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(Distopia)
Hamraj sorriu. “Você é jovem. Deve ter ouvido isso de alguém mais velho e
sabe que é mentira. Os jovens tem um impulso dentro de si para alcançar a
grandeza. Não se engane com gente que quer te privar da verdade com uma vida
sem dor. Você procura briga nesses lugares imundos, em um raciocínio mais ou
menos louco e inconsciente, porque sabe que a dor tem um propósito na vida de
todos. Tome este dinheiro e compareça neste lugar.”
“José, alguma vez você pegou uma mulher com essa conversa?”
Olhando para baixo da janela do comboio, era possível ver a estrada maglev
aérea, e o solo distante, com os pontos de luz lá embaixo. Ao longe eram visíveis
também as aeronaves policiais. Estavam saindo da Cidade Média e adentrando a
Cidade Alta. Ali não havia prédios altíssimos como os da Cidade Média, nem os
casebres imundos e as ruínas das favelas. Era uma arquitetura harmoniosa e bela,
como se fosse impossível alguém sujar aquele lugar. Ele se perguntava se os
Jardins Celestes eram ainda mais belos. A vibração da desaceleração do trem
acordava os adormecidos, que resmungavam ao levantar. Todos se esconderam
debaixo das mantas de carga.
“Amanhã vou ver a luta do Macer contra esse cara que tem células sintéticas
nos braços”.
“Não dá pra um natural ganhar desses caras, vai ser outra surra. É uma grana
ganha só pra apanhar”.
“Ei sargento, nosso turno tá acabando, vou liberar aqui. Pede nosso agrado lá
na frigorífica.”
Davi meneou a cabeça. Ele não saberia dizer com certeza. Voltavam
caminhando calados. A leve brisa, as folhas e o cheiro de mato envolviam-no em
melancolia. Ele contemplava o sol penetrar pelas copas das árvores. Cada passo ali
dado ele não daria novamente. Chegaram até o carro que os acompanhava de
longe, e entraram fazendo um sinal positivo com os dedos.
Ele olhou para cima e viu o céu claro e pensou que aquele dia estava bonito
como todos os dias que foram e como todos os dias que serão. Ele havia adentrado
aquele grupo e prosseguia porque não podia mais voltar atrás. Poucos anos de vida
e todos tão próximos da morte. Procurou novamente a garota, buscando enxergar o
que não era visível, mas o carro já se afastara e ele não podia mais vê-la.