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U M C E N Á R I O DE I N C E R T E Z A S *
Este eistudo foi elaborado para apresentação no seminário O Processo Brasileiro de Urbani-
zação; Diagnóstico Global, organizado pelo Ministério das Relações Exteriores, em Belo
Horizonte, e m 30 e 31 de março de 1995.
Professora Adjunta do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR) da
UFRJ e Pesquisadora do CNPq.
O autor agradece a ajuda recebida, na elaboração deste texto, da Geógrafa Cátia Antônio da
Silva, pesquisadora do projeto Novas Tecnologias no Espaço Metropolitano: Questões da Saúde
e d o Trabalho"(CNPq/FINEP),dasbibliotecáriasdo IPPUR da UFRJedo IBGE, pela pemianente
disponibilidade na busca de textos atualizados e informações, e, ainda, com especial ênfase, o
conhecimento das condições da vida urbana no Brasil que tem sido propiciado pelos compa-
nheiros e colegas do Fórum Nacional pela Reforma Urbana da Associação Nacional de
Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (ANPUR).
A reflexão atualizada da urbanização brasileira exige o enfrentamento de
obstáculos novos que se somam àqueles reconhecíveis nos temas amplos e
complexos. A realidade contém, efetivamente, os efeitos de fenômenos recen-
tes ou ainda em curso, como os associados ao intenso movimento de reestru-
turação da economia no plano mundial - - c o m forte poder de interferência nos
circuitos positivos e, portanto, na divisão social e temtoríal do trabalho no País
(STORPER, 1990) — e aqueles articulados ao indefinido ténnino da transição
política brasileira, no qual as intenções de reforma da Constituição, se concreti-
zadas, introduzirão mudanças substanciais na natureza da esfera pública e,
portanto, nas históricas relações Estado-Urbano.
Essa frente de fenômenos novos, expressiva de vínculos cada vez mais
intensos e ágeis entre as escalas internacional e nacional, praticamente tem
tido a totalidade das nossas preocupações com o futuro, dividindo opiniões e
expectativas e, assim, deixando pouco espaço para uma discussão mais
consistente e informada sobre o desafio representado pelas cidades brasilei-
ras. Afinal, tal discussão, para ser concretamente positiva, exige o reco-
nhecimento simultâneo tanto das tendências antes citadas quanto de suas
interações com especificidades regionais e locais.
Além disso, a crescente difusão de informações sobre as mudanças na
economia tem significado um olhar dirigido de forma quase exclusiva para as
questões — d e importância indubitável — relativas à expansão do mercado de
bens e serviços e às formas de financiamento do Estado. Esse olhar unidire-
cional favorece, porém, o ocultamente das bases especiais e sociais do próprio
desenvolvimento econômico, tendendo a transformar a política econômica —
e sobretudo financeira — na totalidade da política.
A contraface dessa tendência manifesta-se na corrente redução da ética
à moral, ou seja, o princípio básico da correção nos atos pessoais tem sido
acionado, pelo discurso político e pela mídia, não em reforço, mas, sim, como
substituto da busca de respostas adequadas ao repto civilizatório repre-
sentado pelo urbano brasileiro. Existiria hoje, assim, falta de mobilização
social e política no tratamento da face estrutural e institucional das questões
urbanas — sua não-articulação a projetos de desenvolvimento econômico e
social consistentes —, o que transformaria as cidades, principalmente as
metrópoles, em palcos para ações emergenciais e transitórias desarticuladas
de projetos e de estratégias de longo curso.
Essa redução não contribui para a conquista coletiva de um nível de
urbanidade, isto é, de amadurecimento das relações políticas e sócio-culturais
no urbano, compatível com o agudo grau de urbanização alcançado pelo País
nas últimas décadas. Ao contrário, talvez possamos dizer que é sobretudo na
qualidade da vida urbana, em suas condições materiais e sociais, que mais
clara e rapidamente pode ser apreendida a incongruência histórica do desen-
volvimento brasileiro, expresso num hibridismo entre formas e práticas sociais
reprodutoras de padrões intemacionais de consumo e exclusões radicalizadas,
Com a última observação, salientamos o fato de que a ausência de projetos
para o urbano sujeita a sociedade brasileira, atualmente, aos riscos de adesão a
impulsos de inovação — tantas vezes caros e comprometedores do futuro —
que a transformam num espelho reduzido de tendências internacionais poten-
cialmente passageiras. Possibilidade esta exemplificável nos poucos edifícios
pós-modernos, com suas fachadas simbolicamente deformantes. Compor-
tamentos escassamente criativos, ou mesmo miméticos, tenderiam, nesse sen-
tido, a prejudicar a descoberta de saídas para a crise econômica e social
extensíveis aos enormes contingentes populacionais concentrados nos espaços
urbano-metropolitanos do Pafe.
Os riscos de fi-agmentação do teddo urbano material e imaterial (sócio-cultural),
portados pelas fonnas contemporâneas de valorização capitalista, têm cJiamado
fortemente a atenção de estudiosos dos pafees capitalistas centrais. Naturalmente,
tais riscos são ainda muito mais graves nos pafees periféricos ao sistema mundial,
nos quais sucessivos processos de modemização deixaram as marcas de sua
parcialidade—fragilidade e incompletude — no espaço e na sociedade.
Como articular processos anteriores e atuais de modernização em busca
de coerência e de ampliação da justiça social na cidade? Como evitar novas
e mais amplas cisões espaciais e a agudização da desigualdade social? Estas
são perguntas particularmente significativas no atual contexto de incertezas,
mas também frente à crescente consciência dos males sociais redundantes de
modelos de modernização que, historicamente, foram incapazes de propor
uma vida urbana realmente enriquecedora e expressiva da construção de uma
totalidade social culturalmente diversificada e, portanto, plural e democrática.
Afinal, as marcas da exclusão social na materialidade urbana-metropoli-
tana podem ser consideradas muito mais estmturais do que conjunturais, isto
é, como demonstrativas das desigualdades sócio-territoriais que têm origem
na forma histórica de realização da sociedade de classes no Brasil. Na
constituição dessa sociedade, não devem ser omitidos fatores culturais e
ideológicos legitimadores da segregação e da subalternização de matrizes
culturais e de vastas camadas sociais.
É face a essa bagagem histórica que as atuais propostas de cunho
neoiiberai surgem como ameaças particularmente graves à integração social.
Nesse sentido, Norbert Lechner (1990), ao examinar o caso chileno, levanta
questões pertinentes à totalidade do contexto latino-americano: como enfrentar
as ameaças de aumento dos níveis de exclusão, portadas pelos atuais projetos
de modernização, em realidades sociais com intensos déficits de modernidade,
isto é, de racionalidade normativa nas relações econômicas e sociais? Ou,
ainda, como enfrentá-las numa ordem segmentada, onde as políticas pro-
postas se limitam à manutenção mínima dos contingentes populacionais
excluídos, mas não à sua integração?
As indagações desse autor poderiam ser reproduzidas, com pertinência, em
relação à distância sócio-cultural, antes referida, entre intensidade do processo
de urbanização e carência de urbanidade. Desafio complementar surge, por um
outro ângulo de observação, das palavras de Marcus André B. C. de Melo (1990,
p.178-179):
"O diagnóstico implícito nas novas propostas era de que a 'divida social'
do País resultava do padrão vigente — 'burocrático-autoritário' — de
políticas públicas, caracterizado porburocratização excessiva, centrali-
zação decisória, caráter privatista-excludente e pemrieabílidade a inte-
resses empresariais" (MELO, 1993, p.121).
(continua)
Tabela 2
Norte 166 40 0
Rondônia 7 41
Acre 20 22
Amazonas 44 62
Roraima 2 8
Pará 83 128
Amapá 5 11
Tocantins 123
Nordeste 377 559
Maremhao 130 136
Piauí 114 148
Ceará 141 184
Rio Grande do Norte 150 154
Paraíba 171 179
Pernambuco 164 177
Alagoas 94 100
Fernando d e N o r o n h a 1
Sergipe 76 75
Bahia 336 415
Sudeste 410 533
Minas Gerais 722 756
Espírito Santo 54 71
Rio de Janeiro 64 81
São Paulo 571 625
Sul 725 058
Paraná 296 371
Santa Catarina 197 260
Rio Grande do Sul .. 232 427
Centro-Oeste 333 437
Mato Grosso do Sul 55
80
53
Mato Grosso 120
223
Goiás 236
1
Distrito Federal .. . 1
POPULAÇÃO
DISCRIMINAÇÃO TOTAL POPULAÇÃO POPUIÍAÇÃO URBANA
RURAL URBANA POPULAÇÃO
TOTAL
(%)
Brasil 146 917 459 36 041 633 110 875 826 75,47
Norte 10 257 266 4 325 699 5 931 567 57, 83
Rondônia 1 130 874 472 702 658 172 58,20
Acre . 417 165 159 130 258 03S 6 1 , 85
Amazonas 102 901 601 094 501 807 71,42
Roraima 215 950 76 484 139 466 64,58
Pará 181 570 2 571 79 3 609 777 50,37
Ainapá . 288 690 55 175 233 515 80, 89
Tocantins 920 116 389 321 530 795 57, 69
Nordeste 470 225 16 716 870 25 735 355 60,64
Maranhão 929 029 2 957 021 1 972 008 40,01
Piaui 581 215 1 214 997 1 366 218 59,93
Ceará 6 362 620 2 204 561 4 158 059 65,35
Rio Grande do Norte 2 414 121 745 956 1 668 165 69,10
Paraíba 3 200 677 1 149 101 2 051 576 64,10
Pernambuco 7 122 548 2 076 013 5 046 535 7 0 , 85
Alagoas 2 512 991 1 031 866 1 481 125 58,94
Sergipe 1 491 867 489
927 1 001 940 67,17
Bahia 11 855 157 4 847
428 7 007 729 59,11
Sudeste 62 660 700 7 511
263 55 149 437 88, 01
Minas Oerais 15 731 961 3 955
42 3 11 776 538 74, 86
Espírito Santo . . . . 2 598 505 675
677 1 922 828 74, 00
1970-80
Norte
Rondônia 1 130 874 1,80 7,84 2,03 4,71
417 165 3,39 2,99 1,98 2,37
Acre
2 102 901 4,12 3,57 0,92 1,36
Amazonas
215 950 6,82 9,55 0,34 0,96
Roraima
4,67 3,87 2,78 4,22
Pará 5 181 570
4,35 4,62 1,26 2,03
amapá 288 690
2,02 3,32
Tocantins 920 116
Nordeste
Maranhão 4 929 029 2,93 1,91 12,33 15,12
2 581 215 2,44 1,72 8,53 10,27
Piauí
6 362 620 1,95 1,68 36,06 43,82
Ceará
2 414 121 2,04 2,20 35,83 45,41
Rio arande do Norte
3 200 677 1,52 1,31 49,18 56,78
Paraíba
7 122 548 1,75 1,35 62,55 72,32
Pernambuco
2 512 991 2,26 2,16 71,88 90,76
Alagoas
1 491 867 2,39 2,46 51,92 68,24
Sergipe '
11 855 157 2,35 2,04 16,88 20,91
Bahia
sudeste
MLnas Qerais 15 731 961 1,54 1,48 22,99 27,00
Espírito Santo . . . . 2 598 505 2,38 2,30 44,38 56,83
CRESCIMENTO ANUAL
CAPITAIS POPULAÇÃO 19 91
1970/80 1980/91
^ ^ 6 8 1 4'. ',47
Natal 606 681
Palmas 24 261 •
Porto Alegre 1 263 239 2,43 l.,Ob
Porto Velho 286 471 4,77 7,1b
Recife 1 296 995 1,27 0.66
Ri^Branco-: 196 871 3.38 4.8
Rio de Janeiro ... 5 473 909 1,81 0-4^
salvador 2 072 058 4.08 2.95
Sao LUÍS 695 199 5.41 4,05
s a o Paulo 9 626 894 3.67 1,00
Teresina 698 411 • 5. 53 4,27
Vitória 258 243 4.56 2.00
FONTE: IBGE.
Tabela 7
NÚMERO PERCENTUAL
DX8CRIMIHAÇ%0 DE PAVE- DOMICÍIilOS NOS OCUPADOS NAS DE DOMICÍLIOS
WíB (1) MtJNlCÍPIOS FAVEU^ EM RELAÇÃO AO
MUNICÍPIO
SANTOS, Milton et al. orgs (1993). O novo mapa do mundo: fim de século
e globalização. São Paulo: Hucitec/ANPUR.
SANTOS, Milton (1988). Metamorfoses do espaço habitado; fundamentos
teóricos e metodológicos da geografia. São Paulo: Hucitec.
SANTOS, Milton (1990). Metrópole corporativa fragmentada: o caso de São
Paulo. São Paulo: Nobel/ Secretaria de Estado de Cultura.
SANTOS, Milton (1993). A urbanização brasileira. São Paulo: Hucitec.
SANTOS, Milton et al. (1994). Território: globalização e fragmentação. São
Paulo: Hucitec/ANPUR
Abstract
The essay íntends to defend the necessity of a socially acepted new
ideal for brazilian urban development. This ideal should include criticai
constríbutions aiready done to some aspects of the previous moderni-
zation projects and its social and spatial consequences. The diffusion of
this new ideal is considered as being speciaily relevant in reason of the
recognized gap between urbanization degree and urbanity leveis at daily
social relationships and political life. In supportof that analitical perspec-
tive the essay puttogethersome data about actual institutional and estruc-
tural limits to named urban cooperation.