) sen(x0 )|  2 sen . (8.507)
2
Pela equação (8.503) sabemos que
✓ ◆
x x0 x x0 p x x0 p
sen  se < < . (8.508)
2 2 2 2 2
Portanto
x x0
|sen(x) sen(x0 )|  2 = |x x0 | se |x x0 | < p . (8.509)
2

Para todo e > 0 escolhemos d como o menor valor entre e e p. Então

|x x0 | < d =) |x x0 | < e =) |sen(x) sen(x0 )| < e , (8.510)


8.7 Continuidade 105

provando pela definição de limite que

lim sen(x) = sen(x0 ) (8.511)


x!x0

para qualquer x0 real, ou seja, que sen(x) é uma função contínua.


Agora partimos para a função cos(x). Novamente utilizamos propriedades
trigonométricas convenientes para escrever
✓ ◆ ✓ ◆
x x0 x + x0
cos(x) cos(x0 ) = 2 sen sen . (8.512)
2 2
Tomando o módulo desta expressão temos
✓ ◆ ✓ ◆ ✓ ◆
x x0 x + x0 x x0
|cos(x) cos(x0 )| = 2 sen sen  2 sen .
2 2 2
(8.513)

Novamente utilizamos a equação (8.503) para escrever


x x0
|cos(x) cos(x0 )|  2 = |x x0 | se |x x0 | < p . (8.514)
2
Para todo e > 0 escolhemos d como o menor valor entre e e p. Assim

|x x0 | < d =) |x x0 | < e =) |cos(x) cos(x0 )| < e , (8.515)

portanto

lim cos(x) = cos(x0 ) (8.516)


x!x0

para qualquer x0 real, ou seja, cos(x) também é uma função contínua.

8.7.1 Limites fundamentais


Existem dois limites envolvendo funções trigonométricas que serão necessá-
rios para o cálculo de derivadas destas funções. São eles
sen(x) 1 cos(x)
lim e lim . (8.517)
x!0 x x!0 x
Sabemos que
⇣ p⌘
sen(x) < x < tan(x) se x 2 0, . (8.518)
2
106 Limite e Continuidade

Dividindo esta desigualdade por sen(x) temos

x 1 ⇣ p⌘
1< < se x 2 0, . (8.519)
sen(x) cos(x) 2

Estas três funções são pares, então esta desigualdade é válida também no intervalo
p
2 , 0 . Tomando o inverso de cada termo temos

sen(x) p
cos(x) < <1 se 0 < |x| < . (8.520)
x 2

Vimos que a função cos(x) é contínua, então

lim cos(x) = cos(0) = 1 . (8.521)


x!0

Pelo teorema do confronto,

sen(x)
lim =1. (8.522)
x!0 x

A outra função deve ser manipulada um pouco antes de aplicarmos o limite.

1 cos(x) 1 cos(x) 1 + cos(x) 1 cos2 (x)


= =
x x 1 + cos(x) x(1 + cos(x))
2
sen (x) sen(x) sen(x)
= = . (8.523)
x(1 + cos(x)) x 1 + cos(x)

A primeira razão tem limite dado por um limite fundamental já calculado. A


segunda razão possui limite dado por

sen(x) lim sen(x) sen(0) 0


x!0
lim = lim 1 + lim cos(x)
= = =0. (8.524)
x!0 1 + cos(x) x!0 x!0
1 + cos(0) 2

Então

1 cos(x) sen(x) sen(x)


lim = lim lim = 1·0 = 0 . (8.525)
x!0 x x!0 x x!0 1 + cos(x)

Os limites trigonométricos fundamentais são então

sen(x) 1 cos(x)
lim =1 e lim =0. (8.526)
x!0 x x!0 x
8.7 Continuidade 107

8.7.2 Funções compostas


Sabendo que polinômios e funções trigonométricas são funções contínuas em
seus domínios podemos construir funções contínuas a partir de operações como
soma, subtração, multiplicação e razão entre estas funções. Além destas operações
podemos construir novas funções contínuas pela operação de composição. Se por
exemplo f (x) = 1 + x2 e g(x) = cos(x), as funções compostas

f (g(x)) = 1 + cos2 (x) e g ( f (x)) = cos 1 + x2 (8.527)

são contínuas, como será demonstrado a seguir.

Teorema 8.19.
Se g(x) é uma função contínua em x0 e f (u) é uma função contínua em u0 =
g(x0 ), então a composição f (g(x)) é contínua em x0 .

Demonstração. Queremos mostrar que para todo e > 0 existe algum d > 0 tal que

| f (g(x)) f (g(x0 ))| < e sempre que |x x0 | < d . (8.528)

A continuidade de f (u) em u0 nos garante que para todo e > 0 existe algum d1

| f (u) f (u0 )| < e sempre que |u u 0 | < d1 . (8.529)

Seja u = g(x). A desigualdade |u u0 | < d1 pode ser escrita como

|g(x) g(x0 )| < d1 . (8.530)

Pela continuidade de g(x) em x0 sabemos que para este d1 específico existe algum
d > 0 tal que

|g(x) g(x0 )| < d1 sempre que |x x0 | < d . (8.531)

Então
|x x0 | < d =) |g(x) g(x0 )| < d1 =) |u u0 | < d1 =)
| f (u) f (u0 )| < e =) | f (g(x)) f (g(x0 ))| < e . (8.532)

É importante notar que este teorema supõe que o ponto u0 = g(x0 ) pertence
simultaneamente ao domínio de f e à imagem de g. Por exemplo, se
p
f (x) = x e g(x) = 1 x4 , (8.533)
108 Limite e Continuidade

a imagem de g é o conjunto ( •, 1] enquanto o domínio de f é o conjunto


[0, +•), portanto a composição f (g(x)) não pode ser definida e muito menos ser
contínua. Se agora
p
f (x) = x e g(x) = 1 x4 , (8.534)

apesar do domínio de g ser o conjunto ( •, +•), a composição f (g(x)) pode ser


definida apenas nos pontos em que g(x) 0, ou seja, no conjunto [ 1, 1]. Portanto
a composição
p
h(x) = 1 x4 (8.535)

é contínua apenas no intervalo [ 1, 1].

8.7.3 Limites por substituições


O teorema que garante que composições de funções contínuas são também
funções contínuas define um método interessante para o cálculo de limite chamado
de substituições.

Exemplo 8.57.
Queremos calcular o limite

sen (cos(x))
limp . (8.536)
x! 2 cos(x)

Esta função pode ser escrita como a composição de duas funções,

sen(u)
f (u) = e g(x) = cos(x) . (8.537)
u
A função g(x) é contínua, então
⇣p⌘
limp cos(x) = cos =0. (8.538)
x! 2 2

Definindo a variável u = cos(x) sabemos que u ! 0 quando x ! p2 , então

sen (cos(x)) sen(u)


limp = lim =1 (8.539)
x! 2 cos(x) u!0 u

pelo limite fundamental já visto.


8.7 Continuidade 109

Exemplo 8.58.
Queremos agora calcular

sen (tan(x))
lim . (8.540)
x!0 sen(x)

Multiplicando e dividindo a função por cos(x) temos

sen (tan(x)) sen (tan(x)) cos(x) sen (tan(x)) 1


= = . (8.541)
sen(x) sen(x) cos(x) tan(x) cos(x)
Assim
sen (tan(x)) sen (tan(x)) 1
lim = lim · lim (8.542)
x!0 sen(x) x!0 tan(x) x!0 cos(x)

se cada um destes limites existirem. O segundo limite é simples,

1 lim 1 1
x!0
lim = lim
= =1. (8.543)
x!0 cos(x) x!0
cos(x) cos(0)

O segundo limite pode ser calculado pela substituição u = tan(x).


lim sen(x) sen(0)
x!0
lim tan(x) = lim cos(x)
= =0. (8.544)
x!0 x!0
cos(0)

Assim a variável u ! 0 quando x ! 0. Pelo método da substituição

sen (tan(x)) sen(u)


lim = lim =1. (8.545)
x!0 tan(x) u!0 u
Logo

sen (tan(x))
lim =1. (8.546)
x!0 sen(x)
Exemplo 8.59.
Seja agora o limite
p
x+2 1
lim (8.547)
x! 1 x+1
Neste exemplo o denominador tende a zero então
p devemos fazer alguma manipu-
lação. Poderíamos multiplicar e dividir por x + 2 + 1, mas queremos calcular o
limite por outra abordagem.
110 Limite e Continuidade

p
Seja u = x + 2, que implica u2 = x + 2 ou x = u2 2.
p q p
lim u = lim x + 2 = lim x + 2 = 1 = 1 . (8.548)
x! 1 x! 1 x! 1

A passagem
p do limite para o argumento da raiz é justificada pela continuidade da
função x. Assim a variável u ! 1 quando x ! 1 e
p
x+2 1 u 1 u 1 1 1
lim = lim 2 = lim = lim = .
x! 1 x+1 u!1 u 2 + 1 u!1 (u + 1)(u 1) u!1 u + 1 2
(8.549)
8.7 Continuidade 111

8.7.4 Funções exponenciais e logarítmicas


Seja a um número real qualquer. O símbolo an com n inteiro positivo é defi-
nido como a operação de multiplicação de a por ele mesmo n vezes, isto é,
a2 = a · a , (8.550)
a3 = a · a · a , (8.551)
ou em geral
n
an = ’ a . (8.552)
k=1

Desta definição é simples mostrar que

an · am = an+m (8.553)

para quaisquer valores de n e m inteiros positivos.


Queremos definir a operação an quando n é um número inteiro mas não neces-
sariamente positivo. Poderíamos definir de várias maneiras, mas queremos que a
operação continue respeitando a operação an+m = an · am . Então o símbolo a0 é
desconhecido, mas ele deve satisfazer

a0 · a = a0 · a1 = a0+1 = a1 = a , (8.554)

isto é,

a0 · a = a . (8.555)

Se a 6= 0, podemos dividir os dois lados da equação por a e concluir que

a0 = 1 se a 6= 0 , (8.556)

enquanto o símbolo 00 ainda não pode ser definido. Se o expoente é negativo,


como por exemplo n = 1, o número real a 1 , se ele existir, deve satisfazer
1 1+1
a ·a = a = a0 = 1 . (8.557)

Novamente se a 6= 0 podemos dividir cada lado da equação por a e concluir que

1 1
a = se a 6= 0 . (8.558)
a
Em geral temos que

n 1
a = se a 6= 0 e n > 0 . (8.559)
an
112 Limite e Continuidade

Desta forma definimos a operação an para qualquer n inteiro desde que a 6= 0.


Agora queremos definir a operação ar quando r é um número racional, ou seja,
podemos escrever r = qp com p e q inteiros. Novamente a função será definida de
modo que

ar · as = ar+s . (8.560)

No caso do número racional r = 12 ,


1 1 1 1
a 2 · a 2 = a 2 + 2 = a1 = a , (8.561)

isto é,
⇣ 1 ⌘2
a2 = a . (8.562)

Se a é um número positivo, podemos calcular a raiz quadrada de ambos os lados


e concluir que
1 p
a2 = a se a>0. (8.563)
1
Em outras palavras, para que a operação de exponenciação a 2 represente um nú-
1 p
mero real e respeite a propriedade ar+s = ar · as , devemos definir a 2 como a.
1
A operação a 3 deve respeitar
⇣ 1 ⌘3 1 p
a 3 = a =) a 3 = 3 a , (8.564)

que agora pode ser definida para a negativo.


p
Destas regras é simples verificar que para qualquer r = q racional e a positivo

8 p
< ap ,
q
se r > 0
ar = 1. se r = 0 (8.565)
: 1
a|r|
, se r < 0

Agora queremos definir a operação de exponenciação ax quando x é um nú-


mero real
p qualquer e a > 0. Estamos interessados agora nos números irracionais,
como 2 ou p. Todo número irracional possui uma representação decimal como
por exemplo

p = 3.14159265359 . . . (8.566)
8.7 Continuidade 113

No caso dos números irracionais a quantidade de dígitos na representação decimal


é infinita. Podemos escolher a seguinte sequência de números racionais.
Se r1 = 3.1 e s1 = 3.2 , r1 < p < s1 e s1 r1 = 0.1 . (8.567)
Se r2 = 3.14 e s2 = 3.15 , r2 < p < s2 e s2 r2 = 0.01 . (8.568)
Se r3 = 3.141 e s3 = 3.142 , r3 < p < s3 e s3 r3 = 0.001 . (8.569)
Se r4 = 3.1415 e s4 = 3.1416 , r4 < p < s4 e s4 r4 = 0.0001 .(8.570)
Por este argumento, para qualquer número irracional x é possível montar sequên-
cias de números racionais rn e sn tais que
1 1
rn < x < sn e sn rn = < . (8.571)
10n n
Sabemos calcular a exponencial de números racionais. Queremos mostrar
que as sequências das exponenciais destes números racionais convergem para o
mesmo valor.
Teorema 8.20.
Se a > 1, a operação ar com r racional é estritamente crescente, isto é, ar < as
se r < s.
Demonstração. Existem números inteiros positivos p e q tais que
p
s r= . (8.572)
q
A operação de exponenciação satisfaz
⇣ p ⌘
as ar = ar as r 1 = ar a q 1 . (8.573)

Como a > 1, existe h > 0 tal que a = (1 + h). Assim


p p
a q = q (1 + h) p . (8.574)
Pelo binômio de Newton,
(1 + h) p = 1 + ph + · · · + h p > 1 , (8.575)
pois todos os termos somados a partir do 1 são positivos. Logo
p p p
q
a q = q (1 + h) p > 1 = 1 . (8.576)
⇣ p ⌘
Os termos ar e a q 1 são positivos, portanto

as ar > 0 , (8.577)
provando que a exponenciação de racionais é uma função estritamente crescente.
114 Limite e Continuidade

A sequência r1 , r2 , r3 , . . . é uma sequência estritamente crescente e limitada


superiormente pelo racional s1 . Como a função exponencial é crescente nos ra-
cionais, a sequência ar1 , ar2 , ar3 , . . . é também estritamente crescente e limitada
superiormente por as1 . Como sequências crescentes limitadas convergem, existe
um número real a tal que
a = sup{arn } = lim arn . (8.578)
n!•

A sequência s1 , s2 , s3 , . . . é uma sequência estritamente decrescente e limitada


inferiormente pelo racional r1 . Portanto a sequência as1 , as2 , as3 , . . . é também
estritamente decrescente e limitada inferiormente por ar1 . Existe também um nú-
mero real b tal que
b = inf{asn } = lim asn . (8.579)
n!•

Estes valores para os quais as duas sequências convergem devem ser iguais.
b a = lim asn lim arn = lim (asn arn ) . (8.580)
n!• n!• n!•

Esta diferença satisfaz


asn arn = arn asn rn
1 . (8.581)

Lembrando que sn rn = 101n < 1n ,


⇣ 1 ⌘ p
asn arn < arn a n 1 = arn n a 1 . (8.582)

Para mostrar que a = b, basta mostrar que este último termo tende a zero.
Teorema 8.21.
p
lim n a = 1 se a>1. (8.583)
n!•

Demonstração. Seja e > 0 arbitrário. Como a > 1 existe um N inteiro tal que
a 1
1 + Ne > a ou N> . (8.584)
e
Sempre que n > N temos que
p p
(1 + e)n > 1 + ne > a =) 1 + e > n
a =) e > n
a 1. (8.585)
Em outras palavras, para todo e > 0 existe algum N tal que
p
n
a 1 < e sempre que n > N , (8.586)
provando assim este teorema.
8.7 Continuidade 115

Como consequência deste último teorema,


p
b a = lim (asn arn ) < lim arn n a 1 = a · 0 = 0 . (8.587)
n!• n!•
Este único número real para o qual as sequências arn e asn convergem definimos
como a exponencial do número irracional x, representado pelo símbolo ax . A
função f (x) = ax agora definida para todo x real é chamada de função exponencial
de base a, denotada também por expa (x).
Teorema 8.22.
Se a > 1, a função f (x) = ax é estritamente crescente e contínua em todo x
real.
Demonstração. Sejam x1 e x2 números reais quaisquer que satisfazem x1 < x2 .
Existe algum número racional t tal que
x1 < t < x2 . (8.588)
Se x1 e x2 são racionais já verificamos que ax1 < ax2 . Suponha que ambos sejam
irracionais. Então existem sequências de racionais que convergem para x1 e x2 que
definem o número ax1 e ax2 . Desta definição sempre é possível encontrar racionais
r1 , s1 , r2 e s2 tais que
r1 < x1 < s1 < t < r2 < x2 < s2 (8.589)
e
ar1 < ax1 < as1 < at < ar2 < ax2 < as2 . (8.590)
As desigualdades envolvendo ax1 e ax2 seguem do fato destes números serem o
supremo da sequência à esquerda e o ínfimo da sequência à direita.
Sejam x0 um número real qualquer. Para todo e > 0 é possível encontrar nú-
meros racionais r e s tais que
ar < ax0 < as e as ar < e . (8.591)
Seja x um elemento do intervalo (r, s). Como a função exponencial é crescente,
ar < ax < as . (8.592)
Consequentemente
|ax ax0 | < as ar < e . (8.593)
Escolhendo d como o menor valor entre s x0 ou x0 r temos que
|ax ax0 | < e sempre que |x x0 | < d , (8.594)
provando que a função exponencial com base a > 1 é contínua.
116 Limite e Continuidade

Até aqui supomos a > 1. Se a = 1 é simples verificar que 1r = 1 para qualquer


racional. Então a sequência de exponenciais de racionais que convergem para a
exponencial de um número irracional é constante e vale 1. Logo 1x = 1 para todo
x real.
Podemos definir também uma exponencial de base 0 < a < 1. Neste caso
escrevemos b = 1a > 1 e pelas propriedades de funções exponenciais
✓ ◆x
x 1 1x 1
a = = x= x. (8.595)
b b b

A função bx é estritamente crescente e contínua, portanto o seu inverso é contínuo


e estritamente decrescente desde que o denominador não se anule.
A função exponencial de base a > 0 pode ser definida em todo x real, logo seu
domínio é D = ( •, +•). A imagem como veremos é o conjunto dos números
positivos. Seja x um número real qualquer. Sempre existe um racional r < x.
p p
Lembrando que a q = q a p ou o inverso se r < 0, é simples verificar que ar > 0.
Como a função é crescente se a > 1, ax > 0. Não sabemos ainda se existe um
valor máximo ou um valor mínimo.
Seja M > 0 um número real arbitrariamente grande. Existe algum N inteiro
maior que M que satisfaz aN > aM > M. Para todo x > N, como a função é
estritamente crescente temos que

ax > M sempre que x > x̄ = N , (8.596)

portanto pela definição

lim ax = +• se a>1. (8.597)


x!•

No limite em que x ! •, podemos utilizar uma mudança de variáveis u = x


e escrever
1 1
lim ax = lim a u
= lim u
= =0. (8.598)
x! • u!• u!• a +•
No caso em que 0 < a < 1 é simples verificar que

lim ax = 0 e lim ax = +• . (8.599)


x!• x! •

8.7.5 Funções inversas


A função exponencial de base a > 1 é estritamente crescente com domínio
( •, +•) e imagem (0, +•). Funções estritamente crescetes são injetoras, nos
8.7 Continuidade 117

permitindo assim definir uma função inversa, que tem domínio (0, +•) e imagem
( •, +•) e que satisfaz
f (ax ) = x , 8x 2 R , (8.600)
f (x)
a =x, 8x > 0. (8.601)
As propriedades de continuidade e crescimento são preservadas pela inversão.
Teorema 8.23.
Se f é uma função estritamente crescente e contínua no intervalo [a, b], a sua
inversa é estritamente crescente e contínua no intervalo [ f (a), f (b)].
Demonstração. Seja c = f (a) e d = f (b). A inversa de f (x) é uma função g(y)
definida para todo y 2 [c, d]. Sejam y1 e y2 elementos deste intervalo tais que
y1 < y2 . Existem valores x1 e x2 tais que

x1 = g(y1 ) e x2 = g(y2 ) . (8.602)

Aplicando a função f nestas equações temos

f (x1 ) = f (g(y1 )) = y1 e f (x2 ) = f (g(y2 )) = y2 . (8.603)

Como f é estritamente crescente,

y1 < y2 =) f (x1 ) < f (x2 ) =) x1 < x2 =) g(y1 ) < g(y2 ) , (8.604)

ou seja, g(y) é estritamente crescente.


y

f(b)
Seja y0 2 (c, d). Existe algum x0 2 (a, b)
tal que y0 = f (x0 ). Seja e pequeno o su-
f(x +ε)
δ ficiente para que
f(x )

f(x -ε) a < x0 e < x0 < x0 + e < b . (8.605)

Os pontos x0 + e e x0 e definem os pon-


f(a) tos f (x0 + e) e f (x0 + e) em [c, d]. Como
a x -ε x x +ε b x f é estritamente crescente temos que

c < f (x0 e) < y0 < f (x0 + e) < d . (8.606)

Escolhemos d como sendo o menor valor entre f (x0 + e) y0 e y0 f (x0 e).


Temos que

x0 e < x < x0 + e sempre que y0 d < y < y0 + d . (8.607)


118 Limite e Continuidade

Substituindo x0 = g(y0 ) e x = g(y), temos que para todo e > 0 existe algum d > 0
tal que

|g(y) g(y0 )| < e sempre que |y y0 | < d . (8.608)

Este teorema continua válido quando f é estritamente decrescente. Neste caso,


a função inversa de uma função contínua estritamente decrescente é também con-
tínua e estritamente decrescente.

8.7.6 Funções logarítmicas


Sejam a e b números reais positivos com a 6= 1. Como ax é contínua e injetora,
existe um único número real g tal que

ag = b . (8.609)

Este número real g é definido como o logaritmo de b na base a. Só é possível


definir o logaritmo se b > 0, pois b precisa pertencer à imagem da função expo-
nencial, e se a > 1 ou 0 < a < 1, pois a função 1x é constante e não é inversível. A
função que a cada x > 0 associa o logaritmo de x na base a é chamada de função
logarítmica e denotada por

f (x) = loga (x) . (8.610)

Teorema 8.24.
A função logarítmica possui as seguintes propriedades:

(a)

loga (x · y) = loga (x) + loga (y) ; (8.611)

(b)

loga (xc ) = c · loga (x) ; (8.612)

(c)

logb (x)
loga (x) = . (8.613)
logb (a)
8.7 Continuidade 119

Demonstração. Pela propriedade de exponenciais,

aloga (x)+loga (y) = aloga (x) · aloga (y) = x · y . (8.614)

Calculando o logaritmo de cada termo desta expressão temos


h i
loga (x · y) = loga aloga (x)+loga (y) = loga (x) + loga (y) . (8.615)

Ainda da propriedade de exponenciais,

ac · y = (ay )c (8.616)

Escrevendo y = loga (x) temos


⇣ ⌘c
ac loga (x) = aloga (x) = xc . (8.617)

Aplicando o logaritmo temos


h i
c c loga (x)
loga (x ) = loga a = c loga (x) . (8.618)

Por fim, podemos escrever


h i
logb (x) = logb aloga (x) . (8.619)

Pela propriedade (b) temos

logb (x) = loga (x) · logb (a) . (8.620)

Isolando o logaritmo na base a temos


logb (x)
loga (x) = . (8.621)
logb (a)

Agora queremos investigar os limites da função logarítmica quando x ! • e


quando x ! 0+ . Se a > 1 a função logarítmica é estritamente crescente. Para todo
M > 0 podemos escolher x̄ = aM e

x > x̄ =) loga (x) > loga (x̄) = loga (aM ) = M . (8.622)

Portanto

lim loga (x) = +• se a>1. (8.623)


x!•
120 Limite e Continuidade

1
Se 0 < a < 1, escolhemos b = a e

logb (x) 1
lim loga (x) = lim = · (+•) . (8.624)
x!• x!• logb (a) logb (a)
No entanto, a < 1 implica

logb (a) < logb (1) = 0 , (8.625)

então o limite em questão é do tipo L · (+•) com L < 0. Então

lim loga (x) = • se 0<a<1. (8.626)


x!•

Agora analisamos o comportamento quando x se aproxima do zero pela direita.


Seja u = 1x ,
1
lim u = lim = +• , (8.627)
x!0+ x!0+ x
com essa mudança de variáveis,
✓ ◆
1
lim loga (x) = lim loga = lim 1 · loga (u) . (8.628)
x!0 + u!+• u u!+•

Se a > 1, este último limite tende a +•, enquanto se 0 < a < 1, tende a •. Ao
multiplicar por 1 temos

• , se a > 1
lim loga (x) = (8.629)
x!0 + +• , se 0 < a < 1

8.7.7 Limites fundamentais


Os limites fundamentais que envolvem funções exponenciais e logarítmicas
são
✓ ◆
1 x 1 ax 1
lim 1 + , lim (1 + x) x e lim . (8.630)
x!±• x x!0 x!0 x
O primeiro destes limites é semelhante à sequência que converge para o nú-
mero de Euler,
✓ ◆
1 n
lim 1 + =e. (8.631)
n!• n
Para todo número real x existe um número inteiro n tal que

n  x < n+1 . (8.632)


8.7 Continuidade 121

Estamos considerando x tendendo ao infinito, então podemos considerar que n >


0. Tomando os inversos temos
1 1 1
> . (8.633)
n x n+1
Somando 1 a cada termo temos
1 1 1
1+ 1+ > 1+ . (8.634)
n x n+1
Funções exponenciais com base maior que 1 são estritamente crescentes. Além
x
disso, se a > b > 1, ax = blogb (a ) = bx logb (a) > bx , pois logb (a) > logb (b) = 1.
Portanto
✓ ◆ ✓ ◆ ✓ ◆n
1 n+1 1 x 1
1+ > 1+ > 1+ . (8.635)
n x n+1

Escrevemos esta desigualdade como


✓ ◆ ✓ ◆ ✓ ◆ ✓ ◆n+1 ✓ ◆
1 n 1 1 x 1 1 1
1+ 1+ > 1+ > 1+ 1+ (8.636)
n n x n+1 n+1

ou ainda como
✓ ◆ ✓ ◆ ✓ ◆ ✓ ◆n+1 ✓ ◆
1 n n+1 1 x 1 n+1
1+ > 1+ > 1+ . (8.637)
n n x n+1 n+2

No limite em que n ! •, como n  x temos que x tende também a +•. O lado


esquerdo tende a
✓ ◆ ✓ ◆ ✓ ◆ ✓ ◆
1 n n+1 1 n n+1
lim 1 + = lim 1 + lim = e · 1 = e . (8.638)
n!• n n n!• n n!• n

No lado direito, com a substituição n + 1 = m temos


✓ ◆n+1 ✓ ◆ ✓ ◆ ✓ ◆
1 n+1 1 m m
lim 1 + = lim 1 +
n!• n+1 n+2 m!• m m+1
✓ ◆m ✓ ◆
1 m
= lim 1 + · lim = e·1 = e . (8.639)
m!• m m!• m+1
Pelo teorema do confronto,
✓ ◆
1 x
lim 1 + =e. (8.640)
x!• x
122 Limite e Continuidade

Para calcular o limite desta função quando x tende a • fazemos a substituição


x = (u + 1) ou u = 1 x. Assim u ! +• quando x ! • e
✓ ◆ ✓ ◆ u 1 ✓ ◆
1 x 1 u+1 1 u 1
lim 1 + = lim 1 = lim
x! • x u!+• u+1 u!+• u+1
✓ ◆ u 1 ✓ ◆u+1 ✓ ◆ ✓ ◆
u u+1 1 u 1
= lim = lim = lim 1 + · 1+
u!+• u + 1 u!+• u u!+• u u
✓ ◆u ✓ ◆
1 1
= lim 1 + · lim 1 + = e · (1 + 0) = e . (8.641)
u!+• u u!+• u
Logo
✓ ◆
1 x
lim 1 + =e. (8.642)
x!±• x

Agora seja
1
f (x) = (1 + x) x . (8.643)

Queremos calcular este limite com a substituição u = 1x . No entanto

1
lim u = lim não existe. (8.644)
x!0 x!0 x

Para contornar este problema calculamos isoladamente os limites quando x ! 0+


e x ! 0 . Neste caso
✓ ◆u
1 1
lim (1 + x) x = lim 1 + =e (8.645)
x!0+ u!+• u
e
✓ ◆
1 u
1
lim (1 + x) = lim 1 + x =e (8.646)
x!0 u! • u

Como os limites laterais existem e são iguais,


1
lim (1 + x) x = e . (8.647)
x!0

Por fim temos o limite


ax 1
lim , (8.648)
x!0 x
8.7 Continuidade 123

que é uma indeterminação do tipo 00 . Neste limite fazemos a substituição ax 1=


u, ou ax = 1 + u ou ainda x = loga (1 + u). Assim

lim u = lim (ax 1) = a0 1=0. (8.649)


x!0 x!0

Portanto
ax 1 u 1 1
lim = lim = lim 1 = lim h i.
x!0 x u!0 loga (1 + u) u!0 · loga (1 + u)
u
u!0 log (1 + u) 1u
a
(8.650)

Como a função logarítmica é contínua, podemos passar a operação de limite para


o argumento, isto é,
1 1 1
lim h i= h i= . (8.651)
u!0 log (1 + u)
1
u loga lim
(1 + u)
1
u loga (e)
a u!0

Portanto
ax 1 1
lim = = loge (a) . (8.652)
x!0 x loga (e)
Em particular, se a = e temos que loge (a) = 1 e
ex 1
lim =1. (8.653)
x!0 x
Exemplo 8.60.
Diversos limites podem ser calculados como consequência dos limites funda-
mentais. Por exemplo, se
⇣ c ⌘x
f (x) = 1 + , (8.654)
x
definimos a variável u = xc e

x +• , se c > 0
lim u = lim = (8.655)
x!• x!• c •, se c < 0
Se c > 0,
✓ ◆ ✓ ◆
1 u·c
⇣ c
c ⌘x 1 u
lim 1 + = lim 1 + = lim 1+
x!+• x u!• u u!• u
 ✓ ◆u c
1
= lim 1 + = ec . (8.656)
u!• u
124 Limite e Continuidade

Se c < 0,
✓ ◆ ✓ ◆
1 u·c
⇣ c
c ⌘x 1 u
lim 1 + = lim 1 + = lim 1+
x!+• x u! • u u! • u
 ✓ ◆u c
1
= lim 1 + = ec . (8.657)
u! • u
x
Por fim, se c = 0, a função f (x) = 1 + xc é dada por f (x) = 1x que é cons-
tante e vale 1, portanto
✓ ◆
0 x
lim 1 + = 1 = e0 , (8.658)
x!+• x
Então
⇣ c ⌘x
lim 1 + = ec (8.659)
x!+• x
para todo c real.
8.7 Continuidade 125

8.7.8 Propriedade de funções contínuas


Como já visto, o conceito rigoroso de limite é importante para descrever de
maneira muito bem definida e sem ambiguidade a derivada e a integral de uma
função. Devemos agora enunciar propriedades de funções contínuas importantes
para tal estudo.

Teorema 8.25 (Conservação do sinal).


Seja f uma função contínua no intervalo [a, b]. Seja c 2 (a, b) tal que f (c) 6= 0.
Então existe alguma vizinhança de c na qual a função f possui o mesmo sinal que
f (c).

Demonstração. Suponha f (c) > 0. Como f é contínua em c, para todo e > 0


existe algum d > 0 tal que

f (c) e < f (x) < f (c) + e sempre que |x c| < d . (8.660)

Escolhendo e = 12 f (c), que é positivo, existe então algum d tal que

1 3
0< f (c) < f (x) < f (c) sempre que |x c| < d . (8.661)
2 2
1
No caso f (c) < 0 escolhemos e = 2 f (c) e para este e específico existe algum
d tal que

3 1
f (c) < f (x) < f (c) < 0 sempre que |x c| < d . (8.662)
2 2

Teorema 8.26 (Teorema de Bolzano).


Seja f uma função contínua no intervalo [a, b]. Se f (a) · f (b) < 0, isto é,
f (a) e f (b) possuem sinais opostos, então existe pelo menos um c 2 (a, b) tal que
f (c) = 0.

Demonstração. Suponha f (a) < 0 e f (b) > 0, já que o caso oposto pode ser
provado de maneira idêntica. Seja S o conjunto dos elementos do intervalo [a, b]
para os quais f (x) < 0, ou seja,

S = {x 2 [a, b] | f (x) < 0} . (8.663)

Este conjunto contém o elemento a, portanto ele não é vazio. Além disso, b é um
limite superior de S. Pelo axioma de existência do supremo, existe um número
real c = sup(S).
126 Limite e Continuidade

Queremos provar que f (c) = 0. Existem três possibilidades, f (c) > 0, f (c) <
0 e f (c) = 0. A demonstração consiste em provar que as possibilidades f (c) > 0
e f (c) < 0 implicam uma contradição, restando apenas a possibilidade f (c) = 0.
Se f (c) > 0, pela conservação do sinal existe alguma vizinhança de tamanho
d do ponto c tal que

f (x) > 0 sempre que c d < x < c+d . (8.664)

Portanto nenhum elemento do conjunto S pode ser maior que c d. Em outras pa-
lavras, o ponto c d é um limite superior do conjunto S menor que o seu supremo,
o que contradiz a definição de supremo. Portanto a hipótese f (c) > 0 é falsa.
Se f (c) < 0, também pela conservação do sinal existe algum d tal que

f (x) < 0 sempre que c d < x < c+d . (8.665)

Portanto existem elementos à direita de c para os quais f (x) < 0, ou seja, existem
elementos de S maiores que o seu supremo, o que também é uma contradição.
Assim a hipótese f (c) < 0 é também falsa e a única possibilidade restante é f (c) =
0.

Exemplo 8.61.
Seja

f (x) = x + 2x . (8.666)

Em x = 1 temos f (1) = 1 + 2 = 3 > 0. Em x = 1 temos f ( 1) = 1 + 12 =


1
2 < 0. Como f é contínua no intervalo [ 1, 1], então existe algum ponto neste
intervalo em que f (c) = 0. A equação

x + 2x = 0 (8.667)

é uma equação transcendental. Os métodos algébricos simples não são capazes de


isolar a variável x e normalmente usa-se algum método numérico. Neste exemplo
a raiz ocorre aproximadamente em x = 0.641186.
Exemplo 8.62.
Seja o polinômio f (x) = x3 2x2 x + 2. Calculando o valor da função em
x = 3 e x = 3 encontramos f (3) = 8 e f ( 3) = 40. O teorema de Bolzano
garante a existência de pelo menos uma raiz no intervalo [ 3, 3]. Calculando as
raízes pela fórmula de Cardano encontramos 1, 1 e 2, ou seja, três raízes. O
teorema de Bolzano garante apenas a existência de pelo menos uma raiz, mas não
garante que ela seja única. Devemos utilizar outros métodos para determinar se
existe (ou não) mais de uma raiz da função.
8.7 Continuidade 127

Exemplo 8.63.
f(x) Seja agora f (x) = |x|
x . Podemos calcu-
lar f (1) = 1 e f ( 1) = 1, ou seja, a
função possui sinais opostos em a = 1
e b = 1. No entanto esta função não é
contínua em x0 = 0, portanto ela não é
x contínua no intervalo [ 1, 1], violando as
condições do teorema de Bolzano. E de
fato neste exemplo específico é simples
mostrar que não existe algum x tal que
f (x) = 0.

Teorema 8.27 (Teorema do Valor Intermediário).


Seja f uma função contínua no intervalo [a, b]. Sejam x1 e x2 elementos de
[a, b] tais que f (x1 ) 6= f (x2 ). A função f assume todos os valores reais entre f (x1 )
e f (x2 ) em algum ponto do intervalo (x1 , x2 ) pelo menos uma vez.

Demonstração. Seja K algum valor real entre f (x1 ) e f (x2 ), isto é,

f (x1 ) < K < f (x2 ) se f (x1 ) < f (x2 ) (8.668)

ou

f (x2 ) < K < f (x1 ) se f (x1 ) > f (x2 ) . (8.669)

Definimos a função g(x) = f (x) K no intervalo [x1 , x2 ]. A função g é contí-


nua no intervalo [x1 , x2 ] e

g(x1 ) · g(x2 ) = [ f (x1 ) K] · [ f (x2 ) K] < 0 , (8.670)

pois os termos entre colchetes necessariamente possuem sinais opostos. Pelo teo-
rema de Bolzano existe algum c 2 [x1 , x2 ] tal que g(c) = 0, que implica f (c) K =
0, ou seja, f (c) = K.

O teorema do valor intermediário tem a seguinte interpretação geométrica. Se


f é contínua em [a, b] com f (a) 6= f (b), a curva y = f (x) deve cruzar cada reta
horizontal y = K pelo menos uma vez no intervalo (a, b), para qualquer valor de
K entre f (a) e f (b), como ilustrado na figura a seguir.
128 Limite e Continuidade

y y

f(b)

f(b)

f(a)
K

f(a)
a b x a c b x

Figura 8.10: Uma função cujo gráfico é interrompido viola o teorema do valor
intermediário.

Se por algum motivo o gráfico da curva é interrompido, como na figura 8.10,


de modo que a curva y = f (x) nunca atravesse alguma reta horizontal y = K com
K entre f (a) e f (b), o teorema do valor intermediário foi violado e a função não
pode ser contínua no ponto onde houve a interrupção. Portanto o gráfico de uma
curva representada por uma função contínua deve ser uma linha desenhada sem
interrupções, como as curvas que desenhamos sem tirar o lápis do papel. Por este
motivo chamamos estas funções de funções contínuas.
Teorema 8.28 (Teorema de Weierstrass). Seja f uma função contínua no intervalo
[a, b]. Existem x1 e x2 neste intervalo tais que

f (x1 )  f (x)  f (x2 ) 8x 2 [a, b] , (8.671)

isto é, os valores de f (x) em [a, b] são limitados inferiormente por f (x1 ) e supe-
riormente por f (x2 ).
Demonstração. Primeiro provamos que f é limitada em [a, b], ou seja, que existe
um número real M tal que

| f (x)| < M , 8x 2 [a, b] . (8.672)

Esta prova é feita por contradição. Supomos que f não seja limitada e mostramos
que esta suposição implica uma contradição, logo o oposto da suposição deve ser
verdade.
Se f é ilimitada, para todo M > 0 existe algum elemento do intervalo [a, b] no
qual | f (x)| > M. Seja c o ponto médio do intervalo [a, b], calculado por c = a+b
2 .
8.7 Continuidade 129

Como f é ilimitada em [a, b], f deve ser


a c b x
ilimitada em algum dos dois intervalos
[a, c] ou [c, b]. Seja [a1 , b1 ] o intervalo
b x
a b1
mais à esquerda no qual f não é limi-
tada. Então se f for ilimitada em apenas
a a2 b2 b x um destes dois sub-intervalos, escolhe-
mos este. Se for ilimitada nos dois, es-
a a3 b3 b x
colhemos o mais à esquerda. Este novo
intervalo tem comprimento igual à me-
tade do comprimento do intervalo origi-
a a4b4 b x
nal, isto é, L1 = b 2 a .
Seja c1 o ponto médio do intervalo [a1 , b1 ]. Em algum dos sub-intervalos
[a1 , c1 ] e [a2 , c2 ] a função é ilimitada. Definimod [a2 , b2 ] como o sub-intervalo
mais à esquerda no qual f não é limitada. Este novo intervalo no qual a função é
ilimitada possui comprimento L2 = b22a .
Esta bissecção pode ser repetida quantas vezes quisermos. Após n passos
encontramos um intervalo [an , bn ] de comprimento Ln = b2na no qual a função é
ilimitada. A sequência
a, a1 , a2 , a3 , a4 , . . . (8.673)
forma uma sequência crescente e limitada superiormente pelo número real b.
Como o elemento a faz parte da sequência, este conjunto é não vazio e portanto
possui um supremo a, para o qual a sequência converge, que satisfaz a  a  b.
Como f é contínua em a, existe algum d > 0 para o qual
| f (x) f (a)| < 1 sempre que |x a| < d . (8.674)
Esta desigualdade implica
| f (x)| < 1 + | f (a)| sempre que |x a| < d , (8.675)
ou seja, nesta vizinhança de tamanho d a função é limitada.
Para todo d > 0 é possível encontrar um N grande o suficiente de modo que
✓ ◆
b a b a
LN = N < d =) N > log2 . (8.676)
2 d
Após bisseccionar o intervalo [a, b] um número de vezes maior que N encontra-
mos um intervalo [an , bn ] no qual a função é ilimitada contido na vizinhança de
tamanho d do supremo a na qual a função é limitada. Como a função não pode
ser simultaneamente limitada e ilimitada na vizinhança, chegamos a uma contra-
dição. Então ou a função não é contínua, ou ela é limitada. Provamos assim que
funções contínuas num intervalo fechado são limitadas.
130 Limite e Continuidade

Resta agora provar que o valor máximo da função ocorre em algum ponto do
intervalo [a, b]. Como a imagem da função é um conjunto não vazio e limitado,
sabemos que existe um ínfimo de f (x) e um supremo de f (x), que denotamos
como m e M. Em outras palavras, para qualquer x 2 [a, b] temos que

m  f (x)  M . (8.677)

Queremos provar que existe algum x1 2 [a, b] e algum x2 2 [a, b] para os quais
f (x1 ) = m e f (x2 ) = M. Esta prova também é feita por contradição.
Suponha que não existe x2 que satisfaz f (x2 ) = M. Neste caso a função

1
g(x) = (8.678)
M f (x)

é contínua e positiva no intervalo [a, b]. Logo g deve ser limitada em [a, b], isto é,
existe um C > 0 tal que

g(x) < C , 8x 2 [a, b] . (8.679)

Esta desigualdade implica

1 1 1 1
< C =) M f (x) > =) f (x) > M =) f (x) < M .
M f (x) C C C
(8.680)

O número real M C1 é um limite superior menor que o seu supremo, o que con-
tradiz a própria definição de supremo. Portanto a suposição de que não existe x2 2
[a, b] tal que f (x2 ) = M é falsa, ou seja, necessariamente existe algum x2 2 [a, b]
tal que f (x2 ) = M. O mesmo raciocínio mostra que existe algum x1 2 [a, b] tal
que f (x1 ) = M.

Como consequência deste teorema e do teorema do valor intermediário, a ima-


gem de uma função contínua num intervalo fechado é também um intervalo fe-
chado. É importante que o intervalo no qual a função é contínua seja fechado. A
função f (x) = 1x é contínua no intervalo (0, 1]. Este intervalo viola a hipótese do
teorema de Weierstrass por não ser fechado em 0. E de fato

lim f (x) = +• , (8.681)


x!0+

o que mostra que a função não é limitada superiormente.


8.7 Continuidade 131

Definição 8.11.
O valor máximo M que uma função contínua assume em um intervalo fechado
é chamado de máximo global ou máximo absoluto.
O valor mínimo m que uma função contínua assume em um intervalo fechado
é chamado de mínimo global ou mínimo absoluto.
A diferença entre o valor máximo M e o valor mínimo m em um intervalo é
chamado de oscilação do intervalo.

Teorema 8.29 (Teorema da continuidade uniforme).


Se f é uma função contínua no intervalo fechado [a, b], podemos dividir o
intervalo [a, b] em um número finito de sub-intervalos nos quais a oscilação de
f é arbitrariamente pequena, isto é, para todo e > 0 a oscilação de f em cada
sub-intervalo é menor que e.

Demonstração. Esta demonstração é idêntica à prova do teorema de Weierstrass.


Suponha que o oposto do teorema seja verdade, isto é, que existe um certo e0
positivo tal que ao dividir o intervalo [a, b] em n sub-intervalos, em pelo menos
um deles a oscilação é maior que e0 . Portanto no intervalo [a, b] a oscilação da
função é necessariamente maior que e0 .
Dividimos o intervalo [a, b] em dois sub-
a c b x
intervalos de mesmo tamanho. Em pelo
menos um destes sub-intervalos a osci-
a b1 b x
lação da função é maior que e0 . Defi-
nimos [a1 , b1 ] como o sub-intervalo no
a a2 b2 b x qual a oscilação é maior que e0 . Se isso
for verdade nos dois, escolhemos o mais
a a3 b3 b x
à esquerda. Assim encontramos um in-
tervalo de tamanho L1 = b 2 a no qual a
oscilação é maior que e0 .
a a4b4 b x

Agora dividimos o intervalo [a, b] em 4 sub-intervalos iguais. Em pelo menos


um destes sub-intervalos a oscilação da função é maior que e0 . Destes intervalos,
escolhemos [a2 , b2 ] como sendo o intervalo mais à esquerda. O número real a2
não pode ser menor que a1 , porque se fosse, o intervalo [a1 , b1 ] não seria o sub-
intervalo da divisão anterior mais à esquerda com oscilação maior que e0 . Ou seja,
necessariamente a1  a2 . O comprimento do intervalo [a2 , b2 ] é L2 = b22a .
Agora dividimos o intervalo [a, b] em 8 sub-intervalos de tamanho. Em pelo
menos um deles a oscilação da função é maior que e0 . Escolhemos [a3 .b3 ] como
sendo o mais à esquerda. O ponto a3 não pode estar à esquerda de a2 . Definimos
assim um sub-intervalo [a3 , b3 ] de tamanho L3 = b23a no qual a oscilação da função
é maior que e0 .
132 Limite e Continuidade

Podemos repetir este procedimento quantas vezes quisermos. Após n opera-


ções encontramos um sub-intervalo [an , bn ] de tamanho Ln = b2na no qual a osci-
lação da função é maior que e0 . Além disso a sequência

a, a1 , a2 , a3 , a4 , . . . (8.682)

é não vazia, pois contém o elemento a, crescente e limitada superiormente por b.


Existe portanto um supremo

a = lim an , a 2 [a, b] . (8.683)


n!•

e0
A função f é contínua em a. Escolhendo e = 2 existe algum d > 0 tal que
e0 e0
f (a) < f (x) < f (a) + sempre que |x a| < d . (8.684)
2 2
Nesta vizinhança de tamanho d do ponto a a oscilação da função é
e0 ⇣ e0 ⌘ e0 e0
max{ f (x)} min{ f (x)} < f (a) + f (a) = + = e0 . (8.685)
2 2 2 2
Nesta vizinhança a oscilação da função é menor que e0 .
Se n for grande o suficiente, o tamanho do intervalo [an , bn ] será menor que d.
Basta que
✓ ◆
b a b a
Ln = n < d =) n > log2 . (8.686)
2 d

O intervalo [an , bn ], no qual a oscilação da função é maior que e0 , está contindo


em uma vizinhança de tamanho d no qual a oscilação é menor que e0 , o que é
contraditório. Logo se f é contínua em [a, b], o oposto da suposição deve ser
verdade, isto é, que para todo e > 0 é possível dividir o intervalo [a, b] em n sub-
intervalos nos quais a oscilação da função é menor que e.

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