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O cuidado do paciente

PAIQ T BG L +
o que devemos saber
O cuidado do paciente

LGBTQIAP +:
o que devemos saber

Ricardo Souza Evangelista Sant’Ana


Doutorando no Programa Enfermagem Fundamental da Escola de Enfermagem de Ribeirão
Preto-EERP-USP. Mestre em Ciências na área de concentração da oncologia pela Faculdade
de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas - FCM/UNICAMP. Especialista em
Enfermagem Oncológica e Sexualidade Humana. Coordenou a iniciativa aprovada na Campanha
Global Nursing Now Brasil, intitulada como: Ambulatório de Sexualidade para as Minorias
Sexuais e de Gênero com Câncer. Membro do Comitê de  Diversidade da Sociedade Brasileira
de Oncologia Clínica - SBOC. Foi enfermeiro sênior no centro de oncologia do Hospital
Sírio-Libanês. Membro da Oncology Nursing Society - ONS/EUA, Sociedade Brasileira de Enfermagem Oncológica
- SBEO e da Associação Brasileira de Profissionais da Saúde, Educação e Terapia Sexual - ABRASEX. E-mail:
ricardo.sesantana@usp.br

Sérgio Henrique Pires Okano


Doutorando no programa de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto - FMRP-USP. Graduação e Mestrado pelo FMRP-USP com especialização em Ginecologia
e Obstetrícia (Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto) com área de atuação em Sexologia -
Aperfeiçoamento em Sexualidade Humana e Terapia Sexual pelo Programa de Estudos em
Sexualidade (ProSex) do Departamento e Instituto de Psiquiatria da USP. Médico colaborador do
Ambulatório de Estudos em Sexualidade Humana e Incongruência de Gênero do HCRP. Tutor da
Liga de Atenção à Saúde, Sexualidade e Gênero (Lagssex) da FMRP-USP e da Liga Acadêmica
de Saúde da Mulher da Universidade de Ribeirão Preto. E-mail: sergio.okano@usp.br

2
Introdução
A sexualidade humana compreende características como prazer, reprodução, amizade, amor, afeto,
práticas sexuais, orientação sexual e gênero. O seu exercício envolve sensações táteis prazerosas, re-
cebimento de afetividade e acolhimento amoroso advindo de relacionamentos conjugais, fraternos ou
amigáveis. A forma como a sexualidade se manifesta está relacionada a diversos contextos, tais como
histórico, sociocultural, familiar e subjetivo(1,2). O Box 1 traz alguns conceitos relacionados à diversidade
sexual e de gênero.

Box 1: Terminologias: Homem transgênero, trans masculino ou ho-


mem trans: pessoa que foi designada mulher no
Sexo anatômico ou biológico: é definido nascimento, mas se identifica como homem. Pode
pela genitália presente ao nascimento, essa ou não desejar cirurgia ou uso de hormônios.
característica é determinada por influências
genéticas e hormonais na vida intrauterina. Pessoas Travesti, Mulher transgênero, trans feminino
que nascem com vulva e vagina são designadas ou mulher trans: pessoa que foi designada como
fêmeas, ou seja, do sexo feminino; enquanto homem no nascimento, mas se identifica como mu-
àquelas que nascem com pênis e testículo, machos, lher. Pode ou não desejar cirurgia ou uso de hormô-
ou seja, do sexo masculino. A virilização da geni- nios. O termo travesti é um termo latino-americano
tália pode acontecer em diversos níveis e resultar que durante muito tempo foi associado à prostitui-
em genitálias que não se enquadram no bolo biná- ção. Este conceito vem sendo ressignificado. O uso
rio pênis-vagina, essas condições são conhecidas do termo “travesti” ou “mulher trans” depende de
como pessoas intersexo. como a pessoa prefere ser chamada.
Gênero: é definido pelo contexto sociocultural Pessoas não binárias: Identidade de gênero que
e histórico. Cada cultura define seus papéis oscila entre as percepções do binarismo ou não se
e tipificações de gênero. No contexto binário identifica com o gênero binário.
ocidental, por exemplo, entende-se o gênero
como homem ou mulher, e expectativas de Gay: pessoa de identidade masculina que sente
comportamento para cada tipificação na sociedade. atração afetivo-sexual por pessoas de identidade
masculina, sejam elas cisgênero ou transgêneras.
Identidade de gênero: é a forma como uma pessoa
se identifica dentro desse contexto social (cisgêne- Lésbica: pessoa de identidade feminina que se­
ro, transgênero, não binário ou agênero). nte atração afetivo-sexual por pessoas de iden­
tidade feminina, sejam elas cisgênero ou trans­
Expressão de gênero: é a forma como a pessoa
gêneras.
se expressa de acordo com características de um
gênero, dentro de um contexto social. Bissexual: Pessoa que sente atração afetivo-sexu-
al por pessoas de identidade masculina e feminina,
Orientação sexual: é a capacidade de uma pes-
sejam elas cisgênero ou transgêneras.
soa desejar (ou não) romântico-afetivo-sexualmen-
te outra do mesmo gênero, de outro gênero ou de Pansexual: Pessoa que sente atração afetivo-se-
ambos os gêneros, tendo ou não relação sexual xual por outras pessoas independentemente do
com essas pessoas. A orientação sexual deve ser sexo e/ou identidade de gênero.
baseada no gênero de vivência da pessoa e do seu
objeto de desejo, quando ele existir. Assexual: pessoas que não sentem atração afeti-
vo-sexual por outras pessoas, na sua totalidade ou
Comportamento e práticas sexuais: é o maior parte do tempo. Pessoas assexuais não pos-
conjunto de atividades e práticas sexuais de uma suem atração sexual como atração primária pelo
pessoa, nem sempre correspondem à sua orien- indivíduo, sendo o desejo romântico, estético ou
tação sexual. afetivo, ou mesmo a pressão social muitas vezes a
Homem cisgênero: pessoa que se identifica como motivação para um relacionamento.
homem e possui genitália do sexo masculino. Queer: é um adjetivo utilizado para identificar
Mulher cisgênero: pessoa que se identifica como pessoas que possuem uma orientação sexual não-
mulher e possui genitália do sexo feminino. heterossexual exclusiva.

3
No Brasil, da população em idade reprodutiva, 0,69% (IC 95% = 0,48–0,90) se identifica como
transgênera e 1,19% (IC 95%= 0,92–1,47) como não binárias (3).
A principal lacuna a ser preenchida para discutir a sexualidade frente ao paciente é ter uma abor-
dagem clara e acolhedora, para que se desconstruam os obstáculos que a temática carrega, porém
na literatura consultada não foi possível identificar instrumentos específicos validados com a finali-
dade de apoiar e facilitar a abordagem e a comunicação sobre a sexualidade dos pacientes LGBT-
QIAP+ com câncer (4).
O acesso e permanência da população da diversidade sexual nos serviços de saúde é modulado por
inúmeras barreiras tais como a violência institucional e preconceito, além do despreparo dos profissionais
de saúde (5). Tornar a consulta um local mais inclusivo vai além das questões relacionadas à ambientação.
O reconhecimento, a permissão e a validação das identidades e das práticas sexuais, além da utilização de
um uma linguagem menos binária e menos sexista são ações que podem mitigar a negligência com essa po-
pulação no sentido de promover saúde. A figura 1 traz um modelo de como iniciar essa abordagem retirada
do Boletim Epidemiológico do Estado de São Paulo publicado em 2022 (6).

Apresente-se com seu nome e informe quais


suas funções e pronomes que você utiliza

Pergunte ao paciente qual o seu nome e pronome


com o qual a pessoa se identifica

02. Ou
Observe como a pessoa se autodeclara em suas palavras e
pergunte: “estou vendo que você está se referindo a si mesmo/a
no masculino/feminino, posso utilizar esses termos com você?”

Identifique adequadamente o prontuário com destaque ao nome

03. que deve ser utilizado no atendimento. Informe ao paciente,


que seja maior de idade e ainda não tenha alterado seus
documentos, como realizar esse procedimento no cartório.

Figura 1: Como iniciar a abordagem com o paciente trans?


(Extraído do Boletim Epidemiológico do Estado de São Paulo, publicado em 2022-06-21 (6).

A linguagem inclusiva pode ser útil para entender as relações familiares e os diferentes sistemas de
apoio e comunicar essa compreensão de volta ao paciente. Em vez de perguntar: “Esta é sua mãe?”,
é menos presunçoso perguntar: “Quem está aqui com você hoje?”. Carr (2018) observou que 70% dos
entrevistados LGBTQIAP+ da pesquisa relataram que seus sistemas de apoio eram amigos em vez de
um parceiro ou membro da família, que geralmente é chamado de família escolhida (7). O profissional
pode facilitar interações seguras e inclusivas compreendendo a diversidade de sistemas de apoio na
comunidade LGBTQIAP+ e usando terminologia inclusiva (8). A tabela abaixo oferece exemplos de lin-
guagem inclusiva LGBTQIAP+.

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EVITE DIZER DIGA ASSIM POR QUÊ? EXEMPLO

Hermafrodita é um
“Quais são as melhores
estigmatizante,
práticas para
“Hermafrodita” “Intersexo” palavra imprecisa com um
os cuidados médicos de
negativo
intersexo?”
histórico médico.

“Homossexual” muitas vezes


“Queremos fazer um
conota um diagnóstico
“Homossexual” trabalho melhor de
‘Gay” ou “Lésbica” médico
incluir nossos
ou um desconforto com gays/
funcionários gays”.
lésbicas.”

“Mulher designada no A linguagem “designada”


“Max foi designado
“Mulher nascida” ou nascimento” ou “homem descreve com precisão a
mulher no nascimento,
“Mulher macho” designado situação, o que acontece no
então ele fez a transição.”
no nascimento” nascimento.

“Um gay” ou “um Uma pessoa “gay” gay e transgênero são ad- “Tivemos um atleta
transgênero” ou uma pessoa jetivos que descrevem uma transgênero em nossa
“transgênero” pessoa ou grupo. liga neste ano”.

Dizer “normal” implica “anor-


“Este grupo é aberto a
“Pessoas trans “Pessoas trans mal”, que é uma
pessoas transgênero e
e pessoas normais” e pessoas cisgênero” forma estigmatizante de se
cisgênero.”
referir a uma pessoa.

“Ambos” implica que existem “Os videogames não são


“Ambos os sexos” ou apenas dois; “oposto” apenas uma coisa de
“Todos os gêneros”
“sexos opostos” reforça o antagonismo entre menino; filhos de todos
os gêneros. gêneros os interpretam”.

Afastar-se da linguagem
“Senhoras e “todos”, “funcionários”, Bom dia a todos, a
binária é mais inclusivo para
senhores” “honrados convidados”, próxima parada é na
pessoas de todos os
etc. estação “Paraíso”.
gêneros.

Figura 2: Extraído do documento da web: Evite dizer e diga Sim! Safe Zone Project. (9)

Implicações para prática:


• Coleta de informações sobre orientação sexual e identidade de gênero;
• Coleta de informações sobre as práticas sexuais;
• Utilização de linguagem neutra;
• Capacitação da equipe para abordagem do tema com os pacientes LGBTQIAP+;
• Utilização de escolas e instrumentos para facilitar o conversa;
• Promover um ambiente inclusivo;

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Recomendações para melhorar a comunicação com pacientes LGBTQIAP+
1. Fornecer exibições visuais de inclusão no ambiente clínico.

2. Fornecer um espaço seguro para os pacientes revelarem orientação sexual e identidade de gênero.

3. Lembre-se de que você não precisa compartilhar as crenças de seus pacientes para cuidar deles eticamente.

4. Considere como suas suposições e reações em relação aos pacientes podem afetar sua experiência de saúde.

5. Use as palavras que o paciente usa – incluindo nomes escolhidos, pronomes e nomes para partes do corpo.

6. Considere hormônios, anatomia e composição corporal em vez de gênero ao fazer recomendações clínicas.

7. Certifique-se de que as perguntas sejam clinicamente relevantes e para o bem-estar do paciente.

8. Apoiar os cuidadores escolhidos pelo paciente.

9. Peça desculpas quando cometer um erro.

10. Faça sua lição de casa. Eduque-se sobre as necessidades de saúde e saúde das minorias sexuais e de gênero.

Box 2: Recomendações para melhorar a comunicação com pacientes LGBTQIAP +. Pratt-Chapman,


M.L., Potter, J. (2019). Cancer care considerations for sexual and gender minorities. Oncology Issues.
https://doi.org/10.1080/10463356.2019.1667673.

Barreiras de acesso e fatores de risco


Dados epidemiológicos sugerem que a população LGBTQIAP+ pode estar mais pro­
pensa ao consumo de tabaco, álcool e drogas ilícitas. O sexo sob influência de drogas
psicoativas, também chamado de Chemsex, aumenta significati­vamente a exposição às
infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), devido a prática de sexo sem preservativo,
troca de parceiros sexuais durante o sexo em grupo, ressecamen­to das mucosas, desidrata-
ção e perda da sensibilidade nos genitais, aumentando as chances de lesões teciduais e sangra-
mento . O diagnóstico de obesidade é maior entre mulheres lésbicas(11). Todos esses achados podem ser
(10)

considerados como fatores de risco para o aumento de doenças crônicas, incluindo o câncer.
As populações da Diversidade Sexual e de Gênero (DSG) enfrentam inúmeras barreiras diariamente
para prevenção, rastreamento, aceitação do tratamento e cuidados futuros devido às desigualdades
de acesso às redes de saúde. A falta de treinamento e preparo técnico-científico dos profissionais de
saúde, bem como a falta de financiamento científico, desenvolvimento de protocolos e políticas dire-
cionados a este grupo potencializam esse afastamento e a falta de assistência específica para essas
populações (6). A abordagem das questões relacionadas à saúde reprodutiva na consulta ginecológica é
baseada em conceitos e condutas cisheteronormativas. Esses fatores favorecem a presença de piores
indicadores de saúde física e mental quando comparados à população de mulheres heterossexuais (11).
Não existem dados na literatura que demonstram um maior diagnóstico de câncer na população trans
do que na população geral. Entretanto, a invisibilidade das condições ligadas à diversidade sexual nos
bancos de dados de condições oncológicas nacionais e internacionais atrapalham esse tipo de análise.
Atualmente, o Colégio Americano de Ginecologia e Obstetrícia (ACOG) recomenda individualizar o
paciente, e oferecer os rastreios oncológicos para mama, próstata e colo do útero conforme a presença
do órgão e de fatores de risco no paciente (12).

6
Câncer de mama
O câncer de mama é a neoplasia que mais acomete mulheres no Brasil e no mundo.
Em 2021, foram estimados mais de 66.0000 casos novos da doença, e, atualmente, é a
principal causa de morte oncológica em mulheres no Brasil (13). O rastreio deve ser ofereci-
do a todas as mulheres com mais de 50 anos a cada dois anos, embora algumas socieda-
des já recomendem o início aos 40 anos com frequência anual, através da mamografia (14).

Mulheres Cis - lésbica e bissexuais


Como não existem registros referentes à orientação sexual em bancos de dados ou estudos de
coorte com amostra significativa que avaliem esse desfecho, ainda é incerto afirmar que realmente
exista uma alta incidência dessa neoplasia entre mulheres que fazem sexo com mulheres (MSM) no
contexto cisgênero (15). Entretanto, alguns levantamentos sugerem que o risco de morrer por câncer
de mama chega a ser três vezes maior em mulheres lésbicas (16). Desta forma o rastreio do Câncer
de Mama deve ser oferecido a todas as mulheres cisgênero igualmente, independentemente de sua
orientação sexual.

Homens trans
A cirurgia de retirada do tecido mamário (adenectomia profilática) é um procedimento que reduz o
risco de desenvolvimento do câncer de mama em mulheres cis, igualmente, pode-se inferir que a cirur-
gia de mamoplastia masculinizadora possa ter algum efeito protetor para o câncer de mamas em ho-
mens trans (17). Embora o diagnóstico de câncer de mama pareça ocorrer, em média, mais precocemente
na população trans do que na população geral (aos 44,5 anos) (18,19), essa prevalência de diagnóstico,
sobretudo em homens trans que realizaram a mamoplastia masculinizadora, não é superior ao encon-
trado na população geral (20). Atualmente, não existem evidências de que homens trans assintomáticos
que realizaram a retirada das mamas necessitem de rastreio mamário, embora possa ser oferecido o
exame físico do tórax (19).
A World Professional Association for Transgender Health (WPATH) recomenda que os cirurgiões res-
ponsáveis por performar a mamoplastia masculinizadora discutam sobre as questões relacionadas ao
câncer de mama, sobretudo em pacientes portadores de fatores de risco (20).
Homens trans que não realizaram a mamoplastia devem seguir a mesma orientação de rastreio pro-
posta para as mulheres cis, independentemente do uso ou não de hormônios e do tempo de tratamen-
to, segundo a opinião de especialistas.

Mulheres trans
A hormonização cruzada aumenta a exposição em trans femininas ao estrogênio, podendo esse
ser um fator de risco para o desenvolvimento do câncer de mama nesta população. Duas coortes con-
cluíram que o diagnóstico de câncer de mama chega a ser de 33 a 46 vezes maior em mulheres trans
do que em homens cisgêneros (21,22). Desta forma, recomenda-se que trans femininas que realizam ou
realizaram o tratamento hormonal com estrogênio por pelo menos cinco anos devam ser orientadas
a investigar o câncer de mama conforme as diretrizes para as mulheres cis (12). Paciente que possuam
mutação para o gene BRCA-1 e BRCA-2 devem ser orientados sobre o risco do desenvolvimento de
neoplasia e falta de evidência sobre segurança dessas prescrições nestas situações e, em conjunto a
equipe de prescrição, tomar a decisão quanto ao uso de hormônios e consentimento informado (20).
Mamas densas e o uso de silicone industrial podem dificultar a qualidade da interpretação da
mamografia (22).

7
Pessoas não binárias que possuam desenvolvimento mamário
Pessoas não binárias que possuem tecido mamário por desenvolvimento puberal ou que fizeram
uso de hormônios por mais de cinco anos, devem ser submetidas ao rastreio mamários conforme os
protocolos de investigação em mulheres cisgênero.

Câncer de colo do útero


No Brasil, o câncer de colo do útero é o terceiro câncer mais incidente na popula-
ção feminina. A sua relação com o Papilomavírus Humano (HPV) chega a acontecer em
95% dos casos, sendo a transmissão sexual o principal fator de risco para a infecção (23).
O rastreio é recomendado a toda população sexualmente ativa, cujo exame ginecológico
seja possível dos 25 aos 65 anos de idade, através da colpocitologia oncótica ou papanicolaou.
Mulheres que apresentem dois exames negativos para neoplasia ou lesões precursoras consecutivos,
podem espaçar o intervalo de coleta para 3 anos, se imunocompetentes (23). Métodos com a avaliação
da biologia molecular para identificação do HPV também são formas de rastreio da condição, porém
não estão disponíveis dentro do contexto do SUS.

Mulheres Cis - lésbica e bissexuais


Mulheres lésbicas sexualmente ativas, que recebem ou já receberam práticas penetrativas (pênis,
dedo ou objetos sexuais) podem apresentar lesões precursoras do câncer de colo de útero (24).
As chances da população de MSM diagnosticarem câncer de colo de útero não parece ser diferente
da população de mulheres cis-heterossexuais, entretanto parece haver uma chance maior de mulheres
bissexuais apresentarem diagnóstico (OR 1,94 [IC 95% 1,46-2,59]) por diversos fatores, incluindo a baixa
taxa de coleta, o que reforça a importância de oferecer o exame ginecológico e a coleta de citologia
para MSM em idade e condições de rastreio (25).

Homens trans
É possível inferir igual importância do exame ginecológico e a coleta de citologia em homens trans
entre os 25 e 65 anos de idade, que já tiveram relações receptivas penetrativas vaginais, devido ao po-
tencial risco de contato com o HPV e, consequentemente, desenvolvimento do câncer de colo do útero.
Em pacientes que fazem uso da testosterona pode haver atrofia vaginal que, eventualmente, inviabi-
liza a avaliação celular da colpocitologia oncótica. Desta forma, pode ser necessária a estrogenização
vaginal com estriol ou promestrieno vaginal previamente ao exame pélvico (26). A realização do autotes-
te para detecção do HPV domiciliar também pode ser uma aliada na investigação dessas condições,
sobretudo para os pacientes que não tolerem ou não desejam, inicialmente, o exame pélvico (12).

Pessoas não binárias que possuam colo do útero


Embora não existam dados sobre essas populações e o câncer de colo do útero e protocolos
de rastreio, infere-se que é importante a investigação molecular ou citológica do colo de útero em
todas as pessoas que possuem esse órgão e sejam sexualmente ativas e com possibilidade de
exame ginecológico.

8
Câncer anorretal
O HPV é uma das causas mais comuns de doença sexualmente transmissível, poden-
do provocar os condilomas acuminados que são fatores de risco para o desenvolvi-
mento de displasias e neoplasias. A infecção associada a eventos genéticos adicionais
é indispensável para a transformação maligna da maioria dos carcinomas anais e de
outros sítios.
Existe uma clara correlação entre a infecção pelo HPV, principalmente o HPV 16, e o
câncer anal. Pessoas que convivem com o HIV tem uma maior prevalência e incidência do HPV anal e
lesões intraepiteliais de alto grau (HSIL) (27), além do risco de diagnóstico de câncer anal ser 40 vezes
maior em comparação com a população geral (28). Assim, há um aumento da incidência em certas popu-
lações, como em homens jovens que têm infecções virais genitais. Se considerar o risco de infecção e
o contato, esses achados podem ser refletidos para todas as pessoas da comunidade LGBTQIAP+ que
praticam relações anais que são o anal receptivo, embora os estudos sejam na sua maioria realizados
com homens que fazem sexo com homens (HSH).
Nos HSH com múltiplos parceiros sexuais, a prevalência do HPV não diminui com a idade, diferente
do observado nos doentes heterossexuais. O desenvolvimento da neoplasia intraepitelial anal (NIA) é
igualmente prevalente em grupos com diferentes idades entre os HSH, e sabe-se que a história natural
é semelhante à da neoplasia intraepitelial cervical (NIC) (28).
O rastreio com citologia anal e a identificação de HSIL na anuscopia de alta-resolução têm sido al-
ternativas para investigação dessas condições em pessoas mais vulneráveis ao desenvolvimento do
câncer anorretal HPV-dependente (29). Entretanto, a citologia anal isolada não se mostrou com acurácia
para detectar lesões de alto grau em doentes com condilomas anais, com sensibilidade de 42% e es-
pecificidade de 96%. Outros autores relataram sensibilidade entre 69 e 98% e de especificidade entre
16,3 e 50%, sendo a técnica de coleta uma possível responsável pelas diferenças entre esses índices
(28)
. Em pacientes com biópsia HSIL anal, o tratamento reduz significativamente (57%) o risco do desen-
volvimento do câncer anorretal em comparação a monitorização do paciente (IC 95% 6 - 80; P=0.03) (30).
A prática da ducha retal (DR) é comumente realizada antes da relação anal entre homens que fa-
zem sexo com homens (HSH) com o objetivo de limpar a cavidade retal antes do sexo. São utilizados
diversos dispositivos comerciais e não comerciais, como mangueiras de chuveiro, garrafas plásticas e
seringas. No entanto, a prática pode lesionar os tecidos da região retal e anal e está associada a com-
portamentos de risco que podem facilitar a transmissão de facilitar a transmissão de ISTs, como o HVP
e o HIV. O estudo indicou um aumento de 74% no risco de infecção pelo IST/HIV entre os praticantes de
DR em relação aos que não a fazem (OR=1,74; IC 95%, 1,01 a 3,00). Estudos sobre a população HSH co-
mumente investigam a prevalência de IST/HIV nessa população; entretanto, esses estudos geralmente
não abordam os aspectos comportamentais relacionados às informações sobre crenças e valores de
práticas sexuais em populações específicas de maior vulnerabilidade (31).
A partir dos achados é possível ressaltar a necessidade de pesquisas que incluam todas as pessoas
da comunidade LGBTQIAP+ que fazem sexo anal e que são anal receptivo, pois assim é possível esta-
belecer um consenso sobre o rastreamento para o câncer anorretal.

Câncer de próstata
O Câncer de Próstata é o segundo câncer mais comum na população masculina (fican-
do atrás apenas do câncer de pele não-melanoma). Uma revisão sistemática da Cochrane
demonstrou que não houve redução significativa da mortalidade específica por câncer
de próstata e que elevados índices de danos à saúde dos homens, como a realização de

9
biópsias para refutar resultados falsos-positivos, e uma taxa de sobre tratamento aproximada a 50%
foram identificados. A Força Tarefa de Serviços Preventivos dos Estados Unidos (2018), aponta que
pode haver uma redução da taxa de mortalidade específica com o rastreio, porém com até 50% de
sobrediagnóstico (13).

Homem cis
Considerando as melhores evidências disponíveis, após avaliação dos benefícios e riscos do rastre-
amento, não se deve recomendar o rastreio de câncer de próstata universalmente em homens cisgê-
neros, sendo a sua indicação uma decisão conjunta baseada nos riscos, benefícios e fatores de risco
associados a essa neoplasia (13).

Mulheres trans
Todas as pacientes trans femininas possuem próstata independentemente do uso de hormônios ao
longo da vida ou de terem sido submetidas à cirurgia de redesignação sexual. Os relatos de câncer
de próstata em trans femininas ocorreu, sobretudo, em pacientes que iniciaram o tratamento hormo-
nal após os 50 anos, possivelmente portadores de possíveis neoplasias ainda não diagnosticadas (32).
Em pacientes com concentrações de testosterona baixas devido ao uso de estrogênios/bloqueadores
androgênicos e pela gonadectomia, é prudente considerar os níveis de normalidade de antígeno espe-
cífico prostático (PSA) de normalidade sejam inferiores a 1,0ng/ml (32,33) Mas é importante ressaltar que o
rastreio universal não deve ser a regra para essas populações.

Pessoas não binárias que possuam próstata


Não existe recomendação formal de investigação de screening, a discussão e decisão conjunta ba-
seada nos riscos, benefícios e malefícios dessa terapêutica devem ser discutidas com essas pessoas.

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