Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
LÍNGUA Material
complementar
PORTUGUESA I BIMESTRE
O tipo narrativo
Os tipos narrativos podem ser ficcionais ou PROFA. MA. NEILA GARCÊS
não-ficcionais. Nos primeiros, ocorre a criação
de uma alegoria da realidade, recriada pelo
escritor e revelada por um narrador, que expõe
fatos vividos por personagens em um dado
Biografia
tempo e ambiente. Neles se destaca a
verossimilhança, e podem ser: contos, A biografia é um gênero em
romances, crônicas, etc. que se relata a história de
Já os textos narrativos não-ficcionais vida de alguém, geralmente
apresentam o compromisso com a veracidade quem tenha feito algo
dos acontecimentos que narra, de um modo a significativo para a
ilustrá-los da forma que ocorreram na realidade. sociedade.
Eles podem ser: notícia, reportagem, etc.
Dorina Gouvêa Nowill nasceu na cidade de
CONTO - APELO São Paulo/SP, em 28 de maio de 1919, sendo
Amanhã faz um mês que a Senhora está filha de Dolores Panelli Gouvêa e Manoel
longe de casa. Primeiros dias, para dizer a Monteiro de Gouvêa. De 1927 a 1935, Dorina
verdade, não senti falta, bom chegar tarde, fez o Primário e o Ginásio (atual Ensino
Fundamental I e II) no Externato Elvira
esquecido na conversa de esquina. Não foi
Brandão.
ausência por uma semana: o batom ainda no No ano seguinte, em 1936, Dorina ficou
lenço, o prato na mesa por engano, a imagem de cega, sem saber a causa real da perda de sua
relance no espelho. visão. Mesmo com as limitações do ensino da
Com os dias, Senhora, o leite primeira vez época, ela ingressou no chamado Curso
coalhou. A notícia de sua perda veio aos poucos: Regular, na Escola Normal Caetano de
Campos, em São Paulo, em 1943. A futura
a pilha de jornais ali no chão, ninguém os
educadora foi a primeira estudante cega a
guardou debaixo da escada. Toda a casa era um frequentar o Curso Regular.
corredor deserto, até o canário ficou mudo. Não Em 1946, Dorina foi aos Estados Unidos
dar parte de fraco, ah, Senhora, fui beber com os especializar-se em educação para cegos. A
amigos. Uma hora da noite eles se iam. Ficava especialização foi feita pelo curso Teacher´s
só, sem o perdão de sua presença, última luz na College, da Universidade de Columbia. O
contato com fundações localizadas em solo
varanda, a todas as aflições do dia. Sentia falta
estadunidense possibilitou a troca de
da pequena briga pelo sal no tomate — meu jeito experiências e deu-lhe a possibilidade de
de querer bem. Acaso é saudade, Senhora? Às conseguir apoio para trazer a produção em
suas violetas, na janela, não lhes poupei água e braille para o Brasil.
elas murcham. Não tenho botão na camisa. Calço Dorina recebeu da Kellogg Foundation e da
a meia furada. Que fim levou o saca-rolha? American Foundation for Overseas Blind uma
imprensa braille completa para dar início ao seu
Nenhum de nós sabe, sem a Senhora, conversar
projeto mais conhecido: a Fundação para o
com os outros: bocas raivosas mastigando. Livro do Cego no Brasil — atual Fundação
Venha para casa, Senhora, por favor. Dorina Nowill.
Dalton Trevisan. mundoeducacao.com
A última crônica de Fernando Sabino 2
A caminho de casa, entro num
botequim da Gávea para tomar um café junto ao O homem atrás do balcão apanha a porção do
balcão. Na realidade estou adiando o momento bolo com a mão, larga-o no pratinho – um bolo
de escrever. A perspectiva me assusta. Gostaria simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena
de estar inspirado, de coroar com êxito mais um fatia triangular.
ano nesta busca do pitoresco ou do irrisório no A negrinha, contida na sua expectativa, olha a
cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas garrafa de Coca-Cola e o pratinho que o garçom
recolher da vida diária algo de seu disperso deixou à sua frente. Por que não começa a comer?
conteúdo humano, fruto da convivência, que a Vejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em
faz mais digna de ser vivida. Visava ao torno à mesa um discreto ritual. A mãe remexe na
circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição bolsa de plástico preto e brilhante, retira qualquer
do acidental, quer num flagrante de esquina, coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos, e
quer nas palavras de uma criança ou num espera. A filha aguarda também, atenta como um
acidente doméstico, torno-me simples animalzinho. Ninguém mais os observa além de
espectador e perco a noção do essencial. Sem mim.
mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe
meu café, enquanto o verso do poeta se repete espeta caprichosamente na fatia do bolo. E
na lembrança: “assim eu quereria o meu último enquanto ela serve a Coca-Cola, o pai risca o
poema”. Não sou poeta e estou sem assunto. fósforo e acende as velas. Como a um gesto
Lanço então um último olhar fora de mim, onde ensaiado, a menininha repousa o queixo no
vivem os assuntos que merecem uma crônica. mármore e sopra com força, apagando as chamas.
Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba Imediatamente põe-se a bater palmas, muito
de sentar-se, numa das últimas mesas de compenetrada, cantando num balbucio, a que os
mármore ao longo da parede de espelhos. A pais se juntam, discretos: “Parabéns pra você,
compostura da humildade, na contenção de parabéns pra você…”. Depois a mãe recolhe as
gestos e palavras, deixa-se acrescentar pela velas, torna a guardá-las na bolsa. A negrinha
presença de uma negrinha de seus três anos, agarra finalmente o bolo com as duas mãos
laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está
pobre, que se instalou também à mesa: mal ousa olhando para ela com ternura – ajeita-lhe a fitinha
balançar as perninhas curtas ou correr os olhos no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe
grandes de curiosidade ao redor. Três seres cai ao colo. O pai corre os olhos pelo botequim,
esquivos que compõem em torno à mesa a satisfeito, como a se convencer intimamente do
instituição tradicional da família, célula da sucesso da celebração. Dá comigo de súbito, a
sociedade. Vejo, porém, que se preparam para observá-lo, nossos olhos se encontram, ele se
algo mais que matar a fome. perturba, constrangido – vacila, ameaça abaixar a
Passo a observá-los. O pai, depois de contar o cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se
dinheiro que discretamente retirou do bolso, abre num sorriso.
aborda o garçom, inclinando-se para trás na Assim eu quereria minha última crônica: que fosse
cadeira, e aponta no balcão um pedaço de bolo pura como esse sorriso.
sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando Elenco de cronistas modernos. 21ª ed. Rio de
imóvel, vagamente ansiosa, como se aguardasse Janeiro: José Olympio, 2005.
a aprovação do garçom. Este ouve, concentrado,
o pedido do homem e depois se afasta para
atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os
lados, a reassegurar-se da naturalidade de sua PROFA. MA. NEILA GARCÊS
presença ali. A meu lado o garçom encaminha a
ordem do freguês.
Fábula 3
Fábula é um gênero narrativo alegórico, marcado pela reflexão de contextos
comuns da realidade. A abordagem ocorre de modo figurado, em que se propõe um
ensinamento moral. Veja um exemplo:
A linha não respondia nada; ia andando. Buraco
I UM APÓLOGO DE MACHADO DE
aberto pela agulha era logo enchido por ela,
ASSIS
silenciosa e ativa como quem sabe o que faz, e
não está para ouvir palavras loucas. A agulha
Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo
vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se
de linha:
também, e foi andando. E era tudo silêncio na
- Por que está você com esse ar, toda cheia de
saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-
si, toda enrolada, para fingir que vale alguma
plic plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a
coisa neste mundo?
costureira dobrou a costura, para o dia seguinte;
- Deixe-me, senhora.
continuou ainda nesse e no outro, até que no
- Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe
quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile.
digo que está com um ar insuportável? Repito
Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A
que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.
costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a
- Que cabeça, senhora? A senhora não é
agulha espetada no corpinho, para dar algum
alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça. Que
ponto necessário. E quando compunha o vestido
lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que
da bela dama, e puxava a um lado ou outro,
Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe
arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando,
a dos outros.
acolchetando, a linha, para mofar da agulha,
- Mas você é orgulhosa.
perguntou-lhe:
- Decerto que sou.
- Ora agora, diga-me quem é que vai ao baile, no
- Mas por quê?
corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da
- É boa! Porque coso. Então os vestidos e
elegância? Quem é que vai dançar com ministros
enfeites de nossa ama, quem é que os cose,
e diplomatas, enquanto você volta para a
senão eu?
caixinha da costureira, antes de ir para o balaio
- Você? Esta agora é melhor. Você é que os
das mucamas? Vamos, diga lá.
cose? Você ignora que quem os cose sou eu, e
Parece que a agulha não disse nada; mas um
muito eu?
alfinete, de cabeça grande e não menor
- Você fura o pano, nada mais; eu é que coso,
experiência, murmurou à pobre agulha:
prendo um pedaço ao outro, dou feição aos
- Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir
babados...
caminho para ela e ela é que vai gozar da vida,
- Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano,
enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze
vou adiante, puxando por você, que vem atrás,
como eu, que não abro caminho para ninguém.
obedecendo ao que eu faço e mando...
Onde me espetam, fico.
- Também os batedores vão adiante do
Contei esta história a um professor de
imperador.
melancolia, que me disse, abanando a cabeça: -
- Você é imperador?
Também eu tenho servido de agulha a muita
- Não digo isso. Mas a verdade é que você faz
linha ordinária! Fonte: Contos Consagrados -
um papel subalterno, indo adiante; vai só
Machado de Assis - Coleção Prestígio - Ediouro -
mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho
s/d
obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto...
Estavam nisto, quando a costureira chegou à
casa da baronesa. Não sei se disse que isto se
passava em casa de uma baronesa, que tinha a II A LEBRE E A TARTARUGA DE ESOPO
modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Uma tartaruga e uma lebre discutiam sobre qual
Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da era a mais rápida. E, então, marcaram um dia e
agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, um lugar e se separaram. Ora, a lebre, confiando
e entrou a coser. Uma e outra iam andando em sua rapidez natural, não se apressou em
orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor correr, deitou-se no caminho e dormiu. Mas a
das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis tartaruga, consciente de sua lentidão, não parou
como os galgos de Diana - para dar a isto uma de correr e, assim, ultrapassou a lebre que
cor poética. E dizia a agulha: dormia e chegou ao fim, obtendo a vitória.
- Então, senhora linha, ainda teima no que dizia
há pouco? Não repara que esta distinta
costureira só se importa comigo; eu é que vou
aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, PROFA. MA. NEILA GARCÊS
furando abaixo e acima.
Entrevista de emprego
Ana Aparecida de Faria Vilaça