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ANÁLISE DE CASO: História da Dona Raquel

(Extraído de Lombard-Platet, Watanabe, O.M. e Cassetari, L. Psicologia Experimental.


3. ed. São Paulo: Edicon)

Dona Raquel sempre foi dona de casa. Casada, um casal de filhos, só com o
curso primário e uma vida econômica bastante difícil. O marido trabalha como porteiro
em um prédio até às 14 horas e, muitas vezes, antes de ir para casa, passa no bar da
esquina. Ele, nessas ocasiões, chega bêbado em casa, para a hora do jantar.
Dona Raquel também teve uma infância complicada: um pai autoritário que
achava que “lugar de mulher era dentro de casa”. Assim, cada vez que ela ousava pedir
a ele para sair, ele a esbofeteava e a insultava. Seus irmãos, homens, podiam pedir para
sair e eram logo atendidos pelo pai.
Mesmo se ela saísse até a padaria (por ex., enquanto o pai não estivesse em
casa), ao voltar, ela logo ia se sentar no sofá, próximo da hora de sua chegada, para que
ele não brigasse com ela. Além disso, ela ficava bordando panos de pratos para serem
vendidos e isso dava grande satisfação ao pai, que a elogiava muito quando a via
fazendo isso.
Abandonou os estudos na 4ª série. No início, quando ela tinha sete anos e estava
na 1ª série pedia auxílio aos irmãos para fazer as tarefas e eles ajudavam. Já na 4ª série
se pedisse colaboração deles, eles se recusavam terminantemente, ignorando-a a maior
parte do tempo. Quando seu pai a via pedir ajuda, ele ainda berrava frases do tipo: “Eu
tenho razão: mulher não é para estudar, elas são mesmo umas burras, devem ficar em
casa”, etc.
Sua história não continuou muito feliz: executava sempre todos os afazes
domésticos de modo adequado durante o dia e quando seu marido chegava bêbado em
casa, lhe batia. Com o tempo, ela foi deixando de fazer seus afazeres domésticos tão
caprichosamente como antes. Ela também tentava dialogar com o marido nessas
ocasiões, mas ele a surrava ainda mais. Ela já desistiu de falar qualquer coisa nessas
horas.
Um outro problema está ocorrendo com Dona Raquel: assim que o marido e/ou
os filhos chegam em casa, ela começa a se queixar de dores de cabeça, nas pernas, diz
que vai desmaiar, etc. De certo modo, todos acabam lhe dando uma certa atenção e a
filha, se está próximo da hora do jantar, pede que ela se deite no sofá e serve o jantar
para a família.
Ela afirma que gostaria de se separar do marido. Não o faz e acaba cumprindo
todas as suas determinações, dispensando-lhe um tratamento até carinhoso, para evitar
que ele lhe bata. Ela não conversa com os filhos sobre a separação, só fala de assuntos
banais diários. Isso evita que a critiquem por continuar “com essa vida”.
Além disso, ela acaba fazendo coisas para o marido, que aparentemente
criticaríamos: ele chega já gritando em casa e pedindo para ela lhe servir “uma pinga”.
O que ela faz? Ela acaba servindo-lhe a pinga e deixando a garrafa (que ela havia
escondido) sobre a mesa. Com isso, ele para de gritar e de ameaçá-la de surra.
Ao mesmo tempo, nessas ocasiões, frente aos gritos e ameaças do marido
bêbado, Dona Raquel sente seu coração disparar, começa a tremer e a suar. Ela relata
que tem a sensação de que vai morrer.

De acordo com o relato do caso, responda as questões:


a) Identifique no relato, os dados que fazem parte da história de vida
(ontogênese) de Dona Raquel.

Dona Raquel, segundo compreendemos, através do texto acima, era a


única filha, mulher, em uma residência cheia de homens e ainda por cima
extremamente machistas (pai- violento / Irmãos -- que a ignoravam). Sua
infância foi bastante conturbada sendo constantemente ameaçada pelo seu pai e
irmãos homens (no texto não aborda a presença de uma figura feminina na vida
de Raquel – mãe).
Pouco Raquel saía de casa por medo do seu genitor que, quando a escuta
pedir para sair, imediatamente, depositava, em Raquel, sua ira, esbofeteando-a e
insultando-a, diferente de seus irmãos homens que eram, imediatamente,
atendidos em seus pedidos. Quando saía, rapidamente, para ir à padaria, por
exemplo, Raquel, ao retornar ao lar, sentava-se no sofá, próximo à hora da
chegada de seu genitor, para que o mesmo não se desequilibrasse
emocionalmente e, mais uma vez, descarregasse suas frustrações na pequena
Raquel. Enquanto ela vivia uma vida de semi-cárcere, bordava. O bordado para
Raquel era uma fuga da realidade, talvez para dar conta do seu infinito particular
e das metáforas da alma, ou seja, para preencher um vazio de sentimentos e
amor familiar que nunca viveu.
A situação só piorou e quando a pequena Raquel completou os seus 10
anos de idade, na 4ª série, resolveu abandonar os estudos por falta de apoio
familiar. Seus irmãos a ajudava, mas, ao passo que Raquel ia crescendo eles se
afastaram e a ignorava quando eram solicitados. Raquel sempre ouvia frases do
tipo: “Lugar de mulher é dentro de casa!” ou “Eu tenho razão: mulher não é
para estudar, elas são mesmo umas burras, devem ficar em casa!”.
Com o exposto acima, percebemos uma vida pautada na violência física,
emocional, psicológica, no abandono total por parte de seus familiares, o que fez
com que Raquel internalizasse tudo o que foi ouvido e vivenciado, achando-se,
realmente, incapaz de ser feliz de ser merecedora de ter oportunidades na vida e,
talvez o pior de toda uma situação: reproduzindo sua infância em um casamento
infeliz e opressor.
Com tudo isso, Raquel se torna uma figura heterônoma, dependente,
traumatizada e escolhe como parceiro uma figura muito parecida com seu pai
(marido bêbado, agressivo e sem nenhum respeito pela figura feminina),
reproduzindo, assim, uma vida de sofrimento e amarguras.
b) Qual o procedimento envolvido quando Dona Raquel, na infância, pedia a
seu pai para sair? Construa o paradigma completo desse procedimento e
coloque os dados do caso.

O procedimento que mantinha esse comportamento era a Punição


Positiva, ou também conhecida como Punição por Estimulação Contingente que
ocorre quando um comportamento (resposta) é seguido por um estímulo
aversivo, ou seja, trata-se de apresentar um resultado desfavorável ou evento
seguinte a um comportamento indesejável. O estímulo (S) era a terrível presença
de seu pai, enquanto que a resposta (R) seria pedir ao pai para sair tendo como
consequência (C) um estímulo aversivo positivo: uma bofetada e muitos insultos
da parte do seu genitor.

SRC
S:o próprio pai
R: o pedido da saída de casa
C: insultos e bofetadas na pequena Raquel

c) Quanto ao comportamento de “bordar panos de pratos para serem


vendidos”, qual o procedimento que mantinha esse comportamento? Por
quê?

Entendemos que o comportamento operante de bordar seja de


Reforçamento Positivo que geralmente é definido como o fortalecimento de uma
resposta devido à apresentação de determinado estímulo a ela contingente, ou
seja, é o aumento da frequência de um comportamento pelo acréscimo de
alguma coisa como consequência deste comportamento. O ambiente é
modificado e produz consequências que agem de novo sobre ele, alterando a
probabilidade de ocorrência futura semelhante. É um tipo de aprendizagem em
que o comportamento é controlado por consequências.
Se Raquel compreende que bordando ela agrada ao pai e se o pai ao vê-la
bordando não a esbofeteará nem a insultará, com toda a certeza, Raquel
permanecerá com esta “estratégia”. O elogio, acaba sendo um reforçador para
Raquel, que acaba bordando para fortalecer esta resposta. Quanto mais Raquel
borda e seu pai visualiza esta ação, mais Raquel compreende que agrada ao seu
pai. E Raquel só faz isso perto da hora de seu pai chegar em casa.

ESTÍMULO (S) – “próximo da hora de sua chegada” – presença da


chegada do pai em casa
RESPOSTA (R) – Estar bordando e vendendo os panos de prato
CONSEQUÊNCIA (C) – Pai fica feliz, elogia e não maltrata a pequena
Raquel – Reforçamento Positivo
d) Quais as contingências que acabaram diminuindo a frequência do
comportamento de “pedir ajuda aos irmãos nos deveres de casa?”. Qual o
procedimento usado pelos irmãos?

A contingência é a reação dos irmãos em não ajudá-la, ou seja, não existe


nenhuma forma de ajuda, de empatia, de colaboração por parte dos irmãos para
com Raquel. Vimos, no texto, que até a 4ª série, eles estavam presentes e depois,
simplesmente, deixaram de acompanhá-la nos afazeres escolares. Esta reação,
dos irmãos, está pautada na Extinção, pois ocorreu quando uma resposta não é
mais reforçada (a resposta seria pedir ajuda aos irmãos) na sequência de um
estímulo discriminativo (a presença dos mesmos na ajuda). A ajuda não foi mais
disponibilizada e Raquel deixou de estudar.

ESTÍMULO (S) – Raquel estava na escola, cursando e se saindo bem.


Realizando as atividades com a ajuda de seus irmãos mais velhos
RESPOSTA (R) – Raquel pedia ajuda aos seus irmãos
CONSEQUÊNCIA (C) – Como não houve ajuda (ajuda foi
suspensa/extinta) Raquel não deu conta sozinha e ficou sem estudar

e) Além disso, para esse mesmo comportamento (pedir ajuda para os deveres
de casa), quais as consequências oferecidas pelo pai? Qual o efeito delas
sobre a frequência dessa resposta? Qual o procedimento que controlava
essa resposta?

Quais as consequências oferecidas pelo pai? Observamos que as


consequências oferecidas pelo pai foram as mais adversas possíveis para
uma criança: gritos e ameaças. Ele sempre reforçava na cabeça de Raquel
sua condição de mulher na sociedade. ““Lugar de mulher é dentro de
casa!” ou “Eu tenho razão: mulher não é para estudar, elas são mesmo
umas burras, devem ficar em casa!”:  ESTÍMULO (S)

Qual o efeito delas sobre a frequência dessa resposta? Logo, com


tantas adversidades, a pequena Raquel começou a se fechar e se recolher
diminuindo consideravelmente seus pedidos de ajuda a seus irmãos: ---
 RESPOSTA (R)

Qual o procedimento que controlava essa resposta? O procedimento


observado foi uma Punição Positiva – ele acrescenta condições para a
internalização, por parte de Raquel, de que a mesma, realmente, é uma
inútil e não tem capacidade por ser mulher. O pai sempre acrescentando
algo aversivo (seja berros, surras ou palavras desestimulantes) --
CONSEQUÊNCIA (C)
f) Em relação aos comportamentos de “executar os afazeres domésticos
adequadamente” e “conversar com o marido, quando chegava bêbado”,
qual o estímulo consequente para esses comportamentos? Qual o nome
técnico desse estímulo consequente? Qual o efeito obtido? E qual o nome
técnico do procedimento envolvido?

Qual o estímulo consequente para esses comportamentos? O estímulo


consequente (chamado de aversivo - quando diminui a probabilidade de
emissão futura da resposta que o produziu, o que gera variabilidade
comportamental) era quando o marido batia nela. Estímulo é o bater do
marido. E a surra (surrar, pelo marido) é o estímulo consequente para
que ela pudesse conversar com o esposo quando ele chegava bêbado do
trabalho.

Qual o nome técnico desse estímulo consequente? O nome técnico


deste estímulo consequente é Aversivo Positivo - aqueles que reduzem a
frequência do comportamento que os produzem (estímulos reforçadores
negativos). Um estímulo só pode ser classificado como aversivo se a sua
apresentação for seguida por uma resposta de evitação, esquiva ou fuga.
Vimos que a fuga de Raquel seria “Ela já desistiu de falar qualquer
coisa nessas horas”.

Qual o efeito obtido? O efeito é cada vez mais aumentar a probabilidade


da diminuição da frequência da resposta.

E qual o nome técnico do procedimento envolvido? O nome técnico


do procedimento envolvido é Punição Positiva, ou seja, ocorre quando
um comportamento (resposta) é seguido por um estímulo aversivo.
Raquel vai paulatinamente desistindo.

g) Identifique qual o procedimento envolvido no comportamento de “queixar-


se de dores”.
Esta frase do texto é emblemática “De certo modo, todos acabam lhe
dando uma certa atenção.” Conseguimos perceber, claramente, um Reforço
Positivo nesta ação - como o fortalecimento de uma resposta devido à
apresentação de determinado estímulo a ela contingente.  Vimos que o aumento
da frequência de um comportamento pelo acréscimo de alguma coisa como
consequência desse comportamento — antes do comportamento essa coisa não
está presente, mas depois da ocorrência do comportamento, essa coisa é
apresentada ou adicionada à situação.
Em relação à situação de Raquel, a mesma começa a perceber que pode
ser mais “mimada” quando acrescenta as inúmeras dores a seu repertório.

ESTÍMULO (S) – quando os familiares chegam em casa/presença dos


familiares
RESPOSTA (R) – Raquel se queixa de muitas dores
CONSEQUÊNCIA (C) – Raquel tem a atenção de todos e ela é
“mimada” pela filha que vai para cozinha colocar a janta.

h) “Ter taquicardia, tremer e suar” são que tipos de comportamentos? Você


deve ser capaz de construir o paradigma completo referente a esses
comportamentos, tentando mostrar uma possível associação que tenha
havido com os estímulos eliciadores do mesmo.

“Ter taquicardia, tremer e suar” são comportamentos involuntário, que acontece


mediante as contingências, ou seja, produzidos pelo organismo sem controle do
indivíduo. Esse tipo de comportamento é denominado Comportamento Respondente.
Dividiremos, aqui, o paradigma em dois momentos:
Momento 1.
ESTÍMULO INCONDICIONADO (Si): marido de Raquel bate e surra sua esposa

RESPOSTA INCONDICIONADA (Ri): Raquel treme e transpira bastante

ESTÍMULO NEUTRO (Sn): gritos e ameaças – faz Raquel tremes e transpirar


bastante

ESTÍMULO INCONDICIONADO (Si): provoca uma resposta natural e automática


RESPOSTA INCONDICIONADA (Ri): é a resposta que ocorre naturalmente em
reação ao estímulo incondicionado.
ESTÍMULO NEUTRO (Sn) : não fornece a resposta desejada em um sujeito.

Momento 2.

ESTÍMULO CONDICIONADO (Sc): os gritos e ameaças do marido


RESPOSTA CONDICIONADA (Rc): Raquel treme e transpira

ESTÍMULO CONDICIONADO (Sc): um estímulo previamente neutro que, após tornar-se


associado com o estímulo incondicionado, eventualmente, desencadeia uma resposta
condicionada.

RESPOSTA CONDICIONADA (Rc): é a resposta aprendida ao estímulo anteriormente


neutro.

O que você fez em relação ao caso acima foi uma ANÁLISE FUNCIONAL, ou seja,
você identificou as variáveis das quais os comportamentos são função. Ao fazer assim,
identifica-se a contingência de três termos (a Tríplice Contingência = S antecedente, a
Resposta e o S consequente) e torna-se mais viável uma intervenção a fim de se
produzir mudanças necessárias nesses comportamentos.

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