Você está na página 1de 10

1807

Da utilização do preservativo masculino à prevenção de DST/aids

ARTIGO ARTICLE
From condom use to prevention of STD/AIDS

Valéria Silvana Faganello Madureira 1


Mercedes Trentini 2

Abstract Men´s attitudes were investigated re- Resumo O objetivo deste estudo foi analisar as
garding the condom use in heterosexual inter- atitudes de homens referentes ao uso do preserva-
course. The study was characterized as secondary tivo masculino nas relações heterossexuais e se ca-
analysis of part of wider research aiming to un- racteriza como análise secundária de parte de uma
derstand power in heterosexual intercourse from pesquisa de maior amplitude que teve o propósito
the man´s perspective. The secondary analysis de compreender o poder nas relações de casais he-
proposed to analyze research data obtained and terossexuais a partir da perspectiva do homem. A
analyzed in a previous study to answer questions análise secundária propõe examinar dados de pes-
other than those contained in the original study. quisa obtidos e analisados num estudo prévio para
Ten men from west Santa Catarina took part in responder questões diferentes das do estudo origi-
the original study; for the present study the data of nal. Do estudo original participaram dez homens
participant identification, the group discussion and do oeste de Santa Catarina. Para o presente estudo,
the interview of the original study were used. The foram usados os dados de identificação dos partici-
data analysis comprised reading all the informa- pantes, bem como dados gerados nas discussões do
tion, extracting common reports, grouping codes grupo e das entrevistas realizadas no estudo origi-
according to their nature; category formation. The nal. A análise dos dados consistiu em leitura de
results showed men´s attitudes in the following todas as informações; extração dos relatos comuns;
categories: condom only to prevent pregnancy; agrupamento dos códigos de acordo com sua natu-
condom with the wife denotes cheating; the con- reza e formação de categorias. Os resultados mos-
dom should be used when ‘out’; I have never used traram atitudes dos homens em relação às seguin-
a condom; safe sex. In STD/AIDS prevention, as- tes categorias: preservativo somente para evitar
pects linked to beliefs, myths, health stereotypes gravidez; preservativo com a esposa denuncia trai-
and the characteristics of man-woman relation- ção; o preservativo deve ser usado “fora de casa”;
ships become entwined. nunca usei preservativo; sexo seguro. Na preven-
Key words Sexually transmitted diseases, Con- ção de DST/aids, emaranham-se aspectos vincu-
1
dom, Sexual intercourse, Prevention, Men lados às crenças, aos mitos, aos estereótipos em saúde
Universidade do
Contestado. Rua Victor e às características dos relacionamentos homem-
Sopelsa 3000, Bairro Salete. mulher.
89700-000 Concórdia SC.
Palavras-chave Uso do preservativo, Relações se-
val@uncnet.br
2
Universidade Federal de xuais, Homens, Prevenção, DST/aids
Santa Catarina.
1808
Madureira, V. & Trentini, M.

Introdução Respostas a essa situação incluíram um vas-


to investimento público em iniciativas de pre-
Na vida sexual e reprodutiva, o preservativo venção por todo o território nacional que proli-
masculino é um recurso disponível a homens e feraram a partir da na década de 1990 e nas quais
mulheres que atende à dupla função de proteção a promoção do uso do preservativo ocupava po-
contra a gravidez e contra doenças sexualmente sição central. É importante, entretanto, não su-
transmissíveis (DST), dentre as quais a aids. por que o quadro descrito esteja associado à fal-
Mesmo assim, são comuns as resistências explí- ta de informação; ao contrário, observa-se que
citas ou veladas ao seu uso tanto por parte de ela existe, mas que não se traduz em aplicação
homens como de mulheres. prática para prevenção, o que é coerente com o
Da mesma maneira, os próprios profissio- observado por Monteiro2. Dessa situação, sur-
nais da saúde podem não o indicar em função de giu a necessidade de conhecer o modo de pensar
vários elementos como, por exemplo, a visão de e agir de homens heterossexuais em relação ao
que a gravidez acontece no corpo feminino, o uso do preservativo. Para isso, foi delineado este
que torna a contracepção um encargo das mu- estudo, que se propõe estudar as atitudes de ho-
lheres e a compreensão de que o preservativo é mens do oeste de Santa Catarina sobre o uso do
um recurso masculino a ser recomendado para preservativo masculino em relações conjugais e
homens. Aqui, é importante considerar a cisão extraconjugais.
comumente observada nos programas de saúde,
que fragmenta a atuação profissional e desvin-
cula a contracepção da prevenção de DST/aids, Metodologia
embora ambas integrem o campo da saúde se-
xual e reprodutiva. Este estudo se caracteriza como análise secundá-
Além disso, a política de controle populacio- ria de um corte da tese de doutorado desenvolvi-
nal em voga no Brasil em passado recente privi- da anteriormente, que teve o propósito de com-
legiava métodos direcionados à mulher que dis- preender o poder nas relações de casais heteros-
pensavam a participação masculina, o que resul- sexuais a partir da perspectiva do homem3. Das
tou em declínio nas taxas de fecundidade e na informações obtidas no estudo original, apenas
marginalização dos métodos de barreira (como as relacionadas ao uso do preservativo nas rela-
o preservativo), que dependiam da colaboração ções heterossexuais foram analisadas no presen-
do homem. Disso derivou o que Barbosa1 deno- te estudo.
mina de cultura contraceptiva, ou seja, idéias e O método de análise secundária propõe ana-
práticas adversas às mudanças de comportamen- lisar dados de pesquisa obtidos e analisados num
to sexual que a epidemia de aids solicita. estudo prévio, o que pode ser feito pelo pesqui-
Entretanto, a eclosão dessa epidemia nas dé- sador do estudo original ou por outros. Este mé-
cadas de 1980 e 1990 evidenciou o uso do preser- todo é utilizado para responder questões dife-
vativo como forma de proteção mútua dos par- rentes daquelas estabelecidas no estudo original,
ceiros, solicitando a inclusão do homem nas de- ou então, para responder às mesmas sob outro
cisões da vida sexual e reprodutiva do casal e ponto de vista e/ou utilizando outros métodos e
valorizando a participação dele. O comporta- técnicas de análise ou outro referencial4.
mento sexual do homem foi repentinamente co- Thorne5 indica cinco modalidades de investi-
locado no centro das atenções, acompanhado de gação em que uma análise secundária pode ser
grande valorização do preservativo no controle feita: 1) expansão analítica: o investigador faz uso
da epidemia, apesar da longa prática de focaliza- adicional da base de dados original para respon-
ção na mulher e das crenças relacionadas ao pre- der perguntas em nível diferente de análise do
servativo, que contribuíam para que o seu uso estudo original ou para formular novas ques-
fosse dispensado. tões; 2) interpretação retrospectiva na qual a base
A naturalização do papel da mulher na con- de dados se amplia para considerar novas ques-
tracepção e da pouca participação masculina na tões que foram planejadas, mas não examinadas
mesma, aliada à resistência disseminada ao uso com profundidade no estudo original; 3) indu-
do preservativo delineava um quadro nada alen- ção de apoio: os pesquisadores se fundamentam
tador para a prevenção de DST/aids, agravado melhor no desenvolvimento da teoria do que no
pela cisão entre a atenção ao planejamento fami- compromisso com o fenômeno estudado, po-
liar (especialmente para mulheres) e a atenção as dem aplicar métodos indutivos de análise de tex-
DST (especialmente para homens e prostitutas). to, tais como a investigação hermenêutica, ao
1809

Ciência & Saúde Coletiva, 13(6):1807-1816, 2008


conjunto de dados existentes; 4) amostra ampli- Preservativo somente para evitar gravidez
ada, com a qual se pode gerar teorias mais am-
pliadas comparando várias bases de dados dis- . Eu uso preservativo nos intervalos do com-
tintas e teoricamente representativas; 5) interva- primido.
lidação na qual os dados originais são amplia- . Uso mais para evitar filho, porque pelas doen-
dos para confirmar ou descartar resultados e ças, pela aids, eu sei que não pego, porque não sou
sugerir padrões além do poder da amostra estu- desses que sai por aí dando sopa para todo mundo.
dada no estudo original. O presente estudo se . Não há necessidade de usar porque eu não
enquadra nas modalidades descritas nos núme- tenho nenhuma aventura externa.
ros 1 e 2. . 90 a 95% dos homens só usam em casa se a
Do estudo original, participaram dez homens mulher não pode tomar pílula ou se tem algum
do oeste catarinense que viviam relações afetivo- problema que precisa usar.
sexuais duradouras, conviviam com suas par- . Acho que até a mulher tem dificuldade para
ceiras e tinham filhos. A idade dos participantes aceitar o preservativo se ela for normal e puder
variou de 24 a 45 anos e o tempo de casamento tomar comprimido.
de dois a 23 anos. Dos dez participantes, dois
tinham formação superior, sete, formação mé- Preservativo com a esposa
dia e um, formação básica. O número de filhos põe em dúvida a confiança
variou de um a dois. As informações foram ob-
tidas em discussões de grupo (seis encontros) e . É difícil para um homem com muitos anos de
entrevistas individuais (duas com cada homem), casado começar a usar camisinha. O que ele diz?A
tendo a pesquisa convergente-assistencial6 como esposa vai pensar que ele tem alguma coisa fora de
referencial metodológico, o que permitiu ao in- casa ou que ele desconfia dela.
vestigador envolver os participantes num pro- . Pode até ser possível se tiver um entendimen-
cesso de educação em saúde e coletar dados para to; aí vem a importância da confiança e do diálogo
pesquisa, utilizando-se de reflexão e discussão no casal. Eu confio na minha mulher e ela confia
em grupo. em mim porque se não tiver esta confiança, não
Para este estudo, foram disponibilizados os tem vida de casal.
dados de identificação dos participantes, as trans- . Você confia sempre com uma interrogação,
crições digitadas das informações obtidas durante porque a gente não está sempre junto e eu não sei o
as discussões no grupo e nas entrevistas. Do que passa pela cabeça dela.
montante dos dados do estudo original, foram
extraídos os que revelaram atitudes dos partici- No relacionamento conjugal, o uso do pre-
pantes em relação ao uso do preservativo mas- servativo pode ser intermitente, coincidindo com
culino nas relações conjugais. A análise dos da- os intervalos no uso do anticoncepcional oral
dos, para este estudo, incluiu leitura de todas as (AO) ou contínuo, motivado pela impossibili-
informações obtidas sobre o uso do preservati- dade de a mulher utilizar AO. Todas as variações
vo; extração dos relatos comuns (códigos); agru- possíveis do uso/não uso do preservativo indica-
pamento dos códigos de acordo com sua natu- das nos discursos têm como pano de fundo a
reza e formação de categorias. prevenção da gravidez. Situação semelhante foi
Os aspectos éticos preconizados pela Resolu- identificada por Hernandéz-Girón et al.7 em es-
ção CNS no 196/96 foram integralmente atendi- tudo na cidade do México, no qual homens com
dos no desenvolvimento do estudo original e o parceiras regulares indicaram o planejamento da
projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em família (86,7%) e a prevenção de DST (12,1%)
Pesquisa da UFSC. como principais motivos para a utilização do
preservativo na última relação sexual.
No Brasil, Kalckmann8 observou que o pre-
Resultados e discussão servativo era utilizado esporadicamente e a mai-
oria dos homens participantes do estudo tinha
Os participantes deste estudo mostraram atitu- como objetivo prevenir gravidez, especialmente
des diversificadas em relação ao uso do preser- quando a mulher não podia usar AO. Desses
vativo masculino nas relações conjugais e extra- homens, poucos usavam contínua e sistematica-
conjugais, como mostram as categorias a seguir. mente o preservativo.
1810
Madureira, V. & Trentini, M.

A prevalência da preocupação com preven- A vinculação entre uso do preservativo, fide-


ção de gravidez sobre a preocupação com pre- lidade/infidelidade e confiança/desconfiança no
venção de DST/aids encontrada nos estudos casal foi também encontrada por Fonseca13 em
mencionados converge com o identificado neste estudo com adolescentes, no qual um número
grupo de homens, os quais também têm a pre- considerável de jovens relata o uso do preserva-
venção de gravidez como foco principal do uso tivo apenas na primeira relação sexual com uma
do preservativo no seu relacionamento conjugal. (um) parceira(o), dispensando-o depois disso
Os discursos indicam também que os ho- pela confiança que tem nela(e). Esses dados, en-
mens consideram difícil introduzir o preservati- contrados em indivíduos que nasceram depois
vo no relacionamento conjugal, o que está relaci- da eclosão da epidemia de aids, quando uma sé-
onado aos significados que o mesmo evoca: sím- rie de ações de prevenção, diagnóstico e trata-
bolo de infidelidade e de desconfiança. Propô-lo mento já faziam parte do cotidiano da atenção
significa pôr sua própria fidelidade em dúvida em saúde, suscitam questionamentos que se vol-
aos olhos da esposa, o que colocaria em risco o tam não para o conhecimento sobre DST/aids e
convívio. sexualidade, mas para as relações entre homens
A confiança na parceira, por sua vez, forma e mulheres heterossexuais e para suas caracterís-
uma díade ambivalente com a desconfiança ticas de poder e gênero.
quando se refere à fidelidade dela na relação. Da A comunicação entre homem e mulher, bem
maneira como é colocada, essa confiança faz parte como as habilidades de cada um na mesma, são
de uma aposta do homem na relação conjugal, a essenciais nas estratégias de negociação do uso
qual traz alguns riscos, pois ele só pode ter certe- do preservativo. Em estudo sobre esta questão,
za sobre seu próprio comportamento. Lam et al.14 perceberam diferenças étnicas nas
Em estudo desenvolvido com 27 homens de características de utilização de estratégias verbais
camadas populares na cidade do Rio de Janeiro, e não verbais na negociação sexual, às quais se
Almeida9 encontrou uma estreita relação entre o aliam diferenciais de gênero.
não uso do preservativo no relacionamento de Noar et al.15 também consideram questões
casal e a fidelidade. Nesse estudo, alguns homens relativas ao gênero na negociação sexual e co-
relataram que, com o casamento, estabeleceram mentam que, devido ao duplo padrão sexual que
uma relação de exclusividade e fizeram um pacto permite maior liberdade ao homem do que à
de fidelidade com as esposas, o que leva ao uso mulher e às diferenças nas relações de poder,
do preservativo em situações especiais e a consi- poder-se-ia crer que os homens poderiam au-
derá-lo como provisório no casamento. mentar as taxas de uso de preservativo nas rela-
Os discursos relativos à vida afetivo-sexual ções sexuais. Entretanto, isto pode não ocorrer
no presente estudo apontam a fidelidade como se o homem não tiver habilidade e competência
um princípio no relacionamento conjugal que in- para comunicar, negociar e afirmar seu desejo de
fluencia diretamente a confiança mútua entre ho- usar o preservativo. Para esses autores, a asserti-
mem e mulher. Assim, a proposição de uso regu- vidade sexual e a habilidade para afirmar seu
lar do preservativo em um relacionamento em desejo de usar preservativo podem ser cruciais
que o mesmo não era usado pode abalar a confi- para um comportamento sexual mais seguro, o
ança existente entre os parceiros por questionar a que volta o foco de atenção para a comunicação
fidelidade de um ou de ambos, o que fica claro na entre o casal.
afirmação “a esposa vai pensar que ele tem algu- Entretanto, mesmo considerando-se as habi-
ma coisa fora de casa ou que ele desconfia dela”. lidades de comunicação de cada um e a qualidade
Sobre a associação entre a proposição de uso da relação existente entre os parceiros, a idéia de
do preservativo em um casal que já utiliza outro “negociar” pode não ser bem aceita no relaciona-
método contraceptivo e a infidelidade/desconfi- mento conjugal pelos significados que evoca e que
ança, Silva10 afirma que o preservativo é conside- parecem incoerentes com uma relação pautada
rado elemento estranho na situação conjugal, por princípios de amor e fidelidade. “Negociar”
mesmo para contracepção, e a introdução de seu relaciona-se, em geral, à idéia de comércio em que
uso poderia abalar a confiança depositada na(o) bens/valores são comprados, vendidos ou troca-
parceira(o). O significado de “confissão de par- dos. A transposição dessa idéia para o relaciona-
cerias clandestinas e arriscadas”11 atribuído por mento conjugal, especialmente para o relaciona-
homens e mulheres ao preservativo joga impor- mento sexual do casal, pode colocar em um mes-
tante papel nesse estado de coisas, bem como a mo nível esta relação socialmente aprovada e aque-
associação do preservativo com sexo ilícito12. las consideradas ilícitas e marginalizadas.
1811

Ciência & Saúde Coletiva, 13(6):1807-1816, 2008


Segundo Barbosa1, a negociação sempre foi não quer pensar se tem que colocar ou não a cami-
associada à prostituição e à promiscuidade, con- sinha ou em qualquer outra coisa.
dições muito próximas da doença e da degrada- . Eu duvido que a pessoa se cuide quando chega
ção. Com o crescimento da epidemia de aids, a na hora ‘H’ mesmo que tenha instrução! Isso eu
negociação sexual passou a ser desejável e valori- falo por mim também.
zada positivamente por sua vinculação com a
preservação da saúde. Entretanto, mesmo com a Às vezes uso, às vezes não uso
tentativa de ressignificação da palavra negocia-
ção, a associação com compra e venda de algo . A moça era do interior e tinha saído com dois
continua presente e, embora o sexo no casal pos- ou três. No começo eu tinha medo, mas como ela
sa ser utilizado como um valor de troca, a “nego- teve poucos parceiros, eu não usava preservativo
ciação” pode não se dar racionalmente numa con- com ela. Depois ela começou a tomar pílula e eu
versa, conforme também ressalta Villela11. Nas ficava mais tranqüilo.
relações conjugais, a palavra “negociação” pode- . No começo, eu usava preservativo, mas como
ria ser transmutada em diálogo e acordo entre parecia que ela ficava só comigo, eu propus: “va-
homem e mulher, pois embora esses termos im- mos transar sem preservativo”.
pliquem a necessidade de negociar, não têm o . Em alguns casos que duravam mais, sempre
peso moral geralmente associado a esta palavra. dizia pra ela se cuidar para não engravidar.
Ao contrário, dialogar e chegar a um acordo su- . Eu às vezes uso, às vezes não uso e é mais pelas
bentende cumplicidade, respeito, consideração doenças, porque numa relação fora de casa, o ho-
pelo outro. mem não se preocupa com gravidez. Pra ele tanto
faz e a conseqüência é só da mulher. Se engravidar,
O preservativo deve ser usado “fora de casa” vai arcar com a gravidez, carregar o filho no colo e
o homem some! Pode dar um dinheiro de vez em
. Sempre usei preservativo fora de casa. quando, mas a conseqüência maior é dela.
. Eu usei camisinha com todas as mulheres com
quem tive relação depois do meu casamento; não Nas relações extraconjugais, o preservativo
me arrisquei em nenhum caso.Nunca gostei, mas pode ser usado em todas as relações como forma
nunca deixei de usar. de evitar riscos ao relacionamento conjugal; nun-
. Acho que é um pouco desconfortável, mas tem ca ser usado nessas relações, em razão do caráter
que usar se sair. não premeditado delas, aliado a outros motivos;
. Até pode sair por aí, mas tem que se cuidar, ser restrito aos primeiros encontros sexuais com
porque se a mulher engravidar, ele vai ter proble- uma parceira, sendo dispensado após “avaliação”
ma em casa com a esposa, com a família. Se ficar da história sexual dela e de demonstrações que o
provado que o filho é seu, tem de pagar ou sofrer homem considere indicadoras de fidelidade; ser
penalizações. dispensado desde o início se a parceira demons-
. E também tem as doenças! trar pouca experiência sexual; ser dispensado quan-
do o homem crê que a mulher “cuida” para não
Nunca usei preservativo engravidar, mesmo sem a certeza de que ela utiliza
algum método contraceptivo.
. Eu nunca usei camisinha, coisa que deveria. No que se refere a homens com múltiplas
Mas na hora, você vê a pessoa e pensa que ela não parceiras, Hernandéz-Girón et al.7 revelam que,
tem nada. em estudo na cidade do México, os motivos indi-
. Uma relação fora de casa acontece de repente, cados para o uso do preservativo foram preven-
não é premeditada. Às vezes a oportunidade surge, ção de DST (87,5%) e planejamento familiar
o cara não tem preservativo junto e o trem pode (9,2%). Já no caso dos homens participantes deste
passar uma vez só! estudo, as indicações de uso do preservativo em
. Você vai sair com uma mulher, rola alguma todas as relações extraconjugais presentes nos
coisa e na hora do vamos ver, se você mostrar a discursos têm a dupla função de prevenção de
camisinha pra ela, perde todo o clima! gravidez e de DST/aids, embora a preocupação
. Um cara que trabalha comigo entrou no cli- central seja com a gravidez.
ma com uma mulher; quando chegou na hora, ele A intenção subjacente a essa forma de agir é a
não tinha preservativo e transou para não passar manutenção dessas relações em segredo, evitan-
vergonha. do que sejam denunciadas por gravidez ou por
. Naquela hora, a pessoa quer sentir prazer e doenças, o que colocaria em risco a manutenção
1812
Madureira, V. & Trentini, M.

da família, altamente valorizada pelo homem. diretamente envolvido com as relações entre ho-
Usar preservativo em relações extraconjugais é mens e mulheres, mostrando que é preciso aden-
uma maneira de manter o mundo de “fora” e as trar o terreno das questões relacionadas com
experiências nele vividas afastadas do “mundo poder e gênero envolvidas no viver de ambos.
de casa”. Os discursos relativos a relações extraconju-
Fica evidente em alguns discursos a pouca ou gais indicam que o uso do preservativo em todas
nenhuma preocupação com a prevenção de gra- as relações dessa natureza é uma maneira de pro-
videz em relações extraconjugais, embora a con- teger a família, que correria o risco de desfazer-se
tracepção seja preocupação central no relaciona- ou de, pelo menos, ter a harmonia do convívio
mento conjugal. Parece que, aqui, o cumprimen- abalada caso fossem denunciadas. O uso do pre-
to do mandato de provedor do homem na famí- servativo em relações “fora” de casa sugere tam-
lia é decisivo e a atenção dada à prevenção de gra- bém a figura da esposa como mulher de confian-
videz no relacionamento conjugal visa adequar o ça, que dá segurança em contraponto à outra,
número de filhos à sua capacidade de provimen- perigosa, tanto para transmitir doenças como
to, para que possa sustentar a família proporcio- para engravidar intencionalmente à revelia do
nando aos filhos boas condições de vida e educa- homem.
ção, o que parece ocorrer mesmo quando a espo- Essa situação reforça a existência de uma du-
sa compartilha a manutenção do lar e da família. plicidade que localiza o homem entre dois mun-
Assim, é possível vislumbrar uma relação exis- dos: o de sua família, de casa, dos afetos, seguro,
tente entre participação nas decisões reproduti- onde ele assume uma imagem de homem com-
vas, capacidade de provimento e tipo de relacio- patível com aquele ideal almejado, e o mundo de
namento. Nesta forma de pensar, é possível acre- “fora”, da rua, das relações mais impessoais, pe-
ditar que há uma maior preocupação do homem rigoso, onde procura preservar uma imagem que
e um maior envolvimento dele na contracepção enfatiza o caráter indomável da sexualidade mas-
dentro do relacionamento conjugal, por ter a res- culina e a prontidão para o sexo, que torna difícil
ponsabilidade social de manutenção da família, recusar uma oportunidade de manter uma rela-
e o tamanho dela deve ser adequado à sua capa- ção sexual sob pena de ter sua virilidade questio-
cidade de provimento. nada. O trânsito entre esses dois mundos exige
Nas relações extraconjugais ocasionais isso atenção permanente, bem como certa dose de
não ocorre, o que justificaria a responsabilização escolha e comedimento no sentido de mantê-los
da mulher pela prevenção da gravidez, embora ignorantes um do outro.
existam também situações nas quais o homem Nas relações extraconjugais, há também o
toma a iniciativa contraceptiva usando o preser- discurso que indica o não uso do preservativo,
vativo como forma de evitar prejuízos (inclusive evidenciando aspectos relacionados com uma
financeiros) à sua família. certa maneira de ser homem que reforça os este-
Analisando os dados preliminares de um es- reótipos de masculinidade. A referência feita ao
tudo desenvolvido com 84 homens trabalhado- caráter não premeditado dessas relações atua
res de uma metalúrgica de São Paulo, Arilha16 reforçando a prontidão para o sexo, vinculada a
destaca que, para eles, a preocupação com a re- uma animalidade “natural” do homem. Também
produção não é construída na relação estabeleci- é ressaltado o efeito negativo à imagem de ho-
da com seu corpo, mas no contexto social. Essas mem provocado pela recusa à possibilidade de
afirmações permitem compreender a vinculação manter uma relação sexual, de tal forma que é
entre o envolvimento deles nas decisões repro- imperativo não desperdiçar uma oportunidade.
dutivas e seus deveres para com a família, que De acordo com esse pensar, é legítimo manter
remetem a uma concepção de homem, na qual a uma relação sexual desprotegida, mesmo saben-
responsabilidade demonstrada na manutenção do-a arriscada, para não se expor à possibilida-
de sua família (não somente em termos financei- de de ter sua masculinidade questionada.
ros) o aproxima do ideal de homem almejado e “Perder o clima” em um encontro sexual é
o diferencia dos demais. Ao mesmo tempo, per- um risco oferecido pelo preservativo e sugere que
mite perceber os motivos que o levam a ter pou- as relações acontecem em um crescendo, onde a
ca ou nenhuma preocupação com a prevenção passagem de beijos e carícias para a penetração
de gravidez em relações extraconjugais. ocorre “naturalmente” e não deve sofrer interfe-
Esses aspectos dão uma idéia do longo cami- rências de qualquer tipo. A interrupção da inte-
nho ainda por percorrer no controle da epide- ração homem-mulher para propor o uso do pre-
mia, na prevenção de novos casos, o que está servativo expõe o homem ao risco de perder a
1813

Ciência & Saúde Coletiva, 13(6):1807-1816, 2008


oportunidade de manter uma relação sexual, o dade de uso do preservativo deixa de ser consi-
que seria incompatível com uma determinada derada porque demanda um exercício de racio-
maneira de ser homem. nalidade em um momento em que a busca pelo
Em estudo sobre o poder no casal, sexuali- prazer é premente e responde ao desejo sexual,
dade e reprodução, realizado com mulheres de considerado irracional em si mesmo. Essa pre-
Santiago (Chile), Valdés et al.17 afirmam que, de mência, aliada ao não planejamento desses en-
acordo com as participantes, o ritual de aproxi- contros sexuais e à possibilidade de perda de uma
mação e aceitação/recusa entre homem e mulher oportunidade de manter relação sexual, impede
nem sempre utiliza linguagem verbal. Ao contrá- que a situação seja racionalmente considerada a
rio, trata-se de carícias, gestos/sinais e de deter- ponto de pensar no uso do preservativo.
minadas respostas que não são necessariamente A crença de que o preservativo determina uma
verbais. É um jogo no qual a verbalização em redução do prazer sexual, provoca uma inter-
alguns momentos também é importante. rupção na interação homem-mulher para ser
Essas considerações aproximam-se daquilo colocado e impede o contato direto entre ambos
que os homens participantes deste estudo fala- também contribui para o não uso. De acordo
ram sobre as relações extraconjugais, nas quais o com as discussões de grupo, a associação entre
desenrolar do encontro, ocasião em que a con- uso do preservativo e redução do prazer sexual é
versação parece não ocupar lugar de destaque, feita também por homens que nunca o utiliza-
exclui a negociação (ou mesmo a menção) do uso ram baseados na opinião de outros.
do preservativo e sobre contracepção. Disso re- Outros estudos20-22 também relacionam o uso
sulta a dupla exposição a DST/aids e à gravidez. do preservativo com a redução do prazer e com
A necessidade de não perder uma oportuni- a restrição do contato direto com a mulher. Além
dade está relacionada com a crença de que o ho- disso, acrescem o temor de “broxar”, de ter uma
mem está sempre disponível para o sexo, de for- performance ruim, o incômodo provocado pelo
ma que os encontros sexuais tendem a ser ines- preservativo, o prejuízo por ele trazido à ereção e
perados e não planejados. Há também a crença a opinião negativa da parceira como elementos
na existência de um instinto sexual masculino que contribuem para restringir o uso do mesmo.
incontrolável, que dificulta a adoção de medidas O homem utiliza alguns indicativos para jus-
de proteção. Além disso, o preservativo é consi- tificar o uso irregular do preservativo nas rela-
derado incômodo, o que contribui para que seu ções extraconjugais, dentre os quais a vida sexual
uso seja dispensado18. da parceira avaliada como “pobre” pelo homem
Os discursos mostram o desejo de firmar-se tanto no que se refere ao número de parceiros
frente aos outros como homem heterossexual sexuais como à freqüência das relações. Para ava-
não desperdiçando oportunidades sexuais, o que liar, leva em conta a história sexual relatada pela
os leva a relações sexuais desprotegidas. Indicam mulher e o desempenho sexual dela, analisados
também o risco de passar vergonha diante da com base em demonstrações de timidez ou de-
mulher e de ser considerado “menos homem” ao senvoltura. Neste caso, o relato de poucos par-
recusar-se a manter uma relação sexual, o que ceiros sexuais e demonstrações de pouca experi-
está muito relacionado com a possibilidade de ência sexual e de timidez parecem ser utilizados
ser confundido com um homossexual. Esses ele- como indícios suficientemente fortes para dis-
mentos reforçam a norma socialmente imposta pensar o uso do preservativo.
e aceita que destaca a prática sexual intensa e com O preservativo masculino pode também ser
múltiplas parceiras como prova de virilidade19. dispensado quando a relação extraconjugal se
O não uso do preservativo em relações extra- prolonga, deixando de configurar-se como sexo
conjugais pode indicar a inexistência de qualquer ocasional. Nessa situação, o principal argumento
conversação anterior que permita considerar a apontado para abandonar o preservativo é a fi-
escolha do preservativo. Da mesma maneira, o delidade da mulher ao homem, avaliada a partir
uso de AO pela mulher é tido como óbvio, posto de indícios que sugerem que ela não “fica” com
que nada parece ser dito/feito no sentido de cer- mais ninguém. Como esses indícios não foram
tificar-se sobre isso. claramente explicitados, é possível deduzir que a
Outro elemento dos discursos indica a sepa- intuição do homem jogue um papel importante.
ração entre prazer e razão, a existência de uma A referência à fidelidade nas relações extraconju-
incompatibilidade “natural” entre eles, que im- gais evidencia a fragilidade dos argumentos que a
pede o homem de pensar naquilo que vai fazer valorizam nas iniciativas de prevenção as DST/
no momento de uma relação sexual. A necessi- aids.
1814
Madureira, V. & Trentini, M.

Sexo seguro outra(o) desde a infância, por residirem no mes-


mo bairro ou por estudarem juntos, porém sem
. Sexo cem por cento seguro não existe, mas maior contato pessoal, até o ponto máximo de
existe prevenção. A camisinha é prevenção; co- intimidade e cumplicidade no convívio.
nhecer bem a pessoa e ter uma única parceira mes- Em estudo desenvolvido com homens rurais
mo quando solteiro também é, mas nada garante. da zona da mata pernambucana, Alves20 obser-
. Fidelidade pode evitar aids se os dois forem vou situação semelhante, com o uso do preser-
fiéis. vativo podendo ser dispensado quando a mu-
. Eu acho que o importante é eu me gostar e se lher é conhecida, o que indica que ela reside nas
eu pensar assim, vou me cuidar. Aí eu acredito que proximidades e que o homem não tem um com-
o sexo seguro pode acontecer. Se eu gostar de mim, promisso com ela. Isso pode ocorrer também
não vou ter medo de fazer feio para a mulher; vou quando o homem avalia se a parceira está sau-
poder dizer não. dável utilizando sinais como o jeito de andar, se-
. Uma boa conversa também é importante, por- creção na calcinha ou com um certo tipo de to-
que um pode cobrar do outro o uso do preservativo que nos genitais da mulher.
masculino ou feminino. Acho que tudo é negociável. Diferentes estudos9,24,25 apontam o conhecer
a(o) parceira(o) como um recurso amplamente
Os discursos acima apontam diferentes as- utilizado na prevenção de DST/aids. Isso ocorre
pectos considerados pelos homens na articula- apesar dos diversos significados desse verbo, va-
ção do uso do preservativo com prevenção e sexo riáveis de acordo com a interpretação dada a ele.
seguro, bem como para as múltiplas facetas a A este respeito, Almeida9 diz que, em relação às
considerar em cada um. Falando sobre compor- DST e à aids, alguns crêem que conseguem avali-
tamento sexual e prática de sexo seguro entre ar se podem ou não se arriscar tendo uma rela-
homens do município de São Paulo, Vieira et al.22 ção sexual fora do casamento a partir de indica-
levantam a possibilidade de uma tendência à tivos como a higiene da parceira e conhecendo a
monogamia seriada no comportamento dos mulher.
homens estudados que, mesmo indicando uma Monteiro2 identificou uma lógica que relaci-
parceria por vez, pode significar muitas ao longo ona o conhecido com proteção e o desconhecido
do tempo. A expressão seriada pode ser utilizada com ameaça. Essa lógica está presente nos cuida-
também em relação à fidelidade, especialmente dos com a saúde e na prevenção da transmissão
na maneira como foi expressa nos discursos aqui do HIV, de forma que as possibilidades de uso
apresentados. Assim, poderia ser entendida como do preservativo aumentam nas relações sexuais
fidelidade seriada, que considera uma parceira com desconhecidos, de “fora” da casa do indiví-
extraconjugal por vez, embora implique a exis- duo e da comunidade na qual ele vive e mantém
tência de muitas antecedendo e sucedendo a rela- relações interpessoais mais próximas. Nesses ca-
ção atual. As possibilidades de contrair DST/aids sos, a atenção está na prevenção de doenças e o
são ampliadas, tornando mais vulneráveis o ho- preservativo é indispensável apenas quando o
mem e as mulheres (a esposa e as outras). sexo é percebido como perigoso. Nessa forma de
Os discursos fazem referência também a co- pensar, amplia-se o número de possíveis parcei-
nhecer a parceira. O está implicado nisso? Da ras consideradas conhecidas e seguras.
maneira como essa questão é tratada pelos ho- Todas essas variantes do conhecer trazem
mens e concordando com Guerriero et al.20, o implicações diferentes para o trabalho de pre-
tempo de existência da relação não é central nes- venção. A mesma interpretação pode ser dada
sa questão, especialmente em se tratando de rela- ao ter uma única parceira, especialmente consi-
ções ocasionais, nas quais os parceiros podem derando-se a possibilidade de fidelidade seriada,
ter se conhecido há poucas horas ou poucos dias o que resulta em muitas parcerias ao longo do
e ter utilizado elementos como a aparência física tempo com relações sexuais desprotegidas.
e/ou a simpatia e/ou a alegria, os quais são rela- Os discursos fazem referência também ao
cionados com saúde embora sejam pouco confi- “gostar de si” como elemento importante para
áveis para essa avaliação. que o sexo seguro aconteça. Nesse sentido, a per-
O conhecer bem a pessoa como forma de cepção do que é ser homem exerce grande influ-
prevenção não deve ser interpretado como sinô- ência e o cuidado de si, compreendido como um
nimo de intimidade e longo tempo de convívio, trabalho continuamente exercido pelo homem
mas considerada em um continuum de variantes sobre si próprio, conduzindo-se de maneira com-
que se estendem desde o vago conhecer a(o) patível com um código de conduta que tenha para
1815

Ciência & Saúde Coletiva, 13(6):1807-1816, 2008


si, assume posição central na prevenção de DST/ das socioculturais dos modelos de masculinida-
aids e no sexo seguro. de, que colocam a necessidade de contínua com-
provação pública de uma heterossexualidade in-
controlável, bem como adotar condutas que di-
Considerações finais minuam sua vulnerabilidade no campo sexual,
como, por exemplo, recusar-se a manter uma re-
No relacionamento conjugal, o sexo seguro e a lação sexual mesmo estando “no clima”; propor
prevenção de doenças não estão diretamente li- o uso do preservativo sem antecipar o risco de
gados ao uso do preservativo, mas à confiança, à perder a parceira e dialogar com ela sobre a vida
cumplicidade, à fidelidade, ao diálogo, ao com- sexual, DST/aids e seu relacionamento de casal.
panheirismo existente no casal e à qualidade da De acordo com o que foi até aqui discutido,
vida sexual. Assim, em casamento que conte com depreende-se que o uso do preservativo nas rela-
esses elementos, os parceiros tendem a dispensar ções conjugais e/ou extraconjugais não é uma
o uso do preservativo e a centralizar suas aten- questão de normatização cientificamente funda-
ções na contracepção. Homem e mulher firmam mentada de comportamentos. Ao campo dos
um pacto de confiança e fidelidade mútuas que saberes científicos na área de promoção da saúde
deixa para ambos o compromisso de zelar pela e, especificamente, de prevenção de DST/aids,
manutenção e pelo fortalecimento da relação e emaranham-se outros tantos aspectos vincula-
da família. dos às crenças, aos mitos, aos estereótipos em
A fragilidade do argumento da fidelidade usa- saúde, bem como aos saberes de cada um, às
do nas iniciativas de prevenção de DST/aids, espe- questões de gênero e às características dos relacio-
cialmente nos relacionamentos conjugais, advém namentos homem-mulher.
da desconfiança que fomenta entre os parceiros Todos esses elementos associados apontam
justamente pelo fato de estas iniciativas centra- para o equívoco de iniciativas de promoção de
rem-se na exclusividade sexual. Assim colocado, saúde e de prevenção de DST/aids tomadas a
o argumento aprofunda a vinculação das DST/ partir da perspectiva científica e universalizadas.
aids com relações ilícitas e vincula o preservativo Frente à complexidade dos saberes científicos que
masculino com a infidelidade. Da mesma manei- avançam a cada dia, os viveres das pessoas em
ra, estas iniciativas não consideram as diferentes geral não são menos complexos, posto que se
possibilidades de interpretação da fidelidade. dão em ambientes, culturas, situações socioeco-
Sobre o uso do preservativo e o sexo seguro, nômicas, circunstâncias diversas (de gênero, de
gostar de si próprio, valorizar-se e estar seguro de poder, entre outras). A complexidade desses vi-
si possibilitam ao homem diferenciar-se dos de- veres merece ser considerada em iniciativas de
mais, permitindo-lhe valorizar menos as deman- educação em saúde.

Colaboradores

VSF Madureira foi autora da pesquisa original e


foi responsável pela discussão dos resultados,
participou da concepção do artigo, da interpre-
tação dos dados e da redação.
M Trentini orientou o estudo original e foi res-
ponsável pela metodologia, participou da con-
cepção do artigo e da redação.
1816
Madureira, V. & Trentini, M.

Referências

1. Barbosa RM. Negociação sexual ou sexo negociado? 14. Lam AG, Mak A, Lindsay PD, Russel S. What really
Gênero, sexualidade e poder em tempos de aids [tese]. works? An exploratory study of condom negotia-
Rio de Janeiro (RJ): UERJ; 1997. tion strategies. Aids Educ Prev 2004; 16(2):160-171.
2. Monteiro S. Prevenção ao HIV/aids: lições e dile- 15. Noar SM, Morokoff PJ, Redding CA. Sexual asser-
mas. In: Goldenberg P, Marsilglia MG, Gomes tiveness in heterosexually active men: a test of three
MHA, organizadores. O clássico e o novo: tendênci- samples. Aids Educ Prev 2002; 14(4):330-342.
as, objetos e abordagens em ciências sociais e saúde. 16. Arilha M. Homens, saúde reprodutiva e gênero: o
Rio de Janeiro: Fiocruz; 2003. desafio da inclusão. In: Giffin K, Costa SH, organi-
3. Madureira VSF. A visão masculina nas relações de zadores. Questões da saúde reprodutiva. Rio de Ja-
poder no casal heterossexual como subsídio para a neiro: Fiocruz; 1999.
educação em saúde na prevenção de DST/aids [tese]. 17. Valdés T, Benavente MC, Gysling J. El poder en la
Florianópolis (SC): UFSC; 2005. pareja, la sexualidad y la reproducción: mujeres de
4. Szabo V, Strang VR. Secondary analysis of qualita- Santiago. Santiago: FLACSO; 1999.
tive data (methods of clinical inquiry). Adv Nurs 18. Aguirre R, Güell P. Hacer-se hombres: la construcci-
Sci 1997; 20(2):66-69. ón de la masculinidad en los adolescentes y sus ries-
5. Thorne S. El análisis secundario en la investigación gos. OPS/OMS, 2002.
cualitativa: asuntos e implicaciones. In: Morse JM, 19. Villela WV. Gênero, saúde dos homens e masculi-
editores. Asuntos críticos en los métodos de investiga- nidades. Cien Saude Colet 2005; 10(1):29-32.
ción cualitativa. Medellín: Editoral Universidad de 20. Alves MFP. Sexualidade e prevenção de DST/aids:
Antioquia; 2005. representações sociais de homens rurais de um mu-
6. Trentini M, Paim L. Pesquisa convergente-assistenci- nicípio da zona da mata pernambucana, Brasil. Cad
al: um desenho que une o fazer e o pensar na prática Saúde Pública 2003; 19(Supl 2):429-439.
assistencial em saúde-enfermagem. Florianópolis 21. Guerriero I, Ayres JR, Hearst N. Masculinidade e
(SC): Insular; 2004. vulnerabilidade ao HIV de homens heterossexuais,
7. Hernandéz-Girón C, Valdez AC, Quiterio-Trenado São Paulo SP. Rev. Saúde Pública 2002; 36(4):50-60.
M, Peruga A, Hernandéz-Avila M. Caracteristicas de 22. Olavarria J, Benavente C, Mellado P. Masculinida-
comportamiento sexual en hombres de la Ciudad de des populares: varones adultos jóvenes de Santiago.
Mexico. Salud Publica Mex 1999; 41(2):95-100. Santiago: FLACSO; 1998.
8. Kalckmann S. Incursões ao desconhecido: percep- 23. Vieira EM, Villela WV, Réa MF, Fernandes ME,
ções de homens sobre a saúde reprodutiva e se- Lemos FE, Ribeiro G. Alguns aspectos do compor-
xual. In: Arilha M, Unbehaum SG, Medrado B, tamento sexual e prática de sexo seguro em ho-
organizadores. Homens e masculinidades: outras pa- mens do município de São Paulo. Cad Saúde Públi-
lavras. Rio de Janeiro: Editora 34; 2001. ca 2000;16(4):997-1009.
9. Almeida CCL. Risco e saúde reprodutiva: a percep- 24. Buysse A, van Oost P. ‘Appropriate’ male and fe-
ção dos homens de camadas populares. Cad Saúde male safer sexual behaviour in heterosexual rela-
Pública 2002; 18(3):797-805. tionships. Aids Care 1997; 9(5):1-14.
10. Silva CGM. O significado de fidelidade e as estraté- 25. Guimarães CD. “Mas eu conheço ele!”: um método
gias para prevenção da aids entre homens casados. de prevenção do HIV/aids. In: Parker RG, Galvão J,
Rev. Saúde Pública 2002; 36(4):40-49. organizadores. Quebrando o silêncio: mulheres e aids
11. Villela WV. Prevenção do HIV/aids, gênero e sexua- no Brasil. Rio de Janeiro: Relume-Dumará; 1996.
lidade: um desafio para os serviços de saúde. In:
Barbosa RM, Parker R, organizadores. Sexualidade
pelo avesso: direitos, identidade e poder. Rio de Janei-
ro: Editora 34; 1999.
12. Hoffman V, Bolton R. Reasons for having sex and
sexual risk-taking: a study of heterosexual male std
clinic patients. Aids Care 1997; 9(3):1-14.
13. Fonseca AD. A concepção de sexualidade na vivência Artigo apresentado em 11/10/2006
de jovens: bases para o cuidado de enfermagem [tese]. Aprovado em 13/11/2006
Florianópolis (SC): UFSC; 2004. Versão final apresentada em 11/01/2007

Você também pode gostar