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CRÉDITOS

Organização: Andréa de Lacerda Pessôa Borde e Paulo Roberto Tavares Bellinha


Projeto Gráfico e Capa: Marcus Handofsky/Tovarich
Preparação de originais: Paula Donegá
Revisão: Marcelo Borde
Impressão: Walprint
Ficha Catalográfica: Leila Dahia

© PROURB – Programa de Pós-Graduação em Urbanismo, 2015.


55-21.2598-1990 e 2598-1984
prourb@fau.ufrj.br

C755 Conservação e reativação do patrimônio arquitetônico


universitário / Andréa de Lacerda Pessôa Borde, Paulo
Roberto Tavares Bellinha, (Organizadores). – Rio de
Janeiro : PROURB, 2015.
176 p. ; il. ; 21 por 14cm.

ISBN : 978-85-88027-30-5

1. Arquitetura. 2. Patrimônio cultural. 3. Patrimônio


arquitetônico – conservação. 4. Patrimônio arquitetônico
universitário. 5. Universidade Federal do Rio de Janeiro. I.
Borde, Andréa de Lacerda Pessôa, org. II. Bellinha, Paulo
Roberto Tavares, org. III. Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Programa de
Pós-Graduação em Urbanismo. Laboratório de Patrimônio
Cultural e Cidades Contemporâneas.

CDD: 720.288
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
UFRJ: História e Patrimônio Arquitetônico 9
Conservação e Reativação do Patrimônio Arquitetônico Universitário 13

PARTE I – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO UNIVERSITÁRIO:


CONCEITO, CONTEXTOS E CONTEÚDOS
Notícias da Fornalha 23
Patrimônio Arquitetônico Universitário Contemporâneo: 31
Construções Metodológicas
Patrimônio Arquitetônico da UFRJ: 43
Desafios Cotidianos à sua Conservação
A Escala da Arquitetura 67

PARTE II – O PATRIMÔNIO EM IMAGENS 79

PARTE III – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO EM RESTAURO


O HESFA
O HESFA e o Patrimônio Cultural da Saúde 89
Intervenções Arquitetônicas em Arquiteturas Preservadas 101
Relatos de Obra 104
Informações Técnicas 107
O PALÁCIO
A Restauração do Palácio Universitário: Reativação e Ressignificação 109
O Projeto de Restauração 118
Informações Técnicas 120
A ESCOLA
A Escola de Música em Cena 123
A Restauração do Pavilhão de Aulas 129
Informações Técnicas 132

PARTE IV – POR UMA POLÍTICA DE


CONSERVAÇÃO INTEGRADA
O MUSEU
Paço de São Cristóvão, de Morada Real a Museu Nacional 135
Financiamento do Patrimônio Arquitetônico Universitário 145
Tópicos para um Plano de Conservação Integrada do 155
Patrimônio Arquitetônico da UFRJ

AUTORES 169
APRESENTAÇÃO
APRESENTAÇÃO

Salão Leopoldo Miguez, 2014. Fonte: Acervo LAPA/PROURB


UFRJ: História e Patrimônio Arquitetônico

UFRJ: HISTÓRIA E PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO

A presente obra, organizada pela professora Andréa Borde e pelo


arquiteto Paulo Bellinha, focaliza a história da UFRJ sob prismas que
iluminam aspectos pouco conhecidos. Fundada há 95 anos, a UFRJ está
indissoluvelmente imbricada com a cidade do Rio de Janeiro. A imagem
de seus prédios e instalações está carregada de sentidos que decorrem de
práticas, conhecimentos, processos de ensino e aprendizagem, atos públicos
e pronunciamentos que conferiram às suas edificações um extraordinário
valor simbólico: espaços que marcaram a vida política, científica, tecnológica
e cultural do país.
Como nos mostra o livro de Maria de Lourdes Fávero, Universidade
do Brasil: Das Origens à Construção, publicado pela Editora da UFRJ nos
90 anos da instituição (2010), a criação da nova universidade se deu por
meio da agregação de escolas preexistentes e que já possuíam enorme
reconhecimento no século XIX. Por isso, a nova universidade foi rapidamente
elevada à condição de instituição nacional.
Após o surgimento da Universidade do Rio de Janeiro (URJ), por meio
da agregação da Escola Politécnica e das Faculdades de Medicina e de
Direito, outras unidades foram sendo incorporadas, configurando uma
espacialidade capilarizada em diferentes bairros da cidade.
Em 1931, nove unidades compunham a instituição: Farmácia;
Odontologia; Escola de Minas e Metalurgia de Ouro Preto; Faculdade de
Educação, Ciências e Letras; Escola Nacional de Belas-Artes; e Instituto
Nacional de Música, acrescidas das três já referidas. Além das unidades
no Centro da Cidade e em São Cristóvão, a instituição se consolidou em
sua sede na Avenida Pasteur, na Praia Vermelha.
Ao se constituir como Universidade do Brasil (UB), em 1937, o projeto
de uma cidade universitária foi encampado pelo ministro Capanema e
teve início em 1949, sendo inaugurado em 1972. No novo campus, marcos
importantes da arquitetura moderna foram edificados. Nesse contexto, a
UB foi criada com 15 escolas ou faculdades, como a Escola de Belas-Artes,
diversos institutos, como o Museu Nacional (criado em 1782 e incorporado
à UB em 1947), e ainda o Colégio Universitário, a Escola Anna Nery e o
Hospital das Clínicas.

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APRESENTAÇÃO

A conformação da UFRJ ocorreu como um palimpsesto. São escolas e


faculdades criadas em tempos distintos, combinando estilos arquitetônicos
e histórias institucionais em uma mesma instituição. Em seus prédios
importantes momentos da história foram sendo forjados por seus sujeitos,
docentes, servidores técnico-administrativos e estudantes. Grandes nomes
da ciência projetaram a instituição internacionalmente.
A vida universitária, nos diversos espaços da instituição, materia-
lizou acontecimentos cruciais para a cultura brasileira. Os seus prédios
passaram a carregar um forte simbolismo, muito além da concepção de
escolas-monumentos. Localizações como “Praia Vermelha”, “Largo de São
Francisco”, “Escola de Música”, “Faculdade de Direito”, “Museu Nacional”
e “Ilha do Fundão” formaram um conjunto de referências que ultrapassou
o público universitário, já que os acontecimentos nas suas instalações
possibilitaram uma interação criativa com a população da cidade. Assim,
a imagem da UFRJ foi erigida pela sua relevância científica, combinada
com a sua rebeldia diante da vida social brasileira.
Como resultado dessa história, temos um conjunto de edificações
icônicas para a cultura brasileira, como o Palácio Universitário da Praia
Vermelha, onde se encontra cunhado o nome “Universidade do Brasil”, o
Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, a Escola Politécnica, atualmente
o Ifcs/Instituto de História, a Escola de Música, na Rua do Passeio, bem
como as imagens imortalizadas pelas fotografias de Marc Ferrez, entre
outros: a antiga Faculdade de Medicina, na Avenida Pasteur, demolida em
1975, a Escola Nacional de Belas-Artes, atualmente o Museu Nacional de
Belas-Artes. Restam poucos vestígios de muitas das instalações originais
das escolas e faculdades que deram origem à UFRJ. Entretanto, outras
diversas instalações foram mantidas, em especial pela resistência de
suas comunidades.
O livro organizado por Bellinha e Borde discute aspectos conceituais
do patrimônio tombado, apresentando ao leitor os imóveis históricos e
preservados da UFRJ, colocando em relevo o HESFA – Instituto de Atenção
à Saúde São Francisco de Assis, o Palácio Universitário e a Escola de Música,
edificações que atualmente passam por reformas.
De modo sistemático e original, o livro reexamina essa história desta-
cando a relação da instituição com a cidade. Os autores sustentam que
os prédios se confundem com a história do país, pois neles aconteceram
momentos carregados de relevância político-social.

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UFRJ: História e Patrimônio Arquitetônico

Objetivando impedir que a instituição venha a perder suas edificações


tombadas pelo Iphan, os autores propugnam a necessidade de um planeja-
mento mais integrado para a conservação dos imóveis. Defendem, nesse
contexto, uma educação para conservação do acervo. As edificações, na
perspectiva dos autores, devem ser utilizadas sem macular suas caracte-
rísticas arquitetônicas.
A pesquisa histórica do patrimônio e as reflexões sobre o seu futuro
celebram de modo generoso e criativo os 95 anos da instituição, apontando
para tempos em que o passado não foi apagado pela destruição ou desfi-
guração das edificações, que, afinal, seguem sendo referências pulsantes
da vida urbana do Rio de Janeiro.
Pela riqueza da pesquisa, o presente livro é muito valoroso para toda
a comunidade universitária brasileira. Trata-se de uma leitura especial-
mente recomendada para estudantes e profissionais de arquitetura e
urbanismo, além de historiadores interessados nos nexos entre cidade,
cultura, ciência e tecnologia.

Roberto Leher, Reitor da UFRJ

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APRESENTAÇÃO

Teatro Qorpo Santo, 2013. Foto: Acervo COPRIT/ETU


CONSERVAÇÃO E REATIVAÇÃO
do Patrimônio Arquitetônico Universitário

A conservação do patrimônio arquitetônico universitário das institui-


ções públicas despertou diferentes questões desde os anos 1920/1930,
quando foi criada a primeira universidade de âmbito federal e instituído o
tombamento como instrumento de salvaguarda do patrimônio histórico e
artístico nacional. No Rio de Janeiro, a transformação de uso e restauração
da edificação que abriga atualmente o Palácio Universitário da Universidade
Federal do Rio de Janeiro foi empreendida com esmero entre 1949/1952,
com orçamento da União, sem que o imóvel fosse tombado, o que só
iria ocorrer duas décadas mais tarde, em 1972. Hoje, a falta de dotação
orçamentária para a manutenção e preservação dos imóveis tombados
da Universidade contribui para a deterioração do estado de conservação
de muitos deles. Neste contexto, a parceria público/privada tem sido a
alternativa privilegiada para o financiamento dos projetos e obras de
restauro destes imóveis. No entanto, sem a elaboração de um plano de
conservação integrada, envolvendo aspectos relacionados à manutenção,
preservação e restauração destes imóveis e a implementação de uma
educação patrimonial de base, não tardarão a ser propostos novos projetos
de restauro, dando origem a um círculo vicioso.
Acreditamos que a articulação entre pesquisa acadêmica, gestão patri-
monial cotidiana e formulação de políticas de conservação integrada do
patrimônio cultural universitário pode ser um caminho para romper este
moto contínuo. O eixo norteador desta articulação é a compreensão de
que as edificações notáveis são também aulas. Elas nos informam sobre
as práticas espaciais, as territorialidades, as linguagens estilísticas, os
processos construtivos e as diferentes concepções dos espaços de ensino e
pesquisa ao longo do tempo, que conferem singularidade a este patrimônio.
A universidade é o maior celeiro de formação de profissionais capacitados
para participar na conservação destes imóveis e, portanto, locus privilegiado
para uma atuação plural no campo do patrimônio cultural.
Neste sentido, apresentamos aqui os dados iniciais coletados nas
pesquisas coordenadas por Andréa Borde – “Patrimônio Cultural e Cidades
Contemporâneas” e “O patrimônio cultural edificado universitário na formação

13
APRESENTAÇÃO

do espaço urbano carioca” realizadas com o apoio do CNPq e da FAPERJ,1


respectivamente – desenvolvidas no Laboratório de Patrimônio Cultural e
Cidades Contemporâneas do Programa de Pós-Graduação em Urbanismo
(LAPA/PROURB/UFRJ) em parceria com a Coordenação de Preservação
de Imóveis Tombados do Escritório Técnico da Universidade (COPRIT/
ETU/UFRJ) sob a coordenação de Paulo Bellinha. Delas participam os
doutorandos do PROURB, Guilherme Meirelles e Edmar Araújo, e os
arquitetos Eliara Beck e Mauricio Marinho, mestres em arquitetura pelo
PROARQ e responsáveis pela fiscalização dos projetos. Este livro não
estaria completo sem a cooperação técnica dos textos elaborados pelas
empresas e escritórios de arquitetura que conceberam e desenvolvem os
projetos e obras de restauro.
Antes de convidá-los à leitura deste livro, gostaríamos de contar um
pouco mais sobre as motivações que ensejaram a elaboração deste livro
realizado com o apoio do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/
RJ). Nos últimos quatro anos, o patrimônio arquitetônico da UFRJ tem
sido o ponto de partida, ou de chegada, de nossas ações de gestão, projeto,
pesquisa e planejamento no âmbito acadêmico e profissional. Em 2014,
fomos convidados a participar do Grupo de Patrimônio Cultural do CAU/
RJ, que estava sendo formado pelo arquiteto Carlos Fernando Andrade
para levantar questões vivenciadas pelos arquitetos que trabalham com
patrimônio cultural no Rio de Janeiro e vislumbrar possibilidades de fazer
face aos desafios identificados. Propusemos, então, produzir um seminário
sobre os profissionais do restauro e um livro sobre o patrimônio arquite-
tônico universitário como parte das atividades das Semanas Fluminense
do Patrimônio de 2014 e 2015.
O Patrimônio Histórico da UFRJ já havia sido o tema, em 2013, do VI
Seminário Universidade e Memória, promovido pelo Sistema Integrado
de Bibliotecas (SiBI), que nos convidou a participar da organização do
evento. Naquela ocasião começávamos a pensar a elaboração de um
Sistema Integrado de Museus, Acervos e Patrimônio Cultural, no Grupo
de Trabalho constituído no Fórum de Ciência e Cultura (FCC/UFRJ). Para
este primeiro seminário, convidamos representantes dos órgãos de tutela
patrimonial (municipal, estadual e federal), arquitetos e historiadores

1  Esta pesquisa se insere no quadro mais amplo da pesquisa “Patrimônio Cultural e Cidades
Contemporâneas”, realizada com o apoio do CNPq.

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Conservação e Reativação do Patrimônio Arquitetônico Universitário

pesquisadores do patrimônio cultural; membros da UFRJ envolvidos com o


planejamento e gestão dos espaços físicos da universidade e representantes
outras universidades detentoras de bens imóveis de valor patrimonial.2
Foram três dias de intensos debates e intercâmbio de experiências, valiosas
contribuições para a compreensão do patrimônio arquitetônico universitário
como ampliação necessária do campo do patrimônio cultural.
O Seminário “Os Profissionais nas obras de restauro: a relação entre o público
e o privado”, organizado pelo GT Patrimônio do CAU/RJ e promovido pela
UFRJ com o apoio do CAU/RJ e do SENAI, em agosto de 2014, mostrou-
-se como um fórum importante de discussão sobre o restauro de bens
públicos promovido em um contexto de parceria público-privada. Esta
parceria, que tem viabilizado projetos e obras de restauro do patrimônio
institucional, se caracteriza, de maneira geral, pela participação destas
empresas em diferentes fases do projeto de restauro a par e passo com o
desenvolvimento das obras com fiscalização dos profissionais ligados à
instituição e aos órgãos de tutela patrimonial. Dentre as questões levantadas
no Seminário, a necessidade de elaboração de um Cadastro de Restauro
que subsidie a tomada de preços nestes projetos foi apontada como uma
das demandas prioritárias.
Os projetos apresentados neste Seminário foram capitaneados pelas
arquitetas Vera Dias, da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro (PCRJ),
Catherine Gaullois e Ana Luiza Gonçalves, do Instituto de Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), que integravam o Grupo do
Patrimônio Cultural. Elas trouxeram para discussão restaurações de
imóveis públicos realizados de acordo com parceria público-privada
concluídas recentemente. Os três projetos apresentados abordam imóveis
em diferentes estados de conservação e com distintas demandas para sua
reabilitação, como a Vista Chinesa, bem com tombamento municipal, no
Alto da Boa Vista; o Centro Cultural da Justiça Eleitoral; e a Capela São
Pedro, no interior da Antiga Sé, bens com tombamento federal localizados
na área central da cidade. A restauração destes imóveis foi apresentada
pelo ponto de vista dos diferentes profissionais envolvidos.
O projeto de restauro da Vista Chinesa, um tempietto para contemplação
da bela paisagem da cidade que se tem do Alto da Boa Vista, teve entre seus

2  As palestras e relatórios de mesas-redondas deverão ser publicados em breve.

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APRESENTAÇÃO

principais desafios o mapeamento de danos e a recuperação da estrutura


condenada quase que integralmente.3 No caso do Centro Cultural da Justiça
Estadual, foi enfatizada a especificidade do projeto da fachada tratado de
forma autônoma em relação ao projeto de restauro interno da edificação.4
Este procedimento, cada vez mais usual na restauração de muitos imóveis
públicos, põe em relevo ao menos dois aspectos: a interface urbana do
projeto de restauro e a decupagem que promove no projeto arquitetônico.
No último caso apresentado, o foco se deslocou para o delicado restauro
da Capela de São Pedro no interior da Antiga Sé. Foram mostrados os
pormenores do restauro das peças e ornatos que a compõem.
Este livro nasce, assim, do interesse em compartilhar e discutir questões
contemporâneas do campo do patrimônio cultural, pertinentes à conser-
vação e reativação de um recorte singular do patrimônio institucional, o
patrimônio arquitetônico universitário. Estruturamos o livro em três partes
correspondentes aos subtemas que estamos abordando neste momento,
tendo como fechamento destes textos introdutórios um relato poético
do evento que se constituiria em um marco na abordagem da questão da
conservação dos imóveis tombados da Universidade, o incêndio da Capela
São Pedro Alcântara, no Palácio Universitário, em 2011.
A primeira parte é dedicada às questões conceituais do patrimônio
arquitetônico universitário contemporâneo, ao processo de formação do
acervo arquitetônico de dimensão patrimonial da UFRJ e à significação
cultural das suas edificações notáveis. A segunda parte enfoca os três
conjuntos arquitetônicos e paisagísticos que estão sendo restaurados no
momento, com o aporte de verbas da União e da captação de recursos
provenientes de doações e de dispositivos de renúncia fiscal propostos
pela Lei Rouanet. Estes projetos têm por objetivo promover a recuperação
física destas edificações notáveis que integram o patrimônio arquitetô-
nico da UFRJ e a manutenção de sua significação cultural institucional,
arquitetônica e urbana. A terceira parte traz, por fim, anotações sobre um

3  Os trabalhos de restauro foram apresentados pelas arquitetas Vera Dias (fiscalização


PCRJ) e Márcia Braga (estudo das argamassas); pelo engenheiro civil Geraldo Fillizola
(recuperação estrutural), e pelo arquiteto Luciano Dantas (levantamento cadastral dos danos).
4  Os trabalhos foram apresentados, entre outros profissionais, pela arquiteta Mariza
Assumpção, responsável pelo restauro das fachadas do CCJE e também do Theatro Municipal,
do Palácio Universitário e do Museu Nacional (UFRJ).

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Conservação e Reativação do Patrimônio Arquitetônico Universitário

dos mais notáveis conjuntos arquitetônicos e paisagísticos da UFRJ, o


Museu Nacional, que completa 200 anos em 2018, e as reflexões sobre as
possibilidades de financiamento destes projetos e obras e para elaboração
de um plano de conservação integrada. Considerações iniciais que pontuam
questões importantes e que apontam alguns caminhos que poderiam ser
trilhados em relação ao patrimônio arquitetônico da UFRJ.
Desta forma – como uma matriosca, típica boneca russa que traz em
si outra menor com as mesmas características – compõe-se um retrato
das múltiplas camadas de intervenções na restauração de bens culturais
institucionais.
Dos três conjuntos arquitetônicos e paisagísticos analisados na segunda
parte, dois – o Palácio Universitário, bem com tombamento federal, e
a Escola de Música, bem com tombamento municipal – passaram por
transformação de uso em diferentes momentos históricos, para abrigar
as atividades de formação de profissionais de uma instituição pública
de ensino superior universitário. O Instituto de Atenção à Saúde São
Francisco de Assis (HESFA), embora tenha mantido a mesma destinação
de uso original, passou por modificações internas e externas ao longo do
tempo, como os outros dois conjuntos. A conservação destas edificações
notáveis deverá contribuir para a reativação dos tecidos urbanos nas quais
estão inseridas. O mais antigo deles, o Palácio Universitário, foi construído
(1842-1852) para sediar o antigo Hospício Pedro II na Praia Vermelha e
cedido à Universidade em 1945. Data do mesmo período o imóvel residencial
assobradado da Rua do Passeio adaptado para Biblioteca Nacional no final
dos anos 1850 e para a Escola de Musica a partir de 1910, que passou a
integrar a Universidade em 1931. O Instituto de Atenção São Francisco de
Assis, construído para abrigar o Asylo da Mendicidade, na Cidade Nova,
é o mais novo dos três que, desde 1940, passou como Hospital Escola a se
constituir em uma unidade da Universidade.
O Hospício Pedro II (1852) é a primeira das quatro instituições criadas
pelo Imperador Pedro II identificadas com o contraditório ideal de inserção
do império escravagista brasileiro no mundo ocidental através de insti-
tuições assistencialistas. Destinadas ao tratamento das doenças mentais,
à educação dos cegos e das órfãs desamparadas e ao atendimento dos
desvalidos, elas foram instaladas em edificações de feições neoclássicas
projetadas por arquitetos de renome. Significação cultural ressaltada por

17
APRESENTAÇÃO

Marques dos Santos5 ao identificar a construção do Hospital como “um marco


do projeto civilizatório do Segundo Império”. Nas décadas seguintes seriam
inauguradas a sede do Recolhimento das Órfãs e Desvalidas6 (1876), na
Rua do Hospício Pedro II (atual Rua General Severiano) e a do Instituto
Imperial de Cegos7 (1890) ao lado do hospital na Praia da Saudade. Estas
edificações fizeram da área conformada pela Praia da Saudade e os sopés
dos morros da Babilônia e do Pasmado, no final da Enseada de Botafogo,
o locus do ideal civilizador do Imperador Pedro II. 8 A última, o Asylo da
Mendicidade (1879), edificação de linguagem neoclássica que segue o
modelo panóptico, que confere excepcionalidade à sua arquitetura, foi
implantado na Cidade Nova, área de expansão imediata do núcleo central.
A releitura estilística promovida na edificação que hoje abriga a Escola de
Música sublinha a dimensão cultural da arquitetura. De sobrado residencial
implantado na nobre área do Passeio Público no final da primeira metade
do século XIX passa, após adaptações realizadas em 1855, a se constituir
em uma edificação institucional, a Biblioteca Nacional. Quando esta se
transfere para a Avenida Central em 1910, é cedida para o Instituto de
Música, que atualiza a linguagem neoclássica da antiga instituição de acordo
com o repertório eclético representativo dos novos caminhos republicanos.
Temos, então, homenagens ao neoclassicismo no Pavilhão de Aulas (1913),
construído no interior do lote enquanto o edifício principal, reaberto em
1919/1922, afina-se ecleticamente com o estilo italiano.
O Museu Nacional, antigo Paço de São Cristóvão – a edificação mais
antiga do acervo arquitetônico da UFRJ – passou, em dois séculos, por

5  SANTOS, Afonso C. M. dos. Entre a forma e o ideal: um emblema da civilização. In:


CALMON, Pedro. O Palácio da Praia Vermelha. Rio de Janeiro: UFRJ, 2004. p.09-14.
6  A origem desta instituição remonta a 1738, ano da criação do Recolhimento Santa Tereza
e a Casa dos Expostos que permaneceram junto à Santa Casa da Misericórdia, na área central
da cidade, até 1842. A situação precária da antiga edificação faria com que a instituição
peregrinasse por outros edifícios e bairros até se instalar nesta nova sede em 1866.
7  O Instituto Imperial dos Cegos foi criado em 1854 tendo sua construção iniciado em 1872.
8  As três edificações que abrigavam as instituições civilizadoras da Praia Vermelha
ainda hoje fazem parte deste tecido urbano. No entanto, as instituições de origem foram
transferidas para outros bairros restando apenas no local o Instituto Benjamin Constant.
O imóvel do Hospício Pedro II foi cedida há setenta anos para a Universidade e abriga, ainda
hoje, o Palácio Universitário em torno do qual se organiza o Campus da Praia Vermelha. O
antigo Recolhimento das Órfãs abriga, desde 2013, a Casa Daros.

18
Conservação e Reativação do Patrimônio Arquitetônico Universitário

adaptações internas e externas, transformando-a de residência de nobres,


no período colonial, em residência da família Real e, posteriormente, em
Museu Nacional. Este patrimônio arquitetônico universitário demanda
importantes obras de restauro para celebrar com pompa e circunstância
seus 200 anos, 70 deles como unidade da UFRJ.
Antes de finalizarmos esta apresentação do livro, é importante assinalar
que nos referimos às edificações analisadas, tal como a própria Universidade,
de acordo com as diferentes denominações atribuídas a elas ao longo de
suas histórias. Esta opção apoia-se na compreensão de que estas também
enunciam significações culturais historicamente circunscritas e que
participam das múltiplas camadas que constituem esta instituição e suas
edificações notáveis.

Andréa Borde e Paulo Bellinha

19
PARTE I
PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO UNIVERSITÁRIO:
Conceito, contexto e conteúdos
PARTE I – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO UNIVERSITÁRIO

Capela São Pedro de Alcântra, 2011. Foto: Acervo COPRIT/ETU


NOTÍCIAS DA FORNALHA

Aos vinte oito dias do mês de março de 2011 a Capela São Pedro
de Alcântara situada no segundo pavimento do Palácio Universitário,
no Campus da Praia Vermelha da UFRJ, é tomada por um incêndio de
grandes proporções. Em pleno horário de almoço, importantes artérias
de conexão entre a zona sul e a área central da cidade são obstruídas. A
cidade fica paralisada. Notícias e imagens dramáticas do incêndio inundam
a televisão, as redes sociais e os jornais. O incêndio na Capela da Reitoria
ganha repercussão nacional. Resultado de uma sequência de equívocos em
vários níveis - tal qual um acidente de avião - o incêndio expõe algumas
das mazelas que afetam o nosso patrimônio arquitetônico, sobretudo, o
institucional. O que aconteceu??? Como aconteceu??? O que fazer???
Como fazer??? E agora???
Ao longo da semana seguinte os bombeiros lutam para extinguir os
focos de incêndio, reavivados diariamente. As entrevistas registram o
pranto púbico em rede nacional de televisão do arquiteto Carlos Fernando
de Andrade, então Superintendente Regional do IPHAN; o depoimento do
cineasta e jornalista Arnaldo Jabor, formado pela Escola de Comunicação,
vizinha à Capela no Palácio Universitário; e o artigo emocionado da profes-
sora Beatriz Rezende, ex-Coordenadora do Fórum de Ciência e Cultura. A
significação cultural da pequena capela do século XIX que acolhia missas,
casamentos, batizados e concertos de música sacra para 150 pessoas em
seus 136 metros quadrados, perpassa também os depoimentos colhidos de
alunos, ex-alunos, professores, moradores do bairro e da cidade fustigados
pelo calor daquela semana. As notas pesarosas emitidas pelo Reitor da
Universidade, professor Carlos Levi, e pelo Coordenador do Fórum de
Ciencia e Cultura, o saudoso professor Aloisio Teixeira, completam o quadro,
traçando um retrato das dificuldades jurídicas para a efetiva salvaguarda
do patrimônio cultural das universidades públicas.
Remontando à origem do sinistro, percebe-se toda uma sequência
de dificuldades encontradas para prevenir estes acidentes, ou mesmo
minimizá-los, que não se restringe apenas à imperícia técnica. As labaredas
disputam o protagonismo do momento com as fragilidades de um sistema
caracterizado pelo improviso contumaz que rege estas situações. A crônica
de uma morte anunciada se materializa: falta água nos caminhões-pipa do

23
PARTE I – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO UNIVERSITÁRIO

Corpo de Bombeiros, para suprir a demanda tem-se que sugar água de duas
piscinas próximas (a do Campus e a do Iate Clube, em frente ao imóvel);
a inexorabilidade da contratação de empresa com pouca experiência em
restauro, mas que oferecera melhor preço (obrigação da lei de licitações); e,
culminando, o despreparo da mão de obra da empresa contratada, que opta
por realizar um teste de solda durante o horário de almoço da fiscalização.
Sob as labaredas, ou as águas vertidas para estancá-las, foi-se o berço
de estuque que a recobria. Das janelas e dos guarda-corpos laterais supe-
riores, de onde se assistia às missas, pouco restou. A imagem de São Pedro
Alcântara pendia no salão de pé direito duplo abobadado, identificando a
dimensão trágica do evento.
O cenário desolador impunha desafios a um futuro projeto de restauro.
Este momento traumático impulsionaria uma importante inflexão na
abordagem do patrimônio cultural edificado desta Universidade promo-
vida pela Administração Central. O Projeto Executivo de Restauração do
Palácio Universitário, previsto para ser contratado, há alguns anos, diante
da precipitação dos eventos, finalmente é encaminhado. Um Termo de
Ajuste de Conduta é assinado entre UFRJ, IPHAN e MPF, estabelecendo
cronogramas. Promessas da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro e do
BNDES em aportar verbas para restauração da capela são feitas. Somente
a contratação do projeto chega a um bom termo.
O trecho que se segue foi escrito originalmente, no calor do momento
para um jornal. No dia previsto para sua publicação, um novo drama
urbano iria sobrepujar o incêndio da capela, e esta crônica, extraída das
mensagens de texto enviadas pelo celular aos que solicitavam notícias -
sempre urgentes - permaneceria inédita. Com o passar do tempo, ao reler,
percebo como ainda se mantém como um retrato fiel daquele momento, que
esperamos - e trabalhamos para que - não volte a se repetir. Vamos a ela...

31 de março...
Chego em casa após três dias de fornalha e de noites mal dormidas. No
total, acho que não somaram uma noite de sono... Refeição? Apenas uma... As
pernas bambas que me guiavam automaticamente durante todo este tempo
reclamam. Hora de parar. Imperativo que obedeço. Automaticamente...
E deito…

24
Notícias da Fornalha

Após praticamente 72 horas no ar - non stop - consigo parar e tomar


um chopp. E relaxar??? Não sei ainda...
Na célula de crise, onde tentávamos pela primeira vez refletir sobre os
últimos acontecimentos e seus desdobramentos, uma reunião é interrompida
pelo convite de um amigo. Mas, efetivamente, ainda não temos clareza e
distanciamento para avaliar. Estamos no olho do furacão...
Felizmente aceito o convite deste amigo. No chopp, vejo a página de
jornal sobre a qual já havia ouvido falar durante todo o dia: desde a beleza
do texto até ao perigo e as brigas causadas pela divulgação das fotos.
Pernas para o alto, saboreio outro convite, o de relatar os acontecimentos
recentes na página móvel. Primeiro momento de descanso da semana,
quando ao longo do dia enfrentamos o penúltimo desafio para colocar em
funcionamento a construção sesquicentenária…
Inquieto e preocupado, continuo a pensar no funcionamento do Palácio...
Aloisio liga, compartilho minha preocupação. Diante da importância do
assunto marca uma reunião com os diretores das unidades. Volto ao meu
chopp. Melhor assim...
Celular toca, apita, treme, baba. Finalmente decido ignorá-lo... Melhor
assim, muito melhor...
Chego em casa, nenhuma fome apesar do quase nada ingerido ao longo
dos dias. Just coffee and cigarrettes, à la Jim Jarmush, mas um pouco mais
hard... O Ministério da Saúde adverte: fumaça faz realmente mal a saúde...
E ela foi consumida em doses veterinárias na última semana… O tempo
todo sinto o cheiro de churrasquinho de lambri…
Abro computador, checo as mensagens preteridas pelo celular. Vejo
relatórios, despacho respostas, confirmo reuniões, reafirmo amores e
esqueço as dores.
Tomo banho. Deito. Finalmente...
Foi então que li… E chorei… Copiosamente...
Diante do torpor, decido me utilizar desta maldita tecnologia, pois
não consigo nem levantar, nem dormir. Difícil escrever neste celular…
Mas preciso...
Obrigado Beá, precisava muito disso...

25
PARTE I – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO UNIVERSITÁRIO

01 de abril...
Aos nove minutos...
Parece mentira, mas o celular baba de novo...
E, mais uma vez, me revolto contra a tecnologia, implacável…
A mensagem retorna. Melhor assim. O desabafo fica apenas comigo. 
Desligo o celular, mas me angustio. O monstro pode ressurgir e vomitar
suas chamas para consumir o pouco que resta...
- Da memória. Acusado, injustamente, de não respeitá-la, de aviltá-la,
quando simplesmente impunha limites a uma inconsequente busca egóica
de imagens, onde os tolos e afoitos se apoiam, ignorantes dos riscos que
impunham aos outros, estes, sim, os verdadeiros responsáveis pelos riscos
e salvaguarda de uma memória vilipendiada por décadas de ignorante
abandono. Mas não se pode falar realmente de desprezo neste delicado
momento onde insanas loucuras se expõem...
- Da história. Onde, num momento de imperícia de outros tantos tolos e
afoitos, estes imbuídos de uma real seriedade de intenções, num momento
de esquiva dos vigilantes olhares que os acompanham, uma fagulha de
acidente a varre, implacável, definitiva e estoicamente calcinando mais
de cento e cinquenta anos de ritos, festas, histerias, loucuras, técnicas,
sentimentos e saberes...
- Da religiosidade. Do sentimento que acompanhou os ritos, pagãos
ou litúrgicos, em qualquer momento deste século e meio de história da
Capela, o que realmente importa é o sentido de união verdadeiro expresso
na etimologia da palavra religião, religare. União, quer seja de amor
ou de dor, em qualquer relação que seja, e, mais uma vez penso, o que
verdadeiramente importa neste momento???
 Pensando nestas questões me debato mais uma noite. Passam longos
minutos; horas a fio, talvez. A noção de tempo é bastante relativa, sobretudo,
nos momentos de convulsão coletiva como o que estou vivendo. Ainda no
olho do furacão... Quando será que Katrina vai passar???
 E durmo. Não exatamente... desabo... talvez não... preciso escolher
outras expressões de sentimento neste difícil momento... apago... outra
escolha infeliz... desligo?

26
Notícias da Fornalha

Não exatamente...
Descanso, talvez...
Pela primeira vez na semana...
No seu último dia útil...
E desperto... Será mesmo???
Mais uma vez me levanto, é hora, será que dormi ou descansei???
 De volta ao olho do furacão, o sol já vai alto. O monstro dorme, a fumaça
ainda persiste, cheiro eterno de churrasquinho de lambri...
 Celular treme, mais um sobressalto. Normal nestes últimos dias...
Percebo, diante da emocionada resposta recebida, que a emocionada
mensagem que acreditei desprezada pela tecnologia foi enviada, inad-
vertidamente, por um simples e fortuito gesto de imperícia de sonolenta
manipulação...
 Felizmente esta imperícia não causou danos. Pelo contrário, só ganhos,
pois a emoção me invade novamente. Lágrimas escorrem sobre a face
envolta pelas cinzas e fumaças que persistem, apesar da insistente chuva
que varou noite adentro... Escondo-me: mico demais...
 Vistoria no interior da baleia calcinada. Sinto-me o próprio Jonas do
Pinócchio, diante de tantos absurdos vividos nos últimos dias, meses a fio... 
 E descubro que o último desafio que nos propusemos enfrentar era,
este sim intransponível, pois 32 toneladas de água que encimavam a
baleia desabariam facilmente sobre as tolas cabeças que ignorantemente
fotografavam, se expondo a desnecessários riscos...
Humildemente esvaziamos e lacramos a baleia. Sentindo como que
num Guggenheim Bilbao em crise, nos reunimos na célula para pensar
alternativas. Capitulamos. Esta será uma importante decisão coletiva
onde forneceremos todos os elementos que fielmente guardamos ao longo
da semana.
 Sorte lançada, me encaminho ao cadafalso, e encontro a destinatária
da mensagem desprezada pela tecnologia, que, mais uma vez, me afaga...
 Outra célula de crise, desta vez ampliada, opções levantadas, discutidas,
arguidas, direções tomadas após ponderações, a muito custo...

27
PARTE I – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO UNIVERSITÁRIO

 Saio com a incumbência de redigir a nota de divulgação...


 Sexta-feira: acho que hoje é dia de Jack Daniels...

02 de abril...
Após lasciva entrega, mais uma vez a besta que baba, treme. Maldita
tecnologia, 1:20h da manhã, corpo encharcado de suor, checo mais uma
mensagem que chega. A onda continua a se propagar em sua velocidade
tsunâmica e implacável...
Mas fiz sábia escolha... Afinal, após cinco dias de tormento, para
espantar de vez o cheiro de churrasquinho de lambri somente a companhia
de nove mulheres me salvaria, sinto-me um islâmico na situação... O suor,
acompanhado de seus perfumes, despachou de vez rumo ao infinito o
odor de fumaça...
Levanto, abro computador, despacho as mensagens ignoradas ao logo
do dia pela besta que baba... Consigo finalmente descansar... Foram apenas
oito horas de sono e duas refeições em cinco dias... Desmaio...
Desperto, mais tranquilo. Finalmente mais descansado, telefone
volta a tocar, é meio dia, mais apoios, colegas, colaboradores, estagiários,
bolsistas, ex-colaboradores, amigos, almas irmãs, antecessores, todos se
fizeram presentes e companheiros ao longo destes dias me dando força
pra encarar o monstro. Um obrigado líquido sem fim volta a sair de mim,
que diluído em lágrimas lava o resto da fumaça que persiste em obnubilar
minha visão...
  Volto ao telefone. Desta vez para responder às mensagens que se
acumularam nestes cinco dias de caixa postal lotada. Me inquieto: a conta
do celular este mês será impagável!!! O que fazer???
 Penso ir à praia banhar o corpo no sal do mar - descarregá-lo - na
companhia das crianças. Mas a insuficiente autonomia do meu corpo me
faz adiar o passeio. Quem sabe mais tarde consigo? Por ora, vou até a banca
de jornal e me deito novamente...
Mais matérias, resenhas, artigos, em todos a alusão ao monstro das
chamas devoradoras. Mas redentoras. Quem sabe esta comoção não chame
a atenção para um problema cultural? Um resgate de memória precisa ser
feito. O antropólogo Gilberto tem toda razão...

28
Notícias da Fornalha

 E paro no relato de Arnaldo que me relembra a preocupação de Beá...


O sino!!!
Inúmeras vezes nos falamos, pessoalmente, nos escombros, no campus,
na célula de crise, e em nenhum momento fui capaz de tranquilizá-la...
Os sinos lá estão!!! Íntegros e preservados, em breve novamente soarão,
entoando os cânticos de restauração.
 But... for whom the bells ring??? A suivre…

Paulo Bellinha

29
PARTE I – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO UNIVERSITÁRIO

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Conferência arquiteta Zaha Hadid, abril 2012.


Foto: Thiago Leitão
PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO UNIVERSITÁRIO
CONTEMPORÂNEO: CONSTRUÇÕES METODOLÓGICAS

1. Construções teórico-metodológicas
As cidades contemporâneas são o nosso grande patrimônio cultural. Ou,
ao menos, deveriam ser. Camadas e mais camadas de tecidos urbanos nelas
se organizam, e se reorganizam, promovendo sobreposições, justaposições,
interseções, aglomerações, transformações e aglutinações, nos informam
sobre as escolhas privilegiadas no processo de adaptação das suas estru-
turas aos interesses e necessidades dos diferentes momentos históricos.
Opções que produziram inovações, continuidades, descontinuidades,
apagamentos, porosidades, alteridades e outras tantas figuras de análise
da cidade que vão transparecendo à medida que avançamos em nossas
investigações sobre as cidades, os saberes que as constroem, as práticas
socioespaciais que nelas se desenvolvem, as memórias e identidades que
formam e as confirmam.
Viver nas cidades é a experiência cotidiana de um número cada vez
maior de pessoas no mundo inteiro e que está associada, em um contexto
ocidental europeu, à inserção destas invenções humanas1 nas rotas predo-
minantemente culturais e econômicas da Idade Média, desde a retomada da
vida urbana no século XI. As cidades libertam (do jugo feudal) e, portanto,
atraem. É neste contexto marcado pela associação entre cidade e liberdade2
que nascem as primeiras universidades europeias. 3 Para elas afluirão, ao
longo dos séculos, um fluxo significativo de pessoas para as suas cidades.
Tornam-se cidades universitárias antes mesmo desta noção estar associada ao
território institucional do campus, concebido como um polo de aprendizado.

1  Esta compreensão das cidades como invenção humana, remete a MUMFORD, Lewis. A cidade
na história: Suas origens, transformações e perspectivas. São Paulo: Martins Fontes, 1991 [1961].
2  Tal como evocada no provérbio medieval alemão Stadtluft mach frei que pode ser traduzido
como “o ar da cidade o torna livre”.
3  As universidades não são as únicas concepções pedagógicas medievais. Elas convivem com
as corporações de ofícios. Estas instituições dão forma às contradições de uma época, dominada
pelo poder da Igreja e do Estado, em que emergem novas formas de organização do trabalho
na cidade, criando novas demandas. Neste cenário cabe às corporações o aprendizado e a
regulamentação dos processos produtivos artesanais (os ofícios) e às universidades o ensino
da teologia, do direito e das artes atendendo à demanda dos poderes instituídos.

31
PARTE I – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO UNIVERSITÁRIO

Universidades como Bolonha, Paris, Oxford e Coimbra, datadas dos séculos


XII e XIII, são bons exemplos destas cidades universitárias onde as estruturas,
formas e funções urbanas são imbuídas da estreita relação entre cidade e
universidade. Vir para as cidades estudar torna-se um fenômeno cultural com
forte impacto nas transformações urbanas.
Não cabe aqui me estender mais nas questões europeias. No entanto,
tendo em vista a nossa condição de país latino-americano colonizado
pela metrópole ibérica no alvorecer do século XVI é importante abordar,
brevemente, a concepção de cultura que informará o projeto civilizador
implementado em nossas terras. 4 Com o desenvolvimento econômico
das cidades, e das universidades, a cultura passa a ser associada a espírito
cultivado, acessível a poucos. Esta compreensão se amplia, no século XVIII,
com a noção de civilização como um processo social fundado nas práticas
educativas que têm lugar na cidade. Cultura passa a ser sinônimo de
espírito civilizado. Poucos eram os cultos, muitos deveriam ser os civilizados.
Caberiam aos cultos, portanto, civilizar.
Em um contexto colonial, esta era uma tarefa da metrópole europeia.
Nesta relação mediada pelo pacto colonial5 português a educação superior é
um ativo acessível apenas às elites. O que significaria, no caso do Brasil, ir
para Coimbra estudar. Fenômeno que se arrefece com a criação de instituições
de ensino superior no Rio de Janeiro (a partir de 1792) e, sobretudo, com a
criação de universidades públicas (a partir de 1920). Vir para o Rio estudar
passa a se constituir, assim, em um fenômeno urbano. O Rio torna-se uma
cidade-universitária, por excelência. Rio, Cidade Universitária.
Esta compreensão de cultura, e da formação-educação a ela associada,
como distinção, teria como um dos desdobramentos no Brasil dos anos
1920, a nascente inquietação com a salvaguarda do patrimônio nacional,
que só viria a ser legitimada em 1937 com a criação do Serviço de Proteção
ao Patrimônio Nacional. Embora possa parecer tardia ao considerarmos
que a patrimônio passa a fazer parte da agenda europeia a partir do final

4  Para a compreensão de cultura, civilização e processo civilizador ver CHAUÍ, Marilena.


Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2002 e ELIAS, Norbert. O processo civilizador, v 1, e 2. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1994.
5  Este sistema de leis e normas imposto à colônia brasileira, até a transferência da Corte
Portuguesa para o Brasil, estabelecia, entre outros tópicos, que a colônia não poderia produzir
nada que Portugal produzisse, e com o qual deveria negociar diretamente seus produtos.

32
Patrimônio Arquitetônico Universitário Contemporâneo: Construções Metodológicas

do século XVIII,6 na França, é importante assinalar que ainda estavam


ausentes aqui elementos que determinariam a urgência – não a necessi-
dade - da salvaguarda.
Patrimônio nasce no bojo da aventura da modernidade,7 como uma
resposta ao desaparecimento de monumentos que seriam responsáveis
por uma certa estabilidade histórica diante da percepção dominante de
que “tudo o que é sólido desmancha no ar”. 8 Mas quais valores portariam
estes monumentos que deveriam ser salvaguardados? Naquele momento,
final do século XVIII, em que emerge a ideia de estado-nação, esses valores
são, sobretudo, valores nacionais. Monumentos consagrados a momentos
históricos significativos da construção da nação seriam portadores de
uma identidade nacional. A aceleração dos processos de modernização no
século XIX faria das cidades europeias o lugar desta instabilidade em um
momento em que a destruição criativa de importantes tecidos urbanos daria
lugar a novas arquiteturas, novos bulevares, novas fisionomias urbanas.
Patrimônio, modernidade e identidade nacional são noções inseparáveis
na constituição do campo do patrimônio cultural.
No momento em que emerge a noção de patrimônio no contexto europeu,
não se pode falar, ainda, em processo de modernização no Brasil, nem
tampouco em uma identidade nacional quando ainda estaríamos sob o

6  Este tema aparece pela primeira vez, com a expressão monumento histórico, no livro de
Millin, publicados em seis volumes, entre 1790-1798, com o título Antiguidades Históricas
ou Coleção de monumentos, “em um momento em que no contexto da Revolução Francesa são
elaborados os conceitos de monumento histórico e os instrumentos de preservação (museus, inven-
tários, tombamentos, reutilização) associados”. CHOAY, Françoise. A Alegoria do patrimônio.
São Paulo: UNESP, 2001 [1992].
7  SALINS, Marshall. Tudo o que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São
Paulo: Companhia das Letras, 1986 [1982].
8  Ver ibid., p.91, quando cita Marx: “O constante revolucionar da produção, a ininterrupta
perturbação de todas as relações sociais, a interminável incerteza e agitação distinguem a época
burguesa de todas as épocas anteriores. Todas as relações fixas, imobilizadas, com sua aura de
ideias e opiniões veneráveis, são descartadas; todas as novas relações, recém-formadas, se tornam
obsoletas antes que se ossifiquem. Tudo o que é sólido desmancha no ar, tudo o que é sagrado
é profanado, e os homens são finalmente forçados a enfrentar com sentidos mais sóbrios suas reais
condições de vida e sua relação com outros homens” [grifo nosso].

33
PARTE I – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO UNIVERSITÁRIO

jugo da metrópole portuguesa.9 Teríamos que aguardar a república – e a


emergência de um Estado apoiado nos conceitos de nação e identidade
nacional – para que os processos de modernização em curso tivessem na
salvaguarda do patrimônio nacional um dos seus modernismos. No Brasil,
portanto, ser moderno e preservar o passado são processos que ocorrem
simultaneamente.
O patrimônio se instaura no Brasil em 1937, como patrimônio histórico e
artístico nacional.10 Uma concepção que relaciona, portanto, os valores histó-
ricos e artísticos aos de nação e identidade nacional. Nos momentos iniciais
são listadas, em sua maioria, objetos arquitetônicos. Arquiteturas passam a
ser preservadas como espaços abertos à fruição estética que testemunham
vivências e práticas de diferentes momentos da história do Brasil.
A narrativa que justifica esta salvaguarda apoia-se, previsivelmente,
no risco iminente de perda dos bens culturais que seriam portadores de
valores estruturantes para a identidade nacional. Uma retórica contraditória,
como aponta Gonçalves,11 uma vez que essa perda, ao mesmo tempo em que
embasa a “criação” de patrimônios nacionais, também a promove através
de discursos homogeneizadores das culturas e do passado. Esta visão seria,
em certa medida, relativizada a partir dos anos 1970 pela compreensão de
que as diversas matrizes intelectuais que embasam a construção de um
sentimento de identidade nacional brasileira deveriam ser preservadas.12
Vigora atualmente no Brasil a definição de patrimônio cultural adotada
na Constituição Brasileira de 1988 que estabelece em seu artigo 216 que:

9  O projeto civilizador português importava elementos da cultura europeia ao mesmo tempo


em que fechava os olhos para o sistema escravocrata. As instituições de ensino superior já
estavam presentes, mas as universidades ainda não.
10  CHOAY, op. cit. Como demonstra Choay, a concepção de monumento histórico, que
norteia os primeiros documentos patrimoniais, passará por revisões e ampliações até a
compreensão atual de patrimônio cultural que orienta esses documentos desde a segunda
metade do século XX.
11  GONÇALVES, José R. A Retórica da Perda: os discursos do patrimônio cultural no Brasil.
Rio de Janeiro: UFRJ, MEC-IPHAN, 1996.
12  Ibid. A compreensão da heterogeneidade cultural brasileira teria sido uma das contri-
buições de Magalhães. Castriota constrói uma matriz bastante interessante relacionando
a trajetória de compreensão do patrimônio brasileiro, os agentes e as políticas responsáveis
pela salvaguarda. Ver CASTRIOTA, Leonardo. Patrimônio Cultural: conceitos, políticas e
instrumentos. São Paulo: Annablume, 2009.

34
Patrimônio Arquitetônico Universitário Contemporâneo: Construções Metodológicas

“Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e


imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de refe-
rência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores
da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas
e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais
espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos
urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,
paleontológico, ecológico e científico.”

Uma compreensão consoante com as Cartas Patrimoniais, que conso-


lidam as recomendações e diretrizes a serem adotadas na preservação
deste patrimônio, e que inclui muitas das ampliações que o conceito de
patrimônio cultural adquire nas últimas décadas. A noção de identidade
passa a ser vinculada à sociedade brasileira e não mais à nação. Todavia,
mais importante ainda, é a desvinculação das dimensões histórica e artística
como definidoras deste patrimônio. Como já alertava Choay, a expressão
patrimônio histórico está fortemente relacionada à acumulação contínua
de uma diversidade de objetos com os quais nos identificamos e “tem sido
uma das palavras-chave da tribo mediática”. O adjetivo histórico confere um
valor excessivo às antigas práticas e está associado, em muitos casos, à
interdição de atualização dos objetos patrimoniais. Parte-se, portanto,
de uma noção de tempo linear em que a história é associada, sobretudo,
ao passado e não ao passar do tempo. A menos que acreditemos no fim
da história, o presente e o passado também são históricos. Tal como o
artístico, o histórico deveria ser apenas um dos valores que orientam o
reconhecimento de determinados objetos como patrimoniais.
É pertinente enfatizar a dimensão contemporânea do patrimônio
cultural. Todo patrimônio cultural é contemporâneo. Restaura-se o passado
– seja ele do ano anterior ou de tempos idos - no presente, preservando-o
para o futuro. As ações que envolvem o reconhecimento e salvaguarda do
patrimônio acontecem no presente de acordo com os valores privilegiados
neste presente. Seja ele presente no século XVIII, no século XX, ou mesmo
hoje, nas primeiras décadas do século XXI. Além disso, em se tratando de
patrimônio arquitetônico, por mais antigas que sejam as edificações e espaços
paisagísticos, elas são vivenciadas no presente, estando a manutenção
de sua materialidade condicionada às técnicas e usos do nosso tempo
tendo como pressuposto a sua reinscrição no tempo presente quando
acontece seu uso. A compreensão da contemporaneidade do patrimônio

35
PARTE I – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO UNIVERSITÁRIO

é fundamental para identificar as significações culturais e os valores que


devem ser preservados a fim de instrumentar práticas sustentáveis de
conservação (preservação, restauro e manutenção).
Esta trajetória traçada do conceito do patrimônio arquitetônico teve
como objetivo reforçar as múltiplas dimensões envolvidas em sua conser-
vação que, tal como sua produção e a atribuição de valor patrimonial, é
um processo cultural. Neste sentido, a restauração – tal como a concepção
– de edificações notáveis envolve tanto aspectos de ordem técnica como
de ordem simbólica.
Nunca é demais sublinhar que esta construção metodológica tem como
recorte analítico o patrimônio edificado, ou patrimônio material, de acordo
com o SPHAN, ou mais precisamente, o patrimônio arquitetônico, uma vez
que se quer sublinhar a dimensão cultural da arquitetura fundada na
competência de edificar:
“Chamarei de competência de edificar a capacidade de articular entre si e seu
contexto, com a mediação do corpo humano, elementos cheios ou vazios,
solidários e jamais autônomos, cujo desdobramento na superfície da Terra
e na duração tem um sentido tanto para aquele que edifica quanto para
aquele que habita.

(…) esta competência de edificar, que atuava na configuração das cidades,


na dos edifícios, na organização das paisagens cultivadas e no traçado dos
caminhos e das vias de circulação, contribuiu para fundar e refundar a relação
dos homens com o mundo natural e com as regras transcendentes que os
ligam entre si.”13

Como pensar as significações culturais e o legado cultural da competência


de edificar do patrimônio arquitetônico contemporâneo no atual contexto
cultural? Um contexto, por exemplo, que como analisa Secchi, não se pode
mais pensar o século XX em termos de linearidade histórica “onde o que
vem depois é uma consequência inscrita no que vem antes”.14 A multiplicidade
de caminhos, bifurcações, tradições e rupturas vividas a partir desse

13  CHOAY, op. cit., p. 250.


14  SECCHI, Bernardo. A cidade do século XX. São Paulo: Perspectiva, 2009 [2005]. p. 19.

36
Patrimônio Arquitetônico Universitário Contemporâneo: Construções Metodológicas

século remete ao que Octavio Paz15 denominou como tradição moderna,


isto é, a manifestação da consciência histórica de uma sociedade que
busca seu fundamento na mudança. Uma modernidade que, no entanto,
no século XXI, vê a antiga condição de tudo o que é sólido se desmanchar
no ar dar lugar à liquidez, fluidez, volatilidade, incerteza e insegurança e
os antigos parâmetros de fixidez ao imediatismo, ao consumo, ao gozo e
à artificialidade, como enuncia Bauman.16
“O que torna líquida a modernidade, e assim justifica a escolha do nome, é sua
modernização compulsiva e obsessiva, capaz de impulsionar e intensificar a si
mesma, em consequência do que, como ocorre com os líquidos, nenhuma das
formas consecutivas da vida social é capaz de manter seu aspecto por muito
tempo. (…). [Mas hoje] no lugar de formas derretidas, e portanto inconstantes,
surgem outras, não menos – se não mais – suscetíveis ao derretimento, e
portanto inconstantes.”

Neste contexto, qual o papel do patrimônio cultural das universidades


brasileiras? Referendar antigos paradigmas de valoração dos objetos
patrimoniais de acordo com a lógica operacional predominante de parceria
público-privada ou considerá-la como uma cooperação técnica importante
para a capacitação e formação profissional do corpo social da universidade?
Encaminhada desta maneira, torna-se uma pergunta retórica. Mas ela não
perde sua validade, uma vez que traz implícita quais seriam os valores a
ele associados e quais parâmetros e diretrizes a serem seguidos na sua
conservação.17

2. Patrimônio arquitetônico universitário: conceito e contexto


Tal como Marco Polo, que ao descrever para o Kublai Khan as cidades
por onde passa, afirmando estar sempre falando de Veneza 18 – sua cidade
natal, quando proponho esta revisão e atualização do conceito de patri-
mônio cultural que melhor definiria o patrimônio arquitetônico das
universidades brasileiras, estou sempre pensando naquele compreendido

15  PAZ, Octavio. Os Filhos do Barro: do romantismo à vanguarda. São Paulo: Cosac Naify,
2013. Neste livro, Paz trata da tradição moderna da poesia. Existe tanto uma poesia moderna,
como o moderno é uma tradição, isto é, uma “transmissão de notícias, lendas, histórias, crenças,
costumes, formas literárias e artísticas, ideias e estilos de uma geração para outra” (p. 15).
16  BAUMAN, Zygmunt. A Cultura no mundo líquido moderno. Rio de Janeiro: Zahar, 2013 [2011].
17  CHOAY, op. cit., p. 250.
18  CALVINO, Italo. Cidades Invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

37
PARTE I – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO UNIVERSITÁRIO

pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – minha cidade natal. Uma


explicação que pode parecer apenas poética, mas que se faz necessária para
que se compreenda a abrangência do que aqui proponho. Embora conheça
o patrimônio arquitetônico de outras universidades públicas brasileiras,
não os conheço propriamente. Mesmo em relação ao patrimônio da UFRJ,
cultivo a impressão de que quanto mais o estudo, menos o conheço, ou
melhor, mais tenho a conhecer. Sei, no entanto, da dificuldade que as
universidades públicas enfrentam para a conservação do seu patrimônio
arquitetônico. É neste sentido que proponho a ampliação do conceito de
patrimônio cultural para patrimônio arquitetônico universitário, não
para impulsionar um processo de patrimonialização, mas para identificar
alternativas de valoração e conservação deste patrimônio a partir de suas
características.
Sempre me inquietou o tratamento dado às edificações e espaços
paisagísticos desta Universidade por pertencerem a esta ou aquela tipologia
ou linguagem arquitetônica. Não se preserva o Instituto de Atenção São
Francisco de Assis (antigo HESFA) apenas pela sua planta panóptica, mas
pela excepcionalidade do seu uso e sua implantação na cidade. A Escola
de Música não é preservada porque é uma edificação com linguagem
eclética, mas porque é a Escola de Música. Certo é que, se esta se transferir
dali, a edificação permanecerá preservada, até mesmo porque lá um dia
funcionou esta escola.
Como estes, outros tantos exemplos podem ser lembrados para ilustrar
a especificidade deste patrimônio, que nada mais é do que um patrimônio
universitário. Isto é, um patrimônio institucional enunciador, portanto, de
significações culturais que sublinham o uso universitário. Uma instituição
que se caracterizaria historicamente, segundo Boaventura de Sousa Santos,
pelo “forte componente territorial e presencial, bem evidente no conceito de
campus e no regime de estudos”.19 O patrimônio arquitetônico universitário
seria, assim, parte integrante de um território cultural no qual as práticas
espaciais que nele se desenvolvem configuram um espaço no qual as
relações de poder se materializam, se reproduzem e geram contradições,
solidariedades e conflitos. Estas práticas promovem, ao longo da história
das edificações universitárias e seus espaços paisagísticos, e das gerações

19  SANTOS, Boaventura de S. A Universidade no Século XXI: Para uma Reforma Democrática e
Emancipatória da Universidade. Educação, Culturas e Sociedade, n. 2, p. 137-202, 2005. p. 161-162.

38
Patrimônio Arquitetônico Universitário Contemporâneo: Construções Metodológicas

que delas se apropriam, territorializações, ou mesmo desterritorializações


e reterritorializações. Um processo que reforça a importância do valor de
uso como eixo norteador das práticas de conservação deste patrimônio. Ou
da sobreposição de usos no tempo, como acontece em algumas edificações
tombadas cedidas à UFRJ que passaram por transformações de uso e
que seu valor e excepcionalidade reside exatamente na preservação da
memória destes usos.
Este aspecto é bem pontuado de maneira esclarecedora por Marina
Waisman20 ao tecer considerações sobre o patrimônio arquitetônico e urbano
considerando-o como “um valor cultural não consumível, mas produtivo de
novas ideias de projeto, tanto quanto de melhores espaços de vida”:
“(…) ao considerar os habitantes como parte fundamental do patrimônio
cultural compromete-se o reconhecimento da necessidade de mudança, de
adaptação dos edifícios e áreas urbanas a novas necessidades, novos hábitos,
transformações funcionais da cidade, etc. Por isso, o congelamento de situações
edificadas ou urbanas não pode ser a meta da preservação colocando-se a
necessidade de encontrar, para cada caso, a solução que permita o delicado
equilíbrio entre preservação da identidade e mudanças.”

Neste processo, o conhecimento das múltiplas dimensões do patrimônio


arquitetônico universitário, bem como os diferentes contextos (histórico,
arquitetônico, urbano, institucional, etc.) no qual se insere é de fundamental
importância para a sua conservação. Um patrimônio que ninguém conhece,
frequenta, divulga e cuida é um patrimônio mudo, sem contradição, sem
solidariedade, sem conflito, sem valor, sem vida. O patrimônio vive do
diálogo, como assinala Rocha-Peixoto.21 Ou, como sintetiza Pessôa,22 é
necessário pensarmos em um patrimônio vivo.
Neste sentido, é preciso pontuar as dimensões que se vislumbram no
que se denomina como patrimônio arquitetônico universitário:
(a) A dimensão cultural, relacionada à formação da memória e da identidade dos

20  WAISMAN, Marina. O Interior da História: Historiografia Arquitetônica para o uso de


Latino-Americanos. São Paulo: Perspectiva, 2013.
21  ROCHA-PEIXOTO, Gustavo. Um Patrimônio de Palavras. Plano Estadual de Cultura. Rio
de Janeiro: Secretaria Estadual de Cultura, 2012.
22  PESSÔA, Alexandre. Anotações. Workshop Patrimônio Arquitetônico, Rio Academy. Rio
de Janeiro: [s.n.], jul. 2015.

39
PARTE I – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO UNIVERSITÁRIO

diferentes grupos sociais formadores da universidade e da nossa sociedade;

(b) A dimensão material do patrimônio arquitetônico como ambiente construído


das sociedades humanas,23 cuja transmissão de conteúdos identitários e evocadores
de memórias é intermediado pela competência de edificar;

(c) A dimensão institucional específica deste patrimônio, cujas significações culturais


se relacionam, estreitamente, à experiência de vida cotidiana em seus territórios;

(d) A dimensão contemporânea da vida urbana na qual se inserem as universidades


públicas brasileiras.

É possível pensar em duas outras dimensões que não estão relacionadas


acima: a das políticas de preservação e a de gestão do patrimônio, que
perpassariam todas as demais e que na articulação entre elas justificariam
as táticas desenhadas para a conservação deste patrimônio.
Qual seria, então, o diferencial do patrimônio arquitetônico universitário
para o campo do patrimônio tendo em vista o estado da arte deste campo
na contemporaneidade? Neste contexto de proliferação dos bens incluídos
como de interesse para o patrimônio (patrimonialização); de ampliação das
técnicas de restauro para a preservação e conservação destes bens; de uma
demanda crescente de adaptação das antigas edificações aos novos usos
e funções; pela busca de alternativas de financiamento para as ações de
conservação deste patrimônio; e pela adoção da conservação integrada para
identificar as ações patrimoniais que incorporam diretrizes relacionadas
à sustentabilidade social e econômica das suas iniciativas, fica claro que
é preciso pensar o patrimônio como um projeto, como uma construção
social vinculada à transmissão de conteúdos culturais específicos. Ou, no
caso do patrimônio universitário, como projeto institucional inovador.
Neste sentido, é fundamental pensarmos a universidade como local de
formação, mas, sobretudo, de formulação de novas ações. O patrimônio
arquitetônico universitário seria assim portador de características, mas
também de potencialidades que o singularizam. Ele pode se constituir em
um laboratório para ampliação do conhecimento sobre a universidade, dos
usos anteriores das edificações universitárias, do processo de formação desta
instituição, das técnicas construtivas utilizadas nas edificações notáveis.

23  CHOAY, Françoise. Le patrimoine en questions: anthologie pour un combat. Paris: Seule,
2009. p. 09.

40
Patrimônio Arquitetônico Universitário Contemporâneo: Construções Metodológicas

(a) Potencial crítico – a universidade é o lugar, por excelência, do questionamento


do processo de produção do universo patrimonial24 e da construção de alternativas
às políticas públicas de proteção destes bens;

(b) Potencial de formação – sendo voltada, por definição, para a formação


profissional, a universidade congrega saberes fundamentais para a formulação
de políticas públicas de preservação e de educação patrimonial bem como para
atuação na conservação destes bens;

(c) Potencial de difusão do conhecimento acumulado nas práticas de conservação


para além do território acadêmico.

Entre outros potenciais que podem se revelar na medida em que se


desenvolvem práticas inovadoras e inclusivas de pensar e gerir o patrimônio
arquitetônico universitário. Em que medida a pesquisa acadêmica, por
exemplo, pode contribuir, efetivamente, para políticas de patrimônio
na interlocução com outras instâncias da Universidade relacionadas ao
planejamento, projeto e gestão de conjuntos arquitetônicos e paisagísticos
notáveis? É preciso avançar nesta e em outras questões que surgem no
processo de investigação, para configurar um quadro mais amplo das
dimensões e potencialidades do patrimônio arquitetônico universitário.

Andréa Borde

24  FONSECA, M. Cecília L. O patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação


no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997. p. 36.

41
PARTE I – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO UNIVERSITÁRIO

Plenária IFCS, junho 2013. Fonte: http://www.ifcs.ufrj.br


PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO DA UFRJ:
DESAFIOS COTIDIANOS À SUA CONSERVAÇÃO 1

Introdução
O patrimônio arquitetônico da Universidade Federal do Rio de Janeiro
é composto, atualmente, por doze conjuntos arquitetônicos e paisagísticos
considerados, em diferentes momentos históricos, como patrimônio
cultural (nacional, estadual e/ou municipal). Há ainda, pelo menos, outros
quatro imóveis considerados como preserváveis, isto é, de interesse para
preservação, estejam eles em processo de tombamento ou não. São imóveis
de inestimável valor cultural não apenas pelo uso que neles se desenvolve,
mas também pela participação na formação do espaço urbano carioca e
pela competência de edificar que neles se expressa. É importante lembrar
que a educação patrimonial e as ações de conservação destes imóveis são
também fontes de conhecimento, de capacitação e formação profissional.
Na UFRJ esta experiência universitária é vivenciada, cotidianamente,
por cerca de 75 mil discentes, docentes e funcionários que participam dos
cursos de graduação e pós-graduação, além dos laboratórios de pesquisa,
bem como da administração central, fundações e serviços de apoio que
funcionam no Campus da Praia Vermelha, na Cidade Universitária e
nas unidades extra-campi. Se somarmos os moradores (vila residencial
e quartéis), os frequentadores das unidades abertas ao público (museus,
instituições de saúde e bibliotecas), das atividades de extensão e os que
atuam nas incubadoras de empresas, nos centros de pesquisa, fundações e
Parque Tecnológico, este número pode dobrar, evidenciando a participação
desta universidade na dimensão metropolitana da cidade.
Este patrimônio, no entanto, encontra-se em graus variados de conser-
vação, configurando um contexto de atuação bastante complexo, uma
vez que os desafios impostos à conservação destes imóveis são parte
integrante de seu cotidiano. Neles funcionam cerca de 25% das unidades
acadêmicas da universidade, sua administração central e uma fundação

1  Uma versão inicial deste texto foi apresentada no XII Congresso Internacional de
Reabilitação do Patrimônio Arquitetônico e Edificado. Ver BORDE, Andrea e BELLINHA, Paulo.
Patrimônio Cultural Edificado Universitário: construções metodológicas face aos desafios
cotidianos à sua conservação. In: Anais do XII CICOP: a dimensão cotidiana do patrimônio e
desafios para a sua preservação. Bauru: UNESP, 2014.

43
PARTE I – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO UNIVERSITÁRIO

universitária, requisitando ações de conservação que compatibilizem as


demandas crescentes por novos espaços para ensino, pesquisa, extensão
e administração, além da adequação dos espaços universitários às novas
tecnologias, padrões de acessibilidade cultural e conforto termo acústico e
aos princípios que guiam as ações de preservação, restauração e manutenção.
Para compor um quadro mais preciso do patrimônio arquitetônico
da UFRJ, traçamos uma breve revisão histórica tendo como norte a
leitura dos processos de formação da UFRJ e do seu acervo edificado,2
de forma articulada à incorporação da dimensão patrimonial na gestão
universitária. 3 Neste sentido, três dispositivos legais se colocam como
marcos históricos: o primeiro, o Decreto 14.343 de 07 de setembro de 1920
que cria a Universidade do Rio de Janeiro (URJ), primeira universidade
constituída a partir de uma iniciativa do governo federal, berço da atual
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), seu marco institucional; o
segundo é o decreto 16.872, de 13 de janeiro de 1925, conhecido como Lei
Rocha Vaz, que determina, entre outros aspectos, que os edifícios onde
funcionam as instituições de ensino superior, pertencentes anteriormente
à União, passam a integrar o patrimônio destas instituições administradas
pelo Ministério da Justiça e Negócios Interiores, seu marco imobiliário; 4
o terceiro, o Decreto 25 de 30 de novembro de 1937 que cria o Serviço de
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) e institui o tombamento
como instrumento de salvaguarda do patrimônio material nacional, seu
marco patrimonial. Essas três dimensões do patrimônio arquitetônico
universitário só começariam a ser incorporadas de forma articulada à
gestão universitária no final dos anos 1940 quando o Museu Nacional, um

2  Sobre as origens da UFRJ, as primeiras instituições dedicadas ao ensino superior e


às tentativas anteriores de formação de universidades, ver FÁVERO, M. de Lourdes de A.
Universidade do Brasil: das origens à construção. Rio de Janeiro: UFRJ, 2010.
3  As teses-livro de Maria Cecília Londres Fonseca sobre a trajetória da política federal
de preservação no Brasil e de José Reginaldo Gonçalves sobre os discursos do patrimônio
cultural no Brasil são referências obrigatórias para esta etapa. Ver FONSECA, M. Cecília L.
Patrimônio em Processo: a trajetória da política federal de preservação no Brasil. Rio de Janeiro:
UFRJ, 2009; e GONÇALVES, José R. A Retórica da Perda: os discursos do patrimônio cultural
no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ, 1996.
4  O Decreto 11.530, de 18 de março de 1915 já dispunha sobre o tema, determinando
que os edifícios onde funcionariam as unidades deveriam se constituir em patrimônio da
Universidade. A Lei Rocha Vaz, que regulamenta o ensino superior, reitera esta determinação
após a criação da URJ.

44
Patrimônio Arquitetônico da UFRJ: Desafios Cotidianos à sua Conservação

imóvel reconhecido como patrimônio nacional desde 1938, é incorporado


ao patrimônio imobiliário da universidade em 1947. O que nos conduz ao
quarto marco histórico desta análise: a criação da Divisão de Preservação
de Imóveis Tombados (DIPRIT), no ETU/ UFRJ, que passa a se ocupar
da gestão dos conjuntos arquitetônicos e paisagísticos tombados e da
interlocução com os órgãos de tutela patrimonial.
A análise desses marcos e seus desdobramentos para a história do
patrimônio arquitetônico universitário nos conduz à identificação de quatro
períodos distintos, organizados de acordo com as diferentes designações
atribuídas a esta Universidade:
1o período – 1920-1937 – Associado à Universidade do Rio de Janeiro e às
primeiras unidades incorporadas ao seu quadro. Em 1930 é criado o Ministério
da Educação e Saúde Públicas (MESP). A dimensão patrimonial ainda não está
presente no cotidiano da universidade.

2o período – 1937-1965 – Identificado com a Universidade do Brasil (1937-


1965), denominação que recebe após a Reforma de 1937. Em 1962 é tombado,
parcialmente, o primeiro imóvel em uso pela Universidade, a sede do atual
IFCS. A constituição de um campus universitário começa a ser pensada de
forma mais sistemática e é empreendido o restauro do Hospício Nacional dos
Alienados e desenvolvido o Plano Geral de Ocupação da Cidade Universitária,
que orienta a criação da Ilha Universitária. São inaugurados o IPPMG (1951)
e o Palácio da Praia Vermelha (1952).

3 o período – (1965-2004) – Corresponde à compreensão desta universidade


como parte integrante de uma rede de universidades federais e a criação
da atual Universidade Federal do Rio de Janeiro. Nos anos 1970 tem-se
o tombamento das primeiras edificações (1972) e a demolição de outras
(1975). A ocupação da Cidade Universitária enfrenta obstáculos. A dimensão
patrimonial é incorporada na UFRJ com o tombamento dos outros imóveis,
muitos dos quais inscritos também nas áreas de preservação ambiental da
cidade desde o início dos anos 1980.

4 o período – (a partir de 2004) – Corresponde ao reconhecimento de que o


valioso acervo arquitetônico de dimensão patrimonial e que a base física
multicampi da Universidade demandavam, respectivamente, uma gestão
específica e um Plano Diretor. Assim, é criada em 2004 a uma Divisão espe-
cífica no Escritório Técnico da Universidade, hoje Coordenação, para tratar
da preservação dos imóveis tombados da UFRJ (COPRIT). Em 2007, é criada
a Comissão para elaboração do Plano Diretor da UFRJ, aprovado em 2009
como Plano Diretor UFRJ 2020.

45
PARTE I – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO UNIVERSITÁRIO

Esta periodização é precedida pela análise do longo período, de pouco


mais de dois séculos, que antecede a tardia formação da Universidade do Rio
de Janeiro, quando são lançadas as sementes, e colhidos os primeiros frutos,
da construção histórica da imagem-síntese “Rio, Cidade Universitária”.

1. Antecedentes
A criação de uma universidade no Brasil povoa os sonhos dos jesuítas,
no século XVI, dos inconfidentes mineiros, no século XVIII e do imperador
Pedro II, no século XIX. No entanto, ao contrário de outras colônias
americanas, nas quais foram instaladas universidades ainda no século
XVI – como as universidades de San Marcos, no Peru (1551), e de Córdoba,
na Argentina (1613), que ainda estão em funcionamento – no Brasil esses
sonhos só se tornam realidade no início do século XX. 5
No Rio setecentista a formação profissional é voltada para questões de
defesa do território.6 Em 1699, o Rei de Portugal manda estabelecer no
Rio de Janeiro uma Aula de Fortificações e, em 1703, cria-se a na Casa do
Trem de Artilharia a primeira aula para instrução dos militares, a mesma
orientação que conduz à criação da primeira instituição do ensino superior
no final daquele século: a Real Academia de Artilharia, Fortificações e
Desenho (1792), berço da atual Escola Politécnica da UFRJ.
Este quadro vigora até a transferência da Corte Portuguesa para o Brasil,
em 1808, que revoga a interdição imposta ao Brasil relativa à criação de
instituições acadêmicas de ensino superior. Esta medida incita a criação
de faculdades de Direito, Medicina e Engenharia no Rio, em Salvador,
no Recife e em São Paulo. No mesmo ano é criada a Escola de Anatomia,
Medicina e Cirurgia que se instala no Hospital Militar no Morro do Castelo,
que apenas em 1826 passa a emitir diplomas. Com a vinda da Missão
Artística Francesa, em 1816, é aberta a Academia Real de Belas Artes no
Rio de Janeiro. Estas instituições passam a receber os brasileiros em busca
da qualificação profissional que, até então, se dirigiam à Universidade de
Coimbra, em Portugal. Vir para o Rio estudar torna-se uma realidade cada
vez mais comum para fluminenses e brasileiros.

5  Entre 1909 e 1912 foram criadas três universidades sob a égide do ensino livre regula-
mentado em 1911 pela Reforma Rivadávia Correa. Estas, porém, não eram universidades
púbicas, isto é, iniciativas do governo federal. Ver FÁVERO, op. cit.
6  Ver CAVALCANTI, Nireu. O Rio de Janeiro Setecentista: a vida e a construção da cidade da
invasão francesa até a chegada da Corte. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.

46
Patrimônio Arquitetônico da UFRJ: Desafios Cotidianos à sua Conservação

Neste contexto, o Imperador Pedro II decide construir, em 1880, a


primeira universidade brasileira, na Praia Vermelha. A pedra fundamental
do Curatorium, edifício destinado à administração, é lançada em 1881, sendo
este o primeiro de um conjunto de edifícios projetados pelo engenheiro Paula
Freitas para a Universidade Pedro II. A obra, no entanto, foi paralisada por
falta de recursos financeiros, somente sendo retomada no início do século
XX, já no governo Republicano, por ocasião da Exposição de 1908, onde
lá se instala o Pavilhão dos Estados. Finda a exposição, a edificação passa
a sediar a Secretaria do Estado dos Negócios da Agricultura, Indústria e
Comércio e, a partir de 1927, a Escola Nacional de Agronomia e Veterinária
é transferida para o campus Seropédica da Universidade Federal Rural do
Brasil, em 1950. Desde 1970 funciona no local a Companhia de Pesquisas
em Recursos Minerais (CPRM). Mesmo que a universidade não tenha
saído, efetivamente, do papel, o local, entretanto, viria a ser repetidamente
escolhido para instalação do campus universitário.

2. UFRJ, Acervo Arquitetônico e Patrimônio Cultural


A constituição do acervo arquitetônico da Universidade Federal do Rio
de Janeiro está estreitamente relacionada, como veremos, à formação do
espaço urbano da cidade do Rio de Janeiro, do ensino superior no país e
do patrimônio cultural brasileiro.

2.1. 1920-1937: A Universidade do Rio de Janeiro (URJ)


A Universidade do Rio de Janeiro nasce da reunião de três instituições de
ensino superior existentes que mantém sua autonomia, sem compartilhar
espaços ou disciplinas, apenas a estrutura administrativa reunida em torno
de uma Reitoria e um Conselho Universitário. São elas: (1) Escola Politécnica
(antiga Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho, 1792), que
desde 1812 se localizava no Largo de São Francisco de Paula, no Centro,
em imóvel concebido para acolhê-la; (2) a Faculdade de Medicina (antiga
Escola de Anatomia, Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, 1808), que
acabara de se transferir para a sede própria na Praia Vermelha em 1918;
e (3) a Faculdade de Direito (constituída com a união das duas Faculdades
Livres de Direito existentes na cidade) instalada, temporariamente, com
a Reitoria, em um sobrado da Rua do Catete. A criação da URJ atende,
basicamente, à necessidade de instituição de uma universidade pública
brasileira reconhecida no Decreto 11.530, de 18 de março de 1915, que
reorganiza o ensino secundário e superior e que estabelece, inclusive, as
unidades fundadoras:

47
PARTE I – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO UNIVERSITÁRIO

“Art. 6º O Governo Federal, quando achar opportuno, reunirá em Universidade


as Escolas Polytechnica e de Medicina do Rio de Janeiro, incorporando a ellas
uma das Faculdades Livres de Direito dispensando-a da taxa de fiscalização
e dando-Ihe gratuitamente edifício para funccionar.

§ 1º O Presidente do Conselho Superior do Ensino será o Reitor da Universidade.

§ 2º O Regimento Interno, elaborado peIas tres Congregações reunidas,


completará a organização estabelecida no presente decreto.”7

Com a criação do Ministério de Educação e Saúde Públicas (1930) e a


Reforma do Ensino Superior (1931) a URJ é reorganizada e cinco insti-
tuições do ensino superior nela ingressam como unidades acadêmicas: a
Escola de Minas e Metalurgia, de Ouro Preto; as Faculdades de Farmácia
e Odontologia, vinculadas à Faculdade de Medicina; a Academia de Belas-
Artes e o Instituto de Música. Se por um lado o ingresso destas unidades
não altera o cenário que vinha se desenhando, por outro, contribui para
pressionar a fundação de um campus universitário. 8
A formação da URJ não foi acompanhada pela formulação de uma política
específica voltada para a constituição de uma base física compatível com
o desenvolvimento das atividades universitárias. O caráter fragmentar e
autônomo que orienta sua formação pode ser lido tanto na concepção da
universidade como somatório de unidades acadêmicas como na manutenção
destas unidades em seus imóveis que, em sua maioria, não estabelecem
vínculos de vizinhança entre si. Como consequência, a dispersão física se
impõe à revelia da noção territorial de campus, tão cara às universidades
estrangeiras há séculos. Ou seja, a não ser pelos liames invisíveis da
legislação e da administração, nada evidencia a nova instituição. Por
outro lado, a manutenção das unidades em seus imóveis respeita laços
identitários e territórios culturais forjados no tempo.
Neste período inicial foram empreendidas duas tentativas de incorpo-
ração da instância de planejamento para a delimitação de um território
especialmente destinado às atividades universitárias, mas que não lograram

7  Para os decretos federais ver <http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao>.


Acesso em: set. 2015.
8  Ver MELLO JR., Donato. Um campus universitário para a cidade do Rio de Janeiro.
Arquitetura Revista, v. 2, p. 52-72, 1º semestre de 1985. O artigo do professor Donato Mello
Junior, que participou da equipe do Plano da Cidade Universitária é leitura fundamental para
compreender as questões envolvidas na elaboração e construção de um campus para a UFRJ.

48
Patrimônio Arquitetônico da UFRJ: Desafios Cotidianos à sua Conservação

êxito. A primeira, no final dos anos 1920, quando o urbanista Alfred Agache9
constata a carência de um campus universitário que contribuísse para
fomentar o estreitamento dos laços entre as unidades, a administração
central e seu corpo social (professores, estudantes e funcionários) e propõe
a criação de um Bairro Universitário na Praia Vermelha, época em que a
URJ se restringia às unidades fundadoras, tendo como principal atrativo
a facilidade de comunicação com o centro da cidade. Este bairro seria
implantado em uma área de 450 mil metros quadrados, abrangendo desde
o antigo Hospício Nacional dos Alienados até o Morro da Babilônia. Na
Praia Vermelha seriam instaladas residências e facilidades semelhantes
à Cité Universitaire de Paris (CiUP) inaugurada em 1923. Esta proposta se
destaca pelo aproveitamento dos edifícios existentes – entre os quais, a
Faculdade de Medicina (1918), o Hospício Nacional dos Alienados (1852),
o Instituto Benjamim Constant (1890) e as edificações remanescentes da
Exposição Universal (1908). O Plano de Agache é publicado em 1930, mas
com o fim da República Velha, não sai do papel.
O arquivamento do Plano Agache não significa, contudo, o abandono da
ideia de construção de um campus universitário. Pelo contrário, a ampliação
do leque de unidades que integravam a URJ torna a constituição de um
campus uma demanda tão vez mais urgente que começa a ser pensada de
forma mais sistemática. Em 1935, o Ministro Gustavo Capanema estabelece
comissões para estudar o Plano da Cidade Universitária e cria um Escritório
do Plano. Para a organização do novo território universitário e concepção
das edificações, o ministro convida o arquiteto Marcelo Piacentini, que
opta pela Praia Vermelha.10 Capanema estende o convite, no ano seguinte,
a Le Corbusier, por sugestão de Lucio Costa.11 Desta vez, o local escolhido
é a Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, uma área três vezes maior que
a Praia Vermelha e servida por linha férrea.
Piacentini havia projetado edifícios e intervenções urbanísticas em Roma

9  OLIVEIRA, Sonia M.Q. Planos do Rio de Janeiro: Plano Agache. Rio de Janeiro: CAU/SMU, 2009.
10  Na mesma época o arquiteto e urbanista Saboia Ribeiro também planeja a instalação
de um campus em aterro promovido em área contígua ao Hospício. Ver MELLO JR, op. cit.
11  Para as questões envolvendo o convite feito a Marcelo Piacentini e Le Corbusier para o
projeto da Cidade Universitária, bem como a relação deste com a participação do arquiteto
franco-suíço no projeto do Ministério de Educação e Saúde ver SEGRE, Roberto. Ministério de
Educação e Saúde: ícone urbano da modernidade brasileira. São Paulo: Romano Guerra, 2013. p. 168.

49
PARTE I – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO UNIVERSITÁRIO

sob a inspiração do neoclassicismo simplificado e da modernidade nacional,


conceitos próprios que o identificariam com o regime fascista italiano.
Chega ao Brasil como autor do projeto para a Cidade Universitária de Roma
e sugere a Praia Vermelha como local ideal para o campus universitário
carioca, esboça o projeto para o campus universitário no Rio, mas não
retorna à cidade. Em seu lugar envia seu assistente, Victorio Mopurgo,
que elabora projeto para o campus universitário na Quinta da Boa Vista.
Le Corbusier, por sua vez, havia recentemente inaugurado o Pavilhão
Suíço (1931), na Cidade Universitária de Paris, seguindo os cinco princípios
da arquitetura moderna que propôs como um manifesto, em 1925, na
Revista “Espirito Novo”: planta e fachada livres, pilotis, terraço jardim e
janelas em fita. Com o retorno do arquiteto franco-suíço ao continente
europeu, Lucio Costa desenvolve o projeto executivo da proposta moderna.
Concepções distintas de arquitetura e intervenção no ambiente urbano,
que se propunham a organizar fisicamente uma universidade que começara
sem uma concepção claramente enunciada dos seus princípios organiza-
dores. Ambos os projetos preservam o edifício do Museu Nacional, ainda
que o destinem a outros usos. É interessante notar também que o estádio
proposto por Mopurgo em muito se assemelha, em forma e localização,
ao Estádio do Maracanã, que só seria construído alguns anos mais tarde.
Os dois projetos, contudo, encontram resistências e não vão adiante. A
universidade continua a crescer por adições.

2.2. 1937-1965: Universidade do Brasil (UB)


O segundo período se inicia em 05 de julho de 1937, quando é decretada
a Lei 452 que reorganizaria o ensino superior e atribuiria à Universidade
do Rio de Janeiro (URJ) a denominação de Universidade do Brasil (UB).
Poucos meses depois, Getúlio Vargas decreta a Ditadura do Estado Novo,
em 10 de novembro de 1937, que perduraria até 29 de outubro de 1945.
Neste ano chega ao fim também a II Guerra Mundial, e se inicia um
período marcado pela prosperidade e pela liberdade que seria conhecido
como os anos dourados. No Brasil, este período se encerra em 1964, com
a decretação da Ditadura Militar (1964-1985), e no ano seguinte, em
1965, uma nova reforma educacional mudaria o nome da Universidade
do Brasil para Universidade Federal do Rio de Janeiro. É um período de
grandes transformações para a Universidade e seu acervo edificado de
dimensão patrimonial.

50
Patrimônio Arquitetônico da UFRJ: Desafios Cotidianos à sua Conservação

Este segundo período traria a marca da urgência dos novos tempos e das
profundas modificações operadas nos diversos campos de conhecimento,
sobretudo, naqueles com estreita relação com a dimensão cotidiana da
nossa experiência de vida urbana, como os conceitos de patrimônio e de
território. Logo no início deste período, em 30 de novembro de 1937, é
criado o SPHAN e seu instrumento jurídico de proteção ao patrimônio
natural e cultural, o tombamento,12 e a partir de então, passaram a ser
preservadas as edificações chanceladas no Livro de Tombo como de relevante
valor cultural para o país. Isto equivale a dizer que foram estabelecidas
restrições quanto aos acréscimos e subtrações no volume das edificações,
às transformações de uso e à conservação, preservação e restauração dos
revestimentos e elementos compositivos, entre outras prescrições. Essas
diretrizes têm por objetivo perpetuar a memória desses bens culturais e
das práticas sociais que nele se desenvolveram para as futuras gerações.
Este período seria marcado na Universidade do Brasil, entre outros
aspectos, pela criação, e posterior extinção, da Faculdade Nacional de
Filosofia (FNFi, 1939-1968); pelo crescimento da universidade com a
criação de novos cursos e incorporação de outras unidades (1939); e pelo
início da associação do conceito de universidade ao conceito de campus. A
FNFi representaria, naquele momento, uma tentativa de estabelecer um
vínculo acadêmico entre as unidades, uma nova concepção de unidade
acadêmica nascida dos debates estabelecidos nos anos 1930. Neste período
também a Faculdade Nacional de Direito (FND), a única das três unidades
fundadoras que ainda não tinha sede própria, se transfere, em 1938, para
o antigo Palácio Conde dos Arcos após reforma e adaptação da antiga
edificação residencial construída em 1818 e que por um século acolheu o
Senado Imperial/Federal (1824-1924).
Os momentos derradeiros do Estado Novo asseguram a marca da Era
Vargas nos novos rumos da Universidade do Brasil. Nos últimos dias
de 1944 é criado o Escritório Técnico da Universidade do Brasil (ETUB)
para capitanear o planejamento das obras da Cidade Universitária; em
1945 fica estabelecido no Decreto-Lei 7563, de 21 de maio de 1945, que

12  Tombar significa, neste sentido, inscrever um bem móvel ou imóvel no “Livro de Tombo”
do órgão de tutela municipal, estadual ou federal, registrando suas características excepcionais
que o individualizam e o caracterizam como um bem cultural de valor patrimonial para o
país, para o Estado ou para a Cidade.

51
PARTE I – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO UNIVERSITÁRIO

o campus seria implantado na Ilha Universitária, um território insular de


5.600.00 metros quadrados a ser configurado com o aterramento de nove
pequenas ilhas em Manguinhos; o imóvel do antigo Hospício Nacional
dos Alienados, com quase 15 mil metros quadrados de área construída,
é cedido para a Universidade; e, por fim, não mais sob a égide do Estado
Novo, é concedida no Decreto-Lei 8393, de 17 de dezembro de 1945, a
autonomia administrativa, financeira e didática à Universidade do Brasil.
Estão lançadas as bases para a criação de novos territórios universitários.

Em 1947 é transferida para a Universidade a primeira edificação gravada


com tombamento, o Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista. Dois anos
depois começam as obras de restauração e transformação de uso do antigo
Hospício dos Alienados em Palácio da Praia Vermelha, sendo iniciadas
em 1949 “com verbas próprias e o auxílio do Ministério da Educação e Saúde e
obras a cargo da sua seção de Engenharia”.13 Para lá se transferiria a Reitoria
(1949), a Escola Nacional de Educação Física (1950), a Faculdade Nacional
de Arquitetura (1952) e, por fim, a Faculdade Nacional de Farmácia
(1953).14 Os critérios que regeriam o restauro são assim sintetizados por
Calmon: “(...) [obedecer] as linhas clássicas da construção para lhe preservar
a autenticidade sem prejuízo das adaptações requeridas pelos novos serviços”.

No início dos anos 1950 é concluído o restauro da grande estrutura


neoclássica do Hospício Nacional dos Alienados, na Praia Vermelha, e a cons-
trução da primeira grande estrutura moderna, o Instituto de Puericultura
e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG), na Cidade Universitária. No novo
campus são preservadas as edificações da antiga Ilha de Bom Jesus: a Igreja
de Bom Jesus da Coluna, tombada pelo SPHAN em 1938, e o antigo Asilo
dos Inválidos da Pátria, que a partir de 1868 acolheria os combatentes da
Guerra do Paraguai e que está, há décadas, abandonada. Estas edificações
remontam ao convento franciscano edificado no século XVIII no local.
Promove-se, assim, por um lado, a reativação da antiga edificação e sua
reinserção à vida urbana e, por outro, a inserção de um novo território,
configurado de acordo com os preceitos da arquitetura e urbanismo
modernos, à dinâmica urbana. A releitura de edificações preexistentes e

13  CALMON, Pedro. O Palácio da Praia Vermelha, 1852-1952. Rio de Janeiro: UFRJ, 2004. p. 89.
14  Em relação à autoria dos projetos, Calmon faz referências apenas ao projeto de restau-
ração da ala direita para a FNA, conduzidos pelo arquiteto Paulo Pires, seu diretor. Como
membro da Comissão Supervisora do Planejamento da Cidade Universitária projeta também
o organograma do edifício sede da FNA na ilha universitária em construção. Ver ibid., loc. cit.

52
Patrimônio Arquitetônico da UFRJ: Desafios Cotidianos à sua Conservação

a nova linguagem adotada para as novas edificações referendam valores


nacionais sendo, portanto, partes integrantes da formação de um patri-
mônio nacional.

Este movimento articulado de (re)construção do passado e construção


do futuro adotado pela Universidade do Brasil promoveria, naquele
momento, uma ressignificação cultural da instituição. Nem só passado,
nem só futuro, mas passado com futuro, futuro com passado. Conservação/
Reativação e Construção/Inovação são, portanto, processos que ocorrem
simultaneamente na formação da base física da Universidade do Brasil,
articulados pelo enaltecimento dos valores nacionais. Os anos dourados
correspondem, assim, a um momento de inflexão na produção arquitetônica
e na configuração espacial da Universidade. Pedro Calmon, reitor que
capitaneou esta transformação, sintetiza em seu testemunho a visão que
prevalecia naquele momento:

“Extinto o hospício, surgiu o problema do aproveitamento do edifício, que


poderia ser demolido, para em seu lugar serem construídos modernos prédios,
ou restaurado, tendo-se em vista o que valia e representava para a cultura
nacional. Prevaleceu este sentimento. E andou bem avisado o governo da
República cedendo-o para as instalações da Universidade do Brasil. Com isto
não desertaria o ensino as nobres galerias onde, desde o início, o ensino se
associara à luta contra a doença, à reabilitação do espírito humano”

“A Universidade do Brasil mudar-se-á para as vastas instalações da Cidade


Universitária, em plena construção neste momento. Deixará um dia esta
provisória morada. Mas outras instituições de relevo nacional a aproveitarão.
E o patrimônio histórico da Pátria não se desfalcará com a perda de um de
seus mais suntuosos valores. Nem este patrimônio indissipável, nem a cidade
do Rio de Janeiro!” 15

Mas e a Cidade Universitária, o corpo moderno projetado para acolher


todas as unidades e facilidades da Universidade do Brasil, que caminhos
seguiria sua concepção? Os planos, projetos e obras ficam a cargo do
recém-instituído ETUB,16 que tem como chefe o engenheiro Luiz Horta e
Jorge Machado Moreira como arquiteto-chefe.

15  Ibid., p. 89-91. Este livro publicado em homenagem ao centenário do antigo reitor
reedita texto de Calmon, de 1952, documentando a primeira grande restauração desta
edificação notável.
16  O ETUB funcionou por vinte anos vinculado ao Departamento de Edifícios Públicos do
Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), até ser incorporado à Universidade
em 1964.

53
PARTE I – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO UNIVERSITÁRIO

O Plano Geral da Universidade do Brasil (1949-1962) e os projetos das


edificações nascem das pranchetas de Jorge Machado Moreira e equipe
de arquitetos.17 Tanto a concepção do campus por zonas de atividades
como a dos novos edifícios universitários são expressões dos preceitos
do urbanismo e da arquitetura modernos. A importância de algumas
destas edificações e do plano para o quadro da arquitetura está expressa
nos prêmios conferidos. O IPPMG recebe o primeiro lugar (edificações
hospitalares) na II Bienal Internacional de São Paulo (1953) e a FNA o
primeiro prêmio (edifícios públicos) na IV Bienal Internacional de São
Paulo (1957).18 O Plano, por sua vez, recebe a medalha de ouro na Exposição
Internacional de Bruxelas (1958).19 Além destes Jorge Moreira e equipe
projetam a Escola Nacional de Engenharia (ENE) e o Hospital das Clínicas
(HC), que só seria concluído nos anos 1970, e outros sete edifícios, como
o Estádio Universitário, que não foram construídos.
Tal como o projeto de restauração do Palácio da Praia Vermelha, a
implementação do plano da Cidade Universitária e a construção de suas
edificações são empreendidos por etapas. As unidades vão, aos poucos,
se transferindo para a ilha universitária. Apenas o IPPMG (1953) é
inaugurado nos anos 1950. A industrialização e o desenvolvimentismo
que dominariam a segunda metade desta década e aceleraria a construção
da nova capital do país, de acordo com o lema “50 anos em 5”, sob a
presidência de Juscelino Kubitschek, representaria para o Rio de Janeiro
a perda da capitalidade e a consequente reorientação dos recursos para
conclusão de Brasília. A finalização das obras da Cidade Universitária

17  Moreira, que havia se formado em 1932 no Curso de Arquitetura da Escola Nacional de
Belas Artes (ENBA), estava envolvido, desde 1936, com os planos e projetos para a Cidade
Universitária, tendo sido coordenador dos trabalhos (1936-1937), membro da comissão
(1939-1941) e arquiteto chefe durante todo o período de elaboração do Plano. Em 1936
integra a equipe comandada por Lucio Costa que iria propor a Cidade Universitária na Quinta
da Boa Vista e projetar o MESP (1937-1945). Para os projetos citados, ver CZAIJKOWSKI,
Jorge (Org.). Jorge Machado Moreira. Rio de Janeiro: Centro de Arquitetura e Urbanismo,
1999. p. 130-157.
18  Burle Marx participa da equipe dos dois projetos para os quais concebe jardins e
painéis. Estes contam também com Aylton Sá Rego e Yvanildo Gusmão, no IPPMG, e com
Anísio Medeiros na FNA.
19  O Plano tem como arquiteto-adjunto Aldary Toledo e dezoito arquitetos colaboradores, entre
os quais Orlando Magdalena, Donato Mello Junior, Renato Sá, Carlos Alberto Boudet, Renato
Sá Jr e Paulo Sá que seriam, como Anísio Medeiros, mais tarde, professores desta faculdade.

54
Patrimônio Arquitetônico da UFRJ: Desafios Cotidianos à sua Conservação

fica comprometida. Quase dez anos depois do IPPMG são inauguradas


a Faculdade Nacional de Arquitetura (1961) e o Centro de Tecnologia
(1965). A construção do Hospital das Clínicas (1978) se estende pelos
anos 1960/1970, com várias interrupções.
Se a construção de Brasília compromete os investimentos do governo
federal na conclusão das obras da Cidade Universitária, o novo contexto
político que se impõe em 1964, com a deposição do presidente João Goulart
e a ascensão dos militares ao poder, contribui menos ainda. Estudantes
e professores universitários passariam a ser, para o governo, sinônimo
de agitação política. As ações praticadas no âmbito educacional e na
complementação da Cidade Universitária são reorientadas por diretrizes
que visam o desbaratamento dos insurgentes. A Cidade Universitária se
consolida como um projeto inconcluso.
Em 1965, após nova reforma do ensino superior, passa-se de Universidade
do Brasil para Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com a insti-
tuição da rede de universidades federais. Os anos de chumbo (1964-1985)
emergem na UFRJ como repressão e pulverização.

2.3. 1965-2004: Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)


O terceiro período se inicia em 1965, logo em seguida à instauração
da Ditadura Militar (1964-1985). Os primeiros anos da universidade
rebatizada de UFRJ são duros. A fragmentação que estaria na origem
desta universidade, e que a acompanharia ao longo do tempo, dá lugar à
pulverização. A Faculdade de Medicina é invadida em um episódio conhecido
como o Massacre de 1966, transferida para a Cidade Universitária em
1973 e a sede da Praia Vermelha é demolida em 1975, como represália ao
episódio de resistência ao regime. Até hoje nada foi construído no local. A
Faculdade Nacional de Filosofia é fechada, em 1968, dividida em diversas
unidades alocadas em imóveis cedidos ou alugados na área central e na
zona sul. Docentes, discentes e técnicos são afastados, presos ou exilados.
Com a adoção do regime de créditos, diluem-se as turmas e altera-se a
presença nos campi, rompendo com a estreita relação entre universidade e
território. A transferência das unidades para a Cidade Universitária ganha
um caráter distinto de construção da coletividade, dando origem a um
processo de desterritorialização sem precedentes. Os novos territórios são
marcados pela distância entre as unidades. A localização do novo campus,
embora seja mais central no contexto da região metropolitana, torna-se

55
PARTE I – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO UNIVERSITÁRIO

mais distante do que qualquer outra localização anterior das unidades


acadêmicas pela ausência de um sistema de transporte público eficiente.
O uso universitário parece se transformar no que não é no momento em
que se demonstra, com mais clareza, o que o diferencia: sua relação com
a vivência do espaço, com o território.
Os conceitos que orientariam a configuração espacial dos campi da UFRJ
mudariam completamente neste período. O Plano da Cidade Universitária
não é implementado de acordo com sua concepção integral. Pelo contrário,
as primeiras unidades que para lá se transferiram ocupavam dois polos
distantes da ilha. Distância e isolamento seriam princípios que nortea-
riam a ocupação deste campus nas duas décadas seguintes. Distantes
também do campus da Praia Vermelha e das unidades extra-campi que se
mantiveram nos seus imóveis originais, inseridos no tecido consolidado,
denominadas, paradoxalmente, de unidades isoladas. A transferência para
a Cidade Universitária, conectada ao continente apenas por duas pontes,
tenuemente servida pelos transportes públicos e guardada por duas
unidades militares, deixa de ser uma alternativa para o governo e para
a UFRJ. Os caminhos, ou descaminhos, políticos e econômicos impõem
dificuldades à célere finalização das obras da Cidade Universitária, que
se arrastam por décadas. O Plano da Cidade Universitária é alterado,
configurando um quadro no qual edifícios concebidos de acordo com
um programa de necessidades específico passam a incorporar outras
unidades, enquanto muitas permaneceram em seus imóveis. Como tal, se
territorializam e estabelecem a desejada conexão com a cidade, apesar dos
parcos investimentos feitos na sua conservação e de muitas delas terem
sido reconhecidas como bens de valor patrimonial inseridos, ou não, em
áreas de preservação do ambiente cultural do município.20
Um bom exemplo das transformações operadas neste período em
relação à base física da universidade é o Prédio da FAU. Embora mantenha
a mesma destinação de uso original, também se desvirtua do projeto de
Jorge Moreira ao acolher mais unidades do que o previsto no Plano de

20  Vale lembrar que embora o Museu Nacional tenha sido tombado pelo SPHAN em 1938
ele só seria incluído no patrimônio da Universidade em 1947; e que o tombamento da Escola
de Engenharia – atual Instituto de Filosofia e Ciências Socais (IFCS) – incidia apenas sobre
o adro e a fachada, a fim de preservar a ambiência da Igreja e do Largo de São Francisco
de Paula. O tombamento do Palácio da Praia Vermelha é o primeiro a salvaguardar uma
edificação notável em uso pela UFRJ.

56
Patrimônio Arquitetônico da UFRJ: Desafios Cotidianos à sua Conservação

Ocupação da Cidade Universitária. São também implantados centros de


pesquisa ligados à Petrobrás e Eletrobrás, em locais anteriormente desti-
nados às unidades acadêmicas, e inaugurado o Hospital das Clínicas (1978),
rebatizado de Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF),
último edifício projetado por Jorge Moreira e equipe a ser construído na
Cidade Universitária.
Este período seria marcado não apenas pelo crescimento da universidade,
mas também pela incorporação do patrimônio cultural como dimensão de
gestão dos seus imóveis. É durante estas quatro décadas que se constitui
o que se denomina como conjunto de imóveis tombados da UFRJ, uma vez
que no período anterior, como já foi mencionado, houve apenas casos
isolados. Em 1968 é incorporado o segundo imóvel inscrito no Livro de
Tombos do SPHAN, o Observatório Nacional do Valongo (1938).21 Nos
anos 1970 o Palácio Universitário (1972) é, finalmente, reconhecido como
patrimônio nacional. Nos anos 1980 seria a vez dos tombamentos estaduais
( a Faculdade de Direito, o Antigo Hotel Sete de Setembro, a Antiga Escola
de Eletrotécnica, o Antigo Conservatório Nacional de Música – atual
Centro de Artes Hélio Oiticica – e a Antiga Academia Real Militar – atual
IFCS) se somarem aos federais (o então Hospital Escola São Francisco de
Assis – HESFA – e a Escola de Enfermagem Anna Nery). Nesta década, ao
reconhecer a cidade como um bem cultural e adotar a noção de conjunto
urbano, estabelecida pela Declaração de Amsterdam em 1975,22 o poder
municipal passa a delimitar Áreas de Proteção ao Ambiente Construído
(APAC), nas quais muitos destes imóveis estão inseridos e, nos anos 1990,
efetua o tombamento da Escola de Música.
Os anos de chumbo chegam ao fim com a Abertura Política promovida em
1985. Como reverter o desmonte educacional, administrativo, arquitetônico
e territorial destas duas décadas é uma questão que será atendida em maior
ou menor grau pelas gestões universitárias desde então.
Os projetos de restauro realizados neste período são mais projetos
pontuais de arquitetura do que partes de um plano de conservação dos

21  O Observatório Nacional é transferido para o Morro da Conceição em 1924, após o


desmonte parcial do Morro de Santo Antônio em 1921 e, desde 1938, integra o Conjunto
Paisagístico do Jardim do Valongo.
22  Para as Cartas Patrimoniais ver <http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/226>.
Acesso em: set. 2015.

57
PARTE I – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO UNIVERSITÁRIO

imóveis tombados. Alguns se constituem em projetos exemplares, como o


da Fundação José Bonifácio, no campus da Praia Vermelha, de autoria do
arquiteto Alcides da Rocha Miranda, no início dos anos 1980, e por isso
mesmo objeto de tombamento estadual em 1990. As mudanças operadas no
campo do patrimônio desde as últimas décadas do século XX, no entanto,
passam ao largo das preocupações da UFRJ até o início do século XXI.

2.4. 2004-hoje: Gestão do Patrimônio Arquitetônico e Plano Diretor


A criação da Divisão de Preservação de Imóveis Tombados dota a univer-
sidade de um lugar de memória do patrimônio arquitetônico. De acordo com
Maria Angela Dias, diretora do Escritório Técnico da Universidade naquele
momento, esta Divisão teria como atribuição “desenvolver trabalhos de
levantamento físico, mapeamento de danos e elaboração de diretrizes de
preservação e uso para cada um dos bens tombados da UFRJ”.23 Ações que
contribuiriam para a formação de um banco de dados sobre este patrimônio,
constituindo-se em sua memória.24 Além dos procedimentos operatórios
de projeto e pesquisa, a DIPRIT passa a centralizar a interlocução com os
órgãos de tutela patrimonial.
Promove-se, assim, mudanças significativas em relação à gestão do
patrimônio arquitetônico da UFRJ. Como destaca Dias, até então a
restauração e adaptação dos imóveis tombados apoiava-se na iniciativa
isolada de algumas pessoas, o que fazia com que o diálogo com os órgãos
de tutela fosse pessoal, pontual e, em alguns casos, não fosse documentado
oficialmente. Neste sentido, Dias destaca a importância desta centralização,
“não só pela questão da organização e arquivamento dos documentos,
mas também pela sistematização dos procedimentos de interlocução”.25
Neste período a constituição de uma Comissão do Plano Diretor, em
2007, sinaliza a retomada da instância de planejamento como política
institucional em um contexto urbano e institucional distinto do Plano
Geral de Ocupação de 1949. A infraestrutura acadêmica convive, hoje, com

23  DIAS, M. Angela. Memória, preservação e uso das edificações históricas da UFRJ. In:
OLIVEIRA, Antonio B. (Org.). Universidade e lugares de memória. Rio de Janeiro: SiBI/FCC/
UFRJ, 2008. p. 81-94.
24  Atualmente o acervo do ETU está sediado no Núcleo de Pesquisa e Documentação da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (NPD/FAU/UFRJ).
25  Ibid., p. 82.

58
Patrimônio Arquitetônico da UFRJ: Desafios Cotidianos à sua Conservação

centros de pesquisa, incubadoras de empresas e as grandes empresas que


compõem o maior Parque Tecnológico do país, na Cidade Universitária,
agora conectada à cidade e sua região metropolitana por vias expressas
de transportes (Linha Vermelha e Linha Amarela), corredor de BRT e
integração ao sistema metropolitano (ônibus).
O Plano Diretor UFRJ 2020 aprovado, com emendas, em 2010 pode ser
sintetizado como um conjunto de metas a serem implementadas até 2020.
Expansão, reestruturação e integração de mão dupla universidade/cidade são
critérios que o orientam. Para complementação da infraestrutura da Cidade
Universitária são propostos refeitórios, residências universitárias, centros
comerciais e culturais, hotéis de passagem, entre outros equipamentos.
Neste Plano os imóveis tombados são apenas relacionados e, diante dos
custos de conservação, recomenda-se a transferência das suas unidades
para a Cidade Universitária e traça-se, em linhas gerais, novas destinações
de uso para os imóveis do campus da Praia Vermelha. Os planos elaborados
para a Universidade despertam, historicamente, adesões diferenciadas da
comunidade acadêmica, não seria diferente com este.
Ou seja, é preciso avançar nesta discussão, pois é inegável que a susten-
tabilidade patrimonial passa pela manutenção das edificações existentes
consideradas portadoras de conteúdos inestimáveis a serem transmitidos
às futuras gerações. O que parece claro é que se, por um lado, o antigo e o
novo são dois universos distintos à elaboração de um Plano de Conservação
Integrada do Patrimônio Arquitetônico da UFRJ, estabelecendo princípios
e critérios de reabilitação e manutenção, propondo a realização de um
inventário das edificações e espaços paisagísticos reconhecidos como de
grande significação cultural para a comunidade acadêmica e a sociedade
carioca, por outro, esta é uma demanda urgente para que se possa analisar,
se possível, imparcialmente, as potencialidades e custos envolvidos na
conservação das edificações notáveis da Universidade.

3.Territórios da Religiosidade,Territórios do Saber,Territórios de Ação


A estreita relação entre universidade e território é um dos aspectos que
desponta nesta aproximação histórica do processo de formação do acervo
arquitetônico de dimensão patrimonial da UFRJ, de forma articulada
à formação desta instituição. Uma relação que faz da universidade um
território de saberes e, portanto, território cultural. Ao percorrer, hoje, as
edificações e espaços paisagísticos que integram o patrimônio arquitetônico

59
PARTE I – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO UNIVERSITÁRIO

da UFRJ, é possível observar que eles configuram territórios intensamente


utilizados pela comunidade acadêmica, em que o passado e as novas
tecnologias convivem lado a lado, provocando estranhamentos, criando
identidades e antevendo futuros inimagináveis. Do passado nem sempre se
tem consciência, talvez por falta de educação patrimonial, o que resulta em
relações que vão do respeito à indiferença, ou ao total desrespeito, diante
do imperativo categórico da expansão acadêmica e do conforto ambiental.
As novas tecnologias estão ao alcance das mãos, nos celulares, notebooks
e todo aparato tecnológico que faz parte da vida acadêmica atualmente,
mas também, nas imensas torres de infraestrutura de informação, de
refrigeração e tantas outras que parecem sempre fora do lugar, enquanto
as tecnologias de acessibilidade, como os elevadores, parecem esquecidos
no tempo. Salas, laboratórios e museus sediados nestes imóveis e dedicados
às novas tecnologias parecem acolher um futuro distante num passado
longínquo. Compreender os patrimônios edificados das universidades em
sua diversidade de territórios culturais parece uma opção metodológica
bastante rica a seguir.

Para procurar compreender as múltiplas camadas que configuram


estes territórios universitários da UFRJ, parte-se da hipótese de que elas
se organizam, neste caso, como camadas de permeabilidade variável que
deixam, por vezes, transparecer os processos de incorporação de novas
camadas. Processos de subtração, adição, composição e justaposição,
relativos à materialidade física dos imóveis, mas também processos de
territorialização e desterritorialização, de esquecimento e valorização da
memória, de construção de novas conexões sociais e hibridismos culturais.
As primeiras camadas assim constituídas estariam fortemente relacionadas
aos territórios da religiosidade e aos territórios do saber.

Os territórios da religiosidade estão diretamente relacionados à estrutura


fundiária do tecido urbano carioca e à participação das ordens religiosas
na organização do território do núcleo urbano da cidade. Já os territórios
do saber ficam mais evidentes em dois momentos históricos da UFRJ: nas
camadas concebidas de acordo com os três campos de saber – a loucura, a
pobreza e o crime – que se delinearam na segunda metade do século XIX
a partir dos ideais higienistas vigentes, e naquelas concebidas um século
mais tarde obedecendo aos princípios básicos da arquitetura moderna:
planta livre, fachada livre, pilotis, terraço jardim, janelas em fita. As

60
Patrimônio Arquitetônico da UFRJ: Desafios Cotidianos à sua Conservação

camadas atuais demandariam uma análise mais detalhada de acordo com


as questões aqui levantadas, mas para o propósito de nossa análise vamos
nos deter apenas nas primeiras.

Analisando, então, o acervo patrimonial a partir da ótica dos territórios


da religiosidade e dos territórios do saber, vale destacar que as primeiras insta-
lações dedicadas ao ensino superior, assim como o território e a vida urbana
do Rio colonial, eram fortemente relacionadas às instituições militares e
religiosas. Assim é que a Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho
(1792), após um breve início na Antiga Casa do Trem, atual Museu Histórico
Nacional, no sopé do Morro do Castelo, toma a direção do Largo da Sé, atual
Largo de São Francisco, como Academia Real Militar (1810), aproveitando
as fundações abandonadas da Antiga Nova Sé. No período de um século este
imóvel passou por um intenso work in progress: receberia uma nova fachada
(1856), um terceiro pavimento (1905) e, por fim, um quarto pavimento
(1955). Em 1965, a unidade é transferida para a Cidade Universitária e, em
1969, o recém-criado Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) lá se
instala, e permanece até hoje compartilhando espaços com o Instituto de
História (IH). A mudança de uso deste imóvel transforma o Largo, traçado
pelo Brigadeiro Alpoim no século XVIII, de território da religiosidade, em
território do saber e território da ação. O Largo de São Francisco, conformado
em um ângulo, pela Igreja de mesmo nome e pela edificação da UFRJ, e
noutro ângulo, pelo casario eclético e edifícios de meados do século XX,
estabelece-se como um território da ação ao se tornar um local de reunião
dos estudantes e abolicionistas no século XIX; de resistência às ditaduras
no século XX; e, mais recentemente, no século XXI, como um dos principais
territórios livres das manifestações de junho de 2013.

Já a Escola de Medicina, Cirurgia e Anatomia do Rio e Janeiro (1808),


berço da Faculdade de Medicina, permanece no Morro do Castelo e arre-
dores, até se transferir para edifício próprio na Praia Vermelha em 1918.
Neste caso, o ensino e prática da medicina, que se constituíram durante
o período colonial como territórios da religiosidade, são sobrepostos pelo
território do saber na Praia Vermelha, consolidando a espacialidade onde
já haviam se instalado, na segunda metade do século XIX, o Hospício
Pedro II, o Instituto Benjamin Constant (cegos) como um território da
assistência pública e saúde.
A Faculdade de Direito conclui o tripé das unidades acadêmicas

61
PARTE I – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO UNIVERSITÁRIO

formadoras da UFRJ, representando um caso distinto dos anteriores,


pois está instalada, desde 1938, em um imóvel concebido, originalmente,
para o uso residencial, tal como o Museu Nacional e a Antiga Escola
Eletrotécnica. A faculdade ocupa a antiga residência do Conde dos Arcos
construída em 1818, transformada em Senado Imperial em 1824. Delineia-se
no local, neste período, um território de ação. Em 1938 nele se instala a
Faculdade Nacional de Direito referendando, até hoje, sua configuração
como território de ação.

Dentre os imóveis e unidades incorporados posteriormente à UFRJ


é preciso destacar alguns sob a ótica da constituição dos territórios.
Considerando que a construção deste patrimônio só veio a ser possível
a partir de 1808, com a vinda da Família Real Portuguesa, é importante
tratar da formação do Museu Nacional erigido nas terras adquiridas a
partir do desmembramento de uma antiga fazenda jesuítica extinta com a
expulsão dos religiosos em 1759. Após as sucessivas reformas empreendidas
na segunda metade do século XIX pelo Imperador Pedro II, quando se
manteve o uso residencial, o imóvel passa o Congresso Constituinte no
início do período republicano. Pouco depois, com a doação do vasto acervo
recolhido por Pedro II até 1892, a residência é transformada em Museu
Nacional, reconhecida como patrimônio nacional (1938) e incorporada ao
patrimônio da universidade (1948). Pela própria característica museológica
desta unidade se configura, sobretudo, em um território do saber, assentado
originalmente sobre um território de base fundiária religiosa.

Mas os territórios do saber tornam-se mais evidentes nos imóveis cons-


truídos sob a ótica vigente da loucura, da pobreza e do crime, à qual D.Pedro
II agregaria ainda os cegos, os desvalidos e as moças desassistidas. O
Hospício Pedro II (1852) construído para abrigar o então iniciante estudo
das doenças mentais e o Asylo da Mendicidade (1879), inaugurados na
presença do Imperador D. Pedro II, se inserem neste contexto. Tal como o
IFCS estes imóveis se manteriam como um work in progress durante cerca
de meio século. O Hospício passa por reformas no início do século XX
(1905 a 1911). O Asylo também passa por acréscimos (1892 a 1922) até ser
incorporado, em 1939, ao patrimônio da União e transferido para a UFRJ
como Hospital Escola São Francisco de Assis. Território do saber e território
de ação se somam nesta unidade acadêmica-assistencial que se constitui em
um centro de referência nas ações de saúde pública, a despeito do delicado

62
Patrimônio Arquitetônico da UFRJ: Desafios Cotidianos à sua Conservação

estado de conservação em que foi mantido o imóvel até recentemente.


Na segunda metade do século XX, começam a ser erguidas as primeiras
edificações modernistas da Ilha Universitária. O arquiteto Jorge Machado
Moreira projeta verdadeiras pérolas do modernismo, como o Instituto de
Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira, com painéis de azulejos de
Cândido Portinari, e a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, premiada
na Bienal de Arquitetura em 1952, ambos com jardins de Burle Marx. A
Cidade Universitária começa a ser implantada associando alta qualidade
arquitetônica das edificações e desterritorialização. São territórios do
saber que não chegam a se constituir, naquele momento, em territórios de
ação. Importantes decisões relativas ao patrimônio edificado são tomadas
sem que haja um acompanhamento do uso futuro pretendido para estas
edificações desfuncionalizadas, dando início a um processo de progressivo
abandono e desconservação destas edificações. Mas os desdobramentos
que a formação deste campus trouxe em relação aos imóveis tombados da
UFRJ poderão ser mais bem compreendidos adiante.
4. Patrimônio Cultural Edificado Universitário: Questões para Combate
A partir da trajetória traçada pela constituição do acervo edificado da
UFRJ, dois desafios se sobressaem: o primeiro diz respeito ao destino das
edificações que abrigavam anteriormente as unidades transferidas para a
Cidade Universitária, sobretudo, a partir dos anos 1960. A questão sobre
a destinação futura destes imóveis, bem como sua conservação, não foi
equacionada, permanecendo sem respostas por algum tempo. O exemplo
do imóvel eclético da Praça da República 22, Antiga Escola de Eletrotécnica,
é bastante eloquente neste sentido. Com a transferência da unidade para a
Cidade Universitária este passa a abrigar a Escola de Comunicação e, após
a transferência desta para o Palácio Universitário, em 1978, é abandonado
até ser cedido, em 1988, à Fundação Pró- Memória, que inicia obras de
recuperação do imóvel até ser extinta pelo Governo Collor no ano seguinte.
A UFRJ empreende, então, um longo processo de retomada de posse,
permanecendo o imóvel em estado de conservação que só piora com o
tempo. Em 2013, este é cedido ao IPHAN para lá instalar sua Central de
Arqueologia. Cabe perguntar: O que faz com que este imóvel, de delicada
beleza, localizado em área central valorizada e de fácil acesso, permaneça
abandonado por quase quatro décadas, mesmo tendo sido incluído no PAC
Cidades Históricas em 2013?

63
PARTE I – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO UNIVERSITÁRIO

O segundo desafio está relacionado à grandiosidade do projeto desen-


volvido: como ocupar devidamente as novas edificações modernistas,
com áreas úteis que superavam, em muito, aquelas das unidades que
ocupavam até então? Tendo em vista que, com este processo ocorrendo
concomitantemente à inauguração de Brasília, transferiam-se as funções
federais e que o golpe de estado que havia derrubado o regime democrático
impunha, entre outros desdobramentos, novas relações entre território e
sociedade, o que fazer com o novo território do saber ampliado?

Portanto, a compreensão dos imóveis tombados como patrimônio


arquitetônico universitário em sua estreita relação com os territórios que
os conformam mostrou-se uma pista fecunda. Esta relação remete à ponte
e a porta, metáfora utilizada por Simmel 26 para explicar como os elementos
concretos da cidade medieval representariam tanto a conexão como a ruptura
com o meio externo agregador de conhecimentos e potenciais, novos embates
e descobertas, mas que pode também ser ampliada para as similaridades e
diferenças que se estabelecem entre comunidade e sociedade. Neste sentido,
o deslizamento em direção à imaterialidade dos territórios virtuais das
cidades contemporâneas representaria um novo desafio aos patrimônios
e territórios universitários, pois ao redefinir o regime presencial, sobre o
qual se fundam estes territórios e a comunidade universitária, redefinem,
por extensão, os critérios de valoração do que consideram como patrimônio
cultural, assim como as relações atuais entre a ponte e a porta que se esta-
belecem com o meio externo. Conectarmo-nos aos novos territórios para
melhor preservarmos nosso futuro, este é o desafio proposto pela dimensão
cotidiana da conservação e preservação do nosso patrimônio.

5. Considerações Finais
Nesta reconstrução histórica do acervo arquitetônico de dimensão
patrimonial da UFRJ, na qual abordamos, apenas em parte, a rica e delicada
teia de histórias e memórias que nele se entrelaçam, destacamos a estreita
relação entre universidade e território. Parte-se da premissa de que o valor
primordial do patrimônio cultural residiria no papel que os objetos patri-
moniais representam para a identidade cultural e para o apoio à memória

26  SIMMEL, Georg. A ponte e a porta. Revista Política e Trabalho, ed. 12, p. 19-30, 1996.

64
Patrimônio Arquitetônico da UFRJ: Desafios Cotidianos à sua Conservação

social da comunidade, isto é, no seu valor de uso.27 Vislumbram-se, assim,


nos territórios contidos na noção de patrimônio arquitetônico universitário
e no valor de uso, possibilidades operatórias de gestão deste patrimônio
relacionadas à dimensão cotidiana de sua preservação.

Neste sentido, a questão que permanentemente se coloca quanto à


camada de tempo a se privilegiar no projeto de restauro destes imóveis
– com uma espessura histórica que compreende, por vezes, camadas de
significação simbólica de grande relevância para as mais diversas histórias
(da arquitetura, da medicina, dos bairros, da tecnologia das construções,
do processo civilizatório brasileiro, entre tantas outras) – poderia ser
equacionada com a identificação dos elementos de base de cada território
cultural informado por estes patrimônios culturais edificados universitários.
Um procedimento que está alinhado tanto à reconquista da competência de
edificar e de habitar um patrimônio contemporâneo, proposta por Françoise
Choay 28 como uma das questões essenciais para se combater os desafios
oferecidos ao patrimônio atualmente, quanto à concepção do patrimônio
como “um valor não consumível, mas produtivo: produtivo de novas ideias de
projeto, tanto quanto de melhores espaços de vida”. 29 Ambas reconhecem a
necessidade de mudança e de adaptação dos imóveis às novas necessidades
e hábitos, pois, como grifa Françoise Choay, “é importante renunciar à
intangibilidade e ao formalismo da restauração histórica e saber atuar associando
respeito ao passado e o uso das novas tecnologias”. 30

Considerando que as questões para combate, enunciadas por Choay


– somadas à compreensão de Waisman do patrimônio cultural edificado
como, essencialmente, valor de uso – são fundamentais para que se possa
fazer face ao desafio cotidiano representado pela conservação, manutenção
e preservação deste patrimônio cultural edificado universitário, uma das
questões que se destaca diz respeito à utilização de novas tecnologias que
podem estar reconfigurando os territórios universitários. É importante

27  De acordo com a compreensão desenvolvida por WAISMAN, Marina. O interior da


história. São Paulo: Perspectiva, 2013.
28  CHOAY, Françoise. Le patrimoine en questions: anthologie pour un combat. Paris: Éditions
du Seuil, 2009.
29  WAISMAN, op. cit., p. 187.
30  CHOAY, op. cit., p. XLVI.

65
PARTE I – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO UNIVERSITÁRIO

também destacar que a imagem-síntese Rio Cidade Universitária histo-


ricamente constituída vem sendo ampliada desde a segunda metade
do século XX, com a criação da Cidade Universitária, incorporando a
dimensão metropolitana e transformando-a na imagem-síntese atualizada
Metrópole Universitária, um polo de referência para o ensino superior que
tem nas edificações e espaços paisagísticos notáveis um dos elementos
estruturadores.

Andréa Borde e Paulo Bellinha

66
A ESCALA DA ARQUITETURA

O patrimônio arquitetônico da UFRJ perpassa múltiplas temporalidades


e escalas de arquitetura. As edificações que o compõem são registros
materiais da história da universidade e da formação da cidade do Rio de
Janeiro, definindo um rico acervo arquitetônico que informa um processo de
transformação urbana. De imponentes estruturas a modestas construções,
suas distintas tipologias associam-se, hoje, a usos diversos daqueles que
as originaram. Tais processos de transformação condicionaram não só
a reconfiguração de usos de alguns destes imóveis, como a sua própria
materialidade, incorporando novas roupagens arquitetônicas às cons-
truções. Contudo, persiste a escala dimensional deste patrimônio frente
a essas vicissitudes funcionais e arquitetônicas, do qual se reconhece três
distintos grupos:
a) as grandes estruturas do século XIX;
b) as pequenas estruturas dos séculos XIX e XX; e,
c) as grandes estruturas do século XX.

As grandes estruturas do século XIX


Em um contexto das exíguas medidas que caracterizam o tecido urbano
da cidade do Rio de Janeiro no século XIX, com suas estreitas vias de
30 palmos de largura que dão frente a um modesto casario de pequenas
proporções, destacam-se do conjunto aquelas que adquiriram uma escala
monumental, propositalmente destoante. Integram o patrimônio arqui-
tetônico da UFRJ algumas dessas arquiteturas que são ícones urbanos
históricos da cidade, tais como o edifício do Instituto de Filosofia e Ciências
Sociais (IFCS), o Museu Nacional, o Palácio Universitário e o HESFA, atual
Instituto de Atenção à Saúde São Francisco de Assis.
O imóvel atualmente ocupado pelo IFCS, na área central da cidade,
remonta ao projeto da Sé Nova, de meados do século XVIII. Naquele
momento, o Brigadeiro José Fernandes Pinto Alpoim esteve encarregado
do aterramento da antiga Lagoa da Pavuna, nos limites do pequeno núcleo
urbano da cidade. Nesta área, arruou-se a Praça Real da Sé Nova, em 1742,1

1  BERGER, Paulo. Dicionário histórico das ruas do Rio de Janeiro. I e II Regiões administrativas
(Centro). Rio de Janeiro: Olímpica, 1974. p. 125.

67
PARTE I – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO UNIVERSITÁRIO

definindo o local para a construção da Sé, Catedral da cidade, provisoria-


mente localizada a poucas quadras dali, na Igreja da Nossa Senhora do
Rosário. O mesmo Brigadeiro seria encarregado também do projeto da
edificação. No entanto, conselheiros do Rei D. João VI consideraram-no
inadequado e colocaram o arquiteto Carlos Mardel à frente do projeto
da igreja. As obras só começariam em 1749, sendo paralisadas em 1754
por falta de verbas.2 Da monumental construção, situada à cabeceira da
praça de Alpoim, no eixo da Rua do Ouvidor, ergueram-se apenas suas
fundações e algumas de suas paredes. Ao longo da segunda metade do
século, a Irmandade da Ordem Terceira de São Francisco de Paula edifica
sua igreja a seu lado, conferindo o nome atual da praça: Largo de São
Francisco de Paula. À época da chegada da Corte Portuguesa à cidade, em
1808, do projeto da Sé Nova restavam apenas as ruínas.
A partir de 1812, no local das ruínas da Sé Nova começa a construção
do edifício para a recém-criada Academia Real Militar, precursora da atual
Escola Politécnica da UFRJ. Seguindo a mesma implantação da igreja
inacabada, a nova edificação com dois pavimentos, embora monumental
em escala no seu período de construção, é descrita em relato de 1877
realizado por Moreira de Azevedo, como “acaçapada e sem elegância”, suas
linhas simples não condizendo com seu uso, o ensino de engenharia:
“(...) collocado em uma praça central, em frente da rua mais elegante, e
inteiramente isolado podia esse edifício ser um dos melhores monumentos da
cidade; mas nunca seguio-se um plano, um desenho regular; aproveitarão-se as
paredes do antigo templo, forão-se construindo diversos corpos sem ordem,
sem simetria, e assim elevou- se essa casa que não tem elegância, nem harmonia
em suas partes; vimos que são diferentes as faces laterais; se uma tem duas
janelas para a rua e as outras para o jardim, tem a outra quatorze para a rua
e três para o jardim, e nem são essas janelas de prospecto semelhante!” 3

As descrições de Moreira de Azevedo não condizem com a fachada atual


do imóvel, reformada em 1905,4 quando ganhou um terceiro pavimento

2  CAVALCANTI, Nireu. O Rio de Janeiro Setecentista. A vida e a construção da cidade da invasão


francesa até a chegada da Corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2004.
3  AZEVEDO, Moreira de. O Rio de Janeiro. Sua história, Monumentos, Homens Notáveis, Usos
e Curiosidades. Rio de Janeiro: B.L. Garnier, 1877. v. 2, p. 50-51.
4  Instituto de Filosofia e Ciências Sociais. Escritório Técnico da Universidade. UFRJ. Ver
em <http://diaci.org/etu/imoveis-tombados/ifcs.php>. Acesso em: set. 2015.

68
A Escala da Arquitetura

e um pórtico com colunata em seu corpo central, encimado por frontão


reto. Em 1955, o acréscimo de um quarto pavimento confere novas feições
à edificação, que teve o adro e as escadarias tombadas pelo SPHAN em
1962. Até 1965, permaneceria ocupado pela Escola de Engenharia da UFRJ.
Com a transferência desta para a Cidade Universitária, a edificação passa
a sediar o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais.
O edifício do Museu Nacional em São Cristóvão, por sua vez, remonta
ao início do século XIX, quando este bairro era ainda um arrabalde rural
do pequeno núcleo urbanizado da cidade do Rio de Janeiro. Em 1803,
o comerciante Elias Antônio Lopes toma posse de terras de uma antiga
fazenda jesuítica na localidade onde edifica sua casa de chácara que doaria
a D. João VI cinco anos após, sendo transformada em sua residência real.
As dimensões da casa de chácara, com uma sequência de 12 vãos de janelas
em sua fachada principal, eram superiores à do modesto palacete urbano
do antigo Largo do Carmo – o atual Paço Imperial. Ao longo do século XIX,
o então Paço de São Cristóvão sofre inúmeras reformas que conferem sua
imagem atual. A primeira significativa intervenção foi a empreendida pelo
arquiteto John Johnston, entre os anos de 1816 e 1821, no qual se construiu
o torrão norte em estilo neogótico. Johnston esteve encarregado também
de instalar uma réplica do portão da Sion House, presente do Duque de
Northumberland, posicionado de frente para o edifício (hoje localizado
na entrada do Jardim Botânico). Reformas posteriores – como as obras de
Pierre Pezerat, entre 1826 e 1831, que instalam um segundo torreão ao
imóvel, e de Manuel Araújo Porto Alegre, a partir de 1843, que adicionam
um terceiro pavimento ao corpo central – conferiram a imponente estética
neoclássica, transformando-a, assim, de antiga residência colonial em
residência imperial. 5 Com a instauração da República, o imóvel perde
seu uso residencial e, em 1893, passa a sediar o Museu Nacional, que se
transferia de sua sede anterior em imóvel no Campo de Santana.
A monumentalidade neoclássica adquirida no Paço de São Cristóvão, com
seus grandes volumes horizontais, também é verificada no edifício do atual
Palácio Universitário, na Urca. Inaugurado em 1852, embora acanhando
em altura em seus dois pavimentos, o imóvel ganha imponência em sua
horizontalidade, tendo na fachada principal um corpo central destacado,

5  CZAJKOWSKI, Jorge. Guia da Arquitetura Colonial, Neoclássica e Romântica no Rio de Janeiro.


Rio de Janeiro: Ed. Casa da Palavra/Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 2000. p. 74.

69
PARTE I – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO UNIVERSITÁRIO

com três vãos com colunatas encimado por frontão reto, ladeado por duas
extensas alas, cada uma destas com vinte janelas de verga em arco pleno
para cada pavimento.
Assim como os exemplos anteriores, essa grande estrutura arquitetônica
irá condicionar uma futura ocupação urbana. Na chácara do Vigário Geral,
na Praia Vermelha, este imóvel foi erguido como o Hospício Pedro II,
destinado ao tratamento dos alienados. O Hospício foi um dos símbolos
da maioridade deste imperador, tal como registra o decreto assinado em
1841, no dia de sua coroação:
“Desejando assinalar o fausto dia da minha sagração com a criação de um
estabelecimento de pública beneficência: hei por bem fundar um hospital
destinado privativamente para tratamento de alienados com a denominação
de Hospício de Pedro II o qual ficará anexo ao hospital da Santa Casa da
Misericórdia desta corte, debaixo da minha imperial proteção (...).” 6

O luxuoso edifício, projeto de José Domingues Monteiro com obras


iniciadas em 1842, é o precursor de outras grandes arquiteturas de
linguagem neoclássica que vão se instalar no seu entorno, como a sede do
Imperial Instituto dos Meninos Cegos (atual Instituto Benjamin Constant),
cujo edifício, com obras iniciadas em 1872,7 ocupa o terreno vizinho do
Hospício, e o imóvel do Recolhimento das Órfãs da Misericórdia (atual
Educandário Santa Teresa), que inicia suas obras no ano seguinte, ambos
com desenho de Bettencourt da Silva. O uso hospitalar se manteve até
1944, quando seus internos foram transferidos para a Colônia Juliano
Moreira. Contudo, o abandono foi breve, sendo o imóvel cedido para a
então Universidade do Brasil, criando-se o Campus da Praia Vermelha e
reformando-se o edifício para adaptá-lo às necessidades universitárias.
O Imperador Pedro II também criaria outro equipamento de assistência
cujas instalações constituem-se patrimônio da UFRJ: o antigo Asylo de
Mendicidade, atual Instituto de Atenção à Saúde São Francisco de Assis,
no bairro da Cidade Nova. Dos exemplares supracitados, este é o imóvel
mais tardio, com projeto do arquiteto Heitor Rademaker Grünewald, e
obras iniciadas em 1876. 8 Em contraponto à composição palaciana do

6  AZEVEDO, op. cit., v. 1, p. 386-387.


7  Ibid., v. 2., p. 102.
8  SOUZA, Eliara B. Do Asylo de Mendicidade ao Hospital São Francisco de Assis: a cidade e a
saúde (1876-1922). 2015. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) – Universidade Federal
do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

70
A Escala da Arquitetura

Hospício de Pedro II, o Asylo, que viria abrigar e dar assistência aos indi-
gentes, estruturava-se no sistema do panóptico de Bentham, fortemente
associado aos esquemas penitenciários, tal como no edifício da antiga
Casa de Correção na Rua Frei Caneca (já demolido). Com dois pavimentos
e uma sóbria linguagem neoclássica desprovida dos motifs greco-romanos
dos frontões e colunatas presentes nos imóveis anteriores, o edifício do
antigo Asylo se estrutura a partir de um corpo central, do qual partem cinco
pavilhões radiais e um pavilhão de acesso voltado para o Canal do Mangue.
No século seguinte, novos pavilhões foram construídos, comprometendo a
simetria presente no projeto de Grünewald e, em 1922, o Asylo converte-se
ao uso hospitalar (Hospital Geral de Assistência), sendo incorporado à
Universidade do Brasil em 1947.

As pequenas estruturas dos séculos XIX e XX


Enquanto as grandes estruturas do século XIX condicionaram a ocupação
da cidade em áreas externas ao seu núcleo urbano primitivo, incitando
a transformação de lugares como São Cristóvão, Urca e Cidade Nova,
outras pequenas arquiteturas buscam consolidar essa ocupação iniciada
pelas obras anteriores. Dentre o patrimônio arquitetônico da UFRJ,
encontram-se alguns imóveis que se instalaram em tecidos urbanos já
estruturados, incorporando-se aos conjuntos urbanos existentes. São
eles: o edifício da Faculdade de Direito, o Centro de Artes Helio Oiticica
(CAHO), o edifício da Escola de Música, o do atual Colégio Brasileiro de
Altos Estudos (CBAE), o imóvel da Escola de Enfermagem Ana Nery (EEAN),
a sede da Fundação Universitária José Bonifácio (FUJB), além do Teatro
Qorpo Santo e sobrados adjacentes.
Na segunda década do século XIX, na esquina do Campo de Santana
com a antiga Rua do Areal (atual Moncorvo Filho), nos limites do núcleo
urbano da cidade, o Conde dos Arcos, último Vice-Rei do Brasil, recebe um
palacete em agradecimento aos seus serviços prestados como Governador
da Bahia (1810-1817), no qual viria a residir até 1821, quando retorna
à Europa.9 Com essa ilustre, porém, breve permanência, o imóvel ficou
conhecido como Palácio do Conde dos Arcos. Em 1824, já no período
imperial, o Palacete, terrenos e construções contíguas foram comprados
pelo Império e apropriados pelo recém-criado Senado Imperial, sendo
realizadas reformas para adaptação do uso do imóvel. O prédio original
arruinou-se devido à ação de cupins, sendo reedificado com projeto do

9  AZEVEDO, op. cit., v. 1, p. 406.

71
PARTE I – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO UNIVERSITÁRIO

engenheiro Miguel de Frias e Vasconcellos.10 Nesta reforma, o antigo


palacete do Conde mescla-se aos edifícios contíguos, gerando a configuração
tripartida do imóvel atual. Neste momento, contudo, ele ainda possuía
somente dois pavimentos e bloco central com fachada para a Rua do Areal,
encimado por frontão curvo. Este bloco destaca-se dos demais por seus
vãos com verga em arco pleno, em oposição à fachada do bloco original
de esquina com o Campo de Santana. A mescla arquitetônica não era bem
vista no último quartel do século e estava aquém de um edifício de sua
importância, conforme o relato de Moreira de Azevedo:
“A instituição mais elevada do país, o primeiro corpo do sistema representa-
tivo não deve reunir-se em uma casa de aspecto mesquinho, em um recinto
estreito e feio, necessita de um monumento que no pórtico, nas colunas, nas
magnificências da arte indique ser o palácio dos supremos legisladores do
país, dos príncipes da nação. (...) Erija-se pois um palácio, um monumento em
que o mármore, o granito e o bronze apresentem as grandezas e maravilhas
da arte, e chame-se a este edifício o paço do senado.” 11

Mais obras seriam realizadas no edifício: ele ganha mais dois pavimentos,
que replicam a sequência de vãos dos pavimentos inferiores e removem o
ornamentado frontão da reforma de Miguel de Frias. Com a transição para
a república, nele persiste o Senado Federal até 1924, quando se transfere
para o Palácio Monroe, na Cinelândia. Sua ocupação é retomada na década
de 1940, quando é apropriada pela Faculdade Nacional de Direito da
Universidade do Brasil, transferindo-se de seu imóvel na Rua do Catete,
então compartilhado com a Reitoria.
No outro lado do Campo de Santana, também durante século XIX,
edificou-se o Conservatório de Música, nas proximidades da Academia
Imperial de Belas Artes (demolida) e da Escola Politécnica (atual edifício
do IFCS), sendo o imóvel atualmente ocupado pelo Centro de Artes Hélio
Oiticica, cedido pela UFRJ para Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro
em 1984. Originalmente sede do Conservatório de Música (atual Escola
de Música), o imóvel foi projetado por João José Alves, começou a ser
construído em 1863 12 e foi inaugurado 10 anos depois, em terreno da
esquina da antiga Rua da Lampadosa (atual Rua Luís de Camões) com a

10  Ibid., v. 1, p. 409.


11  Ibid., v. 1, p. 414.
12  Ibid., v. 2, p. 211.

72
A Escala da Arquitetura

Rua Leopoldina. Foi edificado em bloco único com dois pavimentos, sendo
o térreo revestido em cantaria, com vãos em arco pleno. Com proporções
modestas, integra-se ao conjunto edificado dos sobrados e assobradados
que configuram o estreito tecido urbano do seu entorno. A simplicidade
frente a sua importante função e proximidade com a sede da Academia de
Belas Artes, desenhada por Grandjean de Montigny, é motivo para Moreira
de Azevedo tecer uma crítica negativa à edificação:
“É um edifício feio e forte (...) ; o pórtico é pesado, triste e lúgubre como o
de uma prisão; a face lateral é núa e simples como a de uma casa particular,
collocado próximo do palácio erigido pelo architecto Grandjean, no qual
tudo é mimoso e artístico, parece extranho ao cultivo das artes que alli tào
perto tem seu monumento; no entanto a musica, a arte harmoniosa e ideal,
merecia ter por templo um palácio gracioso e imponente, e não essa pesada
e mesquinha construcção, que parece ter sido feita, não neste século, mas
era época de atrazo artístico e de penúria de architectos.” 13

O imóvel seria acrescido de mais um pavimento, em 1891, para abrigar


um salão de concertos.14 Em sua fachada, o acréscimo é notado pela simpli-
cidade da ornamentação nos vãos quadrangulares desse nível superior,
em oposição às janelas mais rebuscadas que mesclam vãos encimados com
frontão reto ou vãos com verga em arco pleno.
Com o início do século XX, as proximidades do antigo Largo do Rossio
(atual Praça Tiradentes) – que, desde a chegada da corte portuguesa e a
construção do Real Theatro de São João (no local do atual Teatro João
Caetano), quase um século antes, concentrava uma forte vocação cultural,
posteriormente reforçada pela presença da Academia de Belas Artes e do
Conservatório de Música – viram esse seu potencial ser transferido para
as novas áreas embelezadas da cidade na Reforma Passos. Na monumental
praça onde culminava a recém-aberta Avenida Central, concentrou-se
o Theatro Municipal, a Biblioteca Nacional, e um novo edifício em estilo
eclético para a antiga Academia de Belas Artes, intitulada Escola Nacional
de Belas Artes desde o período republicano.
O Conservatório de Música, então Instituto Nacional de Música, também
acompanha esse deslocamento, seguindo o argumento do então Diretor do

13  Ibid., v. 2, p. 211-212.


14  DE PAOLA, Andrely Q. e GONSALEZ, Helenita B. Escola de Música da Universidade Federal
do Rio de Janeiro: História & Arquitetura. Rio de Janeiro: UFRJ/SR5, 1998. p. 147.

73
PARTE I – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO UNIVERSITÁRIO

Instituto, Alberto Nepomuceno, de que sua sede na Rua Luis de Camões


estaria em risco de desabamento.15 É destinado ao Conservatório o antigo
imóvel da Biblioteca Nacional, na Rua do Passeio, quando esta é transferida
para a atual sede na Avenida Central. O antigo sobrado neoclássico na
nobre Rua do Passeio, contudo, não era adequado ao uso do Instituto,
sendo necessária a construção de um novo edifício, o Pavilhão de Aulas,
nos fundos do sobrado. Este edifício de três pavimentos, com projeto do
engenheiro Armando de Carvalho, foi inaugurado em 191316 e destinado
a uso de sala de aulas e biblioteca, tendo sua fachada principal voltada
para uma ruela com acesso pela Rua Evaristo da Veiga.
Mas ainda carecia o Instituto de Música de um Salão de Concertos.
Portanto, o antigo edifício neoclássico da Rua do Passeio foi parcialmente
demolido para dar lugar ao prédio que chega aos dias atuais, inaugurado em
1922, com projeto do engenheiro Cipriano Lemos e execução de R.Rebecchi
& Co.17 O edifício principal, com seus três pavimentos de frente para a
Rua do Passeio, seguia a linguagem acadêmica eclética que proliferava nas
novas arquiteturas da cidade, usando dos elementos do cânone clássico,
como as colunatas, e mesclando-os às rebuscadas ornamentações em sua
fachada. Em 1931, o Instituto passa a integrar a então Universidade do
Rio de Janeiro (UFRJ), nos anos 1950 ganha um quarto pavimento e em
1992 é tombado pelo município.
Ainda no velho centro da Cidade, registra-se a presença do edifício já
anteriormente ocupado pelo Instituto de Eletrotécnica e pela Escola de
Comunicação da UFRJ, na esquina da Rua Visconde do Rio Branco com o
Campo de Santana. O imóvel, tombado pelo INEPAC e cedido pela UFRJ
para o IPHAN, tem linguagem eclética, com dois pavimentos e mansarda,
possuindo uma destacada fachada curva em sua esquina, encimada por uma
cúpula. Este detalhe curvo é fruto da reforma empreendida pelo prefeito
Pereira Passos na cidade durante sua gestão entre 1902 e 1906, verificada
no projeto de alargamento da Rua Visconde do Rio Branco de 1905.18

15  Ibid., p. 150.


16  Ibid., p. 151.
17  Ibid., p. 61 e p. 151. Gerson menciona que “na verdade trata-se do mesmo prédio,
profundamente alterado pela reforma do início do século”. GERSON, Brasil. História das
Ruas do Rio. Rio de Janeiro: Lacerda, 2000. p. 235.
18  Projeto de Alinhamento nº 72 de 1905. Secretaria Municipal de Urbanismo do Rio de Janeiro.

74
A Escala da Arquitetura

Na Cidade Nova, em terreno do HESFA, inaugura-se em 1927 o Pavilhão


de Aulas da Escola de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde
Pública, atual Escola de Enfermagem Anna Nery, criada em 1922 com
patrocínio da Fundação Rockefeller.19 Vinculada à Universidade do Brasil
desde 1937, seu edifício na Cidade Nova, com proporções modestas em
relação ao HESFA, atual Instituto de Atenção à Saúde São Francisco
de Assis, apresenta fachada com linguagem neocolonial, composição
simétrica, corpo central destacado e um pavimento a mais em relação
aos seus blocos laterais.
A Escola de Enfermagem também viria a ocupar outro imóvel que atual-
mente integra o patrimônio da UFRJ: o edifício do atual Colégio Brasileiro
de Altos Estudos, no bairro do Flamengo. O imóvel fora originalmente
o Hotel Balneário Sete de Setembro, construído em 1922 por Antônio
Jannuzzi para hospedagem dos visitantes da Exposição Internacional do
Centenário da Independência.20 Sua vocação como hotel foi efêmera, contudo,
e a partir de 1926 o edifício foi utilizado pela Escola de Enfermagem como
seu internato. Com volumetria horizontal de três pavimentos, com 12
sequências de vãos duplos no seu segundo pavimento, o edifício de estilo
eclético com linhas classicizantes possui um pequeno volume destacado
em seu eixo central, equivalente ao mirante do terraço da construção. Em
1973, o imóvel foi ocupado pela Casa do Estudante Universitário, sendo
retomado pela UFRJ em 1995. Após a restauração realizada em 2003 no
bloco menor, abriga hoje o CBAE.
O quadro das pequenas estruturas notáveis da UFRJ construídas
no século XIX e início do século XX é complementado pelas edificações
remanescentes da antiga destinação de uso do Palácio Universitário.
São elas, as edificações atuais da Fundação Universitária José Bonifácio
(FUJB) e as do Teatro Qorpo Santo e sobrados adjacentes. O Pavilhão Frota
Moreira, sede da FUJB, remonta ao período em que foram construídos dois
pavilhões (masculino e feminino) para acolher os alienados indigentes

19  GOMES, M. da Luz B. e MORAES, Sandra C. D. de. O Centro de Documentação da Escola


de Enfermagem Anna Nery – EEAN/UFRJ. In: OLIVEIRA, Antonio J. B. de (Org.). Universidade
e lugares de memória. Rio de Janeiro: UFRJ/FCC/SiBI, 2008. p. 191-202.
20  HERMES, M. Helena da F. Reflexões sobre as origens da tipologia hoteleira balneária
carioca na década de 1920. In: Anais do XXV Simpósio Nacional de História – História e Ética.
Fortaleza: ANPUH, 2009. CD-ROM.

75
PARTE I – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO UNIVERSITÁRIO

ladeando o Hospício Pedro II. Com o alargamento da Avenida Venceslau


Brás, no Governo do Presidente Venceslau Brás (1914-1918), o pavilhão
masculino é demolido. Com a desativação do Hospício, o Pavilhão Frota
Moreira passa a integrar a Universidade do Brasil em 1945. Em 1984 é
inaugurado como sede da FUJB após restauro do arquiteto Alcides da Rocha
Miranda e tombado em 1990 pelo órgão de tutela estadual.
Do final do século XIX data também o atual Teatro Qorpo Santo
construído para sediar o Pavilhão de Observação, em 1893. Em 1911 a
edificação passa por uma ampliação para acolher o Instituto de Psicologia
Experimental, e em 1938 passa para o patrimônio da UFRJ como parte
do Instituto de Psiquiatria da Universidade do Brasil.

As grandes estruturas do século XX


O último grupo compreende dois premiados projetos de meados do século
XX, realizados pelo arquiteto Jorge Moreira para a Universidade do Brasil
em sua futura Cidade Universitária, nas proximidades de Manguinhos.
Desde a formação em 1920 de sua precursora, a Universidade do Rio de
Janeiro, suas diversas unidades acadêmicas encontravam-se espalhadas
pela cidade do Rio de Janeiro, como evidenciado anteriormente. A formação
de um campus para a Universidade se concretiza inicialmente com a
ocupação dos imóveis do antigo Hospício Pedro II, a partir de 1948. Nas
proximidades já se localizava a Faculdade Nacional de Medicina, vinculada
à instituição. O campus, contudo, apenas apropriou-se de imóveis já exis-
tentes. A Universidade ainda carecia de um conjunto edificado apropriado
para seu funcionamento – uma cidade universitária – que já estaria em
projeto há algumas décadas.
Em 1930, o local previsto para se construir a Cidade Universitária da
Universidade do Rio de Janeiro, no projeto apresentado por Alfred Agache,
em seu plano de Extensão, Remodelamento e Embelezamento da Cidade do
Rio de Janeiro, foi a Praia Vermelha.21 A Quinta da Boa Vista foi outra das
localidades contemplada com propostas, por vezes divergentes, como as de
Marcelo Piacentini e Le Corbusier, convidados por Capanema em 1936. No
ano seguinte, o anteprojeto produzido pela equipe chefiada por Lúcio Costa
seguiria os princípios modernos da arquitetura e do urbanismo difundidos

21  AGACHE, Alfred. Cidade do Rio de Janeiro: Extensão, Remodelação, Embelezamento. Paris:
Foyer Brésilien, 1930.

76
A Escala da Arquitetura

por Le Corbusier, com grandes blocos edificados dispostos em amplos


espaços livres ajardinados, em oposição à ocupação da cidade tradicional
e às arquiteturas acadêmicas. Em 1937, com a criação da Universidade
do Brasil, a Quinta da Boa Vista foi o local determinado para construção
da Cidade Universitária. Contudo, frente às dificuldades na remoção das
edificações já existentes no local, um novo estudo a transfere para Vila
Valqueire, em 1944. Denotam-se, portanto, dificuldades na construção
de um complexo edificado de proporções equivalentes a um bairro, nos
ambientes já consolidados da Cidade do Rio de Janeiro. Neste mesmo ano,
criou-se o ETUB – Escritório Técnico da Universidade do Brasil, chefiado
pelo engenheiro Horta Barbosa, que em 1945 apresenta nova solução para
o local a se instalar a cidade universitária, com a unificação de nove ilhas
próximas a área de Manguinhos, entre elas a do Fundão e do Bom Jesus,
formando a Ilha Universitária.22
Neste novo terreno conquistado à Baía, o campus da Cidade Universitária
toma forma a partir do desenho urbanístico de Jorge Moreira, desenvolvido
entre os anos 1949 e 1962, seguindo os preceitos do urbanismo moderno
defendidos por Le Corbusier. As arquiteturas projetadas por Jorge Moreira
tinham formas simples e estruturas moduladas, com volumes horizontalizados
destacados do térreo com uso de pilotis. Duas de suas edificações receberam
prêmios na Bienal Internacional de Arte de São Paulo, e são estas que integram
o patrimônio arquitetônico da UFRJ, em caráter de bens preserváveis.
O primeiro destes edifícios é o da sede do Instituto de Puericultura e
Pediatria Martagão Gesteira – IPPMG, premiado na Bienal de 1953, que
compreende blocos edificados de um pavimento, sustentados por uma
estrutura de pilotis. A pureza da forma reflete-se em seu tratamento
estético, recortado ora por uma sequência de pequenos vãos quadrangulares
em sua fachada principal, ora por contínuas janelas em fita. O segundo
edifício é da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, premiado na Bienal
de 1957, com escala monumental em relação às dimensões do pequeno
imóvel do IPPMG. Seu bloco principal estrutura-se numa lâmina de 6
pavimentos, sustentada por pilotis com pé direito duplo. Este é cruzado
ortogonalmente na altura dos pilotis, a um bloco de dois pavimentos,
formando o saguão com mezanino do edifício. Um terceiro bloco, também

22  Ver MELLO JR., Donato. Um campus universitário para a cidade do Rio de Janeiro.
Arquitetura Revista, v. 2, p. 52-72, 1º semestre de 1985.

77
PARTE I – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO UNIVERSITÁRIO

com dois pavimentos, paralelo ao principal, compõe os fundos do edifício.


À ortogonalidade do projeto, mesclam-se as formas curvas da casa de
máquinas na cobertura, e a sinuosidade do guarda-corpo do mezanino.
O edifício da Escola de Engenharia inaugurada pouco depois, em 1965,
também segue estes preceitos, mas foi descaracterizado pela construção
de acréscimos. O último projeto de Jorge Moreira, o Hospital das Clínicas
(HUCFF), seria inaugurado em 1978, e parcialmente demolido em 2010.
Assim, da análise destes três grandes grupos aqui apresentados, destacou-
-se a relevância do patrimônio arquitetônico da UFRJ, perpassando múltiplas
temporalidades e escalas de arquitetura, sendo que a partir destes registros
materiais da história da universidade e da formação da cidade do Rio de
Janeiro definiu-se o papel deste acervo arquitetônico como testemunha do
processo de transformação urbana nestes dois séculos. Culminando com
a implantação da Cidade Universitária, esta transformação condicionou
tanto a reconfiguração de usos de alguns destes imóveis mencionados como
a importância da participação da comunidade acadêmica da UFRJ na vida
social da área metropolitana. Que o exemplo do Hospital das Clínicas não
se repita é a tentativa que se faz quando alertamos para a importância na
manutenção do patrimônio tombado, tentaremos desta forma não perder
mais nenhuma importante testemunha deste processo de transformação
ao longo do século XXI.

Guilherme Meirelles

78
PARTE II
O PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO EM IMAGENS
PARTE II – O PATRIMÔNIO EM IMAGENS

Escola de Música, Salão Leopoldo Miguez. Centro, 2014. Acervo LAPA/PROURB

Palácio Universitário, pátio interno em restauro. Campus da Praia Vermelha, 2015.Acervo


COPRIT/ETU

Sobrados remanescentes do Antigo Hospital Nacional dos Alienados,


Campus da Praia Vermelha, 2013. Acervo COPRIT/ETU
80
Acima à esquerda: Fundação José Bonifácio, Urca, 2013, Acervo COPRIT/ETU, acima à direita:
Faculdade Nacional de Direito, 2015, Acervo COPRIT/ETU Abaixo: Colégio Brasileiro de
Altos Estudos, Flamengo, 2012. Acervo COPRIT/ETU

81
PARTE II – O PATRIMÔNIO EM IMAGENS

Observatório do Valongo, Centro, 2014. Acervo LAPA/PROURB

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Cidade Universitária, 2015. Acervo LAPA/ PROURB

82
À esquerda: Antiga Escola de Eletrotécnica, Praça da República (cedido ao IPHAN), Centro, 2012.
Acervo COPRIT/ETU, à direita: Antigo Instituto Nacional de Música ( cedido ao município,
Centro de Artes Hélio Oiticica), Centro, 2015. Acervo COPRIT/ETU

83
PARTE II – O PATRIMÔNIO EM IMAGENS

Instituto de Filosofia e Ciências


Sociais/ Instituto de História, Centro,
2012.Acervo COPRIT/ETU

Museu Nacional, Quinta da Boa Vista, 2015. Acervo LAPA/PROURB

84
Instituto de Pediatria e Puericultura
Martagão Gesteira, Cidade Univer-
sitária, 2013. Acervo COPRIT/ETU

85
PARTE II – O PATRIMÔNIO EM IMAGENS

Escola de Enfermagem Anna Nery,


Centro, 2014. Acervo COPRIT/ ETU

Capela São Pedro de Alcântra, Urca, 2011. Foto: Acervo COPRIT/ETU

86
PARTE III
PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO UNIVERSITÁRIO
EM RESTAURO
PARTE III – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO DA UFRJ EM RESTAURO

O HESFA

Instituto de Atenção à Saúde São Francisco de Assis, HESFA, Centro, 2015.


Acervo LAPA/PROURB
O HESFA E O PATRIMÔNIO CULTURAL DA SAÚDE

Os imóveis ligados ao campo da saúde e assistência pública constituem


um subconjunto específico dentro do conjunto de bens pertencentes à
UFRJ. Esse campo, como um espaço simbólico de representações em
disputa,1 é uma construção social que, ao longo do tempo, continuamente
se redefiniu e se rearranjou, adquirindo importância, novos significados
e novas práticas. Tal como estudada por Michel Foucault,2 uma de suas
alterações mais profundas ocorreu na Europa Central no século XVIII,
quando se estabeleceu o que o autor denomina de nosopolítica refletida.
Entre outras características, nela a saúde, ou melhor, as doenças passaram
a ser encaradas como um problema político e econômico a ser enfrentado
no nível coletivo. O sociólogo francês aponta que anteriormente, embora
com exceções, as ações coletivas de saúde só ocorriam no caso de epidemias
e na assistência aos pobres. O novo entendimento europeu do século
XVIII envolveu dois objetivos: a decomposição utilitária da pobreza e
a intenção de elevar a saúde do corpo social como um conjunto. Desses
objetivos decorreram dois processos, a multiplicação e especialização das
instituições de saúde e a medicalização dos tratamentos e seus respectivos
espaços. O primeiro se referiu à criação de estabelecimentos específicos
para cada público e tipo de atendimento: hospitais terapêuticos para os
doentes, hospícios para os loucos, asilos para os indigentes sem condições
de trabalho, orfanatos para os menores e assim por diante. O segundo diz
respeito à substituição do hospital de acúmulo, superlotado, desordenado e
de pouca vigilância pelo hospital terapêutico, sistematizado e sob controle,
em suma, do lugar de morrer para o instrumento de cura.
No Brasil, analogamente, esses processos principiaram em meados do
século XIX com a multiplicação de estabelecimentos especializados de saúde
e assistência pública, ainda que não conformassem uma rede e dependessem
fortemente da filantropia. 3 Já a medicalização e a inserção da saúde na
agenda política do Estado se intensificaram no início do século XX com a

1  BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.


2  FOUCAULT, Michel. O nascimento do hospital. In: . Microfísica do poder. Rio de
Janeiro: Editora Graal, 1979.p. 57-64.
3  SANGLARD, Gisele. Entre os Salões e o Laboratório: Guilherme Guinle, a Saúde e a Ciência
no Rio de Janeiro, 1920-1940. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2008.

89
PARTE III – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO DA UFRJ EM RESTAURO

atuação de Oswaldo Cruz na Diretoria Geral de Saúde Pública (DGSP) a


partir de 1903, passando pela criação do Departamento Nacional de Saúde
Pública (DNSP) sob a direção de Carlos Chagas, em 1922, e culminando na
criação do Ministério da Educação e Saúde Pública em 1930.4
Cabe aqui ainda ressaltar que a especialização e a medicalização das
instituições estão intrinsecamente relacionadas à arquitetura dos espaços
de saúde; definem-se novos programas, localizações ideais, tipos arqui-
tetônicos mais adequados, formas de ventilação e insolação necessárias,
materiais de acabamento recomendados, tecnologias aplicadas, etc. Por
essa razão, é possível apreender, por meio da arquitetura, o conhecimento
médico de um período e como era nele entendida a relação entre saúde e
doença, ou seja, a arquitetura reflete as características e transformações
da assistência hospitalar. Isso ocorre porque medicina, ciência e sociedade
“determinam as políticas de saúde e, por conseguinte, a forma como se
materializam”. 5 Assim, faz sentido falar de patrimônio cultural da saúde,
como sendo “um conjunto de bens materiais e simbólicos socialmente construídos,
que expressam o processo de saúde individual e coletiva nas suas dimensões
científica, histórica e cultural”.6
No conjunto em questão, há ainda mais uma particularidade, os bens
constituem um patrimônio universitário, ou seja, possuem também a
função de ensino. Ainda segundo Foucault,7 o ensino clínico foi o princípio
geral para a reorganização dos estudos de Medicina na França na virada
do século XVIII para o XIX e um dos responsáveis pela transformação
do hospital em máquina de curar. No Brasil, a criação dos hospitais
universitários ocorre somente no século XX, sendo um deles o HESFA,
que desde sua adaptação para hospital em 1922 era espaço de prática dos
estudantes da Faculdade de Medicina, caráter reforçado após a sua incor-
poração à Universidade do Brasil em 1946. Se, conforme afirma Christian

4  AMORA, Ana M. G. A. O nacional e o moderno: a arquitetura e saúde no Estado Novo nas cidades
catarinenses. 2006. Tese (Doutorado em Planejamento Urbano e Regional) – Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
5  SANGLARD, Gisele e COSTA, Renato da G. R. Memória, História e Patrimônio Cultural
da Saúde: uma história possível. In: PÔRTO, Ângela et al. História da Saúde no Rio de Janeiro:
instituições e patrimônio arquitetônico (1808-1958). Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2008. p. 24.
6 Ibid.
7  FOUCAULT, op. cit.

90
O HESFA e o Patrimônio Cultural da Saúde

Topalov, 8 os campos profissionais reivindicam sua legitimidade científica


por meio de tecnologias próprias, sua autonomia por meio de associações
e sua reprodução por meio de institutos de formação, os edifícios de
saúde universitários são dispositivos fundamentais ao cumprirem essas
três funções: a primeira por serem eles mesmos tecnologias próprias, a
segunda por formarem uma comunidade acadêmica e a terceira por serem
instituições de ensino. São lugares de memória, de prática e de produção
e disseminação de conhecimento.
Dentre o patrimônio cultural da saúde da UFRJ, esse ensaio destacou
os bens arquitetônicos que foram para esse fim estabelecidos e mantém o
uso associado à saúde e à assistência pública. São eles: Instituto de Atenção
à Saúde São Francisco de Assis (HESFA), a Escola de Enfermagem Anna
Nery (EEAN), o Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira
(IPPMG) e o Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF).
O HESFA esteve desde 1879 relacionado às iniciativas de assistência
pública do Estado, fundado como o primeiro asilo para mendigos da Corte,
desempenhando o duplo papel de caridade e exclusão dos indivíduos. No
ano de 1922 foi, por escolha de Carlos Chagas, transformado no Hospital
Geral de Assistência do DNSP, com a função de “prestar assistência médico-
-cirúrgica aos indigentes”,9 como citava o primeiro artigo do regulamento.
Assim, sediou os dois processos acima citados: no momento asilar foi um
dos resultados da especialização das instituições e no momento hospitalar
da medicalização dos espaços da saúde.10 Quanto à arquitetura, o edifício
projetado por Heitor Rademaker Grünewald possui marcante planta radial
em que se distribuem cinco pavilhões de dois pavimentos.
Ao HESFA, ligava-se a EEAN, criada em 1922 como parte da Missão de
Cooperação Técnica para o Desenvolvimento da Enfermagem no Brasil. A
iniciativa, patrocinada pela Fundação Rockefeller e liderada pela enfermeira

8  TOPALOV, Christian. Da Questão Social aos Problemas Urbanos: os Reformados e a


População das Metrópoles em Princípios do Século XX. In: PECHMAN, Robert M. e RIBEIRO,
Luiz C. de Q. Cidade, Povo e Nação: gênese do urbanismo moderno. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1996. p. 23-51.
9  O primeiro regulamento do Hospital São Francisco de Assis encontra-se no Centro de
Documentação da EEAN, Módulo G, Caixa 26, documento sem número.
10  SOUZA, Eliara B. Do Asylo de Mendicidade ao Hospital São Francisco de Assis: a cidade e
a saúde (1876-1922). 2015. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) – Universidade Federal
do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

91
PARTE III – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO DA UFRJ EM RESTAURO

norte-americana Ethel Parsons (1921-1931), foi introdutora do modelo


anglo-americano de formação de enfermeiras no país. A sede definitiva do
Pavilhão de Aulas foi concluída em 1927 no mesmo terreno do HESFA. As
duas instituições em conjunto exerceram papéis estratégicos na formação
de recursos humanos qualificados fundamentais à nova política e ao novo
modelo de saúde pública proposto no período.11
Na Cidade Universitária, encontra-se o IPPMG, primeiro edifício
inaugurado na Ilha do Fundão em 1953, antes mesmo que ela estivesse
concluída. O programa arquitetônico foi definido pelo pediatra e professor
Joaquim Martagão Gesteira e o projeto desenvolvido pelo Escritório Técnico
da Universidade do Brasil (ETUB) que à época tinha como arquiteto-chefe
Jorge Machado Moreira. Segundo Paulo Jardim (2013),12 a obra é um
“exemplo eloquente” do modo racionalista de pensar e fazer arquitetura
de Jorge Moreira e uma “aplicação quase didática” dos cinco pontos da
Nova Arquitetura definidos por Le Corbusier: pilotis, terraço-jardim,
planta livre, janela rasgada e fachada livre. As três partes funcionais
principais – ambulatório, hospital e abrigo maternal com pupileria – foram
dispostos em blocos paralelos de baixa altura, interligados por um quarto
bloco, completando a disposição em pente. Junto ao edifício, há os jardins
sinuosos em contraponto à ortogonalidade da arquitetura, projetados pelo
paisagista Roberto Burle Marx.13
Somente em 1978 foi inaugurado o HUCFF, ao lado do IPPMG, tendo sido
definida a localização das duas instituições na extremidade do campus do
Fundão para permitir o fácil acesso aos pacientes.14 A concepção arquitetô-
nica do monobloco vertical com 1,8 mil leitos e 220 mil metros quadrados
iniciou-se ainda em 1940, e coube também ao arquiteto Jorge Machado
Moreira. A obra iniciada dez anos depois foi interrompida em 1955.15 A

11  SILVA JR, Osnir Claudiano. Do Asylo da Mendicidade ao Hospital Escola São Francisco de
Assis: a Mansão dos Pobres. Rio de Janeiro: Papel Virtual Editora, 2000.
12  JARDIM, Paulo. O arquiteto e a arquitetura do IPPMG. In: RODRIGUES, Ana Lúcia de Mello
et al. Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira: 60 anos. Rio de Janeiro: UFRJ, 2013.
13  COSTA, Lucia. Os jardins de Roberto Burle Marx para o Instituto de Puericultura da
UFRJ. In: RODRIGUES, Ana Lúcia de Mello et al. Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão
Gesteira: 60 anos. Rio de Janeiro: UFRJ, 2013.
14  JARDIM, op. cit.
15  FRAGA FILHO, Clementino. A Implantação do Hospital Universitário da UFRJ (1974-1978).
Rio de Janeiro: FUJB, 2000.

92
O HESFA e o Patrimônio Cultural da Saúde

construção, retomada e paralisada algumas vezes ao longo da década de


1970, estava apenas parcialmente concluída à época da inauguração. A
metade inacabada, conhecida como “perna seca”, nunca foi ocupada e veio a
ser implodida em 2010. Mesmo que o edifício hoje permaneça quase como
uma ruína, ainda é um dos marcos visuais da Cidade Universitária e o
símbolo de um momento que pretendeu vincular conceitual e legalmente
os sistemas de saúde e educação.
Devem ser citados ainda os imóveis que, apesar de criados com funções
ligadas ao campo da saúde e assistência pública, sediam atualmente outras
atividades. O Palácio Universitário foi inaugurado como Hospício Dom
Pedro II em 1852 e destinado ao tratamento de doentes mentais até 1944.
O complexo palaciano de dois pavimentos com composição simétrica, seis
pátios internos e linguagem arquitetônica neoclássica passou por grandes
obras de restauro concluídas em 1952, após as quais se tornou sede de
cursos de outras áreas de conhecimento. A atual sede da Fundação José
Bonifácio (FUJB) é um dos pavilhões que se relacionava ao tratamento
psiquiátrico realizado na Praia Vermelha. Por último, menciona-se a
edificação da Faculdade de Medicina na Praia Vermelha, concluída em 1918
e demolida em 1975, após a transferência do curso para o campus Fundão.
Considerando-se o patrimônio cultural pelo viés de um tempo tridi-
mensional, “memória coletiva do passado, consciência crítica do presente
e premissa operatória do futuro”,16 o compromisso e desafio da UFRJ é
lidar na atualidade com esse conjunto de bens culturais da saúde, conci-
liando a continuidade da assistência pública, a produção e disseminação
de conhecimento e a adaptação às novas práticas com a preservação dos
imóveis e a garantia de que sua significação cultural não se perca.
O HESFA
A edificação em que funciona o HESFA – antigo Asylo da Mendicidade
e Hospital Escola São Francisco de Assis, atual Instituto de Atenção à
Saúde São Francisco de Assis – esteve em toda sua trajetória relacionada
à assistência pública e ao recebimento da população carente, ou, ao
acolhimento “[d]aqueles que não tinham lugar em outras instituições”.17
Esta unidade suplementar do Centro de Ciências da Saúde (CCS/UFRJ),
localizada na Avenida Presidente Vargas, nº 2863, no bairro Cidade Nova,

16  JEUDY, Henri-Pierre. Memórias do Social. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990. p.13.
17  SILVA JR, op. cit., p.108.

93
PARTE III – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO DA UFRJ EM RESTAURO

na área central do Rio de Janeiro, desenvolve programas de saúde pública,


voltados ao atendimento de portadores do vírus HIV e de outras doenças
sexualmente transmissíveis, idosos e dependentes químicos. No entanto,
o desempenho de suas funções e a preservação do edifício não se deram
sem dificuldades.
Em 11 de junho de 1879 o Jornal do Commercio anunciou a inauguração
do Asylo de Mendicidade da Corte sublinhando, com ironia, o improviso
que muitas vezes caracterizava as instituições no período: “a titulo de
interinidade como é de praxe dizer-se entre nós, quando as cousas têm um
quasi perpetuo destino”.18 Mais do que à nova edificação, a reportagem fazia
referência à inadequação da instalação do albergue provisório de mendigos
no antigo matadouro na praia de Santa Luzia desde 1853. A construção do
Asylo era considerada por esse jornal como a solução definitiva, não “um
adiantamento relativo; mas um progresso absoluto”. Assim parecia.
Projetada pelo arquiteto Heitor Rademaker Grünewald em linguagem
neoclássica, a edificação do Asylo da Mendicidade teve como modelo para
sua planta radial o panóptico, sistema que garantia a vigilância integral e
automática por meio da disposição central do espaço de guarda. Em 1875,
o arquiteto havia viajado à Europa, juntamente com o conselheiro imperial
André Augusto de Pádua Fleury, para pesquisa de sistemas penitenciários.
Ao retornar apresentou o projeto do Asylo de Mendicidade.19 Grünewald
propôs sete pavilhões de dois pavimentos organizados em semicírculo com
um eixo central de simetria, sendo um bloco de entrada para a administração
de arquitetura mais refinada, com o primeiro pavimento revestido em
cantaria de pedra; um bloco central, destinado à capela e à vigilância; e cinco
pavilhões radiais, previstos para dormitórios, enfermarias e oficinas. Esta
configuração espacial atendia, assim, ao duplo fim de caridade e exclusão a
que se destinava:20 provia-se assistência aos necessitados ao mesmo tempo
em que os retirava da vida urbana por serem considerados indesejados e
perigosos à ordem social e de trabalho que se visava estabelecer.21

18  FOLHETIM. Asylo de Mendicidade. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 11 jul. 1879. p. 01.
19  BRASIL. Lei n.º 2670, de 20 de outubro de 1875.
20  SILVA JR, op. cit.
21  Para o entendimento das classes pobres como classes perigosas no período, ver
CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril: cortiços e epidemias na Corte Imperial. São Paulo: Companhia
das Letras, 2006.

94
O HESFA e o Patrimônio Cultural da Saúde

Devido à falta de verbas, no entanto, o planejamento inicial das obras


não pode ser cumprido e, no momento da inauguração, estavam prontos,
apenas, os blocos central, frontal e dois pavilhões, com capacidade para cento
e vinte vagas. A exiguidade do espaço diante do programa definido gerou
a necessidade de ajustes na destinação de uso dos espaços construídos. O
ambiente central, originalmente destinado à vigilância, passou a ser ocupado
pela cozinha, despensa e salas de banho; as enfermarias ocuparam, em
parte, o edifício administrativo; e as oficinas, por sua vez, foram alocadas
nos pavilhões junto aos refeitórios, abaixo dos dormitórios.
Para lá, foram transferidas duzentas e sessenta pessoas entre os
indigentes abrigados no albergue provisório de Santa Luzia e os velhos e
alienados que estavam na Casa de Detenção.22 Assim, apesar do ordena-
mento e da modernização propostos por Grünewald, a história do Asylo
da Mendicidade seria marcada pela falta de planejamento: incompleto,
superlotado, sem funcionários, sem verba suficiente e em condições
inadequadas, abrigando mais do que o dobro de sua capacidade.
Com o Asylo em funcionamento, as obras seguiram com doações de
materiais e uso da mão de obra dos condenados da Casa de Correção, ao qual
era institucionalmente atrelado.23 O conjunto de sete edifícios projetado por
Grünewald só foi concluído por volta de 1900. A ele foram adicionados dois
edifícios paralelos, denominados de pavilhões suplementares, finalizados
em torno de 1914. Desde o fim do século XIX e principalmente no início do
século XX, a instituição parece ter passado por mudanças, deslocando-se
de uma intenção de exclusão e de uma ambiência semelhante a da prisão
para a concepção de asilo atual, mais próxima da ideia de acolhimento
e assistência. Por volta de 1884, o Asylo de Mendicidade chegou a ser
descrito como:
“(...) uma espécie de caixote de lixo, para onde o orgulho official atira todos
os dias as varreduras humanas da capital, sem methodo e sem consciencia,
apenas para fingir um gráu de civilisação, que estamos longe de gozar.” 24

A situação começou a mudar nos primeiros anos da República em 1895,

22  ASSISTÊNCIA Pública e Privada no Rio de Janeiro (Brasil): história e estatística. Rio de
Janeiro: Prefeitura do Distrito Federal, 1922.
23  AGUINAGA, Hélio. Hospital São Francisco de Assis: História. Rio de Janeiro: Companhia
Brasileira de Artes Gráficas, 1977.
24  A EXPLORAÇÃO das crianças. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 01 jul. 1885. p. 01.

95
PARTE III – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO DA UFRJ EM RESTAURO

quando é editado um novo regulamento, alterando a denominação para


Asilo São Francisco de Assis. Naquele momento a instituição havia sido
transferida do aparelho policial da cidade para a Diretoria Geral de Saúde
e Assistência Pública, repartição do Ministério da Justiça e Negócios
Interiores. Em 1908, no Congresso Nacional de Assistência Pública e
Privada, foi formulada uma proposta, não efetivada, de torná-lo um
hospital-asilo.25 Em visita ao asilo em 1909 e 1913, Augusto Malta retratou
um asilo organizado, voltado principalmente aos idosos, contando com
refeitório, enfermarias equipadas, laboratórios e consultórios.
Em 1922, o Asilo São Francisco de Assis seria convertido definitivamente
em Hospital Geral de Assistência do recém-criado Departamento Nacional
de Saúde Pública (DNSP). Foram promovidas reformas na edificação
para adaptá-la ao novo uso. O edifício frontal permaneceu destinado à
administração, o bloco central recebeu as salas de radiografia e cirurgia,
os pavilhões radiais tornaram-se enfermarias. O laboratório e necrotério
garantiriam a cientificidade e a modernidade dos serviços prestados.26
Embora o Hospital Geral de Assistência (1922) não pudesse ser consi-
derado um hospital universitário, no sentido institucional do termo, foi
assim que o descreveu a enfermeira Clara Louise Kienninger27 por ser ele
voltado à formação profissional de médicos e enfermeiros. O Hospital
definia-se como espaço de prática dos alunos da Faculdade de Medicina e
das alunas da pouco antes criada Escola de Enfermagem. Ele só passaria a
se constituir como um hospital universitário em 1947 ao ser incorporado
à Universidade do Brasil (UB). Com a denominação Hospital Escola São
Francisco de Assis (HESFA) consagravam-no como espaço de saúde/ensino.
Assim permaneceu até 1978, ano de sua desativação, devido à inauguração
do Hospital Universitário da UFRJ,28 na Cidade Universitária.

25  ALMEIDA, Garfield de. Assistência Hospitalar: memória apresentada ao Congresso Nacional
de Assistência Pública e Privada do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Typographia Jornal do
Commercio, 1908.
26  CHAGAS FILHO, Carlos. Meu pai. Rio de Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz, 1993.
27  Diretora da Escola de Enfermagem do DNSP, - atual Escola de Enfermagem Anna
Nery, também pertencente à UFRJ, cuja sede definitiva foi construída no mesmo terreno do
Hospital São Francisco de Assis em 1927,- e componente da Missão de Cooperação Técnica
para o Desenvolvimento da Enfermagem no Brasil da Fundação Rockefeller.
28  Desde 1985, a denominação foi alterada para Hospital Universitário Clementino Fraga
Filho (HUCFF).

96
O HESFA e o Patrimônio Cultural da Saúde

Com o encerramento das atividades, a demolição do edifício parecia um


fim certo. Desde 1974 o imóvel estava listado para alienação, juntamente
com outros edifícios que hoje compõem o conjunto de bens do patrimônio
cultural da UFRJ,29 a fim de arrecadar verbas para a conclusão das obras da
Cidade Universitária. Devido à iniciativa de um médico que lá trabalhava,
Dr. Hélio Aguinaga, a demolição anunciada do HESFA não se cumpriu.
Patrimônio Nacional
Em 1978, Aguinaga solicitou ao Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (IPHAN) o tombamento desta edificação. Os oito anos
que duraram o processo de tombamento foram marcados por polêmicas,
tais como, entre outras: quais seriam os edifícios protegidos; a resistência
da UFRJ ao tombamento, argumentando inclusive o péssimo estado de
conservação que predominava já naquele momento; e o valor artístico da
linguagem neoclássica tardia. Nos pareceres favoráveis à proteção foram
sempre ressaltados o valor artístico da planta em esquema radial e o
valor histórico da assistência aos pobres como um dos “(...) testemunhos
expressivos no país do apreço de nossas autoridades públicas do séc. XIX
pelos problemas sociais, traduzidos não por palavras nem por atos de
favor, mas por obras”. 30
A salvaguarda do edifício, no entanto, não garantiu seu funcionamento.
As portas do HESFA permaneceram fechadas até 1989. Durante esses
dez anos, o estado de conservação da edificação se agravou. O espaço
foi vandalizado e ocupado irregularmente. A total falta de manutenção
inutilizou alguns pavilhões mesmo após a reabertura. Essa ocorreu para
servir de abrigo às vítimas da situação de calamidade pública decretada
após fortes chuvas que causaram mortes e desabamentos na cidade em
1988. O HESFA foi reativado com a intenção não só de ajuda humanitária,
mas também como forma de pressionar a UFRJ a recuperar e utilizar o
edifício.31 Após um complexo processo de reestruturação, foi aprovado um
novo regimento em 1990. Nele foram instalados programas assistenciais
a idosos, prostitutas e menores de rua, confirmando a trajetória do imóvel
no atendimento a categorias carentes e mais necessitadas. 32

29  BRASIL. Lei n.º 6027, de 09 de abril de 1974.


30  IPHAN 978-T-78, Processo de Tombamento do HESFA. Ver página 88, parecer de Lígia
Martins Costa.
31  SILVA JR, op. cit.
32  SILVA JR, op. cit.

97
PARTE III – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO DA UFRJ EM RESTAURO

O recomeço das atividades do HESFA marcou mais uma vez a história


da instituição com o imprevisto e provisório. A reabertura às pressas
não permitiu um cuidadoso processo de restauração deste patrimônio
arquitetônico. As suas instalações foram apenas precariamente adaptadas
e assim permaneceram até os dias atuais, ao longo de vinte e seis anos.
Os projetos de Restauro
Somente em 2004, as primeiras ações visando à restauração total do
conjunto começaram a se efetivar com a elaboração do Plano Diretor pelo
escritório Ernani Freire Arquitetos Associados, contratado pela UFRJ. O
programa arquitetônico definido manteve a atividade assistencial como
um hospital-dia, 33 a setorização, a demolição das intervenções e edifícios
espúrios (identificados como tal no processo de tombamento); propôs a
execução de dois novos edifícios anexos para usos mais impactantes; e
estabeleceu um faseamento para as intervenções. A partir dele, a empresa
Boghossian e Kiperman Arquitetura Ltda produziu o projeto básico de
telhados e fachadas. O projeto executivo de restauração do HESFA foi
elaborado pelo escritório RAF Arquitetura e Planejamento. Durante esse
processo, algumas diretrizes iniciais definidas em 2004 foram alteradas
como a distribuição do programa nos edifícios e a revogação, pelo IPHAN, da
demolição dos anexos posteriores de três dos pavilhões radiais e alteração
da solução arquitetônica com mezaninos centrais internos.
As principais dificuldades encontradas no desenvolvimento dos projetos
do HESFA foram: a sua heterogeneidade; a quase impossibilidade de definição
de momentos arquitetônicos claros ou de padronizações de revestimentos,
esquadrias, entre outros, uma vez que o conjunto permaneceu em obras
por muitos anos, utilizando inclusive refugo e materiais doados, e sofreu
inúmeras intervenções que não foram devidamente registradas.
O projeto executivo de restauração, sob orientação do IPHAN, deter-
minou a demolição das paredes e mezaninos internos para retornar
à ambiência original dos pavilhões. Os espaços serão delimitados por
divisórias de gesso acartonado com altura de 2,50 metros, atendendo à
exigência de reversibilidade das intervenções. Nos ambientes críticos,
foi definido um fechamento em vidro até o forro. As instalações de ar

33  Hospital-dia é a modalidade em que o paciente utiliza com regularidade os serviços da


instituição, na maior parte do dia, para fins de tratamento e/ou reabilitação. É considerado
uma extensão do atendimento ambulatorial, não há emergência ou internação.

98
O HESFA e o Patrimônio Cultural da Saúde

condicionado foram mantidas aparentes, sempre que possível, a fim de


evitar maiores rebaixos do forro novo também em gesso acartonado. Os
revestimentos mantiveram o piso em ladrilhos hidráulicos e o assoalho
de madeira, recobrindo-os com manta vinílica onde fosse necessário
por exigências de uso. No pátio central, as mudanças mais significativas
foram a substituição das escadas em concreto existentes por escadas
metálicas conforme registro fotográfico do início do século e a remoção
dos azulejos instalados à época da transformação do edifício em hospital.
A setorização retorna a administração aos blocos frontal e central e situa
nos blocos radiais, além do atendimento clínico, as salas de aula, gabinetes
de docentes, almoxarifado e arquivo médico.
As obras de restauração, restritas aos telhados e fachadas, começaram
em 2012. Atualmente, estão sendo finalizadas a recuperação estrutural
das varandas e a restauração das fachadas e varandas do pátio central.
Está sendo empreendida pela empresa Studio G Construtora Ltda. a
restauração completa, incluindo a parte interna, de um dos pavilhões
inaugurados em 1879 e dos outros dois construídos no início do século
XX. Em um horizonte próximo, planeja-se a adequação da infraestrutura
por meio da execução um anel externo ao conjunto, as obras internas dos
edifícios frontal e central e a restauração dos outros quatro pavilhões
radiais. Restarão por fazer o projeto arquitetônico dos anexos previstos para
usos mais intensivos como internação, laboratórios, refeitórios, cozinha
industrial, entre outros, cujas obras serão executadas após a conclusão da
restauração do núcleo tombado, e o paisagismo do conjunto.
Desde já, faz-se necessária a elaboração de um plano de manutenção,
prevendo a periodicidade das ações, o treinamento de equipe qualificada para
tal, os procedimentos de limpeza e pequenos reparos a fim de prevenir, para
não intervir, como ensina a sabedoria popular. Só assim será possível evitar
que sejam realizados novos improvisos perpétuos, tornando excepcional
a necessidade da restauração não pela falta de verbas ou de valorização
desse bem cultural, mas pela sua adequada conservação.
Não se pode deixar de assinalar o risco que a centralização das unidades
da UFRJ na Cidade Universitária oferece ao patrimônio arquitetônico da
Universidade disperso pela cidade. Esta diretriz, que ameaçou a perma-
nência da edificação do HESFA, no final dos anos 1970, ainda orienta o
Plano Diretor 2020 que, além de não reunir diretrizes para a utilização
dos bens tombados, afirma:

99
PARTE III – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO DA UFRJ EM RESTAURO

“Nos prédios mais antigos, a fortiori aqueles tombados, as restrições de uso e


de reforma limitam severamente as possibilidades de ampliação das atividades
e de melhorias expressivas das condições de trabalho e estudo.

Essa situação tem contribuído para que pensemos esse patrimônio antes
como passivo que como ativo, antes como um peso que como conjunto de
recursos a serem mobilizados e colocados à disposição das atividades-fim
da Universidade.” 34

Eliara Beck Souza

34  UFRJ – UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO. Plano Diretor UFRJ 2020.
Rio de Janeiro: [s.n.], 2011. Disponível em: <http://www.ufrj.br/docs/plano_diretor_2020/
PD_2011_02_07.pdf>. Acesso em: 30 mar. 2014. p.23.

100
INTERVENÇÕES ARQUITETÔNICAS EM
ARQUITETURAS PRESERVADAS

O Rio de Janeiro é uma cidade que desde as suas primeiras ocupações


desenvolveu o prazer da arte de vários povos, tendo ao seu lado um sítio
natural rico em beleza e diversidade, onde montanhas se projetam ao mar,
formando grandes “anfiteatros” por onde são recolhidas as águas que criam
rotas, seus rio e lagoas. Nesse contexto o homem construiu esta cidade,
que desde 2012 é considerada patrimônio da humanidade pela UNESCO.
A preservação desses patrimônios materiais – naturais ou pelo homem
construídos – e também os imateriais, cabe agora à nossa geração e às
que vem a seguir. Aos governantes e agentes da cidade, cabe regrar, gerar
condições, e ajudar com os exemplos: criando leis, gerando incentivos, e
cuidando do seu próprio bem.
Hoje na RAF estamos dedicados a alguns projetos de renovação em
edifícios históricos, contemplando o restauro da construção original,
mas também criando inserções de novas arquiteturas, que garantem a
valorização e manutenção do bem, a sua essência, e permitem que novos
usos e valores sejam adicionados, viabilizando a requalificação da obra
arquitetônica, marcando o momento dessa intervenção e, consequente-
mente, contribuindo com a melhoria do entorno urbano imediato.
São exemplos como o edifício das Lojas Sloper, na Rua Uruguaiana, e
o edifício Novo Mundo, na Rua Presidente Wilson, ambos no centro da
cidade e com características art-déco. Suas renovações foram pautadas
em restauro das fachadas, manutenção dos elementos relevantes em seu
interior, e reforma por completo em suas instalações prediais e seus leiautes
internos de áreas de trabalho, agregando novos valores e parâmetros,
transformando os edifícios em exemplos de preservação e renovação.
A Villa Aymoré e o asilo São Cornélio, ambos no Bairro da Glória, são
também bons exemplos de restauro e inserções contemporâneas, onde
o elemento principal do “novo” endereço é, sem dúvida, o patrimônio
histórico, mas onde as novas construções são permitidas e agregam valor,
ao mesmo tempo em que estão harmonicamente projetadas e seus espaços
são contemporâneos, refletindo um tempo que não para (“não, não para!”).
A estação Central do Brasil, símbolo de um tempo, e edifício ícone na

101
PARTE III – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO DA UFRJ EM RESTAURO

cidade, recebeu uma intervenção singela, mas de dimensões semelhantes à


nave principal da gare atual: o novo saguão de embarque, de vinte metros
de largura e comprimento que abarca todas as treze plataformas foi
concebido com cobertura em aço e vidro, abobadada, quase que pousada
junto ao bem tombado. Esta nova área permitirá um novo arranjo nos
fluxos e serviços, permitindo o restauro interno da estação.
O edifício do HESFA – Instituto de Atenção à Saúde São Francisco
de Assis, é um exemplo de iniciativa pública de como se manter um
patrimônio arquitetônico: de propriedade da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, passa no momento por grande transformação com base
em Plano Diretor executado em 2004. A inauguração do prédio data de
1879, em sua primeira fase, quando funcionou como asilo de mendigos. Em
1922, foi transformado no Hospital-Geral São Francisco de Assis, sendo
incorporado ao patrimônio da União, em 1939. Em 1978, foi desativado
e reativado em 1988. Construído em estilo neoclássico, está nos registros
de tombo desde 1983.
O Projeto então prevê a demolição de todos os edifícios construídos ao
redor do Bem Tombado Nacional, devolvendo uma ambiência que passou
“sufocada” por décadas, em razão de adições sem critério e sem qualquer
qualidade arquitetônica. Os espaços externos, ampliados, permitirão
garantir a percepção dos edifícios e suas interligações. Apenas duas adições
contemporâneas foram permitidas: a construção de um anexo contíguo
ao edifício vizinho do Arquivo Geral da Cidade, portanto desconectado ao
conjunto principal; e um conjunto de elevadores junto ao Prédio 07, para
atender a questões de acessibilidade. Essas intervenções são delicadas e
buscam não interferir nas edificações a serem restauradas.
Um dos grandes desafios do projeto foi conseguir abranger o programa
de necessidades de uma instituição de assistência médica, e abarcar todas
as responsabilidades e limitações da edificação histórica. Uma forma de
responder esta equação foi utilizar alguns pequenos anexos aos pavilhões
para criar os compartimentos que requerem instalações prediais complexas,
permitindo aos grandes pavilhões uma intervenção mais pura, valorizando
os generosos vãos e espaços livres. Em seu interior, para permitir a divisão
dos ambientes, as separações entre os espaços têm suas alturas limitadas.
Sob a responsabilidade da COPRIT, Coordenação de Preservação de
Imóveis Tombados da UFRJ, este trabalho, que envolveu uma competente

102
Intervenções Arquitetônicas em Arquiteturas Preservadas

equipe multidisciplinar, passou por criteriosa análise de aprovação do


IPHAN e do corpo técnico da Universidade durante quatro anos de
estudos e desenvolvimento. Diversas contratações de obras estão em curso
atualmente, já sendo possível ver alguns resultados, inclusive da nova
cor das fachadas. Em nossa memória recente, poderíamos considerá-la
rosa (cor que recebeu a partir do Estado Novo), mas a partir de pesquisas
estratigráficas e observações do patrimônio, buscou-se sua cor original,
da época da finalização do conjunto.
O resultado será, em breve, um conjunto arquitetônico de valor histórico
ímpar, em um local da cidade que passa atualmente por grandes trans-
formações urbanísticas, mas que preservará, a partir desta iniciativa, um
pouco da cidade e da vida que passou por este lugar.

Aníbal Sabrosa, Arquiteto, RAF Arquitetura

103
PARTE III – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO DA UFRJ EM RESTAURO

RELATOS DE OBRA

Depois de anos de abandono, a UFRJ inicia o processo de recuperação


dos prédios do HESFA através da contratação, mediante processos licita-
tórios, de empresa especializada em projetos de restauro e posteriormente
a contratação de uma empresa especializada para a execução das obras
de restauro do conjunto. A Studio G foi a empresa vencedora no processo
licitatório e, consequentemente, contratada para continuar o processo de
restauro dos prédios. Este já havia sido iniciado com a recuperação estrutural
do telhado do Prédio 07, executado por outra empresa. A primeira etapa
desta fase da restauração se iniciou através dos telhados e fachadas dos
Prédios 01, 02, 03, 05 e 06.
Na reunião de partida das obras foi decidido que elas avançariam
por etapas, iniciando-se com a demolição de um dos prédios espúrios e
prosseguindo-se pelas restaurações das fachadas e coberturas, além das
demolições internas, na seguinte ordem: Prédio 01, 02, 05 e 03, terminando
no Prédio 06. A empresa inicia o processo de mobilização do canteiro de
obras em um local pré-definido pela comissão de fiscalização para abrigar
a administração da obra, além de toda a equipe envolvida.
As coberturas apresentavam um elevado grau de deterioração, oferecendo
risco de colapso da estrutura e, por consequência, de desabamento dos
prédios. Após uma análise criteriosa dos projetos de restauro das coberturas,
iniciam-se as obras com as estratégias de intervenção definidas, porém
nos deparamos com diversas dificuldades ocasionadas, sobretudo, pelo
longo tempo de abandono do Hospital. Foi necessário, juntamente com a
fiscalização, adotar medidas para mitigar o risco de queda das coberturas.
A partir daí, iniciou-se a desocupação dos prédios ainda em funcionamento
para a realização da retirada da cobertura.
No princípio das obras encontramos os prédios ainda ocupados por
materiais e mobiliários do hospital, que por muitos anos estiveram
abandonados naqueles locais. Tal fato gerou um atraso, tendo em vista
que essas áreas precisavam ser desocupadas e livres para que as obras
pudessem, de fato, ser iniciadas com a retirada das telhas cerâmicas. Estas
apresentavam um estado irrecuperável, sem contar a imensa quantidade
de telhas diferentes daquelas originais, produzidas em Marseille, na

104
Relatos de Obra

França. Como não se pôde mais reaproveitá-las, pois apresentavam uma


grande porosidade e desintegração, por orientação do IPHAN decidimo-nos
por utilizar telhas novas – do tipo francesa – e reunir todas as originais
remanescentes para serem utilizadas em um único prédio.
Após a retirada das telhas, fomos surpreendidos por um telhado de
madeira completamente comprometido pela umidade e pela ação de
microrganismos, que acabaram contribuindo para o desequilíbrio estático
das treliças. Tal fato nos levou a fazer uma investigação mais criteriosa
das madeiras, que visualmente não apresentavam dano. Diante disso,
concluiu-se que toda a estrutura do telhado, de madeira de lei secular –
pinho de riga – , deveria ser substituída.
Com a necessidade de substituir todo o madeiramento, nos deparamos
com o fato de que as madeiras existentes possuíam dimensões que hoje
não são mais comercializadas, e mais uma vez surge uma dúvida sobre
qual procedimento adotar. Por se tratar de um prédio histórico, onde a
necessidade de se manter as técnicas construtivas se faz presente, optou-
-se por manter tais madeiras e executar um reforço estrutural das peças
antigas, preservando-as sempre que possível. Este reforço foi feito através
de parafusos e chapas metálicas em todas as tesouras dos referidos prédios,
e da substituição de todas as outras peças que compõem o telhado por
novas e de mesma bitola da original.
Findo o restauro das coberturas – atendendo sempre às exigências do
patrimônio – iniciou-se o trabalho de restauro das fachadas e as demolições
internas dos prédios, visando atender o novo projeto arquitetônico do
complexo. Nas fachadas, conforme determinação do IPHAN, foi realizado
um teste para saber qual a composição da argamassa original, de modo
que fosse refeita de forma idêntica. Com o traço da argamassa definido,
teve início a remoção dos revestimentos soltos, em sua grande maioria
comprometidos e se desprendendo. Havia, inclusive, risco de queda dos
mesmos, o que ameaçava a segurança de funcionários e usuários do Hospital.
Após esta remoção, foi refeito todo o revestimento, além de uma pintura à
base de cal pigmentada para carbonatação da superfície. Nas fachadas dos
prédios foram refeitas também os frisos, cimalhas e volutas existentes,
sempre respeitando os padrões da época, mesmo que isso apresentasse
elevado grau de dificuldade, sobretudo pela ausência de profissionais
graduados disponíveis no mercado para a execução de tais serviços.

105
PARTE III – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO DA UFRJ EM RESTAURO

Nos serviços de demolições internas, nos deparamos com “super-


-estruturas” feitas para subdividir os prédios em mais níveis, de modo a
aumentar a quantidade de atendimentos. Tais estruturas já apresentam
também um elevado grau de deterioração, além de não fazerem parte da
nova concepção arquitetônica. Foram, portanto, demolidas.
Em todas essas etapas resumidas anteriormente, nos deparamos com
situações peculiares que foram alvo de discussão com todos os envolvidos.
Outra dificuldade encontrada foi o fato de o Hospital ter se mantido em
pleno funcionamento durante todo o tempo. A cada nova etapa, fez-se
necessária a criação de acessos alternativos para os usuários, assim como
a transferência contínua dos locais de atendimento, visando liberação de
área para avanço das frentes de obra. Essas peculiaridades enfrentadas
acabaram gerando um atraso no cronograma das atividades, devido à
complicada logística. Ainda assim, as obras dessa fase foram concluídas.
A UFRJ reconhece a necessidade de concluir as obras e vem trabalhando
para liberar uma nova fase de avanço das mesmas.
A Studio G foi vencedora de mais uma licitação e agora atua nas obras
de restauração completa dos Prédios 07 e 07A, que já de início igualmente
vem apresentando grandes pontos de discussões e de estudos de caso.
Executamos também a recuperação de todo o anel interno das varandas
que serve de acesso aos blocos, trabalhando da mesma forma e mantendo
sempre os padrões construtivos da época, procurando adequar os espaços
às novas necessidades de funcionamento da unidade.
E assim vamos dando continuidade às obras de restauração do complexo
arquitetônico do HESFA, que – por mais que se apresentem situações
excepcionais – representa sempre um aprendizado para todos os envolvidos
nas obras.

Thiago Nunes, Engenheiro, Construtora Studio G

106
Informações Técnicas

INFORMAÇÕES TÉCNICAS
O Plano Diretor do HESFA (2004-2006) foi elaborado por Ernani Freire
Arquitetos Associados Ltda., tendo os Projetos Básicos de Restauração dos
Telhados e Varandas (2008) sido elaborados pela BK Boghossian e Kiperman
Arquitetos Ltda e Projeto Básico de Restauração (2008) pelas equipes da
COPRIT e Secretaria Municipal de Saúde.
Concepção e Gerenciamento Técnico
Paulo R.T. Bellinha – Vice-Diretor ETU/UFRJ
Fiscalização do Projeto
Eliara Beck Souza – Arquiteta DIPRIT/ETU/UFRJ
Coordenador de Obra
Agenor F. de Sousa – Engº Civil DICON/COPRIT/ETU
Arquitetas
Ângela Hugo
Lélia Fiuza Furtado
Bolsistas de Mestrado
Kleber Marinho
Taisa Carvalho
Bolsistas de Iniciação Científica
Isabel Passos
Graziela Telles
Mariana Laiun

Os Projetos Executivos de Arquitetura e Restauração (2008-2015) foram


desenvolvidos pela RAF Arquitetura e Planejamento Ltda, sob a coordenação
das arquitetas Zélia Magalhães (1ª etapa) e Ana Lúcia Sales (2ª etapa) tendo
sido elaborados os Projetos Complementares pelas empresas listadas abaixo:
Programação Visual – RAF Arquitetura e Planejamento Ltda.; Novas
Estruturas – Abilitá Projetos Estruturais Ltda.; Reforço Estrutural – RG4
Engenheiros Associados Ltda.; Climatização – Consultar Engenharia Ltda.;
Elétrica, Hidrossanitárias, Telefonia, Lógica e Iluminação – Endev Ltda.;
Prevenção e Combate a Incêndio – Hidro Center Instalações e Comércio Ltda.
A execução das obras de telhados e fachadas (2013/2015), varandas
(2015), bem como a restauração dos prédios 07 e 07A (2015-2016) está
sendo realizada pela Studio G Construtora Ltda., tendo Thiago Nunes como
engenheiro responsável.

107
PARTE III – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO DA UFRJ EM RESTAURO

O PALÁCIO

Palácio Universitário, pátio interno, Campus Praia Vermelha, 2015.Acervo COPRIT/ETU


A RESTAURAÇÃO DO PALÁCIO UNIVERSITÁRIO:
REATIVAÇÃO E RESSIGNIFICAÇÃO

O Hospício Pedro II, Patrimônio Arquitetônico Universitário


No início do século XIX, os “desviantes”, seres considerados loucos e
excluídos do convívio social, eram discriminadamente amontoados nos
porões da Santa Casa de Misericórdia, único hospital que atendia publica-
mente à população. Este hospital, porém, sofria fortemente com uma grave
falta de estrutura e de métodos para tratamento da loucura, ciência que
despontava como promissora dentro dos princípios higienistas da época.
Até o final do século XVIII, os que desviavam da dita “normalidade” eram
caracterizados, segundo a historiadora Magali Gouveia Engel, a partir
da capacidade de não racionalização – sua distinção era dada a partir de
aspectos animalescos, sendo percebidos como pessoas imersas em vícios,
problemas religiosos e pobreza. Não havia, até então, uma distinção da
loucura como caso médico: despossuídos, mendigos, prostitutas, criminosos
e alienados eram percebidos como um problema social e tratados das mais
diferentes formas. Somente a partir de meados do século XIX, os alienados
passariam a ser vistos como patologia clínica.
Dentro dessa visão, em 1842 é lançada a pedra fundamental do Hospício
Pedro II, na Chácara do Vigário Geral, Praia Vermelha. O local, na época,
um pouco distante do centro, possuía lotes de maiores dimensões, o que
possibilitava o desenvolvimento de um projeto que contemplasse um
programa de atividades laborais para o tratamento dos alienados como forma
de reinserção social. Para pesquisar os modelos manicomiais vigentes, foi,
então, enviado à Europa o médico Antônio José Pereira das Neves. Segundo
Fernando A. da Cunha Ramos, esta visita teve passagens importantes nas
instituições afins, em especial na França, Bélgica, Alemanha, Inglaterra e
Itália, e a partir daí desenvolveu-se o projeto do Hospício D. Pedro II, de
modo a privilegiar a terapia ocupacional com oficinas de trabalhos. Ainda
segundo Cunha Ramos, a maioria dos serviços voltados para os trabalha-
dores, como sapateiros e marceneiros, dentre outros ofícios, seriam os
modelos terapêuticos ideais a serem adotados, visando o desenvolvimento
de programas que pudessem abarcar essas atividades laborais benéficas à
saúde mental, de acordo com o padrão europeu vigente.

109
PARTE III – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO DA UFRJ EM RESTAURO

O projeto do imóvel é atribuído a Joaquim Guillobel, José Maria Jacinto


Rabelo e José Domingos Monteiro. O edifício desenvolvido, com o seu
formato retangular e estilo neoclássico, prima pela simetria, e contava
originalmente com apenas quatro pátios internos ladeando a Capela São
Pedro de Alcântara, localizada em seu eixo longitudinal. Esta configuração
espacial permitia uma relativa facilidade para o controle dos internos,
além de uma excelente ventilação e iluminação naturais. O imóvel foi
ricamente decorado com um grupo escultórico em mármore de Carrara,
localizado no seu coroamento e salões nobres, contando, ainda hoje, com
corredores que possuem piso de mármore e ônix, tabuões de madeira,
escadas de jacarandá e paredes revestidas com lindos painéis de azulejos
portugueses. A construção apresentava, em seus espaços internos, salões
nobres para o recebimento de familiares dos pacientes, com pinturas
parietais, douramentos, afrescos e grupos de lustres de cristais, que viriam
a justificar a atual nomenclatura de Palácio.
O Hospício D. Pedro II nasceu, então, com a permissão assinada na
data da coroação do jovem Imperador, em um ato simbólico em 18 de
julho de 1841. A instituição materializou o esforço do provedor da Santa
Casa de Misericórdia, José Clemente Pereira, que articulou e conseguiu
convergir diversos interesses da sociedade da época, orientados pelo
arcabouço iluminista, que privilegiava aspectos higienistas e civilizatórios
europeus, concebendo um espaço interno divido por gênero e classe social.
Os internos provenientes das classes mais abastadas eram abrigados na
parte frontal, em quartos individuais, já aos pobres e indigentes eram
destinados os quartos coletivos.
Existem alguns registros feitos por seus internos que dão um claro
panorama da vida no local, sendo o mais conhecido aquele do escritor Lima
Barreto, no Diário do Hospício: o cemitério dos vivos, expondo de maneira
depreciativa a sua perturbação com a nudez e as más condições em que os
internos mais pobres eram tratados, chegando a se referir ao local como
“Bolgia do Inferno”. No entanto, o escritor pondera:

“O hospício é bem construído e, pelo tempo em que o edificaram, com bem


acentuados cuidados higiênicos. As salas são claras, os quartos amplos, de
acordo com a sua capacidade e destino, tudo bem arejado, com ar azul dessa
linda enseada de Botafogo que nos consola [...].”

110
A Restauração do Palácio Universitário: Reativação e Ressignificação

O edifício abrigou o Hospício D. Pedro II até a década de 1940, quando


seus internos foram enviados para a Colônia Juliano Moreira e outras
instituições de saúde mental da época, ficando a edificação com destino
incerto. Esvaziado de suas funções, o prédio abrigaria, inicialmente, o
Externato Pedro II, mas em 1945 é cedido à Universidade do Brasil, que
nomeia, em 1946, o Prof. Arquiteto Archimedes Memória como respon-
sável pelo projeto de adaptação do edifício para Universidade. Em 1949,
começam as obras de transformação de uso, e Pedro Calmon, então Reitor
da Universidade, se compromete com a restauração do Palácio e solicita seu
tombamento em 1953, com a finalização da recuperação total do prédio, que
passou a abrigar a Universidade do Brasil. Ao final da restauração (1949-
1952) a edificação passaria a sediar a Reitoria (1949), a Escola Nacional
de Educação Física (1950), a Faculdade Nacional de Arquitetura (1951),
a Faculdade Nacional de Farmácia (1952) e o Instituto de Psiquiatria,1
responsável pela manutenção do tratamento de doentes mentais no local,
sendo renomeada como Palácio da Praia Vermelha.
O imóvel abrigou, portanto, o primeiro hospital destinado ao tratamento
de doença mental no país e foi local da instalação da primeira cátedra em
psiquiatria da Faculdade de Medicina, início da pesquisa em Psiquiatria,
lá permanecendo apenas o Instituto de Psicologia Experimental (IPUB)
e o de Neurossífilis (Instituto Pinel). Atualmente, abriga os cursos de
Comunicação, Educação, Economia, Administração e Ciências Contáveis,
além da Decania do Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas e do Fórum
de Ciências e Cultura da UFRJ. Após a realização de diversas modificações
e acréscimos ao longo do seu primeiro século de existência, o imóvel passa
a contar com mais dois pátios e uma área construída total de 14.450
metros quadrados. Em 1972 o IPHAN concede o tombamento do edifício
(11/07/1972), inscrevendo-o no Livro Histórico sob o nº 438, folha 72, o
processo nº 503/T.

Conservação e Reativação: dilemas atuais


Um dos principais problemas de conservação do Palácio, negligenciada
ao longo de décadas e com repercussões diretas no desenvolvimento do

1  O Instituto de Psiquiatria da UFRJ foi criado pelo Decreto-Lei nº 591, de 03/08/1938, que
transferiu o Instituto de Psicipatologia e Assistência a Psicopatas para a Universidade do Brasil.
Na década seguinte foi incorporado à Universidade do Brasil (Decreto nº 8393 de 17/12/1945).
Ver em <http://www.ipub.ufrj.br/portal/institucional/historia>. Acesso em: set. 2015.

111
PARTE III – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO DA UFRJ EM RESTAURO

atual projeto de restauração, é a falta de uma gestão integrada do edifício.


Atualmente as unidades que ocupam espaços no imóvel vêm tendo apenas
os seus problemas pontuais resolvidos, e esse procedimento geralmente é
a causa de outros inúmeros danos ao imóvel. É imprescindível a criação de
uma gestão única e especializada na manutenção de imóveis tombados,
que receba todas as condições técnicas e financeiras para que possam ser
realizadas as intervenções necessárias, pois é fundamental se ter uma
visão global da edificação para se perceber os grandes problemas que
influenciam seu uso para sua correta conservação. Cada unidade hoje
tem a sua equipe de limpeza e realiza investimentos para a compra de
equipamentos. Estes são, em sua maioria, aparelhos de ar condicionado
colocados nas esquadrias, forros e fachadas, que acabam danificando as
superfícies, criando colônias biológicas e crostas negras nas fachadas,
infiltrações e fortes vibrações provenientes dos aparelhos instalados nos
forros. Tudo isso, aliado sempre a alguma infiltração, acaba por acelerar a
degradação dos painéis de azulejos e rodatetos nos corredores.
Algumas unidades realizam esforços para conservar pontualmente
certos itens, geralmente já em estado avançado de degradação, em parceria
com a COPRIT – Coordenação de Preservação de Imóveis Tombados, do
Escritório Técnico da Universidade – porém, a questão financeira, muitas
vezes, acaba sendo um empecilho. Com o péssimo estado de conservação
do edifício, as unidades vêm se reunindo com a participação da direção
do ETU e da COPRIT para equacionar, ou, ao menos, minimizar estas
situações e, em função disso, o panorama está aos poucos mudando.
As unidades estão mais conscientes de que somente com a união dos
esforços torna-se possível dar um passo à frente, ficando claro que, para
realizar a conservação do imóvel, é necessária a participação de todos
os atores envolvidos.
O maior problema sofrido pela edificação é a condição atual de conser-
vação de seus telhados. Pelo recente levantamento realizado pela equipe
da empresa contratada para desenvolvimento dos projetos executivos de
restauro, o edifício – talvez pelas suas dimensões e refino dos ambientes,
ou pelas condições econômicas de um país ainda em desenvolvimento
– sempre teve dificuldades na sua correta manutenção. Os registros
fotográficos e históricos das intervenções apresentados mostram que,
desde a sua inauguração até o ano de 2005, foram registradas pelo menos
oito consideráveis ocorrências de obras nos telhados e calhas, causando

112
A Restauração do Palácio Universitário: Reativação e Ressignificação

entupimento com obstrução dos seus condutores. E como não podia


ser diferente, atualmente o telhado se encontra realmente em péssimo
estado. São encontradas ocorrências graves, como o recente rompimento
de uma linha de tesoura do telhado do Salão do Pedro Calmon e o retorno
de água das suas calhas.
As seções das calhas reduzidas, equivocadamente, em intervenções
anteriores conduzem a água para dentro do edifício em pelo menos dois
pontos, que se tornaram verdadeiras fontes de problemas em função
das fortes chuvas que eventualmente incidem na edificação. Casos como
estes poderiam ser contornados, por exemplo, simplesmente com troca
de telhas quebradas e limpeza dos buzinotes, que continuam causando
danos consideráveis ao imóvel. Mas a ausência de uma gestão centrali-
zada dificulta a tomada de decisões, chegando ao cúmulo de se acionar a
defesa civil por conta da percepção de insegurança que é transmitida pela
situação geral. Esta sensação é agravada ainda pelo escorrimento eventual
de águas pluviais em algumas caixas elétricas, o que é um enorme risco
para curto-circuitos e incêndios. É importante pontuar que a subestação,
localizada no interior da edificação, e os painéis de elétrica são novos e
estão em excelente estado, porém alguns quadros de distribuição interna e
parte de fiações ainda são antigas e, infelizmente, ainda estão espalhadas
de forma caótica no forro.
Recentemente foi possível realizar uma manutenção emergencial que
conseguiu melhorar, em parte, as infiltrações. Com o início das obras de
restauração dos telhados e fachadas atualmente executadas pela Construtora
Biapó – sendo o projeto básico dos telhados desenvolvido pela empresa
Ópera Prima e o da recuperação emergencial das fachadas pela equipe da
COPRIT – pode-se prever o fim dos vazamentos crônicos. Essa obra prevê
o restauro completo dos telhados e dos forros do segundo pavimento, a
construção do telhado e forros da capela, consumidos pelo incêndio, e a
recuperação das fachadas do imóvel, com preparação para a restauração
das esquadrias e pintura geral da edificação com silicato de potássio, a ser
realizada na próxima etapa da restauração. A COPRIT atualmente está
avaliando a compra e o uso de um equipamento tipo drone, com câmera
de alta resolução, para realizar a vistoria cotidiana das condições dos
telhados, uma vez que o transitar pelo local para a verificação de telhas
quebradas ocasiona outras tantas quebras, desta forma a manutenção será
feita de forma mais pontual e precisa, minimizando as quebras de telhas.

113
PARTE III – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO DA UFRJ EM RESTAURO

Restauração e Ressignificação: o Projeto de Restauro 2011/2015


No ano seguinte à aprovação do Plano Diretor UFRJ, um evento dramá-
tico tornaria ainda mais urgente a realização das obras de restauração
do Palácio Universitário, cujo projeto estava em gestação desde 2007. A
pequena Capela São Pedro de Alcantara, de 136 metros quadrados, nave
com capacidade para 150 pessoas, pé direito duplo abobadado, janelas altas
com guarda-corpos laterais e altar com imagem de São Pedro Alcantara
esculpida em mármore de Carrara por Johann Pettrich, foi quase que
inteiramente destruída no dia 28 de março de 2011. Um incêndio de
grandes proporções iniciado durante uma obra no telhado da Capela, com
operação de rescaldo que durou uma semana, varreu suas paredes e fez
desabar os tetos do segundo e terceiro andares. O salvamento emergencial
foi realizado, ao longo daquele ano, pela Construtora Biapó,2 sendo a coleta
de material entre os escombros e o escoramento das bases da capela as
primeiras ações de conservação. A capela contava ainda com coro e balcões
no terceiro piso, construída para que os alienados mais calmos pudessem
acompanhar os ritos na época em que funcionava como hospício. Pouco
restou desta parte da edificação: todo o telhado, forro, estruturas, grupo
escultórico, decorações, grande parte do piso, esquadrias e adornos se
perderam, ficando somente as paredes. Nestas, foi descoberta uma grande
extensão de pintura parietal, coberta por camadas de tintas, com camada
pictórica profundamente alterada pelas altas temperaturas causadas pelo
incêndio. A escultura em bronze de Jesus Cristo teve sua cruz de madeira
totalmente consumida, e o bronze calcinado se tornou um ícone trágico do
sinistro. A imagem em Carrara foi reduzida a pó durante o choque térmico
entre as labaredas a ação dos bombeiros para extinguir o incêndio, mas
outra escultura menor esculpida em madeira felizmente foi salva, pois
estava passando por um processo de restauração na Escola de Belas Artes.
Com a comoção nacional causada pelo sinistro, em 2013 foi contratada
através de licitação a empresa Retrô Projetos de Restauro para desenvolver
os Projetos Executivos de Restauração do Palácio Universitário, visando,
principalmente os reparos na Capela São Pedro de Alcântara, nos salões
Dourado, Vermelho, Moniz Aragão e na Sala Anísio Teixeira – interditados
desde o incêndio – mas também a restauração de todos os ambientes

2  Ver em <http://biapo.com.br/site/portfolio/capela-sao-pedro-de-alcantara/>. Acesso


em: set. 2015.

114
A Restauração do Palácio Universitário: Reativação e Ressignificação

originais do Palácio, dotando o edifício com instalações modernas e


condizentes ao novo uso proposto, o que significaria libertar o espaço das
péssimas instalações que o degradam e põem em risco o patrimônio e os
seus usuários. Mas o projeto previa também a mudança do uso acadêmico,
como ainda hoje ocorre, para a instalação de um centro cultural e de
divulgação das pesquisas científicas e produção cultural da universidade.
Este projeto já se encontra aprovado pelo IPHAN – que acompanhou todo
o seu desenvolvimento com as fiscais Regina Quintanilha, arquiteta, e
Claudia Nunes, restauradora – e despertou forte polêmica.
Diante do desafio que representa a compatibilização do uso acadêmico
– com o imperativo categórico da expansão de sua atividade fim – e a
responsabilidade da preservação deste patrimônio material – obrigação legal,
moral e ética do proprietário do bem tombado – a alternativa apresentada
de desenvolver um projeto que funcione como vitrine da produção cultural
e científica da UFRJ nos parece acertada e respeitosa com a importância
do imóvel. Neste sentido, o que está em jogo é a priorização de usos, não
sendo incompatível sua utilização pelas unidades acadêmicas, porém
desta vez não como proprietárias de uma parte do imóvel, tendo em vista
a impossibilidade de se ter conseguido, até o momento, que a utilização de
suas áreas ocorra de uma forma organizada, mas que, por outra, obedeça
a uma lógica de compartilhamento e de gestão integrada.
A este propósito, convém relembrar que o imóvel, diante do seu estado
de degradação, é objeto de um Termo de Ajuste de Conduta, assinado entre
UFRJ, IPHAN e Ministério Público, determinando uma série de interven-
ções aliadas a um cronograma de longa duração para sua implantação.
Este TAC compreende o imóvel inserido dentro de um campus, do qual
fazem parte – além de outro imóvel tombado ao nível estadual (Fundação
Universitária José Bonifácio) – alguns pavilhões remanescentes do antigo
hospício, que constituem uma área de especial interesse patrimonial
(Teatro Qorpo Santo e sobrados adjacentes), apontando, desta forma, para
a necessidade do desenvolvimento de um Plano Diretor para o Campus da
Praia Vermelha, de forma a ordenar a expansão acadêmica, respeitando a
preservação do patrimônio cultural universitário.
Este Plano Diretor, em sintonia com diretrizes gerais estabelecidas pelo
Plano Diretor UFRJ 2020, deve se desenvolver em quatro grandes áreas,
acompanhando os usos e significações históricas da memória local: uma

115
PARTE III – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO DA UFRJ EM RESTAURO

primeira, já definida em torno dos imóveis já tombados; outra em torno


daqueles considerados como área de especial interesse de preservação; uma
terceira que compreende um polo de saúde, já consagrado pelo histórico
do terreno e intimamente ligado ao lugar; e uma quarta que envolve uma
área historicamente ligada à produção cultural. Não necessariamente
diretamente ligadas umas às outras, essas quatro grandes áreas são
entremeadas por edificações sem nenhuma expressão arquitetônica, porém
com um grande potencial de renovação.
Tendo em vista que esta gleba, de proporções consideráveis, está inserida
em uma área de grande valorização de solo, os desafios impostos à sua
conservação são imensos, e, em razão dos vários interesses acadêmicos em
jogo, as consequências desta constatação são de iguais proporções. Muito
embora esta questão extrapole os nossos propósitos aqui, é importante
abordá-la em outra ocasião para uma análise mais aprofundada devido
à relevância da questão que se impõe, caso se queira levar a bom termo
esta proposta de ordenação do espaço público. Mas o que pretendemos
destacar neste momento é que a conservação deste patrimônio passa,
necessariamente, pela sua inserção em um campus universitário que
por sua vez está inserido no coração de uma área metropolitana de 12
milhões de habitantes, fazendo parte da memória nacional e de extrema
relevância cultural.
Nesse sentido, a restauração de um marco exemplar de patrimônio
material, que através deste processo pode ressignificar seu uso acadêmico
através da reativação de suas instalações degradadas, se insere num sentido
mais amplo de ressignificação do papel da universidade como agente de
transformação do espaço social metropolitano. Assim, fazendo um papel
complemntar ao da Cidade Universitária e aos das unidades acadêmicas
extra-campi, tombadas ou não, de forma a disseminar a cultura e a ciência
produzidas em seu seio, a universidade produz um verdadeiro patrimônio
imaterial universitário, e é este o papel transformador que se espera da
UFRJ, para o qual se propõe que este imóvel seja, a justo título, sua vitrine.
Por tudo isso, o momento atual é muito excitante com a perspectiva
de que as diversas obras que vêm sendo empreendidas alcancem êxito,
devolvendo à população não apenas uma restauração de patrimônio material
degradado pelo tempo e pela ausência de conservação, mas que, a partir
daí, possa ser iniciado um processo de ressignificação social de patrimônios

116
A Restauração do Palácio Universitário: Reativação e Ressignificação

imateriais que representam a ciência e cultura desenvolvidas dentro da


universidade, onde a parceria com as empresas envolvidas evidencia sua
importância vital por ser o espelho da materialização técnica desenvolvida
no meio acadêmico.

Paulo Bellinha e Maurício Marinho

Referências Bibliográficas:
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1830-1900. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 2008.
CAETANO, Lucinda O. Palácio Universidade do Brasil (Ex-Hospício de Pedro II). Imagens e
Mentalidades. Rio de Janeiro: UFRJ/EBA, 1993.
CALMON, Pedro. O Palácio da Praia Vermelha. Rio de Janeiro: UFRJ, 2004.
ENGEL. Magali G. Os Delírios da Razão: Médicos Loucos e Hospícios. Rio de Janeiro, 1830-1930.
Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2001.
FERREIRA, Letícia; Palácio Universitário - Pesquisa Histórica de Intervenções e Usos do Bem;
Retrô Projetos de Restauro, 2013.
LEONARDI, Paula. Além dos Espelhos. Memórias, Imagens e Trabalhos de Duas Congregações
Católicas Francesas em São Paulo. 2008. Tese (Doutorado em História da Educação). Universidade
de São Paulo, São Paulo.
LIMA BARRETO, Afonso H. de. Diário do Hospício: O Cemitério dos Vivos. Rio de Janeiro:
Secretaria Municipal de Cultura, 1993.
MATTOS, Illmar R. de. O Tempo Saquarema. São Paulo: Hucitec, 1987.
MORAIS FILHO, José A. M. Festas e Tradições Populares do Brasil. São Paulo: Ed. USP, 1979 [1901].
OLIVEIRA, Antônio J. B. de (Org.). Seminário Memória, Documentação e Pesquisa, Universidade
e os Seus Múltiplos Olhares de Si Mesma. Rio de Janeiro: UFRJ/FCC/SiBI, 2007.
PERES, M. Angélica de A. A Ordem no Hospício: Primórdios da Enfermagem Psiquiátrica no
Brasil (1852-1890). Rio de Janeiro: PPGE-UFRJ/Escola de Enfermagem Anna Nery, 2008.
RAMOS, Fernando A. da C. e GEREMIAS, Luiz. Instituto PHILLIPPE PINEL: Origens Históricas.
Disponível em: <http://www.sms.rio.rj.gov.br/pinel/media/pinel_origens.pdf>. Acesso em: set. 2015.
SCHWARCZ, Lilia M. As Barbas do Imperador. D. Pedro II Um Monarca nos Trópicos. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998.
SOBRAL FILHA, Doralice D. Lazer, Saúde e Ordem: Principais Programas Desenvolvidos na
Arquitetura do Século XIX no Rio de Janeiro e no Recife. Rio de Janeiro: UFRJ/FAU/PROARQ, 2009.
VAINFAS, Ronaldo (Dir.). Dicionário do Brasil Imperial. (1822-1889). Rio de Janeiro: Ed. Objetiva, 2002.
Revista Patrimônio Histórico Edificado da UFRJ, Maio de 2011.

117
PARTE III – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO DA UFRJ EM RESTAURO

O PROJETO DE RESTAURAÇÃO

Ao iniciar o projeto de restauração do Palácio Universitário foi possível


perceber que o reitor Pedro Calmon estava certo ao dizer que se tratava de
“... uma das melhores obras de arquitetura da cidade, senão o seu mais belo
edifício, cuja história constitui um capítulo da evolução da arte no país”. 1
O edifício, construído no período entre 1842 e 1852, tem projeto
arquitetônico atribuído a Domingos Monteiro, Joaquim Cândido Guillobel
e José Maria Jacintho Rebello. Originalmente concebido para funcionar
como Hospital Nacional de Alienados, a partir de 1945 sofreu adaptações
na edificação para instalação do Colégio Pedro II. Em 1948, foi cedido para
a Universidade do Brasil (atual UFRJ) pelo Ministro da Educação Gustavo
Capanema ao reitor Pedro Calmon, que iniciou obras de recuperação do local.
A atual proposta de restauração contempla novamente uma mudança
de uso. O edifício será ocupado integralmente com as funções do Fórum de
Ciências e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O intuito é
se tornar vitrine de toda a produção cultural desta Universidade, revendo a
utilização do Palácio unicamente como local de ensino. Assim, o projeto de
restauração tem como base a leitura completa do bem tombado, desenvol-
vida a partir dos esforços de uma equipe multidisciplinar de profissionais.
Ao investigar detalhadamente o monumento criam-se possibilidades de
intervenção, amadurecidas a partir da execução do cadastro minucioso e do
diagnóstico de patologias. Assim, as soluções nascem do próprio monumento,
como respostas projetuais que dialogam com tempos históricos distintos
e operam conceitos de permanência e modernização. Sob este olhar, a
mudança de uso mostrou-se como uma oportunidade contundente de se
intervir resgatando ambientes, ambiências e elementos que se perderam
ao longo das diversas adaptações pelas quais o edifício passou.
O projeto se calcou no respeito aos elementos construtivos marcantes
da arquitetura do prédio, no resgate de ambientes descaracterizados e
na valorização de elementos artísticos que complementam a tipologia
arquitetônica da edificação. Agregado a estes valores, novos equipamentos
foram adicionados, atendendo as demandas de uso, modernização e
acessibilidade do prédio.

1  Oficio nº 1813, datado de 30 de março de 1953, assinado pelo Reitor Pedro Calmon e
encaminhado ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

118
O Projeto de Restauração

A proposta de recomposição da Capela – destruída no incêndio de


2011 – teve consultoria do arquiteto Cyro Correa Lyra, que priorizou a
reconstituição do espaço religioso com a preocupação de recuperar sua
expressividade: uma capela para cerimônias ocasionais e de caráter solene,
tendo como referência a última ambientação de seu interior. Desta forma,
a execução dos projetos considerou sempre a totalidade do monumento,
respeitando o bem cultural do ponto de vista formal e evitando conflitos
entre o antigo e o novo.

Simone Viana, Arquiteta, Retrô Projetos de Restauro

119
PARTE III – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO DA UFRJ EM RESTAURO

INFORMAÇÕES TÉCNICAS
O Projeto de Restauração do Palácio Universitário (2007/2011) foi
desenvolvido pela equipe da DIPRIT, com contribuições da Equipe Plano
Diretor UFRJ.
Gerenciamento Técnico
Paulo R.T. Bellinha – Vice-Diretor ETU/UFRJ
Recuperação Emergencial das Fachadas
Margaret Lica Chokyu – Profª FAU/UFRJ
Zoneamento e Setorização
Equipe Plano Diretor
Coordenador de Obra
Agenor F. de Sousa – Engº DICON/COPRIT/ETU
Fiscalização do Projeto
Maurício Marinho – Coordenador COPRIT/ETU
Arquiteta
Natascha Azeredo
Bolsistas de Mestrado
Ana Paula Dutra
Carina Mendes
Bolsistas de Iniciação Científica
Marcelo Faria
Mariana Barroso
Vitor Penido
O Projeto Executivo (2012-2015) foi elaborado pela Retrô Projetos de
Restauro, sob coordenação da arquiteta Simone V. de Siqueira. Fizeram
parte da Consultoria de Restauro os arquitetos Cyro Corrêa Lyra e Marisa
Assumpção. Os Projetos Executivos Complementares foram realizados
pelas empresas listadas abaixo:
Acústica – EAV Eletronica Audiovisual Ltda.; Estrutura – Cerne Engenharia
e Projetos; Combate a Incêndio – CO2 – Proinst – Projetos e Sistemas Contra
Incêndio; Projeto de Climatização – Luiz Henrique Otto de Santana; Elétrica,
Hidrossanitárias, Telefonia e Lógica – Projob Engenharia; Projeto de
Paisagismo – Arq. Paisagista Daniele Purper e Equipe Retrô; Luminotécnica
– Illumination Strategic Design Group.

120
Informações Técnicas

A execução da obra de telhados e fachadas (2015-2018) está sendo


realizada pela Biapó Construtora, tendo como responsáveis técnicos a
arquiteta Bartira Bahia e o engenheiro Jorge Campana, a partir do Projeto
Básico de Restauração dos Telhados desenvolvido pela empresa Ópera
Prima Arquitetura e Restauração (2004-2005).

121
PARTE III – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO DA UFRJ EM RESTAURO

A ESCOLA

Projeto de Ampliação e Restauro do Conjunto Arquitetônico da Escola de Música,


Centro, 2014. Acervo LAPA/PROURB
A ESCOLA DE MÚSICA EM CENA

A Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro é um


conjunto arquitetônico localizado na Rua do Passeio nº98, na área central
da cidade, próxima aos Arcos da Lapa e do Passeio Público e vizinha ao
Bairro da Lapa. Desde 1979 a Escola integra a área do Corredor Cultural,
legitimada pela Lei 506/84. O Edifício Principal, o Pavilhão de Aulas e
os bens integrados foram reconhecidos como patrimônio da cidade em
1994. Em 2002 foi a vez do painel “Paisagem Urbana”, de Ivan de Freitas,
um ícone da paisagem cultural da Lapa, que desde 1982 ilustra a empena
cega lateral do Edifício Principal, ter seu valor cultural reconhecido pela
municipalidade. Este conjunto integra o acervo dos imóveis tombados do
Patrimônio Arquitetônico da UFRJ cuja preservação e coordenação dos
projetos de restauro é responsabilidade da Coordenação de Preservação
dos Imóveis Tombados do Escritório Técnico da Universidade (COPRIT/
ETU/UFRJ).

O Imóvel da Escola de Música da UFRJ


A história do imóvel que, hoje, abriga a Escola de Música da UFRJ,
remete ao século XIX. Em 1855, o Governo Imperial adquiriu o sobrado
neoclássico localizado no nobre endereço da Rua do Passeio para receber o
acervo da Biblioteca Nacional, que lá funcionaria por mais de meio século
(1858-1910) até ser transferida para a nova sede da recém-aberta Avenida
Central (1905), atual Avenida Rio Branco. O imóvel foi, então, cedido ao
Instituto Nacional de Música (à época, chamado de Conservatório de
Música, e denominado desta forma até a República), uma instituição que
desde 1855 compunha a 5ª Seção da Academia Imperial de Belas Artes.
Isto faria com que o governo mandasse edificar, próximo a este, a sede do
Instituto na Rua Luis de Camões, inaugurada em 1872. Quando a Academia
se transfere para a Avenida Central em lote próximo à Biblioteca Nacional
e ao Theatro Municipal, o Instituto, agora já desvinculado da mesma, não
muda de endereço. Com a cessão do antigo imóvel da Biblioteca para o
Instituto, este retoma a proximidade com a Academia.
Para a adaptação do antigo sobrado da biblioteca ao novo uso, é chamado o
arquiteto Armando de Carvalho, do Ministério da Justiça e Negócios Interiores.
Ele então projeta o Pavilhão de Aulas, um edifício de três pavimentos, no
fundo do lote, com fachada principal voltada para uma pequena rua com acesso
pela Rua Evaristo da Veiga e em 1913 o Instituto se transfere para o imóvel.

123
PARTE III – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO DA UFRJ EM RESTAURO

A próxima etapa foi a (re)construção do Edifício Principal para dotá-lo


de salas de concertos, cabendo o novo projeto ao Engenheiro Cipriano de
Lemos. Em 1918 Raphael Rabecchi & Cia inicia as obras, que só seriam
concluídas quatro anos mais tarde, à época da Exposição do Centenário da
Independência. Em 1922, o Instituto Nacional de Música é reinaugurado
com uma imponente fachada em estilo italiano e com uma grande sala
de concertos, o Salão Leopoldo Miguez, e em abril de 1931 o Instituto foi
incorporado à Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Em 1974, parte da quadra na qual se insere a Escola de Música foi
demolida para a abertura da Avenida República do Paraguai, e esta inter-
venção dá origem a uma grande empena cega na face voltada para o Largo
da Lapa, onde, em 1982, Ivan de Freitas pinta o painel Paisagem Urbana.

Abrindo os Salões
O Edifício Principal é composto de algumas salas de concerto, dentro do
projeto que modernizou as instalações do Instituto de Música. Dentro dele,
destaca-se a Sala Leopoldo Miguez, inspirado na recém-inaugurada Salle
Gaveau, na referência estética parisiense de 1905, que é reconhecida pela
excelência de sua acústica. Em seu interior ricamente ornado destacam-se
o afresco de Carlos Oswald, os painéis de Antonio Parreiras e o grande
Órgão Tamburini. Outra sala que merece destaque é a Henrique Oswald,
localizando-se no último pavimento, construído após a reforma de 1922,
destinada a concertos de câmara. Com a aquisição do Órgão Tamburini
para a sala de concertos principal, em 1954, o antigo Órgão Sauer é trans-
ferido para esta nova sala, que atualmente apresenta danos causados por
instalações elétricas, infiltrações, elementos decorativos espúrios e falta
de manutenção. Porém, sem tratamento acústico adequado, as janelas
a que brindam com uma bela vista da Lapa deixam também passar os
ruídos externos. Seu restauro, com a instalação de tratamento acústico,
camarim e sala de gravação, pretendem dotar a Escola de Música de salas
de concerto de escalas variadas.

O Projeto de Restauro
O Projeto de Restauro e Ampliação do Conjunto Arquitetônico da
Escola de Música/UFRJ, aprovado em 2011 pelo órgão de tutela municipal,
atende às demandas de conservação integrada do patrimônio arquitetô-
nico, apontadas no diagnóstico preliminar realizado em 2010/2011, e de
ampliação dos espaços destinados à pratica pedagógica e ao apoio às salas

124
A Escola de Música em Cena

de concerto. Este estudo preliminar de nossa autoria foi desenvolvido


na COPRIT/ETU/UFRJ, com a participação de técnicos e professores da
FAU/UFRJ e antecedido pelo Projeto de Restauro do Edifício Principal,
desenvolvido pelo escritório Ópera Prima (2006).
Este estudo reorganiza os espaços internos e externos da Escola a
partir da proposta de um novo anexo destinado às novas salas de aula, a
ser construído no espaço remanescente da demolição dos anexos espúrios
no fundo do lote, e da ampliação do espaço livre com a implantação de um
gradil baixo no alinhamento do canteiro existente na Avenida República
do Paraguai, a fim de salvaguardar o painel “Paisagem Urbana”. Esta
última intervenção, possibilitada pela demolição do muro de alvenaria
que se encontra alinhado com o painel tombado, permitirá a abertura
de um novo acesso. A Escola de Música estará, a partir deste momento,
também voltada para a Lapa, consolidando, assim, uma relação histórica
da Escola com este bairro associado tradicionalmente à música e à boemia
cariocas, revertendo o impacto visual negativo imposto pelo antigo muro
neste trecho.
A construção de uma nova passarela, na lateral do lote que faz limite
com o Automóvel Club e a Escola de Desenho Industrial/UERJ, facili-
tará o fluxo de pessoas e instrumentos, integrando-a espacialmente ao
Conjunto Arquitetônico da Escola. Esta intervenção, somada à abertura
do novo acesso, permitirá identificar o Edifício Principal como Espaço de
Eventos, o antigo Pavilhão de Aulas como Espaço Administrativo e as Salas
Especiais e o Novo Anexo, como Espaço de Aulas. Considerando a grande
de demanda por salas de aula e camarins de apoio às salas de concerto, o
estudo foi desenvolvido de forma a possibilitar uso flexível dos camarins
também como salas de aula, quando estiverem ociosos. Nesse sentido,
sua concepção foi orientada pelo princípio da conservação integrada
aplicado a critérios de intervenção e restauro em bens de interesse para o
patrimonial cultural. A utilização deste princípio, usualmente empregado
em questões relacionadas ao planejamento urbano em áreas de interesse
para o patrimônio cultural, pode ser compreendida pelas interfaces e
contribuições que este projeto estabelece com o espaço urbano.
Um projeto de intervenção na Escola de Música/UFRJ não poderia
ficar alheio a este contexto histórico, cultural e urbano no qual se insere.
A Escola está localizada na confluência dos bairros Centro e Lapa, um

125
PARTE III – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO DA UFRJ EM RESTAURO

espaço que congrega aspectos relacionados tanto à proximidade com a


verticalizada Avenida Rio Branco – principal centro financeiro da cidade –
como também com os ricos exemplares de patrimônio edificado e natural
do entorno imediato, bem como as manifestações culturais que ocorrem
na Lapa, bairro que está passando por transformações com um Projeto de
Revitalização em curso. Neste sentido, o projeto do novo anexo mantém
a altura máxima do Edifício Principal em um envelope que reinterpreta
a concepção e o ritmo da fachada desta edificação histórica em materiais
contemporâneos. Esses materiais permitem um diálogo interessante entre
os espaços internos da nova edificação e o espaço público da Lapa. A nova
edificação estabelece, assim, tanto um contraste como uma reciprocidade
com as edificações históricas do Conjunto, fazendo esta interação entre
o novo e o antigo integrar a Escola de Música ao seu contexto urbano.
Assim, a escada do Novo Anexo constitui-se em um elemento de
destaque na interação entre o imóvel e o bairro da Lapa. Com dimensões
generosas, esta escada desempenha também o papel de espaço articulador
da circulação vertical e convívio, estimulando o uso dos elevadores
apenas para percursos maiores e quando for necessário o transporte de
instrumentos. Ela recebeu fechamento em vidro laminado e é o elemento
central da fachada voltada para a Lapa.
A construção do novo anexo permitirá também equacionar algumas
das questões de infraestrutura que afetam atualmente a Escola de Música:
central elétrica subdimensionada e em péssimas condições de conservação;
cisterna com fissuras; banheiros insuficientes para atender a demanda
desta edificação, na qual se desenvolvem atividades pedagógicas, além de
pesquisa e extensão, contando hoje, apenas com um banheiro feminino,
um masculino e um terceiro para portadores de necessidades especiais,
apenas no térreo; hidrômetro instalado em local inadequado, segundo
critérios de preservação e conservação do patrimônio histórico; e falta
de conforto térmico e acústico, sendo esta uma demanda extremamente
relevante num espaço dedicado à música. Desta maneira, serão alocados
no Novo Anexo, a cisterna, as máquinas de ar condicionado, a central
elétrica e o novo hidrômetro. A nova edificação disporá também de novos
banheiros, acessíveis ao público que frequenta o Conjunto Arquitetônico
da Escola através da passarela.

126
A Escola de Música em Cena

O conforto acústico da nova edificação será assegurado tanto pelo projeto


de arquitetura como pela instalação de divisórias e revestimentos de piso
e teto eco sustentáveis. As edificações preservadas também receberão
estas divisórias, quando indicadas, além de recursos como tratamento
acústico nas janelas e, quando for possível, no revestimento do teto.
Como as questões relacionadas ao conforto acústico são fundamentais
para este conjunto arquitetônico, foram realizadas consultorias desde
os primeiros momentos do projeto. O mesmo ocorreu com as questões
relativas ao conforto térmico que, no caso das edificações existentes,
está fortemente relacionado ao projeto de ar condicionado, sobretudo
na Edificação Principal. No antigo Pavilhão de Aulas e no Novo Anexo,
orientados para o sudoeste – e que recebem, portanto, um inclemente sol
da tarde de outubro a março – buscaram-se soluções que possibilitassem
um menor uso do sistema de ar condicionado. Se na edificação existente
os recursos eram restritos quase que exclusivamente às aberturas da
circulação para a nova passarela, no Novo Anexo a promoção do conforto
térmico participou do projeto da edificação desde a sua concepção. A
fachada frontal recebeu revestimento de chapas expandidas que distou
sessenta centímetros da fachada interna, de janelas de vidro, criando uma
área de circulação de ar que ameniza o impacto da orientação solar sobre
os espaços internos.
A adoção de critérios de acessibilidade plena também esteve presente
desde a concepção deste Projeto. Esta é uma demanda muito importante
em edifícios históricos de uso institucional, mas que apresenta grande
dificuldade de ser alcançada. Além das soluções de acessibilidade terem
que se compatibilizar com o projeto de restauro destes edifícios, muitos
deles carecem de área de manobra, para o atendimento destas demandas.
No caso da Escola de Música, estes espaços foram viabilizados pelas novas
intervenções.
Na Edificação Principal, espaço que apresentou maior dificuldade
para acessibilidade plena, esta foi viabilizada no Foyer pela instalação de
uma plataforma mecânica e pela modernização e reforma dos elevadores
existentes. O elevador localizado entre esta edificação e o antigo Pavilhão
de Aulas, presente já no projeto de 2006, servindo apenas a Edificação
Principal, foi deslocado para frente a fim de permitir a ligação da passarela
com esta edificação e teve sua função ampliada com a abertura do novo
acesso pela Avenida República do Paraguai. Esta intervenção permitirá

127
PARTE III – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO DA UFRJ EM RESTAURO

a ampliação do uso deste equipamento e a retirada do antigo elevador do


Pavilhão de Aulas. Este, além de não atender a demanda da Escola, devido
às suas características e dimensões, não atende também à demanda de
acessibilidade, sendo acessível, apenas, por uma escada que vence os setenta
centímetros do porão alto desta edificação. A circulação vertical do antigo
Pavilhão de Aulas passará a ser feita pelo elevador localizado entre esta
edificação e o Edifício Principal. Os elevadores do Novo Anexo, associados
às passarelas localizadas nos andares correspondentes do antigo Pavilhão
de Aulas complementam as demandas de acessibilidade.
O Projeto de Restauro e Ampliação do Conjunto Arquitetônico da Escola
de Música/UFRJ buscou, assim, assegurar conforto ambiental e acústico,
acessibilidade, vitalidade e conservação ao bem patrimonial a partir da
adoção de critérios de sustentabilidade aplicados à nova edificação, àquelas
preservadas e ao jardim que as integra à cidade que a acolhe, integrando-a
ao contexto urbano.

Andréa Borde

128
A RESTAURAÇÃO DO PAVILHÃO DE AULAS

No momento em que este texto é escrito, a obra de Restauro do telhado


e das fachadas do Pavilhão de Aulas da Escola de Música da Universidade
Federal do Rio de Janeiro está em andamento. Esta intervenção visa
remover construções e intervenções espúrias – liberando espaço no entorno
da edificação –, modernizar a cobertura e o sistema de águas pluviais,
atualizar o sistema de alimentação elétrica e restaurar as fachadas.
O Pavilhão de Aulas, inaugurado em 1913, foi uma edificação realizada
com o intuito de prover novas salas ao então Instituto Nacional de Música.
Possui três pavimentos e um porão de ventilação não habitável; sua
planta é retangular, com hall central abrigando a função de circulação.
As fachadas são sobriamente ornamentadas ao estilo eclético, destacando
os vãos das esquadrias com cercaduras, formas e elementos diferenciados
em cada andar, e possuem frisos que marcam o embasamento e a divisão
dos pavimentos.
O edifício é construído em tijolo maciço, com argamassa de emboço e
reboco à base de cal. Ele é coroado pelo conjunto platibanda e cornija, com
pingadeiras em telha francesa e um pequeno frontão na fachada principal.
Este coroamento abriga do olhar o telhado cerâmico, que também utiliza
telhas francesas e possui peças de ventilação. As calhas e os tubos de queda
são feitos de cobre, enquanto a estrutura é em ferro fundido.
As esquadrias seguem a idéia da ornamentação da fachada e apresentam
modelos diferenciados em suas bandeiras a cada pavimento. Nas salas de
aula, apresentam duas unidades por vão: uma externa com vidro e veneziana
e outra interna com folhas cegas que, ao serem abertas, mimetizam-se aos
revestimentos internos de madeira existentes no ambiente.
Uma obra de restauro é repleta de desafios como, por exemplo, a obtenção
de dados e informações técnicas sobre o edifício desde o período da sua
construção, passando por todas as intervenções realizadas e, inclusive,
eventuais procedimentos de restauro. Estas informações servem para
subsidiar decisões projetuais, assim como conciliar e adaptar os novos
sistemas de instalações às características da edificação. A coleta destes

129
PARTE III – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO DA UFRJ EM RESTAURO

dados ocorre através de pesquisas históricas de textos, documentos


fotográficos, desenhos, pinturas, levantamento cadastral da edificação e
investigações direcionadas, denominadas prospecções.
Determinadas decisões surgem a partir das prospecções e das famosas
“surpresas” que o restauro propicia durante a sua execução, e com o Pavilhão
de Aulas não foi diferente. Na primeira situação, foram realizadas: a
análise técnica das argamassas da fachada, a prospecção estratigráfica das
fachadas e esquadrias e prospecções pontuais da alvenaria para análise
das argamassas. Os fatos inesperados encontrados ficaram por conta
do piso em ladrilho hidráulico – encontrado durante as demolições no
pátio – e uma escada em cantaria, que estava aterrada e servia de acesso
à edificação principal.
Através da análise das argamassas, foi possível confirmar que o revesti-
mento é constituído por duas camadas: a primeira é o emboço, feito de cal
e areia; a segunda faz o acabamento da superfície com uma argamassa rica
em cal, tendo um pouco de gesso e areia adicionados em sua composição.
Na investigação da pintura foram encontradas algumas camadas de
tinta acumuladas ao longo da vida do edifício. As camadas mais antigas
apontaram para tonalidades de ocre. Após esta investigação, foram reali-
zados testes sucessivos para a definição das paletas de cores apropriadas,
de acordo com os materiais atuais disponíveis no mercado. Nas fachadas
optou-se por utilizar tinta de base mineral, composta de silicato de
potássio, por se adaptar à constituição da argamassa de cal e apresentar
boa regularidade em sua tonalidade. Nas esquadrias optou-se pelo esmalte
sintético acetinado. Agrega, ainda, o projeto executivo de restauração das
esquadrias, com detalhes de proteção acústica em bens tombados, itens de
fundamental importância a partir do momento em que a edificação abriga
as funções acadêmicas de ensino e pesquisa na área musical.
Somaram-se aos desafios recorrentes das obras de restauro a conciliação
entre o andamento da obra e o funcionamento da biblioteca da Escola
de Música, cujo acervo deveria ter sido transferido antes do início dos
trabalhos, da sala da guarda patrimonial – ambas localizadas no térreo
da edificação – e das salas de aulas existentes nos pavimentos superiores.

130
A Restauração Do Pavilhão De Aulas

A Studio G Construtora sente-se honrada em fazer parte desta obra que


– ao intervir com coerência e critérios de restauro, recuperando elementos
originais, removendo elementos espúrios e modernizando as instalações
do Pavilhão de Aulas – consolida uma ação de restauro e modernização do
Campus da Escola de Música, responsável por ressaltar e resgatar valores
históricos, identitários e culturais da edificação e da Universidade, que
fomenta e é parte integrante da cultura musical Brasileira.

Wandilson Guimarães. Arquiteto, Construtora Studio G

131
PARTE III – PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO DA UFRJ EM RESTAURO

INFORMAÇÕES TÉCNICAS DA ESCOLA DE MÚSICA


A restauração dos telhados e fachadas, além do desenvolvimento do
projeto executivo de restauração das esquadrias do Pavilhão de Aulas
(2015/2016), está sendo realizada pela Studio G Construtora Ltda., tendo
Wandilson Guimarães como arquiteto responsável.
Esta segunda etapa de obras faz parte do Projeto de Restauro e Ampliação
do Conjunto Arquitetônico da Escola de Música (2011) concebido pela
equipe da UFRJ:
Concepção do Projeto
Andrea L.P. Borde – Prof.ª FAU/UFRJ
Gerenciamento Técnico
Paulo R.T. Bellinha – Vice-Diretor ETU/UFRJ
Coordenador de Obra
Maurício Marinho – Coordenador COPRIT/ETU
Engenheiros
Agenor F. de Sousa – DICON/UFRJ
Sérgio R. Siqueira – DIRED/PU/UFRJ
Lucy A. Grisolia – DIRED/PU/UFRJ
Consultora em Acústica e Conforto Ambiental
Maria Lygia Niemeyer – Prof.ª FAU/UFRJ
Consultor em Instalações Técnicas e Ar Condicionado
Adriano P. Fonseca – Prof. FAU/UFRJ
Consultora em Mobiliário Urbano
Beatriz Afflalo – Prof.ª EBA/UFRJ
Arquiteta
Paula Donegá
Bolsistas de Mestrado
Fagner M. de Oliveira, Aline Mendes
Bolsistas de Iniciação Científica
Mateus B.S. Pinto, João Pedro M. de Oliveira
O restauro do Salão Leopoldo Miguez, fachada e esquadrias do Pavilhão
Principal, bem como o painel Paisagem Urbana, foram executados pela
Decato Arquitetura e Restauração (2006/2007), tendo como responsáveis
técnicos os arquitetos Márcia Braga e Delfim Carvalho, a partir do Projeto
Básico de Restauração do Pavilhão Principal desenvolvido pela empresa
Ópera Prima Arquitetura e Restauração (2005/2006).

132
PARTE IV
POR UMA POLÍTICA DE
CONSERVAÇÃO INTEGRADA
PARTE IV – POR UMA POLITICA DE CONSERVAÇÃO INTEGRADA

O MUSEU

Museu Nacional, acesso principal, Quinta da Boa Vista, 2015.Acervo LAPA/ PROURB
PAÇO DE SÃO CRISTÓVÃO, DE MORADA REAL
A MUSEU NACIONAL

O Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, localizado


no antigo Paço de São Cristóvão, Quinta da Boa Vista, é uma edificação
neoclássica de 13.720 metros quadrados que abrigou a família real portu-
guesa desde a sua chegada ao Brasil até a instalação da República. É tombado
pelo IPHAN no Livro Histórico – inscrição número 23, folha 5 – no Livro
de Belas Artes – inscrição número 14, folha 10 – e no Livro Arqueológico,
Etnográfico e Paisagístico, folha 4. O casarão original doado à família real
foi construído no século XVII para ser sede da fazenda jesuítica de São
Cristóvão, utilizada para criação de gado, mas com a extinção da Ordem
no Brasil, em 1759, seu terreno foi sendo loteado em diversas fazendas.
Quando em 1808 a Família Real Portuguesa se transfere para o Rio,
o comerciante Antônio Elias Lopes, então proprietário do imóvel, doa
o casarão ao príncipe regente Dom João VI. A edificação, ao longo do
tempo, passou por diversas reformas e expansões para se adequar ao uso
residencial da sempre crescente família real portuguesa. Como residência
dos imperadores europeus, esteve ligada ao nascimento da primeira
instituição científica do Brasil e era um dos mais importantes palcos
políticos, econômicos, culturais e sociais do império colonial português.
Em 6 de junho de 1818 Dom João VI assina, neste edifício, o decreto
criando o Museu Real, primeira instituição científica do Brasil, que para
lá se transferiria em 1892.
A primeira sede do Museu Real, no entanto, foi instalada em um
sobrado no Campo de Santana, tendo tido a imperatriz Leopoldina um
papel preponderante na criação desta instituição. Casando-se com D.
Pedro I em 1817, e sendo acompanhada pela Missão Científica Austríaca,
trouxe consigo seu gabinete de minerais doados por seu pai, o rei Francisco
I da Áustria. Desta união surge a criação de um acervo, sendo agregados
posteriormente também itens de botânica e fauna. Dom Pedro II, filho
do casal, foi um grande colecionador e contribuiu significativamente para
sua ampliação, com exemplares nacionais e internacionais adquiridos em
viagens e com o estímulo à visita de exploradores científicos que doavam
exemplares capturados ao museu. Ainda hoje, às vésperas de completar
os 200 anos da criação do Museu Real, o Museu Nacional possui objetos
e peças do acervo das coleções da Família Real.

135
PARTE IV – POR UMA POLITICA DE CONSERVAÇÃO INTEGRADA

Com a instituição da República e o exílio da Família Real em 1889, o Paço


de São Cristóvão ficou brevemente fechado e grande parte dos móveis, obras
de arte e objetos foram posteriormente leiloados pelo recém-empossado
governo republicano. Os acervos museais foram mantidos após uma grande
pressão do Museu Nacional, que tinha a intenção de mantê-los, tais como
peças de mobiliário, além de outras coleções do imperador e também
do próprio edifício. Algumas peças e coleções foram enviadas a outras
instituições, como o Museu Imperial de Petrópolis, na serra fluminense.
Em 1890 o edifício recebeu o Congresso Constituinte Republicano, sendo
construído um grande salão, com a instalação de uma cúpula no seu pátio
central, para poder abrigar o grande número de participantes das sessões.
Posteriormente removida, pois impedia a ventilação e iluminação naturais,
compreendeu-se que esta cúpula degradava o ambiente, e reconstituído o
uso do pátio interno original.
Em 1892 o Museu Nacional é, finalmente, transferido de sua sede na
Praça da República, na área central da cidade e ocupa as instalações do
Paço de São Cristóvão, incorporando os acervos e coleções do Museu do
Imperador. No início do século XX inicia-se uma nova fase de obras de
adaptação que o transformam em Museu de História Natural, e o Jardim
Terraço, atribuído ao arquiteto paisagista Luiz Reys, vem se complementar
ao Jardim das Princesas da época real. Em 1938 o imóvel é tombado pelo
IPHAN e em 1947 passa para a tutela da recém-criada Universidade do
Brasil. A maior peça deste museu é, sem dúvida, o seu edifício, tanto pelo
importante testemunho histórico da sociedade brasileira e seus costumes,
como pelas valiosas coleções que o museu mantém e conserva. Contém
ainda um importante histórico das diversas técnicas utilizadas durante
o longo tempo de sua construção e sucessivas reformas empreendidas.
Por estas razões, este é considerado o maior museu de história natural e
antropológica da América Latina, bem como importante fonte de pesquisa
da evolução das tecnologias de construção empregadas no Brasil ao longo
do tempo.

Os dilemas das transformações de uso


O Paço de São Cristóvão, que conserva traços dos usos anteriores, é,
portanto, um dos principais expoentes do patrimônio arquitetônico da
UFRJ ligado às grandes estruturas do século XIX. Serviu de residência às
famílias real e imperial durante 81 anos e, a partir de 1892, passou a abrigar
o Museu Nacional, instituição científica criada por D. João VI, preservando

136
Paço de São Cristóvão, de Morada Real a Museu Nacional

o prédio como lugar de ciência. Apesar de se ter transferido este status


décadas depois à tutela da Universidade do Brasil, associando-o também
a cultura acadêmica – com a edificação mantendo o aspecto neoclássico do
período D. Pedro II, com projeto atribuído ao arquiteto Manuel de Araújo
Porto Alegre – o Museu Nacional nunca conseguiu ocupar totalmente o
Paço, compartilhando seus espaços com cursos de pós-graduações nas
áreas de Arqueologia, Paleontologia, Geologia, Botânica, Zoologia e
Antropologia Social.
O uso acadêmico, no entanto, não é exatamente o mais indicado para
a edificação, pois acaba por lhe causar danos. É necessário um grande
investimento para adequar o edifício às necessidades destas unidades de
ensino, sem que ocorra uma ocupação predatória destes espaços, fato que
acompanha sua história tal como abaixo exemplificado:
“Alguns locais do palácio foram destruídos: o Observatório Astronômico do
Imperador, a Capela São João Baptista e a torre do relógio. O portão doado
pelo Duque de Northumberland foi transferido para a entrada do Zoológico
na Quinta da Boa Vista. E posteriormente, em 1937, identificamos o desen-
volvimento desordenado do espaço interno do palácio para abrigar ensino e
pesquisa, que seria intensificado com a sua inserção na estrutura universitária.” 1

A crônica falta de preocupação republicana com os imóveis públicos ao


longo de décadas se reflete neste exemplar do período imperial e, apesar
de sua importância histórica espelhada em seu alto número de visitantes,
o Museu sofre com falta de verbas para sua manutenção. A partir desta
constatação, uma gigantesca operação de preservação deste monumento
se coloca como primordial, e em meados da década de 1990 começa a se
formar uma compreensão de que um novo projeto é necessário para serem
organizados tanto os espaços expositivos como os de uso acadêmico, de
forma a que as intervenções de grande monta, que se apresentavam como
urgentes, não interferissem com o calendário de aulas e eventos que lá
se realizavam.
O Projeto de Revitalização e Expansão do Museu Nacional, organizado
pela própria estrutura administrativa da comunidade acadêmica, se
coloca como uma resposta republicana à questão, e um Plano Diretor

1  DANTAS, Regina M. M. C. A Casa do Imperador – do Paço de São Cristóvão ao Museu Nacional.


2007. Dissertação (Mestrado em Memória Social) – Universidade Federal do Estado do Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro.

137
PARTE IV – POR UMA POLITICA DE CONSERVAÇÃO INTEGRADA

para orientar estas intervenções passa a ser uma demanda constante do


IPHAN. A partir destas constatações, organiza-se o desenvolvimento de
uma série de projetos de novas edificações a fim de esvaziar o Paço de seu
uso acadêmico, destacando-se o anexo desenvolvido pelo arquiteto Glauco
Campelo, consagrado à expansão do museu, e outros de responsabilidade
do Escritório Técnico da Universidade, dedicados às atividades acadêmicas.
Especificamente com relação ao Paço de São Cristóvão, uma série de
intervenções eram necessárias para erradicar a infestação de cupins
que assolavam as estruturas de madeira, tanto da edificação como de
seus telhados, colocando-os em risco. Contornado o primeiro obstáculo
e solucionado o problema estrutural, os telhados foram a preocupação
seguinte, sendo que estas obras já foram quase todas executadas,
excetuando-se um dos torreões que se destacam na fachada principal.
Foi somente a partir destes riscos minimizados que se iniciaram as
obras das fachadas, que a partir de 2009 puderam reencontrar seu
tom ocre da época imperial. Internamente, algumas áreas também já
puderam ter algumas de suas instalações renovadas, mas uma série
de obras e compatibilizações de projetos ainda deve ser executada de
forma a modernizar completamente a infraestrutura do Museu, a fim
de que possam, com segurança e critérios precisos, serem restauradas
importantes salas como as do Trono e dos Embaixadores.
Neste sentido, é fundamental a conclusão das restaurações dos telhados
e fachadas da edificação para que se possa promover a correta adequação
e o restauro interno dos ambientes, desta maneira possibilitando que o
Museu Nacional ocupe o edifício, dedicando-o integralmente à exposição
do seu acervo e melhor respeitando o patrimônio universitário. Com
a compreensão dessa ocupação integral, poderá ser empreendida uma
nova concepção de projeto museográfico para as exposições, utilizando o
conceituado corpo técnico do museu, a fim de que possam ser mais bem
promovidas as atividades de pesquisa e disseminação da ciência, atividade
fim da UFRJ. Reservar o espaço do Paço de São Cristóvão unicamente às
exposições também contribuiria para a preservação e expansão dos seus
acervos, assim como possibilitaria a criação de um circuito histórico da
residência de três imperadores que, de certa forma, foram os fundadores
que consolidaram o Brasil como o país que é hoje, sendo esta história parte
indissociável deste palácio e de nossa sociedade.

138
Paço de São Cristóvão, de Morada Real a Museu Nacional

Ao relacionarmos institucionalmente as edificações para uma análise


conjuntural do panorama do patrimônio cultural universitário, guardando
as devidas proporções, esta proposta para o Museu Nacional é bastante
similar ao que atualmente se propõe para o Palácio Universitário na Praia
Vermelha. Verificamos, apenas, a diferença que neste último não há uma
atividade expositiva já consagrada, no entanto, também apresenta conflitos
com o imóvel tombado devido ao uso intensivo e desordenado das atividades
acadêmicas. Registra-se, porém, um agravante neste último, onde não há
uma gestão unificada dos espaços, contrariamente ao Museu, que por sua
vez compreendeu a dificuldade de compatibilizar seu crescimento acadêmico
com as limitações de um imóvel tombado. A partir dessa postura, não se
coloca mais nenhuma resistência à proposta de remanejamento interno de
forma a ordenar seus espaços, atendendo às exigências do IPHAN, órgão
federal de tutela patrimonial ao qual o imóvel está ligado.
Precisamente sobre este ponto, é necessário refletir de uma forma
bastante clara e objetiva sobre o duplo processo deliberatório que envolve
este tipo de tomada de decisão: por um lado, considera-se a justa demanda de
pertencimento ao local confrontada à necessidade de expansão acadêmica,
e, por outro, as demandas administrativas – que enfrentam esta mesma
necessidade, devendo levar em conta a responsabilidade na preservação de
um patrimônio universitário – são confrontadas às dificuldades de obtenção
de verbas para sua correta manutenção e conservação. Conscientes da
dificuldade de enfrentar este duplo desafio, as comunidades acadêmicas
envolvidas têm respostas próprias às questões que lhes são peculiares,
no entanto, a pluralidade que lhe é típica não pode se sobrepujar às suas
responsabilidades de expansão.
Em que pesem as polêmicas acadêmicas que sempre surgem em projetos
de grande envergadura, dado à dificuldade em se atender a todas as
demandas locais das unidades, há um movimento inconteste que marca
uma inflexão de postura da Administração Central da UFRJ no que
tange ao seu patrimônio cultural edificado. Quer seja por insistência dos
órgãos de tutela, que vem insistindo numa centralização das demandas
e canais de comunicação, quer seja pela compreensão da relevância que
este aspecto patrimonial possa vir a representar um ativo em termos de
imagem institucional, percebe-se que, ao longo da primeira década do
século XXI, esta postura vem claramente mudando, e o reflexo pode ser
aferido com as diversas obras e projetos de restauração atualmente em

139
PARTE IV – POR UMA POLITICA DE CONSERVAÇÃO INTEGRADA

curso. O que nos leva a outro duplo dilema quando se trata de enfrentar
estes desafios: por um lado, encontrar as fontes de financiamento para
estes vultosos recursos, por outro estabelecer um consenso em torno de
qual projeto se desenvolver.
A este propósito, o histórico das soluções encontradas pelo Museu
Nacional para contornar a crise crônica de subvencionamento é bastante
esclarecedora, e convém nos determos um pouco para melhor entender a
questão. Ciente da gravidade da crise enfrentada na virada dos séculos XX/
XXI, e a partir da criação, à época, de novos mecanismos de exoneração
fiscal, a instituição soube encontrar junto a empresas privadas algumas
fontes de financiamento para suas obras mais emergenciais, após uma
definição interna de quais seriam suas prioridades e de uma definição
de qual projeto iria implantar. Este movimento foi também seguido pelo
HESFA, sem que este último, no entanto, tenha conseguido financiar,
durante longo tempo, nem uma pequena parte das obras que necessitava.
O que somente vem a comprovar que dois pontos são fundamentais para
o correto equacionamento do financiamento das diversas demandas
acadêmicas: primeiramente, é necessário estabelecer um mínimo consenso
em torno de um projeto, a fim de que se possa implantá-lo a partir de
prioridades claramente definidas, para, em segundo lugar, encontrar os
meios financeiros para execução das obras.
No entanto, a análise dos resultados destes dois casos aqui levantados
revela-nos que o sucesso da operação de contornar as dificuldades encon-
tradas para realização destas obras depende de alguns fatores, tanto
internos quanto externos. Com relação aos fatores internos, as condições de
desenvolvimento das soluções são similares, mas com relação à percepção
externa os resultados são divergentes. O que nos leva a uma constatação
óbvia: segundo os dois exemplos citados, a visibilidade encontra um papel
preponderante nos mecanismos de captação de recursos para viabilização
das obras de restauração pretendidas.

Prospectando caminhos institucionais


Como se pode verificar, ao longo de 20 anos muito já se fez com relação
à preservação deste patrimônio, mas ainda muito pouco se percebe,
diante do estado de abandono ao longo de décadas a que foi relegada
esta relevante instituição pública destinada à ciência e à cultura. Para se
reverter esta situação, a Universidade precisa ainda investir muito para

140
Paço de São Cristóvão, de Morada Real a Museu Nacional

que este patrimônio seja legado a outras gerações. No caso específico do


Museu Nacional, um dos grandes desafios é a realização destas obras
necessárias sem afetar a visitação da instituição. O circuito museográfico
atual pode ser considerado também como uma expressão do maior desafio
enfrentado em muitas edificações notáveis do patrimônio arquitetônico
da UFRJ, apresentando uma sobreposição de camadas históricas plenas de
significados. Independente de uma crítica ao circuito em si, que não nos cabe
aqui, é possível perceber ao percorrê-lo a enorme riqueza documental que
guarda o imóvel. Desde o conjunto arquitetônico e paisagístico às histórias
dos jesuítas e da Família Real na cidade, do acervo etnográfico, paisagístico
e arqueológico, até as reminiscências trazidas pelos presentes recebidos
pelos imperadores e suas famílias, todos estes elementos compõem o rico
acervo patrimonial universitário.
Mas, do ponto de vista institucional, a visibilidade de marca relacionada
à presença na malha urbana e à alta frequência de visitação do Museu não
equaciona toda a questão, nem mesmo quando há consenso em torno
de um projeto, quando se trata de abordar o financiamento das obras
de restauração. Neste sentido, a criação de um grupo de conservação
preventiva dos seus imóveis tombados, que possa ter todos os recursos
necessários para sua plena atuação, nos parece uma proposta que deva ser
encampada com toda a seriedade, a fim de que se possam ser garantidos os
altos investimentos necessários para sua completa restauração. Somente
desta forma, após a conclusão das obras, será possível realmente mantê-los
com qualidade, sem perda de valor de uso patrimonial, na medida em que
o custo deste investimento é infinitamente inferior ao de se empreender
grandes restaurações como as que são atualmente realizadas. Aliado a
este fator, ressaltamos que, sob a ótica da preservação, sempre é melhor
conservar e manter o patrimônio cultural, só devendo se recorrer às obras
de restauração, a rigor, em última instância, quando há risco de perda de
seu valor de uso.
Nesse sentido, os imóveis tombados são para a UFRJ uma grande
oportunidade – abrindo, inclusive, possibilidades acadêmicas articuladas à
criação de programas de extensão voltados à educação patrimonial – e não
unicamente um peso administrativo – como muitas vezes são encaradas as
dificuldades encontradas para equacionar a crescente expansão da produção
acadêmica dentro das limitações físicas impostas pelos órgãos de tutela
destes monumentos – e devem ser mantidos em excelentes condições de

141
PARTE IV – POR UMA POLITICA DE CONSERVAÇÃO INTEGRADA

uso. No entanto, o passivo de décadas de abandono demanda soluções


criativas, do ponto de vista do financiamento de suas custosas obras, de
forma a se transformar em um ativo intelectual presente na sociedade
na qual se insere. Assim, do ponto de vista estritamente institucional
e acadêmico, nos parece que a melhor forma de se enfrentar o problema
é fazer com que estas pluralidades encontradas dentro da comunidade
acadêmica se somem, de forma e se constituir um projeto comum para
facilitar seu financiamento. Desta maneira, poderiam ser encontradas
soluções criativas para solução de seus problemas, onde as diversas
instâncias administrativas se complementariam, contornando um vazio
atávico, que se origina na própria constituição da Universidade, criada a
partir de unidades independentes, e não necessariamente complementares.
Ciente deste desafio, e pronto para enfrentá-lo, a comunidade acadêmica
só tende a cumprir seu papel, que é o de formar novos profissionais que
possam atuar dentro das adversidades de forma ética. Precisamente sobre
este ponto, onde as diversas apropriações que surgem dentro das plurali-
dades dos campos de saber acadêmico – que se confrontam dentro de uma
apropriação conceitual do termo Ética – é que propomos que seja efetuada
uma reflexão mais aprofundada, a partir dos três projetos apresentados neste
livro – Escola de Música, HESFA e Palácio Universitário – seguindo uma
leitura que acompanhe o que chamaremos de uma ética da visibilidade. Esta
apropriação conceitual– que não se alinha puramente à lógica de mercado de
uma visibilidade de marca, por outra, a ela se contrapõe, complementando-a
com valores intrínsecos à produção intelectual, emanada a partir destas
instituições que fazem parte do patrimônio imaterial universitário – nos
parece mais condizente com nossa proposição.
Com estes elementos em mãos, esclarecemos que os três projetos
apresentados neste livro funcionam com como um exemplo bem claro do
que aqui acaba de ser exposto. Apesar de marcos referenciais importantes
da cidade – e inseridos na vida urbana pela intensa programação cultural
oferecida pelo primeiro, pelos relevantes serviços assistenciais à saúde
psicossocial prestados pelo segundo e pela profícua produção intelectual
elaborada pelo terceiro – apenas o último ainda não conseguiu acordar uma
lógica que pudesse culminar com um projeto comum. Não nos parece rele-
vante que a posição geográfica em área central da cidade nos dois primeiros
casos possa ter relevância neste contexto, por outra, é uma lógica interna
que orienta esta dificuldade em espelhar esta ética de visibilidade para o

142
Paço de São Cristóvão, de Morada Real a Museu Nacional

seu projeto acadêmico que afeta o último. Efetivamente, como podemos


perceber, o caminho ainda é longo até se conseguir equacionar as questões
aqui levantadas, e nossa proposição visa apenas apontar alguns caminhos
para que esta reflexão se aprofunde, mas alguns pontos objetivos devem
ser aqui abordados para sua melhor compreensão.
Assim, de um lado apresentamos três casos bem encaminhados de obras
de restauração em andamento, apesar de todas as dificuldades encontradas
e das diferentes escalas de abordagem em todos os processos de tomadas de
decisão, elaboração de projetos, financiamento, gerenciamento e materia-
lização em cada um dos casos. Nesse sentido, convém notar que o processo
de modificação de uso desempenha um papel preponderante, durante todas
essas etapas, podendo até chegar a inviabilizá-las no exemplo do Palácio
Universitário. Por outro lado, o Museu Nacional ao se aproximar dos seus
200 anos, apesar de conseguir de alguma forma resolver estas questões,
deveria sensibilizar o Poder Municipal para aumentar a visibilidade de sua
marca na rede de sinalização viária. Desta forma auxiliaria na sensação de
segurança na chegada de seus inúmeros visitantes, aumentando com isso,
tanto em número como em qualidade, a visitação de suas dependências, o
que complementaria um pouco mais suas parcas verbas de manutenção.
Hoje, infelizmente, em relação a outros museus e centros culturais, ainda é
muito pequena a sua inserção nesta rede de sinalização viária, esperemos
uma nova realidade para breve com novas possibilidades que podem vir a
se abrir a partir de uma maior visibilidade. Os grandes eventos que vêm
sendo realizados na cidade não podem ser um empecilho para atingir este
objetivo, por outra, devem ser uma chance inigualável para inserção deste
monumento nos eventos culturais municipais.
A este propósito, retomando o que dizíamos no início ao apresentarmos
o histórico desta edificação, convém destacar neste momento que o Museu
Nacional da UFRJ está inscrito nos três Livros de Tombo nacionais em
uso. O que significa dizer que fazemos um reconhecimento das múltiplas
redes de significados que esta edificação notável organiza, e que devem ser
salvaguardados, como sublinham essa tripla inscrição. Da constituição da
morada real, depreende-se seu significado histórico, das suas sucessivas
transformações que as acompanharam se compreendem a evolução das
técnicas construtivas e da construção do seu acervo se percebe seu interesse
etnográfico e paisagístico. São, portanto, várias camadas de significados
superpostos – que atestam sua relevância como monumento, condensando

143
PARTE IV – POR UMA POLITICA DE CONSERVAÇÃO INTEGRADA

num único espaço três séculos de história num país que conta com pouco
mais de cinco séculos de existência – camadas estas que devem ser mais
bem percebidas e colocadas em evidência de forma a se melhor compreender
suas consequências, e todas as chances devem ser aproveitadas.
Assim, essas múltiplas redes de significados não podem passar ao largo de
eventos de projeção mundial, e o Poder Municipal deve ser envolvido neste
ponto do processo, de forma a que a produção acadêmica possa também
ser encarada como um grande evento, sendo este aqui compreendido como
um evento cotidiano, e de proporções nacionais, posto que forma toda a
cadeia produtiva neles envolvida, incrementando a economia, tanto local
como nacional. Desta forma, a UFRJ poderia atestar novos valores de uso
ao seu relevante acervo patrimonial dentro de uma ética de visibilidade
tal como havíamos proposto anteriormente, cumprindo seu papel como
grande formadora de mão de obra qualificada.
Diante deste cenário, um enorme desafio institucional se coloca diante
de nossos olhos, que não caberia discorrer no quadro deste livro, cabendo
apenas destacar, antes de concluirmos, que o esforço que vem sendo
empreendido para a preservação deste patrimônio, em todas as instâncias
que compõem a pluralidade da comunidade acadêmica vem, mais uma
vez, atestar seu vigor. O Escritório Técnico da Universidade, através de
sua Coordenação de Preservação de Imóveis Tombados, vem se somando
aos esforços empreendidos pela Pró Reitoria de Finanças, para assegurar
recursos técnicos e financeiros para realização desta tarefa hercúlea.
Esperamos que numa edição posterior possamos inserir também a descrição
das obras de restauração em andamento no Museu Nacional, ao lado de
outros exemplares notáveis das edificações que constituem a diversidade
e riqueza do patrimônio cultural universitário.

Paulo Bellinha e Maurício Marinho

Referências Bibliográficas:
CASTILHO, Mauricio M. A. de. A visibilidade do Museu Nacional da UFRJ na sinalização
urbana da cidade do Rio de Janeiro. In. GAZZANEO, Luiz M. (Org.). Arte e território no mundo
lusófono e hispânico. Rio de Janeiro: UFRJ/FAU/PROARQ, 2014.
Revista Patrimônio Histórico Edificado da UFRJ, Maio de 2011.

144
FINANCIAMENTO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO
UNIVERSITÁRIO: ANÁLISE DAS POLÍTICAS DE PROTEÇÃO
AOS BENS IMÓVEIS TOMBADOS DA UFRJ

Introdução
A análise das questões relativas ao financiamento do patrimônio
cultural universitário, em especial da UFRJ, é uma etapa importante para
a formulação de políticas de conservação integrada deste patrimônio.
Constituído por imóveis tombados que integram, muitas vezes, conjuntos
urbanos de valor patrimonial, estas obras arquitetônicas expressam valores
sociais historicamente constituídos. Eles testemunham os diferentes
usos da edificação, as linguagens arquitetônicas adotadas, mas também
o esforço financeiro investido em sua construção e manutenção. Neste
sentido, busca-se aqui pontuar alguns aspectos centrais na questão do
financiamento ao patrimônio cultural da UFRJ e discutir, brevemente,
algumas questões que despontaram da análise.

A sobreposição entre patrimônio e universidade representa uma


garantia de que esses bens imóveis tombados possam ter valores de usos
para o ensino universitário, sobretudo, como forma de democratização
do acesso e como laboratório in loco para profissionais de projeto, cultura
e restauro. Ao mesmo tempo, a tutela do patrimônio pela UFRJ assegura
a preservação de um símbolo da resistência contra o tempo, com a capa-
cidade de documentar e despertar a memória vivida ou imaginada para
toda a sociedade. Desta forma, é importante entender o financiamento,
a construção, a finalidade original de uso dos imóveis e os valores sociais
que transmitiam como forma de fornecer subsídios ao gestor patrimonial
na estruturação de recursos para as políticas de proteção ao patrimônio
universitário. No que se refere às obras de restauração, a abordagem dos
mecanismos de financiamento das políticas de preservação atuais podem
ser analisadas a partir dos dados relativos às obras de manutenção e
restauração deste patrimônio. Da mesma forma, serão apresentados alguns
registros históricos das composições de custos de construção, a partir dos
projetos originais, dos conjuntos urbanos considerados neste artigo: da
Escola de Música, do Palácio Universitário, e do Instituto de Atenção à
Saúde São Francisco de Assis.

145
PARTE IV – POR UMA POLITICA DE CONSERVAÇÃO INTEGRADA

As condições em que se ofertam os bens do patrimônio histórico


edificado da UFRJ dependem, de um lado, de políticas educacionais que
valorizem o ambiente construído que servirá de suporte para o ensino
superior ao mesmo tempo em que dependem de políticas e investimentos em
conservação e restauração muitas vezes disputadas no âmbito da cultura.
A relevância de pesquisas sobre os gastos públicos diretos ou indiretos
em preservação patrimonial reside no fato de que manter o patrimônio
arquitetônico garante a fruição do bem pela sociedade, transforma-o em
bem econômico, com capacidade de valorizar tanto a configuração do
ambiente construído como do espaço urbano no qual se insere, a partir
dos investimentos em restauração. O bem-estar social deve justificar
os esforços financeiros da sociedade para a manutenção do patrimônio
universitário que constitui o capital cultural (ativos culturais que originam
serviços culturais) de um território capaz de se conectar a redes de ensino
e conhecimento por todo o mundo. O patrimônio da UFRJ representa um
estoque de valor intertemporal que, enquanto capital cultural, é capaz
de fornecer e valorizar uma série de fluxos de serviços culturais não
patrimonializados e gerar efeitos que vão além da esfera local, exercendo
forte influência regional e internacional.
Este estudo está estruturado em dois tópicos. O primeiro aborda as
políticas culturais de preservação do patrimônio da UFRJ disponíveis
atualmente enquanto o segundo discute algumas propostas de gestão
deste patrimônio no que diz respeito ao financiamento de sua conservação.

Economia e políticas do patrimônio arquitetônico


A subvenção estatal para conservação do patrimônio arquitetônico
institucional se justifica, principalmente, porque o mercado não conduz
sozinho a um resultado ótimo em termos de restauração, motivando a
intervenção política ao impor a escolha que maximiza o bem-estar coletivo.
Para Françoise Benhamou,1 os edifícios notáveis que compõem o patrimônio
arquitetônico, considerados como monumentos históricos, seriam:
“(...) bens únicos e não reproduzíveis, são bens semipúblicos: geram efeitos
externos, prestígio nacional, efeitos turísticos, veiculam valores coletivos,
contribuem para forjar a identidade nacional. São a parte fascinante das
paisagens nacionais e induzem o viajante a gastar.” 2

1  BENHAMOU, Françoise. A Economia da cultura. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2007.


2  Ibid., p. 103.

146
Financiamento do Patrimônio Arquitetônico Universitário

Benhamou observa que a elevação dos custos de manutenção do


patrimônio é inevitável, sobretudo pelo processo natural de deterioração
deste bem. Além disso, alguns processos de recuperação exigem métodos
e habilidades de trabalhos qualificados, que tendem a desaparecer. Os
salários são mais elevados do que na construção civil, em geral, ao mesmo
tempo em que muitas ocupações com técnicas imutáveis no trabalho de
restauro estão diminuindo. Isso indica que a Economia de Recuperação
Patrimonial apresenta uma incapacidade de gerar ganhos de produtividade,
acarretando um aumento constante das necessidades de financiamento.
A riqueza da análise e os efeitos econômicos das intervenções patrimo-
niais não residem apenas nos grandes monumentos reconhecidos por todo
o país, ou até mesmo em nível mundial, mas na multiplicidade de pequenos
monumentos e patrimônios arquitetônicos que ainda não foram restaurados
e que podem gerar verdadeiros fluxos econômicos, contribuindo para um
maior dinamismo local em termos de investimento e novos valores de uso.
Como é o caso da relação entre patrimônio arquitetônico e educação, as
políticas públicas podem reverberar por todo território de influência, além
de formar futuros atores culturais e sujeitos corporificados de direitos.
No enfoque das políticas culturais no Brasil, destacam-se pesquisas sobre
o financiamento às atividades culturais no qual o patrimônio arquitetônico
está incluído. Com relação a essas políticas, no âmbito federal, os recursos
são disponibilizados pelo Programa Nacional de Apoio à Cultura (PRONAC),
pelo Orçamento Geral da União (OGU) e também por iniciativas privadas.
O PRONAC, instituído pela Lei Rouanet, dispõe recursos obtidos não só
pelo Fundo Nacional da Cultura (FNC), mas principalmente pelo chamado
“Mecenato”, oferecendo-se incentivos fiscais tais como abatimento no
recolhimento de impostos às empresas que desejam investir em cultura.
Com relação ao financiamento à restauração patrimonial, as políticas
culturais são operacionalizadas através do orçamento e dos recursos que
permitem executar as obras de conservação, geralmente por gastos públicos
diretos ou indiretos. Para viabilizar a proteção dos monumentos públicos
tombados pelo IPHAN, órgão de tutela federal, por exemplo, há duas formas
de financiamento: uma com recursos provenientes diretamente dos cofres
públicos disponibilizados pelo Orçamento Geral da União (OGU) e outra
com recursos disponibilizados pelos mecenas, que deduzem integralmente
esses recursos do montante dos impostos devidos para financiarem as
ações na área da cultura no país. No caso dos bens tombados pelo Estado

147
PARTE IV – POR UMA POLITICA DE CONSERVAÇÃO INTEGRADA

do Rio de Janeiro e seus Municípios, a lógica é semelhante: há uma parcela


de recursos disponibilizados diretamente pelos cofres públicos aos órgãos
da administração direta responsáveis pela Gestão patrimonial e outras
fontes de recursos advindas de renúncia fiscal – abatidas do ICMS, no
caso dos estados, e do ISS, no caso dos municípios – e operacionalizadas
através de editais de projetos culturais.
Esses mecanismos legais foram implantados no Brasil no processo
de redemocratização política, em meados da década de 1980, quando o
Ministério da Cultura (MinC), capitaneado por Celso Furtado, passou a
impulsionar as lideranças empresariais através de uma política de subsídios
fiscais para estimular a produção cultural profissionalizada. Os novos
dispositivos legais vieram no bojo de um discurso em que o Estado era
acusado de “dirigismo cultural” e a sociedade deveria ser formuladora
de projetos culturais, combinando com a descentralização política que
preconizava a responsabilidade de definir onde aplicar os recursos com
outros agentes, como a sociedade civil e a iniciativa privada.
A Lei Rouanet foi criada em um contexto de reforma administrativa
do Estado, que passou a gerir suas políticas de forma descentralizada.
Desse modo, ao lado do Estado, surgiram as figuras dos proponentes e
dos patrocinadores, novos agentes no processo de condução das políticas
públicas formuladas a partir de então. Esse tipo de financiamento à cultura
se tornou um modelo de gestão cultural de instituições públicas, privadas ou
mistas para a prospecção de receitas geradas pelas fontes de financiamento.
Instituiu também o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac) com a
finalidade de captar e canalizar recursos para o setor cultural implementado
pelos mecanismos do Fundo Nacional da Cultura (FNC), do Fundo de
Investimento Cultural e Artístico (Ficart) e de incentivo a projetos culturais.
Uma das atribuições do Pronac na captação de recursos, seja através do
FNC, do Ficart ou do mecenato, consiste em preservar e difundir os bens
do patrimônio cultural e histórico brasileiro, principalmente mediante a
conservação e restauração de prédios, monumentos, logradouros, sítios
e demais espaços, inclusive naturais, tombados pelos poderes públicos.
Desta forma, a doação, ou o patrocínio, não poderá ser efetuada à pessoa
ou instituição vinculada ao agente e, por isso, muitos patrocinadores e
doadores, bem como imóveis considerados patrimônios históricos, como
museus, teatros e bibliotecas, vêm criando instituições culturais sem fins
lucrativos, como ONGs e associações de amigos, para propor projetos de

148
Financiamento do Patrimônio Arquitetônico Universitário

intervenção. O modelo de gestão do patrimônio cultural a partir do marco


legal apresentado pela Lei Rouanet estabelece uma rede de relações ainda
pouco regulamentadas entre Estado, mercado e sociedade civil.
Na disputa por orçamentos para a cultura observa-se um forte compo-
nente político dos agentes envolvidos. Até 2013 o orçamento da União
para esta pasta era cerca de R$ 350 milhões anuais, valor aquém das
necessidades dos diversos setores culturais. Por isso a importância das leis
de incentivo para suprir essa insuficiência de recursos no financiamento
aos projetos integrados de preservação do patrimônio arquitetônico, mas
que precisam ser aprimoradas de modo a corrigir assimetrias, pois não se
impõe uma contrapartida social por parte do mecenato.

Financiamento e gestão do patrimônio arquitetônico da UFRJ


O aspecto historiográfico sobre os custos de construção dos conjuntos
urbanos que compreendem o patrimônio arquitetônico da UFRJ resgata
a concepção dos projetos dos imóveis segundo a finalidade de usos em
que foram concebidos. Os dados desses custos expressos em valores tão
antigos só podem ser comparados no âmbito dos valores sociais e políticos.
As estratégias históricas de financiamento, como o caso em que loterias
foram criadas para arrecadar recursos para a construção de determinadas
obras arquitetônicas de grande escala, bem como para sua a manutenção,
permite traçar uma análise no âmbito da economia política para investigar
em que medidas os sítios urbanos históricos podem ser interpretados
pela sobreposição de valores de uso. As loterias são citadas por Moreira
de Azevedo3 como estratégias para custeio tanto das obras do Hospício
Pedro II e tratamento dos alienados, em 1850, como para manutenção da
edificação após sua inauguração, em 1856.
“A lei provincial de 29 de outubro de 1856 concedeu uma loteria annual a este
hospital emquanto não tiver a provincia do Rio de Janeiro um estabelecimento
semelhante, e o decreto de 10 de setembro do mesmo anno concedeu trinta
loterias para patrimônio do mesmo estabelecimento.”

A esfera de produção das diferentes escalas de patrimônios arquitetônicos


requer análise de custos do patrimônio em que seja possível verificar se o
padrão crescente das escalas arquitetônicas apresentaria custos marginais

3  AZEVEDO, Moreira de. O Rio de Janeiro. Sua história, Monumentos, Homens Notáveis, Usos
e Curiosidades. Rio de Janeiro: B.L. Garnier, 1877. v. 1, p. 396.

149
PARTE IV – POR UMA POLITICA DE CONSERVAÇÃO INTEGRADA

decrescentes de produção, podendo, portanto ser priorizados, muito embora


sua extensão pudesse esbarrar também no preço dos imóveis ou no mercado
do solo em que estivessem localizados. Independente da questão específica
de custos e mensuração de preços, trata-se de uma atividade híbrida cujos
preços são determinados no âmbito da engenharia e construção civil, mas
os valores são mensurados no âmbito da política.
A produção de orçamentos de projetos de restauro, uma vertente do
financiamento patrimonial, está muito voltada aos aspectos políticos para
a liberalização de orçamento para a sua conservação. No caso do financia-
mento à preservação do patrimônio arquitetônico universitário, a questão
política fica mais complexa, pois entra em cena um agente importante
neste processo. A partir da atuação do Escritório Técnico Universitário,
através de sua Coordenação de Preservação de Imóveis Tombados,4 a UFRJ
passa a exercer ativamente o papel de gestão e força política para propor
soluções ao desafio de manter e até ampliar os conjuntos patrimoniais
sob sua jurisdição. O mapeamento das políticas culturais de preservação
patrimonial da UFRJ poderia estar estruturado em um modelo de gestão
baseado em indicadores de prioridade de conservação em que se levassem em
conta a escala, o nível de deterioração e público beneficiado, por exemplo.5
O modelo de financiamento via leis de incentivo à cultura constitui-se
em uma importante fonte de financiamento também para o patrimônio
universitário. A Lei Rouanet, proveniente de renúncia fiscal do imposto
de renda e que instituiu o PRONAC, além das leis semelhantes no nível
estadual e municipal, utilizando-se, respectivamente da renúncia fiscal do

4  Em 2004 foi criado no ETU a DIPRIT – Divisão de Preservação de Imóveis Tombados,


com a atribuição de estabelecer diretrizes para intervenção nos imóveis tombados e ser a
interface da UFRJ junto aos órgãos governamentais de tutela de imóveis tombados. Esta era
uma demanda que se fazia presente desde que se intensificaram os tombamentos dos imóveis
da Universidade, a partir dos anos 1980. São doze conjuntos arquitetônicos e paisagísticos
salvaguardados em uma das três instâncias de tutela patrimonial. Este quadro sublinhou
a premência de serem estabelecidas normas de conduta para a realização de projetos e
intervenções, tendo em vista a conservação e manutenção deste patrimônio, para apreciação
das gerações futuras em toda sua originalidade e autenticidade.
5  A construção de indicadores, considerado por Zancheti e Idaka, como instrumento
fundamental para o monitoramento, análise e avaliação da conservação da sustentabilidade
do patrimônio urbano, poderia ser estendida ao patrimônio arquitetônico universitário.
Ver ZANCHETI, Silvio e IDAKA, Lucia (Org.). Indicadores de Conservação e Sustentabilidade
da Cidade Patrimonial. Recife: CECI, 2011.

150
Financiamento do Patrimônio Arquitetônico Universitário

ICMS e do ISS, são importantes fontes de captação de recursos. Existem


também os projetos que podem ser apresentados ao Fundo Nacional de
Cultura e as emendas parlamentares que destinam verba para projetos,
através do FNC.
Outra frente política importante na busca de recursos para a conservação
do patrimônio universitário seria a proposta de criação de um fundo patri-
monial para instituições públicas de ensino. Com a recente posse da nova
equipe na Reitoria, vem ganhando corpo a ideia de criação de um fundo
destinado à conservação do patrimônio da UFRJ, conforme relatado pelo
Coordenador da COPRIT/ETU, e que merece aqui ser registrada. A partir da
análise do projeto de lei 4643/2012, que regulamenta a criação de fundos
patrimoniais específicos para as fundações e instituições de ensino superior,
há anos em trâmite no Congresso, o Gabinete do Reitor avalia que pode
haver uma boa oportunidade para criação deste fundo, mas que depende
ainda de uma regulamentação legal e um bom gerenciamento para que
possa ser justificada sua criação. Aguardemos estes desdobramentos. Mas
desde já é necessário salientar que uma pauta importante para a utilização
deste fundo seria o resgate de recursos necessários para a manutenção
dos investimentos já realizados em restauração. Este fundo poderia vir
de uma parte da quantia do orçamento anual aplicado para as obras de
conservação do seu patrimônio, sendo que a proposta do orçamento anual
dedicado à conservação facilitaria a engenharia financeira necessária para
estruturar a gestão do patrimônio universitário.
A disponibilidade dos dados em posse do ETU sobre os custos já investidos
e da previsão de custos do quanto ainda se pretende investir na restauração
poderia resultar na construção de um modelo que mensurasse o quanto
custa anualmente em média a conservação do patrimônio da UFRJ, para
que fosse uma rubrica fixa do orçamento repassado para a instituição.
No caso da restauração, este custo é ainda mais importante, posto que
preserva o alto investimento que é realizado. Nunca é demais ressaltar
que esta é uma conta difícil de ser aceita, pois não costuma render muitos
frutos políticos, porém a importância deste investimento, além das verbas
captadas via PRONACs, se revelaria uma importante forma de preservar
também os recursos financeiros alocados, ao lado dos valores culturais
que representam.
Portanto, as ideias lançadas neste tópico ainda estão no âmbito de

151
PARTE IV – POR UMA POLITICA DE CONSERVAÇÃO INTEGRADA

construção metodológica de modo a instigar respostas para questões, tais


como: qual é o cálculo do custo anual de manutenção dos investimentos em
restauração? Como poderíamos relacionar este custo em termos de porcen-
tagem do investimento realizado na restauração? Estas questões deveriam
ser, certamente, consideradas na elaboração de políticas de conservação
integrada do patrimônio arquitetônico universitário, mas uma pergunta
crucial se apresenta neste ponto: o tão falado endowment em relação às
universidades americanas, seria possível considerar para a UFRJ?
Ponto central para a questão do financiamento da restauração, porém
frequentemente negligenciado, apesar de diretamente relacionado, é a
questão de sua manutenção. Mais adiante iremos abordar a criação de um
Plano de Conservação Integrada, colocando em evidência que, em termos
de preservação do patrimônio arquitetônico, a ideia de sustentabilidade
patrimonial parte do princípio que a construção mais sustentável é aquela
que já está construída.

Considerações finais
A reflexão sobre o modelo atual de gestão do patrimônio universitário
e sua interface conceitual com políticas públicas, diagnóstico territorial e
análises econômicas pode ampliar a escala para uma situação que permita
aos gestores um caminho mais solidificado, no que tange à regulamentação
legal da gestão do patrimônio universitário no Brasil. Os critérios para a
conservação desses bens imóveis tombados e semipúblicos nem sempre são
claros e, muitas vezes, o esforço de recuperação depende de força política
e de boa liquidez macroeconômica nas contas nacionais para justificar o
financiamento.
O processo de valoração patrimonial torna-se fundamental para ampliar
o debate referente à sobreposição necessária de valores de usos patrimo-
niais como política de proteção e reconhecimento de valores culturais no
espaço universitário. Esses novos valores de usos contribuem para um tipo
específico de ação no campo do patrimônio, envolvendo ensino superior,
território, políticas públicas e desenvolvimento regional. As ações de
restauração do patrimônio arquitetônico da UFRJ são realizadas em um
processo em que os próprios profissionais contratados nos serviços de
conservação são muitas vezes ex-alunos dos cursos da UFRJ. O próprio
ambiente universitário construído serve de laboratório para o exercício de
futuros profissionais e isto pode ser replicado para outros cursos.

152
Financiamento do Patrimônio Arquitetônico Universitário

Buscou-se analisar, assim, o financiamento da preservação do patrimônio


universitário, repensando o caminho contábil dos gastos públicos em
conservação patrimonial, de um modo geral. Ainda é possível otimizar a
gestão sem aumentar os recursos realmente utilizados de modo a impedir
que políticas executadas via renúncia fiscal concentrem investimentos em
determinadas áreas centrais da cidade, de maior visibilidade e interesse de
marketing empresarial. A regulamentação poderia ser pensada de modo
a garantir maior contrapartida social dos mecenas com ações específicas
segundo a demanda dos gestores do patrimônio universitário, por exemplo,
sendo este um esforço que valeria a pena ser perseguido.

Edmar Araujo Junior

Referências Bibliográficas
ARAÚJO JR., Edmar A. S. de. Economia patrimonial e desenvolvimento: efeitos das políticas
patrimoniais de restauração de monumentos históricos no Estado de Rio de Janeiro. Cadernos
do Desenvolvimento, v.8, n. 12, 2013.
BRANT, Leonardo (Org.). Políticas culturais, v. 1., 2003.
. Faces da Cultura. Revista Integração, 2002.
CALABRE, Lia. Políticas culturais no Brasil: história e contemporaneidade. Fortaleza: Banco do
Nordeste, 2010. v. 1, p. 136.
CALMON, Pedro. O Palácio da Praia Vermelha. Rio de Janeiro: UFRJ, 2000.
CARDOSO, Viviane S. V. et al. A preservação do patrimônio cultural como âncora do
desenvolvimento econômico. BNDES Setorial 34. Setembro de 2011, pp. 351-388, set. 2011.
CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: UNESP, 2001.
De PAOLA, Andrely Q. e GONSALEZ, Helenita B. Escola de Música da Universidade Federal do
Rio de Janeiro: história e arquitetura. Rio de Janeiro: UFRJ, 1998.
FÁVERO, M. de Lourdes de A. Universidade do Brasil: das origens à construção. Rio de Janeiro:
Editora UFRJ/Inep, 2000. v. 1.
FURTADO, Celso. Ensaios sobre cultura e o Ministério da Cultura. In: FURTADO, Rosa F.
d’A. (Org.). Arquivos Celso Furtado, v. 5. Rio de Janeiro: Ed. Contraponto/Centro Internacional
Celso Furtado, 2012.
MIRANDA, Marcos P. et al. (Org.). Mestres e Conselheiros: manual de atuação dos agentes do
patrimônio cultural. Belo Horizonte: Ed. IEDS, 2009.

153
PARTE IV – POR UMA POLITICA DE CONSERVAÇÃO INTEGRADA

QUEIROZ, Andréa C. de B. e OLIVEIRA, Antonio J. B. (Org.). Universidade e lugares de memória


II. Rio de Janeiro: UFRJ/FCC/SiBI, 2009.
ZANCHETI, Silvio M. Financiamento da revitalização urbana na América latina: uma revisão
da teoria e da prática pós 1990. Textos para discussão, n. 1, 2007.

Sites Consultados
Centro de Arte Hélio Oiticica. Ver em <http://www.etu.ufrj.br/index.php/imoveis-tombados>.
Acesso em: set. 2015.
Projeto de Lei 4643/2012. Ver em <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetra
mitacao?idProposicao=558376>. Acesso em: set. 2015.

154
TÓPICOS PARA UM PLANO DE CONSERVAÇÃO INTEGRADA
DO PATRIMONIO ARQUITETÔNICO DA UFRJ

Considerações Iniciais
Estes Tópicos encerram o livro, mas não as pesquisas, projetos e ações
de gestão do patrimônio arquitetônico que estão em andamento na UFRJ.
Por isso mesmo, mais do que “considerações finais” apresento aqui algumas
“considerações iniciais”. A intenção é, através das ideias contidas nestes
tópicos, instigar a produção de novos conhecimentos sobre o tema, bem
como a proposição de novas ações de gestão e planejamento do patrimônio
arquitetônico universitário em suas distintas dimensões e potencialidades.
O que o patrimônio universitário, como conceito operatório que sublinha o
valor simbólico das edificações notáveis onde se desenvolvem as atividades
universitárias, traz como perspectiva para as questões da conservação e
desenvolvimento integrado do singular conjunto de bens que define? O
que os estudos de conservação e restauração trazem para a preservação
do patrimônio universitário? Estas são as duas perguntas que buscarei
responder, ou, ao menos, começar a responder, ao longo destes tópicos.
Antes de passar aos tópicos é preciso esclarecer alguns pontos. O
primeiro deles é sobre o tema do livro. Como vocês já devem ter percebido,
não se trata de um livro sobre os problemas teóricos do restauro abordados,
entre outros, por Beatriz Kuhl,1 ao analisar a preservação do patrimônio
arquitetônico da industrialização, e por Salvador Muñoz Viñas,2 ao enunciar
uma Teoria da Restauração. Também não trata da singular trajetória da
preservação patrimonial no Brasil, ou das narrativas que a legitimaram,
que foram objeto das teses-livros de Maria Cecilia Londres Fonseca 3
e José Reginaldo Gonçalves.4 Mais ainda, este livro não se aprofunda
nas questões pertinentes ao campo do conhecimento da educação ou

1  Ver KUHL, Beatriz. Preservação como ato de cultura. In: . Preservação do Patrimônio
Arquitetônico da Industrialização: problemas teóricos de restauração. Cotia, SP: Ateliê Editorial,
2011 [2008]. p. 59-81.
2  VIÑAS, Salvador M. Teoría contemporánea de la Restauración. Madrid: Síntesis, 2003.
3  FONSECA, M. Cecília L. O patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação
no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997.
4  GONÇALVES, José R. A Retórica da Perda: os discursos do patrimônio cultural no Brasil. Rio
de Janeiro: UFRJ, MEC-IPHAN, 1996.

155
PARTE IV – POR UMA POLITICA DE CONSERVAÇÃO INTEGRADA

mesmo nas questões institucionais relacionadas às origens e trajetória da


Universidade Federal do Rio de Janeiro, objeto das pesquisas e livros de
Maria de Lourdes Fávero. São temas abordados exemplarmente por estes
autores. A eles me referencio.
O tema deste livro é o patrimônio arquitetônico universitário. Isto é, o
patrimônio cultural edificado que tem no “universitário” o valor singular
que perpassa os bens que delimita. Por universitário entende-se tudo o
que se relaciona à universidade, uma instituição voltada para a formação
profissional proporcionada pela educação superior e as atividades de
pesquisa e extensão a ela associadas. Ou seja, este patrimônio arquitetônico
é considerado universitário não apenas por pertencer à universidade, mas
também porque se constitui em um espaço de vivência, onde se produz
um conhecimento universitário, e a partir do qual se pode produzir novos
conhecimentos e capacitações profissionais. Uma abordagem que sinaliza
novas possibilidades para a formulação de planos, projetos e ações voltadas
para a conservação do seu patrimônio.
A adoção deste conceito ampliado de patrimônio se nutre das contri-
buições de Françoise Choay, 5 para o campo do patrimônio cultural, e de
Leonardo Castriota,6 para o contexto brasileiro da preservação (conceitos,
políticas e instrumentos). Estes tópicos se inspiram livremente nas questões
para combate de Choay e na compreensão de conservação integrada da
Carta de Burra. Choay assim sintetiza as três principais frentes de luta a
serem enfrentadas atualmente:
“Primeiro, a da educação e da formação; a seguir, a da utilização ética de nossa
herança edificada (hoje, mercadorias sob o vocábulo patrimônio); e, enfim, a
da participação coletiva na produção de um patrimônio vivo.” 7

O termo conservação integrada é definido na Carta de Burra (2013),


e designa os cuidados a serem dispensados a um bem para que sejam
preservadas as características que lhe conferem uma significação cultural:
“De acordo com as circunstâncias a conservação implicará, ou não, a
preservação ou a restauração, além de manutenção; ela poderá, igualmente,

5  CHOAY, Françoise. L’Allegorie du patrimoine. Paris: Seuil, 1996 [1992]; e CHOAY, Françoise.
Le patrimoine en questions: anthologie pour un combat. Paris: Seule, 2009.
6  CASTRIOTA, Leonardo. Patrimônio Cultural: conceitos, políticas e instrumentos. São Paulo:
Annablume, 2009.
7  CHOAY, op. cit., p. XLIV.

156
Tópicos para um Plano de Conservação Integrada do Patrimônio Arquitetônico da UFRJ

compreender obras mínimas de reconstrução ou adaptação que atendam às


necessidades e exigências práticas.” 8

Este livro nasce, assim, da compreensão da urgência da proposição de


uma política de preservação do acervo arquitetônico de valor patrimonial
da UFRJ, em um contexto ampliado que considere as singularidades
e significações culturais deste patrimônio e das ações voltadas para
a proteção destes bens. Bens de materialidades técnicas e vivências
experimentadas em outras temporalidades, evocadoras de memórias
e formadores de identidades, que devem ser usufruídos e conservados
no presente, de maneira a preservar o futuro. Parto do princípio de que
somente ações articuladas para as quais convirjam os diferentes saberes e
práticas envolvidas neste processo poderão apresentar alternativas social,
econômica e culturalmente sustentáveis, que permitam a todos uma
vivência mais plena deste acervo e dos territórios culturais que o mesmo
agencia. É importante que o patrimônio arquitetônico universitário seja
pensado, portanto, em um contexto de ações articuladas, alimentadas pelas
contribuições teóricas e técnicas trazidas pela pesquisa acadêmica e pela
gestão patrimonial, que permitam estabelecer pontes entre os preceitos e
diretrizes dos órgãos de tutela patrimonial e das Cartas Patrimoniais, as
políticas públicas (culturais, urbanas, sociais, educacionais e econômicas) e
a gestão universitária. Procuramos reforçar a relevância desta compreensão
multidisciplinar, interinstitucional e, fundamentalmente, socioespacial
ao destacar a conservação e a reativação como pressupostos e finalidades
destas ações.
Um segundo ponto que merece destaque é que este livro aborda apenas
o patrimônio arquitetônico, embora este se inscreva em um contexto mais
amplo de patrimônio cultural universitário que compreende também
os bens integrados e os patrimônios documental, científico, imaterial,
paisagístico e urbanístico da universidade. Estas diferentes dimensões
do patrimônio universitário devem ser objeto de políticas específicas. Ou
melhor, seria importante formular políticas voltadas para o patrimônio
cultural universitário, nas quais certo caráter difuso do valor cultural fosse
delineado, mais precisamente, como cultural universitário.

8  Art.14, p. 06. Este artigo contém a seguinte nota explicativa: “Conservação normalmente
visa retardar a deterioração a não ser que a significação do lugar dite de maneira diversa. Pode haver
circunstâncias que não requerem nenhuma ação para se atingir a conservação.” Ver em <http://
australia.icomos.org/wp-content/uploads/The-Burra-Charter-2013-Adopted-31.10.2013.
pdf>. Acesso em: set. 2015.

157
PARTE IV – POR UMA POLITICA DE CONSERVAÇÃO INTEGRADA

Este segundo ponto vem sendo discutido no Grupo de Trabalho para a


constituição de um Sistema de Museus, Acervos e Patrimônio Cultural, no
âmbito do Fórum de Ciência e Cultura, desde 2013. Ao longo das reuniões
que tivemos desde então, muito já se avançou e outro tanto precisa ser,
ainda, desenvolvido. No começo, fomos surpreendidos pela pluralidade
de termos que utilizávamos para descrever nossos objetos, de acordo
com os debates temáticos atualizados. Embora eles se constituíssem
para cada grupo temático uma linguagem plena de significados, para os
outros grupos o mesmo não acontecia. Aprendemos muito neste percurso.
Outro aspecto que deriva, em parte, deste, é que o que se pensou como
um sistema tríplice talvez deva se constituir como sistemas autônomos,
mas articulados entre si e a administração central. Na medida em que
foram sendo ampliados os debates com a comunidade acadêmica, cada
um dos itens – museus, acervos, patrimônio cultural – foi se redefinindo
e ao próprio Sistema. Acredito, porém, que a apresentação do GT e dos
trabalhos que temos desenvolvido, caiba à sua coordenadora, a Profa. Dra.
Claudia Carvalho (MN/FCC/UFRJ) e ao coordenador do Fórum, o Prof.
Dr. Carlos Vainer (IPPUR/UFRJ).9
Isto nos leva ao terceiro ponto, o lugar do patrimônio arquitetônico
universitário na estrutura da universidade e da criação de instâncias
administrativas vinculadas à questão da construção, da conservação
preventiva e da preservação dos conjuntos edificados e paisagísticos
da Universidade. Atualmente, diferentes instâncias administrativas e
acadêmicas da UFRJ têm por objeto o patrimônio cultural e, mais espe-
cificamente, o patrimônio arquitetônico. Diante dos desafios enfrentados
para a conservação integrada destes imóveis, a pergunta que cabe então é:
o que falta? Articulação? Fontes de Fomento? Competência acadêmica para
realizar a proteção dos bens? Como foram resolvidas situações semelhantes
em outros momentos da história desta universidade?
Para começar a responder, ou, quem sabe, levantar algumas possíveis
respostas, é preciso voltar um pouco no tempo. Mais precisamente a 1937,
quando se institui tanto uma Comissão do Plano da Universidade do

9  Mesmo que seja prematuro, não posso deixar de assinalar que a composição multidis-
ciplinar do GT, as consultas realizadas com integrantes de outras Instituições públicas
sobre as experiências, e procedimentos por eles adotados com relação aos museus, coleções
científicas e patrimônio arquitetônico se colocam como uma formação inédita na UFRJ.

158
Tópicos para um Plano de Conservação Integrada do Patrimônio Arquitetônico da UFRJ

Brasil, sinalizando a vontade política de se pensar de maneira mais efetiva


em um campus, um território para a Universidade, como as bases para a
proteção de bens culturais de valor patrimonial.10 São duas ações distintas
capitaneadas pelo então Ministro da Educação Gustavo Capanema, que
tecerão diálogos com afinidades diferenciadas ao longo história da UFRJ.
Se as questões envolvendo a formação de um campus universitário
estavam estreitamente relacionadas à Universidade, a salvaguarda patri-
monial, a princípio, era uma questão estranha ao contexto universitário
do momento. Não que a Universidade não tivesse no seu acervo arquite-
tônico edificações notáveis – cuja singularidade seria reconhecida por
tombamentos nacionais, estaduais e municipal nas décadas seguintes –,
entretanto, até o final dos anos 1940 nenhum imóvel da universidade havia
sido tombado. A partir de 1947, quando o Museu Nacional, tombado em
1938, passa a fazer parte do corpo da Universidade, teríamos o ingresso
de novos imóveis tombados no acervo universitário, o tombamento de
imóveis pertencentes à universidade, e também a construção de novas
edificações que adquiririam, desde os anos 1950, destaque no cenário
cultural nacional e internacional. Pode se considerar que somente a partir
dos anos 1980/1990 é que as questões da salvaguarda patrimonial passam
a fazer parte da dimensão cotidiana da UFRJ de maneira mais intensa.
Gostaria de me concentrar, para buscar responder algumas das perguntas
que formulei há pouco, em três momentos: i) criação do Escritório Técnico
da Universidade para construção da Cidade Universitária e designação
da Seção de Engenharia do Ministério da Educação para realização do
primeiro restauro na universidade, no período entre 1944/1952; ii) a
criação do Fórum de Ciência e Cultura no início dos anos 1970; e , iii)
criação da Divisão de Preservação dos Imóveis Tombados no ETU, da
Comissão do Plano Diretor UFRJ 2020 e do Grupo de Trabalho para a
elaboração de um Sistema Integrado de Museus, Acervos e Patrimônio
Cultural nos anos 2000.
No primeiro período, é criado o Escritório Técnico da Universidade
para se ocupar dos planos e projetos do futuro campus, cujo Plano vinha

10  A partir daquele momento, é reconhecido que algumas edificações seriam portadoras de
significados especiais no contexto nacional. Esta distinção representaria, a partir de então,
no atendimento a uma série de diretrizes para a preservação do imóvel, tendo em vista a
conservação da integridade física e da legibilidade patrimonial do bem.

159
PARTE IV – POR UMA POLITICA DE CONSERVAÇÃO INTEGRADA

sendo elaborado por comissão específica criada em 1937. No entanto, para


as obras de restauro não se constitui um órgão específico correspondente,
estas ficando a cargo da Seção de Engenharia do Ministério da Educação.
Isto ocorre, provavelmente, por que a ocupação da antiga edificação para
uso universitário era considerada como uma etapa provisória, uma vez
que a Cidade Universitária seria o destino das unidades acadêmicas e
da administração central. Vale destacar que este primeiro restauro tem
lugar em uma edificação ainda não inscrita no Livro de Tombo nacional.
Isto é, a restauração não segue nenhuma diretriz do SPHAN, mas às do
olhar atento do então Reitor Pedro Calmon. Um sentimento que pode ser
sintetizado nas palavras de Paul Valery, em um texto publicado em 1945:
“Importa-me acima de tudo obter ‘do que irá ser’ que satisfaça, com todo o vigor
de sua novidade, as exigências razoáveis ‘daquilo que foi’.” 11
Se a elaboração dos planos do novo campus e da restauração da antiga
edificação que organiza o campus da Praia Vermelha hoje seguiram
caminhos distintos ao nível administrativo, ao nível da concepção, no
entanto, a restauração da edificação notável (Palácio da Praia Vermelha)
e a construção de edificações filiadas ao movimento moderno (Cidade
Universitária) caminhavam juntas. Naquele momento conservação/reativação
e construção/inovação eram partes de uma mesma ideia de promoção da
identidade nacional. Da mesma forma que o patrimônio arquitetônico
universitário existente poderia se constituir em um instrumento de
reativação do tecido consolidado, as novas edificações, concebidas com o
esmero e criatividade de futuros patrimônios arquitetônicos, promoveria
a ativação de novos tecidos urbanos. A Universidade seria, assim, não
apenas lugar da ciência, da reabilitação do espírito humano, expressões
recorrentes do discurso calmoniano, mas também o lugar de vitalidade
urbana animado pelos valores civilizatórios, o coração semovente da cidade.
A criação do Fórum de Ciência e Cultura, em 1972, é o segundo momento
que considero importante para analisarmos o lugar do patrimônio cultural
na UFRJ. Este órgão universitário com status de Decania tem como uma
de suas responsabilidades “promover estudos referentes aos progressos dos
vários setores do conhecimento, a difusão científica e cultural e a preservação

11  VALERY, Paul. Eupalinos, ou o Arquiteto. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1996 [1945].

160
Tópicos para um Plano de Conservação Integrada do Patrimônio Arquitetônico da UFRJ

do patrimônio histórico, cultural e artístico”, 12 embora não caiba, regimen-


talmente, ao FCC zelar pelos imóveis da universidade. Esta possível
ambiguidade que pode ser explicada, em parte, pela exiguidade de imóveis
tombados no acervo da UFRJ naquele momento – Museu Nacional (1938),
o Observatório do Valongo (1938), o IFCS (1962) e o Palácio Universitário
(1972) 13 – e pelos movimentos de definição, ampliação e redefinição que
o conceito percorreu desde os anos 1960, a fim de incorporar as múltiplas
manifestações culturais nos diversos níveis de abrangência. Neste sentido
é publicada, também em 1972, a Recomendação de Paris,14 da UNESCO,
estabelecendo critérios definidores para proteção do patrimônio mundial,
cultural e natural, considerados como patrimônios da humanidade. As
Cartas Patrimoniais que se seguem abordam vários aspectos ligados a
este patrimônio ampliado, o que leva a Constituição Brasileira de 1988
a adotar em seu texto o conceito atualizado de patrimônio cultural. Neste
sentido, é possível considerar que por patrimônio histórico e artístico sob
responsabilidade do FCC se entendesse, realmente, o enorme patrimônio
artístico da UFRJ composto por obras de arte, livros, documentos, acervos,
instrumentos científicos e bens integrados aos imóveis e as unidades de
difusão cultural. Ou não. A delimitação pode ser a realização de estudos.
Seja como for, este questionamento só reforça a multiplicidade de patri-
mônios universitários que, certamente geram demandas diferenciadas,
que precisam ser atendidas em suas especificidades.
Chega-se, assim, ao terceiro período em que é tomada a iniciativa de
criação de setores, comissões e grupos de trabalho para atender as demandas
que se assomavam em relação ao patrimônio cultural universitário e ao
território universitário. É neste sentido que é criada no ETU, em 2004, uma
divisão para se ocupar da preservação dos imóveis tombados e formada
uma Comissão para elaboração do Plano Diretor UFRJ 2020, em 2007, que

12  Ver em <http://www.forum.ufrj.br/index.php/quem-somos/institucional>. Acesso


em: set. 2015.
13  Até o início dos anos 1960, na cidade do Rio de Janeiro, os tombamentos eram apenas
nacionais. Em 1963 foi criado, no âmbito da estrutura administrativa do recém-criado
Estado da Guanabara, o Departamento de Patrimônio Histórico e Artístico (DPHA) e, em
1965, foi realizado o primeiro tombamento ao nível estadual no país, o Parque Lage. Na
UFRJ, o primeiro tombamento estadual foi o Palácio Conde dos Arcos, edificação que sedia
a Faculdade de Direito desde 1938.
14  Ver Cartas Patrimoniais em <http://www.iphan.gov.br>. Acesso em: set. 2015.

161
PARTE IV – POR UMA POLITICA DE CONSERVAÇÃO INTEGRADA

após a aprovação do Plano, em 2010, passa a se constituir na instância


responsável pela implementação das ações e projetos contidos no novo
plano. Neste documento, os imóveis tombados das unidades extra-campi
são considerados como um peso, por conta da demanda sempre renovada
de investimentos em conservação preventiva e curativa, sendo o valor
patrimonial analisado predominantemente como um valor de troca, um
asset. Uma visão que destoa da sustentabilidade patrimonial cuja relevância
vem sendo destacada nas últimas décadas. Neste contexto, é criado em 2013,
no FCC, um GT intitulado incialmente de SIMAP, para pensar as questões
relacionadas aos museus (são nove unidades na UFRJ), acervos (mais de
setenta) e patrimônio cultural (imóveis, objetos científicos, obras, entre
tantos outros). Muito se avançou nas reuniões que se realizaram nestes
dois anos. Há um consenso em relação à importância de se constituir um
Sistema Integrado como o que estamos tentando viabilizar. Me parece
que as dúvidas são mais operacionais.
Além das instâncias citadas, o patrimônio está presente hoje, também,
nas atribuições da Pró-Reitoria de Gestão e Governança (PR6) e nas
pesquisas dos programas de pós-graduação e seus laboratórios. A PR6
tem como atribuições relacionadas ao patrimônio da UFRJ: administrar
e zelar pelos seus móveis e imóveis; realizar cadastro e tombamento dos
seus bens móveis e imóveis; e, desenvolver projetos especiais ligados ao
patrimônio imobiliário em consonância com o Plano Diretor da UFRJ e o
PDI (Plano de Desenvolvimento Institucional). As questões do patrimônio
estão presentes na Faculdade de Arquitetura, no Mestrado Profissional em
Projeto e Gestão do Patrimônio (PROARQ) e no Laboratório de Patrimônio
Cultural e Cidades Contemporâneas (LAPA/PROURB); na Escola de Belas
Artes, no Laboratório de Restauro se ocupa dos processos de restauração
dos bens integrados; nos laboratórios da pós-graduação em Sociologia e
Antropologia, do IFCS; e no Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em
Direitos Humanos (NEPP-DH/CFCH), entre outros.
Retomando as perguntas formuladas anteriormente, considero que
talvez o que falte para enfrentar os desafios relacionados à conservação
integrada dos conjuntos arquitetônicos e paisagísticos de valor patrimonial
é, precisamente, a compreensão de sua dimensão universitária e pública.
Enquanto instituição federal de ensino superior na qual a formação
profissional está, indissociavelmente, relacionada ao ensino, à pesquisa
e à extensão, a UFRJ tem a água dos rios, o trigo das montanhas e o sal terra,

162
Tópicos para um Plano de Conservação Integrada do Patrimônio Arquitetônico da UFRJ

só cabendo ao seu corpo social articular estes elementos para fabricar o pão
que alimentará a conservação integrada do seu patrimônio arquitetônico.
Para trocar em miúdos esta receita, passemos aos tópicos contendo aspectos
importantes a serem contemplados em um plano de conservação integrada
dos imóveis tombados e preserváveis da UFRJ, no qual seriam delimitados
conceitos operatórios, procedimentos e diretrizes a serem observadas,
competências, alternativas para financiamento, entre outros aspectos
pertinentes a gestão deste patrimônio universitário.
Tópicos para um Plano de Conservação Integrada do
Patrimônio Arquitetônico da UFRJ
Uma afirmação de Carlos Nelson Ferreira dos Santos, no clássico
“Preservar não é tombar, renovar não é por tudo abaixo”,15 publicado em 1986,
mas que se mantém atual, apesar dos avanços no campo do patrimônio
cultural no Brasil, anuncia o desafio cotidiano que se enfrenta ao pensar,
propor e implementar políticas de preservação do patrimônio cultural:
“Do jeito que vem sendo praticada, a preservação é um estatuto que consegue
desagradar a todos: o governo fica responsável por bens que não pode,
ou não quer, conservar; os proprietários se irritam contra as proibições,
nos seus termos, injustas, de uso pleno de um direito; o público porque,
com enorme bom senso, não consegue entender a manutenção de alguns
pardieiros, enquanto assiste à demolição inexorável e pouco inteligente de
ambientes significativos”.

Estes tópicos buscam, neste sentido, ao menos, construir caminhos


comuns, ou pontos de encontro, entre estas diferentes instâncias que
podem contribuir para a conservação do patrimônio arquitetônico da UFRJ.
1. O primeiro tópico, no caso da UFRJ, sobretudo, deve ser a educação
patrimonial. Sendo uma instituição de ensino, porque não apos-
tarmos em ações contínuas de educação patrimonial? Não nos
faltam professores, alunos ou mesmo conjuntos arquitetônicos e
paisagísticos que possam ilustrar as questões patrimoniais. Neste
sentido, o desconhecimento, por parte da comunidade acadêmica,
das histórias e memórias deste patrimônio, da sua relação com a
formação do espaço urbano carioca e como o ensino superior do
país pode ser revertido com a educação patrimonial. O que faz

15  SANTOS, Carlos N. F. dos. Preservar não é tombar, renovar não é por tudo abaixo.
Revista Projeto, n. 86, p. 60-61, abr. 1986.

163
PARTE IV – POR UMA POLITICA DE CONSERVAÇÃO INTEGRADA

com a universidade e os múltiplos saberes que conecta possa se


constituir no local, por definição, de uma educação patrimonial
inovadora e de excelência;
2. Os imóveis tombados da UFRJ, com suas linguagens arquitetônicas,
dimensões e estados de conservação diferenciados, podem ser
considerados como laboratórios em potencial para o aprendizado
do ofício de conservar e restaurar o patrimônio arquitetônico. Como
se pode observar nas obras de restauro em andamento nos três
estudos de caso apresentados neste livro. Recuperar a positividade
dos diferentes imóveis que compõem o acervo edificado da UFRJ a
partir do seu valor de uso e dos territórios culturais que definem
é tarefa primordial, sobretudo, no caso daqueles protegidos pelo
instrumento do tombamento;
3. Há pouco tempo, inclusive, estes imóveis foram abertos para
visitação de um grupo de alunos de Oficina de Restauro em Pintura
da Fiocruz, coordenada pela Arquiteta Cristina Coelho, para
que os analisassem e trabalhassem em trechos específicos, com
muito sucesso. O que acena para a possibilidade destes imóveis se
constituírem em laboratórios não só de ensino, como de pesquisa
e extensão em parceria com outras Instituições;
4. Como instituição multidisciplinar, a UFRJ tem no corpo acadêmico
muitos dos conhecimentos demandados para a elaboração de
políticas e projetos de conservação integrada destes imóveis. No
campo do patrimônio é importante que haja uma congregação de
diversos saberes, tais como: arquitetura, urbanismo, paisagismo,
direito, química, arqueologia, engenharia, entre outros;
5. Apostando também na pluridisciplinaridade universitária e na
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, que definem
a universidade, e no caráter público da UFRJ, seria importante
formular projetos multidisciplinares de Capacitação, Formação e
Gestão em Patrimônio Cultural voltado à comunidade acadêmica
e ao público em geral;
6. A parceria público-privada poderia ter um viés de cooperação técnica,
contribuindo para a formação dos alunos, professores e técnicos
da UFRJ. Por mais que tenhamos uma congregação de saberes

164
Tópicos para um Plano de Conservação Integrada do Patrimônio Arquitetônico da UFRJ

envolvidos na conservação dos imóveis, é importante estarmos


abertos à troca de conhecimento atualizado com as empresas que
têm know-how acumulado no tema;
7. A parceria público-privada não deveria ser a única alternativa, mas
uma delas. É importante definir em que etapa do processo ela é mais
necessária, delinear seu campo de atuação e, sempre que possível,
potencializar as contribuições que esta parceria pode trazer;
8. Deveríamos constituir de forma mais sistemática registros sobre
os imóveis tombados e preserváveis, incluindo não apenas os
documentos de projeto, mas também os trabalhos acadêmicos
produzidos sobre eles e sobre as políticas de preservação (incluindo
documentação sobre as técnicas retrospectivas e as políticas públicas
e culturais pertinentes);
9. Embora a chancela do PRONAC garanta e agilize a captação de
recursos, como instituição federal com unidades sediadas em
edificações notáveis, esta deveria ser uma das possibilidades de
financiamento para a conservação integrada dos imóveis, e não a
principal, como acontece hoje. Deveria haver uma destinação de
verba do governo federal voltada especificamente para a conservação
e restauração dos imóveis das universidades públicas;
10. Como instituição voltada para a produção do conhecimento, sabemos
a vinculação deste com a inovação nos mais diversos níveis. Desde
inovações tecnológicas, como sociais. Os edifícios modernos da
Cidade Universitária, por exemplo, podem se constituir em uma
belíssima oportunidade de congregar este conhecimento e fazer
da UFRJ uma referência na recuperação de estruturas modernas
(um campo de atuação que ainda se engatinha no país);
11. A pesquisa acadêmica pode se constituir, neste sentido, em um
ponto de encontro entre as abordagens social e tecnologicamente
inovadoras no campo do patrimônio e a gestão do patrimônio
universitário;
12. Algumas das aplicações seriam, por exemplo, a análise do conforto
termo-acústico e ambiental destas edificações e a proposição de
soluções alternativas para equacionar as demandas das unidades;
a proposição de projetos arquitetônicos criativos que dialoguem

165
PARTE IV – POR UMA POLITICA DE CONSERVAÇÃO INTEGRADA

de forma consequente com os imóveis notáveis (entre eles está a


concepção de novas estruturas temporárias em substituição aos
custosos containers utilizados para os remanejamentos necessários
em períodos de obras); a realização de inventários e mapeamento de
danos das edificações; a elaboração de site voltado para o patrimônio
da universidade e a criação de roteiros temáticos entre as diversas
unidades acadêmicas instaladas em imóveis de interesse para o
patrimônio; entre outras;

13. No campo do patrimônio existem muitos avanços relacionados


às inovações tecnológicas aplicadas às técnicas retrospectivas,
mas poucos, ainda, ligados às inovações sociais. Neste sentido,
poderiam ser propostas metodologias de participação social. Um
dos aspectos que seriam atendidos com esta iniciativa seria a
inclusão da comunidade na preservação do patrimônio cultural;

14. Em se tratando dos avanços no campo do patrimônio, nunca é


demais lembrar que o tombamento é apenas um dos instrumentos
previstos para a proteção dos bens patrimoniais e, como assinala
Castriota,16 importante quando, em um primeiro momento, se
lidava com uma concepção mais restrita de patrimônio. Há mais
de três décadas, no entanto, vem sendo acompanhado de outro
instrumento mais flexível, a área de especial interesse, que traz
em seu bojo a realização de planos de gestão. A Universidade tem
autonomia para propor não apenas tombamentos e registros
de patrimônios materiais e imateriais de significação cultural
relevante para a comunidade acadêmica, como delimitar núcleos
de especial interesse patrimonial, viabilizando ações de conservação
integrada dos seus conjuntos arquitetônicos e paisagísticos, nos
quais as forças de transformação entram em conflito com a legibi-
lidade patrimonial, a fim de estabelecer diretrizes que garantam
o atendimento de ambas as demandas. O caso mais evidente no
momento é o Núcleo de Interesse Patrimonial da Praia Vermelha.

15. Deveriam ser propostas articulações com a política urbana do


município que incluíssem ações voltadas para a valorização do
patrimônio arquitetônico universitário, visando melhor integrar

16  CASTRIOTA, op. cit., p. 181.

166
Tópicos para um Plano de Conservação Integrada do Patrimônio Arquitetônico da UFRJ

a universidade à cidade e, esta, à universidade, como preconiza o


Plano UFRJ 2020.
Antes de finalizar estes tópicos, é importante destacar que as ações e
projetos voltados para a conservação do patrimônio arquitetônico da UFRJ
deveriam almejar o que pode se considerar como sustentabilidade no contexto
da preservação, segundo Rojas,17 e que se traduziria em dois tópicos:
16. Assegurar uma destinação de uso adequada aos edifícios e espaços
preservados que garantam sua vitalidade e conservação, mantendo-
-se, permanentemente, as suas características estruturais, esti-
lísticas e funcionais sem requerer novos investimentos em sua
reabilitação;
17. Para alcançar estes objetivos – voltamos ao primeiro tópico – é
necessário investimentos em educação patrimonial, a fim de
conscientizar aqueles que usufruem deste patrimônio e sensibilizar
os agentes de que é possível intervir em conjuntos arquitetônicos e
paisagísticos e núcleos de interesse patrimonial sem comprometer
a identidade e o caráter histórico que os distinguem. A conservação
dos imóveis da UFRJ deveria ser, assim, parte de um processo mais
amplo de aprendizado. Nunca é demais lembrar que a conservação
dos imóveis é um processo cultural, tanto o quanto de atribuição
de valor a determinados bens materiais e imateriais avalizados
como patrimônios culturais.
Aos quais o Comitê de Preservação Sustentável da Associação
Internacional para a Preservação e suas Técnicas (APTI)18 acrescenta,
entre os princípios que devem ser observados quando se trata de susten-
tabilidade patrimonial, a importância do incentivo: à promoção de uma
política de reuso, capaz de produzir efeitos econômicos favoráveis em prol
da recuperação dos imóveis patrimoniais. Vale reforçar que não existe
sustentabilidade patrimonial, sobretudo, em imóveis de valor patrimonial
de uma universidade pública, sem a promoção da acessibilidade cultural.
Por último, mas não menos importante, deve se observar as questões

17  ROJAS, Eduardo. Old Cities, New Assets: Preserving Latin American‘s Urban Heritage.
Washington: Inter-American Development Bank, 1999.
18  Ver em <ht t p://w w w.apt i.org /i nde x.php?src=gendocs& ref=Su st a i n able _
Preservation&category=Technical_Committees>. Acesso em: set. 2015.

167
PARTE IV – POR UMA POLITICA DE CONSERVAÇÃO INTEGRADA

assinaladas na Carta de Burra quanto à responsabilidade na tomada de


decisão e na condução do processo e às competências pertinentes:
“Artigo 29. Responsabilidade pelas decisões: Devem ser identificados as
organizações e indivíduos responsáveis pelas decisões de gestão e deve ser
indicada a responsabilidade específica por cada uma destas decisões;

Artigo 30. Direcção, supervisão e implementação: Deve ser mantida uma


competente direcção e supervisão em todas as fases sendo a implementação
de quaisquer mudanças atribuição de pessoas com conhecimentos e compe-
tências adequadas.”

Caminhos futuros
De forma bastante sintética os caminhos futuros que se anunciam, a
meu ver, para o desenvolvimento das pesquisas, projetos e ações de gestão,
uma vez que este livro não traz os resultados finais das pesquisas, mas
as primeiras conclusões, e projetos em andamento: as reflexões teóricas
e práticas sobre o patrimônio arquitetônico universitário precisam ser
aprofundados, sobretudo, no diálogo com a comunidade acadêmica e com
os órgãos públicos e sociedade civil organizada que estejam interessados
nas inovações sociais, metodológicas e tecnológicas que esta abordagem
pode oferecer. Os ensaios críticos aqui apresentados são provocações no
sentido de ampliar a abrangência das investigações sobre o tema e incitar
o pensamento criativo a ele relacionado.
Sintam-se convidados a se juntar a nós nestes diálogos!

Andréa Borde

168
AUTORES
PARTICIPANTES / AUTORES

Medalha Desportiva do ano de tombamento do frontão e átrio da então Escola de


Engenharia, 1962. Acervo pessoal Andréa L.P. Borde

170
AUTORES
(por ordem de aparição)

Roberto Leher
Reitor da UFRJ (2015-2018). Professor Titular da Faculdade de Educação e
do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRJ na linha Políticas e
Instituições Educacionais. Bolsista Sênior da Cátedra sobre Desenvolvimento
IPEA-CAPES (2011 e 2012), pesquisador do CNPq, e Cientistas de Nosso
Estado – FAPERJ. Doutor em Educação pela USP (1998). Desenvolve
pesquisa em políticas públicas em educação. Integra Comitês Editoriais
de vários periódicos, entre eles: Educação e Sociedade, Margem Esquerda,
Outubro, Temporalis, Trabalho Necessário, Humanidades (Costa Rica)
e Universidade e Sociedade. Professor colaborador da Escola Nacional
Florestan Fernandes. Representante eleito dos Professores Titulares do
CFCH-UFRJ no Conselho Universitário da UFRJ (2013-2017).
Andréa Borde
Professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e do Programa de
Pós-Graduação em Urbanismo da UFRJ. Arquiteta e Urbanista (1986),
Mestre em Artes Visuais (1998) e Doutora em Urbanismo (2006) pela
UFRJ, com Pós-Doutorado em Arquitetura e Urbanismo (2013) pela UFBA.
Pesquisadora do CNPq, onde coordena as pesquisas “O Patrimônio Cultural
Edificado Universitário na Formação do Espaço Urbano do Rio de Janeiro”
(FAPERJ), “Patrimônio Cultural e Cidades Contemporâneas: Construções,
Percursos e Perspectivas” (CNPq) e “O Conjunto Arquitetônico da Escola de
Música da UFRJ: um projeto orquestrado”. Líder do grupo de pesquisa LAPA
(Laboratório de Patrimônio Cultural e Cidades Contemporâneas), do
diretório de pesquisas do CNPq. Coordenadora de Pesquisa e Extensão do
PROURB (2015-2017). Integra o GT-SIMAP (Grupo de Trabalho instituído
para implantação do Sistema de Museus, Acervos e Patrimônio Cultural/
UFRJ) e o Conselho Consultivo da Frente Mista Parlamentar em Defesa da
Cultura na área da Memória e do Patrimônio Cultural. Tem experiência na
área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em Planejamento e Projeto
do Espaço Urbano e Arquitetônico e em Patrimônio Cultural. Tem artigos,
capítulos de livros e ilustrações publicadas, assim como livros organizados.
Foi premiada por projetos elaborados, trabalhos escritos, orientações
desenvolvidas e pesquisas realizadas.

171
PARTICIPANTES / AUTORES

Paulo Bellinha
Vice-Diretor do Escritório Técnico da UFRJ (ETU). Membro do GT SiMAP/
UFRJ (2013) e do grupo de pesquisa LAPA (2014). Participa das pesquisas
“O Patrimônio Cultural Edificado Universitário na Formação do Espaço Urbano
do Rio de Janeiro” (FAPERJ); “Patrimônio Cultural e Cidades Contemporâneas:
Construções, Percursos e Perspectivas” (CNPq) e “O Conjunto Arquitetônico da
Escola de Música da UFRJ: um projeto orquestrado”. Arquiteto e Urbanista
pela FAUSS (1983), Mestre em Ciências Sociais (1996) e Doutor em
Sociologia (2002) pela Université René Descartes, Sorbonne, Paris V. Foi
Coordenador de Preservação de Imóveis Tombados (COPRIT-ETU-UFRJ),
responsável pelo gerenciamento e planejamento de obras e projetos de
restauração (2006/2015), e Coordenador Executivo de Ensino de Graduação
da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ (2002/2006). Tem
experiência em Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em Planejamento
e Gerenciamento de Obras e Projetos de Restauração, participação em
congressos e bancas de avaliação de prêmios institucionais, mestrados e
Trabalhos Finais de Graduação em Arquitetura, além de diversos artigos
publicados em periódicos nacionais e revistas internacionais, trabalhando
também como consultor de Comunicação Empresarial.
Guilherme Meirelles
Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Urbanismo da UFRJ.
Membro do LAPA. Participa das pesquisas “O Patrimônio Cultural Edificado
Universitário na Formação do Espaço Urbano do Rio de Janeiro” (FAPERJ) e
“Patrimônio Cultural e Cidades Contemporâneas: Construções, Percursos e
Perspectivas” (CNPq). Arquiteto e Urbanista (2010) e Mestre em Arquitetura
e Urbanismo (2013) pela UFF. Realiza trabalhos sobre a história urbana da
cidade do Rio de Janeiro, como pesquisas históricas e análises tipológicas
de imóveis de interesse patrimonial, pesquisas iconográficas, e produção
de material cartográfico.
Eliara Beck Souza
Arquiteta da Coordenação de Preservação de Imóveis Tombados do
Escritório Técnico da UFRJ (COPRIT-ETU-UFRJ), atuando junto a
projetos e obras de restauração. Arquiteta e Urbanista graduada pela UFPR
(2012). Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela UFRJ (2015). Participa
da pesquisa “O Patrimônio Cultural Edificado Universitário na Formação do

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Espaço Urbano do Rio de Janeiro” (FAPERJ). Tem experiência na área de
Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em Patrimônio Cultural, História
da Arquitetura e História Urbana.
Aníbal Sabrosa
Sócio fundador da RAF Arquitetura. Vice-presidente de Relações com enti-
dades governamentais da Associação Brasileira de Escritórios de Arquitetura
(AsBEA – Rio). Arquiteto e Urbanista graduado pela Universidade Santa
Úrsula (1988). Possui participações em congressos e seminários no Rio
de Janeiro e São Paulo, atuando como ouvinte e palestrante, tendo feito
visitas à renomadas instituições no exterior. Responsável pela elaboração,
coordenação e gerenciamento de projetos em diversas áreas.
Thiago Nunes
Engenheiro Civil graduado pela UFF (2011). Atua na Studio G Construtora
desde 2011, em obras de preservação e restauração de imóveis tombados.
Possui experiência na gestão e execução de contratos de obras públicas.
Atualmente engenheiro residente na obra de Restauração do Patrimônio
do HESFA – UFRJ.
Maurício Marinho
Diretor da Divisão de Preservação de Imóveis Tombados do Escritório
Técnico da UFRJ (COPRIT-ETU-UFRJ). Arquiteto e Urbanista (2009)
e Mestre em Arquitetura (2012) pela UFRJ, na linha de pesquisa de
Restauração e Gestão de Bens Culturais. Participa da pesquisa “O Patrimônio
Cultural Edificado Universitário na Formação do Espaço Urbano do Rio de
Janeiro” (FAPERJ). Possui experiência na área de Arquitetura, com ênfase
em Restauração de Bens Culturais, Projetos Museográficos e de Interiores.
Simone Viana
Diretora da Retrô – Projetos de Restauro. Arquiteta e Urbanista graduada
pela PUC Goiás (1998). Pós-Graduada em Gestão em Restauro Arquitetônico
pela Universidade Estácio de Sá (2010). Arquiteta especialista em Restauro
Arquitetônico.
Wandilson Guimarães
Arquiteto e Urbanista graduado pela UFF (2008). Mestrando no Programa de
Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFF. Concentra seus estudos
acadêmicos em Urbanismo, Teoria e História, Patrimônio, Arquitetura

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Modernista Brasileira e Modernismo. Possui experiência na área de
Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em Projeto e Execução de Obras de
Restauro Arquitetônico.
Edmar Araujo Junior
Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Urbanismo da UFRJ.
Membro do LAPA. Economista graduado pela UFF (2005), especializado
em Política e Planejamento Urbano pelo IPPUR-UFRJ (2008), Mestre
em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais pela ENCE/IBGE (2010).
Possui Mestrado Profissional em Preservação do Patrimônio Cultural
pelo IPHAN. Tem experiência na área de políticas sociais, com ênfase
em políticas públicas de habitação e urbanismo, mercado de trabalho,
urbanização de favelas. Pesquisador nas áreas de Economia da Cultura e
Patrimônio Cultural.

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Este livro foi impresso no Brasil
pela Gráfica Walprint para a Editora Prourb
Fontes Chaparral Pro e Gill Sans
Tiragem 1000 exemplares
Novembro de 2015

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