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Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev.

2010

DA PROIBIÇÃO AO “RESGATE”: a cidade de Pirapora do Bom Jesus e os sambas de


bumbo paulistas1

Fernanda de Freitas Dias2

Resumo: Este breve artigo realiza uma reflexão em torno do samba de bumbo na cidade de
Pirapora do Bom Jesus, estado de São Paulo, que, desde um estudo realizado por Mário de
Andrade na década de 1930, hoje considerado “clássico”, vem sendo valorizado como
expressão cultural popular singularmente paulista. Até meados de 1960-70, Pirapora do
Bom Jesus era local privilegiado da confluência de diversas modalidades do samba de
bumbo paulista. Partindo da história do samba na cidade, o artigo objetiva ressaltar as
mudanças mais relevantes, re-significações, pelas quais passou a manifestação cultural na
cidade, problematizando algumas questões atuais como a concepção do samba enquanto
representação de “autenticidade” e sua dimensão turística na cidade de Pirapora.

Palavras-chave: Samba de Bumbo. Samba paulista. Pirapora do Bom Jesus.

No início do século XX, a cidade de Pirapora do Bom Jesus3 passou a se constituir


como um importante palco para o encontro de diferentes modalidades de samba de bumbo,
tanto do interior paulista quanto da capital do Estado de São Paulo. A tradição da festa
religiosa anual do Bom Jesus, padroeiro da cidade, desde então congregou devotos e fiéis
de diversas localidades que levavam consigo o samba, o qual compunha a faceta profana
deste festejo. Não é possível precisar exatamente o momento em que Pirapora passou a
fomentar a convergência desta prática cultural. Poucos trabalhos foram publicados
especificamente sobre o assunto, como o trabalho de campo de Cunha4 (1937) e um texto
de Andrade (1937). Em 2007, foram colhidos relatos orais de antigos sambadores e
moradores da cidade de Pirapora, os quais possibilitaram a reconstrução da trajetória
histórica do samba na localidade.
Da metade do século XX até os dias atuais foram muitas as re-significações
assumidas pela prática do samba em Pirapora, caracterizando-o enquanto prática antes

1
Este artigo é parte modificada de minha dissertação de mestrado denominada Na Batida do Bumbo:
um estudo etnográfico do samba na cidade de Pirapora do Bom Jesus – SP, orientada pelo Prof. Dr.
Alberto T. Ikeda, da Universidade Estadual Paulista-UNESP, 2008, e apoiada pelo FAPESP.
2
Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos (2005) e mestrado
em Música/etnomusicologia pela Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes de São Paulo
(2008). Trabalhou como gestora em projetos culturais apoiados pelo Ministério da Cultura e
Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, tendo como enfoque a continuidade de manifestações
culturais ligadas à cultura popular paulista. Atualmente trabalha na redação/edição de um livro sobre
o universo da música caipira na cidade de São Carlos-SP, com o apoio da SEC-SP.
3
Município da Grande São Paulo situado a aproximadamente 50 quilômetros da capital paulista.
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O autor realizou sua pesquisa em 1936, descrevendo a festa realizada do Bom Jesus e apontando
pequenas modificações observadas em sua segunda ida à Pirapora em 1937.
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reprimida e estigmatizada à manifestação cultural exaltada em sua dimensão “étnica”,


remetida às “raízes” do samba paulista.

1. O samba de bumbo no estado de São Paulo

O samba de bumbo teve sua gênese e desenvolvimento nas fazendas de café do


interior paulista no século XIX, sendo introduzido na capital paulista na passagem do século
XIX para o século XX, período em que ocorreu um forte movimento de migração de negros,
ex-escravos, vindos do interior para a cidade de São Paulo em busca de oportunidades de
trabalho e melhores condições de vida (MANZATTI, 2005).
A origem do samba de bumbo no interior do estado de São Paulo esteve
condicionada à transferência de um grande contingente de escravos negros, vindos
diretamente da África para o porto do Rio de Janeiro e levados para as regiões Sudeste e
Sul do país entre os séculos XVIII e XIX. Inicialmente, essa manifestação cultural se
desenvolveu no centro-oeste do estado de São Paulo já no final do século XVIII, sendo
atingido seu ápice com a expansão das fazendas de café do interior para a cidade e para a
região metropolitana de São Paulo no período que vai do final do século XIX ao início do
século XX, coexistindo nos bairros periféricos na cidade de São Paulo, na zona rural, e em
diversas localidades do interior paulista (MANZATTI, 2005).
Com a introdução da cultura cafeeira no centro-oeste do estado de São Paulo e no
Vale do Paraíba, já no século XIX, inicia-se um importante ciclo da presença negra na
cultura paulista. Contudo, de acordo com Slenes (2000), era grande a concentração de
negros de origem cultural Bantu na região Sudeste do país, fato que possibilitou a
reprodução dos padrões culturais africanos, compondo, dessa forma, uma região de grande
interação cultural. Devido ao grande número de negros pertencentes a uma única região
(África Bantu) com matrizes culturais comuns, foi possível que neste contexto surgisse uma
identidade cultural partilhada entre estes negros.
O samba de bumbo, enquanto expressão cultural dispersa em diferentes regiões do
estado de São Paulo, assumiu denominações e perspectivas de análise diversas por parte
dos intelectuais que estudaram o tema. O ponto de intersecção entre as diferentes
modalidades do samba de bumbo reside em sua matriz africana e em alguns elementos
comuns entre elas, como o uso do bumbo como instrumento central do festejo. Instrumento
muito presente em músicas nordestinas, o bumbo possui ascendência ibérica (cf.
OLIVEIRA, 1966), sendo apropriado e re-significado pelos negros, agentes culturais do
samba de bumbo no estado de São Paulo.

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A manifestação cultural é praticada nos dias atuais em cidades como Vinhedo,


Santana de Parnaíba, Quadra, São Paulo, Campinas, Mauá e Pirapora do Bom Jesus.
Mesmo se configurando, atualmente, em uma área de abrangência restrita, o samba de
bumbo já esteve presente em diversas localidades do interior do estado de São Paulo, como
Itu, Rio Claro, Sorocaba, dentre outras. (cf. MANZATTI, 2005).

2. Pirapora: tradição religiosa e festa profana

A história do samba de bumbo em Pirapora está intimamente relacionada à


religiosidade ali desenvolvida no decorrer de pelo menos dois séculos, atrelada ao mito do
encontro do santo Bom Jesus, o qual remonta ao ano de 1725. Mais precisamente no dia 6
de agosto deste ano foi encontrada, nas margens do rio Tietê, a imagem de um santo
esculpida em madeira, designada pelos que a encontraram como Bom Jesus de Pirapora.
Muitas histórias surgiram para explicar o achado do santo no rio, de modo que diversos
milagres foram atribuídos a ele nesta ocasião. Desde então, Pirapora assume feições de um
centro religioso, sendo grande a presença de romeiros e devotos do santo milagroso no
período da festa anual dedicada ao santo padroeiro em agosto.
Congregando diferentes tipos de pessoas no dia de festa, Pirapora também
comportava uma diversidade de alojamentos direcionados para os visitantes, a qual
evidenciava os diferentes padrões de vida que a cidade abrigava nestes dias (CUNHA,
1937). Dentre os tipos de alojamento observados na festa do Bom Jesus, o que mais nos
interessa são os barracões, dois edifícios pertencentes ao santuário local, que foram, em
período anterior, moradia de seminaristas e religiosos. Por ocasião da festa, a Igreja cedeu
seus barracões para abrigar os forasteiros, que eram em maioria negros. Nos barracões,
compostos por dois andares, eram cobrados somente os aluguéis dos quartos no segundo
andar, sendo que no andar térreo, de chão batido, nada era cobrado. Destes dois barracões
existentes na cidade, um de menor dimensão apenas abrigava os forasteiros, ao passo que
o segundo barracão além de também abrigar os visitantes, era palco da prática do samba de
bumbo nos dias de festa (CUNHA, 1937).
No período de festa, traços religiosos e profanos contrastavam-se. A festa religiosa,
em essência, consistia em procissões, em cumprimento de promessas e em missas
ocorridas na Igreja matriz. A dimensão profana da festa, por sua vez, era caracterizada pelo
samba de bumbo, elemento central dos festejos na cidade. O samba5 ocorria dentro do
barracão com um grupo restrito de pessoas, de maneira que todos os sambadores deveriam

5
A palavra “samba” neste contexto, como ressalta Andrade (1937), podia tanto significar o conjunto
de todas as danças da noite, como alguma especificamente, ou também para designar o “batalhão”
que se apresentava.
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ser integrantes de algum “batalhão”, denominação dada aos diferentes grupos de


sambadores, provenientes de cidades específicas, como São Paulo, Campinas e Itu,
conforme observado por Cunha (1937).
No ano de 1937, Cunha e Andrade presenciaram o que os autores apontaram como
a decadência da festa de agosto em Pirapora, a qual havia atingido tanto a dimensão
religiosa quanto a profana do festejo, em decorrência ao desequilíbrio entre essas duas
facetas. Nesse mesmo ano, foi proibida a prática do samba no barracão, o que significou
uma forte reação da Igreja em relação ao crescimento da festa profana. Essa proibição foi
amplamente divulgada antes do período da festa, fato que contribuiu para a considerável
diminuição de pessoas envolvidas com o samba na cidade no referido ano. A reação da
Igreja ocorreu, sobretudo, em razão do forte crescimento da dimensão profana da festa, a
qual passou a exceder, em grau de importância para os visitantes, as atividades religiosas,
devocionais.

3. Confluência dos sambas paulistas

Nenhuma pesquisa específica sobre o desenvolvimento do samba em Pirapora foi


realizada após os dois textos citados anteriormente. O fato da proibição do samba por parte
da Igreja, e a conseguinte decadência deste, é amplamente difundido pelos moradores e
sambadores locais, bem como pela mídia impressa e televisiva em matérias cujo assunto
seja o samba em Pirapora.
Um discurso muito difundido nos dias atuais entre moradores, sambadores locais e
sambistas relacionados ao samba paulista está pautado da ideia de que o samba parou de
ser praticado na cidade, sendo “resgatado” somente na década de 1990 com o apoio da
prefeitura local. Esta construção narrativa oficial está baseada na concepção de que com a
proibição do samba no barracão, e a conseguinte demolição deste anos depois, o samba
parou de ser praticado em Pirapora, e, consequentemente, os negros sambadores deixaram
definitivamente de visitar a cidade nos dias de festa. Considerando que tal narrativa é
ideologicamente e culturalmente mediada, ela está presente na fala dos próprios
sambadores locais, que num primeiro momento, ao serem indagados sobre o samba na
cidade apontam para o referido discurso6.
Observando mais atentamente as falas de antigos moradores locais e sambadores
foi possível constatar que Pirapora do Bom Jesus não deixou de ser um local de confluência

6
“É exatamente porque as experiências são incontáveis, mas devem ser contadas, que os narradores
são apoiados pelas estruturas mediadoras da linguagem, da narrativa, do ambiente social, da religião
e da política. As narrativas resultantes – não a dor que elas descrevem, mas as palavras e ideologias
pelas quais são representadas – não só podem como devem ser entendidas criticamente.”
(PORTELLI, 2006, p. 108).
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do samba de bumbo de diversas localidades do estado de São Paulo com a proibição do


samba no barracão. A bem da verdade, a ação da Igreja não impediu que estes sambadores
continuassem a frequentar a cidade nos dias de festa; pelo contrário, os negros que
frequentavam a cidade nos dias de festa passaram a alugar um salão próximo ao posto de
gasolina local, onde o samba passou a ser festejado na festa do Bom Jesus. Neste salão os
forasteiros se alojavam, festejavam o samba e também vendiam alimentos e bebidas nos
dias de festa, como ocorria no barracão. Os sambadores que visitavam a localidade durante
as festividades vinham das cidades de São Paulo – mais especificamente do bairro da Barra
Funda –, de Campinas, de Mogi das Cruzes, de Piracicaba, de Capivari, de São Roque,
dentre outras.
Neste período de continuidade do samba, houve também em Pirapora a
concomitância de dois tipos da manifestação realizada na cidade, o “samba dos brancos” e
o “samba dos negros”, assim denominados por antigos sambadores e moradores locais que
presenciaram o samba de 1950 aos dias atuais. Esses dois tipos de samba passaram a ser
realizados em dois pontos distintos da cidade a partir da década de 1950. O chamado
“samba dos brancos” era, ao contrário do samba realizado havia décadas na cidade,
formado essencialmente por moradores piraporanos, sob a chefia do sambador Honorato
Missé. Tendo como local de festejo o bar “Curingão”, o samba de bumbo local foi chefiado
ao longo dos anos por sambadores como Romeuzinho, Miguel, chegando à atual chefia de
Maria Esther.
Neste período, houve a confluência de dois grupos sociais em relação ao samba na
cidade de Pirapora. O samba vivenciado pelos brancos teve continuidade na cidade, desde
o início de sua prática, aproximadamente na década de 1950 e, de certa forma,
considerando suas mudanças, até os dias atuais. Já o costume dos grupos negros se
congregarem na cidade de Pirapora na festa do Bom Jesus, trazendo consigo
manifestações culturais próprias como o samba de bumbo, foi enfraquecendo a partir da
década de 1970. Podem ser levantadas algumas especulações a respeito dessa mudança,
como a própria desagregação desses grupos em suas cidades de origem. Portanto, partindo
da análise de Ianni (1988), é possível que esses grupos negros tenham encontrado novas
formas de afirmação social, dentre estas novas manifestações culturais, capazes de ajustá-
los à sociedade vigente.
Neste âmbito, estão presentes dois discursos, duas memórias antagônicas: uma
memória oficial – que se baseia na decadência/desaparecimento do samba dos negros, na
realização do samba por sambadores locais, na sua decadência e no seu ‘resgate’ na
década de 1990, impulsionado pela prefeitura local – e uma memória dos sambadores e
moradores da cidade – esta bastante fragmentada e internamente dividida, considerando a

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memória enquanto um processo elaborado no tempo histórico, passível de mudanças


(PORTELLI, 2006). Esses sambadores e moradores da cidade assumem o discurso oficial
em alguns momentos, entretanto em suas falas o negam ao confirmar a presença de negros
sambadores na cidade de Pirapora pelo menos até meados de 1960-1970.
A narrativa oficial possui, portanto, uma dimensão mítica, operando como uma forma
de autorrepresentação da cultura local (institucional) em relação ao samba na cidade. De
acordo com esse discurso as duas principais instituições da cidade, a Igreja e a prefeitura,
regulam com plenitude a prática do samba, portanto a primeira instituição proibiu a
manifestação e fechou o barracão, sendo que a segunda a ‘resgatou’ do esquecimento. Tal
perspectiva encobre e torna míope a dimensão de resistência cultural que representou a
continuação da prática do samba de bumbo na cidade, realizado por grupos de diversas
localidades, no período após a proibição da manifestação no barracão.

4. Tradição e pós-modernidade: novas práticas em torno do samba

O samba de bumbo em Pirapora passou a ser executado por uma organização


fechada com a formação do atual grupo “Samba de Roda” a partir do ano de 1994, quando
alguns funcionários da prefeitura local se reuniram no intuito de “preservar” e “resgatar”7 a
manifestação realizada na cidade.
Este processo de ligação do grupo “Samba de Roda” à prefeitura acarretou novas
maneiras de se conceber o samba por parte dos sambadores e também no que concerne à
instituição mencionada. As mudanças mais evidentes centram-se nas apresentações
realizadas pelo grupo; nos ensaios para apresentações, e não mais prática
descompromissada e socializadora do samba; no reconhecimento deste enquanto uma
opção a mais de lazer por parte de seus membros. Acrescenta-se a padronização da
vestimenta; a limitação do grupo com um quadro de integrantes determinado; a formação de
um repertório de sambas nas apresentações, sem a ocorrência do improviso; e a existência
de novas problemáticas com a inserção da prática em apresentações remuneradas, como a
divisão do cachê etc.
Neste processo de institucionalização da manifestação cultural, a prefeitura local
promove o samba em duas dimensões: enquanto patrimônio cultural local e enquanto
potencialidade turística. Portanto, o samba, em seu aspecto cultural, é hoje inserido nas
atividades turísticas, juntamente com a dimensão religiosa e o “esporte radical” praticado na

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Termos utilizados pelos sambadores locais.
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localidade. Como um processo recente o samba vem, paulatinamente, adquirindo


importância como elemento capaz de contribuir para a dinamização da economia local.
Neste processo, há a emergência de símbolos que promovem a cidade de Pirapora
enquanto local ligado diretamente à gênese do samba paulista como um todo (sobretudo do
samba urbano paulistano). Nota-se, desta feita, os símbolos de “autenticidade”, de “raiz”, de
“singularidade”, e o mito fundacional de Pirapora como “berço do samba” paulista, utilizados,
sobretudo, para a promoção dos sambistas paulistanos e da prefeitura local. Contudo, tais
dimensões que remetem à “genuinidade” da cidade no tocante ao samba paulista como um
todo (samba de bumbo e samba paulistano) são amplamente utilizadas na divulgação
turística de Pirapora em relação à sua potencialidade enquanto entretenimento capaz de
oferecer divertimento para os turistas já presentes na cidade. O samba local, representado
pelo grupo “Samba de Roda”, já tendo passado por um processo que propiciou que este se
atrelasse à prefeitura, com a ideia de “resgate” de “valorização” do samba, já destituído de
sua dimensão de resistência, das condições em que foi inicialmente produzido, hoje
representa um importante “nicho” de mercado a ser explorado.
Estes novos significados assumidos pelo samba podem ser entendidos como parte
de um complexo de mudanças ocorridas na atualidade em relação às manifestações
culturais tradicionais. Carvalho (2004) ressalta tais re-significações em torno das
manifestações culturais de origem afro-brasileira, sobretudo no que tange à exploração
comercial destas formas artísticas tradicionais. O autor menciona, inclusive, a função de
entretenimento que tais manifestações culturais assumem nos dias atuais, entendendo-a
como um dos pilares do modo de viver capitalista.
Essas novas concepções em torno do samba também podem ser pensadas
considerando-se a fragmentação da identidade cultural na pós-modernidade e o fenômeno
da globalização (HALL8, 2005; WARNIER, 2003). Hall, bem como Warnier, considera que a
globalização não é um fenômeno recente, sendo que desde 1970 vem ocorrendo este
acelerado processo de integração global. No interior destes processos globais, de
intercâmbio do que o autor denomina como fluxos culturais, de consumismo global, há a
possibilidade de “identidades partilhadas”, “públicos” para as mesmas mensagens,
“consumidores” para os mesmos bens. Contudo, considerando tal processo, há uma grande
infiltração cultural que impossibilita a manutenção nas identidades culturais intactas, como,
por exemplo, no que concerne às culturas nacionais.
Conforme a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos, pelas
imagens da mídia, pelos sistemas de comunicação interligados globalmente, as identidades

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O autor utiliza esse termo enquanto conceito de época atrelado, sobretudo, às mudanças em
contexto mundial ocorridas a partir da segunda metade do século XX.
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se desvinculam de histórias e tradições específicas, de lugares e tempos, dando a


impressão de estarem, de acordo com Hall, “flutuando livremente”. Há, portanto, uma tensão
entre o “global” e o “local”. E, mesmo considerando este processo de homogeneização
cultural, é possível apontar algumas contratendências. A essencial propõe que ao lado deste
processo de homogeneização há também uma fascinação pela diferença, pela a
mercantilização da “alteridade” e da etnia. Há, contudo, uma nova articulação entre o
“global” e o “local”: há, juntamente com o impacto do ‘global’, um novo interesse pelo ‘local’.
A globalização (na forma de especialização flexível e da estratégia de criação de ‘nichos’ de
mercado), na verdade, explora a diferenciação local. São produzidas novas identificações
“locais” e novas identificações “globais”.
De prática cultural reprimida e proibida em Pirapora, no final da década de 1930, o
samba passou, em pouco mais de meio século, a se constituir em uma expressão exaltada,
a circular em meios privilegiados, de notoriedade. Passou a estar intimamente atrelado à
imagem da cidade9, a ser componente oficial de todas as comemorações ocorridas em
Pirapora. Considerando que o samba urbano paulistano possui características musicais
divergentes dos padrões rítmicos e melódicos do samba de bumbo, o título de “berço do
samba” paulista para a cidade de Pirapora soa um tanto inadequado. De outro modo, e o
que, sim, caracteriza a importância da cidade no que tange ao patrimônio cultural imaterial
paulista, é a capacidade de agregação de sambas de bumbo que a cidade manteve até
meados de 1970 e a continuidade do samba local que, mesmo com todas as re-
significações, ecoa nos dias atuais a música de sambadores de outrora.

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Em 2003 foi criado em Pirapora o grupo “Vovô da Serra Japi”, outra organização de samba de
bumbo fundada por Márcio Risonho.
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Referências bibliográficas

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IANNI, Octavio. O samba de terreiro. In: Uma cidade antiga. Campinas: Ed. da Unicamp;
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MANZATTI, Marcelo Simon. Samba Paulista, do centro cafeeiro à periferia do centro: estudo
sobre o Samba de Bumbo ou Samba Rural Paulista, 2005. Dissertação (mestrado)–
Departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São
Paulo, 2005.

OLIVEIRA, Ernesto Veiga. Instrumentos musicais populares portugueses. Lisboa: Fundação


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PORTELLI, Alessandro. O massacre de Civitella Val di Chiana (Toscana, 29 de junho de


1944): mito e política, luto e senso comum. In: FERREIRA, Marieta; AMADO, Janaína
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2006. p.103-130.

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de corpo e alma (catálogo). São Paulo: Associação Brasil 500 Anos Artes Visuais, 2000.

WARNIER, Jean-Pierre. A mundialização da cultura. Bauru (SP): EDUSC, 2003.

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“BAMO SAMBÁ”

Edson Roberto de Jesus1

Resumo: No contexto social, econômico, político e cultural, situado entre o momento de


ruptura do sistema escravista e a formação do mercado de trabalho capitalista na cidade de
São Paulo, final do século XIX e início do século XX, a discriminação e marginalização da
população negra já se manifestava abertamente. No afã de constituir uma sociedade
europeia nos trópicos, os esforços empreendidos pela elite branca paulista implicavam a
marginalização e a desqualificação cultural da população negra, significando negativamente
seu legado cultural. Excluída dos processos sociais em desenvolvimento e afastada dos
meios que possibilitariam sua inserção e ascensão social, essa população negra gestou
inúmeras formas de resistência e de afirmação de sua identidade. Dentre essas
manifestações, ganha relevo o Samba Paulista enquanto manifestação cultural que conflita
com os valores e ideais estabelecidos pelas elites dominantes. Ele representa uma
inequívoca demonstração de resistência ao imperativo social (escravagista) de redução do
corpo do negro a uma máquina produtiva da mesma forma como é afirmação de
continuidade do universo cultural negro-africano.

Palavras-chave: Samba. Samba paulista. Cultura negra. Resistência.

O crescimento econômico e demográfico da cidade de São Paulo, impulsionado pelo


cultivo do café e pelo intenso processo de imigração, no final do século XIX e início do
século XX, transfigurou a cara da cidade que, até o século XVIII, era um recatado centro
econômico-comercial, provinciano e de importância secundária.
No final do século XIX, pelos idos de 1872, a população negra escrava na província
de São Paulo correspondia a 156.612, aproximadamente 18,7% da população. Depois de
um período consoante à transformação da região no maior centro produtor de café do país,
marcado pela crescente ampliação do número de escravos negros, em 1811 essa
população correspondia a 38.542 cativos, passando a 78.858 cativos em 18362. Talvez,
dado ao intenso processo de imigração, a população negra na cidade de São Paulo vê
reduzida sua participação na composição populacional da cidade.

Se em 1872 eram quase 12.000 negros que perfaziam 50% da população,


em 1890 eles são menos de 11.000 para uma população de 64.934
habitantes, ou seja, em 18 anos a presença negra baixou de metade da
população paulistana para 16,90%. Tal fato foi agravado ainda mais nos
três anos subseqüentes quando os domiciliados em São Paulo duplicaram,

1
Bacharel e licenciado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-
SP). Mestre em Antropologia Cultural pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor
do Curso de Comunicação Social da Universidade Cidade de São Paulo (Unicid). Diretor do Projeto
Cultural Samba Autêntico. Coordenador do Projeto Rua do Samba Paulista.
2
ANDREWS, Georg Reid. Negros e brancos em São Paulo (1888-1988). Bauru: Edusc, 1998. p. 55.
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3
atingindo mais de 160.000 pessoas das quais 55,00% eram estrangeiros.

Transportando algum tipo de compra ou mercadoria, lavando, levando e trazendo


roupas, carregando latas d’água, despejando latas de dejetos ou cuidando dos animais, a
população negra-escrava somente circulava pela cidade trabalhando. Suas atividades
estavam vinculadas às necessidades do Senhor, não desenvolviam atividade produtiva de
fato, limitando-se aos serviços internos das casas ou a eventuais serviços externos, exceto
nos dias de festas quando podiam circular com maior desenvoltura pela cidade e, mais para
o final do século, quando passaram a exercer qualquer atividade, por tempo e preço
combinado com antecedência, ganharam as ruas do centro urbano onde trabalhavam,
cantavam, conversavam, contribuindo assim para que as ruas da cidade fossem permeadas
por atividades que as dotaram de um espírito urbano característico.
A população negra composta pelos inúmeros libertos antes da abolição da
escravatura já desenvolvia atividades comerciais de pequeno porte, pequenos negócios,
atividades de ambulantes e, às vezes, recebiam ajuda e colaboração das Irmandades
Católicas protetoras dos negros. Segundo Antonio Egydio Martins, na Igreja de Nossa
Senhora do Rosário

[...] pequenos prédios térreos [...] eram habitados por casais de pretos
africanos que, depois que conseguiram libertar-se do cativeiro,
estabeleciam-se com quitanda, nos mesmos prédios em que residiam, [...]
procurando, logo que podiam, comprar uma ou duas crioulas ou mulatas,
4
que tinham a infelicidade de ser suas escravas.

As negras quitandeiras e quituteiras, embora não fossem baianas, andavam vestidas


como tal, vendendo seus acepipes em tabuleiros nos locais públicos, como ruas e praças,
cantando seus pregões. Muitas ficaram famosas, como a mulata Genoveva, a parda Maria
Punga, a morena Sinhara, a preta Rita Cachinguelê, a cafuza Maria Cabinda, que
quebravam o silêncio da cidade com suas vozes a anunciar:

Compre os docinhos bão


de quem aqui num mora
Compre, compre, meu branco
5
qu’eu já vô siimbora!

Cocadinha, Sinhá!
[...] Óia o bolinho de bagre!
Óia o pinhão miquiquerê!

3
MORAES, José Geraldo Vinci de. As sonoridades paulistanas. A música popular na cidade de São
Paulo (final do século XIX – início do século XX). Dissertação (Mestrado em História)– Pontifícia
Universidade Católica, São Paulo, 1990. p. 35.
4
MARTINS, Antonio Egydio. São Paulo antigo – 1554-1910. São Paulo: Paz e Terra, 2003. (Coleção
São Paulo, 4). p. 325.
5
DELLA MÔNICA, Laura. História da banda de música da polícia militar do Estado de São Paulo. 2.
Ed. São Paulo: Tipografia Edance, 1975. p. 27.
2
Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev. 2010

6
Óia o içá p’rá vassuncê!

No entanto, essa nova condição dos negros, escravos ou libertos, não estava em
consonância com o projeto urbano de modernização da cidade, conforme os modelos de
civilidade considerados mais adequados pelos padrões estéticos europeus. Tratando de
extinguir possíveis oposições e focos contrários a essas pretensões, os poderes públicos
trataram de adotar de forma imediata uma série de medidas destinadas a controlar, restringir
e obstruir essa experiência da população negra. Em 1886 é adotado o Código de Posturas,
que deslocava os mercados para os bairros, impedia as quitandeiras de comercializarem e
os pais de santos de exercerem suas atividades. Mesmo as Irmandades, como a de Nossa
Senhora do Rosário, localizada na Praça Antonio Prado e, posteriormente, transferida para
o Largo do Paissandu sob pressão do poder municipal, são afetadas por essa prática da
administração pública7.
Assim, no processo de renovação urbana e de instauração de uma “nova ordem
social”, a população negra da cidade de São Paulo é submetida a um processo nefasto e
hostil de inserção social, econômica e – porque não dizer – política, sendo instada a
permanecer nas fímbrias sociais, à margem de todo curso de acontecimentos, e nos
espaços recônditos, mais sombrios e afastados.
Escravo, ex-escravo ou liberto. Ao passar por essas três condições, o status social
da população negra é acompanhado por um processo de redefinição do seu espaço social.

De escravo ele passa a ser livre, mas marginal, com uma cidadania precária
mesmo em relação aos imigrantes pobres; sua alternativa é esquivar-se
para modos informais de sobrevivência – como já ocorria antes da abolição.
Nestas condições adversas e num espaço social exíguo e excludente, suas
expressões culturais teriam papéis importantes para minimizar ou, ao
menos sublimar os obstáculos impostos pela sociedade e sua “nova” ordem
8
urbana.

Três áreas geográficas localizadas em zonas distintas da cidade, com aspectos


sociais e econômicos bastante análogos, constituiriam-se como espaços distintivamente
negros, dada a convergência da população negra para essas localidades, no período
compreendido entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX: a Baixada
do Glicério (Lavapés/Liberdade), a Barra Funda e a Bela Vista (Bexiga). Merece ser
ressalvado que os bairros do Jabaquara e do Bosque da Saúde, à época bastante afastados
do centro da cidade, também se converteram em pólos de ajuntamento e concentração da
população negra na cidade de São Paulo. Essas três localidades se notabilizavam por sua

6
MUNIZ JÚNIOR, José. Do batuque a escola de samba. São Paulo: Ed. Símbolo, 1976. p. 105.
7
MOURA, CLÓVIS. Organizações negras. In: SINGER, Paul; BRANT, Vinicius C. (Orgs.). São Paulo,
o povo em movimento. 2. Ed. São Paulo: Vozes; Cebrap, 1981. p. 143.
8
MOURA, CLÓVIS. Organizações negras. In: SINGER, Paul; BRANT, Vinicius C. (Orgs.). São Paulo,
o povo em movimento. 2. Ed. São Paulo: Vozes; Cebrap, 1981. p. 36.
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Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev. 2010

proximidade da região urbano-comercial localizada no centro da cidade, por serem


contíguas a bairros notadamente reconhecidos como da elite paulistana (Campos Elíseos,
Avenida Paulista e Liberdade) e por serem regiões precárias, deterioradas e desvalorizadas,
onde eram localizadas as habitações mais baratas e em geral coletivas.
Samuel H. Lowrie, ao abordar a disposição espacial da população negra na Cidade
de São Paulo, informa que ela estava distribuída conforme “[...] duas condições: moradias
baratas e proximidade de classes que os possam admitir como empregados domésticos”.9
Nas palavras de um senhor negro, recordando suas condições de trabalho à época:

[...] os negros eram quase tantos quantos os italianos, na época, em São


Paulo, [mas] viviam totalmente desintegrados [...] Os imigrantes – na
indústria e no comércio. Para o negro sobrava só a tarefa de lavar casas,
limpar escritórios, carregar lenhas e outras cargas. Éramos todos
subempregados. Via-se muito, na época, negros puxando carrocinhas pela
cidade ou fazendo ‘ponto’ na [rua] Quintino Bocaiuva, com latas e escovões
nas mãos, à espera de ser chamado para limpar uma casa aqui, raspar um
10
assoalho ali.

Esses bairros, que abrigavam uma vasta proporção da população negra da cidade,
também acolhiam uma população pobre de origem local ou imigrante, mas com uma divisão
espacial peculiar: os brancos ocupavam as ruas mais urbanizadas; os negros habitavam as
ruelas, os becos e os locais alagadiços.
Barra Funda, Bexiga e Baixada do Glicério são as regiões onde foram se instalar as
várias famílias, com graus distantes ou próximos de parentesco, pessoas recém saídas da
zona rural e negros paulistanos, os maridos que desempenhavam pequenos bicos,
trabalhavam nos armazéns da E. F. São Paulo Railway e as esposas que trabalhavam como
empregadas domésticas nos bairros nobres dos Campos Elíseos, da Paulista e da
Liberdade. Ao tornar-se densamente povoada por negros, a região da Barra Funda passa a
ser palco das atividades ligadas à vivência de suas tradições e cotidiano. Como descreve
Seu Zésinho do Morro da Casa Verde: “[...] lá era esburacado, então era lá que nóis fazia
samba, lá que nóis fazia tudo aqueles negócio. Foi dali, da confluência da Rua Souza Lima
com Vitorino Carmilo, da casa de Dionísio Barboza, que em 1914 saiu o primeiro desfile do
Cordão Camisa Verde, reunindo seus parentes e amigos no folgar carnavalesco.”11
O Bexiga, inicialmente povoado pela população negra, tem suas origens assentadas
no século XIX. Ali, em meados do citado século, foi fundado um quilombo semi-rural, o
quilombo da Saracura. Dado que a região era de difícil acesso, era para lá que os negros
escravos fugitivos se dirigiam a fim de obter refúgio. Apesar de sua formação populacional

9
LOWRIE, Samuel H. O elemento negro na população de São Paulo. Revista do Arquivo Municipal
de São Paulo, v. 4, São Paulo, 1938.
10
ANDREWS, George Reid. Negros e brancos em São Paulo (1888-1988). Bauru: EDUSC, 1988. p.
113-114.
11
SIMSON, Olga Rodrigues de Moraes Von. Op. cit. p. 85.
4
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ser patentemente popular, a região desenvolveu-se de modo bastante peculiar, diverso


daquelas duas outras regiões: não foi pela instalação de indústria e nem tampouco pela
construção de ferrovia. Em face à intensificação do processo de imigração, uma grande
parcela de italianos se estabelece na região; numerosos, impõem seus costumes, padrões e
visões de mundo.
Parte do Bexiga começa a se tornar mais nitidamente negra à medida que a
população negra via ocupando as escarpas mais íngremes do vale, às margens do riacho
Saracura, em decorrência da destruição das residências coletivas do centro da cidade em
virtude do projeto de reforma do antigo centro, que expulsou uma grande parcela de negros
para uma região próxima e mais barata, e com a construção da Avenida Paulista, pois ela se
tornou uma área contígua à uma região de elite, havendo, portanto, um amplo mercado de
trabalho doméstico para os negros, já que mesmo os imigrantes pobres raramente
realizavam essas funções.
O bairro do Bexiga se instituiu como um bairro onde a população negra vivia na área
dos imigrantes italianos, onde os espaços e lugares estavam definidos e a estratificação
social se impunha organizando e regrando os segmentos étnicos que compunham sua
população. Os italianos eram comerciantes, oficiais artesãos e moravam em moradias
melhores ou em boas condições. Os negros apenas viviam nessa área. Os imigrantes
italianos viviam do pequeno comércio, das oficinas artesanais, como barbeiros, padeiros e
operários, residindo em boas ou razoáveis moradias. Os negros somente viviam nessa área
marcada pela hegemonia cultural, material e social dos imigrantes.
A região da Lavapés/Liberdade (Baixada do Glicério) tem por característica o contra-
senso de ter, entre a sua população, abolicionistas como Antonio Bento, Juca Frade e João
Mendes da Gama, que lutavam pelo fim da escravidão, e supliciadores, que aplicavam
duras penas corporais nos negros-escravos. Destaca-se a sua riqueza de manifestações
profanas e religiosas, sendo a mais famosa a Festa da Santa Cruz, que ocorria no Largo da
Forca, na Igreja dos Enforcados. A princípio, caracterizava-se por ser uma região de refúgio
de escravos fugitivos e de abolicionistas. No transcorrer da realização do plano urbano de
remodelação do centro da cidade, inúmeros representantes da população negra na cidade
se estabeleceram na região devido aos baixos custos de moradia e à proximidade com a
região comercial do centro da cidade. “No Glicério, na sua Baixada, zona menos valorizada
do bairro, porque muito alagadiça, pois por ela passava o Córrego do Lavapés, era o local
onde residiam as famílias negras e onde se formaram o Bloco das Baianas Teimosas, o
Cordão Paulistano da Glória e, em 1937, a famosa Escola de Samba Lavapés”.12
A luta incessante da população negra contra o racismo, o preconceito e a
12
SIMSON, Olga Rodrigues de Moraes Von. Brancos e negros no carnaval popular paulistano –
1914-1988. Tese (Doutorado em Antropologia Social)– FFLCH/USP, São Paulo, 1989. p. 85.
5
Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev. 2010

discriminação da qual era vítima, visando sua inserção e integração social, foi marcada, no
transcorrer da história, por inúmeras iniciativas voltadas à sua organização e mobilização.
Apesar de segregados por uma sociedade que insistia, e insiste, em não reconhecer essa
população como coparticipante do processo de construção dessa sociedade. Porém, a
história da vida associativa da população negra no Brasil remonta aos tempos coloniais,
quando essa empreendia formas de associação que envolviam escravos e ex-escravos
negro-africanos e afrodescendentes. Abertas e públicas como as irmandades religiosas,
secretas e disfarçadas como a capoeira e o candomblé, todas essas ações tinham por pano
de fundo satisfazer as necessidades culturais, religiosas, econômicas e humanas da
população negra.
A abolição, não contribuiu para a resolução das necessidades prioritárias da
população negra, antes trouxe um contingente novo de problemas e necessidades, mas
abriu possibilidades de organizações diversas serem empreendidas – com graus de
autonomia, independência e liberdade notáveis quando comparados às experiências
anteriores.
As irmandades religiosas sobreviveram intactas à abolição e, em São Paulo, a
Irmandade do Rosário, fundada em 1711, e a Irmandade da Nossa Senhora dos Remédios,
fundada em 1836, não somente desempenharam papel fundamental no processo da
abolição como também guardam um caráter emblemático: a realização das danças em seus
terreiros ou na rua. Fato que originou uma grave tensão entre essas irmandades e as
autoridades hierárquicas da Igreja, que consideravam essas manifestações – a música e a
dança negro-africanas ou afrodescendentes – disparates que desonravam e humilhavam a
dignidade da Igreja.
Abolida a escravidão, outras organizações tomam corpo, como um aproveitamento
da oportunidade de se organizar em conformidade com o grau de autonomia, liberdade e
independência possibilitado pelo novo regime. Várias organizações são criadas, com caráter
e organização inerentes às aspirações sociais dos membros. Organizações informais
destinadas apenas a promover a agregação da população negra, que se reuniam
regularmente para cantar, conversar, tocar música, organizar bailes, viagens, levantar
fundos etc., posteriormente desencadearam processos de formação dos grupos de carnaval.
Em sua maioria, tais organizações tinham por recorte a sua concentração em atividades de
lazer e de recreação.
Imperceptível para a “nova” ordem urbana, a população negra, cujas conquistas são
tímidas, busca tornar sua história também história da cidade de São Paulo. A história da
população negra não está registrada nas faces dos edifícios, nos viadutos, nos nomes
internacionalizados das companhias de serviços urbanos e das companhias teatrais. No
entanto, essa população buscava outras formas de se manifestar e inscrever na cidade suas
6
Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev. 2010

experiências.
Assim, além de marcar presença nos espaços urbanos da cidade concentrando-se
em regiões que se tornavam autênticos territórios negros, onde podiam viver de acordo com
regras que eles próprios estabeleciam informalmente, abrindo possibilidades para o
exercício de suas práticas sociais e culturais, constitui-se uma leitura, ainda que diminuta e
rarefeita, mas certamente diferenciada da cidade, renovando seus trajetos e formas
culturais, recriando suas práticas com o fim de tentar sobreviver e de afirmar e reafirmar
sua, ainda que precária, cidadania, elaborando, de modo modesto e criativo, novas formas
de “manter vivas suas tradições”.
Danças, cantos e músicas, independente de suas variações locais, provindas do
Batuque negro-africano, outrora comumente denominados por batuques, passam, a partir do
século XIX, a ser conhecidos e denominados como Samba. Não obstante essa condição, o
Batuque assumiu, nas diversas regiões do país, feições diversas, próprias e bastante
particulares.
Diverso, em São Paulo, o Batuque assumiu feitio, tempero e sabor peculiar,
elementos presentes em inúmeras abordagens narrativas que, apesar do ranço racista e
preconceituoso dos autores, trataram de registrar essas diversas manifestações. Affonso A.
de Freitas descreve que, por volta do final do século XIX

[...] o samba, amálgama das múltiplas danças regionais, da capoeira, do


lundu, do jongo, batucado em quase todas as fazendas e sítios do Estado
de São Paulo e fundamente desfigurado pelo perpassar do tempo e da
civilização, é tudo quanto resta dos costumes característicos do povo
oprimido.

A pomba vuô; vuô, sentô


Arrebente o samba qu’eu já vô
Eh! Pomba! Eh!
Eh! Pomba! Eh!
Serena, pomba, serena:
Não deixa de serená!
O sereno desta pomba
Lumeia que nem metá!
Eh! Pomba! Eh!
Eh! Pomba! Eh!
A pombinha vuô no chão
O amô no coração,
Eh! Pomba! Eh!

[...] Entoava no samba de há uns quarenta anos passados, o ébano


figurante, ao som ritmado dos tambaques, adufes e chocalhos, num
saracoteio infrene, em contorsões grotescas, sem arte e sem estética,
lúbrico, torpemente lascivo no rebulir de quadris, que era o momento calmo
da dança, o ‘sereno da pomba’, enquanto os parceiros, pretos e pretas que
o cercavam em círculo, agitados em permanente peneirar de nádegas,
repetiam na mesma toada, o estribilho. [...] Afinal já quase exausto, a fronte
gotejante de suor, entreparava o dançador em frente à parceira que mais
lhe agradara, desenvolvendo a dança em requebros de desafio até a
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Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev. 2010

figurante distinguida pela preferência sair a terreiro. [...] Então, entre os dois,
desenvolvia-se um jogo de negaças amorosas que se desdobrava, tardio às
vezes, às vezes rápido, terminando invariavelmente em recíproca
13
umbigada, lúbrica, lasciva, obscena [...]

Em meio aos debates, confrontos entre os batuqueiros das diversas cidades por
intermédio de versos improvisados, a dança, a música e o canto tomavam corpo e tomavam
o corpo. Mário Wagner Vieira da Cunha, relatando o que ocorria nos barracões na Festa de
São Bom Jesus de Pirapora, nota que no desenvolvimento da performance

[...] os indivíduos mantém o corpo um pouco curvado para a frente, e a


cabeça erguida com os olhos postos no além. As pernas, levemente
flexionadas, se realizavam no movimento da marcha, não havendo
elevações do tronco. Os braços conservam-se no geral retesados, estando
as mãos na altura dos ombros. A mais intensa e característica
movimentação é a dos quadris. Negras de ancas volumosas têm uma
habilidade inigualável em fazê-los girar em grandes círculos ou em avançá-
14
las e recuá-las.

Essa “performance”, atuação, interpretação, representação e desempenho, levada a


efeito no estado de São Paulo, tinha por centros importantes as cidades de Capivari,
Caçapava, Tietê, Laranjal Paulista, Porto Feliz, Piracicaba, Araçaoiaba da Serra,
Guaratinguetá, Cunha, Lorena, São Bom Jesus de Pirapora, Jundiaí, Campinas, Guaxupé,
Redenção da Serra, São Simão, Jacareí, Sorocaba, Limeira, Rio Claro, São Pedro, Itu, Tatuí
e São Carlos, dentre outras, e na capital em função da migração da população negra dessa
região. Também a região litorânea, desde o século XVI, registra a ocorrência do Batuque em
diversos engenhos de cana-de-açúcar na Ilha de São Vicente, também denominada de
Engenho do Governador, no entreposto de comércio de negros-escravos localizado no
povoado de Cubatão15. Na cidade de Santos,

[...] houve até um Rei Batuqueiro, o famamaz Pai Felipe, que chefiava o
Quilombo da Vila Mathias, que ficava nas fraldas do Monte Serrat, e que
ficou famoso devido às batucadas que promovia... Dizem até que, durante
os festejos da Abolição da Escravatura, Pai Felipe saiu com sua gente pelas
ruas da cidade, batucando com seus ‘tambaque’ e ’adufos’, e que, junto do
Largo do Carmo, formou uma grande roda onde sambaram lado a lado com
os brancos abolicionistas. [...] Existiam também as famosas ‘batucadas’,
cujas rodas se formavam lá no alto do Monte Serrat e durante os festejos
consagrados à Padroeira da Cidade... onde se defrontavam os ‘bambas’ do
16
samba ‘pesado’, da ‘pernada’.

Na capital do estado de São Paulo, o Batuque irradiava-se pela cidade – Largo de

13
FREITAS, Affonso A. de. Tradições e reminiscências paulistanas. 2.ed. rev. e aum. São Paulo:
Livraria Martins Editora, 1955. p. 150-151.
14
CUNHA, Mário Wagner da. Descrição da Festa do Bom Jesus de Pirapora. Revista do Arquivo
Municipal, São Paulo, Ano IV, v. 41. p. 5-36, 1937.
15
LIMA, Rossini Tavares de. Op. cit. p. 66. e FREITAS, Affonso A. de. Tradições e reminiscências
paulistanas. 2. ed. rev. e aum. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1955. p. 152-153.
16
MUNIZ JÚNIOR, José. Do Batuque à Escola de Samba. São Paulo: Ed. Símbolo, 1976. p. 100.
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Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev. 2010

São Bento, Chafariz da Misericórdia, Igreja de São Benedito, Largo do Rosário. Após a
concessão oficial de licença para a realização de danças de pretos ou danças de negros, a
população negra, escrava e liberta, realizava suas “[...] danças e os cantores rompiam ao
ruído seco do ‘reque-reque’, ao som rouco e soturno dos ‘tambus’, das ‘puítas’ e dos
urucungos que, com a marimba solitária, formavam a coleção dos instrumentos africanos
conhecidos em nossa terra.”17

17
Freitas, Affonso A. de. Op. cit. pp. 149-150.
9
Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev. 2010

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CENTRALIDADES DO CARNAVAL PAULISTANO: Formação, explosão e negação

Rodrigo Linhares1

Resumo: Este artigo apresenta a festa carnavalesca paulistana em três momentos: há a


festa como centralidade ausente – o entrudo; a seguir, implementada como centralidade
complexa e eventualmente descontrolada, a festa carnavalesca do século XIX. Neste passo,
o projeto da burguesia cafeeira paulista era o de varrer fora o entrudo; fracassado e revisto,
porém, o projeto retorna como incentivo às novas manifestações festivas surgidas do atrito
entre Sociedades e Entrudo, mas desde que disciplinadas. Por fim, no movimento de
metropolização e desgaste da vida de bairro, o carnaval reconstitui-se como falsa
centralidade, como espetáculo carnavalesco no “sambódromo”.

Palavras-chave: Carnaval. Cidade. Escola de Samba.

1. O Carnaval Espetáculo: a centralidade negada

Pode-se dizer que a festa que hoje conhecemos teve como centralidade inicial, no
final da década de 1960, a Avenida São João. Lá foram erguidas as arquibancadas e os
palanques da primeira competição unificada de agremiações carnavalescas. Anos depois,
em 1977, o desfile foi transferido para a Avenida Tiradentes. As interferências no trânsito
desta via, porém – impostas pela realização das festividades –, logo tornaram precário este
novo endereço. Em 1991, a centralidade dos desfiles carnavalescos transfere-se para o
“sambódromo”, no Parque Anhembi, onde permanece até hoje.
Este equipamento urbano peculiar, o sambódromo, foi concebido segundo uma
oposição fundamental entre, de um lado, os desfilantes – que percorrem a avenida – e, de
outro, a plateia – que ocupa as arquibancadas que a ladeiam. Nas extremidades deste
conjunto linear existem dois largos pátios: mais a leste, a concentração – onde permanecem
organizadamente os carros alegóricos até que a escola de samba, então em desfile, venha
retirá-los –; mais a oeste, a dispersão – ocupada pela escola que, terminando sua
apresentação, precisa agora “desarmar-se”. Mas a separação não é apenas entre avenida e
plateia, partida e chegada – ela se propaga em vários níveis. Na avenida, exemplarmente,
sob a aparência de uma unidade linear movente encontramos algumas divisões: os que
desfilam no chão, os que desfilam em cima dos carros e os que desfilam em lugares
privilegiados na organização dos elementos cênicos do carro. Há uma espécie de hierarquia
1
Bacharel e licenciado em Ciências Sociais pela FFLCH-USP. Mestre em Geografia Urbana pelo
Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana do Departamento de Geografia da FFLCH-USP
com a dissertação: “Da Festa da Representação à Representação: apontamentos sobre a
transformação do tempo-espaço carnavalesco”. O artigo aqui apresentado inspira-se nesta
dissertação.
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Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev. 2010

da visão organizando estas categorias segundo uma oposição entre alto e baixo – sendo
que o alto é, ao mesmo tempo, o mais visível e o mais destacado do conjunto. A plateia, por
seu turno, além da separação mais pronunciada que a dispõe em margens distintas da
avenida, secciona-se também em blocos. Cada um deles compõe-se de uma arquibancada,
de um camarote – que, ocupando o desvão entre o cimo da arquibancada e o chão, dá em
grandes janelas para a avenida – e, finalmente, de uma espécie de passeio que acompanha
a pista e onde estão dispostas mesas e cadeiras. Na plateia, que por sua vez também é
vista, o mais alto é que tem menos destaque e somente é visível em conjunto; ao contrário,
o mais recluso dos lugares – os camarotes – torna-se, através das lentes da imprensa,
detalhadamente publicizado. Através destas lentes, outro público – completamente invisível
e sem destaque – espalha-se ao redor do centro carnavalesco como uma plateia oculta: a
audiência televisiva.
A unidade que a falsa centralidade do carnaval espetáculo promove é apenas uma
unidade entre separados de antemão. Revela-se na aparência mesma do “sambódromo”:
um conjunto formado por simples justaposições de unidades isoladas. Nada deve lembrar
aquela porosidade áspera dos espaços de negociações, tensões e atritos, característica de
carnavais mais antigos; os fluxos são disciplinados, controlados. Por todo o lugar a limpidez
escorregadia, o privilégio imperial concedido ao mais abstrato dos sentidos – o olhar –, o
plano analiticamente fragmentado que se entrega facilmente ao esquadrinhamento.
Na história da festa carnavalesca quais rupturas podem ser reconhecidas entre, na
origem, aquela integridade centralizada e concentrada e, no ponto que estamos, suas
múltiplas fragmentações?

2. Entrudo: unidade descentrada da prática festiva e unidade comunitária

Até meados do século XIX – ou um pouco mais além –, a prática festiva na cidade de
São Paulo não havia ainda se desligado de seus conteúdos religiosos. Romarias, como
aquelas que anualmente dirigiam-se para a Igreja de Nossa Senhora da Penha, festas de
patronos de igreja e celebrações de datas importantes, como a do Divino Espírito Santo,
reuniam a maior parte da população da cidade e de seus visitantes. De outro lado, as
distâncias sociais também não pareciam determinar, ainda, qualquer cisão na unidade da
festa – descontando-se o fato, incipiente, de que algumas das famílias mais abastadas
preferissem assistir a tudo do alto de suas janelas. De qualquer modo, caso se insista em
tentar aplicar, neste momento, a dualidade agente/expectador, ela terá de implicar uma
ênfase, e não uma exclusividade de papéis.

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A partir da década de 1870, porém, esta coincidência estrita de atividades festivas


para todas as camadas urbanas será rompida. Enquanto, de um lado, as festas de largo vão
se consolidando como prática exclusiva de uma população menos abastada – de uma
população que havia desenvolvido nas ruas, durante o seu trabalho como vendedores e
biscates, o essencial de sua sociabilidade –, de outro lado, uma elite burguesa
recentemente enriquecida procura isolar-se em novos modos de sociabilidade festiva: ela
frequenta os teatros, engaja-se em sociedades recreativas e esportivas diversas, reúne-se
em cafés.
A ruptura da unidade das práticas festivas, desdobramento necessário de uma cisão
mais fundamental que se abre sobre a antiga continuidade comunitária, não se resolve,
porém, com um simples abandono dos festejos pela burguesia do café. Esta burguesia
passa a elaborar a ofensiva de um novo modelo de festa, um modelo que trazia em si,
previamente elaboradas, pretensões verdadeiramente civilizatórias. Em compasso com
outras burguesias ao redor do mundo, também na São Paulo do último quartel do século
XIX, através dos primeiros desfiles das grandes sociedades, luta-se pela hegemonia
carnavalesca sobre a cidade. O grande adversário a ser desalojado: o Entrudo.

2.1. Desfiles das Sociedades versus Entrudo: o projeto burguês sonhado, o


estabelecimento da centralidade carnavalesca

Nas terras coloniais da Coroa Portuguesa, por mais de dois séculos, o entrudo reinou
como a grande manifestação carnavalesca. Aqui, como lá, conservavam-se nesta prática as
mesmas características dos carnavais medievais: o entrudo associava a glutonaria
desenfreada às bebedeiras descuidadas; os excessos da mesa, por sua vez, num ambiente
de licenciosidade sexual, conjugavam-se com os da cama; por fim, pautando todos os
desbragamentos, cá e acolá pipocava constantemente a brincadeira selvagem e
escatológica do suja, molha e xinga.
Sob aquele nível de representações carnavalescas de anulação das distâncias
sociais, a brincadeira do entrudo, na verdade, desenvolvia-se segundo distâncias sociais
definidas:

Dentro das casas brincavam as famílias – respeitando-se a diferenciação de


nível econômico e social e utilizando-se de projéteis mais sofisticados, como
as laranjas e limões-de-cheiro –, enquanto nas ruas, os negros, os pobres,
os ambulantes, as prostitutas e os moleques molhavam-se e sujavam-se
com polvilho, pó de barro, águas de chafarizes e de sarjetas e um ou outro
limão-de-cheiro roubado das casas senhoriais. (FERREIRA, 2005, p. 30).

3
Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev. 2010

O que, no entanto, não desmente a existência de uma unidade compartilhada de práticas


festivas, bem como, entre os lineamentos de uma sociedade muito próxima ainda de
dinâmicas estamentais, a existência de uma comunidade do modo de vida.
Em inícios do século XIX, na capital do país, a recente burguesia carioca, animada
com outras ideias para a festa carnavalesca – ordem, regulamentação, purificação – e
esquivando-se aos costumes mais caracteristicamente portugueses, já sonha com uma
nova forma de se comemorar os dias carnavalescos. E nisso ela é seguida, com um lapso
de tempo maior ou menor, por outras burguesias locais – inclusive na cidade de São Paulo.
Levantaram-se assim, seguidamente, sem muito sucesso, e ao longo de quase toda a
primeira metade do século XIX, as tentativas mais convictas de isolamento e destruição da
farra do entrudo.
É com o modelo das promenades parisienses na cabeça que se formularão os
projetos burgueses de ocupação festiva das ruas. Através da promoção de luxuosos
cortejos de carros que a burguesia paulista, como a burguesia carioca antes dela, pretende
instalar a hegemonia espacial de seu projeto carnavalesco. Dispostos a impressionar pela
organização e ostentação, os partidários do chamado “Grande Carnaval” fundam a grande
centralidade carnavalesca. Ora, a brincadeira do entrudo realizou-se sempre em todo lugar
e, portanto, “em lugar nenhum”. As guerras de farinha ao mesmo tempo em que ocorriam
dentro dos sobrados, estouravam aqui, ali e acolá – em diferentes pontos das ruas e dos
passeios, improvisadas e imprevistas. Festejo carnavalesco que trazia consigo marcas
profundas de sua origem agrária, de brincadeira de pequenas vilas, o entrudo nunca se
realizou de modo centralizado, mobilizando em grande volume pessoas, coisas e técnicas.
Este não era o caso dos desfiles burgueses: já em seu planejamento – que estes festejos
exigiam um cuidadoso e antecipado planejamento – era fundamental que se pensasse em
um percurso que pudesse gerar grande reverberação pela cidade, que pudesse ecoar,
chamar à reunião, concentrar ao seu redor, ser ele mesmo o centro.
E, no entanto, a nova forma festiva, não apenas falhou em conseguir desalojar o
entrudo como pareceu mesmo acelerar e enriquecer esta forma mais antiga e popular do
festejo carnavalesco. Longe de comportar-se passivamente, a plateia dos desfiles das
sociedades continua a se entrudar. Mais: observa, aprende, organiza-se e, na forma de uma
verdadeira barafunda de grupos carnavalescos que começa a brotar do atrito com os
desfiles burgueses – sociedades, grêmios, cordões, zés-pereiras, tambores, blocos... –
passa a disputar lugar na recém-criada centralidade carnavalesca.

Até alta madrugada, as ruas do centro foram theatro dos divertimentos da


multidão e horas houve em que a passagem pelas ruas de S. Bento, Direita,
4
Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev. 2010

Quinze de Novembro e Praça Antônio Prado se tornou muito difícil. Muita


gente foi joguete dos encontrões de uma molecagem desenfreada e
algumas moças soffreram os effeitos da má educação de um grupo de
indivíduos cujos actos não puderam ser corrigidos devidamente, por se
tornar isso impossível numa rua completamente cheia de povo. (O ESTADO
DE SÃO PAULO, 15 fev. 1915 apud SIMSON, 1984, p. 161).

A centralidade carnavalesca paulistana se expande e explode. Saturada, guardando


em seu núcleo interior uma diversidade viva e acelerada de conteúdos, sujeita já a
convulsões, comoções e descontroles em massa, essa centralidade, na primeira década do
novo século, não pôde evitar sua explosão em um complexo festivo multinucleado. As
primeiras sub-centralidades serão formadas por iniciativa burguesa – de novo, num aparente
recuo –, mas logo se alastram também entre os bairros habitados pelos trabalhadores de
uma cidade que se industrializa velozmente:

Novos pontos de folia se espraiavam pelos vários bairros. Além do Brás,


concentrando o carnaval mais popular dos imigrantes, observamos a
realização de batalhas de confete e lança perfume na Praça da República,
no Largo do Coração de Jesus e no Largo da Liberdade; eram folguedos
carnavalescos reunindo as famílias elegantes residentes nesses bairros e
se realizando preferencialmente no período vespertino. (SIMSON, 1984, p.
159).
[...] a partir de 1911, já vinham sendo realizados corsos na avenida Paulista
e, nesse ano de 1915, com a finalização do asfaltamento do leito carroçável
daquela via, grandes cortejos foram programados para a artéria chic da
cidade. (SIMSON, 1984, p. 160).

2.2. O projeto burguês reformulado: regulamentação/disciplinamento de formas


carnavalescas, transbordamento da centralidade

O desmentido do programa burguês original não poderia simplesmente redundar no


abandono da festa por esta classe. A retirada peremptória das ruas para os salões seria
mesmo a contradição de uma espécie de “espírito” mundial da burguesia – de fato, um
modo de vida sintetizado nos ideais desse “espírito” – que não dispensa o exercício aberto,
público, da sociabilidade cotidiana. Exercitar, nas ruas e nas calçadas, nos cafés, nas
cervejarias e nos carnavais, este modo aberto de sociabilidade equivalia a declarar que as
ruas importantes da cidade não deveriam continuar entregues aos moleques, aos
vendedores pregoeiros e às prostitutas – gente que descendia dos antigos escravos ou que
havia conhecido por si mesma esta condição. Assim, a pretensão burguesa de controle da
festa, tendo de se haver com a complexidade da nova situação carnavalesca, abandona
seus traços mais exclusivistas e, reformada, passa a se exercer de modo mais conciliatório.
Sob o filtro das concepções do modernismo artístico de então e das últimas reformulações

5
Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev. 2010

do conceito de nacionalidade, os novos festejos que pipocavam da região de atrito criativo


entre o “entrudo” e a festa burguesa passam a contar com o beneplácito geral: desde que
despidos de suas feições mais agressivas, sujas e desbocadas, são agora expressões
genuínas de uma rica “cultura popular nacional”.
Não é outro o sentido da famosa administração municipal de Fábio Prado que, em
meados da década de 1930, pela primeira vez, organiza amplamente a realização dos
folguedos carnavalescos na cidade. "O Prefeito Fábio Prado [...] previu, para os vários
estratos sócio-culturais existentes em São Paulo, apresentações organizadas de todos os
tipos de práticas com locais e horários previamente definidos, valorizando assim as criações
carnavalescas populares” (SIMSON, 1989, p. 56-57). Em sua versão posterior e reformada,
o projeto carnavalesco burguês atinge, mesmo que efemeramente, o nível de uma política
oficial da cidade. As agremiações são ao mesmo tempo que fomentadas e incentivadas,
também disciplinadas, regulamentadas, fiscalizadas.
Se a unidade de práticas festivas está agora perdida – como também cada vez mais
a comunidade de modos de vida –, a cidade e a festa surgem no começo do século XX
como centralidades potentes. Nem tanto fragmentação, mas diferenciação e encontro. A
linguagem comum se enriquece sem ainda se perder. Do entrudo descentrado ao
estabelecimento de uma centralidade em que diferenças se encontram, se comunicam, se
enfrentam e se combatem – e daí para uma centralidade ampliada, explodida, reunião de
centralidades menores.
Dos subcentros carnavalescos que se desenvolviam em São Paulo neste início de
século, certamente que o Brás foi um dos mais vibrantes. Em fins da década de 1910, não
apenas os foliões dos bairros adjacentes – como Mooca, Pari, Belém, Tatuapé e Penha – o
frequentavam, mas gente de bairros bem mais distantes – como Lapa, Pinheiros e Pirituba –
também começava a chegar. De modo significativo, “os elementos mais foliões e arrojados
que participavam do corso distinto da Avenida Paulista, realizado nos mesmos dias de
carnaval, tomavam o rumo do Brás para se irmanar com as famílias imigrantes” (SIMSON,
1989, p. 33). Por essa época também até mesmo os préstitos das grandes sociedades
carnavalescas, nas terças-feiras, após a meia-noite, passaram a desfilar seus grandes
carros no carnaval do Brás – num outro gesto igualmente significativo da nova atitude em
relação aos festejos carnavalescos populares.
Nas décadas seguintes, em 1940 e 1950, o carnaval do Brás, como também o de
outros bairros – aquele da Água Branca, por exemplo –, desapareceria sem que os próprios
foliões soubessem exatamente das razões dessa extinção. É possível ver nesse
desaparecimento, retrospectivamente, as primeiras insinuações da futura metrópole: tanto

6
Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev. 2010

para o antigo bairro do Brás quanto para o da Água Branca, tratava-se do avanço de um
processo de especialização funcional que dissolvia a antiga complexidade da vida local na
nova complexidade, de feições analíticas, do todo metropolitano em expansão. Num caso,
como no outro, aquela característica implicação das moradias familiares com os
estabelecimentos comerciais, surgida como uma pequena unidade ao redor da estação de
trem, de algumas importantes fábricas – e sob a vigilância do pároco –, foi rompida com a
intensificação dos processos de integração dos bairros na futura metrópole. No Brás, a
progressiva concentração industrial e comercial ao longo de terminais de importantes eixos
de transporte – que faziam a ligação de São Paulo com a cidade do Rio de Janeiro e com
toda a região do Vale do Paraíba – expulsou boa parte das famílias para alguns bairros mais
a leste, como Tatuapé, Penha e Vila Matilde. Na Água Branca, surpreendentemente e de
maneira inversa, foi justamente a chegada de mais famílias, de acordo com as feições
estritamente residenciais que passariam a caracterizar aquela região, que fez dissolver a
antiga vida carnavalesca do bairro.

3. Metropolização da cidade: ordenamento analítico do espaço e da festa; persistência


das agremiações carnavalescas negras

O ápice da centralidade carnavalesca da cidade de São Paulo – que podemos


localizar nessas duas décadas de 1930 e 1940 – coincide, portanto, com o surgimento dos
primeiros processos de negação metropolitana desta centralidade e, no nível dos modos de
vida, com as primeiras grandes baixas impostas à vida de bairro.
Há que se observar, porém, que as agremiações carnavalescas negras que
começaram a surgir lentamente na década de 1910 – precisamente desta zona de trocas,
atritos e tensões, localizada entre o “entrudo” e o carnaval oficial – conheceram o seu
esplendor justamente num momento tardio, na dispersão e na fragmentação daquela
centralidade carnavalesca composta por núcleos diversos e que mantinham entre si um
trânsito constante. Como é possível que isso tenha ocorrido? Não apenas as formas
estéticas diferenciavam relativamente os festejos dessas agremiações de outros folguedos,
mas sua própria importância era sentida, na vida de bairro, de modo bem diverso:

No Carnaval Branco [isto é, no carnaval dos bairros do Brás e da Água


Branca, entre outros de marcada formação imigrante europeia], os clubes
que organizavam as festas de Momo encaravam o período carnavalesco
como uma época excepcionalmente favorável para a obtenção de recursos
financeiros, que eram usados para custear as demais atividades da
agremiação pelo resto do ano. Portanto, o carnaval era valorizado pelas

7
Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev. 2010

lideranças brancas por permitir a realização de outras atividades durante o


ano, e não em si mesmo.
No Carnaval Negro [de bairros como Bela Vista, Barra Funda] o oposto
ocorria. Os desfiles de Momo representavam o ponto culminante das
atividades de agrupamentos surgidos em função do próprio carnaval. As
atividades de lazer de meio de ano eram organizadas para gerar recursos
que permitissem uma boa apresentação carnavalesca, sendo o desfile a
atividade principal, catalisadora de todos os esforços dos membros dos
agrupamentos negros. A capacidade de superar a desestruturação dos
grupos de vizinhança dos bairros negros mais antigos que os haviam
originado, criando novas formas de organização dos folguedos baseadas
em filiais situadas na periferia, vem demonstrar a importância dos desfiles
carnavalescos para os agrupamentos negros. (SIMSON, 1989, p. 224-225).

Há, portanto, que se considerar a ação de uma espécie de resistência étnica como
importante fator de um esplendor carnavalesco das agremiações negras no momento,
precisamente, em que a centralidade carnavalesca era desbastada pela emergência de uma
formação metropolitana. É bem conhecido o modo como, em meados da década de
quarenta, por ocasião de uma grande elevação dos aluguéis na cidade, as famílias negras
que foram obrigadas a abandonar a Bela Vista por bairros distantes, de além-Tietê ou em
outras regiões da cidade, continuaram a relacionar-se com o então cordão do Vai-Vai. Cedo,
esta agremiação teve testada a sua capacidade de sustentar uma teia de ramificações que
se dispersavam com a cidade.
Se o incremento das associações negras desenvolve-se linearmente na primeira
metade do século XX, na década de 1950 e na seguinte os cordões paulistanos conhecem
sua grande crise: o descompasso entre o que já se havia acumulado em pessoas, coisas e
técnicas e a precariedade dos meios de sustento material e financeiro desta acumulação.
Surgidos ainda numa cidade de bairros, onde o trajeto das apresentações limitava-se a
algumas paradas entre a vizinhança e, depois, pondo-se num caminho um pouco mais
longo, ao comparecimento a alguns poucos centros foliões, os cordões atiraram-se
dramaticamente em caminhadas cada vez maiores – em alguns dias tinham de cobrir
regiões tão distantes entre si como Penha, Lapa e Parque do Ibirapuera. O que estava em
jogo não era apenas a necessidade das recompensas financeiras acenadas por essas
diversas organizações de lojistas e por empresários do entretenimento, mas a conquista de
um espaço carnavalesco liberado recentemente pelo recuo e desaparecimento de
importantes folguedos – como o corso e o desfile das grandes sociedades.

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Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev. 2010

3.1. Associações negras perdem o pé: avanço da dissolução da vida de bairro

Mas a desorganização das antigas formas de reprodução da festa carnavalesca se


fazia sentir não apenas na desgastante ampliação dos trajetos que seguia pela cidade o
movimento de dispersão dos núcleos carnavalescos. Sob seus próprios pés, os cordões
sentiam que o chão se perdia: nestas mesmas décadas, o Livro de Ouro – inicialmente, um
meio fundamental de sustento dos cordões – cai em desgraça. O que se costuma dizer é
que, neste momento de crise, a intensidade redobrada com que se apelou a este recurso –
“passados por vários diretores de uma mesma agremiação, pelo melhor baliza, pelo primeiro
destaque ou outra figura importante do desfile” (SIMSON, 1989, p. 128) – acabou por
levantar suspeitas de má fé em sua utilização e, portanto, descrédito entre os doadores.
Delegados de polícia de alguns destes bairros haviam mesmo proibido sua circulação. De
fato, o fluxo metropolitano de pessoas, entre outros processos mais de metropolização da
cidade, já desgastava os liames da antiga vizinhança. A oferta da dádiva implica não apenas
um vínculo de pessoalidade, como a perspectiva de continuidade da relação no tempo – ela
não se realiza fora da comunidade.
A reprodução da festa carnavalesca, nestas condições de desintegração do bairro e
de dispersão dos núcleos festivos, teve de se refazer em uma nova base: uma base
metropolitana. Este é o contexto social da decisão política que, em 1968, decide por uma
regulamentação dos festejos, pela busca de meios de sustentá-lo financeiramente e – enfim
– na metrópole dos espaços indiferenciados e analiticamente recortados, acaba por
desbastá-los de suas complexidades fazendo-os cativos de um desses espaços funcionais:
a falsa centralidade carnavalesca.
Haverá ainda a possibilidade de se restabelecer, na cidade e na festa, a autêntica
comunicação, a centralidade e o movimento da centralidade?

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Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev. 2010

Referências bibliográficas

DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo: Comentários sobre a Sociedade do


Espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

FERREIRA, Felipe. Inventando Carnavais: o surgimento do Carnaval carioca no século XIX


e outras questões carnavalescas. Rio de Janeiro: UFRJ, 2005.

PEREIRA DE QUEIROZ, Maria Isaura. Carnaval Brasileiro. São Paulo: Brasiliense, 1999.

SIMSON, Olga Rodrigues Von. A Burguesia se Diverte no Reinado de Momo: sessenta anos
de evolução do carnaval de São Paulo (1855 – 1915), 1984. Dissertação (Mestrado)–
FFLCH-USP, São Paulo, 1984.

______. Brancos e Negros no Carnaval Popular Paulistano (1914 – 1918), 1989. Tese
(Doutorado)– FFLCH-USP, São Paulo, 1989.

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Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev. 2010

SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL E ESCOLAS DE SAMBA NA


CIDADE DE SÃO PAULO

Tiarajú D’Andrea1

Resumo: A intenção deste pequeno ensaio é discorrer sobre a localização das escolas de
samba na cidade de São Paulo, correlacionando a disposição dessas localizações ao processo
histórico de urbanização da cidade e à desigual distribuição de recursos materiais e simbólicos
pelas distintas regiões da cidade. Realizando uma análise sociológica das escolas de samba
enquanto organizações sociais, a principal hipótese que se quer lançar para discussão é a de
que a consolidação de uma escola de samba enquanto potência no meio carnavalesco se deve,
dentre outros fatores, à possibilidade de concentração de recursos materiais e humanos numa
dada entidade. No entanto, essa possibilidade estaria fortemente vinculada à localização das
escolas de samba no município.

Palavras-chave: Segregação socioespacial. Escolas de samba. São Paulo.

O surgimento das escolas de samba em São Paulo2

O surgimento e a existência das escolas de samba são processos que estão


profundamente vinculados à dinâmica territorial de produção social do espaço urbano. As
primeiras escolas de samba e os cordões (que depois viriam a se transformar em escolas de
samba) surgiram na região central do município ou nos subúrbios operários deste. Estes
bairros, que outrora eram subúrbios, hoje são bairros consolidados do centro expandido do
município, dado o crescimento da mancha urbana da cidade de São Paulo. Assim sendo, cabe
destacar a fundação da Vai-Vai no bairro do Bixiga, em 1930, e do Camisa Verde e Branco na
Barra Funda, em 1953. No caso da Vai-Vai, seu surgimento está vinculado ao de um time de
futebol, o Cai-Cai, mas o embasamento social que alicerçou sua existência foi
3
fundamentalmente a forte presença negra na região . Já o Camisa Verde e Branco é o

1
Tiarajú D’Andrea é doutorando em Sociologia Urbana pela Universidade de São Paulo. É também
compositor.
2
Agradeço a Alessandro Dozena pela interlocução.
3
Cabe destacar que onde hoje é a avenida Nove Julho, corria o córrego Saracura. Às margens desse
córrego, no século XIX, existia uma densa área de mata utilizada como esconderijo de negros
escravizados que fugiam de fazendas. O barateamento dos terrenos na região – dado que inundáveis – e
a proximidade como o centro de São Paulo – fato que facilitava a busca por recursos para a
sobrevivência – fez com que um alto índice de população negra se fixasse na região e nos arredores.
Cabe destacar que o surgimento da primeira escola de samba de São Paulo em atividade, a Lavapés,
ocorreu no bairro do Glicério, cuja presença negra ocorria pelos mesmos motivos que no bairro do Bixiga.
1
Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev. 2010

desdobramento do “Grupo Carnavalesco Barra Funda”, fundado em 19144, cuja base social
para sua existência foram os negros que viviam e trabalhavam na região e os operários da
então nascente zona industrial5.
Se, de fato, a estação da Barra Funda e a estrada de ferro circundante ao bairro foram
fatores essenciais para o desenvolvimento econômico e o assentamento das classes populares
naquela região – fato que se desdobraria na forte presença negra nas expressões culturais do
bairro –, é interessante notar que, em outro canto da cidade, algo similar ocorria nas primeiras
décadas do século XX. Fundada em 1949, a escola de samba Nenê de Vila Matilde surge das
mãos de um grupo de sambistas que se reunia naquela parte da zona leste do município. No
entanto, a existência do dito grupo e a posterior consolidação dessa escola enquanto potência
carnavalesca só foram possíveis pela junção de dinâmicas sociais já presentes na região: a alta
concentração de população negra; a forte presença operária e uma tradição carnavalesca
expressa no famoso carnaval da Vila Esperança, cujo cerne residia na presença de mais de
vinte blocos carnavalescos na região durante as primeiras décadas do século XX (URBANO,
2006). Seguramente, a existência desses blocos assegurou uma tradição carnavalesca na
região que sustentou socialmente a existência de uma escola de samba tão grande e tão
importante como a Nenê de Vila Matilde.
De certo, se há uma regularidade expressa no surgimento e na consolidação dessas
importantes escolas de samba do município de São Paulo, ela reside na alta concentração de
população negra, em particular, e de pobres em geral nos bairros de surgimento dessas escolas
de samba. Partindo desse pressuposto com relação ao surgimento destas escolas de samba,
mas tentando entender a dinâmica social do universo das escolas atualmente, este ensaio
pretende problematizar uma questão principal: quais são, hoje em dia, os principais elementos
necessários para a consolidação e a manutenção das escolas de samba nos altos escalões da
competição carnavalesca de São Paulo, ou seja, o Grupo Especial e o Grupo 1?6 Como se

4
Há quem afirme que o atual Camisa Verde e Branco é uma continuação direta do Grupo Carnavalesco
Barra Funda, sendo assim a mais antiga entidade carnavalesca do Brasil.
5
Sobre o assunto, cabe destacar as palavras do sambista Geraldo Filme, que aponta como as
oportunidades de trabalho informal na região – trabalhos estes realizados principalmente por negros –
ocorria pela presença dos trens e da possibilidade de embarque e desembarque de mercadorias. Nas
horas de folga, esses trabalhadores jogavam tiririca e faziam samba. Depoimento extraído do LP Plínio
Marcos, em Prosa e Samba.
6
Para a finalidade deste estudo, às vinte e duas escolas que compõem esses dois grupos se dará o
nome grandes escolas. As vinte e duas escolas de samba no qual se centra este estudo são, do Grupo
Especial: Acadêmicos do Tucuruvi, Águia de Ouro, Gaviões da Fiel, Imperador do Ipiranga, Império da
Casa Verde, Leandro de Itaquera, Mancha Verde, Mocidade Alegre, Pérola Negra, Rosas de Ouro, Tom
Maior, Unidos de Vila Maria, Vai-Vai e X-9 Paulistana. Do Grupo 1: Barroca Zona Sul, Camisa Verde e
2
Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev. 2010

verá, este ensaio entende que a localização geográfica de uma escola de samba é um quesito
fundamental para a resposta da pergunta acima efetuada. A partir deste ponto do texto,
problematizar-se-á o referido argumento a partir da análise da disposição geográfica de 107
entidades carnavalescas do município de São Paulo. Abaixo do mapa segue a denominação
das 107 entidades mapeadas com uma numeração para localizá-las7.

MAPA 1: Lista das entidades carnavalescas (escolas de samba e blocos) com numeração
8
referente à posição no mapa .

Branco, Dragões da Real, Flor de Liz, Morro da Casa Verde, Nenê de Vila Matilde, Uirapuru da Moóca e
Unidos do Peruche.
7
Agradeço ao Centro de Estudos da Metrópole (CEM) pela cessão do mapa e, especialmente a Daniel
Waldvogel pela confecção dele. O referido mapa foi confeccionado pelo sistema SIG de
Geoprocessamento a partir de uma base de endereços de 2002. No entanto, foram atualizados os
endereços das 22 escolas de samba dos grupos Especial e 1 de acordo com o atual (fevereiro - 2010)
endereçamento dessas entidades, a fim de ser possível a realização da argumentação exposta no texto.
Logo, o mapa foi confeccionado a partir de uma base de endereços de 2010 que dá conta do universo de
22 entidades, e de uma base de endereços de 2002, que dá conta de um universo de 85 entidades. Por
problemas na digitalização do mapa, nem todos os números referentes a cada entidade podem ser
visualizados nele.
8
1- G.R.C.C. Flor de Liz, 2- G.R.C.E.S. Dragões da Real, 3- G.R.C.E.S. Gaviões da Fiel Torcida, 4-
G.R.C.E.S. Leandro de Itaquera, 5- G.R.C.E.S. Mancha Verde, 6- G.R.C.E.S. Mocidade Alegre, 7-
G.R.C.E.S. Nenê da Vila Matilde, 8- G.R.C.E.S. Uirapuru da Mooca, 9- G.R.C.E.S. Unidos do Peruche,
10- G.R.C.E.S. Vai-Vai, 11- G.R.C.E.S. X-9 Paulistana, 12 - G.R.C.S.E.S. Acadêmicos do Tucuruvi, 13-
G.R.C.S.E.S. Império de Casa Verde, 14- G.R.E.S. Águia de Ouro, 15- G.R.E.S. Perola Negra, 16-
G.R.E.S. Tom Maior, 17- G.R.E.S.M. Camisa Verde e Branco, 18- G.R.S.C.E.S. Unidos de Vila Maria, 19-
S. Rosas de Ouro, 20- S.C. Morro da Casa Verde, 21- S.E.S. Imperador do Ipiranga, 22-
S.R.C.S.E.B.F.S. Barroca Zona Sul, 23- A.R.C.B. Chorões da Tia Gê, 24- A.R.C.E.S.E.S. Portela da Zona
Sul, 25- B.C. Amizade da Zona Leste, 26- B.S. Unidos do Guaraú, 27- C.R.C.A.E.S. Estrela Cadente, 28-
G. Galo de Pirituba Torcida, 29- G.E.R.C.B. Independente, 30- G.R.B.C. Afro de Nagô na Arte do Samba,
31- G.R.B.C. Bloco Flor Imperial do Grajaú, 32- G.R.B.C. Me Engana Que Eu Gosto, 33- G.R.B.C.
Mocidade Independente da Zona Leste, 34- G.R.B.C. Niagara, 35- G.R.B.C. Unidos de Vila Carmosina,
36- G.R.B.S. Unidos de Santa Bárbara, 37- G.R.C. Bloco de Samba Vamo Q Vamo, 38- G.R.C. Os
Bambas, 39- G.R.C.B. Caprichosos do Piqueri, 40- G.R.C.B. Mocidade Amazonense, 41- G.R.C.B.
Unidos do Pe Grande, 42- G.R.C.B.C. Garotos da Vila Santa Maria, 43- G.R.C.B.C. Imperiais Unidos da
Vila Palmeira, 44- G.R.C.B.C. Não Empurra Que E Pior, 45- G.R.C.B.C. Só Falta Você, 46- G.R.C.B.C.
Torcida Jovem do Santos FC, 47- G.R.C.B.C. União da Trindade, 48- G.R.C.B.C. Vovo Bolão de Pirituba,
49- G.R.C.B.C.T. Uniformizada do Palmeiras, 50- G.R.C.B.E.S. Brinco da Marquesa, 51- G.R.C.B.S.
Folha Verde, 52- G.R.C.B.U. de Perus de Valença Samba, 53- G.R.C.C. São Paulo Zona Sul, 54-
G.R.C.E.B.C. Caprichosos da Zona Sul, 55- G.R.C.E.E.S. Boêmios da Vila, 56- G.R.C.E.S. acadêmicos
do Ipiranga,57- G.R.C.E.S. Cachoeira império do Samba, 58- G.R.C.E.S. Camisa 12, 59- G.R.C.E.S.
Combinados de Sapopemba, 60- G.R.C.E.S. Comunidade Independente do Imirim, 61- G.R.C.E.S.
dragões de São Miguel Paulista, 62- G.R.C.E.S. dragões de Vila Alpina, 63- G.R.C.E.S. Em Cima da
Hora Paulistana, 64- G.R.C.E.S. Ermelinense, 65- G.R.C.E.S. Estação Invernada, 66- G.R.C.E.S. Estrela
do Terceiro Milênio, 67- G.R.C.E.S. Explosão da Zona Norte, 68- G.R.C.E.S. Flor da Zona Sul, 69-
G.R.C.E.S. Flor de Vila Dalila, 70- G.R.C.E.S. Flor do Morro, 71- G.R.C.E.S. Folha Azul dos Marujos, 72-
G.R.C.E.S. Imperial, 73- G.R.C.E.S. império do Cambuci, 74- G.R.C.E.S. Malungos, 75- G.R.C.E.S.
Paraíso do Samba de Vila Mazei, 76- G.R.C.E.S. Passo de Ouro, 77- G.R.C.E.S. Primeira da Aclimação,
78- G.R.C.E.S. Príncipe Negro Cidade Tiradentes, 79- G.R.C.E.S. Prova de Fogo, 80- G.R.C.E.S. Raiz da
Zona Sul, 81- G.R.C.E.S. Só Vou Se Você For, 82- G.R.C.E.S. Tradição da Zona Leste, 83- G.R.C.E.S.
Tradição do Campo Limpo, 84- G.R.C.E.S. união Independente da Zona Sul, 85- G.R.C.E.S. união de
3
Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev. 2010

O mapa acima apresenta a distribuição territorial de 107 entidades carnavalescas do


município de São Paulo. Essas entidades carnavalescas, entre escolas de samba e blocos,
representam os grupos concernentes aos níveis da competição carnavalesca. No mapa, há um
destaque às escolas de samba dos grupos Especial e 1, aqui nomeadas grandes escolas.
Uma breve análise da distribuição das 107 entidades carnavalescas aqui apresentadas
oferece um interessante panorama da dinâmica social que embasa a existência das escolas de
samba.

Vila Albertina, 86- G.R.C.E.S. Unidos de Guaianazes, 87- G.R.C.E.S. Unidos de São Lucas, 88-
G.R.C.E.S. Unidos de são Miguel, 89- G.R.C.E.S. Zum Zum de Itaquera, 90- G.R.C.E.S.M.A. Sai da
Frente, 91- G.R.C.E.S.U. Independente da Vila Prudente, 92- G.R.C.S. Iracema Meu Grande Amor, 93-
G.R.C.T.C.D. Pavilhão Nove, 94- G.R.E.E.S. Caprichosos de Vila Brasilândia, 95- G.R.E.S. acadêmicos
do Tatuapé, 96- G.R.E.S. Candeia do Cangaíba, 97- G.R.E.S. Colorado do Brás, 98- G.R.E.S. Dom
Bosco, 99- G.R.E.S. estação Primeira do Itaim, 100- G.R.E.S. Imperatriz da Paulicéia, 101- G.R.E.S.
Mocidade Unida da Mooca, 102- G.R.E.S. Primeira Lá de Casa, 103- G.R.E.S. Unidos do Vale
Encantado, 104- S.A.S. Falcão do Morro Itaquerense, 105- S.R.B.E.E.S. Lavapes, 106- S.R.C.E.S.
Primeira Cidade Líder, 107- S.R.E.S. império Lapeano.
4
Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev. 2010

Num primeiro plano, pode-se observar um razoável espraiamento das entidades


carnavalescas por sobre o território do município. O dito espraiamento contrasta com a
considerável e conhecida concentração de equipamentos culturais nas regiões mais abastadas
do município. Dessa maneira, as entidades carnavalescas tornam-se uma das expressões
culturais mais democráticas e acessíveis à população paulistana, no geral, e aos moradores
das periferias, em particular. Sobre o assunto discorreu a pesquisadora Isaura Botelho:

A par dos equipamentos públicos e privados existentes, uma administração que


se queira eficiente tem de considerar a parceria com associações e entidades
de natureza diversa que desenvolvem atividades culturais. Nesse sentido, é
interessante observar, por exemplo, a distribuição das escolas de samba
presentes em todas a regiões da cidade. (BOTELHO, 2004).

O referido espraiamento no território da manifestação cultural expressa nessas entidades


carnavalescas, do qual se ressalta sua presença na periferia do município, contrasta de maneira
determinante com a ausência dessa expressão cultural justamente nos bairros da região mais
valorizada do município, o chamado quadrante sudoeste. Nessa região, incluem-se os distritos
do Morumbi, de Pinheiros, de Moema, do Itaim-Bibi, de Cerqueira César, entre outros de
elevado padrão social. A ausência de entidades carnavalescas nessa região contrasta também
de maneira evidente com a concentrada presença de equipamentos culturais justamente nessa
região. Mais interessante ainda é notar que na região onde se concentra a população mais
abastada e a maior concentração de equipamentos culturais é justamente a região onde
inexistem as entidades carnavalescas bem como onde não reside a população negra!
A partir da breve análise realizada da disposição de entidades carnavalescas no
município, pode-se inferir então que escolas de samba e blocos carnavalescos são
provavelmente os equipamentos culturais mais acessíveis e mais democráticos à maioria da
população. Outra breve conclusão é a de que em bairros de alto poder aquisitivo, que também
são os bairros onde é menor a presença da população negra, não existem entidades
carnavalescas. No entanto, se escola de samba é uma expressão cultural que não nasce em
bairros ricos, paradoxalmente ela nasce, mas não cresce em bairros pobres. Basta olhar no
mapa a grande presença de escolas de samba nas periferias sul, norte e leste, mas não das
denominadas grandes escolas nessas regiões. Se tentará explicar melhor esse fenômeno na
sequência do texto.

Localização enquanto Estrutura de Oportunidades

5
Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev. 2010

Se nos primórdios dos desfiles carnavalescos a força de uma escola de samba residia
na qualidade dos sambistas, no compromisso dos participantes com dita expressão cultural e
na capacidade de organização coletiva, hoje em dia o panorama é bem distinto. A efetivação de
um desfile carnavalesco depende de inúmeros fatores. Esses fatores, no entanto, são
subsumidos fundamentalmente a três capacidades colocadas em prática por uma escola de
samba: a capacidade criativa que fundamenta o fazer artístico; a capacidade organizativa de
racionalização do processo de confecção do desfile em todos os seus âmbitos; a capacidade de
mobilização de recursos materiais e humanos que sustentam essa organização social e
possibilitam a expressão artística.
Dentro dos moldes atuais da produção do desfile carnavalesco, este ensaio sustenta
que o terceiro fator, juntamente aos outros dois, é de vital importância para a existência de uma
grande escola. Todavia, é de se notar que a capacidade de mobilização de recursos materiais e
humanos está diretamente relacionada à localização geográfica de uma escola de samba.
A conceituação teórica que fundamenta o argumento disposto acima, de que a
localização é fator fundamental para a mobilização de recursos, é dada pelos pesquisadores R.
Kaztman e C. Filgueira, e diz respeito à concatenação entre estruturas sociais dispostas numa
dada localidade e a possibilidade de utilização dos ativos dessa localidade. Tal dinâmica foi
conceituada pelos autores como estrutura de oportunidades. Segundo os autores:

O termo “estrutura” [de oportunidades] relaciona-se ao fato de que os caminhos


para o bem-estar estão estreitamente vinculados entre si, de modo que o
acesso a determinados bens, serviços ou atividades fornece recursos que, por
sua vez, facilitam o acesso a outras oportunidades. (KAZTMAN; FILGUEIRA,
1999, p. 9).

De fato, a capacidade organizativa de uma escola de samba possibilitará a utilização


dos recursos materiais e simbólicos – espécie de capital social – existentes em sua
proximidade. Uma escola de samba é uma força centrífuga que ativa a energia social do
entorno. Retomando a questão do surgimento de importantes escolas de samba paulistanas,
retratada no início do texto, faz-se necessário destacar que é a força social de uma determinada
região que dá origem a uma escola de samba. De fato, uma grande escola deve ter pessoas
criativas e talentosas que literalmente “segurem o samba”, mas a localidade deve ter uma certa
riqueza social que permita à escola se manter. Essa riqueza social se expressa na qualidade
dos vínculos existentes nas redes sociais (KAZTMAN; FILGUEIRA, 1999), na qualidade dos
contatos que derivam em recursos materiais e simbólicos, na presença de comércios e clubes
etc.

6
Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev. 2010

As escolas de samba, em geral, começam pequenas, em um determinado ponto


geográfico. Aos poucos, demandas necessitam ser supridas para dar conta desse crescimento:
fazem-se necessários instrumentos, som de qualidade, roupas, uma sede etc. A entidade vai
crescendo e se complexificando. A metáfora aqui utilizada é a de que o ponto onde começa
uma escola de samba, com seu crescimento, vai puxando, sugando, uma série de recursos do
entorno. Esse entorno deve ter força social e humana e capital material para sustentar essa
estrutura de gastos que se socializam a partir do espraiamento da necessidade da escola de
samba. As periferias do município de São Paulo estão repletas de sambistas de qualidade.
Contudo, os escassos recursos materiais dessas regiões fazem com que escolas de samba ali
surgidas não consigam ultrapassar um certo tamanho, ou seja, o crescimento esbarra nas
próprias condições de possibilidade do entorno imediato e não imediato. Além disso, essas
escolas devem socializar uma certa riqueza concentrada com a própria população que a
frequenta ou de seu entorno. Alguns exemplos disso são a prática de doar a fantasia de desfile
para a comunidade e a não cobrança pecuniária nas festas da entidade. Escolas maiores e
localizadas em distritos com melhores condições sociais invertem o polo da questão: cobram
caro pelas fantasias de desfile e taxam as festas. Ou seja, num dado momento de sua
existência, a escola de samba passa da relação dialética de ser doadora e receptora para ser
apenas receptora, aumentando assim seu tamanho e poderio.
Outra dinâmica presente nos bairros pobres relaciona-se à própria proximidade entre
entidades carnavalescas que disputam entre si a riqueza social de uma dada região. Muitos são
os casos de escolas que “derrubaram” ou “foram derrubadas” por escolas vizinhas. Quanto
maior a pobreza, menos recursos haverá para serem divididos.
Logo, para este ensaio, a localização de uma escola de samba é fator primordial para o
seu sucesso. Contudo, se a riqueza ou a pobreza material de dita localização strictu senso é um
fator primordial, como já apresentado, há que se entender localização também em termos de
acessibilidade, como demonstra um dos maiores especialistas brasileiros em segregação
socioespacial, o urbanista Flávio Villaça.
Segundo o autor, a medida da segregação socioespacial deve ser realizada levando-se
em consideração avenidas e meios de transporte de massa próximos a um determinado ponto.
Utilizando o argumento do autor para a finalidade deste ensaio, a já comentada força centrífuga
de uma escola de samba será potencializada se sua localização permitir o acesso de sambistas
de distintas zonas da cidade. A questão da acessibilidade, aliada ao capital social de uma
região, pode ser uma chave explicativa para a concentração de grandes escolas na região

7
Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev. 2010

central e centro-oeste do município, locais de maior incidência de metrô e grandes avenidas


servidas de linhas de ônibus.
A partir deste ponto do texto, e considerando a atual localização das grandes escolas,
tentar-se-á discutir as ditas localizações dos dois elementos que as compõem segundo este
ensaio: acessibilidade, nos termos de Flávio Villaça (1998), e estrutura de oportunidades,
segundo Kaztman & Filgueira (1999).
Assumindo os dois termos, escolas de samba do centro de São Paulo teriam mais
condições de sobrevivência pelo fluxo de pessoas garantido pela acessibilidade e pelos
recursos existentes nessa região. O exemplo clássico seria a Vai-Vai – localizada no Bixiga –,
que é de certa forma universal, dado que congrega foliões dos quatro cantos da cidade, cujo
deslocamento até a escola é facilitado pela oferta de transporte.
Outras escolas de samba universais são aquelas ligadas a torcidas de futebol. Pelo seu
caráter intrínseco de torcida, essas escolas possuem menor ligação com uma comunidade ou
bairro. Não por acaso, a Dragões da Real facilita a vida de seus sambistas-torcedores
ensaiando no centro. Já Mancha Verde e Gaviões da Fiel possuem quadras no centro
expandido, mas em locais próximos à Marginal Tietê, onde os terrenos são mais baratos. De
certo, a questão econômica acabou aproximando as rivais. Ambas as quadras localizam-se a
apenas um quilômetro uma da outra. Na mesma lógica, trilhando a opção de localização com
preço acessível, mudou-se para a região a Tom Maior. E no meio das três, a pioneira da região:
o Camisa Verde e Branco, escola de samba com fortes laços com o bairro, mas cuja
acessibilidade permite a frequência em sua quadra de sambistas de várias regiões do
município.
Duas grandes escolas de samba que em sua história saíram de bairros mais
empobrecidos onde surgiram e assentaram suas quadras em locais de fácil acessibilidade
foram Rosas de Ouro e Águia de Ouro. A primeira deixou a periferia da Brasilândia e hoje seu
endereço é na Marginal Tietê, no bairro da Freguesia do Ó. Por sua vez, a Águia de Ouro saiu
dos morros empobrecidos da Vila Anglo-Brasileira para construir sua quadra debaixo do Viaduto
Pompeia, em frente à Avenida Francisco Matarazzo.
Entretanto, como explicar de maneira convincente a alta densidade de escolas de
samba na região norte de São Paulo? Já se disse que é por causa da localização do
sambódromo na zona norte. Essa explicação não se sustenta, uma vez que foi justamente a
grande presença de escolas nessa região que puxou o sambódromo para o Anhembi, não o
contrário. Outra explicação afirma que os migrantes do interior paulista, quando vinham para o
município de São Paulo, concentravam suas residências nessa região, mais perto das saídas
8
Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev. 2010

para o interior. Como essa população trazia o samba rural, germe do samba paulista, a zona
norte do município teria sido um caldeirão efervescente de sambistas. Este ensaio assume o
argumento, mas ainda acredita que é insuficiente para a explicação que se busca.
Historicamente, está comprovado que bairros como o Parque Peruche, a Casa Verde e o
Tucuruvi eram grandes redutos de bambas. Essa presença de fato condicionou o surgimento de
escolas de samba como a Unidos do Peruche, a Morro da Casa Verde, a Império da Casa
Verde, a Mocidade Alegre, a Acadêmicos do Tucuruvi e a X-9 Paulistana. O que não se
explicou ainda de maneira convincente é a permanência de todas essas agremiações tão
próximas geograficamente no grupo das grandes escolas. Este ensaio sustenta que a estrutura
de oportunidades e os capitais material e social gerados por esses distritos de classe média e
classe média baixa são fundamentais. No entanto, este ensaio acredita que a presença de
redutos de sambistas e o poder aquisitivo concentrado nesses distritos não explicam em sua
totalidade tal fenômeno.
Cabe destacar que, no livro Batuqueiros da Paulicéia, Osvaldinho da Cuíca e André
Domingues afirmam que as escolas de samba Mocidade Alegre e Rosas de Ouro foram as que
mais se estruturaram enquanto instituição a partir das boas relações que estabeleceram com a
classe média paulistana, sendo essas duas as pioneiras da dita relação. Hoje, pode-se afirmar
que a presença da classe média está generalizada nas grandes escolas, sendo inclusive um
dos fatores de sustento delas9.
Para este ensaio, não existe uma maior concentração de sambistas em algumas regiões
da cidade em detrimento de outras regiões e nem há uma presumível melhor qualidade de
sambistas em algumas regiões. O caso exemplar é o baixo número relativo de grandes escolas
localizadas na zona leste de São Paulo. Com uma população de 3 milhões e meio de habitantes
e com a maior concentração de negros e pobres do município, a região por suas condições
precárias não consegue firmar muitas escolas entre as grandes, dada a necessidade de capitais
social e material para sustentar as escolas de samba. Localizadas em bairros pobres e longe de
grandes vias de acesso, Nenê de Vila Matilde e Uirapuru da Mooca, do Grupo 1, e Leandro de
Itaquera, do Grupo Especial, dobram seus esforços para se manterem vivas no meio do
concorrido e enriquecido carnaval paulistano. De certo, escola de samba é questão de
infraestrutura e patrimônio, questões relacionadas com espaço, localização e também com cor
de pele. Já foi o tempo em que bastava samba no pé e amor à escola.

9
Na mesma senda argumentativa está a cantora Leci Brandão, para quem a presença da classe média
teria enriquecido as escolas, mas também ajudado na democratização das mesmas. Depoimento cedido
ao jornal O Estado de São Paulo de 18/01/2010.
9
Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev. 2010

Referências bibliográficas

BOTELHO, Isaura. Os Equipamentos Culturais na Cidade de São Paulo: Um Desafio Para a


Gestão Pública. Espaço e Debates – Revista de Estudos regionais e urbanos, São Paulo, n.
43/44, 2004.

CASTRO, Márcio Sampaio. Bexiga. Um Bairro Afro-Italiano. São Paulo: Annablume, 2008.

CUÍCA, Osvaldinho; DOMINGUES, André. Batuqueiros da Paulicéia. São Paulo: Editora


Bracarolla, 2009.

KAZTMAN, R.; FILGUEIRA, C. Marco conceptual sobre activos, vulnerabilidad, y estructura de


oportunidades. Montevideo: Cepal, 1999.

MARCOS, Plinio. Plinio Marcos em Prosa e Samba com Geraldo Filme, Zeca da Casa Verde e
Toniquinho Batuqueiro. [S. l.]: Chantecler, p1974. 1 disco sonoro (LP).

URBANO, Maria Aparecida. Carnaval & Samba em Evolução na Cidade de São Paulo. São
Paulo: Editora Plêiade, 2006.

VILLAÇA, Flávio. Espaço Intra-Urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel; Fapesp; Lincoln
Institute, 1998.

10
Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev. 2010

OS SAMBAS E AS ÁFRICAS EM SÃO PAULO NA VOZ DE GERALDO FILME

Amailton Magno Azevedo1

Resumo: Esse texto pretendeu reconstruir a memória musical do sambista Geraldo Filme e
suas relações com os grupos negros na cidade de São Paulo. Ao analisar e refletir sobre
essa memória, concluí que Geraldo Filme e os grupos negros elaboraram aquilo que
denominei de áfricas como expressões culturais de resistência para imprimir suas marcas,
projetos, fazeres e saberes em espaços específicos da cidade. Diante de uma cidade
impregnada pela urbanização, metropolização e verticalização que fora transformada em
projeto hegemônico das elites paulistas, as áfricas se configuraram como um contraponto
dissonante às formas culturais dominantes para operar outras cidades e outras vivências.

Palavras-chave: Geraldo Filme. Memória. Sambas e áfricas.

Quando conheci Geraldo Filme, não pessoalmente, mas através de sua música, me
pareceu sublime, singelo, bonito, sincero. Isso ocorreu através de um amigo músico2, que o
apresentou numa noite em 2001, não me lembro exatamente da data; lembro do som que
me encantara.
Após aquele encontro, a música de Geraldo Filme ficou ali comigo, habitando-me,
fazendo bem e me provocando uma vontade de querer saber mais. No fim do ano de 2002,
Geraldo Filme retorna, dessa vez não só pelos ouvidos, mas também pela imagem através
de uma entrevista que assisti. Aí tudo se confirmou. A admiração que eu havia construído
por ele no primeiro encontro ampliou-se, pois pude agora ver a força daquele homem negro,
de voz grave e intimista. Os seus sambas me soaram de forma intensa, fazendo-me
perceber que ali naquela música haveria possivelmente algo de diferente. Aquilo que soara
diferente era a extensa memória que envolvia aquele canto. Mas eu não sabia disso ainda.
O que eu comecei a ter naquele momento foi um desejo de pesquisa que nascia para saber
mais sobre aquele homem, sua música e sua história.
Na memória do samba em São Paulo, “Seu Geraldo” ou “Geraldão da Barra Funda”,
como assim o chamavam, ocupou um lugar de respeito e admiração entre as pessoas
envolvidas, pois foi um dos homens que traduzia e trazia em si o que era o samba paulista.
Esse respeito e admiração eu percebi e guardei na memória quando estive em um ensaio
da escola de samba Quilombo do Educandário3. Nesse ensaio perguntei a um passista

1
Prof. Dr. do Departamento de História da Faculdade de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP). É Professor de História da África e Secretário do CECAFRO
(Centro de Estudos Africanos e da Diáspora) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-
SP).
2
“Lê Menestrel”, músico.
3
Essa escola não chegou a sair nos carnavais. Ela ficou restrita às rodas de samba que ocorriam aos
finais de semana na Cohab Educandário.
Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev. 2010

quem era Geraldo Filme. Em seu rosto abriu-se um sorriso e uma mistura de respeito e
alegria que respondiam a minha pergunta. Ali percebi a importância de Geraldo Filme como
uma memória a ser preservada.
O contato com sua obra e com sua imagem levaram-me a pensar sobre as memórias
africanas que foram recompostas em São Paulo. As Áfricas4 emergem nos ritmos,
vocábulos, cantos com significados históricos e culturais seja como memória e imaginário,
mas também de modo concreto nas atitudes culturais. A obra de Geraldo permitiu esse olhar
para as Áfricas, onde elas surgem ressignificadas do lado de cá do Atlântico em certos
territórios da cidade de São Paulo, como os bairros do Bixiga, Barra Funda e Liberdade com
costumes e sentimentos vividos em torno do samba, do carnaval e em aspectos de sua vida
íntima, amorosa e familiar.
Essa ligação entre samba e os afro-paulistas com as Áfricas não é automática nem
mecânica, o que se percebe na experiência social de Geraldo Filme e suas músicas são
sinais dessa ligação que aparecem como fragmentos, retalhos de uma memória africana
que fora acessada e recomposta entre os afro-paulistas através dos saberes orais
manifestados nas relações de família, amizade, práticas de trabalho, musicalidades, nos
salões de dança, cordões carnavalescos e escolas de samba.
Os estudos culturais sobre as memórias negras e mestiças no século XX ainda estão
se fazendo. No que diz respeito às práticas musicais, já existem reflexões historiográficas
que se propuseram a descobrir e problematizar quais foram os caminhos escolhidos, os
desejos e as intenções que a população negra teve em São Paulo nesse século. Tais
estudos mapearam, entre o pós-abolição e as décadas de 1930 e 40, suas novas formas de
sociabilidade como a vivência em rodas de sambas, a instituição de cordões e escolas
carnavalescas, a frequência de salões de dança, o que significaram estratégias para resistir
culturalmente na cidade5. A partir da década de 1950, essas atividades culturais, sociais e

4
O termo Áfricas significa pensar que a África não é um território homogêneo. Ao contrário, há
diferenças entre as culturas, os tempos históricos e os povos que a habitam. Nesse sentido, há uma
diversidade de áfricas que multiplicam as memórias que lá foram e são vividas. O termo “África” vai
aparecer no singular e no plural. Ambas as possibilidades devem ser consideradas, pois a
historiografia que trata dessa temática considera os dois conceitos viáveis para a compreensão das
memórias e culturas de suas populações. E ao longo do texto vou utilizar o termo “Áfricas” com “A”
maiúsculo para tratar do continente e suas populações, o que difere do termo “áfricas” com “a”
minúsculo por se tratar do conceito que explica as vivências e memórias negras em São Paulo.
5
Iêda Marques Brito. Samba na cidade de São Paulo (1900-1930): um exercício de resistência
cultural, 1986. José Geraldo Vinci. Metrópole em Sinfonia: História, cultura e música popular na São
Paulo dos anos 30, 2000. José Geraldo Vinci, Sonoridades Paulistanas, 1989. Raquel Rolnik.
Territórios Negros. Uma História. José Carlos Gomes da Silva. Negros em São Paulo: espaço público,
imagem e cidadania, 1998. Carlos José Ferreira dos Santos. Nem Tudo era Italiano. São Paulo e
pobreza (1890-1915), 1998. Maria Cristina Wissembach. Ritos de Magia e Sobrevivência:
sociabilidade e práticas mágico-religiosas (1890-1940), 1997. Maria Cristina Wissembach. Da
escravidão à liberdade: dimensões de uma privacidade possível, 1998. Em minha leitura, todos
esses estudos apresentam formas de como os grupos negros resistiram culturalmente na cidade à
Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev. 2010

educacionais continuaram sendo as organizações onde os afro-paulistas concentraram suas


atenções e ações para reivindicar direitos, igualdade racial e sua herança cultural afro-
brasileira6.
Reconstruir a memória musical de Geraldo Filme e suas relações de sociabilidade
permitiu perceber uma sociedade e uma cidade como marcas culturais dos afro-paulistas,
apesar de seu amplo processo de urbanização e industrialização e higienização dos
espaços públicos7, da racionalização da governança política e da economia. Por entre esse
processo contínuo de urbanização e metropolização emerge uma cidade com traços
específicos da cultura desse grupo nos costumes, nos gestos, nos cantos e nos territórios
apropriados que configuraram aquilo que denomino de áfricas.
Não quero com isso propor uma visão essencialista, racialista ou de busca de raízes
originárias e puras. Buscar uma pureza africana não tem sentido algum no mundo
contemporâneo, já que a cultura é difusa, dinâmica e histórica. A cultura possibilita a
formação de redes de ligação e parentesco que constituem o mundo sob a forma de uma
teia multifacetada8. As áfricas foram pensadas a partir da cultura como conceito e a memória
de Geraldo como vivência pessoal que permitiram compreender suas práticas sociais em
diálogo, conflito e mistura com outras experiências culturais na cidade. Utilizo o termo
“áfricas” para mostrar que um olhar voltado para os microprocessos sociais pode iluminar
contextos e estruturas maiores que se fizeram com as formas de viver e de resistir dos
grupos negros na redefinição de seus valores culturais no espaço urbano.
A memória de Geraldo Filme desvincula-se de datações oficiais estabelecidas que
tenha, no movimento dos grupos políticos e na dinâmica industrial, os marcos instituídos de
compreensão das histórias da cidade. As áfricas9, pensadas no plural e na cidade de São
Paulo, foram novas formas de sociabilidade e sensibilidade que expressaram a cultura dos
afro-paulistas de modo difuso no espaço urbano, numa conjuntura histórica específica.
Estiveram inseridas também nos movimentos sociais que compuseram o ritmo de
transformações da cidade com suas múltiplas temporalidades e experiências. A música e a
experiência de Geraldo Filme sofreram impactos, resistindo em certos momentos e em

imposição de uma urbanidade que foi sendo gestada como dominante e como projeto hegemônico
que tentava apagar as dissonâncias culturais ligadas às práticas populares.
6
Georg Reid Andrews. Negros e brancos em São Paulo, p. 294-295, 1998. Roger Bastide e Florestan
Fernandes, Brancos e Negros em São Paulo, 1971. Roger Bastide. Brasil: Terra de Contrastes, 1968.
7
Eudes Campos, São Paulo na visão classi(ci)sta de Prestes Maia. Revista do Patrimônio Histórico:
Secretaria Municipal de Cultura, n. 4, p. 43, 1996.
8
Kwame Anthony Appiah. Na Casa de meu Pai: A África na Filosofia da Cultura, 1997, p. 11.
Kabengele Munanga. Negritude: Usos e Sentidos, 1986.
9
Roberto Moura. Tia Ciata e pequena África no Rio de Janeiro, 1983. A expressão utilizada por
Roberto Moura foi pensar a pequena África na cidade do Rio de Janeiro de modo singular. O que
proponho no meu texto é refletir sobre as áfricas de modo plural a partir de São Paulo e que não
estiveram circunscritas a um ou outro espaço, mas espalhadas por toda a cidade.
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outros se modificando de acordo com as imposições políticas, econômicas, ideológicas,


urbanas e industriais da cidade de São Paulo.
As áfricas trazem um sentido de história que se fez e se moveu muito em função de
um modo de pensar e estar afro no mundo, que penetraram nos diversos fazeres e saberes
da vida cotidiana dos grupos negros. Vida essa que se fez não como desenrolar dos dias,
da repetição monótona dos acontecimentos; ao contrário, como tensões e conflitos sociais.
Um cotidiano que foi vivido com as construções, transformações ou demolições de culturas,
sob uma multiplicidade de tempos e experiências sociais10. Com o olhar atento às
manifestações afro que se processaram na vida cotidiana é que pude observar uma história
a partir dos vestígios que ficaram como sinais de experiências vividas11. O conceito de
cotidiano tornou-se uma possibilidade teórica e metodológica para problematizar essas
vivências em São Paulo a partir da memória musical de Geraldo Filme.
Com essa opção teórica e metodológica pude descobrir alguns dos sentidos de sua
humanidade com a revelação de parte de sua alma a partir dos dilemas, dores, alegrias,
prazeres, expectativas e de paixão intensa e incontida pelo samba. Revelou ser um homem
com uma experiência sensível às questões ligadas à cultura vivida pelos negros.
Ao articular os sinais e rastros de sua memória pude perceber uma profusão de
vivências e territórios que se moviam sob a dinâmica da vida comunitária, artes e
musicalidades, carnavais, configurando assim uma politização da imagem negra na cidade.
A rede por onde foi tecida a memória musical de Geraldo Filme é complexa, e inclui
seu mundo privado manifestado nas relações familiares, de amizade e romance com sua
mulher “Dona Alice”, com o público em torno do samba, do carnaval, das escolas de samba
como a Peruche, a Vai-Vai, o Paulistano da Glória, nos lugares de moradia como o bairro
dos Campos Elíseos e seu engajamento político na defesa dos direitos dos descendentes
de africanos. Com Geraldo descobre-se uma São Paulo diferente daquela que tem no
bandeirantismo seu mito de origem. Geraldo Filme é o ponto de fuga dessa construção,
pois, com ele, São Paulo deixa de ser túmulo do samba. O que temos é uma memória
múltipla da cidade onde outras musicalidades também possuem história.
Uma memória que se fez tanto individual como socialmente, vinculada a uma rede de
relações e circunstâncias que se moveram no mundo do cotidiano, coexistindo com modos
de vida distintos ao seu, construindo valores de acordo com códigos específicos de sua
comunidade cultural, em uma conjuntura histórica específica.

10
E. P. Thompson apud Déa Ribeiro Fenelon. E.P. Thompson - História e Política, Projeto História 12,
São Paulo, 1993, p. 81.
11
Walter Benjamim. Magia e técnica, Arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura,
1985.
Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev. 2010

O samba como projeto de vida permitiu também refletir sobre as conexões com o
mundo atlântico ligado à África. Foi possível pensar em alguns aspectos das culturas de
povos bantos da África Central que permaneceram na musicalidade e na experiência social
de Geraldo e foram ressignificadas no espaço urbano da cidade, sendo fundamentais na
construção de uma cultura afro-paulista com especificidades e marcas singulares em
relação a outras culturas.
Entre os séculos XVI e XIX o Atlântico se configurou como um espaço líquido por
onde teias de comunicação entre as Áfricas, as Europas, as Américas e especificamente o
Brasil se fizeram constantemente. Mesmo com o fim do tráfico humano, da escravidão e
com o pós-colonialismo, os registros culturais dos povos do continente africano não se
apagaram. Nem tudo foi desagregado com a tentativa de dominação cultural. Isso se deve
às evidências históricas na contemporaneidade que nos mostram a permanência dessa
cultura que foi ressignificada em terras americanas e brasileiras.
Um olhar mais atento e arejado considera esses registros uma perspectiva
historiográfica onde a História das Áfricas surge como um novo horizonte possível de
reflexão. Não é possível negar a força dessas Áfricas, sobretudo no campo religioso e
estético onde artes, música, design, decoração, indumentária como tecidos e cores,
religiosidades, tipos de cabelos, gestualidade corporal, modos de dançar, falar e cantar
revelam fazeres e saberes oriundos de um modo de pensar africano enraizados na vida
social dos negros. Essas Áfricas estiveram vivas na experiência social de Geraldo Filme,
não como recorrência a um passado, mas como forças ativas e reimpressas na cidade como
projeção de futuro12.
Na sua produção discográfica, especificamente o disco “Canto dos Escravos” de
1982, percebe-se as nuances de africanidades que existiram nos visungos cantados por
escravos de Minas Gerais no século XVIII e que foram regravados e reinterpretados por
Geraldo Filme em parceria com Clementina de Jesus e Doca da Portela. Esse disco registra
esses “africanismos” sonoros, mesmo sob um processo de intensa urbanização, que tentou
alisar as experiências urbanas de uma maneira geral. No disco de Geraldo, essas
musicalidades não desapareceram; ao contrário, aparecem como uma perspectiva possível
de música que reafirma as culturas africanas em São Paulo.
O disco com suas letras, capa, cores, musicalidades, instrumentações e ritmos
permitiu-me perceber um registro histórico que tem na grafia sonora o vestígio de uma
memória musical. Essa grafia imprime uma africanidade nas formas de tocar, cantar e na
perpetuação de ritmos. A audição dos sons dos instrumentos, como tambores, agogôs e
tamborins significam a tradução de uma cultura material com seus saberes e fazeres

12
Stuart Hall. Da Diáspora: Identidades e Mediações Culturais, 2003.
Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev. 2010

baseados na oralidade. Esses instrumentos e seus sons sinalizam para um gosto estético e
uma consciência de preservação da cultura ao serem, em um primeiro momento,
produzidos; em um segundo, executados, e em um terceiro, com a evocação dos ritmos que
atualizam e conservam um modo de tocar, dançar e sentir o mundo.
As suas letras significam uma concepção estética onde a arte tem uma interferência
política no mundo. E Geraldo, ao fazer essa inferência, recorre aos instrumentos que lhe
estão à mão para projetar a história num horizonte prospectivo. Operando no terreno da arte
Geraldo faz uso da ambiguidade de sentidos que é próprio dessa linguagem, porque ela não
está no mundo para responder, e sim para indagar, questionar e romper com formas
dominantes da cultura13.

Quem nunca viu


o samba amanhecer
Vai no Bixiga pra ver,
vai no Bixiga pra ver

Nesse sentido, suas letras e músicas provocam sensações e criam mundos que
ainda não se cristalizaram como ideologias, convenções ou práticas dominantes14. Nelas,
tem-se a oportunidade de perceber o real a partir da sua subjetividade, de onde aparecem
sinais dos seus sentimentos íntimos, projetos não consumados, perspectivas que avisam as
visões de mundo em que acreditava e que não se impuseram por completo devido ao
campo de forças hegemônicas da cidade15. As letras, como microtexto literário, não são
espelhos ou reflexo da realidade, mas como Geraldo sentia a realidade e desejava um
mundo ainda não vivido16.
Geraldo explorava nas letras os modos de vida dos negros e como esses teimavam
em não acompanhar algo determinado pela urbanização que projetava a cidade
monumental. Outros projetos de cidade foram possíveis para se viver no espaço urbano da
metrópole como resistência cultural, que ora enfrentou, ora se desviou, ora incorporou os
projetos hegemônicos para redefinir e rearticular as práticas culturais17. Na música
“Reencarnação” Geraldo narra o crescimento urbano da cidade, o desaparecimento da “mãe
preta” que sobrevivia do pequeno comércio da venda de café, pipoca, pamonha e quentão e
do seu desejo de reencarnar-se como negro. O desaparecimento da “mãe preta” e suas
práticas de trabalho revelam como uma ideia de urbanidade foi gestada em um processo de

13
Beatriz Sarlo. Paisagens Imaginárias, 1997.
14
Raymond Willians apud Beatriz Sarlo, Paisagens Imaginárias, p. 90.
15
Nicolau Sevcenko. Literatura como Missão: Tensões Sociais e Criação Cultural na Primeira
República, 1983.
16
Maria do Rosário da Cunha Peixoto. E as Palavras têm Segredos- Imagens de Criança na
Literatura Infantil Brasileira de Resistência. 1997, p. 10.
17
Stuart Hall. Da Diáspora. Identidades e Mediações Culturais, 2003, p. 255.
Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev. 2010

hegemonia18 que excluiu, segregou, invisibilizou e impôs uma determinada cidade. Como
contraponto a essa imposição, Geraldo, ao dizer que gostaria de “nascer negro novamente”,
cria uma contra-hegemonia que se faz também em processo vivo e histórico mesmo no
campo do desejo que seria o do renascimento. Nesse sentido, na sua cidade as áfricas têm
lugar garantido como memória e território se colocadas em perspectiva como expressão
cultural que existem, de forma desobediente ao campo de forças das relações de poder e
dominações culturais. Desse modo, a cultura popular negra funcionou sob essas
possibilidades de relação com o espaço urbano e com as formas dominantes, e em tensão
por sofrer obliterações e interferências. O que se vê com isso é que a cultura popular negra
não se manteve intacta, pura e autêntica; ao contrário, ela teve que se redefinir nessa
tensão entre imposições e resistências para continuar existindo19.
A revelação dessas múltiplas cidades e vivências não dominantes se fez a partir do
exercício artístico musical estimulado por Geraldo durante toda a sua vida, como analisado
nos seus discos. Esse exercício de Geraldo, transformado em músicas e letras, permitiu-lhe
capturar pequenos gestos, práticas e formas de sobrevivência.
Geraldo teve uma pequena produção discográfica ao longo de sua carreira artística.
Ele foi um daqueles casos de músicos pobres que só conseguiram gravar seu primeiro disco
após muitos anos de carreira musical vivido fora dos círculos da indústria fonográfica. No
caso específico de Geraldo ele grava o primeiro disco solo aos 53 anos de idade, em 1980.
Os discos que Geraldo gravou não permitiram deixar registrada toda a sua obra.
Nesses discos estão apenas algumas músicas que significam fragmentos daquilo que ele
produziu20. Seu filho Ailton contou que seu pai possuía um caderno com incontáveis
composições que não foram gravadas, o que significa dizer que os discos foram apenas
parte de sua obra.
Mesmo sendo restrita sua produção fonográfica, as canções que ali estão recobrem
um período específico que esteve circunscrito entre as décadas de 1960 e 1980. As
gravações desses discos permitiram a Geraldo imprimir no mundo do samba uma
singularidade que se expressa na voz, na interpretação e na forma de compor os temas,
além de personagens com vivências históricas que se passam no ambiente urbano e rural.
Esses discos definem minimamente o estilo, a especificidade, a estética particular desse
sambista que se configurou pelo samba-protesto, pelo samba-denúncia, em que um olhar
político sobre a sociedade, a cidade e o presente histórico dele se fez de forma crítica.

18
Raymond Willians. Marxismo e Literatura. 1979.
19
Stuart Hall. Da Diáspora. Identidades e Mediações Culturais, 2003.
20
Geraldo gravou em 1968 o primeiro disco em parceria com a intérprete Carmélia Alves. Nesse disco
ele canta seis músicas, sendo uma delas de sua autoria. Em 1970, gravou sete samba-enredos, num
disco produzido pela escola de samba Unidos do Peruche. Em 1980, grava seu primeiro disco solo
chamado “Geraldo Filme” e em 1982, em parceria com Clementina de Jesus e Doca da Portela, grava
o disco “O Canto dos Escravos”.
Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev. 2010

O primeiro disco, “Em prosa e samba”, foi feito em parceria com o dramaturgo Plínio
Marcos e com os sambistas Toniquinho do Batuque e Zeca da Casa Verde na década de
1960. Desse disco pouco se sabe, pois não se encontra mais em catálogo e nem mesmo
nos chamados “sebos” de discos, um comércio informal que havia na cidade nas décadas
finais do século XX, os quais eram verdadeiros arquivos sonoros.
O segundo disco, gravado em 1980 pela gravadora Eldorado, foi de fato o primeiro
LP em que Geraldo teve a oportunidade de gravar suas composições e expor seu trabalho
ao público. Nele, várias são as temáticas, personagens e ambientes sociais que compõem a
poética e os arranjos sonoros do disco. Nesse disco aparecem curandeiros, operários,
meninos de rua, mulheres negras trabalhadoras, sambistas, escolas de samba como o
Paulistano da Glória, espaços como o Bixiga, narrativas sobre a cidade de São Paulo e
sobre o afro-brasileiro, formando um mosaico poético e social que definem o sentido desse
Long Play. Denunciava a situação desfavorável dos grupos negros diante do processo de
urbanização e industrialização que se intensificara na segunda metade do século XX,
imprimindo novos rumos para a sociedade, cujo epicentro mais emblemático se fez em São
Paulo. Revela as experiências e perspectivas incongruentes com aquilo que passaria a ser
chamado de modernidade, pois a pobreza e a exclusão social vividas pelos negros revelam
o fracasso que foi a industrialização. Nesse sentido, a leitura e a experiência particular de
Geraldo ganham relevos mais acentuados quando é posto o contexto da urbanização como
pano de fundo por onde a sua vida e a vida das personagens que construiu se passaram.
As vivências das camadas populares e negras são capturadas e explicitadas nas
letras e músicas, quase imperceptíveis e sufocadas frente à cidade que se transformou na
metrópole dos edifícios, negócios, serviços e indústrias nas últimas décadas do século XX.
Ao fazer desaparecer práticas populares como da “mãe preta”, o processo ativo de
modernização urbana como hegemonia cultural passou pela construção/imposição de um
tempo único e cidade única. Em oposição a isso, as cidades de Geraldo apresentam
múltiplas temporalidades e vivências.
Com a música há sinais de que outras vivências, sonhos e realizações foram
possíveis. A concretização desses projetos passou pelo espaço da criatividade artística para
sua efetivação, ocorridas em zonas alternativas ao enquadramento e à normatização da
cultura. Sua música, ao insinuar outras possibilidades, projetou-se, com estética própria,
como ruptura e projeção de novos rumos21. A música como conjunto que engloba literatura,
instrumentação e som pode ser vista como “produto do comportamento humano na
sociedade na qual está inserida culturalmente”22, e enquanto tal traz indagações, conflitos,

21
Beatriz Sarlo. Paisagens Imaginárias, p. 55.
22
Kazadi Wa Mukuna. Contribuição Bantu na Música Popular Brasileira: Perspectivas
Etnomusicológicas, p. 31.
Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev. 2010

desejos e delírios íntimos, que se apresentam às vezes como possibilidade de futuro. Como
expressão sonora e literária, a música possibilita explorar sensibilidades e pensamentos que
se processam social e psiquicamente numa conjuntura histórica específica.
Ao capturar o miúdo, o não estabelecido, o não dominante postos nas vivências
negras e populares, protegeu memórias na cidade que foi cruel e apartava os
desafortunados. Mais do que dar respostas, a arte de Geraldo produziu inquietações23 ao
revelar as desigualdades: comprometeu-se mais com aquilo que poderia ser, ao questionar
a ordem de como a cidade era, e de como os menos favorecidos a viveram. Não há
oposições entre realidade, ficção e desejo. Essas dimensões se misturam para trazer à tona
outras realidades históricas pela via da música. Suas letras indagavam sobre os
preconceitos étnicos, apontando as feridas sob os efeitos nefastos da marginalização que as
personagens viviam ao estarem em zonas trágicas da urbanização de São Paulo. Ao
retratar essas experiências de desajustamento em meio a uma estrutura social injusta,
sinaliza desejos de mudança. Incorporou a alma do poeta ao apontar o futuro por se afligir
com o presente. Moveu-se por um sentimento de descontentamento.
Os seus discos se inscrevem num contexto de redemocratização, anistia política e
luta contra a ditadura. Engajado contra o militarismo, Geraldo não se furta de por em
evidência as mazelas do país e da cidade de São Paulo por meio das letras de música.
Denuncia a pobreza, o racismo, a sensação de modernidade que as classes privilegiadas
sentiam, valoriza a experiência da população afro-descendente no processo de formação do
país. É um sambista que adota a postura de um militante político e cultural. Opôs-se ao
autoritarismo do regime militar mesmo não falando diretamente sobre isso em suas músicas.
Utilizou de um caminho diferente dos movimentos políticos e sociais da época que se
opunham à ditadura, militou como um músico do samba-protesto, do samba-indignação, do
samba-enredo e do samba-de-festa.
Nos limites e espaços que ainda sobravam naquele momento em que produziu seus
discos entre os anos de 60 e 80, trabalhou artisticamente o imponderável, o não organizado,
a história dos pormenores das vivências que foram abafadas pelo sistema urbano-industrial
e pela ditadura, criticou a legitimidade da urbanização e insinuou rumores para uma história
que ainda poderia ser vivida.
A tarefa de reconstruir a memória de Geraldo Filme e das áfricas pode ser sinal de
uma história que pode ser vista em perspectiva. Sua memória possibilitou perceber, no
tempo presente, que o futuro das áfricas estará nas formas de como os grupos negros terão
que resistir cultural e politicamente para reinventá-las cotidianamente, seja no âmbito

23
Beatriz Sarlo. Paisagens Imaginárias, p. 56.
Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev. 2010

público ou privado. Essa postura política pode projetar as áfricas paulistanas como uma
perspectiva de cidade em coexistência com outras cidades e outros modos de vida.
Devido às formas de resistência terem sido operadas das mais diferentes maneiras,
Geraldo Filme e os grupos negros forjaram modos de viver modulados pela reconstrução e
ressignificação de valores culturais com traços africanos. As cidades com marcas negras
existiram sob uma experiência social que se fez no entre-lugar da cidade hegemônica,
através da criação de outros projetos, possibilidades e temporalidades. Por dentro da cidade
objeto e dominante emergiram vivências movidas por um forte sentimento de comunidade e
de tradição oral. As relações familiares, de amizade e musicais tiveram na vivência
comunitária e na tradição de oralidade os valores norteadores das escolhas pessoais e
posicionamentos políticos para construir as áfricas. A partir dessas estratégias elas foram
vividas de forma múltipla e difusa, que se fez em práticas culturais no espaço público, em
relações afetivas no espaço privado, na gestualidade corporal, nos falares, saberes, nas
danças, musicalidades, nos carnavais, nas organizações culturais e educacionais através de
blocos, cordões e escolas de samba e, no caso específico de Geraldo Filme, amplia-se
também para o teatro e a pesquisa histórica, pois se dedicou a essas atividades.
Elas funcionaram também em negociação com outras culturas onde tiveram que
compartilhar espaços comuns, como foi o caso, por exemplo, do bairro do Bixiga, da Barra
Funda e da Liberdade. Desse modo, uma relação de coexistência cultural teve que ser
incorporada pelos mais diferentes grupos étnicos na cidade para tornar a vida possível.
Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev. 2010

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GERALDO FILME - Por seus autores e intérpretes. São Paulo: Sesc, 2000.

MÚSICA BRASILEIRA deste século: por seus Autores e Intérpretes. São Paulo: Sesc, 2000.

Documentário

GERALDO FILME: Criolo Cantando Samba Era Coisa Feia. Direção: Carlos Cortez. São
Paulo: 1998. Documentário.
Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev. 2010

Fotografia

GERALDO FILME- imagem da capa. São Paulo: OESP, [19--]. Cedida pelo arquivo das
escolas de samba de São Paulo.
Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev. 2010

O SAMBA E O CARNAVAL PAULISTANO1

Francisco de Assis Santana Mestrinel (Chico Santana)2

Resumo: O samba é um gênero ligado diretamente ao carnaval, tendo sofrido influência das
diferentes fases dessa festa em seu processo de formação e de transformação. As escolas
de samba do Rio de Janeiro exerceram influência determinante na caracterização rítmica do
samba. Em São Paulo, os cordões carnavalescos executavam a chamada marcha-
sambada, influenciada pelos sambas rurais do interior do estado. Este artigo trata da relação
entre o carnaval e o samba, apontando os diálogos e rupturas no processo de
transformação desse gênero.

Palavras-chave: Carnaval. Marcha-sambada. Samba rural. Cordões. Escolas de samba.

O samba é um dos gêneros da música popular brasileira mais conhecidos e


difundidos em nosso país. Esse verdadeiro universo conhecido por samba teve origem nas
manifestações musicais dos negros africanos que vieram para o Brasil durante o período da
escravidão. Cada etnia africana trouxe uma bagagem cultural e musical, que aqui passaram
a conviver e a dialogar, principalmente nas regiões que concentravam maior número de
escravos (primeiramente na Bahia, depois no Rio de Janeiro e nas outras regiões como São
Paulo e Minas Gerais). A cultura Bantu foi uma das mais importantes para o surgimento do
samba (LOPES, 2003), que também foi influenciado pela música europeia. O termo samba
inicialmente designava qualquer das manifestações musicais dos negros, geralmente
associadas a presença da percussão e da coreografia da umbigada (chamada de semba).
No Rio de Janeiro do início do século XX, esse gênero se configurou, agregando
elementos do choro e das batucadas de terreiro, além dos versos improvisados, mediados
por uma incipiente cultura urbana. Nas casas das Tias Baianas, como a Tia Ciata, na região
da Saúde, o samba nasce da efervescência cultural proporcionada pelo convívio de negros,
oriundos principalmente da Bahia, em um ambiente urbano. Em sua primeira fase, o samba
possuía uma rítmica bastante próxima à do maxixe, estilo de choro bastante popular desde
1
Este artigo foi criado a partir da dissertação A batucada da Nenê de Vila Matilde: formação e
transformação de uma bateria de escola de samba paulistana, apresentada no programa de pós-
graduação em música da Universidade Estadual de Campinas em 2009, sob orientação de José
Roberto Zan, com financiamento da Fapesp.
2
Chico Santana é mestre em música pela Unicamp, onde atuou como professor de percussão e
rítmica entre 2005 e 2007. Foi bolsista Fapesp e publicou em 2009 a dissertação “A batucada da
Nenê de Vila Matilde: formação e transformação de uma bateria de escola de samba paulistana”,
orientada por José Roberto Zan. Produziu com sua pesquisa um vídeo-documentário homônimo.
Foi criador do Conservatório de Música Popular de Itajaí (SC), onde atuou com professor de
percussão complementar de 2007 a 2009. Exerce a função de assistente de percussão no Projeto
Guri, atua e dirige diversos grupos artísticos em São Paulo e Campinas, com destaque para o grupo
Tambaleio e a Bateria Alcalina.
Já se apresentou em importantes festivais, como o XX Havana Jazz Plaza (Cuba, 2002) e IPEW:
International Percussion Ensemble Week (Croácia, 2004), e ministrou cursos no 10º e 11º Festivais
de Música Popular de Itajaí.
1
Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev. 2010

meados do século XIX na então capital brasileira. O samba-amaxixado perdurou até o


surgimento das primeiras escolas de samba cariocas, refletindo, a partir disso, toda a
influência que o carnaval exerceria sobre o samba.
Na capital fluminense, um grupo de sambistas do bairro do Estácio de Sá criou, em
1928, a pioneira escola de samba, a Deixa Falar, introduzindo no carnaval um samba
diferente, com temática urbana, presença marcante de instrumentos de percussão e com
uma batida que se tornaria referência nacional nas décadas posteriores, rompendo com o
samba-amaxixado. Além disso, a Deixa Falar lançou um formato de cortejo, que se
desenvolveu nas subsequentes escolas de samba do Rio de Janeiro e de todo o Brasil,
inspirado pelos ranchos carnavalescos, inaugurando uma estética que predomina até os
dias atuais no carnaval brasileiro.
O carnaval é uma das principais festas do Brasil, ocupando lugar de destaque entre
diversas camadas da população e da mídia. Em São Paulo, teve sua origem ligada à
manifestação do entrudo, uma brincadeira na qual os foliões atiravam água e outros líquidos
entre si, existente desde o século XV. Por volta de 1870, a maneira como a população
divertia-se no período carnavalesco passou a apresentar mudanças decorrentes do
enriquecimento proporcionado pela expansão cafeeira. Tal fato fez com que as camadas
mais altas passassem a adotar um estilo de vida burguês europeu (PEREIRA DE QUEIROZ,
1973 apud SIMSON, 2007, p. 22), buscando diferenciar-se da população menos abastada,
rompendo a homogeneidade presente nas manifestações culturais do período anterior. As
manifestações lúdicas antigas, diante das novas formas de divertimento burguesas que
surgiam, foram relegadas às regiões periféricas das cidades e se transformariam em
folguedos típicos das camadas populares (PEREIRA DE QUEIROZ, 1973 apud SIMSON,
2007, p. 22).
No festejo momesco paulista, podemos diferenciar, a partir de então, os chamados
grande carnaval e pequeno carnaval. O primeiro correspondia ao carnaval elitizado do luxo
e do brilho, também conhecido como carnaval veneziano; o outro era aquele baseado nas
tradições lúdico-religiosas portuguesas, negras e indígenas (SIMSON, 1984, p. 18). O
grande carnaval englobaria os préstitos3 burgueses, passando pelos bailes de máscaras,
indo das ruas aos salões e retornando ao ambiente externo com o desfile das grandes
sociedades e o corso. O pequeno carnaval era representado pelas manifestações de rua da
população mais pobre, que tinha na dança e na música os elementos centrais de suas
festas, de onde surgiriam os blocos, os cordões, os ranchos e as escolas de samba, que
paulatinamente agregariam também elementos do grande carnaval.

3
Desfile de carros enfeitados.
2
Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev. 2010

A formação do carnaval popular paulistano tem como base fundamental as festas de


caráter religioso-profano das pequenas cidades interioranas nas quais a população pobre
manifestava-se por meio de suas danças e músicas, que acabaram tornando-se parte
indissociável dos festejos, como na festa de Bom Jesus de Pirapora. Os primeiros líderes de
grupos carnavalescos paulistanos, em sua maioria provindos do interior do estado, ao
frequentarem estas festas, absorviam elementos musicais e coreográficos que seriam
manifestados no carnaval popular paulistano. Assim, a influência dos sambas rurais
presentes na festa de Pirapora refletir-se-ia na música dos cordões carnavalescos
paulistanos, que por sua vez influenciariam as futuras escolas de samba da capital
bandeirante, atualmente as principais agremiações carnavalescas de São Paulo.
Entre os líderes sambistas criadores dos cordões destacam-se duas influências
culturais determinantes identificadas por Olga Von Simson:

1. As festas de caráter religioso-profano como congada, moçambique e


samba de Pirapora, vivenciadas geralmente fora da capital (principalmente
Capivari, Tietê e Piracicaba), além das festas realizadas pela comunidade
negra na periferia da cidade de São Paulo, como a de Treze de Maio, São
Benedito e Santa Cruz.
2. Elementos contemporâneos e cosmopolitas, folguedos locais,
mineiros ou cariocas, cinema, teatro de revista, bandas musicais civis e
militares. (SIMSON, 2007, p. 115 e 116).

O primeiro cordão carnavalesco paulistano foi criado por Dionísio Barbosa em 1914 e
chamava-se Cordão da Barra Funda (posteriormente Camisa Verde e Branco). Dionísio
morou no Rio de Janeiro, onde teve contato com os ranchos carnavalescos de lá, além das
bandas militares, populares no início do século XX. Assim, Dionísio resolveu criar um grupo
carnavalesco em São Paulo. No entanto, o contexto cultural, social e histórico da capital
paulista era bem diverso do da capital fluminense e os primeiros cordões carnavalescos
paulistanos exibiriam características peculiares. Visualmente, os cordões se caracterizavam
pela presença do Baliza, personagem que executava malabarismos com um bastão e abria
caminho para a agremiação carnavalesca passar entre os foliões, além de defender o
estandarte do grupo, o próprio estandarte, símbolo maior do cordão, e corte com rei, rainha,
príncipe etc. Os elementos musicais característicos eram a batucada, responsável pela
manutenção do ritmo do desfile por meio da execução de instrumentos de percussão e
sopro, com destaque para o bumbo, e o chamado choro, grupo responsável pelo
acompanhamento melódico e harmônico, com instrumentos de corda, cavaquinho e violão, e
também de sopro, como trompete, trombone e saxofone. O ritmo interpretado pelos cordões
era a chamada marcha-sambada, que mesclava elementos dos sambas rurais paulistas e
da marcha.

3
Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev. 2010

A influência dos cordões foi determinante para as primeiras escolas de samba de


São Paulo na mesma medida em que os ranchos influenciaram as escolas cariocas
(MORAES, 1978). Assim, nas primeiras escolas de samba paulistanas, houve a mescla de
elementos dos cordões com características musicais e coreográficas do samba carioca, que
diferenciavam a escola de samba dos demais agrupamentos carnavalescos. As primeiras
escolas de samba de São Paulo surgiram em meados da década de 1930. A “Primeira de
São Paulo” é considerada por alguns como a pioneira, mas a primeira escola a se firmar no
carnaval paulistano foi a “Lavapés”, fundada em 1937 por Madrinha Eunice e Chico Pinga,
no bairro da Liberdade.
As primeiras escolas de samba paulistanas mantiveram por muitos anos diversos
elementos dos cordões, como o Baliza e o estandarte. Na questão musical, embora
buscassem uma aproximação com o samba carioca, a influência dos sambas rurais
paulistas no ritmo dos cordões era determinante, sendo possível observar a presença do
bumbo e de instrumentos de sopro nos cordões até o fim da década de 1960.
Se no Rio de Janeiro o samba teve como importante matriz o maxixe, que por sua
vez apresentava influências do lundu e da modinha, em São Paulo o samba rural, ou samba
de bumbo, estava diretamente ligado aos batuques negros, sem tanta influência urbana
como a que mediou o processo de transformação do samba carioca. Isso se explica pelo
fato de a cultura urbana europeia estar mais amplamente difundida na capital fluminense em
comparação com São Paulo, onde a cultura rural se fez presente por mais tempo nos
folguedos populares, devido ao desenvolvimento urbano paulista posterior ao carioca. A
transformação do Rio de Janeiro em capital do Império Português no início do século XIX
mostrou-se determinante para a difusão da cultura urbana europeia em terras fluminenses.
Já em São Paulo, a urbanização ocorre em fase posterior, na segunda metade do século
XIX, devido à expansão cafeeira e ao enriquecimento da elite da capital bandeirante. Dessa
diferença entre o universo urbano e rural é provável que tenha surgido a terminologia
“samba-rural”, empregada por Mário de Andrade em seus estudos sobre os sambas
paulistas presentes na festa de Bom Jesus de Pirapora durante a década de 19304.
O samba carioca pós-Estácio se aproximou da marcha, rompendo com a rítmica
amaxixada, a fim de facilitar a evolução em cortejo dos foliões. As escolas de samba
cariocas agregavam elementos visuais dos ranchos à musicalidade negra presente no
samba, que ganhava uma feição marchada, para tornar mais fluente o desfile dos
componentes do grupo carnavalesco. O caráter marchado designa uma marcação mais
constante do pulso musical, que auxiliaria no ato de caminhar e dançar simultaneamente. O

4
Manzatti discute em seu trabalho Samba Paulista: do centro cafeeiro a periferia do centro (2005) a
terminologia adotada por Mário de Andrade e aponta sua origem e adequação à denominação dos
sambas paulistas analisados por Mário.
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Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev. 2010

maxixe era dançado em par e sua rítmica, teoricamente, não colaborava para um desfile.
Um dos principais nomes do grupo de sambistas do Estácio, Ismael Silva, explica: “É que,
quando eu comecei, o samba da época não dava para os grupos carnavalescos andarem na
rua... O estilo não dava pra andar” (CABRAL, 1996, p. 28). Maximo e Didier, que também
entrevistaram o mesmo sambista complementam: “Segundo Ismael, a necessidade que os
blocos têm de cantar sua música marchando e não dançando, se deve ao samba do Estácio
de Sá suas características” (MAXIMO; DIDIER, 1990, p. 118). Entretanto, os mesmos
autores, bem como Sandroni (2001), apontam essa postura mais como um rompimento com
a forma “amaxixada” de fazer samba do que propriamente uma questão de adequamento
musical coreográfico à nova maneira de brincar o carnaval.
Já em São Paulo, a marcha-sambada também se aproximava da marcha, mas com a
influência dos sambas rurais, ou samba de bumbo, com rítmica diversa do samba carioca. A
presença do bumbo parece ser a característica mais marcante dessa manifestação, e o
termo “samba de bumbo” torna-se emblemático. Tal terminologia engloba uma família de
manifestações negras de canto, percussão e dança originária dos batuques negros
cultivados em toda a América desde o início do tráfico de escravos. Segundo Manzatti, as
distinções apontadas por antigos folcloristas como Rossini Tavares Lima e o próprio Mário
de Andrade, com o uso de denominações distintas para as manifestações, confundem
quando da identificação desse gênero como oriundo da mesma matriz africana, e os nomes
“samba lenço”, “samba rural”, “samba de Pirapora”, “samba campineiro”, entre outros,
designariam variações do mesmo ritmo, chamado por este autor de samba de bumbo, ou
simplesmente samba paulista (MANZATTI, 2005, p. 50). Em cada região essas
manifestações adquirem peculiaridades, resultando em nomes distintos, sem perder, no
entanto, características comuns a todas elas, frutos de uma raiz africana. Devido a essa
matriz comum do samba carioca, amaxixado e pós-Estácio, e do samba paulista é possível
identificar as similaridades e diferenças entre os estilos, bem como de que maneira foram
influenciados pela marcha.
Seu Nenê de Vila Matilde, importante líder carnavalesco da escola de samba
homônima, explica como aprendeu com Paulo da Portela5, durante um show realizado na
capital paulista no fim da década de 1930, as diferenças e similaridades entre o samba e a
marcha:

Paulo Benjamin, ele que falou pra gente que o ritmo é um só, a marcação
do surdo na marcha é um só, e daí ele marcou no teatro — o samba é
assim: um dois, um dois; eu vou chamar um surdo. Primeiro a marcha,
vamos ver — aí mandou marcar, tum dum, tum dum [toca ritmo de marcha
ao pandeiro], e falou: — tá vendo, isso é a marcha, agora na mesma

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Líder carnavalesco da tradicional escola de samba carioca Portela.
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marcação que vem é o samba, tum dum, tum dum [toca ritmo de samba ao
pandeiro]. Aí tá vendo [...] (Alberto Alves da Silva apud SEU NENÊ, 2000).

Carlos Sandroni fez minuciosa análise musical da transformação musical ocorrida no


samba carioca entre 1917 e 1933, quando supostamente o elemento rítmico da marcha foi
incorporado à manifestação musical negra, afastando-se de elementos “amaxixados”. No
livro Feitiço Decente (2001), o autor demonstra que a maior transformação ocorreu nas
linhas rítmicas que caracterizavam a batida do violão, do tamborim e do cavaco, ritmo
também identificado por Seu Nenê em seu depoimento. Aí percebemos que à marcação
grave da marcha juntavam-se divisões sincopadas executadas no tamborim e em outros
instrumentos, passando a própria marcação para o surdo, instrumento criado nesse
processo de transformação do samba e de surgimento das escolas no Rio de Janeiro.
De acordo com José Geraldo Vinci de Moraes (1997, p. 118), a instável base de
sustentação sócio-cultural da população negra em São Paulo a partir da segunda metade do
século XX e o confronto com as outras experiências culturais dificultavam a permanência de
suas manifestações regionais. Essa situação se torna mais crítica na medida em que se
consolidava o modelo carioca de samba e de carnaval, amparado e mantido pela indústria
fonográfica e pelo rádio, que naquele momento reproduziam o projeto da identidade cultural
nacional, que se compatibilizava com o modelo do samba carioca. Assim, as manifestações
regionais paulistas foram se enfraquecendo na medida em que as culturas do samba e do
carnaval da capital fluminense ganhavam força, fato agravado pela rápida urbanização
paulistana, que diluía essas manifestações regionais mais ligadas ao universo interiorano e
rural. Embora houvesse similaridades culturais entre as manifestações negras paulistas e as
cariocas, que possuíam a mesma matriz africana facilitando sua aproximação e
identificação, os elementos regionais característicos de São Paulo acabaram se perdendo e
foram gradativamente substituídos por elementos típicos do Rio de Janeiro.
A matriz africana supra citada refere-se principalmente às características rítmico-
musicais e coreográficas do samba negro, ainda indefinido como gênero popular, diluído em
manifestações diversas, cada qual com suas peculiaridades, desenvolvidas em diferentes
regiões. O samba sofreria influências distintas no Rio e em São Paulo, refletindo na
formação e na transformação das agremiações carnavalescas de cada cidade. O samba era
a matriz negra comum às duas capitais – samba numa concepção ancestral, designando
música e dança de origem negra, batuque, feito em roda com instrumentos de percussão ou
apenas com a palma de mão, com a coreografia da umbigada, existente desde os tempos
da escravidão. Essa musicalidade e corporeidade ancestral do samba possibilitaram a
aproximação das manifestações carnavalescas negras de São Paulo e do Rio de Janeiro.

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Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev. 2010

O encontrão, dado geralmente com o umbigo (semba em dialeto angolano),


mas também com a perna, serviria para caracterizar esse rito de dança e
batuque, e mais tarde dar-lhe o nome genérico: samba. Nos quilombos, nos
engenhos, nas plantações, nas cidades, havia samba onde estava o negro,
como uma inequívoca demonstração de resistência ao imperativo social
(escravagista) de redução do corpo negro a uma máquina produtiva e como
uma afirmação de continuidade do universo cultural africano [...] A
crioulização ou mestiçamento dos costumes tornou menos ostensivos os
batuques, obrigando os negros a novas táticas de preservação e de
continuidade de suas manifestações culturais. Os batuques modificavam-se,
ora para se incorporarem às festas populares de origem branca, ora para se
adaptarem à vida urbana. As músicas e danças africanas transformavam-
se, perdendo alguns elementos e adquirindo outros, em função do ambiente
social. Deste modo, desde a segunda metade do século XIX, começaram a
aparecer no Rio de Janeiro, sede da Corte Imperial, os traços e uma música
urbana brasileira – a modinha, o maxixe, o lundu, o samba. Apesar de suas
características mestiças (misto de influências africanas e européias), essa
música fermentava-se realmente no seio da população negra,
especialmente depois da Abolição, quando os negros passaram a buscar
novos modos de comunicação adaptáveis a um quadro urbano hostil.
(SODRÉ, 1979, p. 12).

Nesse texto de Muniz Sodré, extraído do livro Samba o dono do corpo, podemos
observar uma sintética descrição do processo de transformação pelo qual passou o samba,
desde suas origens escravas até sua transfiguração para subsistir em novas situações
sociais e históricas. Se no Rio de Janeiro as influências urbanas deram novas feições ao
samba, em São Paulo o contexto de transformação dos batuques negros foi outro e o
samba paulista manteria características diversas das da vertente carioca até meados do
século XX com o samba de bumbo. Essas diferenças “evolutivas” do samba refletem-se na
criação das escolas de samba no Rio de Janeiro e em São Paulo de maneiras distintas,
culminando na sobreposição das características cariocas a partir da imposição do
regulamento carnavalesco do Rio no contexto paulistano em 1968. Até então, as
agremiações paulistanas carnavalescas mantinham características inerentes ao universo do
samba rural (ou de bumbo), cultivado nas antigas festas religiosas no interior e na capital do
estado paulista.
No fim de 1967, alguns líderes carnavalescos paulistanos, com apoio do radialista
Moraes Sarmento, conseguiram que o então prefeito paulistano Faria Lima oficializasse o
carnaval de São Paulo. O desfile realizado no Vale do Anhangabaú passou a ter
arquibancadas e iluminação adequadas à festa e o concurso entre os grupos deixaria a
partir de então de ser organizado por jornais e estabelecimentos comerciais, passando a ser
também responsabilidade do poder público. O Prefeito Faria Lima, carioca e simpatizante
dos folguedos populares, encomendou a um carnavalesco carioca um regulamento para o
concurso entre agremiações paulistanas que, consequentemente seguiu o modelo do
carnaval da capital fluminense, que era dominado pelas escolas de samba (SIMSON, 2007,
p. 216). O radialista Evaristo de Macedo, incentivador do carnaval paulistano, foi

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Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev. 2010

pessoalmente à sede da Liga das Escolas de Samba do Rio de Janeiro e obteve, com o
presidente dessa entidade, o regulamento carnavalesco, que seria adaptado ao carnaval
paulistano6. Entretanto, tal regulamentação não considerou as características paulistas dos
grupos carnavalescos, que tinham origem diversa daquela das escolas de samba cariocas.
O novo concurso estabeleceria no carnaval de São Paulo os padrões das escolas de samba
do Rio de Janeiro, criando a urgente necessidade de adequações estruturais, estéticas,
musicais e coreográficas das agremiações paulistanas ao novo modelo. A inauguração
dessa nova fase marcou o fim de diversos elementos tradicionais das agremiações
carnavalescas paulistanas. Em 1972, como resultado, os principais cordões, Vai-Vai,
Camisa Verde-e-Branco e Fio de Ouro, acabaram se tornando escolas de samba. Assim, a
figura do Baliza seria extinta, o estandarte se transformaria em bandeira, os instrumentos de
sopro deixariam de figurar nas baterias, a temática livre não seria mais permitida, dando
lugar ao desenvolvimento de um enredo, e a ala de baianas tornar-se-ia obrigatória. Os
grupos carnavalescos de São Paulo davam início a um processo de padronização, que se
mantém até os dias de hoje tendo como modelo aspectos das escolas de samba do Rio de
Janeiro.
Se a oficialização do carnaval acabou por suprimir características inerentes ao
carnaval paulistano, algumas agremiações se beneficiaram do fato, como a escola de
samba Nenê de Vila Matilde. Essa agremiação foi criada em 1949 por um grupo de amigos
da zona leste de São Paulo, liderados por Alberto Alves da Silva, posteriormente chamado
de Seu Nenê da Vila Matilde. A Nenê foi pioneira na implementação de elementos cariocas
em seus desfiles, já que o líder maior da agremiação tinha familiares na capital fluminense e
pode ter contato com as principais escolas de lá. Seu Nenê admirava muito as agremiações
cariocas e sempre buscou inspiração nelas. Assim, quando o regulamento do carnaval
oficializado paulistano forçou as agremiações a adaptarem-se à nova realidade dos
concursos carnavalescos, a escola de samba Nenê de Vila Matilde saiu na frente, pois já
possuía diversos elementos cariocas, como ala de baianas, mestre-sala e porta-bandeira e
um ritmo mais próximo do samba típico do Rio de Janeiro. Assim, a Nenê de Vila Matilde se
tornou uma das principais escolas de samba paulistanas, mantendo sua força até os dias de
hoje7.
O samba é um dos principais gêneros da música brasileira. Ao longo da história, ele
se mostrou extremamente dinâmico, assim como o carnaval, relacionando-se diretamente
com as transformações dessa festa. O samba sempre se adaptou a novos cenários sociais

6
Segundo depoimento do mesmo no documentário Samba à Paulista, fragmentos de uma história
esquecida.
7
Embora no carnaval de 2009 a agremiação tenha sido rebaixada com a penúltima colocação no
concurso entre as escolas.
8
Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev. 2010

e políticos, incorporando novos instrumentos e novas linguagens, desdobrando-se em


samba-canção, samba de gafieira, samba de breque, samba de terreiro, samba-enredo,
samba reggae, samba rock, bossa-nova, entre muitos outros8, tendo como base a marcação
grave no segundo tempo do compasso 2 por 4, o balanço da condução de semicolcheias e a
rítmica sincopada9. O samba urbano do Rio de Janeiro acabou se tornando o estilo mais
representativo do gênero, dificultando a manutenção das peculiaridades regionais dos
diferentes estilos de samba, como o samba rural paulista10. A influência do carnaval sobre
esse gênero mostrou-se determinante ao longo de sua história, refletindo todo o dinamismo
que permeia essa festa e esse gênero, símbolos da cultura brasileira.

8
O livro Sambeabá, de Nei Lopes, apresenta um panorama de diversos estilos de samba.
9
No entanto, cada estilo de samba apresenta peculiaridades.
10
Ver A Batucada da Nenê de Vila Matilde: formação e transformação de uma bateria de escola de
samba paulistana.
9
Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 40, fev. 2010

Referências bibliográficas

CABRAL, Sérgio. As escolas de samba do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Lumiar, 1996.

LOPES, Nei. Sambeabá – o samba que não se aprende na escola. Rio de Janeiro: Casa da
Palavra; Folha Seca, 2003.

MANZATTI, Marcelo Simon. O samba paulista, do centro cafeeiro à periferia do centro:


estudo do samba de bumbo ou samba rural paulista. Dissertação (Mestrado em Ciências
Sociais)– Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), São Paulo, 2005.

MAXIMO, João; DIDIER, Carlos. Noel Rosa – uma biografia. Brasília: Unb, 1990.

MESTRINEL, Francisco de Assis Santana. A Batucada da Nenê e Vila Matilde: formação e


transformação de uma bateria de escola de samba paulistana. Dissertação (Mestrado em
Música Popular)– UNICAMP – Instituto de Artes, Campinas, 2009.

MORAES, Wilson Rodrigues de. As Escolas de Samba de São Paulo. São Paulo: Conselho
Estadual de Artes e Ciências Humanas, 1978.

SANDRONI, Carlos. Feitiço Descente: Transformações do Samba no Rio de Janeiro (1917-


1933). Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2001.

SIMSON, Olga Rodrigues de Moraes Von. Carnaval em branco e negro, carnaval popular
paulistano: 1914-1988. Campinas: Editora da Unicamp; São Paulo: Edusp; Imprensa Oficial
do Estado de São Paulo, 2007.

______. A burguesia se diverte no reinado de momo: 60 anos de evolução do carnaval na


cidade de São Paulo (1855-1915). Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais)– USP-
FFLCH, 1984.

SODRÉ, Muniz. Samba, o dono do corpo. Rio de Janeiro: Codecri, 1979.

VINCI DE MORAES, José Geraldo. Sonoridades Paulistanas: final do século XIX ao início
do século XX. Rio de Janeiro: Funarte, 1997.

Documentários

SEU NENÊ. Direcção: Carlos Cortez. Produção: Rui Pires. [S.l.]: [s.n.], 2001.

SAMBA à paulista - fragmentos de uma história esquecida. Direção: Gustavo Mello. São
Paulo: [s. n.], 2007.

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