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EDUCAÇÃO CIENTÍFICA POR MEIO DE CENAS DO CINEMA

EDUCAÇÃO CIENTÍFICA POR MEIO DE


CENAS DO CINEMA
Science education through movies scenes

SANTOS, G. L.
TEIXEIRA, R. R. P.

Recebimento: 06/06/2013 - Aceite: 06/09/2013

RESUMO: Este artigo relata e analisa algumas experiências educacionais


envolvendo a utilização do cinema em sala de aula, como ferramenta peda-
gógica, para alunos do ensino médio de escolas públicas do litoral norte do
estado de São Paulo. Estas experiências se materializaram em apresentações
que utilizam trechos de filmes, sobretudo de ficção científica, relacionados
a conteúdos científicos, como a teoria da relatividade e a teoria da evolução,
com o objetivo de motivar os alunos para se interessarem mais por estes temas,
aguçando a sua curiosidade científica. A metodologia deste trabalho apresenta
as maneiras e as razões sobre como utilizar o cinema como ferramenta didática
na sala de aula. No final do artigo, são apresentados alguns resultados obtidos
com questionários e entrevistas que foram feitos com os alunos que assistiram
às apresentações, de modo a procurar compreender a perspectiva dos alunos
a respeito das estratégias de divulgação científica abordadas. A maioria dos
alunos (57%) relatou que conseguiu compreender as referências científicas e
históricas sobre as cenas de filmes apresentadas.
Palavras-chave: Educação. Divulgação científica. Cinema.

ABSTRACT: This paper reports and analyzes some educational experiments


with the use of movies in the classroom as a teaching tool for high school
students from public schools in the northern coast of São Paulo state. These
experiences involved presentations using film scenes, mostly of science
fiction, related to scientific contents, such as the theory of relativity and the
theory of evolution, in order to motivate students to become more interested
in these subjects, encouraging their scientific curiosity. The methodology of
this paper presents the ways and reasons for using film as a teaching tool in the
classroom. At the end of the article, some results obtained from questionnaires
and interviews that were done with students who attended the presentations
in order to try to understand their perspective about the strategies of science

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communication usedare presented. Most students (57%) reported that succe-


eded in understanding the scientific and historical references about the movie
scenes presented.
Keywords: Edeucation. Science communication. Cinema.

ciências é necessária para fazer com que as


Introdução pessoas adquiram os métodos e as atitudes
típicas das ciências modernas, caracterizadas
pela curiosidade intelectual, dúvida metódi-
Os conteúdos científicos estão em cons-
ca, observação dos fatos e a busca de rela-
tante evolução, assim como a linguagem pela
ções causais, qualidades estas reconhecidas
qual a ciência é apresentada. Com o decorrer
como fazendo parte do desenvolvimento do
dos séculos, a abordagem matemática utili-
espírito crítico e da autonomia intelectual
zada pela ciência começou a se distanciar
dos cidadãos.
bastante da linguagem popular (MORA,
2003). Assim sendo, a maneira de apresentar Para Selbach (2010), o motivo das dificul-
e estruturar a ciência tornou-se cada vez mais dades para melhorar o desempenho do ensino
complexa, formal, hermética e codificada, de ciências está ligado à imensa distância
afastando o conhecimento científico de gran- entre a realidade da ciência apresentada para
de parte da população que não domina as suas o aluno e a própria realidade da vida deste
linguagens específicas. aluno. Deste modo, é fundamental para o
No caso especial da sociedade brasileira desenvolvimento educacional de nossos
atual, existe uma grande desmotivação e jovens, a realização de projetos que os incen-
desinteresse por parte da maioria dos alunos tivem à busca pelo conhecimento científico
do ensino básico por conteúdos científicos e e matemático de maneira a aproximar estes
pela matemática, principalmente nas escolas conteúdos das suas vidas, utilizando uma
públicas. Diversos dados confirmam esta linguagem mais simples e acessível.
afirmação sobre a precariedade do Brasil no A divulgação científica tem justamente
ensino de ciências e de matemática. Segundo este tipo de linguagem mais palatável e
os dados do PISA – Programme for Interna- compreensível para os alunos em geral. A
tional Student Assessment (Programa para a principal questão investigativa proposta por
Avaliação Internacional de Estudantes) que esta pesquisa envolve uma avaliação sobre
foi realizado pela OCDE (Organização para a como é possível utilizar cenas de filmes como
Cooperação e Desenvolvimento Econômico) ferramenta para motivar e introduzir novos
em 2009 e que tem uma metodologia especí- conteúdos científicos. Não é factível ensinar
fica e muito bem estruturada de avaliação da todos os conteúdos científicos e matemáticos
aprendizagem em matemática, em leitura e por meio apenas da divulgação científica, mas
escrita e em ciências para jovens de 15 anos ela pode ser um agente motivador – dentre
de idade, dentre 65 países avaliados, o Brasil outros – vital para viabilizar a aprendizagem
é o 53º quando são analisados os níveis de destes conteúdos.
aprendizagem de ciências e, quando se trata Existem diferentes maneiras para im-
especificamente de matemática, o Brasil é o plementar a divulgação científica na área
57º neste ranking. da educação. É possível aproximar, atrair
Segundo o sociólogo Simon Schwartzman e motivar os estudantes para a ciência por
(MARQUES, 2012), a melhoria do ensino de meio de livros, jogos, peças teatrais, textos,

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filmes, músicas, documentários, palestras, Porém, estes não são os únicos tipos de
entrevistas, etc. Para a realização desta pes- filme existentes; há ainda uma vasta gama
quisa, o cinema foi a maneira escolhida como de outros gêneros cinematográficos como o
agente divulgador da ciência em atividades drama, a comédia, a ação, etc. As obras que
educacionais para estudantes do ensino mé- não foram criadas especificamente para a
dio e, também, do ensino superior. O objetivo utilização na sala de aula, também possuem
principal foi o de estimular a curiosidade um potencial pedagógico para motivar e cola-
científica dos alunos a partir da análise de borar na apresentação dos conteúdos para os
cenas de filmes de ficção científica e de do- alunos. Mais especificamente, a ficção cien-
cumentários. tífica é um gênero cinematográfico que tem
A tela grande do cinema fascina gerações interrelações diretas e interessantes com a
desde 1895, quando ele foi criado: seu poder ciência: é possível, assim, utilizar estes tipos
de prender a atenção do público é muito gran- de filmes para motivar os alunos e introduzir
de. “O espectador nunca vê cinema, sempre conteúdos científicos.
vê filme” (ALMEIDA, 2001): isto mostra que A ficção científica é um gênero literário
os filmes formam, dentro da mente dos es- que desde o seu início está umbilicalmen-
pectadores, mundos cheios de possibilidades. te relacionado à ciência e à tecnologia. A
Mesmo sabendo que toda obra cinematográ- inspiração para produzir filmes de ficção
fica é ficção, a plateia persiste em acreditar científica tem influência direta também no
nela, e é justamente nestes momentos que é desenvolvimento científico: a contrapartida
possível apresentar novos conceitos e ideias da utilização deste gênero cinematográfico
para estas pessoas que estão mais abertas e na educação está justamente no incentivo
receptivas para a aprendizagem, inclusive de para que os alunos desenvolvam uma maior
conceitos científicos. curiosidade pelos conteúdos científicos
O cinema em geral pode ser utilizado (FURTADO, 2011). De certo modo, há um
como uma ferramenta pedagógica válida círculo virtuoso que se quer atingir: o desen-
na sala de aula, pois o fato de ter uma gran- volvimento científico desperta, em autores
de aceitação por parte do público permite literários e em diretores cinematográficos, o
utilizá-lo, também, para trabalhar com con- interesse por produzir obras de ficção cien-
teúdos escolares com os quais os estudantes tífica que quando são lidas e/ou assistidas
geralmente não estão muito motivados pelo público em geral – e pelos jovens em
(NAPOLITANO, 2011). Além disso, há particular – podem intensificar o empenho
alguns gêneros cinematográficos, como, por deste público pela aprendizagem da ciência.
exemplo, os documentários e os filmes edu-
cativos, que possuem a tendência de estarem
mais presentes na sala de aula, talvez porque Metodologia
é mais simples trabalhar com obras que já
foram criadas com o intuito de educar e de O cinema como opção pedagógica
informar. Um exemplo clássico de uma obra permite que o professor vá além da aula
com este objetivo é o filme “Uma verdade “expositiva” tradicional que normalmente é
inconveniente” (2006) que foi produzido utilizada na escola, acrescentando, no leque
pelo ex-vice-presidente dos EUA, Al Gore, de possibilidades, esta prática e introduzindo
com o objetivo explícito de discutir didati- novas maneiras de tratar algumas situações de
camente a questão das mudanças climáticas modo a motivar os alunos, inclusive aqueles
do planeta Terra. com falta de interesse nas aulas. Porém, como

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trabalhar educacionalmente com o cinema dos filmes que tenham um potencial didático
em sala de aula? Apenas passar um filme para propiciar discussões sobre os temas cien-
sem planejamento não resolve o problema tíficos desejados, ao invés de passar os filmes
de motivação e aprendizado, e muitas vezes na íntegra. Quando se seleciona uma deter-
o agrava. minada cena de um filme, se está fazendo
O cinema deve ser utilizado mediante um uma escolha; pode-se dizer que esta seleção
plano didático que aponte as reais motivações implica em uma censura (que implicará em
para a prática proposta. É fundamental, deste qual conteúdo será discutido) ou, até mesmo,
modo, especificar os objetivos de utilizar o ci- em uma mutilação (porque a obra artística
nema na sala de aula, antecipar os resultados cinematográfica, em certo sentido, pode ser
esperados, definir os conhecimentos prévios considerada como um “todo indivisível”).
que o aluno deve ter para assistir ao filme e Porém, o intuito primordial das atividades
pensar nas possíveis discussões para se ter aqui propostas não é o de divulgar a arte ci-
posteriormente com os alunos, relacionando nematográfica, mas sim de aproveitar cenas
o filme com os conteúdos disciplinares. To- de filmes para trabalhar conteúdos científicos
dos estes aspectos são importantes para que em sala de aula. Desta maneira, justifica-se
esta prática não se torne apenas uma maneira a seleção das cenas para a realização deste
de desperdiçar o tempo de aula (NAPOLI- trabalho.
TANO, 2011). Além disto, esta seleção colaborará para
Em certas situações, apenas assistir a que o trabalho educacional mantenha o seu
um filme pode ser útil para o aprendizado foco, pois pela amplitude dos temas abor-
do estudante, mas as probabilidades de isso dados em muitos filmes, é fácil acontecer
ocorrer aumentam quando, além de assisti- de surgirem, por parte dos alunos, as mais
lo, há uma discussão sobre os temas mais diversificadas possíveis questões. Cabe ao
relevantes levantados pela película. Para esta professor, controlar e direcionar o processo
reflexão ocorrer de forma plena, é fundamen- de aprendizagem que deve, obviamente, estar
tal que haja um trabalho prévio e posterior aberto para novas possibilidades temáticas,
baseado no filme e nos conteúdos associados, mas que, para ter eficiência em algum mo-
aumentando o seu impacto e estimulando o mento, tem que se ater a alguns conteúdos
aprendizado do aluno. específicos escolhidos para serem trabalha-
Um grande problema em utilizar filmes dos no momento pedagógico em questão.
na sala de aula envolve a questão sobre o Outro fator que dificulta a utilização peda-
tempo hábil para realizar esta tarefa de modo gógica de filmes inteiros nas salas de aula do
adequado. Um filme qualquer, em média,tem ensino médio, hoje em dia, envolve o cansaço
90 minutos de duração, enquanto uma aula e a inquietação dos alunos depois de certo
comum no ensino público, no ensino médio, período de tempo. Prender a atenção de um
geralmente tem 50 minutos no máximo; aluno do ensino médio durante um filme de
portanto, mesmo que tenhamos duas aulas 90 minutos e depois discutir as suas cenas por
consecutivas para trabalhar com o filme, mais 30 ou 60 minutos é algo muito difícil de
sobraria muito pouco tempo – ou, mais pro- realizar. Após várias apresentações que foram
vavelmente, nenhum – para discutir sobre os feitas durante esta pesquisa, foi observado
conteúdos científicos associados a ele. empiricamente que aquelas que limitavam
Uma opção para contornar este problema seu tempo ao intervalo de 40 a 60 minutos
e utilizar o tempo da aula de modo mais pro- prendiam mais a atenção dos jovens do que
veitoso é apresentar apenas algumas cenas as com mais de 60 minutos de duração.

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Um exemplo prático de um documentá- selecionados com este objetivo. O primeiro


rio que tem os mesmos objetivos gerais da filme intitulado de “O planeta dos macacos”
apresentação proposta neste artigo e que se foi produzido em 1968; o segundo filme
utiliza de recortes de cenas de filmes com trabalhado foi o “remake” de mesmo nome
objetivos analíticos é “O guia pervertido “Planeta dos macacos”, produzido em 2001,
do cinema” (2006), um filme apresentado e pelo diretor Tim Burton; por fim, o terceiro
escrito pelo filósofo esloveno Slavoj Žižek. filme trabalhado foi “Planeta dos macacos –
Esta obra analisa cenas de alguns clássicos a origem”, produzido em 2011 e que conta
do cinema como ponto de partida para uma o princípio da série. Todos os filmes foram
discussão aprofundada sobre conceitos da baseados na obra de Pierre Boulle (2008),
filosofia e da psicologia; as reflexões de Žižek cujo titulo original em francês, “La planète
têm como perspectiva teórica a psicanálise, des singes”, foi traduzido para o português
fundamentando-se em alguns conceitos freu- com o título “O planeta dos macacos” e que
dianos importantes, tais como os de ego, id e foi lançado em 1963.
supergo. A opção dele pelo recorte das cenas Após a escolha dos filmes, foram selecio-
de modo a servirem como “isca” para atrair nadas as cenas que possuíam algum poten-
o público para a relevância de certos temas cial científico e pedagógico que propiciasse
e conceitos, é justificada pelo seu caráter discussões científicas interessantes junto a
didático e explicativo, como é facilmente alunos do ensino médio. Com o objetivo de
possível perceber ao assisti-lo. motivar os jovens para a ciência foram pro-
curadas cenas que aguçassem a curiosidade
Portanto, para trabalhar didaticamente um
destes estudantes por temas como viagem no
filme com o tempo hábil usual dos horários
tempo, evolução, dinossauros, tecnologia e
escolares existentes, foram utilizadas apenas
extraterrestres, que costumam atrair o público
cenas de filmes, e não os filmes na íntegra, e
jovem e que, ao mesmo tempo, contêm um
discutidos, assim, alguns temas da ciência a
grande potencial para serem usados didatica-
partir destes trechos recortados. mente para trabalhar conteúdos científicos.
No transcorrer desta pesquisa, foram Para realizar o trabalho de recorte das
realizadas apresentações em diversas esco- cenas escolhidas foi utilizado um software
las do litoral norte do estado de São Paulo, chamado “Movie Maker”, desenvolvido
utilizando o cinema como um agente divul- pela Microsoft Windows. Este programa
gador da ciência com o objetivo de estimular foi propositalmente escolhido, pois já está
a capacidade de análise sobre os conteúdos inserido no leque usual de ferramentas a
científicos abordados. Para elaborar estas que o professor da rede pública tem acesso,
“aulas” foi necessário criar um método que tornando esta prática bastante factível para
determinasse alguns passos úteis para a as salas de aula.
elaboração de apresentações que se utilizem As cenas escolhidas possuem, em média,
especificamente de cenas de filmes como três minutos, o que se revela empiricamente
motivadoras para a aprendizagem de conte- um tempo ideal para a exibição de cenas que
údos científicos. possam ser discutidas sob o ponto de vista
Após a decisão de trabalhar com filmes de da ciência, pois não são nem tão longas a
ficção científica – até pela sua interface com ponto de cansar o estudante-espectador,
os conteúdos científicos – foi preciso escolher nem tão breves a ponto de não oferecerem
quais as obras que seriam utilizadas. Três fil- informações suficientes, ficando somente na
mes da série “O planeta dos macacos” foram superficialidade das discussões.

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As cenas trabalhadas nesta pesquisa são, nestas cenas. Deste modo, este é um trabalho
em sua maioria, legendadas. Um dos obstácu- interdisciplinar pela sua própria natureza.
los a ser encarado, neste sentido, é talvez uma O produto final deste processo de estru-
negação por parte de alguns alunos de assistir turação de uma “aula” que utiliza pedago-
aos trechos de filmes legendados, visto que gicamente trechos de filmes para motivar
o hábito da leitura vem diminuindo cada vez cientificamente os alunos, foi uma apresen-
mais entre os jovens. Porém, a apresentação tação de slides intitulada “Ciência, Cinema
de um conteúdo atrativo com este pequeno e Macacos”. Ela utilizou cenas recortadas
“contratempo”, a legenda, faz com que seja de três filmes da série “O planeta dos ma-
introduzida a prática da leitura de forma sutil cacos”, assim como cenas de outros filmes,
no cotidiano do aluno. Isto mostra que as para discutir temas importantes da ciência,
legendas não são um obstáculo intransponí- como relatividade, evolução, biodiversidade
vel, dado que não foi apresentada nenhuma
e história do desenvolvimento tecnológico.
reclamação por parte dos alunos referente
aos vídeos legendados que foram exibidos. A apresentação “Ciência, Cinema e Maca-
cos” foi realizada para alunos de uma dúzia
A apresentação foi elaborada na forma
de escolas públicas do litoral norte do estado
convencional de slides, utilizando o progra-
de São Paulo. Para isso foram utilizados al-
ma “PowerPoint”, desenvolvido também pela
guns materiais de multimídia, tais como um
Microsoft Windows. Nesta apresentação,
projetor multimídia, uma tela de projeção,
após uma introdução que explica o traba-
uma caixa de som, um computador e os cabos
lho que será realizado, é iniciada de fato a
necessários para ligar os equipamentos. Na
discussão dos temas enfocados pelas cenas
escolhidas, geralmente em um processo de maioria das escolas públicas do litoral norte
três etapas: um slide para introduzir o trecho de São Paulo visitadas, estes materiais esti-
do filme; um ou mais slides com os trechos de veram presentes de modo que não foi preciso
filmes escolhidos; e, finalmente, outro slide levá-los; este fato indica que pela diminuição
discutindo os assuntos e as referências histó- de custos que ocorre com o desenvolvimen-
ricas, sociais e científicas retratadas por estes to tecnológico, há uma democratização no
trechos. No final, é feita uma reflexão junto acesso a equipamentos eletrônicos neces-
dos alunos, motivando-os para a prática de sários para a realização de apresentações
discutir ciência por meio de cenas de filmes multimídia. A questão fundamental para
em geral, e, sobretudo, de ficção científica, disseminar estes tipos de apresentações didá-
em particular. ticas que resultam em excelentes resultados
educacionais, está, portanto, na motivação
Vale realçar que nestas apresentações
é importantíssimo fazer um trabalho antes do professor que precisa obviamente ter um
e depois de cada cena que é mostrada. É repertório cinematográfico adequado e uma
necessário dialogar com os temas do vídeo boa vontade para realizar tal tarefa.
em questão, antes de exibi-lo, com o intuito Em qualquer trabalho que utilize a divul-
de ambientar os alunos e prepará-los para gação científica é fundamental tomar alguns
os conteúdos que serão apresentados. Após cuidados referentes à linguagem utilizada
cada cena, também deve ser feito um traba- para explicar os conteúdos científicos enfoca-
lho de discussão, porém agora, analisando dos; este trabalho tenta aproximar e traduzir
didaticamente os conteúdos científicos que os conteúdos científicos para a realidade dos
aparecem e aproveitando também os conte- estudantes, mas sem trair os seus fundamen-
údos históricos e sociais que estão presentes tos teóricos.

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Para a análise dos efeitos que esta meto- Figura 1 – Porcentagens de alunos que forneceram diferen-
tes respostas à pergunta: “Você gosta de ciências?”
dologia tem sobre os aspectos educacionais,
foram elaborados, como sistema para coleta
de dados: um questionário com dez questões
específicas sobre os temas e as cenas abor-
dados durante algumas apresentações e um
roteiro de entrevista com algumas questões
qualitativas.

Resultados Obtidos

O questionário elaborado para avaliar a O questionário elaborado perguntou aos


apresentação “Ciência, Cinema e Macacos”, alunos sobre seus hábitos em relação a filmes
foi respondido por uma amostra de alunos de e livros de ficção científica. Com relação à
quatro escolas públicas do litoral norte de São pergunta sobre com que frequência a pessoa
Paulo, durante o primeiro semestre de 2012. pesquisada costuma ver filmes de ficção
Estes questionários sempre foram respondi- científica, 16% dos pesquisados responderam
dos após a realização de cada apresentação. que muitas vezes assistiam tais filmes, 36%
Os questionários foram respondidos por às vezes assistiam tais filmes, 39% poucas
400 pessoas, com o público feminino (56,8%) vezes assistiam tais filmes e 9% nunca as-
superando o masculino (43,2%). Estes dados sistiam tais filmes. Para a pergunta sobre
a frequência com que a pessoa pesquisada
são compatíveis com levantamentos realiza-
costuma ler livros de ficção científica, 5%
dos pelo INEP (Instituto Nacional de Estudos
responderam que leem tais livros com grande
e Pesquisas Educacionais), durante o Censo
frequência, 20% responderam que os leem às
Escolar de 2003, segundo o qual 56,3% dos
vezes, 31% responderam que poucas vezes
concluintes e 54,2% das matrículas do en-
leem tais livros e 44% responderam que
sino médio em nosso país são de mulheres.
nunca leem livros de ficção científica. Isto
A média de idade do público presente foi de
corrobora a afirmação de Furtado (2011) de
19,5 anos com um desvio padrão de 8,4 anos
que em termos de impacto, tanto escritores
(incluindo os dados recolhidos de quatro
quanto estudiosos veem o cinema de ficção
apresentações feitas para turmas do ensino
científica como uma força mais poderosa do
técnico e superior do campus de Caraguatatu-
que a literatura do gênero.
ba do Instituto Federal de Educação, Ciência
e Tecnologia de São Paulo). Nos questionários, as pessoas relataram
que gostam de cinema, um resultado que foi
A Figura 1 revela que apenas 7% dos
praticamente unânime e que revela a força
estudantes pesquisados informaram que
que a indústria cinematográfica tem na so-
não gostam de Ciências, contra 48% que
ciedade atual: a escola tem que, de algum
gostam e 45% que gostam mais ou menos
modo, lidar e dialogar com esta realidade,
de disciplinas científicas: estes números, es-
utilizando-a em prol da efetividade dos pro-
sencialmente positivos, podem ser um fruto
cessos educacionais e educando o aluno para
desejado do impacto da própria apresentação
que consiga adquirir uma consciência crítica
que tinha justamente o objetivo de motivar o a respeito dos filmes que escolhe ver. Mas
público para a ciência.
mesmo assim, ao serem perguntados sobre o

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que mais chamou a atenção na apresentação, Figura 3 - Porcentagens de alunos que forneceram diferen-
tes respostas à pergunta: “Você conseguiu compreender as
65% das pessoas responderam que foram os referências científicas e históricas sobre os filmes citados
comentários científicos feitos, contra 31% durante a apresentação?”
que responderam que foram as cenas dos
filmes e 4% que escolheram a opção “outros”
(Figura 2). Este pode ser considerado um
resultado bastante positivo deste trabalho,
tendo em vista a força e o impacto que as
cenas dos filmes apresentados trazem. Adi-
cionalmente, 44% das pessoas acharam as
referências científicas e históricas fáceis de
compreender, 47% acharam que as referên-
cias tinham dificuldade média e, apenas 9%,
acharam as referências difíceis. Se levarmos
em conta que discutimos temas difíceis e anti- Também foram realizadas algumas entre-
intuitivos, envolvendo, por exemplo, a Teoria vistas com alunos que assistiram à apresen-
da Relatividade e a Teoria da Evolução, estes tação, com o objetivo de questioná-los sobre
também são dados bastante significativos. seus pontos de vista para tentar compreender
a perspectiva dos alunos sobre os temas tra-
Figura 2 - Porcentagens de alunos que forneceram diferen- balhados. Perguntamos aos alunos, de modo
tes respostas à pergunta: “O que mais lhe chamou a atenção
na apresentação?”
genérico, sobre o que mais os atraia na ciên-
cia e na matemática. As respostas foram as
mais variadas possíveis; entretanto, algumas
delas se destacaram.
Um aluno respondeu do seguinte modo:
“Pra falar a verdade, a matemática faz parte
também da ciência, tudo é ciência. Por que na
ciência se você vai beber um copo da água,
ali é ciência; acho que tudo isso é interessan-
te”. Um dos objetivos da apresentação era
exatamente o de mostrar que a ciência está
presente e disseminada em todos os lugares:
as cenas dos filmes que foram trabalhadas
apontam neste sentido. Um outro estudante
O fato de gostar dos comentários feitos e respondeu: “Eu gosto de matemática porque
achá-los fáceis não significa que as pessoas ela trabalha com os números, é interessante
de fato os entenderam. Mas, como mostra a porque você trabalha bastante com a mente
Figura 3, 57% das pessoas do público respon- quando você esta calculando”.
deram “sim” quando foi perguntado se elas Este comentário destaca o aspecto do ra-
“conseguiram compreender as referências ciocínio mental privilegiado pela matemática
científicas sobre os filmes”, contra 42% que que procura padrões numéricos e geométricos
responderam “mais ou menos” e apenas 1% na natureza, assim como ocorreu em nossa
das pessoas pesquisadas responderam que pesquisa no que diz respeito a certos padrões
não tinham compreendido as referências e temas existentes nas cenas cinematográficas
científicas feitas durante a apresentação. trabalhadas.

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A realidade da sala de aula mostra que, deve respeitar métodos e regras para ser acei-
grosso modo, há uma distribuição gaussiana ta pela comunidade científica. Finalmente, na
em relação ao desempenho dos alunos em escola, a denominada transposição didática
geral, com uma grande parte deles tendo um dos saberes segue regras específicas que
desempenho mediano, enquanto uma peque- permitem tornar os conhecimentos e conte-
na fração deles apresenta um desempenho údos acessíveis aos alunos: este, em suma, é
muito ruim e outra pequena fração apresenta o papel da didática. A utilização de cenas de
um desempenho acadêmico muito bom. filmes no processo educativo e as discussões
Todo professor, portanto, em sala de aula, e reflexões decorrentes permitem compre-
se vê diante do dilema a respeito de como ender melhor diversos conceitos da ciência,
trabalhar com a diversidade “tríplice” em como os resultados deste trabalho indicam.
sala de aula, de modo a não perder nenhum Muitos dados apontam que as pesquisas
dos alunos. Esta talvez seja uma das maiores sobre educação científica no Brasil têm se
dificuldades dos professores no processo de intensificado com o tempo, mas que infeliz-
ensino-aprendizagem. O uso do cinema pode mente elas ainda têm pouco alcance nas po-
ser uma ferramenta adequada para superar líticas públicas e apresentam uma aplicação
este dilema, visto que a motivação produzida muito reduzida nas escolas (MARQUES,
pelas cenas transcende as diferenças de de- 2012). A presente investigação objetivou
sempenho acadêmico dos estudantes dentro justamente superar esta situação, pois se
das salas de aula. tratou no seu âmago, de uma verdadeira
Isto foi destacado por um outro aluno que pesquisa-ação.
comentou que as cenas dos filmes fizeram O cinema está quase onipresente na so-
com que os alunos, em geral, prestassem ciedade contemporânea, influenciando os
mais atenção no assunto da apresentação, padrões de comportamento da sociedade
comportamento este que foi empiricamente em geral. Entretanto, a utilização de cenas
observado em todas as escolas onde ocorre- de filmes como agentes motivadores para a
ram estas apresentações. aprendizagem de conceitos científicos ainda é
empregada de forma tímida pelos professores
destas disciplinas. No decorrer da realização
Considerações finais desta pesquisa, ficou evidente que há um
grande leque de possibilidades para pesquisas
A ciência está sempre evoluindo, em que tenham o seu foco na interrelação entre
diferentes graus de velocidade, e está sendo o cinema e a educação científica.
constantemente construída e reconstruída A apresentação “Ciência, Cinema e Ma-
pelos seres humanos. O conceito de trans- cacos”, que foi construída ao longo desta
posição de saberes foi fundamentado pelos pesquisa, procurou utilizar ferramentas au-
franceses e decorre justamente do processo diovisuais às quais os professores das escolas
de transformação e evolução de um saber em públicas geralmente têm acesso, como é o
outro saber: no âmbito da ciência, trata-se caso de softwares gratuitos e de fácil aces-
justamente do desenvolvimento histórico dos so, aproximando-se assim, da realidade do
conceitos científicos. Este processo na ciên- professor e mostrando a sua viabilidade. Os
cia está intimamente ligado à evolução das resultados alcançados foram tão interessantes
ideias em geral e ao incremento na produção e positivos que esta apresentação continua
intelectual da humanidade (PAIS, 2008). No sendo realizada para escolas públicas do
caso dos saberes científicos, esta transposição litoral norte do estado de São Paulo, sempre

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com o objetivo de motivar e aproximar o científica dos alunos em geral, aumentando o


estudante da ciência. interesse dos jovens para a ciência, de modo
As respostas dadas aos questionários a melhorar o desempenho nas disciplinas
mostram que um trabalho didático que utiliza científicas e também atrair possíveis talentos
cenas de filmes e de documentários pode con- para a carreira científica.
tribuir, significativamente, com a formação

AGRADECIMENTOS
Agradecemos ao IFSP pela bolsa de iniciação científica institucional concedida a Gabriel
Lúcius dos Santos.

AUTORES
Gabriel Lúcius dos Santos - Aluno do curso de Licenciatura em Matemática. Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo – Campus: Caraguatatuba (IFSP-Caraguatatuba).
E-mail: glsketch@gmail.com
Ricardo Roberto Plaza Teixeira - Professor Doutor do curso de Licenciatura em Matemática.
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo – Campus: Caraguatatuba
(IFSP-Caraguatatuba). E-mail: rrpteixeira@bol.com.br

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, M. J. Imagens e sons: a nova cultura oral. São Paulo: Editora Cortez, 2001.
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