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Íon, o Rapsodo, acabou de chegar em Atenas. Ele vencera um festival em Epidauros e


deseja participar do festival de Panatheia. Sócrates conversa com ele e diz que admira a
arte da rapsódia, pois sempre está em boa companhia – a companhia de bons poetas e de
Homero, o príncipe destes.

No curso da conversa, Íon admite ser capaz apenas de interpretar Homero, e que não
sabe quase nada de poetas que chama inferiores, como Hesíodo e Archilocus.

“Contudo, aquele que conhece o superior deveria conhecer o inferior.” – Diz Sócrates –
Qualquer técnico capaz de realizar grandes obras é capaz de fazer obras pequenas.
Sócrates quer dizer que a poesia é uma arte submetida aos seus princípios.

“Qualquer um que julga através dos princípios da arte é capaz de julgar toda esta arte
produzida”. Isso se confirma através de outros exemplos, como a arquitetura. Um
arquiteto que reforma um palácio deve ser capaz de aplicar os mesmos princípios em
uma residência modesta.

Íon admite não dominar estes princípios, e se pergunta como pode ter vencido disputas e
deseja entender a contradição.

Sócrates explica que o Rapsodo não é alguém que segue as regras da arte, mas alguém
inspirado que recebe um poder misterioso do próprio poeta. E o poeta, este foi inspirado
diretamente por Deus.

O poeta é o intérprete de Deus, e o rapsodo é o interprete do poeta. Ele cita o próprio


Homero como um poeta inspirado e restrito a um único tema, e por isso alguns
rapsodos, como íon, são interpretes de um único poeta.

Íon se lisonjeia com isso, e admite ficar fora de si quando está no palco. “Meus olhos
chovem tempestades de lágrimas”.

Sócrates então pergunta se ele pode discorrer bem sobre tudo que há em Homero -
cavalos, armas, profecias e navegações. Seria ele, o rapsodo, ou o cavaleiro, o ferreiro, o
profeta e o piloto melhores para discorrerem sobre esses assuntos?

Íon admite ser inferior aos profissionais para discorrer sobre o assunto, mas se desvia do
argumento, e assume diversas formas, como Proteus, e sai foge da conversa.

Não desconfiando da ironia de Sócrates, que pergunta se ele é desonesto ou inspirado,


avidamente assume a alternativa da inspiração divina.

A intenção do diálogo é mostrar as limitações da “inspiração”, e que muitas vezes um


artista fala sobre coisas que possui pouquíssimo conhecimento.

Contudo, o mundo sensível material e os sentimentos também podem trazer verdades


para as mentes de muitos que no caminho único do raciocínio puro seriam incapazes de
alcança-las – e esta é uma das finalidades da arte. A representação de uma verdade,
ainda que apenas uma imitação.
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O poeta, em suma, cria, através da força das imagens e dos símbolos, uma
área de experiência imaginativa comum, onde os indivíduos e mesmo as épocas
podem se encontrar, vencendo as barreiras que separam fisicamente suas
vivências reais. Assim fazendo, ele não apenas se comunica, mas intercomunica
os outros homens. Daí a missão curativa, mágica e apaziguadora, que faz da
poesia um dos pilares em que se assenta a possibilidade mesma da civilização:
ela liberta os homens da noite animal, do terror primitivo que isola e paralisa.
Ela reúne os membros da tribo em torno do fogo aconchegante e os faz
participar de um universo comum que transcende as barreiras dos corpos e do
tempo. Ela apazigua, reanima e torna possível, aos que eram animais
assustados, pensar e agir.

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