Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
47
Revista do Instituto Brasileiro de Direitos Humanos, v. 13, n. 13, 2013.
Bárbara Pincowsca Cardoso Campos
com a dos juízes constitucionais, guardiões da lei Como a Corte Interamericana entende o controle
suprema de seus países. E conclui: de convencionalidade? Qual é o fundamento e a
necessidade dos referidos controles? O controle
(…) hay que poner de relieve que la justicia
de convencionalidade, em especial, é instrumento
constitucional tiene como fin último
contribuir a fortalecer el Estado de derecho en
hábil a alcançar esses propósitos? Esta é a resposta
un contexto democrático, superando la crisis que se procura nas linhas que se seguem.
institucionales y políticas que nos asedian. O objetivo deste artigo é, portanto, explorar
Una finalidad semejante, con parecidas o entendimento da Corte Interamericana
dificultades, se proponen realizar la Comisión de Direitos Humanos sobre o controle de
y la Corte Interamericana, como custodios del convencionalidade, à luz das noções de controle de
sistema, conscientes de que la dignidad del constitucionalidade, no contexto do debate sobre
ser humano sólo se consolida en un Estado a constitucionalização do Direito Internacional.
democrático de derecho.3 Esses institutos, conforme se verá, têm também
como pano de fundo a interação entre o direito
Sérgio García Ramírez, ex-presidente da
interno e o internacional – relação que precisa ser
Corte Interamericana, fez também comparações
repensada e abordada de maneira crítica.
entre o papel desempenhado pelos tribunais
constitucionais domésticos e as cortes
internacionais de direitos humanos em seus
2. CONTROLE DE CONSTITUCIONALI-
votos, como se verá adiante. Os primeiros, explica, DADE E DE CONVENCIONALIDADE
têm a missão de garantir o Estado de Direito ao O que é o controle de constitucionalidade?
apreciar e julgar os atos de autoridades em relação Controlar a constitucionalidade, de forma
à lei suprema do país. De forma semelhante, os simplificada, significa verificar a adequação ou
tribunais internacionais de direitos humanos a compatibilidade de uma lei ou ato normativo
interpretam, julgam e aplicam os tratados desta com uma Constituição. É, na verdade, um
matéria, manifestando-se sobre os atos violatórios instrumento de controle por meio do qual se
praticados em relação às obrigações convencionais retiram do ordenamento jurídico todos os atos e
assumidas.4 normas que contrariam a Constituição.
Seguindo essa tendência de comparação Luis Roberto Barroso ensina que, antes de
da Corte Interamericana de Direitos Humanos 1945, vigorava na maior parte da Europa um
com cortes constitucionais internas, modelo de supremacia do Poder Legislativo,
frequentemente se coloca o debate sobre o inspirado na soberania do Parlamento inglês e
controle de convencionalidade e o controle de da concepção francesa de lei como expressão da
constitucionalidade. De forma simplificada, o vontade geral.5 No final dos anos 40, à luz da
controle de convencionalidade é um mecanismo, experiência norte-americana, um novo modelo,
desenvolvido na jurisprudência da Corte de supremacia da Constituição, toma lugar. Países
Interamericana, que designa um processo de europeus passaram, então, a adotar um modelo
verificação, por parte de juízes e tribunais próprio de controle de constitucionalidade,
nacionais, da compatibilidade de normas internas criando tribunais constitucionais. O controle de
com a Convenção Americana e a interpretação que constitucionalidade aparecia, assim, como um
lhe é dada pela Corte, conforme será detalhado sistema de defesa da supremacia da Constituição,
mais adiante. Seria similar, portanto, ao controle como arma para garantir a unicidade do direito
de compatibilização vertical de normas jurídicas nacional.
inferiores com a Constituição, ou seja, o controle
de constitucionalidade exercido por órgãos A ideia de controle de constitucionalidade
judiciais competentes. foi inaugurada nos Estados Unidos. É até trivial
associar a origem do controle com o célebre
Em uma rápida aproximação entre esses precedente jurisprudencial firmado em 1803 pelo
tipos de controle, é possível, desde logo, visualizar chief justice John Marshall quando do julgamento
um denominador comum: ambos se referem à do caso Marbury v. Madison pela Suprema Corte
confrontação de uma norma interna, inferior, face daquele país. Neste caso, foi a primeira vez em que
à superior (Constituição e Convenção Americana). o Judiciário considerou-se compete para julgar a
Além disso, o objetivo de tais instrumentos, em constitucionalidade das leis e de atos normativos
última análise, seria conferir efetividade aos direitos dos demais poderes, ressaltando a supremacia da
dispostos na Constituição estatal, no primeiro Constituição norte-americana como fundamento
caso, e na Convenção Americana, no segundo. de validade de todas as demais normas. “Uma
48
Controle de Convencionalidade: Aproximação entre o Direito Internacionale o Constitucionalismo?
49
Bárbara Pincowsca Cardoso Campos
50
Controle de Convencionalidade: Aproximação entre o Direito Internacionale o Constitucionalismo?
51
Bárbara Pincowsca Cardoso Campos
direito interno à normativa internacional de internos do respectivo país, não parece claro se
proteção, seja eliminando eventuais insuficiências estava a se referir ao controle concentrado.
em sua legislação, seja adequando os dispositivos Respostas criativas parecem não faltar para
internos com as obrigações convencionais. É o solucionar essa questão. Néstor Pedro Sagüés,
que prevê o art. 2º da Convenção Americana. O por exemplo, aponta 3 caminhos. Ora, se em
controle de convencionalidade encontra, portanto, um Estado concreto não for dada competência
amparo nestes dispositivos, cujo conteúdo já foi a seus juízes nacionais para exercer o controle
amplamente desenvolvido pela Corte. (de constitucionalidade e, consequentemente,
Outro ataque feito ao entendimento da Corte de convencionalidade): a) façamos uma reforma
diz respeito à amplitude das tarefas a cargo dos constitucional ou legislativa; b) reconheçamos
juízes e tribunais nacionais, que passam a ter o pretorianamente que todos os juízes podem
dever de conhecer em detalhes a jurisprudência realizar dito controle de convencionalidade;
interamericana. Segundo a Corte, para exercer esse ou c) desenhemos um caminho para que essas
controle, deve-se considerar a sua jurisprudência, questões possam chegar ao órgão constitucional
ou seja, a interpretação que lhe for dada à competente para operacionalizar esse controle.17
Convenção e Protocolos, bem como a outros Em seu voto no caso Cabrera García y Montiel
instrumentos internacionais de direitos humanos Flores, o juiz ad hoc Eduardo Ferrer Mac-Gregor
examinados pelo Tribunal em seus julgados. Tal Poisot propõe, por sua vez, uma forma de
interpretação – que, aliás, não é estanque, e sim, graduar a intensidade do controle: nos sistemas
cambiante – incluiria não apenas as sentenças difusos, o grau de controle é de maior alcance,
emitidas no procedimento contencioso, mas e diminuirá nos sistemas em que nem todos os
também as opiniões consultivas, as resoluções juízes sejam competentes para exercer o controle
referentes às medidas provisionais, à supervisão de convencionalidade.18 Bem, sem que seja meu
de cumprimento de sentenças e à interpretação objetivo discutir essas alternativas, fato é que
de sentenças, inclusive de assuntos que envolvem ainda não se tem definido como se deve realizar o
outros Estados Partes da Convenção. Por isso, fala-se controle de convencionalidade em um sistema de
em “bloco de convencionalidade” como referencial controle de normas centralizado.
para o exercício deste controle.15 A respeito deste Do exposto, fica claro que será necessário
ponto, Christina Binder chama a atenção para o aguardar alguns “capítulos” na evolução da
fato de que o exercício desse controle amplo, no jurisprudência da Corte Interamericana para
formato previsto pela Corte, pode extrapolar as se aferir o êxito da doutrina de controle de
competências dos juízes nacionais: convencionalidade por parte de juízes e tribunais
(...) Poner este conjunto de estándares de nacionais. Tal sucesso dependerá, por um lado,
derechos humanos en las manos de los jueces da interpretação dada pela Corte e do conteúdo
nacionales y exigirles que ejerzan un control de suas sentenças, e, por outro lado, da postura,
consecuente con esos estándares parece vontade ou “atitude” – na falta de melhores
una extensión mayor de sus competencias. expressões – dos juízes, salas, cortes e tribunais
Además, puede plantear problemas constitucionais dos países da região. Por essa razão,
institucionales a nivel nacional, cuando, por é necessário entender como se dá a relação entre
ejemplo, la competencia de control de los o ordenamento jurídico interno e internacional,
jueces nacionales, tal como está establecida conforme será abordado na sequência.
en la Constitución, sólo comprende la CADH,
pero no otros estándares.16 3. A INTERAÇÃO ENTRE O DIREITO IN-
Por fim, uma terceira preocupação TERNO E O DIREITO INTERNACIONAL
recorrente se refere ao exercício deste controle de Falar em controle de convencionalidade é, de
convencionalidade em Estados que adotam um certa forma, tratar tanto da constitucionalização do
sistema de controle concentrado, ou seja, quando direito internacional quanto da internacionalização
tão somente uma corte constitucional é que tem do direito constitucional. Por um lado, significa
competência por zelar pela constitucionalidade de abrir conceitos de Direito Constitucional – como
leis e atos normativos – casos como o da Costa é a noção de controle de constitucionalidade –
Rica e do Uruguai. Ainda que a Corte, no caso para a seara internacional. E, por outro lado,
dos Trabajadores Cesados del Congreso, tenha é também trasladar garantias convencionais,
ressaltado que o exercício desse controle se daria previstas nos tratados internacionais, para o
de acordo com as competências e procedimentos campo constitucional da tutela e salvaguarda de
52
Controle de Convencionalidade: Aproximação entre o Direito Internacionale o Constitucionalismo?
53
Bárbara Pincowsca Cardoso Campos
54
Controle de Convencionalidade: Aproximação entre o Direito Internacionale o Constitucionalismo?
BIBLIOGRAFIA
55
Bárbara Pincowsca Cardoso Campos
56
Controle de Convencionalidade: Aproximação entre o Direito Internacionale o Constitucionalismo?
NOTAS
57
Bárbara Pincowsca Cardoso Campos
58