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A CRÍTICA LITERÁRIA (1ª PARTE)

Prof. Dr. Alexandre de Melo Andrade


MOISÉS, Massaud. A Crítica Literária. In: A criação literária – Prosa II. São Paulo:
Cultrix, 1994. p. 169-244.

A palavra “crítica”
“Crítica”: deriva do grego krínein, que significa “julgar”. O vocábulo kritikós já era
usado no século IV A. C. Dois séculos depois, distingui-se kritikós de grammatikós.
A crítica estética já era praticada entre os gregos quatro séculos A. C.
Durante a Idade Média: “crítica” era associada ao vocabulário médico = “doenças
críticas”.
Na Renascença: a crítica designava o “juiz” ou “intérprete” de obras literárias, em
parceria com o gramático e o filólogo.
Século XVII: o termo aparece em títulos de obras.
1842: “ciência da literatura” substituiu o “criticismo” que já era comum em língua
inglesa.
“Seja como for, desde há um século a palavra ‘crítica’, ou qualquer de seus sinônimos,
enriqueceu-se de sentido e tornou-se universalmente aceita como designativo de análise,
interpretação e julgamento da obra de arte ou de objetos paralelos (crítica da situação
econômica, crítica do progresso científico etc.), ou ainda indicativo dos modos de julgar
(crítica histórica, crítica oral, crítica jurídica etc.).” (MOISÉS).

A POÉTICA CLÁSSICA
A crítica nasceu na Grécia, com Platão e Aristóteles. Platão pensa mais a Estética do
que a Literatura, pois “especulava as questões antes do ângulo filosófico do que do
literário”. “Partindo da ideia de que a alma é anterior ao nascimento e posterior à morte,
Platão adverte que a alma lembra das realidades primordiais, as ideias, que conhecia
antes de corporificar-se. A poesia cumpriria a função de despertar o leitor ou ouvinte
para a contemplação da beleza absoluta entrevista por seu criador. De onde o
desempenho ético do poema: o seu desfrute pressuporia a elevação do ser para as
transcendências, a superação da esfera inferior em que se situa (plano sensível) a fim de
emigrar para a esfera superior, onde moram as ideias (plano inteligível).” (MOISÉS).
Aristóteles, seu discípulo, propõe uma interpretação indutiva, materialista, literária,
pois admite apenas uma realidade. É um precursor do conhecimento científico e
positivo. Em sua Poética, reporta-se ao teatro e à epopeia, tornando-se a primeira obra a
levantar questões fundamentais da teoria literária, válidas ainda hoje, como suas
proposições sobre gênero, verossimilhança, o pathos, o enredo, os personagens, o
tempo, o espaço, a mimese, a metáfora etc. É considerado o pai da crítica literária.
Classifica as obras segundo as analogias (gêneros literários), de onde prescinde a
mimese – imitação.

Pensamento de Longino, ainda entre os gregos: Tratado do Sublime (segunda metade


do século I A. C.). “Enfocando a questão de um prisma contrário ao de Platão e
Aristóteles, Longino põe ênfase no espectador ou leitor (de onde o sublime) e no êxtase:
o valor das obras residiria, não no estilo, ou na perfeição das formas, mas na altitude dos
sentimentos e ideias, - no sublime. Em sua presença, as pessoas experimentariam uma
espécie de transporte interior, de êxtase [...]. Com Longino, tem-se não só a primeira
tentativa, ainda que teórica, do objeto próprio da crítica: julgar a qualidade das obras,
determinar o terreno do “bom” e do “mau”. (MOISÉS).
Para o filósofo, há 3 vícios: o empolamento (desejo de ultrapassar o sublime),
puerilidade (muito rasteiro, aquém do sublime) e a emoção descolada.
“Verdadeiramente grande é o texto com muita matéria para reflexão, de árdua ou, antes,
impossível resistência e forte lembrança, difícil de apagar” (LONGINO, 2014, p. 76-
77).
As nascentes do sublime são os pensamentos sublimados e a emoção inspirada
(consideradas inatas na maioria das vezes). Associam-se às nascentes: a moldagem das
figuras, a escolha dos vocábulos e a composição com vistas à dignidade e elevação.
Longino defende que é necessário tornar as almas prenhes de arrebatamento. “Pessoas
de pensamentos e ocupações mesquinhas e servis a vida toda é impossível que
produzam algo admirável, merecedor de imortalidade; grandeza, naturalmente, existe
nas palavras daqueles cujos pensamentos são graves. Assim é que as frases sublimes
ocorrem às pessoas de sentimentos elevados [...]”. (id., p. 78).
As imagens são aliadas do sublime.
Os conectivos tolhem a liberdade. O hipérbato traz emoção violenta. A gradação
contribui para o ornamento, o sublime e a emoção. Alterar palavras do singular para o
plural traz emoção inesperada; o inverso traz o oposto. A narração em tempo presente
traz drama real. Escritor arrebatado toma o lugar da personagem. Impor linguagem
grandiosa a fatos pequenos é impor máscara trágica a uma criancinha. Apenas duas ou
três metáforas servem para o mesmo assunto. As melhores hipérboles são as que não
parecem ser hipérboles. Estilo fragmentado em palavras de poucas sílabas é inadequado
à grandiosidade. O fragmentarismo mutila a grandeza.

Horácio (já no trânsito para a Roma – século I A. C.). Escreve Arte Poética “com a
intenção de fornecer normas e conselhos àqueles que pretendiam elaborar obras
dramáticas. Para tanto, retoma a proposta platônica e advoga a existência de fins éticos
para o exercício da literatura. Por outro lado, considera que o alcance moral da arte se
efetue por meio de regras precisas e inflexíveis, o que converte a crítica numa disciplina
normativa, didática e apriorística”.
Horácio considera que os velhos gregos são exemplos para os modernos, pois
conseguem harmonizar a arte com o engenho. O bom poeta é aquele que harmoniza
engenho e arte.
Função da arte, para Horácio: esteticismo x eticismo. A arte deve agradar e ser útil. O
crítico deve ser verdadeiro. O manuscrito deve ser gestado por nove anos. O poeta, além
de possuir o dom de que falamos, deve aperfeiçoar-se pelo estudo e pela prática. Opõe-
se ao automatismo psíquico.

POEMAS

Texto 1:

Colha o dia, confia o mínimo no amanhã


Não pergunte, saber é proibido, o fim que os deuses
darão a mim ou a você, Leuconoe, com os adivinhos da Babilônia
não brinque. É melhor apenas lidar com o que cruza o seu caminho
Se muitos invernos Jupiter te dará ou se este é o último,
que agora bate nas rochas da praia com as ondas do mar
Tirreno: seja sábio, beba seu vinho e para o curto prazo
reescale suas esperanças. Mesmo enquanto falamos, o tempo ciumento
está fugindo de nós. Colha o dia, confia o mínimo no amanhã.
(Horácio)
Texto 2:

Segue o Teu Destino

Segue o teu destino, 


Rega as tuas plantas, 
Ama as tuas rosas. 
O resto é a sombra 
De árvores alheias. 

A realidade 
Sempre é mais ou menos 
Do que nos queremos. 
Só nós somos sempre 
Iguais a nós-proprios. 

Suave é viver só. 


Grande e nobre é sempre 
Viver simplesmente. 
Deixa a dor nas aras 
Como ex-voto aos deuses. 

Vê de longe a vida. 
Nunca a interrogues. 
Ela nada pode 
Dizer-te. A resposta 
Está além dos deuses. 

Mas serenamente 
Imita o Olimpo 
No teu coração. 
Os deuses são deuses 
Porque não se pensam. 

Ricardo Reis, in "Odes".

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