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ESCOLA ESTADUAL DE ENSINO MÉDIO VILLA LOBOS

Data: 13/09/2021 Turma: 801/02 Professor: Antônio Marques


Área (s) do Conhecimento: Linguagens – Língua Portuguesa
ALUNO_______________________________________________

A crônica (I)

Na unidade anterior, você viu que, no início do século XIX, a vinda da família real
para o Brasil, em 1808, teve como uma de suas consequências a intensificação da
vida cultural em nosso país, em decorrência da criação da Imprensa Nacional, da
publicação de jornaise livros e da formação de um público leitor.
Além dos romances de folhetim, publicados diariamente em capítulos curtos, os jor-
nais passaram a publicar também crônicas, dando início ao gênero no Brasil. Um de
nos- sos primeiros cronistas foi o escritor José de Alencar.

FOCO NO TEXTO
Leia esta crônica, de Marina Colasanti:

Amai o próximo, etc...


Atendo o telefone na minha casa. “Victor está?” diz a voz do outro lado sem
sequer um alô, um por favor, nada. Eu, amável, informo que Victor não está
nem pode estar porque não mora aqui. O outro bate o telefone na mi- nha
cara. Dois minutos, e o telefone toca novamente.“Quero falar com Victor” vem a
mesma voz. “O senhor é muito mal-educado”, ataco logo para não lhedar tempo
de desligar. “Acabou de ligar, nem me agradeceu, nem me pediu desculpas, e
bateu com o telefone. Como já lhe disse, Victor não mora aqui.” A voz se faz mais
mansa,“A senhora, desculpe. Muito obrigado.” E desliga.
Exulto. Ponto a favor da educação. Pois, se com medo de infrigir-lhe as
regras, sempre me abstenho de reprimendas desse tipo, é justamente para
Nelson

mantê-las vivas – as regras, não as reprimendas – que convém fazê-las.


Digo obrigada à caixa do supermercado, que não me responde. Peço por
favor ao funcionário do guichê que nem levanta os olhos para a minha pes-
soa. Dou bom-dia ao sujeito do açougue que parece não entender de que dia
ou de que qualidade estou falando. Sou uma otária? Não, sou uma resistente.
Minha amiga Claudine de Castro, socialite das mais elegantes, publicou um
livro de etiqueta. Uma graça o livro, bem-humorado, prático. Fui ao lan-
çamento. Todos ali éramos veteranos praticantes daquilo que se chamava
“boas maneiras”. Um bando de micos-leões-dourados, pensei. Ameaçados de
extinção. Uma amiga comum comentou que daria o livro ao sobrinho, ela não
precisava. “Os jovens”, acrescentou,“andam muito mal-educados”.
Os jovens? Não era jovem o senhor bem vestidérrimo que quase me segurou
no meio da rua, interrompendo minha marcha célere, para pedir orientação a
respeito de um endereço. Orientação fornecida, o cavalheiro,que certamente não
fazia jus à definição, partiu sem dizer água vai. E fi- quei eu, no resto da manhã, célere: ligeiro, veloz.
irritada pela brutalidade. exultar: exprimir
grande alegria.
No Japão, a primeira expressão que me ensinaram quando cheguei foi indelével: o que não se
sumi-masen. Equivale ao nosso por favor. Para ajudar-me a gravar essa chave pode apagar ou
eliminar.
fundamental em qualquer situação, sugeriram que lembrasse da nossa tão
frequente corrupção e dissesse em português: sumiu mais cem. Cravou-se,
indelével, na minha memória. E dela lancei mão infinitas vezes, com aquela
segurança com que se saca um ás da manga. Nunca conheci povo tão bem-
educado. Todos te atendem sorridentes. Todos te ajudam. Ninguém te esbarra.
Ninguém te esbarra mesmo em meio à multidão. E multidão é coisa frequente no
Japão. Sem grandes antropologismos, pode- mos deduzir que a viver em tantos
em país tão pequeno ou se entredevo- ravam ou se educavam. Preferiram educar-
se.
i
Nelson
P

Entre nós, os livros de etiqueta como o de Claudine vendem feito pão. Ânsia
de educar-se para sobreviver? Não, necessidade de aprender as re- gras para
ascender. Os recém-chegados às mesas de muitos talheres – e há sempre levas
novas que chegam e mesas novas são postas – querem saber que garfo pegar.
Pena que o garfo certo não seja fundamental, ou sequer importante, para a boa
educação. Boa educação sendo, por exemplo, aque- la que as pessoas da roça, de
tão poucos talheres e tão pouca comida no prato, praticam com doçura e
naturalidade. Cumprimentar o desconhe- cido com quem se cruza na trilha, coar
café ou oferecer água ao visitante que chega. Dar atenção.
Dar atenção é a essência da boa educação. Só isso. Em vez do humilde “por
favor”, deveríamos dizer: peço a sua atenção. Pois não é favor algum atender o
semelhante que precisa de nós. E nenhum contato pode ser gentil sem atenção.
No entanto, em todas as línguas, quando se quer ser educado é por favor que se
pede, ou desculpas, pois está estabelecido que necessitar do outro, tirar o outro
do seu rumo por instantes é algo quase inconveniente, pelo qual devemos nos
penitenciar. Convenhamos, há um erro de base. Ou, se quisermos ir um pouco
mais além no sentido desses mínimos encontros, há uma lamentável regra de
desamor.
(In: Manuel da Costa Pinto, org. Crônica brasileira contemporânea. São Paulo: Moderna, 2005. p. 176-9.)
1. A crônica é um gênero que, como afirma o crítico Manuel da Costa
Pinto,explora “fatos do dia a dia [...], acontecimentos que propiciam

PRODUÇÃO
DE TEXTO
momen-
tos de nostalgia, enternecimento ou indignação”.
a. Qual é o fato do dia a dia que serve de tema para a crônica lida?
É a falta de educação das pessoas.
b. Como a narradora se sente diante do comportamento das pessoas?
Ela se sente indignada.

2. As reflexões da narradora sobre a atitude das pessoas no dia a dia


per-mitem fazer inferências sobre o que ela considera ideal, em
termos de
relacionamento Deveria ter cumprimentado a pessoa que atendeu, com uma sauda-
ção como bom dia ou boa tarde, ou dizer quem era e o que
social. desejava
a. Como deveria ter agido a pessoa que ligou para a casa da narradora?
e ter agradecido pela resposta atenciosa.
b. Como a narradora esperava que os interlocutores reagissem diante
das palavras gentis proferidas por ela no supermercado, no guichê e
no açougue? Esperava que as pessoas respondessem com expressões como de nada,
bom dia, etc. e, principalmente, tivessem dado atenção a ela.
3. Releia o 2¼ parágrafo do texto:

Exulto. Ponto a favor da educação. Pois, se com medo de infringir-lhe

/F lh
as regras, sempre me abstenho de reprimendas desse tipo, é justamente

Daniel
paramantê-las vivas – as regras, não as reprimendas – que convém fazê-las.

M
a. Em “infringir-lhe as regras”, o pronome lhe foi empregado com um
sentido especial. Das seguintes expressões, qual traduz o sentido
do pronome, no contexto?
REGISTRE
X • infringir as regras dela (da educação) NO CADERNO

• infringir as regras da pessoa que


ligou
• infringir as reprimendas
b. Em relação à expressão “mantê-las vivas”, a própria narradora
escla- rece que o pronome las refere-se a regras, e não a
reprimendas. A que se refere o pronome las em “fazê-las”? Refere-se
a reprimendas.

4. Uma amiga da narradora afirma: “Os jovens andam muito mal-educados”.


a. Que exemplo a narradora usa para refutar a opinião da amiga?
O exemplo de um senhor bem-vestido que pediu a ela uma informação na rua e não agradeceu.
b) A afirmação de que o homem partiu “sem dizer água vai” quer dizer,

b. Releia este no contexto, que ele saiu de supetão, sem avisar ou agradecer, o que
não corresponde ao comportamento de um verdadeiro cavalheiro.
trecho:
Daí a observação de que ele “não fazia jus à definição”.
“Orientação fornecida, o cavalheiro, que certamente não faziajus
à definição, partiu sem dizer água vai.”

Leia o boxe “A origem da expressão água vai” e explique o sentido, no


contexto, das expressões destacadas no trecho.
5. a) Procuram orientações sobre como agir à mesa, pois, para essas pessoas,
portar-se adequadamente à mesa é um meio de ascender socialmente.
5 Segundo a narradora, livros de etiqueta como o da amiga “vendem feito pão”.
a. De acordo com o texto, o que os leitores mais procuram nesse
tipo delivro? O que justifica esse tipo de procura?
b. De acordo com a narradora, entretanto, o que é uma demonstração
de boa educação, à mesa ou em qualquer lugar?
É ser atencioso com as pessoas: cumprimentar, coar um café na hora, oferecer água.
6. b) A narradora entende que o fato de as
6. a) Elas são inadequadas porque não há erro nenhum em fazer uma solicitação a alguém; na verdade, dar pessoas se penitenciarem ao abordar outra
atenção a outra pessoa não constitui um favor, mas uma gentileza necessária nos contatos humanos. pessoa, pedindo desculpas ou pedindo “por
No último parágrafo, a narradora faz uma reflexão final sobre duas
6 favor”, revela não boa educação, mas desa-
mor, pois subentende que dar atenção ao ou-
expres- sões de boa educação usadas em todas as línguas: por favor
tro é um incômodo, ao passo que as pessoas
e desculpe. deveriam ajudar-se espontaneamente, como
demonstração de amor.
a. De acordo com o ponto de vista da narradora, por que as
6. c) Professor: Sugerimos abrir a discussão
expressões por favor e desculpe são inadequadas quando com a classe. Não nos parece que o título tem
queremos fazer uma so-licitação a alguém? uma função injuntiva, isto é, que ele faz um
apelo às pessoas para que se amem. O
b. Explique a afirmação: “há uma lamentável regra de desamor”. empre- go do etc. no final do título sugere
que ele vá tratar de um tema muito difundido
c. Como você entende o título da crônica? na cultura cristã – a alteridade –, mas muito
pouco posto em prática pelas pessoas.

Crônica: experiências do homem comum


Na crônica, estamos diante de experiências do homem comum, expressas em linguagem ordinária
[...]. Em suma, a crônica não se enquadra na divisão clássica dos gêneros – épica, drama
(subdivididoem tragédia e comédia) e lírica. Sua matéria-prima são os fatos do dia a dia, as notícias
curiosas, acasos e encontros muitas vezes surpreendentes, mas que podem ocorrer com qualquer
um, aconte- cimentos que propiciam momentos de nostalgia, enternecimento ou indignação
compartilhados pelocronista e pelos leitores.

(Manuel da Costa Pinto. In: Crônica brasileira contemporânea. São Paulo: Moderna, 2005. p.
7. Não8 há
) um único tipo de crônica. Há crônicas, por exemplo, que
comen- tam uma notícia recente, expondo o ponto de vista do autor
sobre o as- sunto; há outras que relatam experiências vividas pelo
cronista, acres- cidas de reflexão crítica; há outras que são ficcionais,
ou seja, contam uma história inventada para, a partir dela, fazer uma
reflexão sobre a vida ou sobre os comportamentos sociais; e assim
por diante.
a. Com qual desses tipos de crônica o texto “Amai o próximo, etc...”
tem mais proximidade? A crônica que relata experiências vividas, acrescidas de reflexão
crítica.
b. Dependendo do cronista e do tema, as crônicas podem divertir, de-
nunciar, alertar, sensibilizar, humanizar, promover reflexões
críticasacerca do mundo, etc. Que efeito a crônica lida produz nos
leitores? Alerta, sensibiliza, humaniza e promove reflexões críticas.
8 Como expressão do ponto de vista do cronista sobre temas da
realidade,
as crônicas são, em grande parte, escritas em 1a pessoa, mas há
exceções.
a. Qual é o foco narrativo, ou seja, o ponto de vista adotado pela
autora
na crônica “Amai o próximo, etc...”? Justifique sua resposta com ele-
mentos do texto. A crônica é narrada em 1a pessoa, conforme indica o uso de verbos e
pro-
nomes em 1a pessoa: eu, atendo, minha, ataco, etc.
b. E no seguinte trecho de uma crônica de Rubem Braga? Justifique
sua
resposta com elementos do texto.

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