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PAIQ T BG L +
o que devemos saber
O cuidado do paciente
LGBTQIAP +:
o que devemos saber
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Introdução
A sexualidade humana compreende características como prazer, reprodução, amizade, amor, afeto,
práticas sexuais, orientação sexual e gênero. O seu exercício envolve sensações táteis prazerosas, re-
cebimento de afetividade e acolhimento amoroso advindo de relacionamentos conjugais, fraternos ou
amigáveis. A forma como a sexualidade se manifesta está relacionada a diversos contextos, tais como
histórico, sociocultural, familiar e subjetivo(1,2). O Box 1 traz alguns conceitos relacionados à diversidade
sexual e de gênero.
3
No Brasil, da população em idade reprodutiva, 0,69% (IC 95% = 0,48–0,90) se identifica como
transgênera e 1,19% (IC 95%= 0,92–1,47) como não binárias (3).
A principal lacuna a ser preenchida para discutir a sexualidade frente ao paciente é ter uma abor-
dagem clara e acolhedora, para que se desconstruam os obstáculos que a temática carrega, porém
na literatura consultada não foi possível identificar instrumentos específicos validados com a finali-
dade de apoiar e facilitar a abordagem e a comunicação sobre a sexualidade dos pacientes LGBT-
QIAP+ com câncer (4).
O acesso e permanência da população da diversidade sexual nos serviços de saúde é modulado por
inúmeras barreiras tais como a violência institucional e preconceito, além do despreparo dos profissionais
de saúde (5). Tornar a consulta um local mais inclusivo vai além das questões relacionadas à ambientação.
O reconhecimento, a permissão e a validação das identidades e das práticas sexuais, além da utilização de
um uma linguagem menos binária e menos sexista são ações que podem mitigar a negligência com essa po-
pulação no sentido de promover saúde. A figura 1 traz um modelo de como iniciar essa abordagem retirada
do Boletim Epidemiológico do Estado de São Paulo publicado em 2022 (6).
02. Ou
Observe como a pessoa se autodeclara em suas palavras e
pergunte: “estou vendo que você está se referindo a si mesmo/a
no masculino/feminino, posso utilizar esses termos com você?”
A linguagem inclusiva pode ser útil para entender as relações familiares e os diferentes sistemas de
apoio e comunicar essa compreensão de volta ao paciente. Em vez de perguntar: “Esta é sua mãe?”,
é menos presunçoso perguntar: “Quem está aqui com você hoje?”. Carr (2018) observou que 70% dos
entrevistados LGBTQIAP+ da pesquisa relataram que seus sistemas de apoio eram amigos em vez de
um parceiro ou membro da família, que geralmente é chamado de família escolhida (7). O profissional
pode facilitar interações seguras e inclusivas compreendendo a diversidade de sistemas de apoio na
comunidade LGBTQIAP+ e usando terminologia inclusiva (8). A tabela abaixo oferece exemplos de lin-
guagem inclusiva LGBTQIAP+.
4
EVITE DIZER DIGA ASSIM POR QUÊ? EXEMPLO
Hermafrodita é um
“Quais são as melhores
estigmatizante,
práticas para
“Hermafrodita” “Intersexo” palavra imprecisa com um
os cuidados médicos de
negativo
intersexo?”
histórico médico.
“Um gay” ou “um Uma pessoa “gay” gay e transgênero são ad- “Tivemos um atleta
transgênero” ou uma pessoa jetivos que descrevem uma transgênero em nossa
“transgênero” pessoa ou grupo. liga neste ano”.
Afastar-se da linguagem
“Senhoras e “todos”, “funcionários”, Bom dia a todos, a
binária é mais inclusivo para
senhores” “honrados convidados”, próxima parada é na
pessoas de todos os
etc. estação “Paraíso”.
gêneros.
Figura 2: Extraído do documento da web: Evite dizer e diga Sim! Safe Zone Project. (9)
5
Recomendações para melhorar a comunicação com pacientes LGBTQIAP+
1. Fornecer exibições visuais de inclusão no ambiente clínico.
2. Fornecer um espaço seguro para os pacientes revelarem orientação sexual e identidade de gênero.
3. Lembre-se de que você não precisa compartilhar as crenças de seus pacientes para cuidar deles eticamente.
4. Considere como suas suposições e reações em relação aos pacientes podem afetar sua experiência de saúde.
5. Use as palavras que o paciente usa – incluindo nomes escolhidos, pronomes e nomes para partes do corpo.
6. Considere hormônios, anatomia e composição corporal em vez de gênero ao fazer recomendações clínicas.
10. Faça sua lição de casa. Eduque-se sobre as necessidades de saúde e saúde das minorias sexuais e de gênero.
considerados como fatores de risco para o aumento de doenças crônicas, incluindo o câncer.
As populações da Diversidade Sexual e de Gênero (DSG) enfrentam inúmeras barreiras diariamente
para prevenção, rastreamento, aceitação do tratamento e cuidados futuros devido às desigualdades
de acesso às redes de saúde. A falta de treinamento e preparo técnico-científico dos profissionais de
saúde, bem como a falta de financiamento científico, desenvolvimento de protocolos e políticas dire-
cionados a este grupo potencializam esse afastamento e a falta de assistência específica para essas
populações (6). A abordagem das questões relacionadas à saúde reprodutiva na consulta ginecológica é
baseada em conceitos e condutas cisheteronormativas. Esses fatores favorecem a presença de piores
indicadores de saúde física e mental quando comparados à população de mulheres heterossexuais (11).
Não existem dados na literatura que demonstram um maior diagnóstico de câncer na população trans
do que na população geral. Entretanto, a invisibilidade das condições ligadas à diversidade sexual nos
bancos de dados de condições oncológicas nacionais e internacionais atrapalham esse tipo de análise.
Atualmente, o Colégio Americano de Ginecologia e Obstetrícia (ACOG) recomenda individualizar o
paciente, e oferecer os rastreios oncológicos para mama, próstata e colo do útero conforme a presença
do órgão e de fatores de risco no paciente (12).
6
Câncer de mama
O câncer de mama é a neoplasia que mais acomete mulheres no Brasil e no mundo.
Em 2021, foram estimados mais de 66.0000 casos novos da doença, e, atualmente, é a
principal causa de morte oncológica em mulheres no Brasil (13). O rastreio deve ser ofereci-
do a todas as mulheres com mais de 50 anos a cada dois anos, embora algumas socieda-
des já recomendem o início aos 40 anos com frequência anual, através da mamografia (14).
Homens trans
A cirurgia de retirada do tecido mamário (adenectomia profilática) é um procedimento que reduz o
risco de desenvolvimento do câncer de mama em mulheres cis, igualmente, pode-se inferir que a cirur-
gia de mamoplastia masculinizadora possa ter algum efeito protetor para o câncer de mamas em ho-
mens trans (17). Embora o diagnóstico de câncer de mama pareça ocorrer, em média, mais precocemente
na população trans do que na população geral (aos 44,5 anos) (18,19), essa prevalência de diagnóstico,
sobretudo em homens trans que realizaram a mamoplastia masculinizadora, não é superior ao encon-
trado na população geral (20). Atualmente, não existem evidências de que homens trans assintomáticos
que realizaram a retirada das mamas necessitem de rastreio mamário, embora possa ser oferecido o
exame físico do tórax (19).
A World Professional Association for Transgender Health (WPATH) recomenda que os cirurgiões res-
ponsáveis por performar a mamoplastia masculinizadora discutam sobre as questões relacionadas ao
câncer de mama, sobretudo em pacientes portadores de fatores de risco (20).
Homens trans que não realizaram a mamoplastia devem seguir a mesma orientação de rastreio pro-
posta para as mulheres cis, independentemente do uso ou não de hormônios e do tempo de tratamen-
to, segundo a opinião de especialistas.
Mulheres trans
A hormonização cruzada aumenta a exposição em trans femininas ao estrogênio, podendo esse
ser um fator de risco para o desenvolvimento do câncer de mama nesta população. Duas coortes con-
cluíram que o diagnóstico de câncer de mama chega a ser de 33 a 46 vezes maior em mulheres trans
do que em homens cisgêneros (21,22). Desta forma, recomenda-se que trans femininas que realizam ou
realizaram o tratamento hormonal com estrogênio por pelo menos cinco anos devam ser orientadas
a investigar o câncer de mama conforme as diretrizes para as mulheres cis (12). Paciente que possuam
mutação para o gene BRCA-1 e BRCA-2 devem ser orientados sobre o risco do desenvolvimento de
neoplasia e falta de evidência sobre segurança dessas prescrições nestas situações e, em conjunto a
equipe de prescrição, tomar a decisão quanto ao uso de hormônios e consentimento informado (20).
Mamas densas e o uso de silicone industrial podem dificultar a qualidade da interpretação da
mamografia (22).
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Pessoas não binárias que possuam desenvolvimento mamário
Pessoas não binárias que possuem tecido mamário por desenvolvimento puberal ou que fizeram
uso de hormônios por mais de cinco anos, devem ser submetidas ao rastreio mamários conforme os
protocolos de investigação em mulheres cisgênero.
Homens trans
É possível inferir igual importância do exame ginecológico e a coleta de citologia em homens trans
entre os 25 e 65 anos de idade, que já tiveram relações receptivas penetrativas vaginais, devido ao po-
tencial risco de contato com o HPV e, consequentemente, desenvolvimento do câncer de colo do útero.
Em pacientes que fazem uso da testosterona pode haver atrofia vaginal que, eventualmente, inviabi-
liza a avaliação celular da colpocitologia oncótica. Desta forma, pode ser necessária a estrogenização
vaginal com estriol ou promestrieno vaginal previamente ao exame pélvico (26). A realização do autotes-
te para detecção do HPV domiciliar também pode ser uma aliada na investigação dessas condições,
sobretudo para os pacientes que não tolerem ou não desejam, inicialmente, o exame pélvico (12).
8
Câncer anorretal
O HPV é uma das causas mais comuns de doença sexualmente transmissível, poden-
do provocar os condilomas acuminados que são fatores de risco para o desenvolvi-
mento de displasias e neoplasias. A infecção associada a eventos genéticos adicionais
é indispensável para a transformação maligna da maioria dos carcinomas anais e de
outros sítios.
Existe uma clara correlação entre a infecção pelo HPV, principalmente o HPV 16, e o
câncer anal. Pessoas que convivem com o HIV tem uma maior prevalência e incidência do HPV anal e
lesões intraepiteliais de alto grau (HSIL) (27), além do risco de diagnóstico de câncer anal ser 40 vezes
maior em comparação com a população geral (28). Assim, há um aumento da incidência em certas popu-
lações, como em homens jovens que têm infecções virais genitais. Se considerar o risco de infecção e
o contato, esses achados podem ser refletidos para todas as pessoas da comunidade LGBTQIAP+ que
praticam relações anais que são o anal receptivo, embora os estudos sejam na sua maioria realizados
com homens que fazem sexo com homens (HSH).
Nos HSH com múltiplos parceiros sexuais, a prevalência do HPV não diminui com a idade, diferente
do observado nos doentes heterossexuais. O desenvolvimento da neoplasia intraepitelial anal (NIA) é
igualmente prevalente em grupos com diferentes idades entre os HSH, e sabe-se que a história natural
é semelhante à da neoplasia intraepitelial cervical (NIC) (28).
O rastreio com citologia anal e a identificação de HSIL na anuscopia de alta-resolução têm sido al-
ternativas para investigação dessas condições em pessoas mais vulneráveis ao desenvolvimento do
câncer anorretal HPV-dependente (29). Entretanto, a citologia anal isolada não se mostrou com acurácia
para detectar lesões de alto grau em doentes com condilomas anais, com sensibilidade de 42% e es-
pecificidade de 96%. Outros autores relataram sensibilidade entre 69 e 98% e de especificidade entre
16,3 e 50%, sendo a técnica de coleta uma possível responsável pelas diferenças entre esses índices
(28)
. Em pacientes com biópsia HSIL anal, o tratamento reduz significativamente (57%) o risco do desen-
volvimento do câncer anorretal em comparação a monitorização do paciente (IC 95% 6 - 80; P=0.03) (30).
A prática da ducha retal (DR) é comumente realizada antes da relação anal entre homens que fa-
zem sexo com homens (HSH) com o objetivo de limpar a cavidade retal antes do sexo. São utilizados
diversos dispositivos comerciais e não comerciais, como mangueiras de chuveiro, garrafas plásticas e
seringas. No entanto, a prática pode lesionar os tecidos da região retal e anal e está associada a com-
portamentos de risco que podem facilitar a transmissão de facilitar a transmissão de ISTs, como o HVP
e o HIV. O estudo indicou um aumento de 74% no risco de infecção pelo IST/HIV entre os praticantes de
DR em relação aos que não a fazem (OR=1,74; IC 95%, 1,01 a 3,00). Estudos sobre a população HSH co-
mumente investigam a prevalência de IST/HIV nessa população; entretanto, esses estudos geralmente
não abordam os aspectos comportamentais relacionados às informações sobre crenças e valores de
práticas sexuais em populações específicas de maior vulnerabilidade (31).
A partir dos achados é possível ressaltar a necessidade de pesquisas que incluam todas as pessoas
da comunidade LGBTQIAP+ que fazem sexo anal e que são anal receptivo, pois assim é possível esta-
belecer um consenso sobre o rastreamento para o câncer anorretal.
Câncer de próstata
O Câncer de Próstata é o segundo câncer mais comum na população masculina (fican-
do atrás apenas do câncer de pele não-melanoma). Uma revisão sistemática da Cochrane
demonstrou que não houve redução significativa da mortalidade específica por câncer
de próstata e que elevados índices de danos à saúde dos homens, como a realização de
9
biópsias para refutar resultados falsos-positivos, e uma taxa de sobre tratamento aproximada a 50%
foram identificados. A Força Tarefa de Serviços Preventivos dos Estados Unidos (2018), aponta que
pode haver uma redução da taxa de mortalidade específica com o rastreio, porém com até 50% de
sobrediagnóstico (13).
Homem cis
Considerando as melhores evidências disponíveis, após avaliação dos benefícios e riscos do rastre-
amento, não se deve recomendar o rastreio de câncer de próstata universalmente em homens cisgê-
neros, sendo a sua indicação uma decisão conjunta baseada nos riscos, benefícios e fatores de risco
associados a essa neoplasia (13).
Mulheres trans
Todas as pacientes trans femininas possuem próstata independentemente do uso de hormônios ao
longo da vida ou de terem sido submetidas à cirurgia de redesignação sexual. Os relatos de câncer
de próstata em trans femininas ocorreu, sobretudo, em pacientes que iniciaram o tratamento hormo-
nal após os 50 anos, possivelmente portadores de possíveis neoplasias ainda não diagnosticadas (32).
Em pacientes com concentrações de testosterona baixas devido ao uso de estrogênios/bloqueadores
androgênicos e pela gonadectomia, é prudente considerar os níveis de normalidade de antígeno espe-
cífico prostático (PSA) de normalidade sejam inferiores a 1,0ng/ml (32,33) Mas é importante ressaltar que o
rastreio universal não deve ser a regra para essas populações.
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