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PLANTAS DE PODER

Por Léo Artese

 · Êxtase Xamânico

Das plantas se obtém os princípios ativos empregados nos medicamentos. Deus nos deu uma
completa fármácia natural.

DEUS DISSE:
"Eis que vos dou toda a erva que dá semente sobre a Terra e todas as árvores
frutíferas, contendo em sí mesmas a sua semente, para que vos sirva de alimento"

Genesis 1,29

Das plantas se obtém os princípios ativos empregados nos medicamentos. Deus nos uma
completa fármácia natural. Umas alimentam, outras nos perfumam, outras nos purificam, nos
calmam, nos dão prazer, etc. Porém, algumas plantas transportam a mente humana a regiões
de maravilhas espirituais, alterando a nossa consciência, levando-nos ao Mundo Profundo,
reconectando-nos com os nossos ancestrais.

A pergunta que os vegetalistas mais encontram é a seguinte:

- Para que é necessário tomar uma substância para encontrar a Deus ? Essa cansativa
pergunta pode ser respondida por respostas cansativas, tais como :

O que seria do vermelho, se todos gostassem do azul ?


A casa do Meu Pai tem muitas moradas...
Todos os caminhos nos levam a Deus.... e por aí vai..

Quero começar tirando os rótulos: alucinógeno, drogas...

O uso de Plantas Sagradas vem fazendo parte da


experiência humana há milênios. Não podem nunca serem confundidas com drogas que
causam a dependência e colocam em risco a saúde de quem as usa. A Planta é criação de
Deus, a droga é uma criação humana.
As Plantas de Poder são ingeridas em rituais. Obedecem a preceito mágico-religiosos e
proporcionam cura, autoconhecimento, expansão da consciência.

Com as obras de Castañeda, abriu-se uma porta para a observação do uso de plantas de
poder, para a expansão da consciência, mas há sinais de sua utilização em Escrituras
Sagradas. Sabe-se por exemplo que os sacerdotes védicos se utilizavam do Soma para entrar
em contato com o Reino Celestial, que o Rei Salomão era mestre no conhecimento de algumas
plantas de poder. Os druidas tomavam uma poção que lhes conferia força e coragem, mas, foi
entre os primitivos, os indígenas que se têm um relato mais preciso de sua utilização.

Conhecidas atualmente como plantas enteógenas ( entheos = Deus dentro ) são também
reconhecidas como; Plantas Mestres, Plantas Professoras, Plantas de Conhecimento, Plantas
de Poder, Plantas Sagradas.

As plantas de Poder, em suas diferentes espécies, participaram e participam de cerimônias


rituais em todos os continentes. Com o advento das obras de Castañeda, abriu-se uma porta
para a observação do uso de plantas para expansão da consciência, porém há sinais de sua
utilização em muitas escrituras sagradas.

Atualmente, existem comunidades religiosas que se


utilizam de Plantas de Poder, como sacramento de seus rituais tais como; a Igreja Nativa
Americana que se utiliza do Peiote ( Don Juan ) ; o Catimbó, da Jurema; a Ganja entre os
Rastafaris, O Santo Daime, a União Vegetal, e a Barquinha, da bebida Sacramental conhecida
no Peru como Ayauasca, e nas matas brasileiras com os nomes; iagé, nixi honi xuma, caapi.

As Plantas de Poder aumentam a percepção, a acuidade visual e auditiva, e transportam o


praticante para outras camadas vibracionais ou dimensões. A experiência é individual, algumas
pessoas tem visões, outras canalizam mensagens, fazem regressões, recebem insights,
recebem soluções para seus problemas com maior claridade, percebem as causas de suas
doenças, recebem cura, se conectam a arquétipos, aos mitos, aos medos, traumas, símbolos
que estão no inconsciente coletivo, visualizam entidades, viajam astralmente, etc..

O uso ritualístico de Plantas de Poder, proporciona, sem dúvida, uma experiência místico-
religiosa de beleza incomparável, proporcionando o samadhi, o êxtase, o nirvana, o encontro
com o Eu Superior, o transe.

Gostaría de ressaltar uma pequena preocupação com relação ao uso de cogumelos e plantas
sagradas, sabemos que estas plantas foram utilizadas por nossos ancestrais. Nós civilizados,
que temos uma alimentação cheia de aditivos quimicos, onde reina, por exemplo, esse mundo
dos refrigerantes, pricipalmente as "colas",sei que nossos organismos não são puros e
contaminados por corantes, conservantes, agrotóxicos e etc... Será que os nossos ancestrais
suportavam melhor estas plantas pois seus organismos eram mais puros e naturais?

É óbvio que se observamos uma dieta, a experiência torna-se mais plena. E isso acontece na
medicina também. Nos pós-operatório os médicos já vão recomendando uma certa dieta, na
recuperação dos pacientes também há dietas. Porém, cada organismo é um. Eu conheço
casos de pessoas que comem carne antes de irem para o trabalho espiritual. Assim como se
você briga, discute, fica externando raiva de alguém, sua experiência muda. Alguns trabalhos
no Perú exigem uma dieta de 7 dias, outros, antes de tomarem enteógenos passam por
"purgas".

Outro fator : O uso de plantas sagradas tende a fazer com que as pessoas passem a querer
consumir produtos mais saudáveis. Quanto aos químicos, conheço muitos casos, nestes anos
todos em que tive a graça de conhecer "as Plantas Sagradas", de pessoas que largaram
dependências químicas, vícios de álcool, etc. Lembrando que as Plantas possuem um poder
depurativo, ou sejam elas provocam limpeza, quando acham algo a ser limpado. Tanto no
corpo, como na mente, nas emoções e no espírito.

Alerta - A busca pelas Plantas de Poder pode ser perigosa. Não são todos os que dizem
conhece-las, que as conhecem realmente. As Plantas de Poder só trazem resultados
benéficos, se utilizadas dentro de um fundamento espiritual. Consagradas em rituais e
preparadas de forma correta.

O texto abaixo é de Terence Mackenna foi um dos mais importantes e divertido


estudioso de plantas enteógenas e visionário da América :

“A história humana tem sido uma corrida de quinze mil anos, desde o equilíbrio no berço
africano até a apoteose de desilusão, desvalorização e morte em massa no século XX. Agora
estamos no limiar do vôo estelar, das tecnologias de realidade virtual e de um xamanismo
renascido que anuncia o abandono do corpo do macaco e do grupo tribal que sempre foram
nosso contexto.
A era da imaginação está surgindo. As plantas xamânicas e os mundos que elas revelam são
mundos dos quais imaginamos que viemos há muito, mundos de luz, poder e beleza que, de
um modo ou de outro, estão por trás das visões escatológicas de todas as grandes religiões do
mundo. Podemos reivindicar esse legado pródigo assim que pudermos refazer nossa
linguagem e a nós mesmos.

Refazer nossa linguagem significa rejeitar a auto-imagem que herdamos da cultura dominadora
- a imagem de uma criatura culpada pelo pecado, e portanto merecendo a exclusão do paraíso.
O paraíso é nosso direito por nascença, e pode ser reivindicado por qualquer um de nós.

A natureza não é nossa inimiga, para ser estuprada e conquistada. A natureza somos nós, para
ser investigada e tratada com carinho. O xamanismo sempre soube disso, e sempre, em suas
expressões mais autênticas, ensinou que o caminho requer aliado. Esses aliados são as
plantas alucinógenas e as misteriosas entidades mestras, luminosas e transcendentais, que
residem na dimensão próxima, dimensão de beleza e compreensão extática que negamos até
quase ser tarde demais.

Agora podemos nos dirigir para uma nova visão de nós mesmos e de nosso papel na natureza.
Somos a espécie adaptável a tudo, somos os pensadores, os fazedores, os solucionadores de
problemas

Trecho extraído do livro do meu querido amigo, o antropólogo Edward McRae:


"Guiado Pela Lua ". - Ed. Brasiliense :

"O uso de psicoativos para variados fins, mas principalmente na busca da cura e contato com o
divino, ocorre historicamente em muitas regiões do mundo. Os textos sagrados da Índia e os
poemas épicos de Homero, na Grécia, trazem relatos sobre o uso de plantas e outras
substâncias naturais para provocar alterações de consciência. Até em regiões tão ermas
quanto a Sibéria usou-se cogumelos para fins xamânicos.

Entretanto, é nas Américas que se concentra o maior número dessas substâncias, e onde até
hoje mais freqüentemente se faz uso delas. Seu emprego nesta região do mundo está ligado
mais a fins sagrados, na recreacionais, para validar ou retificar a cultura, e não como uma
maneira de temporariamente escapar dela. É possível que a maioria das tribos indígenas da
região da bacia do Amazonas e do Orenoco use preparados feitos de uma ou mais plantas
psicoativas em funções centrais da sua vida religiosa e cultural.

De todas as plantas, a que tem seu uso mais difundido é a Banisteriopsis, cujas variedades,
caapi, quitenses e inebrians são utilizadas no preparo da ayahuasca. As receitas dessa bebida
variam, e os diversos grupos adicionam a ela diferentes ervas, dependendo de suas tradições e
dos fins a que ela se destina. Geralmente incluem a Diploterys Cabrerana, a Psychotria
Carthaginensis ou mais comumente, a Psychotria viridis, que se crê eficientes em reforçar e
sustentar as visões provocadas."

Comentários do médico francês Jacques Mabit, estudioso da ayahuasca, fundador


Takiwasi - Centro de Reabilitação de Toxicômanos e de Investigação de Medicinas
Tradicionais, em Tarapoto - Peru :
"O vocabulário "alucinação", amplamente utilizado, possui um claro sentido depreciativo que
prejudica a questão a debater. Parece-nos mais apropriado em tal debate falar de "visão" e de
"ver" para designar as percepções mentais experimentadas em uma sessão de Ayahuasca,
cobrindo assim não sómente a imaginação mental, principal, mas também as percepções
atribuídas aos outros sentidos. Não se qualifica de alucinação uma visão que conduza a uma
ação eficiente ou operatória permitindo ao sujeito dominar melhor o seu universo interior. O
"ver" não é experimentado como uma compreensão de ordem intelectual, mas como um
entendimento imediato, global e instantâneo que mobiliza todos os sentidos e funções. A visão
se manifesta do mesmo modo que um insight.

O mundo visionário das plantas oferece ampliar o panorama mental do sujeirto ocidental e em
lugar da uniformização triste, linear e monótona de sua excessiva mentalização racional,
outorgar-lhe uma abordagem renovada da vida em todas a sua amplitude, descobrindo-lhe
realidades múltiplas ou múltiplos olhares sobre a realidade, com maior integração de seu corpo
e de seu coração, de sua materialidade e sua afetividade "

Comentários do Padrinho Alex Polari de Alverga, Diretor de Comunicação do


CEFLURIS - Santo Daime, fundador da Comunidade Céu da Montanha em Mauá -RJ

"Algumas teorias especulam que, na aurora dos tempos, as plantas divinatórias foram o fruto
proibido que influiu decisivamente na passagem da semiconsciência biológica para a
consciência humana, trazendo com ela a faca de dois gumes do livre-arbítrio. Ajustou-se assim
o espírito à matéria e consumou-se a queda do espírito na carne.

Estamos no crepúsculo desse mesmo tempo e não é a toa que a relação entre mente,
consciência e espírito, trazida a baila pelo uso de plantas de poder, esteja hoje tão presente em
nossa civilização, confundida pela desinformação e pelo preconceito com uma das questões
mais inquietantes dessa nova civilização : as drogas.

Pessoalmente acho positivo o fato das plantas de poder não serem uma unanimidade. Se
assim fosse, talvez não houvesse plantas para todos, e a ciência se apropriaria desse
conhecimento, do mesmo jeito que quer fazer hoje com a acupuntura e outras práticas
naturais."

PLANTAS MÁGICAS
 · Folhas e Plantas Mágicas

clips do livro de Sangirardi Jr. " Os índios e as plantas alucinógenas "


A palavra droga tem, hoje em dia, uma carga semântica negativa, de condenação, medo,
curiosidade mórbida. Droga em grego é pharmakon , quer dizer remédio, medicamento, mas
também é veneno. É o nome dado a Platão à bebida que matou Sócrates.

Em inglês o termo drug é o termo que serve tanto para remédio como para veneno. A
Organização Mundial de saúde definiu : " Dependência de droga é o uso habitual e compulsivo
de qualquer droga narcórtica, de maneira que ameace a segurança e o bem-estar do próprio
dependente ou de terceiros. " Narcótico, é um termo genérico, que designa substância que
produz estupor ou letargia e pode, inclusive, aliviar ou suprimir a dor.

O Bulletin on Narcotics, editado pelas Nações Unidas, já publicou inúmeros trabalhos sobre o
hábito de mascar folhas de coca, o qual, além de não levar à narcose, tem efeito justamente
oposto, o de eliminar sono e cansaço. Já o álcool, que pode até provocar sono comatoso,
jamais foi chamado de narcótico, pois é uma das drogas sacramentadas pela civilização
ocidental.

Para aumentar a confusão, entra em cena a palavra tóxico, que significa veneno, mas que
adquiriu um sentido tão amplo quanto da palavra narcótico. Droga e tóxico passaram a ser
palavras irmãs. Maconha é sinônimo de horror e delinqüência; cigarro de elegância e bom
gosto ( hoje em dia já mudamos isso, ainda bem !).

Os meio de comunicação noticiam com destaque a prisão de maconheiros; mas veiculam


insidiosas propagandas de cigarros e álcool. A sociedade combate a maconha como se fosse
uma " erva maldita " e pune o seu uso. Mas permite que seja anunciada amplamente as
bebidas alcoólicas. Não é um aguardente que o povo bebe, mas produtos falsificados pela
ganância, na alquimia de fabricantes. A cachaça tem ação devastadora na saúde dos
subalimento bóias frias, colonos de fazendas, operários de fábricas. E os alcoólatras se
multiplicam na fermentação da miséria. Os ébrios apodrecem em vida nas sarjetas das grandes
cidades.

Por que os que se empenham em combater tóxicos não começam pelos mais graves ? Basta
olhar à volta, para constatar a gigantesca quantidade de tóxicos que ameaçam a saúde e a
vida de nosso povo, em terra, nas águas, no ar.
Em terra, tóxicos oriundos de detritos, resíduos, podridões - a semeadura de imundices feita
pela ganância do homem "civilizado" . Nos alimentos, tóxicos provenientes de substâncias
químicas, produtos de conservação, defensivos agrícolas (agrotóxicos), toda uma tecnologia a
serviço do lucro, através da adulteração e da fraude.

Rios, mares e lagos estão morrendo sob ação de tóxicos oriundos de esgotos, resíduos
industriais, lixo, enfim, os restos pestilentos da civilização. Os ares estão envenenados pelos
tóxicos de emanações deletérias, incluindo a fumaça das chaminés das fábricas e dos veículos
motorizados.

Derrubam florestas e plantam dinheiro. A especulação imobiliária devasta e desumaniza.


Aniquila-se a flora e a fauna, de norte a sul do país. Conseqüência : alternam-se, com
intensidade crescente, secas flagelantes,e inundações diluviais. É a guerra total contra a
ecologia. Seus comandantes decretaram a morte do índio - o homem da terra - enquanto
desenvolvem a estratégia do "progresso", cujas ações táticas multiplicam os tóxicos.

Missões salesianas no vale do Rio Negro, impunham, através de missionários a abolição de


plantas de poder ( alucinógenos) consumidos ritualmente em cerimônias tradicionais. Abolir
essas plantas é destruir a religião, pois impossibilita as práticas xamanísticas e impede que o
índio se comunique diretamente com a divindade. Destruir a religião é um complexo cultural de
importância básica, inclusive como fator de união tribal e intertribal. E o aniquilamento desse
complexo vem ajudar o domínio do silvícola pelo homem branco.

O complexo das drogas é determinado pelo complexo cultural. Entre os maometanos o álcool é
abominável e a maconha (haxixe), tranquilamente permitida. Entre nós a maconha é execrada
e o álcool é amplamente institucionalizado.

Para o branco a droga fragmenta a personalidade : é um vício e um processo de fuga. Para o


índio, a droga provoca uma comunhão com a divindade e a volta às mais profundas raízes
ancestrais; é um processo de integração.

A rapidez e a amplitude da difusão das drogas entre os brancos teve como causa principal a
ambição do lucro, que o índio desconhece. Em todas as nações indígenas, as drogas são
sagradas, oriundas dos vegetais hierobotânicos. E o seu consumo é sempre cerimonial, em
ritos determinados por tradição milenar.

O médico feiticeiro indígena, revelou ao homem branco importantes descobertas no reino


vegetal, como as plantas de poder, que ampliaram e aprofundaram o campo das pesquisas em
psicologia e psiquiatria.

O pajé, xamã ou medicine man tem a autoridade de quem conhece o efeito das plantas. E
conhece porque também consumiu e consome as plantas que ministra. O mesmo tipo de
conhecimento foi adquirido, modernamente, por notáveis cientístas, que fizeram auto-
experiência.

O homem quer erguer-se da lama da terra. E alcançar as estrelas. E entrar em contato com
seus deuses. Recorre então as ervas do sonho. A posse de plantas mágicas vem de muitos
séculos, através de gerações. É legado de pioneiros que desbravaram o desconhecido. Os que
ingeriram pela primeira vez cascas de árvores, folhas, flores, frutos, sementes, raízes - puros,
triturados em infusões, para que se aprendesse a distinguir as espécies e quais as partes dos
vegetais com poderes psicoativos.

Cada planta mágica abriga um espírito, cuja força o índio absorve, ingerindo o vegetal ou uma
de suas partes. Essa força propicia o sono divinatório, as imagens (visões), o mistério das
visões, a presença dos mortos, as revelações dos espíritos, enfim, o contato com o
sobrenatural. Essa forca é o mana dos polinésios e dos antropólogos. É também o pneuma do
Velho Testamento - sopro, vida, Espírito Santo.

Para o índio, um princípio inteligente habita o reino vegetal. Está presente em cada espécie.
Esta crença está cientificamente comprovada. Toda a planta psicoativa é sagrada. E toda a
planta sagrada só é consumida ritualmente.

FOLHAS E PLANTAS MÁGICAS


Rosane Volpatto

Inúmeros vegetais têm, para os Maués, forças mágicas, enquanto outros estão ligados "a sua
organização tribal, aparecendo na denominação de seus clãs. Para afastar a Mãe-da-Doença,
os índios Maués, costumam pintar-se com sumo de jenipapo e de urucum.

Para que suas armas de caça e utensílios de pesca mantenham suas propriedades mágicas,
costumam banhá-las com água de uma planta do igapó, denominada "jasmim de lontra",
depois de cuidadosa maceração. A vassourinha é usada, com cachaça, em fricções, para
combater dores reumáticas. Caferana, com cachaça, cura feridas brabas.

Não obstante ridicularizarem os civilizados que, entre eles, procuram obter plantas
afrodisíacas, os velhos Maué utilizam o miatã ou miura ou "muyra" itã, científicamente
denominada "Caesalpinia ferre", e vulgarmente denominada pau-ferro.

Barbosa Rodrigues nos descreve a muyra itã como uma grande árvore cujo cerne é vermelho
quase preto, de folhas pintadas, com oito folíolos pequenos, de flores amarelas em racemos. A
madeira é empregada em construções e, medicinalmente, o cozimento, contra feridas, e em
xarope, nas afecções catarrais. O nome de pau de jucá, vem do emprego que os tupis davam
ao lenho, isto é, dele fabricavam as duras clavas com que matavam os prisioneiros, outros
davam o nome de muyra itã ou pau-ferro. Não obstante haverem autores omissos em relação
às propriedades afrodisíacas da muyra itã, os velhos Maué nos asseguram que ela lhes dá yêp
ou potência.

As raízes da "muirapuama" (Viagra do Amazonas) são conhecidas em toda a Amazônia por


suas virtudes terapêuticas e mágicas.
A muirapuama é científicamente denominada "Ptychopetalum olacoides". Ela é um tônico
neuromuscular de primeira ordem e a raiz é empregada em banhos e em fricções contra a
paralisia e o beribéri. Internamente o extrato produz efeitos notáveis na debilidade, na
impotência (neurastenia sexual), na ataxia locomotriz, no reumatismo crônico, nas paralisias
faciais, na gripe, e nas astenias (cardíaca e gastrointestinal). O princípio ativo do muirapuama
seria um alcalóide análogo à "Yohimbina" encontrada no "Johimbine", do Cameroun, no
Coryanthus johimbe e outras plantas africanas, um dos mais notáveis afrodisíacos.

O PODER DO PEIOTE

A lenda índia do peiote é deveras interessante: conta-se que algumas tribos de Sonora, os
Guachichiles, ocupavam um imenso território dos Estados de San Luis Potosí, Zacatecas e
Coahuila, quando um profeta chamado amajakuagy se rebelou ao tentar mudar os costumes
seculares. Foi então perseguido e torturado e seu utensílios mágicos foram jogados na água.
Então Majakuagy suplicou aos deuses e estes compadecidos, transformaram seus utensílios
em uma planta maravilhosa dotada de poderes sobrenaturais, que tinha a virtude de colocar
quem as usasse ao abrigo da fome e da sede por tempo considerável.

Posteriormente, Majakuagy impulsionou um costume de perigrinação a


Rhaitomuany para que fosse realizado o cerimonial ou ritual do peiote.

Para Ullu Temay, um xamã dos índios huichol, do México, seus verdadeiros poderes são
revelados através de visões provocadas pelo peiote. Imagens caleidoscópias aparecem depois
que o xamã come os botões, ou topos, do cato alucinógeno. Através da visão, o xamã sai da
realidade e entra em um mundo interior, onde os espíritos revelam os segredos de sua
onipotência e o ensinam como usar e expandir seus poderes.
Enquando come o peiote, o xamã segura um disco multicolorido onde visões anteriores estão
reproduzidas. Estes discos o auxiliam a evocar alguma promessa feita aos deuses durante uma
visão precedente; a oferenda do disco também é uma maneira de cumprir com este dever.

Os discos coloridos também são considerados recompensas dos deuses pela obediência a um
voto ou trato e supostamente, contêm a essência dos deuses. O xamã cria também uma outra
ferramenta de poder prendendo penas de aves a setas. As aves são os mensageiros das
divindades. As varas são então, usadas em associação com os discos, craindo um canal para
troca de mensagens com os deuses. Estes instrumentos, guardados em uma cesta trançada,
são usados em quase todos seus rituais xamânicos.

Nos últimos tempos, há uma grande difusão do peiote entre as reservas indígenas dos Estados
Unidos, especialmente entre os Delaware de Oklahoma.

Os efeitos do peiote são parecidos com os do LSD: produz alterações em todos os sentidos,
visões em coloridos abstratos, como um caleidoscópio, figuras de monstros, acarretando
também, pertubações em sentido do tempo.

O DOUTOR-ÍNDIO

Muito se deve ao conhecimento indígena sobre ervas, mas não se pode desconhecer a oculta
ou aberta oposição que os médicos já fizeram por vezes a estes seus concorrentes. Verdade
ou lenda, o episódio do Doutor índio lembra esta hostilidade. Acusado de exercício ilegal da
arte médica, entregue ao intendente médico da capital azteca e no ponto de ser condenado por
imperícia, o pobre curandeiro pediu para que seus juízes cheirassem o perfume de uma erva
que lhes presenteou. Todos foram imediatamente atacados de uma violenta hemorragia e o
acusado desafiou-os a sustá-la. Mas todos os remédios que aplicaram não deram resultado até
que o índio lhes apresentou aos narizes um outro vegetal que estancou o sangue como que por
encanto.

PLANTAS QUE CURAM


A antropóloga Beatriz Caiuby Labate é uma voz altiva e ativa no universo da pesquisa
acadêmica brasileira sobre o uso das plantas de poder e, em especial, da ayahuasca (1). Aos
33 anos, Bia Labate já trilhou boa parte do vasto território-alvo de sua pesquisa e, literalmente,
colocou o pé na estrada, nos últimos nove anos, viajando pelo Brasil, Peru, Colômbia, México e
África.

Suas andanças, em busca da gênese e da história de distintas culturas e agrupamentos que


fazem uso tradicional ou contemporâneo das plantas psicoativas, lhe renderam a co-
organização do livro O Uso Ritual da Ayahuasca (Mercado de Letras, 2002), onde conseguiu
reunir, numa edição virtuosa, a palavra de xamãs, vegetalistas, etnólogos, cientistas sociais e
psiconautas (pesquisadores empíricos e científicos de psicoativos), tornando-se referência no
campo de estudos sobre as religiosidades urbanas contemporâneas e o psicodelismo.

Seu mais recente livro, A reinvenção do uso da ayahuasca nos centros urbanos (também
editado pelo Mercado de Letras, 2004), recebeu o prêmio de melhor trabalho de mestrado, em
2000, pela Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais – ANPOCS
Plantas que Curam - Bia Labate

As plantas psicoativas têm sido utilizadas há cinqüenta mil anos pela humanidade, em
diferentes culturas e épocas, sendo objeto de culto e reverência ou de demonização. A paixão
que despertam revela-se, em primeiro lugar, pela própria maneira de nomeá-las. Alguns
pesquisadores têm criticado o termo científico alucinógeno, por sugerir uma percepção falsa e
ilusória da realidade. Uma opção adotada tem sido enteógeno, originário do grego antigo, com
o significado de “Deus dentro” ou “o que leva o divino para dentro de si”. Outra, mais ligada à
contracultura, é psicodélico, “aquilo que revela o espírito ou alma”. Alguns preferem utilizar
termos nativos, como é o caso de plantas professoras, expressão característica do vegetalismo
peruano, ou adotar denominações que sublinhem as dimensões neurofarmacológicas comuns
às várias substâncias, como a proposta por Michael Winkelman, plantas psicointegradoras,
aquelas que “integram os hemisférios direito e esquerdo do cérebro”.

As diversas populações que fazem uso dessas substâncias consideram, em geral, que elas são
habitadas por um espírito, uma “mãe”, um “dono” — com o qual podemos nos comunicar e
aprender. Elas seriam, portanto, um espírito-planta. Um traço comum aos variados contextos é
a crença de que, por meio dessas substâncias, é possível estabelecer contato com o mundo
espiritual, com os seres divinos, e transcender as fronteiras da morte. Historicamente, o uso de
tais psicoativos tem sido associado ao reforço da identidade étnica, à promoção da coesão
social, à transmissão de valores culturais, à produção artística, à morte simbólica do ego, ao
autoconhecimento, à resolução de conflitos sociais, à guerra, à feitiçaria, à caça, ao poder
político e cósmico, à metamorfose em animais e à divinação, entre outros.

Uma das dimensões centrais das plantas de poder é a sua conexão estreita com os sistemas
de cura, seja através da figura do xamã, seja através das religiões institucionalizadas. A cura
propiciaria uma conexão holística entre processos mentais, emocionais e espirituais — mesmo
porque, em alguns dos contextos onde estas substâncias são consumidas, tais esferas são
consideradas inseparáveis. A ciência norte-americana dos anos 50 e 60 desenvolveu diversas
pesquisas e experimentações sobre as virtudes médicas e terapêuticas dos psicoativos,
sobretudo antes da proibição legal do LSD nos EUA, em 1966. Entretanto, o tema permanece
ainda pouco estudado, além de fortemente estigmatizado.

Os assim chamados estados alterados de consciência não são provocados apenas por
substâncias químicas. Eles também podem ser produzidos por estímulos auditivos, jejuns
nutricionais, isolamento social e deprivação sensorial, meditação, estados de sono, abstinência
sexual, comportamento motor intensivo, opiáceos endógenos e estados mentais resultantes de
alterações na neurofisiologia ou química corporal. Vamos nos deter aqui sobre duas plantas
que têm sido usada ritualmente, na África e na América do Sul, como formas de transe e cura,
a iboga e a ayahuasca, tentando compreender os seus múltiplos contextos de uso e
aplicações.

Tabernanthe iboga

Trata-se de um arbusto com uma raiz subterrânea que chega a atingir 1,50m de altura,
pertencente ao gênero Tabernanthe, composto por várias espécies. A que mais tem interessado
a medicina ocidental é a Tabernanthe iboga, encontrada nos Camarões, Gabão, República
Central Africana, Congo, República Democrática do Congo, Angola e Guiné Equatorial. Seu
principal alcalóide é a ibogaína, extraída da casca da raiz.

Algumas espécies animais, entre as quais os mandris e os javalis, alimentam-se das raízes da
iboga para conseguir efeitos entorpecentes. Imagina-se que os pigmeus descobriram a eboka
(iboga) observando o comportamento desses animais. Até hoje, estas populações utilizam a
iboga em seus ritos.

Em 1901, a ibogaína foi isolada pela primeira vez. Há notícia de que ela teria sido usada no
Ocidente desde o início do século XX, no tratamento de gripe, neurastemia, doenças
infecciosas e relacionadas ao sono.

Em 1962, Howard Lotsof, um jovem dependente de heroína, acabou descobrindo, por acaso, a
iboga na África. Após uma viagem astral de 36 horas, relatou que perdeu o desejo de consumir
heroína por completo. Em 1983, Lostsof relatou as propriedades antiaditivas da ibogaína e em
1985 obteve quatro patentes nos EUA para o tratamento de dependências de ópio, cocaína,
anfetamina, etanol e nicotina. Fundou o International Coalition for Addicts Self Help e
desenvolveu o método Endabuse, uma farmacoterapia experimental que faz uso da ibogaíne
HCl, a forma solúvel da ibogaína. Através da administração de uma única dose, cujo efeito dura
dois dias, haveria uma atenuação severa dos sintomas de abstinência e uma perda do desejo
de consumir drogas por um período mais ou menos longo de tempo.

Atualmente, a iboga é utilizada por curandeiros tradicionais dos países da bacia do Congo e na
religião do Buiti na Guiné Equatorial, Camarões e, sobretudo, no Gabão, onde membros
importantes das hierarquias políticas do país são adeptos do culto. Aproveita-se principalmente
a casca da raiz mas também se atribuem propriedades medicinais às folhas, à casca do tronco
e à raiz. No Gabão, a raiz e a casca da raiz são encontradas facilmente nas farmácias
tradicionais e nos mercados das principais cidades. A iboga pode ser utilizada sozinha ou em
combinação com outras plantas — uma parte desse conhecimento permanece secreto.
Segundo depoimentos que colhi nos Camarões em 2001, ela é empregada no tratamento da
depressão, da picada de cobra, da impotência masculina, da esterilidade feminina, da AIDS e
também como estimulante e afrodisíaco. De acordo com as crenças locais, seria eficaz, ainda,
sobre as doenças místicas, como é o caso da possessão.

Existem dois tipos de Buiti: o tradicional, que rejeita o cristianismo, e o sincrético, o mais
difundido. O primeiro é praticado pelos Mitsogho e o segundo pelos Fang, ambos grupos
Bantu. É provável que durante o século XIX os pigmeus tenham transmitido seus
conhecimentos aos Apindji, que os teriam passado, por sua vez, aos Mitsogho, ambas
populações do sul do Gabão. Esses grupos elaboraram durante o século XIX um culto dos
mortos, o Buiti tradicional. O Buiti sincrético ou Fang foi formado por ocasião da primeira guerra
mundial. Ele é produto de influências do Buiti tradicional, do culto ancestral, característico dos
Fang, o Bieri (que utiliza uma outra planta psicoativa) e da evangelização cristã. Existe, ainda,
um outro culto que utiliza a iboga, o Abri, até hoje pouco investigado. Esse último é comandado
por mulheres e dedica- se ao tratamento de doenças por meio da iboga e de outros vegetais
medicinais.

A religião buitista contempla um rito de iniciação que dura três dias. Na abertura, o candidato
confessa seus pecados e toma um banho ritual. Ele passa, então, a ingerir, em jejum, uma
enorme quantidade de iboga (pode chegar a 500g) e de ossoup, uma espécie de chá frio feito
com a raiz da planta. O grupo acompanha o neófito durante a prière, onde todos cantam, tocam
e dançam noite a dentro.

A iniciação tem como objetivo produzir um suposto coma induzido — os estudiosos ainda não
conseguiram defini-lo com precisão. De acordo com os adeptos, em algum momento o espírito
sai do corpo e viaja para o plano da criação. Podem-se receber revelações, curas de
enfermidades ou comunicar-se com os ancestrais. A citar (harpa sagrada) orienta a viagem e
traz o espírito de volta. Terminada a cerimônia, o indivíduo — renascido com uma nova
identidade, bandzi, 'aquele que comeu' – deve relatar suas visões ao grupo.

Podem ocorrer mortes nos rituais de iniciação do Buiti. Segundo os líderes, isto pode acontecer
devido a diversos fatores, como a incompetência do guerriseur, a administração da planta a um
doente muito debilitado ou, ainda, pelo fato de o paciente ser um bruxo. Os Fang conhecem
uma folha-antídoto (Ebebing) que anula o efeito da iboga.

A literatura científica sobre o tema é controversa. Sabe-se que a ibogaína produz perda do
equilíbrio corporal, tremores, aumento da temperatura corpórea, da pressão e da freqüência
cardíaca. Estudos com ratos e primatas demonstraram que a ibogaína em quantidade de 100
mg/kg é neurotóxica (a dose utilizada no tratamento de Lotsof é normalmente de 25 mg/kg). Ela
é diferente de outros medicamentos, na medida em que é a única substância conhecida que
age diretamente sobre o suposto mecanismo da dependência no corpo humano. Entretanto,
não se conhece ao certo seu grau de eficácia e não existe nenhum estudo científico que
comprove que a ibogaína cure a dependência química; há apenas evidências anedóticas.

Os tratamentos com ibogaína não são autorizados nos Estados Unidos, Reino Unido, França
ou Suíça. Mesmo assim, têm sido adotados clandestinamente. No Panamá, a instituição
liderada por Lotsof cobra 15 mil dólares; na Itália, o custo é de 2.500 dólares, e, nos EUA, o
tratamento varia entre 500 e 2.500 dólares. Em Israel, a iboga está sendo pesquisada para uso
no tratamento da síndrome de pós-guerra que afeta os soldados.

De acordo com o médico italiano Antonio Bianchi, a ibogaína age sobre uma enorme
quantidade de receptores neuronais. Sua característica fundamental é sua ação sobre a NMDA
(N-metil-D-aspartate). Esses receptores estão presentes sobretudo em duas áreas: o
hipocampo, que controla a memória e as recordações, e a sensibilidade proprioceptiva, parte
responsável pela sensação que temos do nosso corpo físico. Se esses receptores forem
bloqueados, a pessoa construirá uma imagem do “eu” que não está relacionada com o eu
físico, ou seja, sentir-se-á fora do corpo. Este seria o mecanismo neurofisiológico da viagem
astral, o ponto de encontro entre as concepções religiosas e as científicas. Nessas condições,
o homem tende a construir aquilo que é definido como uma bird-eye image, assumindo uma
projeção de si mesmo a partir de uma posição do alto — experiência também recorrente nos
relatos da ayahuasca.

Banisteriopsis caapi

o xamanismo indígena e o vegetalismo


A palavra ayahuasca pertence à língua quéchua. De acordo com estudiosos, "Aya" quer dizer
dead person, soul, spirit e "Waska" significa cord, liana, vine. Assim, poder-se-ia traduzir
ayahuasca em português como corda (liana, cipó) dos mortos (da alma, dos espíritos). A
ayahuasca geralmente consiste na infusão do cipó Banisteriopsis caapi e do arbusto Psychotria
viridis. Podem-se acrescentar mais de trinta outras espécies ao cipó, como a folha de outro
cipó, Diplopterys cabrerana, conhecida na Colômbia como chagro panga.

O arbusto Psychotria viridis contém um princípio ativo, a DMT (N, N, Dimetiltriptamina), que tem
semelhança estrutural com a serotonina, um importante neurotransmissor do sistema nervoso
central. Quando administrada por via oral, a DMT é decomposta pela monoaminoxidase (MAO),
tornando-se inativa. O cipó contém alcalóides beta-carbolinas: a Harmina, a Harmalina e a
Tetrahidroharmina. Esses alcalóides inibem a atuação da enzima de MAO, o que evita que esta
inative a DMT contida na folha. Assim, a interação entre esses alcalóides e a DMT permite que
a bebida produza alterações no corpo.

Cerca de setenta grupos indígenas fazem uso da ayahuasca na Amazônia Ocidental,


geralmente associado ao xamanismo. A bebida possui um papel central na organização social
e simbólica dessas populações. Em muitos casos, o mito de origem da ayahuasca ou yagé é o
mesmo que narra o aparecimento daquele determinado grupo étnico na Terra. Durante a
experiência, os participantes revivem cenas mitológicas que confirmam suas crenças e
introjetam valores e comportamentos socialmente sancionados. A experiência ayahuasqueira
está ligada também ao destino post-mortem.

O consumo indígena do cipó tem a ver com várias dimensões da vida social — aqui nos
interessa, em particular, os seus usos medicinais, como o diagnóstico e a cura de doenças. No
Peru, a bebida é conhecida também como la purga, devido às suas características de
desintoxicação; em certas regiões da Colômbia, é denominada el remedio. Estudiosos
levantam hipóteses de que o chá contenha propriedades eméticas, antimicrobianas e anti-
helmínticas, o que o tornaria efetivo no combate a vermes ascáridos e protozoários. Os
praticantes afirmam que a ayahuasca é útil no combate a males naturais e mágicos.

Generalizando aspectos comuns aos vários contextos indígenas, podemos afirmar que o xamã
localiza, durante o transe, através de suas visões, o mal que causa a doença e/ou o
responsável por ela (no caso da feitiçaria). Ele combate espíritos malignos, captura a alma do
doente de volta e, por meio da sucção, retira o objeto patogênico. Dependendo do contexto,
apenas o xamã toma a bebida, ou ambos, curandeiro e paciente, comungam da mesma. O
tabaco é altamente estimado e, geralmente, acompanha as sessões de cura. É considerado
purificador do corpo e comida dos espíritos. Outras plantas podem ser usadas, dependendo do
problema.

A explicação antropológica convencional postula que o xamanismo medicinal indígena foi


transportado para as populações das pequenas cidades na orla da selva, adaptando-se ao
contexto de urbanização. Porém, autores como Peter Gow têm sugerido que o xamanismo
ayahuasqueiro ligado à cura, tal como o conhecemos hoje, seria, de fato, freqüentemente, uma
importação da cidade para a floresta, sendo menos significativo nas zonas mais marginais ao
processo de contato colonial no espaço do capitalismo internacional da borracha.
O autor se refere a outra modalidade de consumo do cipó, o vegetalismo, praticada sobretudo
por populações mestiças. Este fenômeno foi estudado pelo antropólogo Luis Eduardo Luna —
trata-se de uma forma de medicina popular à base de vegetais, cantos e dietas. Os vegetalistas
são curadores das populações rurais do Peru e da Colômbia que mantêm elementos dos
antigos conhecimentos indígenas sobre as plantas, ao mesmo tempo em que absorvem
influências do esoterismo europeu e do meio urbano. São procurados para sanarem problemas
emocionais, físicos, psicológicos e somáticos, vícios, má sorte, questões amorosas, susto
(medo que gera a perda da alma), daño (ataque prejudicial de terceiros) e mal de ojo (inveja),
entre outros. Os pacientes não se envolvem necessariamente com as atividades do curandero
— apenas alguns se dedicam ao aprendizado.

A iniciação do vegetalista é marcada por uma série de rígidas restrições alimentares e


abstinência sexual, além da ingestão de uma boa quantidade de plantas psicoativas — a idéia
é que o aprendiz adquire no próprio corpo a força das plantas que ingeriu nos períodos de
dieta, absorvendo os espíritos dessas plantas e contatando outros espíritos protetores, os quais
devem ser respeitados, pois geralmente são muito ciumentos. Durante esse processo, ele
aprende os icaros — melodias ou cantos mágicos que os espíritos das plantas lhe ensinam e
que representam a essência de seu poder. O ícaro possui relação estreita com o conteúdo das
visões experienciadas e tem diversas propriedades, entre elas a capacidade de transportar
para o vegetalista qualidades da planta evocada, curar ou prejudicar pessoas. Os curandeiros
afirmam que a ayahuasca lhes ensina os idiomas indígenas dos cantos que cantam.

Uma das principais ferramentas do vegetalista é o arkana, uma espécie de armadura mágica
que o protege. Outra dádiva recebida dos espíritos é uma substância chamada yachay ou
mariri, secreções que o vegetalista armazena no seu corpo. Ele fuma ou traga o tabaco para
regurgitar esta gosma grossa, que o auxilia a extrair objetos enviados por feiticeiros rivais,
posteriormente cuspidos. Outra arma de defesa e ataque são os virotes, setas mágicas com
formas variadas (de espinhos, insetos, penas, ossos) que ficam alojadas atrás do pescoço ou
na espinha vertebral do praticante e podem ser enviadas a distância.

As sessões são à noite e duram várias horas. O vegetalista utiliza, além dos cantos, assobios,
perfumes, uma schacapa (uma espécie de maracá feito com folhas), mapachos (cigarros de
tabaco) e, eventualmente, orações — no caso dos curandeiros mais urbanos, há presença de
imagens de santos, além das personagens que normalmente habitam o seu imaginário, como o
chullachaki e o yakuruna. Apesar dos vegetalistas serem altamente individualistas e de haver
diversas modalidades de praticantes, existe, não obstante, uma rede informal de relações que
inclui a transmissão de conhecimentos ou o ataque sobrenatural.

As religiões ayahuasqueiras brasileiras

o caso do Santo Daime

Embora na Colômbia, Bolívia, Peru, Venezuela e Equador haja uma tradição de consumo da
ayahuasca por xamãs e vegetalistas, curiosamente é somente no Brasil que se desenvolvem
religiões que fazem uso da bebida, religiões essas formadas por populações não indígenas. A
exemplo dos casos do Buiti africano e da Native American Church no México e nos EUA (que
faz uso do peiote), as religiões ayahuasqueiras brasileiras reelaboram os antigos sistemas de
conhecimento locais a partir de uma leitura cristã.. O Santo Daime, a Barquinha e a União do
Vegetal são herdeiros das práticas de consumo da ayahuasca pelo curandeirismo amazônico e
são influenciadas, além do catolicismo popular, pelas tradições afro-brasileira, espírita
kardecista, esotérica de origem européia (por meio do Círculo Esotérico da Comunhão do
Pensamento e do movimento Rosa Cruz), bem como pela religiosidade popular nordestina.

Na década de 30, Raimundo Irineu Serra fundou a religião do Santo Daime em Rio Branco
(Acre), a vertente conhecida como Alto Santo; em 1945, Daniel Pereira de Mattos criou a
Barquinha no mesmo estado; na década de 60, formou-se a União do Vegetal (UDV) em Porto
Velho (Rondônia), através de José Gabriel da Costa. Na década de 70, apareceu o CEFLURIS,
outra ramificação do Santo Daime, liderada por Sebastião Mota de Melo. A partir do final dos
anos 70, a vertente daimista ligada ao Padrinho Sebastião e a UDV começaram a se expandir
pelos centros urbanos brasileiros e, nos anos 90, pelo exterior. O Santo Daime possui núcleos
no Japão, na Holanda, na França, na Itália e nos Estados Unidos, entre outros. Contam-se hoje
por volta de 11 mil pessoas ligadas às religiões ayahuasqueiras.

A legalidade do uso da ayahuasca foi colocada em questão durante os anos de 1985 a 1987,
quando a beberagem foi incluída na lista das substâncias proscritas da Divisão de
Medicamentos do Ministério da Saúde brasileiro. Foi formada uma comissão multidisciplinar
que, durante dois anos, estudou as formas de consumo do psicoativo. Como resultado, o
(extinto) Conselho Federal de Entorpecentes elaborou um parecer positivo, retirando a
substância da ilegalidade. Em 1992, houve uma nova tentativa de proibição, tendo sido
organizada uma nova comitiva, que reafirmou as decisões da anterior.

O Santo Daime preserva o caráter sagrado da festa e da dança, oriundo do catolicismo popular.
Convivem no seu panteão mítico Deus, Jesus, a Virgem Maria, os santos católicos, entidades
originárias do universo afro-brasileiro e seres da natureza. Também são louvadas as figuras do
Mestre Irineu, identificado com Jesus Cristo, e do Padrinho Sebastião, “encarnação de São
João Batista” — de onde são derivadas algumas concepções messiânicas e apocalípticas. Do
espiritismo kardecista são reelaboradas noções como as de carma e reencarnação. Os
indivíduos possuem dentro de si elementos de uma “memória divina”; ao mesmo tempo,
podem, através do próprio comportamento, alterar seu “carma”, “evoluindo espiritualmente” em
direção a sua “salvação”. Em consonância com os sistemas xamânicos, verifica-se a existência
de uma “guerra mística” entre os homens e os seres espirituais. Os daimistas são concebidos
como os “soldados do Exército de Juramidam”, empenhados numa “batalha astral” para
“doutrinar” os “espíritos sem luz”. Todo o ritual está permeado por um espírito militar com
ênfase na ordem, na disciplina etc.

A cerimônia consiste no entoar coletivo de hinos, considerados “revelações do Astral”. Os


trabalhos espirituais realizados pelos daimistas são de concentração (com períodos de
meditação) ou bailado (execução de uma coreografia simples), podendo chegar a produzir um
verdadeiro êxtase coletivo. Há também trabalhos de missa (para os mortos) e rituais de
fardamento (momento em que o indivíduo adere oficialmente ao grupo, passando a usar suas
vestimentas). Recentemente, vem ganhando força alguns ritos onde ocorre incorporação de
espíritos, produto das influências crescentes da umbanda nesta instituição.

Um outro ritual é o feitio do daime (ayahuasca), que consiste no processo de cocção das
plantas que compõem a bebida. As mulheres limpam as folhas e os homens maceram o cipó
manualmente com marretas de madeira, o que envolve bastante esforço físico. O feitio é
concebido como um processo através do qual a bebida é preparada e, simultaneamente, o
adepto se aperfeiçoa. Costuma-se afirmar que “é o daime que produz o daime”. Durante o
feitio, consomem-se altas quantidades da substância.

Há, ainda, diversos tipos de trabalhos de cura. Para os daimistas, a doença é compreendida
como tendo suas raízes em transgressões a leis que governam o mundo social, localizadas na
realidade espiritual: a cura significaria a reinserção individual numa ordem social e cósmica.
Isto quer dizer que a doença espiritual e a doença física seriam simplesmente graus diferentes
de uma mesma experiência de desequilíbrio. Os rituais possuem a função de descobrir as
causas espirituais da aflição e o daime é o seu veículo de transformação.

Uma das formas através da qual a cura se dá é por meio dos vômitos e diarréias causados pela
bebida, compreendidos como uma purificação necessária do corpo. Neste sentido, o Santo
Daime aproxima-se da tradição indígena e vegetalista de consumo da ayahuasca. No Santo
Daime, entretanto, o vômito é revestido também de um conteúdo moral, ligado ao
comportamento do indivíduo. E existe uma ênfase muito menor na cura de males físicos: os
daimistas não são médicos, como os vegetalistas, embora a dimensão mais estritamente
medicinal também esteja presente, revestida de conteúdo religioso.

Às vezes, pode ocorrer, associada à limpeza (vômitos), uma experiência de intenso sofrimento:
a peia, uma surra do daime. A peia está associada também a outros processos fisiológicos
incômodos ou aparece, ainda, sob forma de pensamentos ou sensações. Apesar de
extremamente desagradável — incluindo visões aterradoras de monstros, vermes, trevas,
sensação de morte ou medo intenso, enfim, toda classe de tormentos conhecidos ou não — a
peia produziria efeitos benéficos, didáticos e transformadores.

Neoxamanismo Urbano

Atualmente vários jovens do primeiro mundo têm viajado ao Peru e à Colômbia para terem
experiências com a ayahuasca; alguns franceses têm procurado programas especiais, na
África, que reproduzem a iniciação do culto da iboga. Novos especialistas estão surgindo:
neocurandeiros de origem indígena ou mestiça que se globalizam e neoxamãs brancos que
passam a se dedicar às artes nativas. Existe uma graduação nas práticas oferecidas, que vão
desde as especialmente forjadas para o turista, até outras bastante próximas dos contextos
regionais, compostas por vários dias de isolamento, jejum e consumo contínuo de psicoativos.
Há também estrangeiros que viajam em busca de cura para problemas de saúde, artistas que
almejam desenvolver sua criatividade e pesquisadores interessados no xamansimo.

Seria um equívoco, portanto, reduzir todas estas atividades em torno das plantas visionárias a
uma só modalidade; porém, uma têm se destacado: o neoxamanismo urbano. Trata-se de uma
porção do movimento Nova Era que faz releituras específicas das tradições xamânicas ao
redor do globo, elaborando uma espécie de "xamanismo universal", muitas vezes com cunho
cristão. Esta recriação fundamenta-se na apropriação livre que os líderes fazem da literatura
antropológica e das publicações esotéricas sobre o universo indígena.

O neoxamanismo é controverso. Ele tem sido criticado por tentar criar uma religião ameríndia
única, homogênea, abstrata e idealizada por meio da não-referência às comunidades e etnias
e, sobretudo, da falta de contato com os aspectos obscuros e conflitantes presentes no
xamanismo — como a morte, a guerra, a violência e a ausência de uma distinção moral nítida
entre “bem” e “mal”. Mas, por outro lado, pode-se argumentar que tais práticas são uma forma
de colocar os ocidentais de classe média em contato com tradições autóctones, milenares,
despertando-os para outras sensibilidades, modos de vida, visões de mundo etc.

É muito difícil, num mundo marcado pelo embaralhamento das fronteiras entre “representação”
e “realidade”, distinguir práticas “autênticas” de “não autênticas”. Podemos, porém, sugerir
algumas características que, em geral, só estão presentes em um “verdadeiro xamã”: ele não
faz autopropaganda; o seu reconhecimento emana da comunidade; existe uma espécie de
inevitabilidade do seu destino, que de certa forma é um fardo; o xamã tradicional pode curar,
mas também causar danos; ele não fez curso de xamanismo.

CONSIDERAÇÕES

 · Atualidade da Vida Enteógena

Compartilhando o texto:

CONSIDERAÇÕES SOBRE PLANTAS DE PODER

Acredita-se que há 3 milhões de anos atrás o homem se destacava de outros primatas, numa
lenta jornada em busca de si mesmo. Neste período o cérebro triplicou o seu peso. Mas
segundo a ciência foi há 500.000 anos que se formou o neocórtex, onde a consciência
humana, que era nebulosa ganhava amais nitidez. O neocórtex está relacionado com o
raciocínio abstrato. Nos últimos cem mil anos o processo se acelerou de forma significativa. O
Homo Sapiens tornara-se senhor do planeta e já devia contar com algo próximo de uma
consciência de si mesmo como indivíduo singular da sua espécie e um sistema rudimentar de
comunicação querendo se articular enquanto linguagem.
Nos últimos trinta mil anos, que uma verdadeira revolução ocorreu no processo evolutivo.

Por essa época, os nossos ancestrais caçadores e coletores já tinham uma forma de
organização solidária que lhes garantiam a sobrevivência frente ao ataque dos predadores e os
rigores do meio ambiente.

Até hoje, pesquisadores e cientistas buscam uma boa resposta para essa aceleração
evolucionária, que corresponde aos últimos preparativos para que a humanidade entrasse na
cena da história. Alguns autores, entre eles Wasson e Mckenna, apresentam uma sólida
argumentação, que eu também partilho nessa exposição, de que uma das causas principais da
súbita irrupção da auto-consciência humana teria sido a simbiose do homem com o mundo
vegetal e especificamente com os psicoativos.

Essa é a perspectiva poética e visionária que sempre se apresenta quando "consultamos" a


inteligência e a memória que a Mente Vegetal guarda desses eventos. Por meio dessa tese
podemos entender também, o cenário onde esses homens e seus conhecimentos sobre as
plantas nutritivas, curativas e psicoativas, o que causou mudanças e respostas cada vez mais
rápidas na sua estrutura neural, estado de consciência e comportamento.

No entanto, foi no final da última glaciação, que ocorreu há uns doze mil anos, que as
condições se tornaram propícias para a difusão da agricultura, domesticação de animais e
pastoreio. A intimidade com o manejo dessa última atividade trouxe um contato cada vez mais
estreito com os fungos psilocíbicos associados ao esterco de gado. Floresceram a partir dessa
época festas consagradas aos cogumelos sagrados, como parte dos cultos à fertilidade
associados à Grande Deusa.

Vestígios arqueológicos da arte desse período, principalmente a partir do oitavo milênio a.C.,
expressam de forma literal ou estilizada, o uso cerimonial dos fungos em povos e culturas
bastante distantes entre si. O que parece indicar a importância e a universalidade desses cultos
na formação de uma espécie de pré-religião, primeira separação que o homem fez de uma
"esfera sagrada" em oposição a um "mundo profano". Certas plantas e árvores, ou a natureza
de um modo geral, eram revestidas de atributos divinos ou mesmo divinizados. Hoje estamos
em condição de afirmar que esta postura não tinha nada de ingênua ou simplória,
correspondendo sim à ação da psilocibina e outros agentes enteógenos e as conseqüências
das visões dela decorrentes nos mitos, símbolos e arquétipos que se apresentavam à
consciência da época.

Essas hierofanias vegetais foram portanto, cronologicamente, as mais antigas que se tem
notícias. O que atesta que, por esse tempo, no limiar da história conhecida, já havia uma
familiaridade com o tema do sagrado/vegetal, do Deus/Vegetal, que remonta a tempos ainda
mais longínquos. Sem dúvida, este foi um dos principais substratos que mais tarde vieram a
formar os diversos Cultos dos Mistérios da antiguidade e às grande religiões do mundo.Talvez
o caso mais conhecido e também o mais eloqüente seja o do Soma.

Essas influência das plantas enteógenas na experiência dos estados místicos associados a
cultos agrários e de fertilidade, podem ser encontrados desde a Ásia, passando pela Europa,
até o extremo do continente sul-americano. O que nos permite supor que elas foram, desde
uma antigüidade ainda mais remota, o agente acelerador e o detonador desse autêntico "Big
Bang" da consciência que ocorreu nos últimos trinta mil anos. Existe um certo consenso de que
as triptaminas tenham sido esse enteógeno primordial, não só pela reconstrução e suposição
histórica, como também e principalmente por causa da excelência e peculiaridade do êxtase ou
"miração" triptamínica, cujas visões são inigualáveis em florescência, intensidade, conteúdo e
principalmente na capacidade do Eu interagir no interior dos eventos que fazem parte desse
estado de consciência cósmica.

A consagração dos insights das visões como sendo de origem divina, explica a reverência com
que essas plantas eram tratadas. Mais maravilhoso ainda é essa oportunidade que a Mente
Vegetal ofereceu à Mente Humana e continua oferecendo ainda hoje na forma da mesma
revelação que foi enviada aos nossos longínquos antepassados. Isso porque, "revelação" é
uma verdade sempre idêntica em si mesma, apesar de poder ser expressa por símbolos
diversos dentro da psique humana. Ela é a mesma visão dos místicos e iniciados de todas as
idades, o que varia é apenas a convicção e o juízo de valor que tiveram sob o que
experimentaram. Isso fica claro, quando constatamos as semelhanças e pontos comuns dos
relatos das experiências de êxtase nas mais diversas tradições.

Se no passado foram considerados bem-aventurados "aqueles que não viram e creram",


maior prazer teremos nós quando pudermos enxergar tudo aquilo que a nossa fé sempre
acreditou !

ATUALIDADE DA VIDA ENTEÓGENA


Alex Polari
É profundamente excitante e fértil o fato de que o xamanismo, as “técnicas arcaicas do êxtase
“, na feliz definição de Elíade, estejam novamente em destaque em nossos dias. Desde as
incursões às selvas sul-americanas de alguns botânicos e etnógrafos do século passado, que a
comunidade científica vem demonstrando um crescente interesse pela contribuição que as
plantas psico-ativas podem dar, tanto para estabeler uma cartografia da consciência, quanto
para a solução dos grandes enigmas da espécie humana. Em torno dessa indagação sobre os
efeitos dessas plantas no sistema nervoso central, seu papel como fator estruturador da
autoconsciência do homem e na criação do próprio pensamento religioso, está se criando um
campo de estudos comum entre o saber científico e a experiência mística. Se estas técnicas,
xamânicas, principalmente as que se servem das plantas sagradas, foram responsáveis no
passado pelas visões que deram origem às grandes revelações espirituais, certamente ainda
hoje, ela nos estarão transmitindo a mesma mensagem. E a nossa consciência é ao mesmo
tempo o aparelho receptor e o cenário onde essa mensagem nos é revelada.

Isso é válido tanto para as técnicas xamânicas tradicionais quanto para as religiões
enteógenas, fenômeno recente, dos quais o Culto do Santo Daime no Brasil, da Iboga no
Gabão e do Peiote nos EUA são os maiores expoentes. Todos esses cultos utilizam um
sacramento enteógeno, uma planta psico-ativa que em contexto apropriado, produz uma
expansão da consciência e uma experiência de cunho eminentemente místico.

Nesses cultos, a comunhão com a entidade enteógena produz experiências marcantes e


profundamente significativas para todos aqueles que dela participam. A linguagem visionária
nos torna conscientes de um ethos e de um dharma que até agora julgávamos fazer parte
apenas dos livros que tratam de um passado longínquo. Mas esta grandiosidade, ausente no
nosso nível de consciência ordinário, está sempre presente no mundo numinoso e feérico da
miração. Está presente aqui e agora, desde que queiramos acreditar nela e assumi-la na nossa
vida cotidiana. É bom acreditar que fazemos parte de um destino muito mais nobre, que
repousa no conhecimento do ser e que pode ser revelado pelo sacramento enteógeno a
qualquer reles mortal e pecador. A experiência com as plantas sagradas não é a única que
ajuda a realizar este destino. Mas por ser um atalho, é o caminho mais curto.

Essa é a autêntica boa nova que está sendo anunciada a todos os buscadores da verdade,
confirmando a promessa feita há mais de dois mil anos. Quem é esse novo e misterioso
mensageiro ? Para alguns psiconautas trata-se de um alcalóide, de uma mensagem cifrada
depositada no mundo vegetal por uma espécie de Inteligência Alienígena. Para outros, é um
nível de consciência onde podemos vivenciar a realidade do Eu Superior e do próprio Deus.
Mesmo considerada de formas tão diversas, de onde é que brota essa voz capaz de nos elevar
espiritualmente e ajudar a salvação não somente de nossa alma mas também de nossa
espécie ? Do fundo de nosso ser ? Da pérola azul onde se encontra a sede de nosso Eu ? Do
lótus de mil pétalas ? Da baraka do sheik, da presença do Mahatma ou de um suco de um cipó
da mata ? Ou será que ela está sendo ouvida por nós vinda na velocidade da luz, desde as
entranhas da eternidade ? Ambas as sensações são verdadeiras e a consciência humana é
este ponto de intersecção entre o interior e o além, entre o ser profundamente íntimo e ínfimo,
e o Cosmos, sem limite nem tempo. Ensina as Upanishads : Tu és isso !

Desde o início da idade de ouro, aurora dos tempos, que o poeta grego Homero denominou de
“aurora dos dedos de rosa “, que as plantas sagradas despertam nos homens a lembrança de
suas origens, a nostalgia do sagrado e uma ânsia por essa re-ligação com aquilo que se
constitui no mistério básico de sua existência. Podemos ter uma idéia de interesse que esse
tema tinha na antiguidade, quando consideramos a celebração quase ininterrupta dos cultos de
Eleusis durante 2.400 anos.

Neste grandioso festival iniciático, que tinha lugar na cidade do mesmo nome, culminando
meses de preparação e peregrinagens, era realizado um grande trabalho espiritual. O templo
abrigava duas mil pessoas. E o Grande Hierofante conduzia a cerimônia onde era relembrada e
representada a lenda do rapto de Perséfone, filha da Deusa Deméter, por Hades, Deus da
Morte, que a levava para o Reino dos Espíritos. O momento culminante do ritual era quando,
sob efeito do fungo claviceps purpurea ( algo próximo do LSD ), todos os presentes tinham
visões coletivas sobre a história da Deusa e uma compreensão profunda do seu conteúdo
simbólico e significado espiritual.

Em nossos dias, a aurora já está cedendo o seu lugar aos tons incertos do crepúsculo. O
mocho de Minerva está voando nos céus e nos trazendo novos presságios sobre o destino da
humanidade. Nada mais natural que, passados mais ou menos 1.600 anos, desde que o Culto
de Eleusis foi suprido pela nascente organização eclesiástica cristã, o mensageiro enteógeno
esteja de volta, na forma de uma planta sagrada que desempenha o mesmo papel que os
avatares do passado, de nos instruir nos momentos de crise e de decadência da verdade.

Dizem que, periodicamente, a forca espiritual que assiste e modela este planeta muda de lugar,
o que explicaria os súbitos ciclos de decadência e de florescimento de culturas e tradições
religiosas. Foi assim que se sucederam os cultos do Soma no início do período védico, os
Mistérios de Eleusis na Grécia Antiga, as tradições cristãs gnósticas e esotéricas, os yogues do
Tibet, a Cabala da Espanha Islâmica, os Incas e Aztecas até chegarmos nos povos e culturas
remanescentes do Éden Original, situado na selva sul-americana. Parece que foi lá que Deus
semeou grande parte da sua farmacopéia enteógena.

SERIAM OS DEUSES ALCALÓIDES ?


Alex Polari

Texto apresentado na " International Transpersonal Associations Annual Conference


"The Technologies of the Sacred"
Manaus - Amazonas - Brazil*
I. INTRODUÇÃO

Queremos abordar aqui, através da pergunta título da nossa conferência, um pouco do papel
das plantas psicoativas no processo evolucionário da consciência humana e do seu emprego
desde a antigüidade como indutor dos estados expandidos ou alterados de consciência. Depois
nos deteremos mais detalhadamente na questão da consciência xamânica e da descrição da
"miração", estado particular de experiência mística e êxtase visionário que ocorre sob o efeito
da bebida sacramental enteógena denominada SANTO DAIME (Ayahuasca, Yagé, Caapi, etc.)
e que por suas peculiaridades, parecem ser comum apenas ao relato de experiências com os
compostos triptamínicos. E, finalmente, considerar em que precisamente a proposta enteógena
pode se constituir em um paradigma para uma nova consciência centrada no verdadeiro Self.

II. UMA BREVE TEOLOGIA DOS ENTEÓGENOS

Para buscarmos uma resposta para nossa pergunta devemos retroceder cerca de três milhões
de anos quando o homem, destacando-se dos demais primatas superiores começava a sua
lenta evolução rumo a consciência de si mesmo. Durante o transcorrer de todo este período, o
cérebro triplicou o seu peso mas foi durante os últimos quinhentos mil anos que se formou o
néo-córtex. Podemos supor a consciência desta época como sendo um imenso Id dominando
um lento embrião do ego em formação. Antroposofícamente falando, as mônadas ou os
princípios espirituais que estavam se encarnando nessa época na Terra, promovendo a vida e
a evolução humana, ainda não estavam suficientemente ajustados aos corpos físicos desses
primeiros seres humanos. Segundo Steiner, eles teriam uma consciência do plano espiritual e
das auras dos seres e objetos do mundo material, mas não tinham uma percepção nítida e
diferenciada dos mesmos. Isso só veio a acontecer quando houve o acoplamento definitivo
entre os corpos físicos etérico do homem, quando do ambos passaram a coincidir. Nesse
momento, a consciência humana teria deixado de ser uma "consciência de clarividência
nebulosa" para ganhar mais nitidez na apreensão do mundo material.

Nos últimos cem mil anos o processo se acelerou de forma significativa. O Homo Sapiens
tornara-se senhor do planeta e já devia contar com algo próximo de uma consciência de si
mesmo como indivíduo singular da sua espécie e um sistema rudimentar de comunicação
querendo se articular enquanto linguagem. Foi na última fase deste período, nos últimos trinta
mil anos, que uma verdadeira revolução ocorreu no processo evolutivo. Por essa época, os
nossos ancestrais caçadores e coletores já tinham uma forma de organização solidária que
lhes garantiam a sobrevivência frente ao ataque dos predadores e os rigores do meio
ambiente. Até hoje, pesquisadores e cientistas buscam uma boa resposta para essa aceleração
evolucionária, que corresponde aos últimos preparativos para que a humanidade entrasse na
cena da história. Alguns autores, entre eles Wasson e Mckenna, apresentam uma sólida
argumentação, que eu também partilho nessa exposição, de que uma das causas principais da
súbita irrupção da auto-consciência humana teria sido a simbiose do homem com o mundo
vegetal e especificamente com os psicoativos. Essa é a perspectiva poética e visionária que
sempre se apresenta quando "consultamos" a inteligência e a memória que a Mente Vegetal
guarda desses eventos. Por meio dessa tese podemos entender também, o cenário onde as
hordas mais adaptadas desses homídeos onívoros ampliavam de forma crescente sua dieta e
seus conhecimentos sobre as plantas nutritivas, curativas e psicoativas, o que causou
mudanças e respostas cada vez mais rápidas na sua estrutura neural, estados de consciência
e comportamento.

Levi Strauss, comentando a obra de Wasson, analisa o mito da árvore do conhecimento e a


história bíblica de Adão e Eva, comendo o fruto proibido, como a metáfora do contato do
homem com o enteógeno primordial. Em outras palavras, esse seria o momento da mudança
do estado indiferenciado de clarividência nebulosa para o de auto-consciência lúcida, o que
trouxe como conseqüência a sua expulsão do Éden.

No entanto, foi no final da última glaciação, que ocorreu há uns doze mil anos, que as
condições se tornaram propícias para a difusão da agricultura, domesticação de animais e
pastoreio. A intimidade com o manejo dessa última atividade, trouxe um contato cada vez mais
estreito com os fungos psilocíbicos associados ao esterco de gado. Floresceram a partir dessa
época festas consagradas aos cogumelos sagrados, como parte dos cultos à fertilidade
associados à Grande Deusa. Vestígios arqueológicos da arte desse período, principalmente a
partir do oitavo milênio a.C., expressam de forma literal ou estilizada, o uso cerimonial dos
fungos em povos e culturas bastantes distantes entre si. O que parece indicar a importância e a
universalidade desses cultos na formação daquilo que M. Eliade define como as primeiras
hierofanias vegetais, uma espécie de pré-religião, primeira separação que o homem fez de uma
"esfera sagrada" em oposição a um "mundo profano". Certas plantas e árvores, ou a natureza
de um modo geral, eram revestidas de atributos divinos ou mesmo divinizados. Hoje estamos
em condição de afirmar que esta postura não tinha nada de ingênua ou simplória,
correspondendo sim à ação da psilocibina e outros agentes enteógenos e as conseqüências
das visões dela decorrentes nos mitos, símbolos e arquétipos que se apresentavam à
consciência da época. Essas hierofanias vegetais foram portanto, cronologicamente, as mais
antigas que se tem notícias. O que atesta que, por esse tempo, no limiar da história conhecida,
já havia uma familiaridade com o tema do sagrado/vegetal, do Deus/Vegetal, que remonta a
tempos ainda mais longínquos. Sem dúvida, este foi um dos principais substratos que mais
tarde vieram a formar os diversos Cultos dos Mistérios da antiguidade e às grande religiões do
mundo.

Talvez o caso mais conhecido e também o mais eloqüente seja o do Soma, que segundo os
hinos do Rig-Veda era prensado e mesclado a leite para ser consumido em rituais e cerimônias
dedicados ao Deus Indra. O Soma estava entronizado numa posição de destaque no Panteão
Védico. É mesmo Haoma citado no Zed-Advesta, escrituras persas atribuídas a Zoroastro. O
que nos permite estabelecer sua raiz ária e considerar que possa ter sido difundido pelas
diversas ondas migratórias dos povos arianos que foram penetrando o Vale do Indo entre o
segundo e o primeiro milênio a.C. É igualmente possível que com o passar do tempo, por
dificuldades de suprimento ou de adaptação do Soma nas novas terras conquistadas, tenha
havido uma planta substituta, já conhecida pelos povos drávidas que habitavam a região e cuja
cultura se mesclou com a dos conquistadores. Já a Ioga e a Filosofia Sankhya seriam adições
posteriores. Suas posturas corporais, métodos respiratórios e refinamento psicológico,
enfatizavam a sadhana, as austeridades e a meditação como o novo método para alcançar o
êxtase, o samadi, estado de consciência onde o Eu Átmico se funde no oceano de Braman.
Experiência que certamente os antigos riskhis (sábios videntes que receberam a revelação dos
Vedas) tiveram, embriagados pelo Soma.

Essas influência das plantas enteógenas na experiência dos estados místicos associados a
cultos agrários e de fertilidade, podem ser encontrados desde a Ásia, passando pela Europa,
até o extremo do continente sul-americano. O que nos permite supor que elas foram, desde
uma antigüidade ainda mais remota, o agente acelerador e o detonador desse autêntico "Big
Bang" da consciência que ocorreu nos últimos trinta mil anos. Existe um certo consenso de que
as triptaminas tenham sido esse enteógeno primordial, não só pela reconstrução e suposição
histórica, como também e principalmente por causa da excelência e peculiaridade do êxtase ou
"miração" triptamínica, cujas visões são inigualáveis em florescência, intensidade, conteúdo e
principalmente na capacidade do Eu interagir no interior dos eventos que fazem parte desse
estado de consciência cósmica.

A consagração dos insights das visões como sendo de origem divina, explica a reverência com
que essas plantas eram tratadas. O ego recém conquistado já podia transcender a si mesmo e
travar contato com o Tu e com o Outro. Do respeito que nasceu do homem, com a fonte ao
mesmo tempo vegetal e espiritual que lhe enviava aquela graça, aquela compreensão dele
mesmo e do universo, nasceu a idéia de religiosidade, de se religar com a sua origem e pátria
cósmica. Num certo sentido, religião é aquela ânsia de se relacionar corretamente com o Outro
transcendente. Essa foi a aurora da consciência de si mesmo. No momento em que a
consciência humana transcendeu a si mesmo e pode vislumbrar a consciência cósmica, o
relâmpago precipitou-se no abismo e a Coroa do homem iluminou-se! Por isso os alcalóides,
principalmente os triptamínicos, são fortes candidatos a serem protodeuses. Sob seus
auspícios, foi feita a primeira grande conexão entre o mundo da jovem consciência humana
recém desperta e o mundo divino e eterno, entre o sagrado e o profano. O primeiro ancestral
ou herói mítico, de Gilgamesh até Viracocha, presentes em tantas cosmogonias de culturas tão
distantes entre si, são os ecos e as sombras dos tempos dos titãs. Onde esses semi-Deuses,
metade homem e metade Deus, foram iniciados por instrutores de uma ordem de consciência
superior - vale dizer portanto divinos - a fim de trazerem a luz, o fogo de Prometeu para repartir
com os seus irmãos.

Como a maior evidência arqueológica das contribuições realizadas, quando na passagem dos
"Deuses Alcalóides" pelos labirintos da consciência humana, está a presença da serotonina,
neuro-transmissor cerebral encarregado de estimular os receptores dos neurônios e que tem
praticamente a mesma estrutura molecular da DMT (dimetil-triptamina) alcalóide presente nas
várias plantas enteógenas usadas pelos homens desde a antigüidade.
Mais maravilhoso ainda é essa oportunidade que a Mente Vegetal ofereceu à Mente Humana e
continua oferecendo ainda hoje na forma da mesma revelação que foi enviada aos nossos
longínquos antepassados. Isso porque, "revelação" é uma verdade sempre idêntica em si
mesma, apesar de poder ser expressa por símbolos diversos dentro da psique humana. Ela é a
mesma visão dos místicos e iniciados de todas as idades, o que varia é apenas a convicção e o
juízo de valor que tiveram sob o que experimentaram. Isso fica claro, quando constatamos as
semelhanças e pontos comuns dos relatos das experiências de êxtase nas mais diversas
tradições. Se no passado foram considerados bem-aventurados "aqueles que não viram e
creram", maior prazer teremos nós quando pudermos enxergar tudo aquilo que a nossa fé
sempre acreditou !

IV - CONSCIÊNCIA XAMÂNICA E "MIRAÇÃO"

Pode-se dizer que o xamanismo é o sistema de conhecimento espiritual mais arcaico que se
conhece. E que, desde o começo, sua prática sempre esteve associada ao uso de enteógenos.
Além de participar na maior parte de todas essas sensações, próprias dos demais estados
expandidos de consciência, a consciência xamânica ou o estado de consciência xamânico
também tem suas peculiaridades. A sua própria e já clássica definição como sendo "a arte do
êxtase", já pressupõe que o xamã detém um conhecimento específico de operar no êxtase e
esta é a sua maior arte. Através dela, ele se aproxima de forma consciente até o máximo limiar
possível da aniquilação. É este o vôo do xamã: atingir a realidade além da nossa percepção
usual, mantendo sempre aberta as portas de acesso ao mundo espiritual. Porém o mais
importante que queremos destacar dentro do xamanismo é a vivência, a mobilidade de atuação
do Eu dentro do transe. O Eu se torna o veículo divino, a carruagem dos cabalistas (Merkabath)
que alça vôo em busca dos palácios celestes. Mas ele não se limita em contemplar seus átrios
e fachadas reluzentes. Ele caminha por seus labirintos, túneis secretos, ele procura conhecer o
que se passa em cada um de seus aposentos e câmaras. Esse é o roteiro da "miração", um
estado de consciência místico-xamânico, obtido com a ingestão ritual do Santo Daime, que
gostaríamos de nos deter mais minuciosamente.

A "miração" é um termo que foi cunhado na tradição do Santo Daime pelo Mestre Irineu para
designar o estado visionário que a bebida produz. O verbo "mirar" corresponde a olhar,
contemplar. Dele deriva-se o substantivo "mirante", que é um local alto e isolado onde se pode
descortinar uma vasta paisagem. A palavra "miração" une contemplação mais ação
(mira+ação), o que expressa de maneira clara que o termo foi cunhado por pessoas que eram
plenamente conscientes da viagem do Eu no interior da experiência visionária, característica do
êxtase xamânico. E que é simbolizado pela viagem da águia voando em direção ao sol. Sem
dúvida existe uma grande diferença entre uma iniciação quietista - que prepara o neófito
através do silêncio e da meditação - e a iniciação xamãnica que o convida para ser
protagonista totalmente responsável pelo seu desdobramento astral e vôo espiritual. Nele,
somos convidados a participar de um filme em que as cenas que se desenrolam na tela,
dependem, em última instância, do que está ocorrendo no interior da nossa consciência. Em
outras palavras: só conseguiremos salvar a donzela do "filme astral" das garras do vilão, se a
nossa disposição para tanto for tão verdadeira como a nossa capacidade de realizá-la. Temos
que estar concentrados no nosso objetivo, mobilizando desde o nosso interior a coragem e a
sabedoria necessária para atravessar as diversas provas do percurso iniciático. Caso contrário,
a "narrativa visionária" sai do nosso controle podendo acontecer um desfecho negativo e uma
interrupção do vôo do Eu rumo ao êxtase. Estamos querendo dizer que dentro da miração o
estado de ação e contemplação são como as faces complementares de uma mesma moeda. A
mente, antes de dar partida ao fluxo de imagem da miração, experimenta várias outras fases
de preparação. Tem que distinguir a genuína experiência visionária da imaginação pura e
simples, dos jogos mentais de projeção e visualização. As imagens visionárias, os eventos
visionários que envolvem o nosso Eu dentro da "miração" são de ordem psico-noética, isso é,
ocorrências numa ordem de realidade contígua ao mundo espiritual. O que nos permite afirmar
que a "miração" ativa os nossos corpos sutis e os libera par agir dentro do cenário feérico e
numinoso da realidade xamãnica.

Esse nível de consciência atingido pela "miração" vem quase sempre acompanhado de uma
voz interior que guia, acompanha ou dirige o processo. Esta é, ao meu ver, a faceta mais
incomum e maravilhosa da "miração" do Daime. Durante o seu transcurso nossa consciência
participa dos fenômenos psíquicos, noéticos e espirituais, através dos nossos corpos sutis.
Através deles, o nosso Eu comparece nos momentos decisivos e brevíssimos onde se decide
sobre o nosso destino em meio às vagas probabilidades do mar de indeterminações quânticas.
Dessa forma, imprimimos movimento ao que é imutável e eterno, manifestamos vida e
fecundamos a matéria por seu intermédio. Ajudamos a tecer a trama do próprio destino, a
complexa textura dos eventos geradores da realidade e da vida. Isso significa que, no êxtase
da "miração", estamos travando um diálogo com Deus, estamos trabalhando com Ele, estamos
sendo convocados para essa grande responsabilidade de sermos co-criadores do universo. E
sem dúvida, só um destino com tal nobreza justifica o plano da criação divina, as provas da
evolução, o porquê da queda luciférica, a entrada em cena do mal e a nossa tarefa de
convertê-lo e reunificá-lo com a verdade até o final dos tempos. Receber essa missão é o cerne
da Revelação em todos os tempos. Enquanto que o cerne da iniciação é adquirir a força de
vontade suficiente para executar tudo o que foi revelado na miração. Anteriormente nos
referimos que a falta de mérito e de coragem durante o vôo xamãnico poderia desestabilizar a
"miração", ou o que é pior, fazer com que o fio narrativo da experiência visionária tenda para
um desfecho desfavorável. Nesses reinos espirituais de deslumbrante beleza, parece que
impera uma terrível justiça. O homem não está programado para ser perfeito. Ele tem que
biológica, psicológica, social, moral e espiritualmente falando, escolher ser perfeito. Isso se faz
através da faca de dois gumes do seu livre arbítrio. Graças a ele, o homem por um lado supera
em estatura os deuses, devas e querubins, enquanto que por outro, se torna presa fácil da
ambivalência de sua frágil inconsistência humana. O Budismo Tibetano se refere a esta
eclosão súbita da ruptura do ego frente ao sublime, como sendo o momento em que, dentro da
meditação, o meditador, sob a inspiração da Dakini (aspecto feminino do Buda), enfrenta as
entidades terrificantes que se postam diante do Nirvana. Quando o ego consegue se apossar
do Eu, a consciência já expandida se retrai novamente. Nesses momentos, as visões podem se
tornar negativas, até mesmo terrificantes e isso está associado aos efeitos purgativos e
miméticos da bebida enteógena indutora da "miração". Reconhecido porém o impostor, é a
hora da consciência, à semelhança da esfinge, lançar o seu desafio: Decifra-me ou te devoro!
Somos cobrados a apresentar um desempenho compatível com a nossa presunção de
alcançar a imortalidade. Se nessa hora não tivermos verdade para apresentar, o monstro
elemental por nós mesmo criado, nos come. O Poder nos cobra sempre a nossa transformação
para podermos continuar no caminho. Pois sem a verdade no ser, o caminho se torna perigoso
para o impostor.

É o que Sebastião Mota, um dos principais "padrinhos" do Daime chama da necessidade de


"ser em vez de parecer". Ser verdadeiro é pois a ciência para entramos totalmente seguros nos
estados elevados de consciência e deles conseguirmos sair, trazendo no retorno novas
aquisições para continuarmos a Busca. Nos níveis sutis, a verdade atrai a verdade. O ser
manifestado enquanto verdade é a matéria prima da criação. Quanto mais estamos na
verdade, mais se apresenta a nós na miração aquilo que precisamos ser. E Deus nos usa como
peças do seu quebra-cabeças divino, nos inspira amor e nos torna cúmplices da sua obra. A
verdade do ser é exata, nela nada falta nem sobra. Não há lugar para condicionamentos
mentais, hábitos viciosos disfarçados de caráter, máscaras ou papéis sociais. Se o nosso
coração nos acusa, é porque não temos verdade. E sempre que esta falta de verdade
interromper a nossa "miração", desestabilizando-a, devemos aproveitar o seu momento
sagrado para pedir ao Poder que nos conceda a chance de nossa transformação. O sofrimento
e o desconforto, que às vezes essa disciplina nos acarreta, depois sempre é sentida como
benéfica. Eis a autêntica terapia xamânica, uma terapia de conversão à verdade, onde nos
afastamos das ilusões e das samsaras nos tornando cada vez mais conscientes do nobre script
que Deus nos reservou.

Tentamos aqui, violando o item da inefabilidade da experiência mística, expressar de alguma


maneira com as palavras, essa sensação extraordinária que é trabalharmos projetados em
nossos corpos sutis nas oficinas seráficas da criação divina. Isso ocorre, como já vimos,
mediante à atuação do Eu Superior no interior das imagens visionárias, como se a "miração"
fosse um jogo interativo de "realidade virtual espiritual". Para que esse processo traga
benefícios que possam ser incorporados ao ser, exige-se deste uma postura passiva-receptiva
e um padrão mental positivo e elevado. Dessa forma é que a barquinha da consciência pode
navegar nas ondas do mar sagrado, que é a Mente, e se manter com as velas enfunadas em
meio ao mau tempo e aos maus pensamentos.

Para finalizar esse ponto, gostaríamos de nos referir sucintamente a duas questões conexas à
nossa abordagem de estado de consciência xamânico da "miração". Trata-se do carma e da
mediunidade, aspectos ligados ao tema da cura xamânica. Num certo sentido, a cura espiritual
já é a própria imersão do Eu nesses estados elevados de consciência, fazendo com que ele
amplie a sua visão interna sobre as causas dos desequilíbrios que geram as doenças. Nessas
vivências visionárias do Eu no interior da "miração" também ocorre dele se lembrar de fatos
relativos às suas vidas passadas, facilitando a compreensão de padrões cármicos que
precisam ser interrompidos nessa encarnação.

Já o fenômeno da mediunidade, não se resume apenas ao transe e à incorporação. Num outro


sentido, ele trata também da miríades de pequenos "eus" que orbitam em torno do nosso Eu
central. E que à primeira distração nossa, entram por dentro da casa e assumem o lugar do
dono. Em alguns estágios da "miração" podemos perceber esses "eus" como seres. Podemos
perceber que cada pensamento que flui na nossa mente é um ser e com isso, aprendemos a
melhor ajustar o nosso dial mediúnico para captar apenas a freqüência dos seres que nos
interessam. Mas nem sempre podemos escolher o que chega à nossa mente. Portanto esse
canal mediúnico também nos ajuda a auto-doutrinar os maus pensamentos e afastar as más
influências psíquicas e espirituais que podem se tornar nossos futuros obsessores.

Tentamos expressar um pouco o nosso entendimento da "miração" compreendido como um


estado de percepção mística que guarda várias semelhanças com aquilo que denominamos
consciência cósmica. Escolhemos um aspecto da "miração", a saber o da relação interativa do
Eu com as visões, característica da tradição xamânica. Isso porque, a "miração" é ao mesmo
tempo uma realidade visionária em movimento e um estado de contemplação extático. À
maneira do samadi, comporta vários estágios, graus e possibilidades de realização. Apresenta
planos e panoramas imensos e às vezes passa tempo trabalhando apenas alguns fotogramas.
Sua meta suprema é a realização do Eu superior do homem. Apesar da ajuda inestimável das
plantas sagradas para a sua consecução, o trabalho espiritual da "miração" nunca termina.
Continua no dia-a-dia através do esforço de se manter coerente com os seus ensinos.

Algumas vezes, através da "miração", temos uma percepção clara da realidade espiritual da
vida além do corpo. Penetramos assim no mistério que a nossa ignorância chama de morte,
mas que não passa de uma transição para um outro estado de consciência. Voltar dessa
experiência da "morte" com conhecimento do que isso seja, significa ter renascido e recebido o
mais alto grau de iniciação, independente do credo que cada um professe.

Por isso consagramos o ser divino presente nessas plantas amigas e professoras do homem e
a "miração" que ela nos fornece. Mesmo que o seu uso responsável seja sempre benéfico, é
porém dentro de um contexto ritual e religioso, que sentimos uma maior segurança para a
utilização profilática e terapêutica dos enteógenos.

V. O CONTEXTO RITUAL DA MIRAÇÃO

No movimento religioso do Santo Daime existem diversas modalidades de ritual: concentração,


cura, feitio da bebida, estudo e desenvolvimento mediúnico e as festas dos hinários, que é a
forma que nos deteremos mais aqui.

No hinário, dentro de um amplo salão na forma de uma estrela de seis pontas, se perfilam os
batalhões masculino e feminino, e dos rapazes e das moças, cada um com seu setor de base.
Os neófitos, idosos, senhoras e crianças, ficam sentados mais ao fundo. O sacramento
enteógeno é distribuído, todos entram em fila e começa o bailado ao som dos hinos, que são
cantos que os mestres e outros membros mais avançados da irmandade recebem por ocasião
da miração, sendo desta forma considerados ensinos divinos, mensagens do poder do Daime
para todos e não apenas para quem o recebeu. Todos cantam e bailam dentro de um retângulo
de aproximadamente 80 cm. de comprimento. Cada um porta um maracá para acompanhar o
ritmo do bailado. A perfeição do trabalho está na harmonia da música, no ritmo e no canto. A
jornada começa no entardecer da data marcada e vai até o nascer do dia da manhã seguinte.
Todo este dispositivo, predispõe seus participantes a terem uma atitude receptiva e segura em
relação aos efeitos da bebida sacramental. Isto ocorre poucos minutos após sua ingestão. A
consciência passa a perceber pessoas e objetos como portadoras de uma aura de leve
irridescência. Logo depois sentimos uma pressão, o pulsar da energia dentro e fora do corpo,
propagando-se em ondas concêntricas como uma pedra lançada na superfície de um lago. É a
chegada daquilo que chamamos "Força", a propriedade ativa do cipó, componente masculino
da bebida cerimonial. O bailado e o ritmo dos maracás condensam cada vez mais energia, se
constituindo também em indutores auxiliares do transe xamânico. É nesse ponto que a luz
costuma chegar. A luz, o princípio feminino da folha, quando se casa com a força, o princípio
masculino do cipó, gera a miração. Espoucam luzes, ouvimos zumbidos eletrônicos e o barulho
de matracas. Suavemente ela se instala e nos transporta para o reino das visões.
Progressivamente o nível de consciência se eleva para patamares mais elevados, tanto
individual como grupalmente. Esse reservatório comum de energia psíquica e espiritual,
denominamos de "corrente", que é quem sustenta o vôo individual de cada um na miração e a
beleza do conjunto. Quando isso ocorre, nosso campo visual se altera, aparecem luzes,
imagens, sensações, lembranças, insights e visões. A intensidade do momento interior da
viagem de cada um se expressa na força da corrente. Qualquer piscar de olhos altera o fluxo
das imagens. É como se em nossa mente, um diafragma regulasse a entrada da luz e um
zoom nos aproximasse dos ângulos mais desconhecidos do universo.

Dependendo do desenrolar do ritual, a corrente facilita ou dificulta a miração, sendo possível


em determinados momentos, uma vivência coletiva da mesma visão, o que se constitui o ponto
culminante do trabalho. Durante esse longo percurso, o eu se desdobra no astral, evoca e
soluciona alguma situação cármica pendente, canaliza a energia para realizar uma cura nele
mesmo ou em outro, obtém insights reveladores e libertadores para seus conflitos e é tomado
por toda sorte de inefáveis estados de percepção mística, compreensão do universo, amor
pelos seus irmãos, premonições e sincronicidades. Ao final de todos esses estágios, encontra-
se sempre aberto à possibilidade do êxtase total e beatífico. Tudo isso, é bom que se diga, se
processa em íntima conexão com a música, o canto, a dança e o ritmo dos maracás. A
barquinha singra as ondas do mar sagrado da mente embalada pelo hinos que guiam a nossa
travessia. Durante esta, os hinos tem o poder de responder a todas as questões que a nossa
consciência coloca no exato momento em que elas são formuladas.

AYAHUASCA

 · Ayahuasca - Perú

 · Vinho das Almas

 · A Busca da Águia

 · Ayahuasca na Tradição Shipibo

 · Legalização - CONAD

 · Farmacologia

 · Xamanismo Amazônico

 · Conferência de Amsterdã/2.003

 · Efeitos Bio-Químicos

 · A Consciência da Expansão

 · Parto com Ayahuasca

 · Conexão Alienígena

Bebida Sacramental Ayahuasca, é, principalmente, fruto da decocção do cipó Banisteriopsis


Caapi e a folha Psycotria Viridis. Outras espécies de cipó e folha também são utilizadas em
algumas regiões.
 AYAHUASCA
o

 (Léo Artése)
o MADRE AYAHUASCA

Bebida Sacramental Ayahuasca, é, principalmente, fruto da


decocção do cipó Banisteriopsis Caapi e a folha Psycotria Viridis. Outras espécies de cipó e
folha também são utilizadas em algumas regiões.

É também conhecida por Yagé, Caapi, Nixi Honi Xuma,Oasca,Vegetal, Santo Daime, Kahi,
Natema, Pindé, Dápa, Mihi, etc.

Seu nome mais conhecido, AYAHUASCA é de origem quechua, que significa "Liana ´(Cipó) dos
Espíritos ". É chamada também de "O Vinho da Alma " ou "Pequena Morte".

Utilizada por povos pré-colombianos, incas, e muito utilizada, por pelo menos, 72 tribos
indígenas diferentes da Amazônia. É empregada extensamente no Peru, Equador, Colômbia,
Bolívia, Brasil. Foi usada provavelmente na Amazônia por milênios, e está expandindo-se
rapidamente na América sul e em outras partes do mundo com o crescimento de movimentos
religiosos organizados tais como Santo Daime, União do Vegetal (UDV), Barquinha que a
consagram como sacramento de seus rituais.

Ingerindo essa bebida mágica, pode-se absorver o “Espírito da Planta”. Os sentidos são
expandidos, os processos mentais e as emoções tornam-se mais profundos. A jornada pode
mover-se em muitas dimensões. O vôo da alma, a partida do espírito do corpo físico, uma
sensação de flutuar.

A experiência pode em algum ponto revelar visões notáveis, insight´s, produzir catarses,
produzindo experiências de renovação, de renascimento positivas. Visões arquetípicas, de
animais, de espíritos elementais, de cenas de vidas passadas, de Divindades, etc. Abre-se o
portal de outros reinos da existência.

AYAHUASCA
(Léo Artése)

Força da floresta
Luz tão pura cristalina
Ayahuasca é o amor
Esta é a ciência
O Poder. É a magia
O saber Universal

A Sagrada Medicina
É Luz de Conhecimento
Ayahuasca é Divinal
Vem trazendo a saúde
Vai curando a doença
Com os seres do astral

Ayahuasca nesta mesa


Soma todas as fragrâncias
E os cantos ancestrais
Vai mostrando as maravilhas
Mas também mostra as sombras
É o poder de transformar

Invocando essa força


O Poder da Ayahuasca
Para aqui manifestar
E na calma e no silencio
Na Luz deste Sacramento
Nesta escola estudar

Ayahuasca, Ayahuasca
O Cipó Rei vai ligando
Esta Terra ao Astral
Na sua Folha Rainha
A visão que descortina
A Verdade Universal

Eis o caminho profundo


Resplendor da natureza
È o Reino Vegetal
A Divina Alquimia
A mistura que nos guia
Ao nosso Pai Universal
Não são todos que recebem visões na primeira vez que experimentam. O trabalho com
Ayahuasca é um processo que exige exame, dedicação, disciplina, perseverenca e tempo para
um benefício mais completo. Às vezes são necessárias várias sessões para se conseguir esse
presente.
A experiência é ainda mais poderosa, quando abrimos a mente e o coração e nos entregamos
para receber essa energia de cura e conhecimento.

Uma vez que iniciado, o processo da renovação e transformação, eles continuam. O grande
passo no trabalho com a Ayahuasca é a assimilação dos ensinamentos espirituais e a prática
na vida diária , ou seja por em prática o que se aprende. Isso garante a dimensão espiritual em
nosso dia-a-dia, e é essencial para recebermos as dádivas e as bênçãos espirituais e para que
possamos evoluir no estudo, aprender mais.

A ela atribui-se a cura de males físicos, psicológicos,mentais e espirituais. Os estudos


científicos ocidentais estão confirmando aplicações médicas e psicoterapeuticas benéficas.

A medicina sempre é consumida corretamente em ceremoniais . No Perú os xamãs evocam


guardiães, protetores espirituais. Evocam ARCANAS (escudos protetores) através de cânticos
de poder ( Icaros), do fumo de tabaco,de uma poção de limpeza (vomitiva), CAMALONGA, e
algumas águas perfumadas (Água de Florida, Flores de Kananga) que atraem os espíritos.

A jornada com Ayahuasca, leva a exploração tanto deste mundo “ordinário”, como mundos
paralelos, que estão além de nossa percepção corrente. Libera os limites normais de espaço-
tempo

A história da Huasca e Mariri é contada na União do Vegetal (UDV), mostrando de forma


simbólica, a origem e o significado do chá utilizado nos templos incas do Alto e Baixo Peru.

Havia uma vez uma jovem princesa muito sábia e que era a conselheira do rei inca, sua
sabedoria e conhecimento eram inigualáveis por qualquer pessoa e nenhuma decisão em seu
templo era tomada pelo rei antes de consultá-la. Mas um dia Huasca morreu, o rei ficou triste,
chorou sua perda e a fez sepultar num local especial. Com o passar do tempo, em sua tumba
nasceu uma planta desconhecida.

Todos ficaram admirados observando a nova planta, que era diferente de todas as que
conheciam. O rei, que muitas vezes visitava a sepultura de Huasca, acompanhava, dia a dia, o
desenvolvimento daquele arbusto. Nesse tempo, ele já havia conseguido um novo conselheiro,
ele era um marechal do exercito inka chamado Mariri. Mas, apesar de sua força e astúcia, ele
não era tão sábio quanto Huasca fora.

Sempre observando aquela planta, o rei um dia pensou : " Se não existia e agora existe na
tumba de Huasca, só pode ser Huasca transformada em planta e nas suas folhas guarda o
conhecimento de Huasca ".

Colheu então algumas folhas, preparou um chá e deu a Mariri para que adquirisse o seu
conhecimento, sua sabedoria, mas ele não suportou toda a luz de Huasca e morreu.

Igualmente, Mariri foi sepultado ao lado de Huasca e, para surpresa de todos, em sua tumba
nasceu um cipó, símbolo da força e resistência.

A planta cresceu e da mesma forma, o rei inka colheu as folhas de Huasca carregadas com sua
luz e sabedoria, e também o cipó com força e resistência de Mariri.
Iluminado pela lus de Huasca e protegido pela força de Mariri, o rei ensinou o segredo da
bebida aos seus conselheiros e sacerdotes, os quais, por sua vez, ensinavam a outras
pessoas, buscando, assim, ajudar no aperfeiçoamento da sabedoria e para o progresso
espiritual da humanidade.

MADRE AYAHUASCA

Segue abaixo a tradução de um texto de Rosa Giove, médica cirugiã do Centro Takiwasi (
Centro de recuperação de drogados, dirigido pelo médico francês Jaques Mabit, que se
utiliza da ayahuasca e métodos de cura dos xamãs e ayahuasqueiros em Tarapoto, no
Perú)

Em meio a escuridão da noite, no profundo silêncio da selva ( que nunca é silêncio completo
pelos cantos das cigarras, das aves noturnas, o deslizar futivo dos répteis...) se eleva o canto
sagrado do xamã, o " ícaro ", conduzindo-nos dentro do mundo mágico da Ayahuasca, planta
mestre da Amazonia. Nos fundimos na profundidade da terra, sólida, tibia, acolhedora, mãe do
cipó. O ícaro é grave, removendo nossa essência fundamental, terrena, e logo, ascendendo em
ligeiras cadências, competindo com o vento, e então a essência volátil que nos remonta ao céu
num vertiginoso vôo sem fronteiras. Sentimos crescer dentro de nós a planta, o animal, o
espírito ao qual nunca nos sentimos ligados e que, agora descobrimos tomando parte de nosso
ser transcendente.

Cálida, doce e amarga, forte, flue em meu corpo com o sabor acre das coisas boas. Uma
paisagem descortinou na minha frente, muito céu azul, vento, sol e terra.

Ao apagar-se a luz e ao conjuro dos ícaros, veio a mim uma adolescente que, saindo da
garrafa que contém ayahuasca, cresce enquanto vai dançando. Tem aparência ameríndia,
cabelos negros grandes e lisos e olhos rasgados. Seu corpo flexível é vegetal e dança ao meu
redor, enquanto sorrí e conforme vai girando, envelhece sem perder a graça do movimento. É
agora uma anciã afetuosa e amiga e a sinto como protetora, me surpreende. E então me olha
com olhar travesso e volta a ser jovem.

A ayahuasca me pega pelas mãos e leva-me através dos bosques, do ar e até o mar. Alí me
submerge, pese o meu temor, e descubro com surpresa que o lugar que achava ser perigoso e
desolado era um mundo cheio de vida, peixes coloridos, corais, luz e beleza. No fundo dos
mares decubro um cofre enferrujado em cujo interior me reencontro com uma parte de mim
mesma, alí presa. Eu entendia a olhada travessa da Ayahuasca e a sua intenção de levar-me
com ela.

Me veio logo um caminho rodeado de flores, onde havia um forte castelo, onde se guardava um
tesouro, que pode ser aberto utilizando uma chave.

Somos muitas pessoas no caminho....várias vão ficando no caminho.

Logo, num claro do caminho, encontro a Ayahuasca Mulher, sempre bailando, que me mostra
que sempre possuí a chave sem me dar conta. Me avisa que não basta ter a chave se não
encontrar a porta, a fechadura, e se não souber abrí-la. Neste caso eu tenho a chave e vejo a
fechadura, mas não me compete abrir a porta. É outro quem deve abrir. Cada um deve
encontrar no caminho seu próprio complemento, descobrir sua própria função.

No transcurso da viagem percebí uma canção desconhecida que surge espontâneamente em


minha voz : A Ayahuasca me ensinou como invocá-la mediante a um ícaro :

Madre ayahuasca, madre...


Llévame hasta el sol...
De la savia de la tierra hazme beber
llévame contigo hacia el sol...
del sol interior hacia arriba,
hacia arriba subiré.
Úsame, háblame, enséñame
Enséñame a ver, a ver más allá.
Madre...

Enséñame a ver
a ver al Hombre dentro del hombre
a ver el Sol dentro e fuera del hombre
enséñame a ver...
Usa mi cuerpo, hazme brillar
com brilho de estrelas,
com calor de sol,
com luz de luna e fuerza de tierra,
com luz de luna y calor de sol
hazme brilhar
Madre Ayahuasca....madre..
.

Flutua, oscila e grita tua voz em meu corpo. Não te escuto nem vejo, mas vibro com teu calor
distante.
Ayahuasca, essência viva, mulher etérea, imaterial e vegetal.
Mãe amiga, sem tempo, idioma universal.
Graças a tí, minha mente se funde e reencontra Deus e o Eterno.
Vislumbro através de mil cores e formas ao Ser-Espírito
perdido na alvorada dos tempos, em meu cérebro...
Memória longínqua do meu ser....
O amor estará gravado em meu genoma ?.....
Aonde tú ?...
Guiada por um sonho, me fez submergir no mar.
Mar imenso e transparente,
cheio de cores e vida,
tibio, luminoso e acolhedor...
tem uma cidade alí...há muitos anos...
conjunção com meu Eu profundo,
que está na terra há milênios e não morre...
que me chama sem voz desde o fundo do mar,
escondido em mim mesma,
que me assalta em sonhos irreais,
que me agita o coração sem saber por que,
Que semeou a semente da realidade paralela,
da realidade impessoal e eu não entendo...
e me resisto a vê-la....mas alé está.....
Deverei acolhê-la em mim..... e continuar......
Veja também:
A Consciência da Expansão
Efeitos Bio-Químicos
Farmacologia
Conexão Alienígena
Conferência de Amsterdã/2.003
Parto com Ayahuasca
Ayahuasca - Perú
Vinho das Almas
A Busca da Águia
Ayahuasca na Tradição Shipibo
Legalização - CONAD
Xamanismo Amazônico

A CONSCIÊNCIA DA EXPANSÃO

Silva Sá, Domingos Bernardo G. "Ayahuasca, a consciência da expansão.


Discursos sediciosos. Crime, Direito e Sociedade. Rio de Janeiro
Instituto Carioca de Crimiologia. Ano 1, nº 2, 2º sem. 1996, pp. 145-174.

AYAHUASCA - A CONSCIÊNCIA DA EXPANSÃO

DOMINGOS BERNARDO GIALLUISI DA SILVA SÁ

O presente trabalho resulta dos pareceres que apresentei ao conselho Federal de


Entorpecentes – CONFEN, sobre o uso da bebida denominada ayahuasca, vulgarizada, no
Brasil, com os nomes de “Daime” ou “Santo Daime” e “Vegetal”.
Há mais de dez anos o CONFEN acompanha sem adotar orientação proibicionista a utilização
da ayahuasca por diversas comunidades que, somados todos os integrantes das várias
entidades usuárias, em todo o território nacional, talvez chegue a, no máximo, dez mil.

Meu propósito, aqui, é avaliar esse acompanhamento governamental, não policialesco, ao cabo
de uma década, para aproveitar essa experiência pioneira, seja para adotá-la, em algum nível,
ou modificá-la, na formulação de políticas públicas, dirigidas ao bom equacionamento da
questão das drogas, em geral, guardadas as peculiaridades das múltiplas situações que o tema
oferece. Assim, o objetivo deste trabalho não é fazer, simplesmente, uma análise química ou
farmacológica da ayahuasca, até porque também, não é meu campo específico de
conhecimento. Quando precisei abordar esses temas, por ocasião dos estudos necessários à
elaboração dos pareceres antes referidos, recorri a eminentes professores e especialistas
naquelas áreas do saber científico.

Desde logo afirmo a plena convicção de que a equação custo x benefício, em matéria de
drogas, é, essencialmente, cultural ou de outra forma, como seria explicável, sob a ótica,
exclusivamente, médica ou farmacológica, por exemplo, a plena assimilação do uso de álcool e
tabaco em nossa sociedade? Demais, como compreender os “riscos a saúde ou segurança dos
consumidores”, admitidos pelo próprio “Código do Consumidor”, quando “considerados normais
e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição” (art.8º)?

É indispensável esclarecer, entretanto, que a ayahuasca, resultante da decocção do cipó


amazônico, em conjunto com a folha, que têm nomes científicos, respectivamente, de
“Banisteriopsis Caapi” e “ Psychotria Viridis”, inclui-se, cientificamente na classificação das
drogas, tendo a atuação farmacológica, como elemento diferenciador, entre os alucinógenos.

Portanto, na realidade vamos tratar do uso de uma substância que sob a ótica exclusivamente
técnica, é classificada como alucinogênica. Creio que esse é o ponto mais instigante que
pretendo abordar no curso deste trabalho: a classificação estritamente química ou
farmacológica de uma substância, como alucinógena, exaure toda a questão, quanto à
viabilidade de aceitação ou não de seu uso? E o que é alucinógeno? O que é alucinação?

A Ayahuasca no Brasil

O uso da ayahuasca é, de alguma forma, sempre ritual. No Brasil, ele se divide em duas
vertentes principais: a do “Santo Daime” e a da “União do Vegetal”.

A União do Vegetal, também chamada, simplesmente UDV, tem características diferentes, em


muitos pontos, das comunidades do “Santo Daime”, embora guarde identidade com aquelas,
no que é essencial: o uso da mesma bebida. Trata-se de centro espírita que, portanto, utiliza a
ayahuasca. Entretanto, a UDV tem outro mestre, que não Raimundo Irineu Serra (o “General
Juramidã”, dos seguidores da “Doutrina do Santo Daime”, que a criou”) A União do Vegetal
reporta-se a José Gabriel da Costa como seu mestre fundador, em Porto Velho, em 22 de julho
de 1961.

A UDV, em 1992, informava contar com “quase cinco mil sócios em todo Brasil”. E essa é a
entidade que congrega maior número de centros usuários da ayahuasca, entre o que
denominam como “Núcleos, Pré-Núcleos e Distribuições Autorizadas de Vegetal.”
A outra vertente – o Santo Daime – tem como a comunidade mais numerosa, a existente no
estado do Amazonas, Município de Pauini, denominada Céu do Mapiá, à época com,
aproximadamente, 450 pessoas. Somado esse número a todos os demais centros vinculados
às diversas denominações que adotam o “Daime” ( Ciclu-I, Ciclu-II, Ceflurius, Centro Espírita e
Culto de Oração Jesus Fonte de Luz, Centro Espírita Daniel Pereira de Matos e Centro Espírita
Fé, Luz, Amor e Caridade – Terreiro de Maria Bahiana), o total provável, segundo depoimentos
tomados, deve alcançar, no máximo, 1800 associados, o que indica o universo de praticantes
de cultos com o uso de ayahuasca, em todo território nacional, ao redor de 6800 pessoas.

Alguns dos Centros usuários da ayahuasca estão próximos de setenta anos de existência,
como se conclui de trabalho publicado por Clodomir Monteiro (1): “ o Alto Santo surge no dia 26
de março de 1931, organizado por Irineu Serra, José Neves , acreano de Xapuri e os
remanscentes de Brasiléia. Oficializa-se em 21 de maio de 1962, como centro esotérico e em
23 de Dezembro de 1971 se separa do Círculo Esotérico Comunhão de Pensamento, de São
Paulo e se transforma no Centro de Iluminação Cristã Luz Universal. A colônia onde se localiza
a sede do culto, foi organizada em terras cedidas pelo então Governador Guiomard Santos.
Não longe dali, em 1942, Daniel Pereira de Matos, aconselhado por Irineu, tem sua própria
“visão de iniciação”, organizando o Centro de Vila Ivonete”.

É essencial atentar, portanto, para o fato de que o uso ritual da ayahuasca não é um modismo
ou uma novidade passageira que excita, tantas vezes, as intervenções pessoais e,
frequentemente, irresponsáveis dos que detêm, transitoriamente o poder. A atuação irrefletida e
desastrada dos poderosos de hora geram a revolta, a violência e o caos.

A propósito, é oportuno verificar o que diz o antropólogo e professor Edward Mcrae(2), cujos
estudos sobre o tema foram valiosíssimos à época da elaboração do ultimo parecer que
encaminhei ao CONFEN: “Quanto ao interesse cultural da ayahuasca ter um uso ritual urbano
no Brasil há quase 70 anos, lembra-se que esse é aproximadamente o mesmo tempo de
existência da umbanda e que, assim como no caso dela, o uso religioso do chá psicoativo
ensejou a criação de instituições que provêem muitas pessoas com os arcabouços éticos,
sociais e culturais, em torno dos quais construíram suas vidas.

Os diversos estudos antropológicos e históricos realizados sobre esse uso da bebida tem
ressaltado a conduta pacifica e ordeira dos adeptos das diversas seitas, cujos valores básicos
coincidem com aqueles considerados emblemáticos das sociedades cristãs ocidentais. Longe
de levar a um uso abusivo e destrutivo de substâncias psicoativas, a tendência mais notada é a
de promover estilos de vida recatados e austeros, voltados para o culto, à espiritualidade e aos
valores familistas e comunitaristas”.

O pleno engajamento familiar, social e político da população urbana acreana é indisputável, a


começar pelo exemplo do antológico e festejado Raimundo Irineu Serra. O centro “Alto Santo”
forneceu-me dois documentos que demonstram não só as atividades do Mestre Irineu, como o
reconhecimento, pelas mais altas autoridades políticas locais, de seu valor.

O primeiro revela o trato cordial e a confiança com que o Governador Delegado da União no
Acre – Major José Guiomard Santos – distingue Irineu Serra, a quem solicita o adiantamento de
madeira e gêneros em favor de Francisco Gabriel Ferreira, em janeiro de 1948, quando o
Mestre Irineu já tinha de prática ritual com ayahuasca, somente em Rio Branco, dezessete
anos.

O outro documento encaminha a nomeação de Raimundo Irineu Serra “para exercer as


funções de fiscal florestal” no famoso “Seringal Empresa “, em dezembro de 1950.

Por último o Centro de Vila Ivonete, referido por Clodomir Monteiro, organizado por Daniel
Pereira de Matos, em 1942, há mais de meio século, portanto, tem hoje, no mesmo local,
instalado o Centro Espírita “ Casa de Jesus – Fonte de Luz “, dirigido por um dos dois
sucessores de Daniel Pereira de Matos – Manoel Hipólito de Araújo que participou da fundação
desse centro em 1945 e que celebrou convênio com a Secretaria de Educação e Cultura do
Estado do Acre em julho de 1991, para a manutenção da Escola São Francisco de Assis,
integrada ao referido Centro Espírita.

A antropóloga, pesquisadora do Museu Histórico Nacional e professora de antropologia da


Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Regina Abreu, faz considerações quanto às
características básicas, doutrinárias e rituais encontradas na comunidade do “ Padrinho
Sebastião “ ( atualmente no seringal “ Céu do Mapiá “, no interior da selva amazônica) líder
supremo da “doutrina”, termo pelo qual os seguidores do “Santo Daime” designam toda sua
peculiar liturgia que vai da colheita das espécies vegetais, passa pelo preparo do chá (“feitio”),
até as sessões (“trabalhos”) em que são entoadas orações e hinos (núcleo da doutrina), de
acordo com calendário coincidente, em sua maior parte, com as datas litúrgico-cristãs. Tais
características básicas, entretanto, são encontradas, também, em plena zona sul da cidade do
Rio de Janeiro, além de outras “Igrejas” e núcleos espalhados por todo o Brasil e alguns no
exterior ( Espanha, Holanda, Japão, EUA etc).

Diz a professora Regina Abreu: “O Padrinho e a Madrinha são respeitados por todos e
reconhecidos como o Pai e a Mãe da comunidade, representando na terra o Pai a Mães
espirituais... Em termos gerais, o que parece importar é o grupo, o todo, a comunidade, mais
que os indivíduos ou os núcleos familiares isolados. Neste sentido, a comunidade do Santo
Daime aproxima-se do modelo de sociedade descrito pelo antropólogo francês Louis Dumont
como “holista”.

No plano do astral, do espiritual, “a base principal é o Daime, diz o filho mais velho do padrinho,
designado por ele para ser o futuro líder e que já assume a administração da comunidade –
porque o Daime é o Mestre. Nos trabalhos de cura é só o doente chegar e falar com o chefe, já
o Mestre está sabendo o que vai acontecer”.

O Mestre é Juramidã, comandante de todo o movimento do universo, entidade espiritual


identificada com Jesus Cristo e o Pai Eterno ( o Deus Pai dos Cristãos). ‘ Na espiritualidade, o
Daime toma o nome de Juramidã – continua ele – o Daime é a bebida, mas na bebida tem o
ser divino que vem da floresta(...) A presença do Daime é a presença do Cristo”(3).

A demonstração da transcedental importância do “Padrinho Sebastião” para a “Doutrina do


Santo Daime” pode ser avaliada pelo fato de que nenhuma “Igreja” tinha legitimidade para
funcionar no Brasil ou, mesmo, no exterior sem que o interessado, fosse pessoalmente, ao
Seringal “ Céu do Mapiá”, na selva amazônica e lá obtenha a autorização direta do “Padrinho”.
Ainda alguns breves informes(4) sobre o “Padrinho Sebastião” e o “Seringal Céu do Mapiá”.
Esses informes são extraídos do livro “Historia do povo de Juramidam”, de Vera Fróes.

“Sebastião Mota de Melo nasceu em Eirunepé, Estado do Amazonas, no dia 7 de outubro de


1920. Desde 1975 é chamado pelos integrantes da comunidade rural da doutrina do Santo
Daime de “Padrinho”, palavra que expressa respeito e reconhecimento das suas qualidades de
mestre espiritual, além de colocar a pessoa que assim o chama na condição de seu “afilhado” e
protegido, que vai ser conduzido espiritualmente.

Padrinho Sebastião relata que desde o seu nascimento vivia com problemas de saúde e
quando criança ouvia vozes do mundo espiritual, tinha visões e sonhos que revelavam fatos
ainda por acontecer. Com a idade de oito anos teve um sonho que interpreta como um sinal da
missão que iria cumprir anos mais tarde, com o Santo Daime:

“Eu estava só no meio das matas, de chapéu de massa na cabeça e uma roupa parda, aí
começou o fogo e vinha aquela zoada medonha e vi a lingüeta de fogo que arrodeou tudo,
queimou tudo, não ficou nada, só ficou este lugar que eu estava... A minha vida de quinze anos
em diante, lá no Amazonas, era ver visão: da água, da mata e do astral, mas, nada daquilo eu
compreendia e tudo era como se fosse um sonho... Eu não ligava para aquilo, fazia como um
teimoso, mas acontecia e logo eu via o resultado. Foi indo e eu comecei a voar. Voando e
vendo como é o astral eu entrava na floresta, nas águas e de conformidade eu via as visões.
Com o tempo eu comecei a trabalhar com espiritismo que se manifestou e uma voz começou a
me chamar: - Bastião! E eu respondia: - Oi,ôpa ! Aí a luz apagava e a voz não continuava. Mas
algum tempo passou e eu peguei um avião astral e cheguei no Acre. Não demorou muito, eu
vim, via materialmente”.

Para o padrinho existe uma diferença entre sonho, miração e visão, sendo muito improtante
para um curandeiro saber diferenciar esses fenômenos:

‘Não vá pensar que miração é sonho e nem que visão seja miração. A miração você fica em
dúvida, viu mas não viu, e quando é visão, você fica como se fosse um sonho mas não é, é a
verdade, você está vendo tudo, tá ouvindo tudo e percebendo. O sonho é mais atrapalhado, o
camarada sai aos emboléu, pega um caminhozinho apertado e lá vai, mas quando acorda não
tem a consciência. Na visão você fica com a consciência segura, nunca mais larga...’

Assim como mestre Irineu, Padrinho Sebastião teve sua iniciação orientada por um xamã, o
mestre Osvaldo, um negro nascido em São Paulo, chamado também de ‘cumpade Osvaldo’,
por ser padrinho do seu filho, Pedro Mota.

Durante um ano nas matas do rio Juruá, o padrinho Sebastião aprendeu com mestre Osvaldo a
realizar trabalhos com banca espírita, mesa e atuação, recebendo o médium cirurgião Dr.
Bezerra de Menezes. Conforme o caso das pessoas que chegavam doentes para o mestre
Osvaldo, ele despachava para o padrinho Sebastião fazer a cura.”

O “Céu do Mapiá” é, hoje, a sede do Centro Eclético de Fluente Luz Universal Raimundo Irineu
Serra – CEFLURIS que, anteriormente, foi sediado na “Colônia Cinco Mil”, situada no
quilometro nove da estrada de Porto Acre. O nome “Cinco Mil” deve-se ao fato de que “com a
desativação do Seringal Empresa, a terra foi loteada em colônias e vendidas a cinco mil
cruzeiros antigos, cada uma(5).

Depois, o Padrinho Sebastião e “seu povo”, como é chamada a comunidade que o tem como
líder espiritual, mudaram-se para o “ Seringal Rio do Ouro”, na região do rio Endimari, nas
margens do igarapé Trena. Narra, então, Vera Fróes:

“Para surpresa de todos, o padrinho anunciou em 1981 que aquele ainda não era o local
determinado pelo astral e onde se ergueria a Nova Jerusalém. Concomitantemente surgiram
pressões de pessoas interessadas nas terras desbravadas pela comunidade, sendo descoberto
um titulo de propriedade com muitas irregularidades, ainda do início do século e que dava a
área como propriedade de um fazendeiro sulista.

Apesar da própria representação do Incra na região ter dado autorização para a comunidade
instalar-se no seringal Rio do Ouro, o órgão informou para a comunidade a existência de outra
área arrecadada pela União e sem proprietários, onde eles poderiam se mudar, localizada no
igarapé Mapiá, afluente do Rio Purus, no Municipio de Pauini(AM), distante cerca de 150
quilômetros do seringal Rio do Ouro.

Enfrentando uma vez mais, inúmeras dificuldades e deixando para trás um seringal com muitas
benfeitorias que haviam construído, em plena capacidade produtiva de borracha e agrícola e
sem receberem nenhuma indenização dos alegados proprietários da terra, a comunidade
iniciou novo movimento em direção ao igarapé Mapiá visando a implantação de um novo
seringal – Céu do Mapiá.

A mudança da comunidade rural da Colônia Cinco Mil para o interior da floresta amazônica
possui um significado no plano material e espiritual: o Daime protegerá os seus filhos – os Midã
– que atenderem ao chamado de retorno às origens, aos seringais onde muitos nasceram e se
criaram. É também uma volta à época que o mestre Irineu trabalhou nas matas cortando
seringa e conheceu o Daime.”(6)

Vale a pena fazer um paralelo entre o processo de legitimação do uso ritual da ayahuasca, em
curso nos dias de hoje, com o que aconteceu com os cultos afro-brasileiros, vítimas de dura
repressão policial no início do século, como foi o caso do “terreiro do Gantois”, de “Mãe
Menininha”, que somente pôde afastar a repressão policial, a partir da aliança que fez com os
intelectuais da época.(7)

A História se repete, obviamente com diferenças de forma relativamente às duas comunidades,


a do Santo Daime e a da União do Vegetal. Ambas, porém, exaltam, com toda ênfase, a
plenitude de conteúdo simbólico de seus rituais, hábeis, para seus fiéis, por isso mesmo, a
viabilizar o reencontro deles consigo mesmos, com o outro e com Deus.

E um dado extremamente importante: a expressão histórica desses cultos está intimamente


ligada a “uma determinada cultura”- a brasileira. Mais que isso, ao índio, ao caboclo, à
Amazônia.

A União do Vegetal vem confirmar com perfeita clareza o que ficou dito acima, no seguinte
trecho do livro que publicou como seu “primeiro documento oficial”(8):
“A União do Vegetal, hoje em processo de expansão e institucionalização, já dispõe de sólida
presença nos meios urbanos, tendo, em seus quadros de sócios, profissionais de ramos
diversos – inclusive conceituados intelectuais e cientistas.

Preserva e cultua, entretanto, sua origem cabocla, que traduz a pureza de seus ensinos e
mantém sempre viva a lembrança de uma realidade: a de que grau espiritual nem sempre tem
relação com erudição ou títulos acadêmicos.”

A comunidade do Santo Daime, da mesma forma, conta entre seus seguidores que lá ainda
estão ou por lá passaram, com intelectuais e artistas famosos que, igualmente, exaltam o
reencontro com a natureza e com o primitivo. Exemplo disso, colhe-se no depoimento prestado
pelo já falecido ator Carlos Augusto Strazzer, publicado na revista Manchete, quando se referiu
à floresta, ao “ritual tão antigo quanto a América do Sul”, acrescentando haver descoberto “um
caminho de aprimoramento interno brasileiríssimo“. E arremata com destaque e paixão: ”pela
primeira vez, um ritual com música, dança e letras me fez sentir completamente integrado ao
meu país, à minha cultura e, por extensão, me permitiu compreender todo o planeta. Me
gratificou saber ainda que é a floresta amazônica que nos dá tudo isso”(9).

É bom lembrar, aqui, a advertência de McRae, no sentido de que “o uso da ayahuasca tem sido
considerado legítimo até agora, e que um grande número de pessoas investiram suas vidas
nesses cultos, tornando-os centrais para as suas identidades sociais, individuais e espirituais.

“A história da humanidade é pródiga em exemplos da insensatez que é a intolerância e a


perseguição religiosa, cujos principais efeitos parecem ser a exacerbação do fanatismo de uns
e da prepotência arbitrária de outros. “E após sinalizar que, no Brasil ”a repressão aos cultos
afro-brasileiros causou sérios problemas sociais”, como exemplifiquei acima, com o “terreiro do
Gantois”, acrescenta McRae que “ a própria tradição cristã é rica em modelos de martírio pela
fé, que poderiam servir de exemplo para os adeptos das seitas ayahuasqueiras em seus
protestos contra a proscrição de seus rituais. Levando-se em conta a importância dos aspectos
socialmente integradores dessas seitas, tem-se como corolário que o seu enfraquecimento
somente contribuiria para a debilitação da coesão social, suscitando sentimentos de revolta e
devolvendo à anomia muitos daqueles que encontram nesses cultos o significado para suas
vidas.”(10)

A UDV, buscou seu processo de institucionalização a partir, inclusive do aparelhamento


administrativo da entidade. São exemplos desse processo: as publicações “Consolidação das
Leis da UDV” e “União do Vegetal – HOASCA – Fundamentos e Objetivos”; a organização de
um Centro de Memória e documentação, responsável pela edição do jornal da sociedade,
denominado ”Alto Falante”; a organização, também, de um Centro de Estudos Médicos, sob
cuja responsabilidade foram promovidos três congressos, sendo o último realizado no Rio de
Janeiro, simultaneamente com a Conferência Internacional de Estudos da Hoasca.

Ainda, a UDV implementa projeto extrativista e de cultivo de plantas medicinais no Seringal


Novo Encanto, situado no Acre, para o que fundaram a Associação Novo Encanto de
Desenvolvimento Ecológico.

A vertente do Santo Daime, guardadas as suas características próprias e com maior tendência
à vida em comunidade, buscou, igualmente, a sua institucionalização, especialmente o ramo
CEFLURIS, que congrega o maior número de adeptos da vertente Santo Daime – em torno de
1000.

Foi criado, assim, o CEFLURIS NACIONAL com sede no Céu do Mapiá. Tem, entre outros
objetivos, a regulamentação da fundação de novos centros e a unidade ritual.

O CEFLURIS investiu seus esforços, firmemente, no projeto ambientalista viabilizado com a


criação, por decreto presidencial (nº 98.051, de 14.8.1989), da Floresta Nacional Mapiá-Inauini,
de 311 mil hectares.

Foi organizada a Associação dos Moradores da Vila Céu do Mapiá, que firmou convênio com o
IBAMA, em agosto de 1989, com o objetivo de mútua colaboração das partes, com vistas à
proteção dos recursos naturais nas áreas de Floresta Nacional criada.

Foi constituída a Cooperativa Extrativista da Amazônia – a COPEAMA – cujos fundadores são


todos residentes na Vila Céu do Mapiá e que tem entre seus principais objetivos a implantação
do projeto de desenvolvimento sustentável na área das florestas nacionais do Mapiá-Inauini, no
Estado do Amazonas.

O Uso Ritual da Ayahuasca

O rito é meio, é instrumento. As regras que o integram devem servir a quem o adote para
alcançar o objetivo colimado.

Os rituais religiosos pretendem ser, sempre, veículos, meios de comunicação da pessoa


humana com o Absoluto, com o Astral, com Deus ou que outro nome tenha essa Realidade
transcendente que o ser humano, ordinariamente, não percebe, especialmente em nossa
civilização contemporânea e ocidental.

O ritual religioso inclui a idéia de limitação, ou ordenamento do aquém para viabilizar o ir além.
Daí a sua importância como disciplina e, ao mesmo tempo, como gerador de força. Assim como
as águas do rio, que só produzem energia quando represadas. É o preço pago para gerar a luz.

Para uma serena avaliação da importância do uso ritual da ayahuasca, é imperativo fazer uma
reflexão prévia sobre as liturgias contemporâneas, praticadas, especialmente, em nosso mundo
ocidental.

O ritual não se justifica pelo ritual, mas na medida em que esteja prenhe de conteúdo
simbólico, ou de outra forma, se constituirá em práticas massificantes, em repetições
mecânicas, frustrantes e alienadas.

O significado do símbolo vamos colher na cultura grega. Uma pessoa que hospedara outra, ao
despedir-se dessa última, partia em dois um determinado objeto. Guardava uma parte e
entregava outra àquele a quem dispensara a boa acolhida. Passado o tempo, um dia, quando
os herdeiros de qualquer dos dois encontrassem, aquelas partes, ao se reunirem,
harmonizando-se uma com a outra, recompondo o todo, daria a conhecer um pacto de amizade
que se estabelecera entre seus antepassados. O reencontro daquelas partes passava a
construir testemunho, um sacramento da hospitalidade havida.
O símbolo é, portanto, e necessariamente unitivo. Busca superar a divisão para recuperar o
todo, com a reunião das porções separadas.

Ora, vive-se uma crise evidente e generalizada do conteúdo simbólico dos diversos rituais
adotados em nossa sociedade (quando se chega a participar de algum). Por ocasião dos fatos
que se integram o ciclo humano, como o nascimento, o casamento e a morte. Esses rituais,
normalmente, são ocos e, na maioria das vezes, intelectualizados, repetitivos e muito distantes
de nossa linguagem e raízes culturais.

Afirma, com toda razão Leonardo Boff: “quando se realiza o simbólico, os ritos sagrados, os
momentos fortes da vida tornam veículos misteriosos, da presença da graça divina. Caso
contrário, transformam-se em meras cerimônias vazias e mecânicas, no fundo ridículas.” (11) E
ressalta a importância de ver-se a religião como “complexo simbólico que exprime e alimenta
permanentemente a fé dentro das possibilidades de uma determinada cultura”(12).

É exatamente numa época de vacuidade e insignificação, de exasperado consumismo, que


surge, como objeto de interesse dos grandes centros urbanos, o uso ritual da ayahuasca,
introduzido, entretanto, no interior do Brasil, desde o início deste século.

Importa frisar, portanto, que a bebida é, igualmente, meio, é veículo, não é um fim. A UDV
afirma em seu livro que “não vê o chá como um fim em si mesmo, mas como um veículo para
uma caminhada que exige sacrifícios e renúncias...”(13)

Entretanto, embora não seja um fim em si mesmo, a ayahuasca é condição de grande


importância para a existência das comunidades que a usam, como instrumento de consecução
de seus objetivos espirituais. Sem essas espécies vegetais, provavelmente não subsistiriam
essas formas de expressão religiosa.

Há grande semelhança ritual entre os diversos centros que integram a vertente do “Santo
Daime”.

Os homens vestem terno branco e friso verde na calça, com gravata da mesma cor e alguns
levam na lapela um círculo, contendo uma estrela e, no seu interior, uma lua, tudo em dourado.
As mulheres usam vestido branco, cingidas de verde, tendo à cabeça um ornato, como
pequena grinalda. A essas vestimentas dão o nome de “farda”, recebidas somente pelos que
optaram pela “doutrina”. O ambiente das “igrejas” do “Santo Daime” é muito semelhante ao que
se pode encontrar em templos de outras confissões religiosas: velas, cruzes, rosários, efígies
da virgem Maria, Jesus Cristo e São João Batista. Ao fundo do templo encontra-se um
compartimento isolado, em que fica guardado o “Daime”, sendo interessante observar que a
comunicação com o salão, em que se desenvolve a cerimônia, faz-se através de duas
aberturas em forma de sacrário.

As cerimônias duram de seis a doze horas, de acordo com o tipo de “trabalho” a ser realizado.
Inicia-se com a recitação de orações cristãs, mais especificamente, o “Pai-Nosso”, o “Terço”, a
“Salve-Rainha”, além de jaculatórias. A seguir, então, os homens e as mulheres, compondo
grupos separados, colocada entre eles uma mesa com velas, cruzes, água, cristal de pedra e
rosários, formam duas filas e dirigem-se aos dois “sacrários” (um para as mulheres, outro para
os homens). Em cada um deles é servido o “Santo Daime” em quantidade equivalente a 100ml
ou 150ml, a cada participante que, antes de receber sua porção, faz o “Sinal da Cruz”,
contritamente, voltando ao seu lugar. Hinos são entoados e estão presentes durante todo o
“trabalho”, com o acompanhamento de instrumentos como o violão e acordeão, ao compasso
dos maracás. Os dois grupos – de homens e mulheres – bailam, com movimentos laterais,
repetidos, uniformes e alternados. São encaradas com naturalidade as ocorrências de vômitos
e diarréias (essa última parece menos freqüente). Tais fatos são considerados como formas de
purificação dos males do espírito e do corpo. O participante que esteja nestas condições é
sempre assistido por membros da comunidade que durante todo o “trabalho”, tem esta missão
de amparar aqueles que estiverem expiando suas mazelas. A “igreja” está situada em local
que, necessariamente, prevê as condições indispensáveis para possibilitar este verdadeiro ”rito
de expiação” (através do vômito ou da diarréia, ou de ambos, cumulativamente). Pode-se dizer,
portanto, que a realização de um “trabalho” não deixa de integrar em sua previsão, o “rito de
expiação“, com espaços e lugares que possibilitem as purgações do possível participante
sofredor. Os hinos evocam as forças da natureza, o poder de Deus, da Virgem Maria e de
todos os santos. Enaltecem as virtudes humanas, exortam os homens ao amor, à humildade e
ao arrependimento de suas faltas; proclamam a alegria e a força dos que têm fé no poder
divino e praticam o bem. Há pequenos intervalos entre os hinos, durante os quais são recitadas
jaculatórias, dados vivas, entre outros, ao “Divino Pai Eterno”, aos autores dos hinários e aos
visitantes. A bebida é servida por mais duas vezes, segundo o mesmo ritual (filas de homens e,
separadamente, de mulheres, “sacrários” diferentes, ingestão respeitosa), de forma semelhante
às filas para o recebimento da comunhão, entre os católicos. Na última vez, os participantes do
“trabalho” tomam quantidade menor de “daime”, com o objetivo de encerrar as experiências
contemplativas e retornar, assim, o ritmo ordinário da vida. O “trabalho” é formalmente
encerrado com a recitação de orações e com agradecimentos a Deus. Após o encerramento os
participantes dispersam-se e cada qual volta para sua casa, após despedidas cordiais e
tranqüilas.

Outro ritual importante na “doutrina do Santo Daime”, realizado em cerimônias especiais, com
um alto significado simbólico-religioso é o do “feitio”, ou seja, da preparação da beberagem.

As mulheres escolhem, limpar e arrumam as folhas enquanto os homens escovam,


cuidadosamente, o cipó, preparando-o para a maceração. O cozimento é feito nos panelões
onde camadas alternadas do “Banisteriopsis” macerado e folhas frescas de “Psychotria” são
colocadas. Esta preparação é realizada por “especialistas” na área, sendo que a impressão
visual, o sabor e o efeito direto são elementos importantes no constatar se a preparação está
adequada. O mesmo líquido é, em geral, usado no cozimento de três medidas sucessivas de
material fresco destas plantas. Ao final, obtém-se um líquido espesso e acastanhado que é
filtrado para a retirada do tecido fibroso. De acordo com a etapa de cozimento, o “daime” é
designado como sendo de primeiro, segundo ou terceiro grau, sendo o de primeiro grau o mais
forte, posto que resultante do cozimento realizado com a terceira medida. Ainda, a beberagem
final pode ser mais ou menos ativa, como resultado de maior ou menor utilização do material
(plantas) ou em conseqüência do uso da rama (parte mais branda) do corpo, propriamente, do
cipó ou de suas raízes (a parte mais forte).

Algumas amostras podem ser armazenadas, adequadamente, por vários anos, conservando
sua plena atividade.
O ritual da UDV é bem diferente daquele do Santo Daime. Os participantes reúnem-se por
quatro horas – tempo de duração das “sessões”, como é designado o ritual. Os homens usam
uniforme que consiste em calça branca e camisa verde, e as mulheres, calça ou saia amarelo-
ouro e blusa verde. Os mestres usam camisa verde com uma estrela amarela, somente o
“mestre-representante” usa camisa azul. Permanecem sentados, após a distribuição do chá,
não havendo, assim, bailados. A “sessão” é dirigida por um “mestre”, ao qual cabe fazer as
“chamadas” de abertura e fechamento, hinos que visam orientar a “sessão”, chamando ou
despedindo a força e a luz do Vegetal. Ao longo da “sessão”, qualquer participante que se
sentir habilitado pode fazer uma “chamada” que tenha aprendido e memorizado, recebida da
tradição oral dos mestres. Durante a “sessão”, ouvem-se música instrumental e cantos que
evocam a natureza ou valores humanos, ocorrendo, freqüentemente, o mesmo processo de
“purificação”, mediante vômitos e diarréia. No transcorrer da “sessão”, o participante dirige ao
mestre, condutor da cerimônia, indagações sobre as mais diversas questões da vida, com o
propósito de receber orientação. E o mestre responde.

O cipó para o “preparo” (não chamam de “feitio”, como os daimistas) é trazido da floresta
amazônica.

A Ayahuasca e o CONFEN Em julho de 1985, o Conselho Federal de Entorpecentes –


CONFEN – foi instado a manifestar-se sobre a inclusão do “Banisteriopsis Caapi” entre as
drogas integrantes da lista de produtos proscritos, em que passou a constar com as
referências, entre parêntesis, a “cipó de chinchona ou chacrona ou mariri”. Assim foi designado
um Grupo de Trabalho de conselheiros do CONFEN, do qual fui nomeado presidente. Este
Grupo de Trabalho restringiu-se ao estudo da produção e consumo da citada bebida (“daime”
ou “vegetal”).

Dois dos integrantes do Grupo de Trabalho, os psiquiatras Isac Germano Karniol e Sérgio Dario
Seibel deslocaram-se para Rio Branco, capital do Estado do Acre, para a coleta de maiores
informações que pudessem melhor embasar os trabalhos do grupo, tendo em vista que,
naquele estado, estavam sediadas diversas comunidades usuárias da ayahuasca. Em outubro
de 1985, visitaram três lugares em que se reúnem, ritualmente, usuários da ayahuasca, todos
situados na Capital do Estado do Acre – Rio Branco – e já mencionados: “União do Vegetal”,
“Colônia 5.000” e “Alto Santo”.

Destaco alguns tópicos do relatório desta primeira viagem, tendo em vista a importância dos
mesmos para o estudo ora apresentado.

“Padrões morais e éticos de comportamento, em tudo semelhantes aos existentes e


recomendados na nossa sociedade, por vezes de um modo até bastante rígido, são
observados nas diversas seitas. Obediência à lei pareceu sempre ser ressaltada.

O efeito observado provavelmente é devido não somente ao chá, mas ao ambiente como um
todo, às músicas e danças concomitantes etc.

Finda a cerimônia todos de uma maneira aparentemente normal e ordeira voltam aos seus
lares.
Os seguidores das seitas parecem ser pessoas tranqüilas e felizes. Muitas atribuem
reorganizações familiares, retorno de interesse no trabalho, encontro consigo próprio e com
Deus etc, através da religião e do chá.

Antigamente o cipó e a chacrona só eram encontrados na mata virgem. Algumas seitas têm
procurado cultivar estas plantas com relativo sucesso. Ressalta-se no entanto que a
preparação do chá é bastante difícil e prolongada, envolvendo toda uma “tecnologia” que
provém de datas imemoriais, realizada dentro de um determinado ritual. Da forma como é
preparado nos parece difícil que uma quantidade muito maior que a necessária nos cultos seja
factível de preparo. Ou seja, parece difícil a preparação do chá em quantidades a serem
utilizadas de uma forma não ritual dentro da sociedade geral.”

Foram realizadas mais cinco visitas a comunidades usuárias da ayahuasca. A segunda foi em
abril de 1986, por mim e pelo psiquiatra Sérgio Dario Seibel, à comunidade denominada “Céu
do Mar”, situada na Estrada das Canoas nº 3036, na zona sul da Capital do Estado do Rio de
Janeiro. Essa visita teve caráter preliminar, com objetivo preparatório para outras que faríamos
quando da realização do chamado “trabalho”.

Fomos recebidos pelo líder espiritual da comunidade, o psicólogo Paulo Roberto Silva e Souza
que no levou ao local em que são realizados os “trabalhos”, chamado de “igreja”. Ali nos
reunimos com mais seis seguidores da “doutrina”.

É interessante observar que Paulo Roberto esteve em Cape Cod – Boston – EUA, onde
realizou quatro “trabalhos”, a convite e às expensas de um grupo de psicoterapeutas
americanos que, segundo informado, manifestou interesse em fundar uma “igreja” em Boston.
Ainda, igualmente por informação do Dr. Paulo Roberto, havia convites para a realização de
“trabalhos” em Madrid, Ilha de Mauí, no Havaí, Londres, Brisbane, na Austrália e Oslo, na
Noruega.

Ficou ajustado o nosso comparecimento ao “trabalho” que se realizaria no dia seguinte quando,
efetivamente, participamos do mesmo que durou certa de seis horas.

Ambos os visitantes tomamos, por três vezes, a bebida (a última vez em pequena quantidade).
O líquido é de cor acastanhada, com sabor extremamente acre, repulsivo e nauseante, que nos
provocou os previsíveis vômitos e diarréia. Com os olhos fechados ou entreabertos em estado
de variável torpor, como que em semi-sono, experienciamos percepções sem objeto externo
que, aparentemente, as justificasse. Exatamente isso que a ciência oficial chama de
alucinação. Dela voltaremos a falar mais tarde. Foi possível observar estas características –
dos olhos cerrados ou semicerrados, com leve fibrilação – no momento em que os participantes
experimentavam as visões.

O nome jurídico da comunidade visitada é “Centro Eclético de Fluente Luz Universal Sebastião
Mota Melo – CEFLUSMME”, que é a titular do imóvel que lhe serve de sede. A área ocupada,
não obstante em plena cidade do Rio de Janeiro, é coberta de densa vegetação, em zona de
reserva florestal do IBDF, 200.000 m², dos quais 20.000 são edificáveis. Congregava à época,
cerca de 200 seguidores, sendo que 30, aproximadamente, já viviam no local, em comunidade.
Esses últimos tinham suas atividades fora (havia médicos, professores universitários,
jornalistas e até uma deputada estadual) e repartiam as despesas com a manutenção da casa.
Os demais seguidores “fardados” contribuíam para a “igreja” de acordo com suas posses,
segundo depoimentos. Relembre-se que “fardados” são os que, definitivamente, fizeram opção
pela “doutrina”.

A quarta visita realizei em companhia dos já mencionados psiquiatras Isac Germano Karniol e
Sérgio Dario Seibel, em junho de 1986, à comunidade que tem o nome de “Centro Eclético de
Fluente Luz Universal Rita Gregório” – CEFLURG, sediada na Fazenda Nova Redenção,
Visconde de Mauá-Rezende – Estado do Rio de Janeiro. O dirigente do centro é Alex Polari de
Alverga, jornalista, escritor e ex-prisioneiro político, à época da última ditadura brasileira. As
características básicas, doutrinárias e rituais adotados no CEFLURG são, em tudo,
semelhantes às que foram encontradas no CEFLUSMME, na capital do Estado do Rio de
Janeiro.

Participamos, todos os visitantes, do “trabalho” então realizado. Notamos pequenas diferenças


em relação ao que se deu no Rio de Janeiro, o que não tem qualquer importância substantiva.
Seriam como as distinções observáveis entre duas missas católicas, celebradas em paróquias
diferentes.

Igualmente ao acontecido na Cidade do Rio de Janeiro, todos tomamos parte no “trabalho”,


com a ingestão da bebida que, de novo, provocou náuseas e vômitos. Convém observar,
entretanto que pudemos, os visitantes, concluir que atenua os efeitos fortemente eméticos da
bebida e participação no bailado e nos cânticos.

Ainda merece destaque especial o “trabalho” realizado aos domingos, pela manhã, o chamado
“Daime das crianças”, às quais é servida a bebida, em doses bem menores (os mais novos,
alguns de colo, tomam o “Daime” em colher de café). Havia mulheres grávidas que
participaram dos “trabalhos” do dia anterior e no domingo. Outras que fizeram relatos de suas
experiências, que consideravam muito positivas, de utilização do “daime” por ocasião do parto.

Uma das mulheres, para citar um exemplo, narra a percepção que pôde experienciar no
momento do parto, levanto-a ao entendimento pleno daquele instante e da relação de profundo
amor com seu filho que nascia. Acrescenta, então, que o seu relacionamento posterior com
esse filho foi mais intenso e positivo que o outro, vivenciado com seu filho mais velho.

A quinta visita foi ao centro da “doutrina” do “Santo Daime”, situado no “Seringal Céu do
Mapiá”, no interior da selva amazônica, cujo roteiro obriga, primeiramente, a ida a Rio Branco,
capital do Estado do Acre e, a seguir, à localidade denominada Boca do Acre, já no Estado do
Amazonas.

Acompanhou-nos, ainda, desde a saída do Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro até a


chegada ao Seringal Céu do Mapiá o já referido psicólogo Paulo Roberto. Com ele, tendo em
vista seus conhecimentos sobre o trajeto, foram detalhadas as várias fases da viagem,
considerando a complexidade que a mesma envolvia: transportes aéreo, terrestre e fluvial,
inclusive por igarapé, pontos de pernoite, suprimento alimentar e de água potável,
indispensável durante o percurso fluvial, medicamentos, inclusive anti-maláricos, vacina anti-
variólica, rede, corda, cortinado, etc.
Em 14/07/86, chegamos a Rio Branco e, nesta mesma data, seguimos, por avião, tipo “teco-
teco”, para Boca do Acre, em percurso de, aproximadamente, 30 minutos de duração. A
localidade denominada Boca do Acre, situa-se à margem do rio Purus e sua população, de um
modo geral, era bastante pobre. Ali existe o que os seguidores da “doutrina do Santo Daime”
chamam de “pronto-socorro”. Trata-se de atendimento de emergência, ministrado por
seguidores da seita, autorizados pelo “Padrinho Sebastião”, para pessoas necessitadas de
ajuda em seus sofrimentos físicos ou espirituais. Essas e outras informações obtivemos junto
aos diversos membros da “doutrina”, alguns residentes no local e outros vindos de outras
partes do Brasil.

É interessante notar que a comunidade existente no interior da selva amazônica, denominada


“Céu do Mapiá”, organizou atividade comercial do tipo restaurante ou lanchonete, em Boca do
Acre. A localidade é um ponto importante, portanto, na estruturação da comunidade assentada
na selva, visto que lhe serve, como depois pudemos constatar, de pequeno mercado
consumidor de produtos vindos do “Céu do Mapiá” – tais sejam o látex que extraem do
seringal, o açúcar mascavo e produtos agrícolas consumidos, inclusive, no negócio já referido.
Ao mesmo tempo, Boca do Acre serve como abastecedor aos que vivem no seringal, dos
gêneros de que necessitam, como roupas, medicamentos, ferramentas, utensílios domésticos,
etc.

No dia seguinte, partimos, pela manhã, de Boca do Acre na barca “Tucuxi”, do INCRA,
seguindo pelo rio Purus, até a Boca do Igarapé do Mapiá, momento em que o transporte
somente pôde ser feito por canoa. Pernoitamos em redes armadas, em cabana desocupada, à
margem do Igarapé, tendo em vista que se torna extremamente perigoso seguir viagem
durante a noite, com as naturais dificuldades de visão e ante a grande sinuosidade do Igarapé,
com numerosos troncos e galhadas que hão de ser evitados, durante todo o percurso. Anote-
se, ainda, que fomos, reiteradas vezes, advertidos dos cuidados que deveríamos ter com o
pisar no leito do Igarapé, em razão das temíveis picadas de arraias. É importante este
brevíssimo relato das dificuldades e condições adversas que o viajante deve enfrentar para
chegar ao “Seringal Céu do Mapiá”, a comunidade do “Padrinho Sebastião” e da “Madrinha
Rita”. Pudemos constatar que pessoas de varais regiões do Brasil (Brasília, Bahia, Cidade do
Rio de Janeiro, Visconde de Mauá) cruzaram conosco no percurso. A impressão causada, foi a
de que muitas daquelas pessoas tinham características de verdadeiros peregrinos, em romaria
ao centro da “doutrina do Santo Daime”, em busca do contato sagrado com o velho de barbas
apostólicas – o “Padrinho Sebastião”. Justificava-se, pois, enfrentar tantos incômodos e
dificuldades. Isso tudo, associado à procura de integração com a natureza, parece um material
muito rico a ser consignado para posterior análise dos pesquisadores sociais.

No dia 16/07/1986, chegamos ao “Seringal Céu do Mapiá”, onde permanecemos até o dia 19
do mesmo mês, quando partimos. Era um pequeno povoado com cerca de duzentos e
cinqüenta pessoas, que se plantou e desenvolveu no seio da selva amazônica.

Conforme já dissemos antes, havia gente de várias partes do Brasil e, até, estrangeiros.

O primeiro lugar que visitamos foi onde estava armazenadas as folhas (“rainha”, também
chamada de “chacrona”) que serviriam ao “feitio”, como é designado todo o processo de
preparação do “Daime”.
A nova “casa do feito” estava sendo ultimada. Compunha-se de fornalha para a preparação de
bebida em panelões de alumínio, com capacidade de até 120 litros, e cepos dispostos em duas
filas de sete, uma em frente à outra, com pequenos bancos onde os seguidores da “doutrina”
sentam-se para a “bateção”. A “bateção” é o processo de maceração do cipó, o que era feito,
em golpes cadenciados, com macetes fabricados pelos próprios membros da comunidade.

Visitamos, ainda, lugares destinados à moagem da cana, à feitura do açúcar mascavo, ao seu
armazenamento. Há lavouras para a própria subsistência da comunidade que precisa, apenas,
adquirir fora (em Boca do Acre) o sal. Ainda, a obtenção do látex e a sua venda constituem
importantes fatores para a economia daquela comunidade.

Finalmente, fomos à “casa de cura” destinada, como o próprio nome sugere, aos rituais que
têm o objetivo de mitigar ou eliminar os sofrimentos físicos ou espirituais dos que recorrem à
“doutrina”.

À noite todos os visitantes participamos de um “trabalho”. Mais uma vez pôde ser constatada a
semelhança ritual com o que presenciáramos na Cidade do Rio de Janeiro e em Visconde de
Mauá. A participação dos visitantes foi completa: na ingestão da bebida, nos cânticos e no
bailado.

Participamos todos da cerimônia do “feitio” que culminou com a tomada do “daime” novo. Não
foi como os demais “trabalhos”. A bebida foi tomada na própria “casa do feito”, que se encontra
numa clareira aberta no meio da mata, distanciada das cabanas. A bebida nova parece ter
sabor menos acre e repulsivo, mas, de novo, diversos participantes vomitaram.

Desta vez ficamos todos sentados e cânticos foram entoados. É forçoso notar que o ambiente,
o contacto com a floresta amazônica, em noite de lua cheia, os hinos e suas letras que evocam
a força dos elementos e do poder divino, e a vontade recíproca de encontro com o outro e com
o sagrado, têm importante influência nas percepções ou manifestações ocorridas com os
participantes.

No percurso de volta, de novo cruzamos com uma canoa de “romeiros”, com aproximadamente
seis pessoas vindas de Brasília, Bahia e Rio de Janeiro, em busca do sagrado que o Seringal
Céu do Mapiá significa para eles.

A sexta visita foi realizada em companhia de Isac Germano Karniol, Sérgio Dario Seibel e a
psicóloga Clara Lúcia Inem, nos dias 12 e 13 de setembro de 1986 ao Centro Espírita
Beneficente União do Vegetal, sediada, no Rio de Janeiro, na Estrada do Carretão, em
Jacarepaguá.

Da mesma forma do que ocorreu nas demais visitas, o grupo visitante participou do “preparo”
(equivalente ao “feitio”, segundo a denominação da vertente do “Santo Daime”) e da sessão (ou
“trabalho”, para os daimistas) que se seguiu, com duração de quatro horas).

A UDV, no Rio de Janeiro, é titular de sua sede, situada em área bastante arborizada, com
cerca de 6000m². Tinha, então, 117 membros no Rio de Janeiro e em torno de 2000 em todo
Brasil. Os membros que podem pagam mensalidade para a entidade, correspondente a 10%
do salário mínimo. Quem for pobre e não puder pagar, nada lhe é cobrado. Há, ainda, os que, a
seu próprio juízo, pagam mais.

Antes dessas atividades desenvolvidas pelo CONFEN, é de grande interesse saber porque a
ayahuasca foi parar nas listas de substâncias proibidas.

Há um fato importante que foi possível constatar. Trata-se de prisão em flagrante de um rapaz,
à época com 22 anos de idade, chamado Éder Cândido Silva. A prisão ocorreu em Rio Branco,
capital do Estado do Acre, em 30 de setembro de 1981. Este jovem, “portando uma mochila de
cor verde e que despertou a atenção tanto do condutor como de seus colegas policiais”
(conforme se lê no “auto de prisão em flagrante”), foi detido pelos policiais que “resolveram
realizar uma busca pessoal no indivíduo...” (cf. “auto de prisão” citado) em poder de quem foi
encontrada “maconha”. O preso morava na “Colônia Cinco Mil” onde havia maconha plantada.

No dia seguinte, isto é, em 1º de outubro de 1981, a Polícia Federal dirigiu-se à “Colônia Cinco
Mil” e lá arrecadou os pés, sementes e folhas de maconha. Pode-se dizer, portanto, que o
“banisteriopsis” entrou, posteriormente, na lista da DIMED, por causa da “maconha” que estava
sendo usada à época, na “Colônia Cinco Mil”, uma das dez outras comunidades que,
entretanto, eram usuárias, exclusivamente, da ayahuasca. O fato é que, somente a partir da
prisão de Éder, por porte de maconha, repita-se, foram desencadeadas várias investigações
nos diversos grupos usuários da beberagem, em especial, na comunidade liderada pelo
“Padrinho Sebastião”.

O episódio tem suma importância posto que não pôde o Grupo de Trabalho apurar um único
registro, objetivamente comprovado, que levasse à demonstração inequívoca de prejuízos
sociais causados, especificamente, pelo uso até então feito, da ayahuasca. Reitere-se que o
objeto do exame do Grupo de Trabalho era a ayahuasca, não a maconha, a cocaína ou
qualquer outra droga e somente problemas causados, diretamente, pelo uso da beberagem
objeto de análise é que, evidentemente, poderiam ou podem ser considerados.

Ao término dos trabalhos e da feitura do relatório das visitas e pesquisas realizadas, em 1986,
o CONFEN decidiu pela manutenção da exclusão do “Banisteriopsis Caapi” da lista de produtos
proscritos, da Divisão de Medicamentos – DIMED, do Ministério da Saúde.

Mas em 1989, uma denúncia anônima fez deslanchar o reexame da questão do uso da
ayahuasca no Brasil.

Interessa destacar alguns tópicos dessa denúncia, pelo que eles têm em comum com algumas
fantasias, sem qualquer consistência, que tive a oportunidade de colecionar nestes anos.

a) Os adeptos são “calculados nos grandes centros urbanos em mais de dez milhões de
fanáticos”.

b) Os dirigentes “são todos toxicômanos e ex-guerrilheiros...”

c) A ingestão do chá exige “o abandono da vida física... levando os adeptos ao torpor mental
após as cantigas que induzem ao abandono físico, ao abandono da família...”
d) “O adepto cai em exaustão e aí então começa a queima de ervas a títulos de incenso, com
portas e janelas fechadas do templo, que os entendidos dizem ser maconha...”

e) “O vegetal é misturado na hora da ingestão, sem que ninguém perceba, ao LSD ou droga
semelhante.”

f) São os adeptos “induzidos ao trabalho escravo” e a doações polpudas.

g) “vários mestres... são procuradores do Banco Central, Bancários, Professores, e etc...”

h) “Interiormente sente-se a necessidade do auxílio mútuo, não sei se provocado pela droga ou
pela indução sugestiva...”

i) “Isto não está pondo em risco a segurança nacional?”

j) O denunciante anônimo enumera o que chama de “providências tomadas... sem solução”.


Entre elas, um dossiê, em 1982, ao cardeal Eugênio Salles e a uma “alta autoridade
presbiteriana”; em 1984 “comparecimento pessoal à Polícia Federal “e, nesse mesmo ano de
1984, reporta sua ida ao Juizado de Menores – Av. Presidente Vargas. Fui pessoalmente
informado pelo Exmo. Sr. Juiz de Direito Substituto que caso tomasse providência, estaria
pondo em risco seu cargo, pois seu superior hierárquico, foi seu colega de faculdade, e era
toxicômano, e foi ele que liberou tal droga”.

k) Em foto de um dos líderes de comunidades usuárias da ayahuasca – o “Padrinho Sebastião”


– fez o anônimo denunciante diversas anotações. Cito, entre elas: “representante da divindade
em nosso planeta, totalmente analfabeto, líder de uma comunidade de mais de 10.000.000 de
adeptos em todo Brasil, só no estado do Acre, 80% faz uso desse chá constantemente.

l) “Crianças: coitadas... irão por mais de 72 horas ficar em vigília, totalmente angustiadas por
visões horripilantes...”

m) “De quem é a culpa de tudo isso?... De um contra ataque das guerrilhas urbanas, acho esse
o pensamento mais viável.”

Fui designado pela Dra. Ester Kosovski, presidente do CONFEN, à época, para exame e
parecer, solicitando, especialmente, “a atualização dos dados dos relatórios anteriores, com as
verificações locais que se fizerem necessárias”.

Além de um juízo pessoal sobre a matéria, sob a ótica jurídica e filosófica, busquei assessorar-
me, junto a respeitados especialistas e professores nas áreas de antropologia,
psicofarmacologia e psiquiatria, de preferência que já tivessem se ocupado, em algum nível,
com a questão da ayahuasca.

Para a atualização dos dados dos relatórios anteriores, voltei a contactar lideranças das
comunidades usuárias do chá, agrupadas nas duas principais vertentes – a “União do Vegetal –
UDV” e o “Santo Daime” – com o objetivo de organizar visitas, colher novas informações e
documentos sobre o desenvolvimento e atividades daquelas comunidades.
Visitei, novamente, as diversas comunidades e promovi reunião, de uma só vez, com os
representantes de todas as entidades às quais estão filiados os diversos centros usuários da
ayahuasca existentes no país, em encontro realizado na sede da Prefeitura de Rio Branco,
Acre. Nessa oportunidade recebi numerosos documentos das diversas entidades, relativos a
seus atos constitutivos, estatutos, depoimentos de seguidores das várias seitas, com relatos de
cura, de reencontros familiares e redirecionamentos positivos de vida. Interessa,
preliminarmente, indagar sobre as causas prováveis da denúncia.

Até a época do último parecer, nas pouquíssimas denúncias assinadas e, portanto, de autoria
conhecida, (apenas três – desde julho de 1985 – em que o CONFEN passou a lidar com o
assunto) os denunciantes eram pais inconformados com a opção de seus filhos. Em dois
desses casos, os filhos eram homens e no outro uma jovem, todos maiores e de classe média
elevada, residentes na Cidade do Rio de Janeiro. Nesses três casos tive a oportunidade de
entrevistas os filhos e, em dois deles, os pais (o pais em um e a mãe no outro). Na realidade,
pude constatar com toda clareza, que o problema enfrentado, nessas três histórias verídicas,
foi a de radical divergência entre pais e filhos quanto aos projetos de vida e modelos que
aqueles tinham para esses, muito mais que as repercussões das práticas rituais de consumo
da ayahuasca no sistema nervoso central dos mesmos. Tais “repercussões”, entretanto,
serviam, sempre, de carro-chefe das denúncias. É interessante notar, contudo, nesses três
casos, segundo fui informado, o tempo de encarregou da superação do problema: os pais e
filhos passaram a conviver nas diferenças. Ainda, um dado importante. Os três casos citados
referiam-se a adultos bem jovens que buscavam uma nova experiência de vida – em
comunidade – diferente daquela que levavam até então, com a qual, portanto, romperam. Essa
proposta de vida comunitária é mais característica dos seguidores do Santo Daime a cuja
vertente pertenciam os três jovens.

O “abandono da vida física” e o “abandono da família” são aspectos trazidos pelo denunciante
anônimo para sinalizar o estado de dependência que, como observa Anastácio Morgano,
“caracteriza um investimento total em apenas uma nesga da realidade”. (14) Os “fanáticos”
estariam, assim, voltados, exclusivamente, para a vida espiritual. Por isso o “abandono da vida
física” e “da família”.

Entretanto, desmentem, por completo, o denunciante anônimo, diversos fatos que pude
constatar nestes dez anos em que lido com a questão, cuja análise, porém, seria bem mais
difícil se existisse somente uma vertente de comunidade usuárias: a UDV ou o Santo Daime.

Adiantei, de certa forma, a razão porque a existência das diferentes vertentes facilita a boa
equação do problema, quando me referi aos casos de jovens que abandonaram os modelos
urbanos de vida que praticavam, para viver no campo ou na floresta. Há vários casos de
pessoas que optaram por deixar a vida da cidade ou deixaram a proximidade dos familiares,
para viver no campo, na floresta ou em comunidade. E todos eles ocorreram, dadas as
características próprias da vertente Santo Daime que, a partir de Sebastião Mota de Melo – o
“Padrinho Sebastião” – abriu uma nova linha de seguidores, no início da década de 80: jovens
“classe média das grandes metrópoles do sudeste”, como refere McRae, muitos dos quais
“hippies” ou “mochileiros”, perfil que, por si só, já “identifica” ou, talvez melhor seria dizer,
estigmatiza, para muitos, uma determinada geração.
É interessante notar, para bem compreender o que significa “abandono da vida física” ou “de
família”, o preconceito que informa tal alegação. É preciso refletir e repensar a sociedade em
que vivemos onde, com facilidade, classificamos de loucas ou alienadas as pessoas que, com
ou sem ayahuasca, optam por formas de vida diferentes das nossas ou buscam processos de
conhecimentos ou de realização pessoal diversos daqueles estabelecidos.(15)

Aliás, o que a sociedade rejeita é loucura não partilhada, a loucura “anormal”, isto é, aquela
que foge à insanidade comum. Tantas vezes têm sido classificados de loucos comportamentos
que, entretanto, nada mais são do que diferenças culturais não assimiladas e nem admitidas.

“As definições de loucura variam não só de região para região, como de família para família,
em obediência a normas de comportamento que acabam por codificar ”a forma corrente de ser
louco”, observa Maria José de Queiroz, acrescentando que para Michel Foucault, “cada cultura
faz da doença uma imagem cujo perfil é desenhado pelo conjunto das virtualidades
antropológicas que ela negligencia ou que reprime”. E conclui: “Há, em toda parte, a maneira
conveniente ou aceitável de ser louco.”(16)

Bem diferente é a União do Vegetal que, hoje, tem marcadas características urbanas, em que
seus membros mantêm as ocupações absolutamente comuns das cidades. Um associado da
UDV – que em suas práticas culturais adota a mesmíssima ayahuasca – conserva, entretanto,
hábitos, estilos de vida e profissões, idênticos aos dos demais integrantes das comunidades
urbanas.

Provavelmente, por essa aparência mais comum e citadina, um jovem, principalmente,


associar-se à UDV não significa para a família e para a sociedade, uma ruptura. Não que a
filiação ao Santo Daime traduza, necessariamente, rompimento. Seguramente, na maioria das
vezes, isto não acontece. Mas a opção de alguns de deixar a vida na cidade para morar numa
comunidade rural ou no interior da floresta amazônica (o que constitui a absoluta minoria,
repito), certamente para muita gente é “loucura”, ou, como para o denunciante anônimo,
“abandono de vida física”.

É semelhante ao que muitos pais sentiram frente à opção pela clausura ou pela vida monástica
de seus filhos, como a historia é pródiga em revelar.

A denuncia buscava, evidentemente, argumentar com terror, baseado nos “milhões” (na
verdade não chegam a dez mil) de adeptos fanáticos, que foram levados, pela ingestão do chá,
literalmente, ao “abandono da vida física”, não obstante tenham sido, paradoxalmente,
“induzidos ao trabalho escravo”, o que, obviamente, exige o máximo, precisamente, de “vida
física”, não o seu abandono.

Salta às vistas a incompatibilidade entre o “abandono da vida física” e a manutenção das


profissões referidas pelo denunciante.

Constatei numerosos depoimentos dos seguintes profissionais: médico, funcionário público,


advogado, militar, empresário, psicólogo, procurador de estado, professor universitário,
arquiteto, engenheiro, radialista, economista, publicitário, escritor, bancário, cacauicultor, fiscal
de tributos estaduais, chefe de arrecadação de delegacia de receita federal e estudante, todos
filiados à UDV, em diversos núcleos.(17)
E filiados ao Daime há profissionais de quase todas as áreas citadas acima, além de atores e
atrizes que freqüentam, diariamente, programas e novelas de televisão.

As crianças são, textualmente, “coitadas... totalmente angustiadas por visões horripilantes”. A


partir desse quadro apocalíptico, em que as comunidades usuárias da ayahuasca são
comandadas por “toxicômanos e ex-guerrilheiros...” a conclusão somente poderia ser uma,
colhida na resposta que o próprio denunciante formula: “De quem é a culpa de tudo isso?... De
um contra-ataque das guerrilhas urbanas, acho esse o pensamento mais viável”.

Toda essa historia seria até divertida, não fora o resultado gravemente oneroso provocado por
ela: inquéritos policiais, intranqüilidade para inúmeras famílias que, a cada nova composição do
CONFEN, são, injusta e ilegalmente, postas sob suspeita criminal, à mercê de qualquer
denúncia - anônima ou assinada – por mais tresloucada que seja, exaustivos e dispendiosos
trabalhos como os que foram necessários para a realização dos pareceres mencionados.

Só o covarde anonimato pôde livrar o denunciante de ser criminalmente processado, devido a


acusações graves e gratuitas. O exemplo mais chocante desse tipo de acusação que
demonstra, aí sim, a perigosa insanidade do denunciante, está na afirmação de que, em 1984,
dirigiu-se ao Juizado de Menores, no Rio de Janeiro e que foi pessoalmente informado pelo
“Juiz substituto que temia por seu cargo e por isso não tomaria providência porque o ”superior
hierárquico“ daquele magistrado era toxicômano e ele próprio liberara a ayahuasca. O absurdo,
o ilogismo e a desfaçatez de tal afirmação dispensa qualquer outra consideração, além da
simples citação da mesma que, por si só, revela a inconsistência e a falta de seriedade da
denúncia.

Assim, no mesmo padrão de delirante sandice foram classificadas as disparatadas afirmações


de “trabalho escravo”, “risco à segurança nacional”, “contra – ataque das guerrilhas urbanas”,
mistura de “LSD ou droga semelhante” à bebida, queima de maconha como incenso “com
portas e janelas fechadas do templo” e “crianças... totalmente angustiadas por visões
horripilantes...”.

Insensata a afirmação de misturas de LSD à ayahuasca “sem que ninguém perceba”. Em


primeiro lugar, reflita-se bem em tal disparate. Há setenta anos a bebida em questão é utilizada
em rituais brasileiros. Desde que data quer o denunciante anônimo misturar ayahuasca com
LSD? E por proposta de quem? Dos seringueiros e líderes religiosos, mestre Irineu, do Santo
Daime ou mestre Gabriel, da UDV? Ou será nova orientação vinda da sede do Daime, na
floresta Amazônica? Ou da UDV? E por que a mistura? A bebida seria placebo?

Além de tudo isso, sabemos todos que a duração dos efeitos do LSD é várias vezes maior que
a da ayahuasca, essa última em torno de duas horas. Imaginem somados!

Entretanto, importa acentuar, no caso, que o “rito de expiação” da ayahuasca (vômitos e


diarréia) fez dela, com suas características naturais e não sintéticas, objeto de interesse
radicalmente diferente do que caracterizou e caracteriza o LSD. As características
especialíssimas dessa bebida – a ayahuasca - “impõem exigências” para que aqueles que a
usam dela possam tirar o proveito procurado. Essa “exigências” referem-se à multiplicidade de
usos sempre rituais, à adesão à “doutrina”, à assunção, pelo usuário, de padrões de conduta
em sua vida pessoal. A farmacologia não é, assim, o bastante – muito ao contrario – para
avaliar os “efeitos”, ou as “causas” disso que está rotulado, farmacologicamente e de forma
indistinta, como droga.

A pergunta é, desde Sócrates, com sua maiêutica, um dos melhores instrumentos de descobrir
a verdade. E, no caso, a verdade que se descobre é a evidente improcedência das alegações
do anônimo denunciante.

O registro fotográfico das visitas às comunidades usuárias da ayahuasca ilustra, igualmente,


que não há, em vários locais de celebração, sequer como fechar portas e janelas para a
queima de incenso ou maconha e, assim fechadas, obter-se a “melhor intoxicação dos
presentes”, pelo simples fato de que, em vários templos não há, praticamente, portas e janelas
e, em outros, o espaço muito amplo inviabilizaria o ambiente esfumaçado, nos moldes
propostos pelo denunciante anônimo, de tal sorte que o incenso ou as ervas se constituíssem
em fator psicoativo digno de nota.

A historia de “crianças... totalmente angustiadas por visões horripilantes” é desmentida, por


completo, ao que se constata em visitas a praticamente todas as principais comunidades. E
note-se que crianças não conseguem disfarçar, principalmente “angústia total” e visões
horripilantes “.

Vale a pena citar o que diz o jornalista Elias Fajardo (18), sobre as crianças do Céu do Mapiá,
em matéria de página inteira, do jornal do Brasil, de 13/01/1991, domingo, na seção sobre meio
ambiente.

“... os meninos do Mapiá nadam no igarapé, deixam-se levar pelo movimento amoroso das
águas e acreditam na doutrina que prega a união do sol, da lua e das estrelas”.

As fotos feitas no Seringal Céu do Mapiá ilustram as palavras do jornalista.

Para concluir a análise da denúncia anônima, é interessante destacar que a prática ritual,
histericamente condenada pelo denunciante oculto, leva-o, entretanto, a declarar textualmente:

“Interiormente sente-se a necessidade do auxílio mútuo...”.

Em primeiro lugar, observe-se, por ser fundamental, que provocar, interiormente, o sentido “do
auxílio mútuo” dá a clara dimensão da natureza social e ritual da ayahuasca. No dizer de
Clodomir Monteiro(19), “o uso do Santo Daime é quase exclusivamente social, o que implica
sempre um tipo de seqüência de atos ou ritos a observar-se”.

Por último, talvez seja essa a única – e importantíssima – contribuição à causa da verdade que
o denunciante anônimo propiciou: a descoberta que ele mesmo fez da “necessidade de auxílio
mútuo”.

A denúncia não tinha, como, aliás, jamais teve, qualquer consistência ou o mínimo de
seriedade que justificasse o reexame da matéria, com a conseqüente intranqüilidade de
pessoas e famílias integrantes de comunidades que têm o direito de optar pelo culto religioso
que lhes convier, desde que não ofendam a lei ou a ordem pública.
A conclusão do CONFEN resultou dos desdobramentos que abordaremos a seguir.

A química da Ayahuasca

Em 1992, junto à denúncia anônima que provocou o reexame da questão da ayahuasca no


Brasil, foram adicionadas ao quadro pintado pelo denunciante, as tintas do parecer do ilustre
Dr. Alberto Furtado Rahde, à época conselheiro do CONFEN, do qual importa destacar as
seguintes considerações formuladas pelo mesmo, sobre o consumo da bebida:

a) “reações por vezes muito prejudiciais ao organismo”, conseqüentes de uso do chá “com
alimentos ricos em tiramina”;

b) “Podem ocorrer modificações severas de personalidade”;

c) A produção de “estados alterados de percepção, ânimo e comportamento”;

d) O “uso do “daime” em todo o país excedeu o uso local de origem, na selva amazônica”.

e) É necessária “a caracterização do uso ritual e restrito do daime”.

Em análise de conteúdo estritamente técnico, o professor da Unicamp, Isac Karniol, atendeu a


solicitação que lhe dirigi para assessorar nosso trabalho em seu campo específico de
conhecimento. Concluiu ele que, na mistura do “Banisteriopsis Caapi” com a “Psychotria Viridis”
são encontradas betacarbolinas, como harmina, harmalina, tetrahidroharmina, além da N-
dimetiltriptamina. A dimetiltriptamina é muito mais ativa que os outros constituintes. No entanto,
sua ação quando utilizada, isoladamente, por via oral seria limitada, pois rapidamente é
metabolizada nos tecidos periféricos por enzimas chamadas monoaminooxidases. As
betacarbolinas inibem estas enzimas possibilitando então uma ação mais prolongada de N-
dimetiltriptamina. Este mecanismo foi estudado, recentemente, por McKenna e Cols.

Independente do constituinte ou constituintes químicos que a compõem é indiscutível que a


ayahuasca, como um todo, tem efeito alucinógeno (observadas as divisões clássicas das
drogas).

Quanto às ações no organismo, como um todo, desta preparação, agudamente, ela produziria
a conhecida ação alucinógena, afora outras possíveis atuações periféricas, como vômitos,
diarréia, etc.

Depois desta breve introdução sobre a estrutura química da ayahuasca, feita pelo professor
Karniol, quero ressaltar que o entendimento maduro e mais evoluído em matéria de drogas não
pode acolher a visão mecanicista da questão, a ótica do determinismo farmacológico.
Exatamente por esse motivo, hoje é de indiscutível aceitação a perspectiva holística do tema.
Por isso, como todos sabemos, a equação correta se dá a partir da análise de três fatores: o
indivíduo, o ambiente e o produto, nesta ordem, acrescento. Não fosse assim e bastaria
contratar um técnico que tivesse os conhecimentos necessários para identificar os
componentes químicos de determinada substância. Isso seria o bastante para saber se a
mesma deveria ou não ser proibida.
A pessoa humana, a partir de uma tal visão mecanicista, seria elemento secundário, ao
contrário de central, na análise a ser feita. Algo parecido a uma fórmula que, por exemplo, no
caso presente poderia ser: pessoa + DMT = “abandono de vida física”, ou então, pessoa +
harmina = acidente vascular cerebral.

Ora, este modelo unidirecional e mecanicista, que imagina o ser-humano como se fosse
máquina, está para a perspectiva holística da questão das drogas assim como a física clássica
de Newton, está para a física quântica que obrigou a repensar a estrutura da matéria,
insuscetível de ser reduzida ao espaço absoluto, sempre em repouso e imutável. “A visão
mecanicista da natureza”, nos diz o físico Fritjof Capra (20), “acha-se dessa forma intimamente
vinculada a um determinismo rigoroso. A grande máquina cósmica era vista como algo
inteiramente causal e determinado. Tudo o que acontecia possuía uma causa definida e gerava
um efeito definido”.

Repito, a adotar-se o determinismo farmacológico, melhor será contratar o técnico a que me


referi acima e dissolver o CONFEN, por absolutamente supérfluo.

É óbvio, entretanto, o inestimável valor das contribuições farmacológicas e psiquiátricas, desde


que não absolutizadas. Por isso, devem ser avaliadas no conjunto multidisciplinar que o tema
oferece ao estudioso. Exatamente por isso, as opiniões do mais alto valor científico que
subsidiaram nosso estudo são de superlativa importância, pois enfrentam a questão no âmbito
específico de suas respectivas áreas, sem perder em nenhum momento, entretanto, a visão de
conjunto de outros planos do conhecimento e das imprescindíveis interações com os mesmos.

Transcrevo, a seguir, as consultas feitas aos eminentes professores E.A.Carlini e Isac Karniol,
consultas essas que têm o mesmo teor.

“REF.

a) O uso da ayahuasca no Brasil

b) Parecer do Dr. Alberto Furtado Rahde, de 20.1.1989, então conselheiro do COFEN, cuja
cópia ora se envia.

Caro Professor

Conforme entendimentos verbais que mantivermos, é a presente para solicitar a valiosa e


inestimável colaboração de V.Sa., cujo envio até 31 de março seria muito apreciado, no sentido
de opinar sobre o assunto em referência, especialmente no que respeita aos seguintes itens,
constantes do parecer supracitado e que exigem maior esclarecimento.

a) Quais as “reações por vezes muito prejudiciais ao organismo” (parecer - item 6, in fine)?

b) Quais as ‘modificações severas da personalidade’, já constatadas até então (parecer - item


8)?

c) Os ‘estados alteradas de percepção, ânimo e comportamento’ (parecer - item 8) significam,


necessariamente, situações negativas, prejudiciais ou patológicas?
Rogo, ainda, os bons ofícios de V.Sa. no sentido de oferecer todo e qualquer outro
esclarecimento que entender útil ao mais amplo aclaramento da questão em epígrafe que me
foi encaminhada para exame e parecer por designação da Sra. Presidente do CONFEN.

Importa lembrar, finalmente, que desde a Resolução/CONFEN, nº 6, de 4/2/1986, é legítimo o


uso da ayahuasca no país.

Renovo a V.Sa. minha mais elevada estima e distinta consideração”

Em resumo, respondeu o Professor Carlini:

a) os possíveis prejuízo para o organismo (crises de hipertensão que podem resultar em


acidente vascular cerebral) dependeriam da - in verbis: “liberação maciça” de noradrenalina,
cujo “agente liberador mais conhecido é a tiramina”. Mas essa liberação ocorreria no
consumidor da bebida caso viesse a - textualmente: “ingerir queijos altamente fermentados ou
doses elevadas de alguns vinhos”;

b) as alterações na mente do usuário da ayahuasca, verbis: “Não significam modificações de


personalidade mas sim alterações temporárias do nosso sensório”.

c) “As alterações mentais acima citadas” continua o eminente professor, “podem ser
“canalizadas” para um lado positivo na vida social e individual”.

Cita artigo sobre “as funções psico-sócio-terapêuticas da ayahuasca e conclui - textualmente:


“Existem também exemplos de outras plantas ou preparações alucinógenas utilizadas em
rituais religiosos, sem prejuízos (até pelo contrário) para as populações usuárias...”

E perguntado se os estados alterados de percepção, ânimo e comportamento significam,


necessariamente, situações negativas, prejudiciais ou patológicas, conclui - verbis: “minha
resposta em relação a este terceiro item é pela negativa”.

Igualmente, as considerações do Professor Isac Karniol são as seguintes, resumidamente.

“Convenci-me que com os conhecimentos atuais uma proibição do uso pelas seitas religiosas
destas plantas seria uma violência muito maior que a produzida por eventuais efeitos colaterais
das mesmas.”

Quanto aos quesitos:

a) sobre a possibilidade de “reações... muito prejudiciais ao organismo” declara que “não foram
comprovadas”.

b) Ainda, acrescenta que “não foram cientificamente comprovadas modificações severas de


personalidade” pelo consumo da bebida, não obstante as alterações senso-perceptivas,
direcionadas pelos “mestres” que, ainda, limitam a quantidade ingerida.

c) “De modo nenhum consideramos que os “estados alterados de percepção, ânimo e


comportamento, significam, necessariamente, situações negativas, prejudiciais ou patológicas”.
Estas seitas talvez representem uma procura que deve ser acompanhada, mas de modo algum
previamente censurada”.

Há mais de dez anos, o uso da ayahuasca é legítimo no Brasil, desde a interdição de 1985,
suspensa em 1986, e não se tem notícia de um único caso, cientificamente comprovado, de
problemas mentais efetivamente causados ou gerados pelo referido uso. Tampouco há
referência a abuso ou qualquer outro comportamento perturbador da ordem social.

Há, evidentemente, casos de pessoas, já portadoras de problemas, e que fizeram uso do chá
ou mesmo que, sem patologias aparentes, apresentaram condutas autolesivas ou anti-sociais.
Em primeiro lugar esses casos são pouquíssimos, contam-se nos dedos. Além disso, é absurdo
tomar a parte pelo todo ou confundir as instituições com o comportamento individual de seus
integrantes. Basta lembrar, por exemplo, que respeitabilíssimos e tradicionais estabelecimentos
de ensino já tiveram a desgraça de contar, entre seus quadros, com alunos suicidas, já foram
acusados de tolerância com práticas de tortura ou de exercícios homicidas. Desvios de conduta
individual podem ser identificados em quase todas - senão em todas - as espécies de
instituições humanas. O que importa é a busca intransigente e constante das instituições, no
sentido de sua integridade e aperfeiçoamento.

No caso das entidades usuárias do chá, o desenvolvimento de adequados mecanismos de


controle deve ser objeto de perseverante e rigorosa preocupação de seus dirigentes, como,
aliás, deve acontecer em cada organização humana de acordo com as peculiaridades de cada
qual.

Atente-se para o fato de que, antes de 1985, a bebida foi consumida por várias décadas, em
práticas rituais, sem anormalidades. Muito ao contrário, tais práticas exerciam e exercem
função integradora dos usuários ao meio em que vivem, ressaltada “a conduta pacífica e
ordeira dos adeptos das diversas seitas” (cf. McRae).

Aí está a melhor prova de que a comunidade tem os melhores controles do uso da bebida e os
coloca em prática com melhor competência. Diga-se de passagem, que não só no caso do chá,
mas de maneira geral, a sociedade sabe sempre organizar, de forma mais adequada, seus
mecanismos controladores de eventuais excessos, surgidos nas relações privadas, familiares
ou sociais.

O uso tem sido sempre ritual, até mesmo pelos efeitos provocados pela bebida que a fazem,
como já apontado por Clodomir Monteiro, “quase exclusivamente social”, com a constância de
uma liturgia, sempre observada. Além disso, conforme referido antes, é eficientíssimo o
controle exercido pelas direções das diversas comunidades.

O confinamento das práticas rituais à Cidade do Rio Branco não tem qualquer embasamento
lógico ou científico. Em primeiro lugar, basta circular pelas ruas de Rio Branco, sentar-se à
mesa de um restaurante ou ligar o rádio ou a televisão, para constatar a identidade de
programas, a semelhança de modas e padrões “propostos” (melhor seria, impostos) aos
diversos Estados da Federação. Não há troca, pois não se leva em conta, obviamente, as
características próprias das diversas regiões, o que é lastimável. Certamente seria benéfico
injetar, no sul e sudeste brasileiros, maior dose de floresta amazônica que contaminar essa
última com o consumismo e a vacuidade das megalópoles.
Além disso, mesmo se adotada, de forma unitária, a visão farmacológica, não há porque, como
é óbvio, fazer distinção entre a fisiologia do brasileiro do norte e os outros do sul

Há hoje, o “feitio” ou “preparo” (rito de preparação da bebida) já realizado em diversos centros,


sendo idênticas, assim a composição de bebida em todas as entidades. Aquelas que não
realizam a preparação local da bebida, recebem-na, principalmente na região norte do país.

Importante, ainda, é o que diz McRae sobre o que significaria restringir as práticas rituais com
ayahuasca ao interior da floresta: “tal restrição seria equivalente à proscrição dos serviços
religiosos mais importantes das diversas seitas ayahuasqueiras que conforme já foi visto, são e
sempre foram predominantemente urbanas. Essa proscrição acabaria sendo contraproducente,
pois acarretaria no enfraquecimento das estruturas centralizadoras e hierárquicas das seitas
que exercem um papel fundamental no controle do uso do chá. Esse controle, até agora, tem-
se mostrado altamente eficaz, tendo em vista a atuação ordeira e socialmente inofensiva das
diversas seitas.” (21).

A visão holística da Ayahuasca Depreende-se dos elementos colhidos de áreas abrangidas


pela psiquiatria e pela psicofarmacologia que o só enquadramento em frias categorias de
nomenclatura científica é incapaz de responder às dúvidas suscitadas pelo uso brasileiro e, em
especial, urbano da ayahuasca. É preciso repensar a “ordem” de idéias comumente aceita. Há
conceitos intocados, mas não intocáveis que, de fato, constituem-se, muito mais, em
preconceitos, visto que, tantas vezes, são frutos de idéias simplesmente herdadas e aceitas,
sem jamais terem sido submetidas a qualquer análise crítica. Um deles é o que se refere a
alucinógeno e alucinação. Ao se definir, por exemplo, que alucinação é percepção sem objeto,
penetra-se em campo conceptual de extrema dificuldade. Perceber é verbo transitivo direto e
pedirá sempre um objeto. A natureza deste objeto é impossível enfeixar num único modelo
nocional. Tive a oportunidade de dizer, durante a 43ª Reunião Anual da SBPC, que há muitas
histórias de percepção humana. O que, um dia, foi definido como loucura, absurdo, herético ou
fantasioso e, por isso, até condenado à morte e queimado nas fogueiras, hoje integra, muitas
vezes, o quadro das ciências ou doutas formulações doutrinárias. Quem percebe sempre
estará apreendendo parte da realidade, num dos infinitos planos em que ela se desdobra. A
história das percepções é uma história de choques, exaltação e condenação. Mais facilmente
exaltamos aquilo que também nós somos capazes de perceber. E somos pródigos em
condenar, como loucos, aqueles que percebem o que não atingimos.

Exemplo veemente de paroxismo condenatório está simbolizado na “loucura da cruz” que,


entretanto, dividiu os tempos e revolucionou a história.

O que diríamos nós, hoje, de alguém que, como São Francisco, abandonasse o conforto
material e passasse a vestir-se com saco de aniagem, a serviço dos pobres e doentes? Ou de
Bernadette Soubirous, a vidente de Lourdes, que segundo consta, cavava a lama com as
mãos, no local em que deveriam surgir as águas milagrosas? O “diagnóstico” poderia ser algo
menos que loucura?

Toda percepção, portanto, tem objeto. A loucura é a incapacidade de conviver com os


diferentes níveis ou formas de perceber a desafiadora realidade.
Mircea Eliade fala-nos das imagens, símbolos e mitos que, exatamente, são objeto de
experiências estáticas, transcendentes ou metafísicas. Os adjetivos serão sempre insuficientes
para definir tal experiência, que pode ser espontânea ou provocada por inúmeras formas,
registradas na história humana. Mas afirma Eliade (22) que “as imagens, os símbolos e os
mitos não são criações irresponsáveis de psique, mas respondem a uma necessidade e
preenchem uma função: revelar as mais secretas “modalidades do ser”. E continua o acatado
escritor romeno, especialista na história das religiões, demonstrando a falibilidade da
expressão conceptual nesse campo: “se o espírito utiliza imagens para captar a realidade
profunda das coisas, é exatamente porque essa realidade se manifesta de maneira
contraditória, e conseqüentemente não poderia ser expressada por conceitos” (23). “As
imagens têm o poder e a missão de mostrar o que permanece refratário ao conceito” (24).

Interessante são as observações de Stanislav Grof, citado por Fritjof Capra(25) – “um erro
freqüente na prática psiquiátrica contemporânea, conclui Grof, é o de diagnosticar alguém
como psicótico com base no conteúdo de suas experiências. Minhas observações
convenceram-me de que a idéia do que é normal e do que é patológico não deve se basear no
conteúdo ou na natureza das experiências pessoais incomuns, mas sim na maneira como o
indivíduo consegue lidar com elas, e no grau em que é capaz de integrar tais experiências em
sua vida. A integração harmoniosa das experiências transpessoais é decisiva para a saúde
mental.”

É, ainda, Capra quem invoca Bateson ao afirmar que uma das suas principais metas no estudo
da epistemologia “era apontar a inadequação da lógica para descrever os padrões biológicos”
(26) e conclui dizendo: “como o modo transpessoal da consciência em geral transcende o
raciocínio lógico e a análise intelectual, é extremamente difícil, se não impossível, descrevê-lo
em linguagem concreta” (27).

É indispensável, portanto, deixar claro que conceitos sobre a alucinação, delírio, ilusão,
ansiedade e pânico na experiência estática “por mais nítidos que pareçam, só possuem uma
faixa limitada de aplicabilidade”, no pensamento de Werner Heisenberg (28).

A falência conceitual é plenamente compreensível em matéria de experiência extática, pela


mesma razão que leve à impossibilidade de definir o ser. O conceito é sempre limitado por
nossos modelos racionais e pelo circunscrito universo verbal a que estamos jungidos. Ora,
como o ser é o todo, é possível, apenas, falar dele, jamais, entretanto, encerrar o todo no
âmbito limitado das definições.

Assim, os conceitos de alucinação e pânico estão longe de traduzir a realidade desse estados
espirituais. “Entrar em pânico” é expressão integrada à vida de todos nós, assim como
compõem o nosso universo as fantasias, os delírios e as ilusões. Há, porém, um dos
conhecidos “gigantes da alma” que penetra cada uma dessas experiências – o medo. O pânico
nada mais é que a sensação de medo, sem saída. Mas a saída se aprende. Esse aprendizado
- ou iniciação - é progresso. O caminho está sempre diante de nós, com todos os medos. É
preciso aprender a vencê-los, pois eles são inevitáveis. Fugir deles é não progredir, é marcar
passo na estrada. O progresso acontece somente com a passagem e ela exige ruptura.

Diz Eliade(29) sobre a ruptura de níveis que “a estrutura dessas imagens não devem nos
surpreender. Todo simbolismo de transcendência é paradoxal e impossível de se compreender
no plano profano. O símbolo mais usado para expressar a ruptura dos níveis e a penetração no
“outro mundo”, no mundo supra-sensível (seja ele o reino dos mortos ou dos deuses), é a
“passagem difícil”, o “fio da navalha”.

Invoca Eliade, para lembrar outras imagens que apresentam situações aparentemente sem
saída, o Evangelho de S. Mateus (7,14): “Estreita é a porta e apertado o caminho que conduz a
Vida, e como são poucos os que o encontram.”

Lembro aqui o curta metragem - “Ô Xente Pois Não” - dirigido por Joaquim Assis, rodado em
Salgadinho, no agreste pernambucano, quando os camponeses interpretavam o seu próprio
universo. E um deles narra, em seu linguajar próprio, o último tema - Um Sonho: (30)

“Vi um sonho e já vi na vida. Porque tem sonho que a gente vê que num é... é que nem
conversa. Não tem conversa que a gente diz por brincadeira. Mas outros sonhos a gente vê
que é certeza mesmo. E esse sonho pra mim era certo. Era tão certo, que eu entendi ele como
um... um aviso que vinha. Do que eu ia passar na vida. Sempre, sonhava, sempre, sempre.
Depois nunca mais sonhei esse causo.

Quando eu mais novo, eu sonhava muito andando por terras estranhas. Andando em terras
estranhas, entrava em casa grande que não tinha mais tamanho. Sim, uma casa muito grande.
Na viagem mesmo que eu ia, entrava naquela casa sem eu esperar. Parecido que era noite.
Daí por diante ficava lutando para o modo de sair. Ficava assim me jogando sem saber da
saída. Não sabia voltar. Mas que me preocupava sempre, ia numa porta, nem outra, achava
uma fechada... a outra... lutava... ah... Mas sempre, por fim, sempre eu achava uma porta que
dava pra eu sair, que saía fora, nunca fiquei trancado. Eu achava uma saída. Atravessava.”

É preciso aprender a “achar uma saída” e atravessar.

A chamada alucinação é, por muitas vezes, o pretexto para a excomunhão dos que encontram
“a porta” e ousam a passagem.

E, no entanto, anota Contenau,(31) “todas essas plantas cujo objetivo é aumentar o poder
metagnômico do sujeito são alucinatórias”, o que torna mais difícil o exame desapaixonado da
questão, considerada a carga emocional que envolve o termo alucinação, cujo verdadeiro
significado é, praticamente, impossível de traduzir, conceitualmente.

A coleção de termos jurídicos, farmacológicos, botânicos ou psiquiátricos e o enunciado de


formulas químicas são conceitos. E proclama a sabedoria que a vida transborda os conceitos.
Os setenta anos de prática ritual, com a adoção da ayahuasca no Brasil, de forma ordeira e
bem integrada com o meio social, são a própria vida. E as fórmulas e conceitos foram feitos
para a vida, não a vida para eles, num paralelo com a questão bíblica do sábado.

Vale aqui a lembrança do último período do livro de Michel Foucault(32) - A Arqueologia do


Saber: “o discurso não é a vida: o tempo dele não é o seu; nele, vocês não se reconciliaram
com a morte; é possível que vocês tenham matado Deus sob o peso de tudo o que disseram;
mas não pensem que farão, com tudo o que vocês dizem, um homem que viverá mais que ele”.
Todos sabemos que o homem buscou sempre meios que o levassem a, de forma crescente,
superar suas limitações à própria capacidade de conhecer. Não somente os “hippies” mas até
mesmo Tomás de Aquino, ao referir-se à alma (que ali, é importante notar, tem o sentido de
capacidade humana de conhecer), alude às circunstâncias que permitem à mesma alma retrair-
se do corpo, afastar-se da matéria e que facultam surgir este conhecimento que lhe é próprio.
Essas circunstâncias, afirma o Professor João Manoel de Albuquerque Lins, da Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro:

“São, todas elas, ocasiões em que as “ocupações sensíveis” deixam de avassalar o nosso
consciente, permitindo, assim, nos afastarmos do contato imediato com o mundo externo que
nos rodeia. Assim, no De Anima ele se refere aos “dormientibus”, aos que dormem, ao sono
portanto; e aos “alienatis a sensibus”, aos que não estão usando dos sentidos, que estão por
qualquer motivo, alheios aos sentidos; na Suma Contra Gentiles, encontramos de novo,
“dormientes”, os que dormem; “syncopizantibus”, os que sofrem síncopes, desfalecimentos; e
“extasim passis”, os que têm êxtases; e no IV Sententiarum se refere ainda ao sono, “in
dormiendo”, quando do dormindo, e “in excessu mentis”, em êxtase, ou talvez melhor, em
transe.

As mesmas circunstâncias, portanto, às quais a moderna parapsicologia reconhece como


aptíssimas para manifestação da ESP(33) ou Faculdade Psi-Gama.”(34)

(Separata da Revista Verbum. Tomo XXIV - fasc. 2 - junho de 1967 - Universidade Católica -
Rio de Janeiro, pág. 221).

A referência a Tomás de Aquino tem uma única e exclusiva razão: propor a reflexão sobre
estados de percepção a que o homem pode ser levado e que não parecem merecer a definição
de loucura ou insanidade mental, sendo, de resto, no mínimo temerário classificar como ilusão,
devaneio ou fantasia. É extremamente perversa a condenação, sob o estigma de insanidade,
das diferentes experiências transpessoais.

Portanto, a alusão a Tomás de Aquino, obviamente, não objetiva oferecer argumentação para
saber se deve ou não ser usada a ayahuasca mas, repita-se, tem como finalidade demonstrar
que tantas vezes, de forma ligeira, classificamos como alucinação a utilização de faculdades
“que todos possuímos, ao menos radicalmente” (Albuquerque Lins, op. cit. pág. 211). Estes
“conceitos” indiscutidos, intocados, estratificados ao longo das décadas, dificultam o exame do
problema, principalmente quando esses mesmos “conceitos” se associam ao que Anthony
Richard Henman(35) identifica como - textualmente: “ necessidade de uma “guerra total contra
as drogas” que, por sua vez, se baseia na histeria proibicionista que promove a Americam
Drugs Enforcement Administration nos meios de comunicação locais”.

De fato, as perguntas do público em geral sobre o uso da ayahuasca refletem o proibicionismo,


instilado pela sediciosa “guerra” de que fala Henmen. Essas perguntas encobrem, na realidade,
um juízo prévio e condenatório. Gravitam em torno de duas palavras: alucinógeno e culturas. A
ayahuasca é alucinógeno? É possível admitir o seu uso pelo homem da cidade, tendo em vista
as diferentes “culturas”, urbana e rural?

Anota o professor honorário da Faculdade de Filosofia da Universidade Católica de Lyon, Régis


Jolivet, que na sociologia, cultura é “o conjunto das instituições e tradições, dos costumes e
representações coletivas, das crenças e sistemas de valores que caracterizam determinada
sociedade”(36).

Ora, como imaginar a estanqueidade entre as “culturas” vigentes no “Seringal Céu do Mapiá”,
em Rio Branco, no Rio de Janeiro ou em Visconde de Mauá, quando várias vezes por ano os
“romeiros” saem de diversas regiões do Brasil e passam temporadas na selva amazônica, no
“Céu do Mapiá? E onde a tal impermeabilidade de “culturas”, quando se constata que o
“Padrinho Sebastião” hoje falecido) e toda sua família, por seu turno, se demoravam
longamente na comunidade “Céu do Mar”, em São Conrado, na Cidade do Rio de Janeiro? É,
ainda, importante, para o ponto sob exame as “peregrinações” ao “Céu do Mapiá”.

A propósito do decanto choque ou incompatibilidade de “culturas”, vale citar o que diz a


professora Regina Abreu (37):

“Resta, ainda, acrescentar outras considerações à questão que apontamos anteriormente (fl.
14 deste Trabalho), relativa à conversão à Doutrina de segmentos da sociedade urbano-
industrial, fato que gera temores por parte de grupos religiosos, autoridades civis e militares e
setores da sociedade civil. A adoção da Doutrina Santo Daime nas cidades tem,
evidentemente, características peculiares à vida urbana. Não encontraremos, nela, obviamente,
os trabalhos próprios do meio rural, como a caça e a grande agricultura. Mas a conversão à
Doutrina pode levar os convertidos a práticas rituais e de vida que guardem as características
básicas das comunidades religiosas rurais. Há um projeto semelhante nos dois casos. Em
ambas, como diz o antropólogo Dumont, já citado anteriormente, “a ênfase é colocada sobre a
sociedade em seu conjunto, como homem coletivo, o ideal se define pela organização da
sociedade tendo em vista seus fins (e não, os ganhos pessoais); trata-se antes de tudo de
ordem, de hierarquia; cada homem particular deve, pelo seu lado, contribuir para a ordem
global, e a justiça consiste em proporcionar as funções sociais com relação ao conjunto” (cf.
Dumont, Louis, Homo Hierarchicus - Lê Systeme dês Castes et Sés Implications, Paris, Tel
Gallimard, 1966, p.23). Assim, nas cidades, a comunidade se estrutura de tal sorte a suprir,
também, suas necessidades espirituais (adotam a “doutrina”, como prática no meio rural) e
materiais. Essas necessidades materiais são supridas através dos mais variadas lavores
encontrados na sociedade urbana (profissionais liberais, servidores públicos e da iniciativa
privada, políticos, professores, intelectuais, etc.).

De tudo resulta que estas comunidades, do campo ou da cidade, que adotam a “Doutrina do
Santo Daime”, podem parecer, aos olhos de muitos, grupamentos exóticos, mas a convivência
com esta diversidade somente poderá ser enriquecedora para os indivíduos e para a sociedade
como o todo”.

Melhor arremate para o tema não poderia haver que o texto de Claude Lévi - Strauss(38):

“Nenhuma cultura está só; ela é sempre capaz de coligações com outras culturas, e é isto que
lhe permite edificar séries cumulativas. A probabilidade de que, entre essas séries, surja uma
mais longa depende naturalmente da extensão, da duração e da variabilidade do sistema de
coligação. (...) A única fatalidade, a única tara que pode afligir um grupo humano e impedi-lo de
realizar plenamente sua natureza, é a de ser só.”
Se ainda hoje, a proposta de não tratar a questão da ayahuasca no âmbito do direito penal, de
não indexá-la entre as drogas proscritas, é motivo de tanta polêmica, imagine-se há onze anos
atrás. Presentemente, porém, o transcurso de mais de uma década, sem a formação de tráfico
ou cartéis, sem a disseminação de ondas de violência, nascidas do abuso do chá, não obstante
o afastamento da repressão policial, constitui potentíssimo argumento a favor da orientação
adotada pelo CONFEN.

O tratamento sereno da questão, por outro lado, permitiu a liberdade da pesquisa científica.
Temos, agora, o primeiro resultado de investigação biomédica em cooperação multinacional,
publicada, no corrente ano de 1996, no órgão oficial da disciplina de psiquiatria e
psicopatologia da Universidade do Estado do Rio de janeiro - “Informação Psiquiátrica” - com o
título de “Farmacologia Humana da Hoasca, planta alucinógena usada em contexto ritual no
Brasil; I. Efeitos psicológicos”. (39) Participaram dessa investigação, realizada durante o verão
de 1993, pesquisadores de UCLA Medical Center - USA, da Universidade de Kuopio, Finlândia,
do Centro de Estudos Médicos, São Paulo, da Escola Paulista de Medicina e da universidade
de Novo México. Embora não seja viável, no âmbito do presente trabalho, a análise completa
de tão valiosa contribuição que nasceu da iniciativa da UDV por considerar, acertadamente,
como se lê na revista da UERJ, “que conclusões de um estudo científico, objetivo e isento
poderiam ter um valor de proteção no futuro, se mudasse a direção política no Brasil”(40).

A investigação trabalhou com quinze pessoas filiadas, há quinze anos, a entidade usuária da
ayahuasca, e com mais quinze outras, como grupo controle e sem história anterior de ingestão
do chá. Diz a pesquisa: “a presente análise dos dados são, porém, indicações de que o
consumo por longo tempo da hoasca, no contexto cerimonial estruturado da UDV, não parece
exercer um efeito tóxico e de deterioração nas funções neuropsicológicas”(41). No resumo da
pesquisa está dito: “não houve evidência de deterioração cognitiva ou de personalidade nos
usuários da hoasca. De fato a avaliação global revelou status funcional elevado, atribuído pelos
indivíduos ao uso ritual do seu sacramento psicoativo, hoasca”(42).

Por último, o ilustre professor da UERJ e integrante do grupo de pesquisa, Dr. Osvaldo Luiz
Saide, lembra que o uso da ayahuasca é elemento constitutivo do ritual de religiões - a UDV e
o Santo Daime - autenticamente nacionais, “até no seu sincretismo (que é marca de nossa
cultura, como diria Darci Ribeiro)”(43).

Afirmo, com serena convicção, que a procura de uma forma peculiar de percepção,
empreendida pelos usuários da ayahuasca, em suas “sessões” ou “trabalhos”, não pode ser
definida, irrefletidamente, como alucinação, se tomado o termo na acepção de desvario ou
insanidade mental. Houve sim, a constatação de realidade rigorosamente comum a todos eles:
a consciência de expandir as virtualidades individuais e comunitárias, em busca do sagrado e
do autoconhecimento.

Children of a future age,

Reading this indignant page,

Know that in a former time

A path to god was thought a crime.


(adaptado de William Blake, apud “Religion and Psychoactive Sacraments: A bibliographic
Guide”, 1995, de Thomas B. Roberts e Paula Jo Hruby).

Os trabalhos do Autor reunidos nesse texto foram organizados por seu filho Filipe Gialluisi da
Silva Sá.

Notas:

(1) “Lá Cuestión de la Realidad de la Amazônia”. Revista “Amazônia Peruana”. AAAp - Vol. VI -
nº 11 pág. 92 - Lima / Peru

(2) Resposta, de 20/03/1992, a consulta sobre o parecer do Dr. Alberto Furtado Rahde

(3) Trabalho da Professora Regina Abreu - Assessora do Grupo de Trabalho do CONFEN.

(4) Vera Fróes - “Hitória do Povo juramidam” (A Cultura do Santo Daime) - Prêmio Suframa de
História / 83 págs. 41/42

(5) Vera Fróes - op. cit. pág. 43/44

(6) Vera Fróes - op. cit. pág. 120/121

(7) Denise Ferreira da Silva - “Comunicações do ISER” - Ano 5 - nº 1 - págs. 70/71

(8) “União do Vegetal - Hoasca - Fundamentos e Objetivos” - pág. 36

(9) Manchete, nº 1 1941 - de 1º/7/1989, pág. 46

(10) Resposta a consulta - cit.

(11) “Os Sacramentos da Vida e a Vida dos Sacramentos” - Vozes - 2º Ed. - pág. 100

(12) Idem - pág. 75

(13) op. cit. pág. 34

(14) Revista da Associação Brasileira de Psiquiatria Vol. 7 - nº 26 / pág. 100

(15) Relatório Final - pág. 30

(16) “A literatura Alucinada “Atheneu Cultura”” - pág. 71

(17) Relatório Final - pág. 22 - item 29

(18) Jornal do Brasil - 13-01-1991

(19) Anais do 45º Congresso Internacional de Americanistas - Bogotá - 1985 - fl.9

(20) Fritjof Capra - “O Tão da Física” - Cultrix - pág. 50


(21) Resposta, de 20/03/1992, a consulta sobre o parecer do Dr. Alberto Furtado Rahde

(22) M. Eliade - Imagens e Símbolos - Martins Fontes - pág. 8

(23) Idem - pág. 11

(24) Ibidem - pág. 16

(25) F. Capra - Sabedoria incomum - Cultrix - pág. 100

(26) F. Capra - op. cit. pág. 66

(27) Idem - pág. 83

(28) Apud. F. Capra - in O TAO da Física, cit. pág. 30

(29) M. Eliade - op. cit. pág. 80

(30) “O Xente, Pois Não” - FASE - Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional
- RJ

(31) G. Contenau - “La Divination Chez Lês Assiriens et Les Babyloniens” - Payot. Paris - 1940

(32) M. Foucault - Arqueologia do Saber - Vozes - pág. 256

(33) (“ESP” - percepção extra-sensorial)

(34) Separata da Revista Verbum, tomo XXIV, fasc. 2, junho de 1967, Universidade Católica-
RJ, pág. 221

(35) “América Indígena” - Instituto Indigenista Interamericano”, Vol XLVI, Jan/mar/1986 - pág.
221

(36) Jolivet - In. Vocabulário de Filosofia - 1975 - AGIR - pág. 60

(37) Trabalho de assessoria ao GT do CONFEN, cit. pág. 16/17

(38) Claude Lévi Strauss, em “Raça e História”. Raça e Ciência I - ED. Perspectiva - SP. 1970,
págs. 262/263

(39) “Informação Psiquiátrica”, publicação trimestral, vol. 15, nº 2, págs. 39/45

(40) ob. cit. pág. 40

(41) ob. cit. pág. 45

(42) ob. cit. pág. 39

(43) ob. cit. editorial


EFEITOS BIO-QUÍMICOS
Caio Bastos

TEXTO DO TITULO FARMACOLOGIA DO SANTO DAIME E SEUS


EFEITOS BIOQUÍMICOS NO CORPO HUMANO

O Santo Daime é uma bebida conhecida milenarmente pelos povos das américas e foi, durante
todo este período, utilizado de forma sagrada e ritualística por estes povos, porque tem um
grande poder alterador da consciência humana.

Este poder de alterar a consciência permite que o indivíduo que utiliza esta bebida entre num
estado de percepção bastante profunda sobre si mesmo. É uma característica do Santo Daime
propiciar uma viagem para dentro de si mesmo, levando aquele que o utiliza, a níveis muito
profundos de auto-consciência e de auto-entendimento. Assim, esta bebida foi e é conhecida
pelos povos nativos do nosso continente como uma substância enteógena, que significa aquela
que tem Deus dentro (do grego theos, genus). É exatamente por esta razão que sempre foi
utilizada de forma sagrada e ritualística e não poderia ser de outra maneira. É um veículo muito
poderoso que permite um indivíduo se encontrar consigo mesmo de forma bastante profunda.

O Santo Daime é uma bebida obtida através do cozimento em água de duas plantas nativas da
região amazônica: um cipó, de nome científico Banisteriopsis Caapi, conhecido também como
Jagube ou Mariri, e um arbusto da família do café, de nome Psychotria Viridis, conhecido
popularmente como Rainha ou Chacrona. Estas duas plantas contêm, cada uma, substâncias
bioquímicas que, juntas, são complementares porque se encaixam perfeitamente no
funcionamento do sistema nervoso humano de uma forma que é tranqüilamente absorvida pelo
organismo, sem causar qualquer tipo de agressão ou de dependência. A junção destas duas
plantas também traz o perfeito equilíbrio energético do feminino e do masculino, do yin e do
yang, da Lua e do Sol. A Rainha possui uma força evidentemente feminina e é nela onde reside
o poder de visão da bebida, contida numa substância abundante de sua seiva, conhecida como
DMT (dimetiltriptamina), enquanto que no Jagube está a força masculina deste equilíbrio
contida nos alcalóides Harmala (Harmina, Harmalina, Tetrahidroharmina, Harmalol e Harmol,
estes dois últimos em menores concentrações).

Para que possamos entender o funcionamento destas substâncias no corpo humano, é


necessário um conhecimento prévio resumido do funcionamento da área mais nobre do
cérebro humano, que desempenha funções de planejamento de atividades no tempo e é
também responsável pelo foco de atenção que nos permite a concentração necessária para
realizar qualquer tarefa. Esta região cerebral é movida por um neurotransmissor, que é a
molécula que se encaixa entre um neurônio e outro com a finalidade de conduzir estímulos
nervosos através da teia neuronal, chamado Serotonina. Este neurotransmissor é produzido no
interior do cérebro humano e também no trato gastrointestinal. Em um indivíduo normal, sua
produção é obtida através do L-Triptofano, um aminoácido alimentar essencial. Quando um
indivíduo entra num processo depressivo, há deficiência na produção de Serotonina, que pode
ser causada pela falta das substâncias primordiais para a sua produção ou por alguma
deficiência do sistema produtor deste neurotransmissor, sendo que um dos primeiros sintomas
da depressão é justamente uma dificuldade que o indivíduo passa a ter quanto a focar sua
atenção em qualquer tarefar que for realizar. A Serotonina é uma substância que tem uma vida
útil no corpo humano e, uma vez expirado este prazo, ela é metabolizada por uma enzima
também produzida na região gastro intestinal, conhecida como Monoaminoxidase ou MAO.
Esta enzima, quando em ação, regula os níveis de Serotonina no interior do cérebro humano
num indivíduo normal. Ela é liberada no sangue através de mensagens que chegam do cérebro
ao estômago através do nervo pneumogástrico. Existe também um outro mecanismo
neurológico que é responsável pela diminuição dos níveis de Serotonina, que está localizado
no interior do cérebro e é conhecido como Sistema de Recaptação de Serotonina. Este sistema
recapta as moléculas de Serotonina que vagam pelo cérebro e as reencaminha a neurônios
que necessitam de neurotransmissores para cumprir sua função. Assim, todo este mecanismo
garante o funcionamento do sistema nervoso humano, de acordo com o projeto original.

Quando uma pessoa se encontra num estado depressivo e passa por um tratamento
psiquiátrico, ela pode receber a prescrição de algum remédio anti-depressivo, que é um recurso
químico muito utilizado pela medicina convencional nos dias de hoje. Existem algumas drogas
destinadas ao tratamento de depressão que foram desenvolvidas para inibir completamente o
Sistema de Recaptação de Serotonina por um tempo bastante prolongado, e são
potencialmente perigosas de serem utilizadas concomitantemente ao Santo Daime, podendo
gerar uma crise serotoninergética no indivíduo, como veremos mais adiante. As drogas mais
conhecidas que possuem esta característica de inibir o Sistema de Recaptação de Serotonina
são:

- Prozac, - Daforin, - Eufor, - Verotina ou - qualquer outra droga que contenha Fluoxetina.

No entanto, a química destas drogas foi posteriormente redesenvolvida e gerou outros


remédios psiquiátricos mais modernos (por exemplo, a Sertralina e a Paroxetina), que realizam
a inibição da MAO e não interferem mais no Sistema de Recaptação de Serotonina. Estes
remédios psiquiátricos mais modernos podem ser utilizados juntamente com o Santo Daime,
sem oferecer nenhum risco ao paciente. De qualquer maneira, é fortemente recomendado que
a pessoa que utiliza qualquer droga psiquiátrica passe por uma avaliação médica antes de
utilizar o Santo Daime.

A função das drogas psiquiátricas é a de aumentar artificialmente os níveis de Serotonina no


cérebro, impedindo que os sintomas da depressão apareçam. No caso do paciente depressivo
suspender o uso da droga, os sintomas da depressão voltam a aparecer se o seu corpo ainda
possuir a mesma deficiência na produção de Serotonina que o levou ao tratamento médico.

O Santo Daime, como já foi dito, possui duas classes de substâncias que geram os seus
efeitos psicoativos: a DMT, contida nas folhas da Rainha, e os alcalóides Harmala, contidos no
cipó Jagube, em maior concentração na sua casca.

Dentro da alquimia da natureza, de forma exatamente igual, a DMT também é produzida pelo
corpo humano, em quantidades bem pequenas, e alguns estudos científicos ainda não
totalmente comprovados apontam no sentido de estar ligada às visões coloridas que temos nos
sonhos quando dormimos. Algumas pessoas desenvolvidas mediunicamente também já foram
estudadas na sua bioquímica por cientistas, onde houve constatações de que há, nestas
pessoas, uma quantidade maior de DMT do que em indivíduos que não passaram pelo
processo de desenvolvimento destas faculdades espirituais. Portanto, bioquimicamente
falando, a DMT também é a chave que liga o ser humano ao mundo espiritual. Ela é a molécula
que pode dar aos homens a visão do mundo espiritual. Por outro lado, quimicamente, a
molécula da DMT é virtualmente idêntica à molécula da Serotonina, com algumas pequenas
diferenças. Isto significa que ela se encaixa perfeitamente nos mesmos neurônios que utilizam
a Serotonina como meio de transmitir estímulos nervosos a outros neurônios. Assim, um
indivíduo sob o efeito de um aumento considerável na quantidade de DMT no cérebro, terá
uma abertura da sua visão espiritual, ou do que os orientais chamavam de terceiro olho. Em
outras palavras, a DMT é uma janela para o mundo espiritual. E como esta molécula ativa
neurônios no cérebro, em grandes quantidades ela se espalha por regiões cerebrais que fazem
parte da parcela inconsciente humana, ou seja, permite ao indivíduo que, sob o seu efeito, faça
uma “viagem” ao seu inconsciente, que amplie o conhecimento de si mesmo, que traga este
conhecimento para o lado consciente, despertando faculdades que, muitas vezes, nem sabia
que possuía.

Mas existe uma pré-condição para que a DMT possa penetrar na corrente sangüínea por via
oral, o que não acontece num chá que contenha somente DMT, porque no próprio estômago é
produzida a enzima MAO que metaboliza a Serotonina e também sua molécula gêmea. Para
que a DMT não seja metabolizada diretamente no estômago e consiga penetrar na corrente
sangüínea, há necessidade de que a produção de MAO seja suspensa temporariamente, efeito
este que é obtido pela presença no chá dos alcalóides Harmala, contidos no cipó Jagube. Em
outras palavras, é o cipó que abre o caminho para que a DMT da folha entre na corrente
sangüínea pela via oral. Também os alcalóides Harmala têm um efeito psicoativo devido à
inibição, desta vez parcial, do funcionamento do Sistema de Recaptação de Serotonina contido
no interior do cérebro humano. Isso resulta num aumento dos níveis de Serotonina no cérebro
de um indivíduo quando este está sob o efeito do Santo Daime. Este resultado é perfeitamente
perceptível através do aumento da capacidade de concentração e de atenção que o indivíduo
sente quando está sob o efeito da bebida. Este efeito de melhora na concentração e na
capacidade cognitiva de uma pessoa perdura e se consolida de forma crescente conforme
exista uma continuidade e uma constância no consumo do Santo Daime na sua vida. Há
também uma imunidade adquirida, por indivíduos que consomem o Santo Daime durante
muitos anos, a doenças degenerativas do sistema nervoso central. Este é um fato que já foi
comprovado por uma comissão de cientistas que estudou membros na União do Vegetal
durante a década de 1980.

Há ainda alguns efeitos secundários que o Santo Daime pode provocar num indivíduo, devido
às substâncias que contém. O primeiro é o efeito purgante provocado pelo cipó, que muito foi
explorado pelos povos nativos na sua história para limpeza orgânica e curas pela
desintoxicação. Este efeito não acontece sempre e nem em todos os indivíduos que utilizam o
Santo Daime. Do ponto de vista bioquímico, o segundo é o efeito do vômito, que pode ser
provocado pelo excesso de mensagens enviadas do cérebro ao estômago, através do nervo
pneumogástrico, para que haja produção de MAO para baixar os níveis de Serotonina em alta
no sistema nervoso central. Como o sistema produtor de MAO é inibido temporariamente pelos
alcalóides Harmala do cipó Jagube, estas mensagens não surtem efeito e o seu excesso e
constância podem provocar náuseas. Como os alcalóides Harmala também inibem
parcialmente o Sistema de Recaptação de Serotonina no interior do cérebro, este sistema volta
a funcionar sozinho conforme os níveis de Serotonina aumentam, sem depender da produção
da MAO, regulando assim a bioquímica do cérebro sem risco de se chegar a um estado tóxico
que uma síndrome serotoninergética traria. Uma síndrome de excesso de Serotonina no
cérebro pode acontecer apenas se houver inibição total da produção de MAO
concomitantemente a uma inibição também total do Sistema de Recaptação de Setoronina.
Isso pode acontecer se o indivíduo estiver utilizando uma droga psiquiátrica que iniba
totalmente o funcionamento do Sistema de Recaptação de Setoronina e, ao mesmo tempo,
ingerir o Santo Daime, que inibe completamente o sistema produtor de MAO. Neste caso, o
cérebro perderia temporariamente todos os mecanismos de controle dos níveis de Serotonina
no cérebro, podendo conduzir o sistema neurológico a um estado tóxico com perigo de morte.
É exatamente por isso que há necessidade de uma atenção especial e acompanhamento
médico a todos os indivíduos sob tratamento psiquiátrico que pretendem tomar o Santo Daime.
É necessário que se verifique antecipadamente o tipo do anti-depressivo que está sendo
utilizado e, no caso de ser uma droga que ofereça este tipo de risco, deve ser suspensa a sua
utilização ou ser substituída por outra compatível a se utilizar concomitantemente ao Santo
Daime. Sob orientação médica, o Santo Daime, por si só, pode servir como um anti-depressivo
natural, pois chega aos mesmos resultados bioquímicos de algumas drogas utilizadas pela
psiquiatria tradicional para tratamento de pessoas depressivas, sem nenhum tipo de efeito
colateral.

Do ponto de vista espiritual, é muito claro que, tanto o efeito purgativo quanto o vômito, são
efeitos diretamente ligados a uma limpeza energética que a bebida realiza no indivíduo. O
Santo Daime possui a capacidade espiritual de expulsar toda e qualquer energia de
desarmonia e perturbação de uma pessoa através do vômito ou da diarréia, que normalmente
são seguidos de uma sensação de alívio e conforto muito grandes após qualquer dos
processos de limpeza. Também conforme a continuidade e a constância do consumo do Santo
Daime, normalmente é observado que os processos de limpeza, numa pessoa, diminuem de
intensidade e de freqüência com o passar do tempo.

A absorção de todas as substâncias contidas no Santo Daime pelo organismo humano é feita
de forma absolutamente natural, sem trazer prejuízos à saúde e nem apresentar qualquer
efeito de dependência à bebida. Isto também foi objeto da pesquisa científica que apoiou o
parecer favorável à liberação oficial na forma da lei do uso religioso do Santo Daime no Brasil,
dado pelo antigo Conselho Federal de Entorpecentes (CONFEN) e consolidado pelo atual
Conselho Nacional Anti-Drogas (CONAD). Este parecer favorável foi dado pelas autoridades
brasileiras após ser formada uma comissão multi-disciplinar composta de cientistas, médicos,
psicólogos, psiquiatras, antropólogos, biólogos, historiadores, sociólogos, membros da polícia
federal e do exército, que analisou o Santo Daime em todo o seu contexto, desde seu conteúdo
químico, suas implicações psiquiátricas até o ambiente social que o envolve. Este estudo foi
feito durante alguns anos na década de 1980 e gerou um relatório final que suspendeu o DMT
do DIMED, uma lista de substâncias proibidas, publicada inicialmente sob orientação da ONU.
Com esta suspensão, o Santo Daime passou a ser reconhecido pela lei brasileira como uma
legítima manifestação dos costumes dos povos nativos do Brasil, onde há mais de 70 tribos
indígenas que fazem uso em suas tradições, respeitando assim uma herança cultural que
perdura há mais de 4 mil anos.

Caio Bastos Céu da Lua Cheia 24/08/2005

FARMACOLOGIA
Pedro Fernandes Leite da Luz
Botânica, Química e Farmacologia

Entre as inúmeras plantas utilizadas como enteógenos nas Américas destaca-se aquela que
será aqui estudada: o cipó Banisteriopsis caapi da família Malpighiaceae, cuja descrição em
Pio Corrêa (1926:351) é a seguinte: “Arbusto de ramos estriados e folhas bi-glanduloso-
pecioladas, ovadas ou ovado-lanceoladas, agudo-cuspidadas, fuscecentes, glabras; flores
dispostas em amplas panículas pyramidaes constituídas por corymbos umbelliformes, fructo
samara alada, pilosa.”

Richard Spruce, jovem botânico inglês, foi o primeiro a descrever a planta, que conheceu em
1852, na localidade de Urubú-coára. Apesar das referências prévias ao uso indígena desta
espécie feitas por missionários, Chantre no final do século XVII, Magnin em 1740, e por
inúmeros viajantes estrangeiros (ver Schultes 1986), foi Spruce quem primeiro coletou e fez a
identificação botânica da planta em questão. Encontrando-se naquela localidade acima
referida, durante uma festa de Dabacuri, foi convidado a ingerir a bebida elaborada a partir do
Banisteriopsis caapi. Indagando sobre a origem de tal beberagem, teve a sorte de ser
apresentado à planta em flor e contendo já alguns frutos, fato este que possibilitou sua correta
identificação. A partir de então a ciência ocidental passou a se interessar e a estudar aquela
que de há muito já era utilizada pelos povos do noroeste amazônico.

Em recente revisão da matéria, Gates (ver Ott 1994:15-16) relaciona as seguintes espécies da
família Malpighiaceae como sendo base de bebida de caráter enteógeno: Banisteriopsis caapi,
Banisteriopsis longialata, Banisteriopsis lutea, Banisteriopsis martiniana var. subenervia,
Banisteriopsis muricata, Callaeum antifebrile, Lophantera lactescens, Tetrapterys mucronata,
Tetrapterys methystica. De longe a mais usada e apreciada é a Banisteriopsis caapi, sendo as
outras espécies do gênero consideradas substitutos quando esta não está disponível. A
espécie Callaeum antifebrile é considerada mais como uma planta aditiva do que como base da
bebida . Quanto à Lophantera lactescens, os indícios de seu uso são tênues (Schultes
1986:10-39), ao passo que a Tetrapterys methystica é usada exclusivamente pelos índios Maku
(Schultes 1986:10-39) e a espécie Tetrapterys mucronata parece ter seu uso restrito aos índios
Karapanã (Ott 1994:16). À parte o uso como enteógeno, outras espécies do mesmo gênero
têm uso cultural: na etnomedicina, a Banisteriopsis argyrophilla, usada para tratar “doenças de
crianças” no Brasil; e na magia, a Banisteriopsis lucida, usada em encantações para atrair a
pesca na Venezuela. Aquelas espécies usadas com o fito de alterar a consciência possuem
todas alcalóides do tipo Beta-carbolinas.

O estudo fitoquímico da Banisteriopis caapi teve início no começo deste século, quando, em
1905, o farmacêutico Colombiano Rafael Zerda Bayon isolou, a partir de uma amostra de Yagé,
um alcalóide por ele chamado de Telepatina, devido às propriedades supostamente telepáticas
da bebida. Em 1924, H. Seil e E. Putt apresentaram trabalho dizendo terem encontrado três
alcalóides em amostras de Banisteriopsis caapi (na época chamada Banisteria caapi). Em
1925, A. M. Barriga Villalba, químico colombiano, reportou a presença de dois alcalóides por
ele chamados de Yajeína e Yajenina, também mencionados em trabalho do químico da
Colômbia L. Albarracin, no mesmo ano. Em 1927, E. Perrot e Raymond-Hanet reportaram a
equivalência entre a Telepatina e a Yajeína. No entanto, no ano seguinte, Louis Lewin descreve
o alcalóide por ele chamado de Banisterina em amostras de Banisteriospsis caapi. Em 1928, a
confusão começa a ser desfeita quando K. Rumpf e O. Wolfes demonstram a identidade dos
alcalóides chamados Yajeína, Telepatina e Banisterina com a já conhecida Harmina.
Finalmente, em 1939, os químicos A.L. e K.K. Chen demonstraram definitivamente a identidade
da Telepatina, Yajeína e Banisterina com o alcalóide já conhecido desde 1847, a partir do
trabalho de J. Fritzche, como Harmina. Este último foi isolado pela primeira vez a partir das
sementes do arbusto Peganum harmala, uma Zigophilliacea. Esta última planta é considerada
por alguns autores como sendo a “sarça ardente” que teria provocado a visão de Moisés, e
ainda como sendo o Soma dos hindus (Flattery e Schwartz 1989 citados em Ott 1993:202-204).

O principal efeito deste alcalóide é inibir a ação da Monoamina-oxidase (MAO), uma enzima
que ocorre naturalmente no corpo humano, em vários tecidos como o fígado, cérebro, intestino,
plasma sangüíneo, coração e garganta, e que tem por função inativar as monoaminas
produzidas endogenamente, como a Serotonina, a Dopamina e a Norepinefrina, todas
neurotransmissores (McKenna 1984:203-204).

Embora os alcalóides presentes na Banisteriopsis caapi sejam psicoativos sozinhos, em todas


as amostras da bebida pronta até hoje testadas nunca se verificou a dose mínima (500 mg)
necessária para tal (McKenna 1984:207, Ott 1994:41); devendo os efeitos da bebida serem
antes creditados aos alcalóides das principais plantas aditivas: Diplopteris cabrerana e
Psychotria viridis, notadamente a N,N-Dimethyltriptamina, cuja estrutura química é muito
semelhante à Serotonina, o que caracteriza esse alcalóide como neurobloqueador, ativando os
receptores da Serotonina e desencadeando os efeitos típicos da N,N-DMT.

Sabe-se que a N,N-Dimethyltriptamina é inativa oralmente devido à ação da MAO; sendo a


Harmina e a Harmalina, bem como os outros alcalóides do tipo Beta-carbolinas, inibidores da
MAO, é extremamente feliz a combinação desses alcalóides. De fato verificam-se que bastam
120 mg de Harmina para tornarem ativos oralmente 30 mg da N,N-DMT, suficientes para
desencadear o efeito enteógeno destas substâncias. A média verificada em 16 diferentes
amostras de uma dose típica da bebida preparada, 75 ml, é de 158 mg para a Harmina e 29 mg
para a N,N-DMT (McKenna 1984:207, Ott 1994:40-41). Ressaltamos no entanto que a
Banisteriopsis caapi é usada também sozinha em infusões frias, como enema, sendo ainda
mascada, inalada e fumada (Ott 1994:17-19).

CONEXÃO ALIENÍGENA
Tikun - Ricardo Thoni

A CONEXÃO AYAHUASCA - ALIENÍGENA

O Texto a seguir foi traduzido a partir do original: The Ayahuasca - Alien Connection

Texto extraído de: Visões da Ayahuasca - A Iconografia religiosa de um Shaman Peruano

Sobre as Visões - Algumas iconografias de maior importância:

Naves Espaciais
O tema das naves espaciais tem grande importância
nas visões de Pablo. Como logo vimos, quando a curandeira que curou sua irmã deu-lhe
ayahuasca, Pablo viu um imenso disco voador fazendo um tremendo zumbido que o deixou em
pânico. Don Manuel Amaringo, o irmão mais velho de Pablo, tem uma história similar. Ele me
contou - com lágrimas em seus olhos - que o principal ícaro (canção de poder) que ele utilizou
para curar muitas pessoas, ele o aprendeu de uma fada chamada " Altos Cielos Nieves
Tenebrosas", que veio em uma nave espacial azul.

Ela me perguntou: você quer ouvir minha música? Ela cantou e aquela música permaneceu em
meu coração.

A despeito da freqüência com que Pablo descreve naves espaciais, ele é espaçado em seus
comentários sobre elas. Pablo diz que estes veículos podem ter diversos formatos, são
capazes de atingir velocidade infinita, e podem mover-se debaixo d'água e dentro da terra. Os
seres que viajam nelas são como espíritos, tem corpos mais sutis do que os nossos, aparecem
e desaparecem. Eles pertencem a uma avançada civilização extraterrestre, a qual vive em
perfeita harmonia. Grandes civilizações ameríndias como a Maya, Tiahuanaco e a Inca
contataram estes seres. Pablo disse que viu em suas jornadas com ayahuasca que os Mayas
sabiam sobre esta mistura (com seu povo), e que eles vieram de outros mundos em vários
momentos de sua história, mas que estão prontos para retornar para este planeta.

De fato, ele disse que muitos dos objetos voadores vistos por pessoas hoje são pilotados por
peritos mayas.[1]

Os extraterrestres estão em contato com os nina-runas (povo do fogo) que vivem no interior
dos vulcões. Eles se comunicam telepaticamente com os outros. Sob o efeito da ayahuasca,
pode-se ver estes seres e seus veículos, mas poucos vegetalistas atualmente tem contato com
eles, apenas alguns escolhidos, a quem os extraterrestres ensinam canções de poder e
fornecem informações para ajudar a curar seus pacientes.

A antropóloga francesa Francoise Barbira-Freedman, quem fez um extenso trabalho sobre a


Lamista(?) da província de S. Martin, contou-me que entre seus informantes shamans,
avistamentos de espaçonaves através da ayahuasca são comuns. Quando eu visitei D. Manuel
Shuna, o tio de Pablo, um vegetalista com mais de 90 anos, eu lhe mostrei várias fotos das
pinturas de Pablo. Apontando para o disco voador em uma das fotos, ele me disse excitado,
quase estressado, que nos últimos dois anos ele vinha sendo assombrado por seres que saíam
de máquinas como aquela. Ele disse que aqueles seres pairavam levemente sobre a superfície
da água. D. Manuel descreveu aquelas máquinas como tendo aproximadamente 50 metros de
comprimento, com luzes que tornavam a noite clara como o dia. Quando paravam, nunca
tocavam a superfície da água, mas permaneciam suspensos no ar. Algumas vezes os seres
que estavam a bordo destas máquinas derrubavam algumas árvores e as levavam todas de
uma vez com eles. Dom Manuel disse: Eles sabem quando eu estou bebendo ayahuasca. Eles
vem e cantam (me ensinam) todos os tipos de canções e os ícaros (chamadas ou canções de
poder) que eu canto. Eles também sabem como orar. Eles querem ser meus amigos, porque
existem coisas que estes seres não sabem. Eles querem me levar com eles, mas eu não quero
ir, porque estas pessoas comem uns aos outros. Eles me apavoram por moverem terra, ou ao
derrubarem grandes árvores. Eles quase me enlouqueceram. Mas eles não demoraram a ir
embora, porque eu assoprei tabaco neles.

Está claro que é muito difícil saber o que fazer com este tipo de relato. Parece que os shamans
estão constantemente se apropriando de quaisquer inovações que vêem ou ouvem, usando-as
em suas visões como metáforas vivas para ir além na exploração das esferas espirituais, para
aumentar seus conhecimentos, ou para se defenderem de um ataque sobrenatural. Os
shamans de Shipibo recebem livros em suas visões, nos quais podem ler a condição de seus
pacientes, recebem espíritos farmacêuticos, ou viajam em naves com um sugestivo design
geométrico para o fundo dos lagos para recuperar a alma de seus pacientes (Gebhart-Sayer
1985:168,172:1986:205;1987:240). Canelos Quichua recebeu dos espíritos máquinas X-ray,
aparelhagem de pressão sangüínea, estetoscópio, e um conjunto brilhante de luzes cirúrgicas.
Um shaman Campa aculturado usa em suas curas um rádio para se comunicar com os
espíritos da água (Chevalier 1982:352-3). Os Shamans de Shuar, que adquiriram de várias
plantas, animais, pedras, ou outros objetos, flechas mágicas para curar ou se defenderem,
também recuperaram um witrur (vitrola em espanhol, fonógrafo) (Pellizzaro 1976:23. 249); Don
Alejandro Varquez, um vegetalista que vive em Iquitos, contou-me que além de anjos com
espadas e soldados com armas, ele recebeu um jato que usa quando é atacado por feiticeiros
fortes (Luna 1986:93: veja também Pellizzaro 1976:47); Dom Fidel Mosombite, um hoasqueiro
de Pucallpa, contou-me que em suas visões ele recebeu chaves mágicas, que o habilitaram a
dirigir carros e naves de diferentes tipos.
Voar é o tema mais comum do shamanismo em qualquer lugar. O shaman pode se transformar
em um pássaro, inseto, ou em um ser alado, ou ser levado por um animal ou outro ser para
outras esferas (realidades). Os shamans contemporâneos às vezes usam metáforas baseadas
em invocações modernas para expressar a idéia de voar. Desta maneira, não é estranho que o
tema UFO, o qual é parte do imaginário moderno - talvez, como proposto por Jung (1959), seja
uma expressão arquetípica dos nossos tempos - é usado pelos shamans como um dispositivo
de transporte espiritual para outros mundos. Os discos voadores, seres extraterrestres, e
civilizações intergaláticas que aparecem nas pinturas de Pablo, não devem necessariamente
ser considerados incomuns ou estranhos para o shamanismo amazônico; eles podem ser
manifestações de temas antigos. Descrições de jornadas shamanicas sob a influência da
ayahuasca e outras plantas psicoativas, mesmo entre as tribos amazônicas isoladas,
freqüentemente incluem a idéia do shaman ascendendo ao céu para se juntar aos seres
celestiais ou, ao contrário, seres celestiais descendo ao lugar da cerimônia.[2]

Mbos Valle (1979) e Meheust (1988) notaram o paralelismo que pode ser encontrado entre
temas folclóricos, jornadas shamanicas, e abduções por discos voadores. Como em outras
partes do mundo hoje, a Amazônia é constantemente bombardeada por novas imagens
exóticas e símbolos que rapidamente se misturam à crença tradicional

Entretanto, a conexão entre UFOs e tryptamina foi anotada por Terence Mckenna, quem
averiguou por pesquisas que o contato com UFOs é o tema mais freqüente mencionado por
pessoas que tiveram experiências com psilocybin, usando 15-miligramas, dose suficiente para
trazer à tona o potencial dos efeitos psicodélicos (cf. Mckenn 1984, 1989). Eu tenho escutado
relatos semelhantes dos caboclos que beberam ayahuasca, Psilocybin cubensis (cogumelos),
ou dimethyltryptamina pura. Como Valle (1979:209-10) anotou, os UFOs são manifestações
físicas que não podem ser entendidas fora de sua realidade psíquica e simbólica. O tema UFO
é um assunto que não pode ser negligenciado pelos antropologistas cognitivos, psicólogos e
pessoas interessadas na mitologia do homem moderno.

Notas
[1] Uma idéia similar foi descrita pela antropóloga alemã Angelika Gebhart-Sayer. Em 1981,
enquanto realizava trabalho de campo em Caimito, uma pequena localidade ao longo do Rio
Ucayali, na amazônia peruana, seus amigos índios afligiram-se com um estranho fenômeno de
luzes nas montanhas, e que eles interpretaram como uma nova tática das pessoas brancas
para penetrar em seu território tribal. Quando eles se aproximaram, as luzes desapareceram.
Gebhart-Sayer disse Ter visto inexplicáveis luzes amarelas se movendo a 400 metros de
distância e a um metro do chão. Ela não encontrou nenhuma explicação lógica para o que viu.
Joe Santos, o shaman, acalmou as pessoas, explicando que nas visões proporcionadas pela
ayahuasca ele entendeu o que era aquilo: um aeroplano dourado com grandes lâmpadas e
uma bela decoração. O piloto, um distinto inca. Às vezes, ele vestia as roupas modernas das
pessoas brancas, às vezes uma preciosa cushma inca (tradicional vestimenta masculina). Nós
saudamos os outros, mas não falamos, porque nós conhecíamos seus pensamentos. Então ele
se afastou. Entretanto, o momento não é adequado para ele falar. Os incas querem aliar-se
com eles, para poder derrotar os brancos e mestiços, e estabelecerem um grande império no
qual nós viveremos sua vida tradicional, e possuiremos as comodidades incas e brancas. O
tempo chegará em breve, no qual ele trará surpresas e orientações.

[2] Um interessante exemplo da cosmologia Cuna foi relatado por Gomez: as estrelas são luzes
de um nível de habitações (mundos) da natureza, que é intermediário entre corpos sólidos e o
ar. Aquelas moradas são habitadas por belas mulheres que à noite vestem roupas de tecidos
brilhantes, acessos por lâmpadas, semelhantes àquelas das pessoas brancas. Elas se
reproduzem por meio de “Paptummatti” (literalmente, o Grande Pai) sem a intervenção de
homens, sempre dando a luz à mulheres. Elas se movem de uma casa para outras por meio de
naves douradas com as quais também viajam a outros mundos, ocasionalmente descendo a
algum deles para transportar em seus veículos aquelas pessoas merecedoras de um favor
divino.

O autor adicionou a seguinte nota:

Na mitologia de Cuna, existem numerosas referências a estes discos voadores em suas


narrações sobre heróis da cultura. Esta nação entrou para o folclore, e descrições destas naves
ocorrem diariamente.

AYAHUASCA - A BEBIDA SAGRADA (IRMÃOS DE ÓRION -


MENSAGEM RECEBIDA EM 01/08/99.)

Ayahuasca: Comunhão do ser interno com o universal: Deus


Ayahuasca: (Shiva) Transformador de corações
Ayahuasca: Morte do ego
Ayahuasca: Descoberta do Ser universal
Ayahuasca: Deus dentro de nós

Vem poderoso ser, eu me rendo ao amor de Deus e vou a Ele através de mim mesmo, me
transformo em luz e não estou em lugar algum, e estou em tudo.

Os Benefícios Proporcionados Pela Bebida Sacramental Ayahuasca:

A polêmica entorno da bebida ayahuasca se dá devido à falta da vivência da experiência divina.

Pessoas de pouca fé comentam a respeito de experiências que não vivenciaram, observando o


contexto de conceitos estabelecidos por uma vida conduzida pela ilusão. É possível que estas
pessoas tenham tido até algumas experiências com a ayahuasca, porém, não existiu senão o
confronto com a vibração em que estavam, o que nem sempre é gradável.

A experiência em Deus depende do ser em si, a ampliação consciencial, bem como o trabalho
diário pelo amor através da devoção, pode trazer ao ser um estado de iluminação por diversos
meios, como por exemplo através da meditação.

Somente pessoas que passaram por experiências divinas com o uso da ayahuasca é que
podem conhecer o valor da experiência e desta bebida. Na verdade, muitos seres precisam de
mais tempo para reconhecer o valor da utilização este veículo de ascensão consciencial.

Existe a necessidade do chá ayahuasca? Não há necessidade obrigatória da utilização de


plantas de poder, mas sim, da energia necessária às transformações necessárias à experiência
divina, com a abertura consciencial que é proporcionada rapidamente ao ser com a utilização
da ayahuasca, ele pode mais rapidamente se adaptar e se conduzir para a experiência divina,
o contato com o sagrado ser que habita nosso interior e tudo que existe.

A ayahuasca proporciona a abertura necessária à ampliação consciencial que nos leva a


perceber a presença divina. É claro que cada qual deve perceber a necessidade do contato
divino e o caminho que melhor se adapta às suas relações consigo e com o Todo. O samadhi
descrito pelos iogues é conseguido através de práticas que acumulam energias, alguns xamãs
usam a água e suas energias para obter esse contato, o tantra utiliza a energia sexual, alguns
exercícios podem, se praticados com perfeição e dedicação, levar à abertura de nosso ser. A
planta de poder fornece ao ser a energia necessária para a comunhão com o Pai-Mãe Amado.

É necessário a correta condução da energia para que se chegue onde se quer, pois o ser pode
simplesmente utilizar a energia para tolices e futilidades e, desta maneira, o contato divino é
adiado até que o ser decida-se a buscar a Deus.

A polêmica é justamente gerada pelos seres que, fazendo uso da ayahuasca, não conduzem
energia com intenção em Deus e deparam-se com os seres que se alimentam das energias
perdidas nas trilhas incertas da ilusão. Infelizmente, somente alguns enxergam a necessidade
de mudar esta conduta e identificar-se com as leis divinas que regem o universo.

Os manipuladores que mantém o véu da ilusão se utilizam de alguns meios através dos quais
tentam conduzir as atitudes das pessoas, a sociedade atual é comandada pela ilusão, através
da conduta considerada apropriada (falsos padrões comportamentais já arraigados), a qual na
verdade nos leva à perda da energia necessária à nossa busca do divino. Os manipuladores
tem nos meios de comunicação seu maior instrumento de manipulação, sendo que, nem
sempre é tarefa fácil perceber que os artifícios usados por eles tentam nos aproximar mais do
mutável e perecível, afastando-nos do real e eterno. As pessoas agem mais seguindo aquilo
que comanda a atual fase social que os manipuladores projetam na sociedade, como por
exemplo a sensualidade, os jogos de paixões e conquistas, o misticismo que é a falsa busca de
Deus, etc.

Para se entender um caminho dármico* é necessário almejar a conduta reta, seja ela
conduzida por meio de plantas de poder ou não. A grande conquista que sentimos ao trilhar o
caminho da planta de poder é a ampliação energética de nossas capacidades, o que nos leva
rapidamente a perceber os defeitos de nossa personalidade, criados a partir da identificação
com o meio em que vivemos, com o mutável, para, então, transformá-los e viver a experiência
divina.

Por que o chá ayahuasca pode nos iluminar? Primeiramente a utilização do chá abrange três
aspectos: a limpeza, a energização e a elevação.

A limpeza: existem seres que podem passar existências inteiras somente neste item, que é
relacionado com a mudança de atitudes. Primeiramente existe uma necessidade de livrar o
corpo de toxinas ingeridas pela alimentação inadequada, pelo fumo, ácool, drogas, etc. O corpo
tratará de expurgar estas impurezas, mesmo que por meio de sofrimento, no caso de
persistência no erro. Então, surge da consciência a necessidade de mudar atitudes que
identificam-se com o mutável irreal, a ilusão, mostrando a necessidade de transformação. A
mudança energética é a libertação, assim, a limpeza proporciona uma vida mais tranqüila e
feliz.

A energização: a energização é feita quando os chakras estão livres das paixões e vícios do
mundo dual, pois só assim a energia permanecerá, e caso contrário, ela se esvai com
pensamentos e ações ilusórias. Quando os sete chakras giram cheios de energia, a essência
liga-se ao Pai-Mãe Amado, atingindo a elevação que é a experiência divina. Este contato
renova o ser e o ensina pela sabedoria infinita que se faz presente em cada célula física, astral
e essencial que existe no ser.

A presença de ayahuasca nos oferece a energia necessária para a limpeza, energização e


elevação, basta que queiramos o certo, o caminho que leva a Deus.

Benefícios Espirituais Proporcionados Pela Ayahuasca:

O coração é o caminho onde encontrarás a margem do rio que te levará ao mar do infinito.

Quando por meio da concentração atingirmos a capacidade de agir energeticamente, nos


transportando e atuando nos âmbitos que desejamos, realizaremos através da capacidade
espiritual, sem que o corpo seja responsável por essa atitude, estaremos poupando em muito o
tempo da nossa encarnação.

Exemplo: Para visitarmos alguém a quem precisamos ajudar, precisamos de um meio de


locomoção e tempo para nos encaminhar até o local em que a pessoa se encontra, caso ela
nos receba, existe uma chance de ajudá-la. Através da concentração podemos mentalmente
enviar a ela nossa vibração harmônica, o que ajuda mais do que qualquer palavra. Podemos
ainda desenvolver a capacidade de projeção e atuar junto à pessoa em nível astral.

Através da ayahuasca, você pode inteirar sua vida mais rapidamente ao poder divino e
aprender a libertar-se de karmas e, ao ouvir seu coração, andará no caminho dármico. A
ayahuasca fornece a energia necessária ao aprendizado de si mesmo e o espírito da verdade
clareia no caminho a ser seguido quando usado em contexto religioso, por isso, destacamos a
necessidade da condução da experiência pelo discernimento e pelo amor.

Perceba quando suas energias se concentram na evolução ou quando são apenas sugadas
por coisas inúteis que ocupam seu pensamento, e saiba se conduzir evitando as pedras do
caminho. Quem utiliza energia de maneira errada terá de responder por isso e devolver em
igual intensidade, desta maneira, podemos nos libertar de karma ou gerar muito karma.

Benefícios Físicos Proporcionados Pela Ayahuasca:

Esta energia poderosa circula por nossas células, revigorando nossos corpos físico e astral.
Todo benefício espiritual está intimamente ligado ao benefício material, porque ação gera
reação, as doenças só existem em conseqüência de nossas atitudes, quando estas seguem as
leis divinas, nós nos identificamos com darma, e nos libertamos de karma, que é gerador de
doenças.

Os milagres ocorrem do eterno ao mutável, quando o espírito aprende suas lições, ele se
identifica com darma, e não há necessidade de aprendizado pelo karma, pois o ser já sabe
identificar-se com o imutável.

Uma mente mais saudável e equilibrada surge quando o caminho dármico é seguido, gerando
saúde em todas as áreas de nosso ser.

O espírito são gera corpos sãos, a cada defeito que vencemos, ganhamos saúde, energia e
equilíbrio.

Benefícios Mentais Proporcionados Pela Ayahuasca:

A mente sã é aquela que equilibra a atuação dos seres nos mundos físico e astral, a mente não
é a essência, mas sim um instrumento do crescimento da mesma.

Através da mente controlamos a energia que flui de um nível a outro, quando abusamos do
poder mental levados pela inquietação e insatisfação, somos conduzidos ao desequilíbrio pelas
forças ocultas negativas, que se alimentam da energia consumida indiretamente por linhas de
pensamentos desgovernadas.

Toda atitude mental desequilibrada está ligada ao desejo ou ao apego, o que deu vazão à
criação de uma ilusão que o ser alimenta com toda energia que pode captar. Somente quando
se reconhece que se direciona mal a energia vital é ue se modifica o desequilíbrio.

Por isso a ayahuasca deve ser utilizada de maneira criteriosa, conduzida espiritualmente por
seres ascencionados, de forma que a energia não se esvai e sim, conscientiza. Desta maneira,
o tratamento constante restabelece o discernimento e a capacidade de manter-se equilibrado,
direcionando o ser para sua missão verdadeira, libertando-o da ilusão que consumia suas
forças.

* O darma é a ação - pensar, falar e agir - com consciência e cumprimento das leis divinas. O
ser que anda no caminho dármico já não gera reações, não está preso ao karma - onde há
uma ação há uma reação correspondente, caminha com leveza no mundo dual, identificando-
se com o imutável em suas atitudes.

CONFERÊNCIA DE AMSTERDÃ/2.003
MATÉRIA DA REVISTA PLANETA /JULHO 2.003

PSYCHOACTIVITY III

A Ayahuasca em Debate

Em novembro de 2002, cientistas e pessoas provenientes de vários continentes se


encontraram em Amsterdã (Holanda) para participar de uma conferência sobre a ayahuasca,
ou “chá misterioso”, utilizado em rituais religiosos do Santo Daime e da União do Vegetal.
Neste artigo, mostramos os principais pontos levantados durante o encontro.

Por Govert Derix

A ayahuasca (yagé, daime, vegetal, natem) é um chá psicoativo que desde tempos
imemoráveis é preparado e tomado pelos índios da Floresta Amazônica. Desde o século
passado, ela é fundamental nos rituais das religiões sincretistas Santo Daime e União do
Vegetal, que surgiram entre seringueiros de Rondônia e do Acre. Aos poucos, o chá está
ficando conhecido e acessível a um público cada vez maior fora da America Latina, sobretudo
através da Internet. Não é de estranhar que esse público, num primeiro momento, fosse
composto principalmente por pessoas que tinham afinidade com substâncias psicodélicas e
convicções típicas da nova era. Isso, aliás, pode ter um aspecto ameaçador, pois o caráter da
experiência com a ayahuasca e a possível significação do chá para a ciência e a cultura do
século 21 vai muito além dessas estigmatizações superficiais. Durante a “Psychoactivity III”, a
primeira conferência européia sobre a ayahuasca, muitos ayahuasqueiros se sentiram aliviados
ao descobrir que o chá é um tema bastante sério para cientistas renomados. A ayahuasca, na
verdade, é o eixo de um movimento multidisciplinar que está nascendo.

Legalização e legitimação – Um bom exemplo disso é o livro The Antipodes of the Mind, de
Benny Shanon, um dos participantes da conferência. Shanon lecionou na Universidade
Stanford, na Califórnia, e atualmente é professor de psicologia cognitiva na Universidade
Hebraica, em Jerusalém. Em seu livro ele escreveu:

“O impacto afetivo e espiritual da ayahuasca pode ser muito profundo. Freqüentemente as


pessoas que a experimentaram relatam a experiência como uma mudança radical de suas
vidas, reconhecendo que após essa experiência ‘não são mais a mesma pessoa’. Mas, mesmo
quando o impacto do efeito não foi tão radical, ficou uma experiência maravilhosa para aqueles
que a tomaram e a descreveram como algo nunca antes vivido.”
A divulgação de que a ciência oficial está se envolvendo com a ayahuasca foi um dos grandes
lucros dessa conferência. No Brasil, o uso ritualístico da ayahuasca foi legalizado nos anos 80;
na Holanda sua utilização dentro do ritual do Santo Daime foi aceito em 2001, e se deu
principalmente por causa do apoio e do testemunho de muitos cientistas. A expectativa é que
essa conferência ajude a legitimar a ayahuasca como tema importante em várias dimensões da
ciência e da cultura atual.

A pequena morte em um lampejo – O que é ayahuasca? Algumas informações gerais:

 A ayahuasca é o veículo psicoativo mais usado pelos índios da Amazônia. A palavra


vem do idioma quéchua e significa “vinho da alma”, “cipó dos mortos” ou “cipó da pequena
morte”. Também é chamada “madrecita de todasplantas” e “professor dos professores”.
 A ayahuasca é um chá amarelo-amarronzado de sabor amargo. Seu efeito psicoativo
nem sempre é sentido de imediato. Algumas pessoas necessitam bebê-lo algumas vezes para
atingir um estado alterado de consciência. A princípio, porém, o efeito pode dar-se
instantaneamente, ou depois de uma ou duas horas; em geral, ele começa após meia hora e
dura de três a quatro horas. O processo do efeito foi comparado com a imagem de um
dinossauro: primeiro vem o pescoço longo e fino (início lento dos efeitos físicos e psíquicos),
depois a barriga (período de meditação, visões, luz) e finalmente um rabo extenso (clareza
mental, sensação de bem-estar), que pode durar até dois dias. O efeito físico pode ser
extremamen-te forte e acompanhado de diarréia, calafrio ou vômito.
 A maneira mais conhecida de preparar o chá é cozinhar as fibras do cipó jagube
(Banisteriopsis caapi) com as folhas da chacrona (Psychotria viridis).
 Os componentes mais importantes do Banisteriopsis caapi são harmine e harmaline,
inibidores de monoamina-oxidase (MAO)(2); as folhas da Psychotria viridis contém dimetil-
triptamina (DMT). Acredita-se que os inibidores de MAO tornam o DMT oralmente ativo.
Usadas com medicamento antidepressivo, essas substâncias podem ser perigosas.
 O efeito pode surgir em ondas; a melhor maneira de aproveitá-lo é não oferecer
resistência a elas e entregar-se. O chá fornece “luz” (entendimento do mundo e
autoconhecimento) e também a “força” para usar essa luz no dia-a-dia. Como espelho da
consciência e catalizador da memória pode ter um grande valor terapêutico.
 A ayahuasca mostra-se um remédio efetivo para diversos vícios. Pesquisando o
assunto no Brasil, conversei com muitas pessoas que, graças ao chá, livraram-se do álcool e
de outras drogas.

Uma temática rica – A conferência “Psychoactivity III” foi a primeira sobre a ayahuasca na
Europa (outras foram organizadas no Brasil, Estados Unidos e na Jamaica). Em Amsterdã, o
público internacional foi notável; além dos cientistas, havia cerca de 150 ayahuasqueiros da
América, da Europa e do Japão.

Antropologia, psicologia, etnobotânica, farmacologia, a situação jurídica e uma breve história da


“arte ayahuasqueira” foram temas das palestras de cientistas conhecidos, como o antropólogo
Luis Eduardo Luna, o psicólogo Benny Shanon, o farmacologista Jace Callaway, o toxicólogo
Laurent Rivier e o botânico Christian Raetsch. Xamãs da Amazônia fizeram um ritual de
abertura. Foram mostradas reportagens sobre o Santo Daime no Brasil (Rio de Janeiro, Céu do
Mapiá, no Acre) e os rituais indígenas no Amazonas.
Para ilustrar a conquista da conferência, reduzirei a grande quantidade de informações ali
apresentada a alguns campos de importância:

A importância para a antropologia cultural – Muito conhecimento indígena sobre a ayahuasca


está se perdendo rapidamente. A variedade de uso em mais de 400 tribos e suas farmacopéias
são somente dois aspectos desse conhecimento. Por outro lado, nem sempre sabemos por que
os índios bebem ayahuasca. “Para um melhor entendimento é preciso proteger as culturas
indígenas”, afirmou Ri-vier, um grande adversário do “turismo-aya-huasca”, variação do
ecoturismo que tem a finalidade específica de provar a bebida com xamãs da Amazônia e está
rapidamente crescendo. A grande ironia é que, em breve, os próprios índios acabarão indo
buscar informações (erradas!) sobre o chá na Internet, e não mais com o próprio xamã.
Segundo Rivier, provalmente “estamos atrasados demais para salvar o conhecimento indígena

Ficou claro que, até pouco tempo, fora da Amazônia, principalmente nos Estados de
Pernambuco e do Maranhão, havia rituais baseados em substâncias semelhantes à
ayahuasca, os chamados “análogos da ayahuasca”, como a jurema. Conclui-se, portanto, que
o nosso conhecimento sobre o uso ritual do chá (e rituais semelhantes) é somente uma
pequena parcela do conhecimento original. O enfoque existencial – O xamã Hilario Chiriap
falou sobre o ritual Natemamu (“Dormir nos braços do espírito”) da tribo Shuar (Equador): bebe-
se ayahuasca durante três dias e aprende-se tudo sobre a vida e a morte. A historiadora
Claudia Mueller-Ebeling mostrou que o motivo de “morrer para aprender a viver” é comum na
arte folclórica inspirada pela ayahuasca.

Quase todos os participantes falaram explicitamente sobre a importância existencial da


experiência com o chá. Aparentemente, não é possível envolver-se com a bebida amazônica
sem ficar impressionado com o maravilhoso território aberto pela “força estranha”.

A importância química e médica — O farmacologista Jace Callaway explicou que a experiência


com a ayahuasca é causada por ao menos três mecanismos químicos diferentes. Ele sugeriu
que talvez o DMT seja bem menos importante do que se pensava e que os mecanismos
principais devem ser algo “muito sutil”. Também não ficou claro para o farmacologista qual é o
efeito mais importante do chá, se as visões ou o efeito purgatório.

Nos anos 90, Callaway fez parte de uma equipe internacional que pesquisou o uso de
ayahuasca na União do Vegetal, em Manaus. A pesquisa mostrou que ayahuasqueiros
desenvolvem mais receptores de serotonina no cérebro, um sinal importante do efeito positivo
da ayahuasca para a saúde. Porém, ainda não está comprovado se isso significa que o chá
pode curar doenças como o mal de Parkinson ou o câncer, apesar de rumores favoráveis sobre
isso entre ayahuasqueiros. “Curar é algo misterioso”, afirma o antropólogo Luna, da
Universidade de Helsinque, enquanto o neurofisiologista Charles Kaplan, da Universidade de
Maastricht (Holanda), disse que o chá “poderia se mostrar benéfico para o sistema de saúde”.

A dimensão psicológica – O chá também pode nos dar um insight sobre a maneira como
funciona a mente humana. Segundo Benny Shanon, a consciência se constrói como uma
dança (um pas-de-deux) com a realidade, dentro de um campo de significações. A ayahuasca
pode mudar as regras da dança e assim modificar a relação entre a consciência e o mundo. É
exatamente durante o estado alterado de consciência que a sua natureza e a relação com o
mundo podem ser reveladas. Conclusão preliminar: através da experiência com a ayahuasca, a
psicologia cognitiva pode aprender mais sobre as regras do “pas- de-deux”.

A questão jurídica – O uso ritual de ayahuasca foi legalizado no Brasil, na Holanda e no Estado
do Novo Mexico (EUA). O chá, porém, nos coloca diante da questão de como uma sociedade
deve regular o uso de substâncias psicoativas. A ayahuasca não tem só a ver com a liberdade
de religião (o principal argumento usado no tribunal para a legalização na Holanda), mas
também com o direito à liberdade da mente e da privacidade do ser humano.

A importância antiglobalista – É possível “mcdonaldizar” a ayahuasca? Talvez. Já se pode obter


os seus ingredientes pela Internet e nos smart shops da Holanda, lojas que vendem, entre
outras coisas, substâncias psicodélicas. Evidentemente, a ayahuasca não serve como party
drug (droga para se consumir em festas) e seu uso, mesmo fora de um ritual religioso, é
acompanhado de uma carga espiritual. O caráter específico da ayahuasca e os rituais
indígenas nos mostram a importância da Floresta Amazônica como tesouro de muitas outras
plantas com grande valor para a humanidade. Nesse sentido, o chá é um símbolo da
importância da diversidade biológica e cultural, e da complexa relação entre ambas.

O início de um movimento – A ayahuasca caminha em pelo menos dois sentidos. A experiência


do chá em si propicia um movimento existencial, que é capaz de mudar e melhorar vidas
humanas. Por outro lado, a ayahuasca é o eixo de um movimento multidisciplinar em que
pessoas de várias universidades, religiões, raças e culturas se reúnem para pesquisá-la.

A ayahuasca em si é puro movimento: chegada e partida de ondas visionárias e insights. Talvez


a idéia da ayahuasca como movimento social seja muito pretensiosa. Isso não impediu, porém,
que às vezes a conferência ganhasse a qualidade de um transe ondulado. A grande questão
para o futuro é com qual intensidade e qualidade as ondas da ayahuasca vão se desenvolver
na ciência e na cultura, não só da América Latina, mas também de outras partes do mundo.

A primeira versão deste artigo foi publicada pela revista Bres, editada na Holanda. Govert Derix
é filósofo e escritor. Conheceu a ayahuasca através da União do Vegetal, em 1990. Escreveu o
livro In Het Licht van Ayahuasca. Een Openbaring uit Amazonië (“Na Luz da Ayahuasca – Uma
Revelação da Amazônia”), com enfoque filosófico e jornalístico sobre o chá. A obra será
lançada na Holanda em outubro.

PARTO COM AYAHUASCA

ADELISE, Médica pediatra, conta o nascimento de João Miguel (Porto Alegre/RS)*

“É legítimo reconhecer a maturidade de um ser que vive sobre os valores do Si-Mesmo, que os
leva à prática em sua marcha de evolução”. C.G.Jung

Descrição do Trabalho de Parto

O trabalho de parto domiciliar é criação que vai sendo construída durante a toda gestação.
Primeiro, pelos pais, especialmente pela mãe, e, depois, é agregada a figura do profissional, no
meu caso, médica.
A história deste parto teve inicio com as primeiras conversas informais que tive com o casal em
casa do um amigo em comum. Eles queriam um outro tipo de atendimento que não o
hospitalar, pois na primeira gravidez a experiência do hospital, tinha sido muito traumática. Sua
primeira gestação transcorreu bem, o trabalho de parto foi rápido, em torno de 6 horas. Porém,
no período expulsivo, por sentir muita dor, recebeu analgesia peridural, o que levou a uma
sucessão de intercorrências médicas: extração com fórceps, recém-nascido com circular de
cordão umbilical muito apertada, depressão respiratória, necessitando de assistência em UTI
Neonatal nas primeiras horas de nascimento. Depois de quatro dias, o bebê apresentou quadro
de icterícia neonatal e foi de novo internado para tratamento com fototerapia.

Desta vez, com 35 semanas de gestação, o casal fez a primeira consulta para avaliar a
possibilidade do parto em casa. E nas semanas seguintes mantivemos uma comunicação
constante a fim de preparar todos os detalhes para o trabalho de parto.

Segunda gestação, gravidez à termo: 39 semanas.


Parto normal, domiciliar.
RN de Sâmara Gonzaga e Marcelo
Data de nascimento: 14/08/2004
Hora: 00:17min
Peso: 3220 gramas
Comprimento: – 51 cm
PC: 35,5 cm
PT: 33 cm
Apgar no primeiro minuto: 4
Apgar no quinto minuto: 8
Ao primeiro exame normal, reflexos neurológicos do RN preservados.
Médica: Adelise Noal Monteiro
Auxiliar de enfermagem: Claudete Borges
A partir das 17h do dia 13/08/2004, as contrações anunciam o trabalho de parto. A casa é
preparada. Às 21h, três contrações em cada 10 minutos configuram o trabalho de parto efetivo,
que se caracteriza pelo apagamento e dilatação do colo uterino, dependente das contrações
que devem ser, freqüentes, fortes, contínuas, regulares, com bom relaxamento entre elas.

Durante todo trabalho de parto, houve a monitoração dos batimentos fetais, sempre dentro dos
níveis normais.

No primeiro período do trabalho de parto, foi utilizada acupuntura na região lombar, nos pontos
dolorosos. Isso que permitiu um alívio da dor durante as contrações. Neste período, também foi
utilizada massagem com digito-pressão, durante as contrações. A acupuntura e a massagem
são técnicas antálgicas** muito efetivas no primeiro período do trabalho de parto.Também foi
usado um fitoterápico de uso tradicional feito a partir de duas plantas (Banisteriopsis caapi e
Psychotria viridis) que atua diminuindo a tensão emocional e possibilitando uma melhor
disposição da parturiente frente ao trabalho conjunto que se processa no corpo e deve ser
acompanhado por seu psiquismo como um todo. Ela é uma totalidade psico-física.

Estudos clínicos já comprovaram que o medo e a insegurança, com tensão acentuada, frente à
situação desconhecida, aumentam a dor no trabalho de parto. O relaxamento da parturiente
diminui sua sensibilidade à dor. O alívio da dor, o toque, a atenção constante, a possibilidade
de liberdade de movimentação, o ambiente familiar, são todos fatores que contribuem para dar
à parturiente a mesma sensação de segurança que instintivamente todos os animais buscam.
E devemos lembrar que o nascimento é o momento em que a via instintiva é acionada na sua
forma mais intensa.

Em torno de 23h30, começa o segundo período do trabalho de parto: o período expulsivo. Aqui
se chega ao pico máximo de tensão, quando a concentração de todos os que participam
daquele momento é imperativa. A natureza está próxima de se revelar. No primeiro período
tudo é envolto em mistério, só os sinais externos nos dão indicadores do processo. No período
expulsivo já se pode ver e sentir, através do toque no canal do parto. A cada contração, uma
rotação: a vida se mostra. O incentivo constante e as manobras para atenuar a dor e prevenir
lacerações, como compressas de água morna no períneo, são de grande ajuda. No instante em
que começa a aparecer a cabeça do bebê, a magia se faz presente. Todo ambiente é tomado
de uma aura de emoção que se pode traduzir em cores: o dourado foi a cor deste nascimento.

Às 00:17minutos do dia 14/08, nasce João Miguel.

Lento trajeto descendente no túnel escuro, em direção a uma nova expressão de vida. Uma
circular de cordão umbilical muito apertada dificultava a saída. Com cuidado, fazendo a
manobra de liberação (passa-se o cordão por cima da cabeça ainda antes de passar pelo canal
do parto, assim se evita o estrangulamento) e, num instante de tempo, se rompe o cordão,
abrindo a passagem. João Miguel “jorra” com estrondos de fogos. Nasce com depressão
respiratória, caracterizando o sofrimento fetal, pela circular de cordão. Apgar 4, no primeiro
minuto. Com as manobras habituais de liberação das vias aéreas (aspiração, com pêra de
aspiração, da orofaringe e narinas, deixando a cabeça mais baixa que o resto do corpo,
também foi feito manipulação no tórax para reanimação) e aquecimento, foi recuperando a
vitalidade. Apgar 8, nos 5 minutos de vida. Desfaz-se a tensão inicial.

João Miguel no colo, envolto em agasalhos responde ao acontecido com os olhos bem abertos
e um leve sussurro, como um filhote humano tão cedo contando sua história e já apto para
iniciar a amamentação. Sinal derradeiro do triunfo da vida.

O terceiro período do parto – a expulsão da placenta - transcorre rápido, sem alterações,


finalizando o trabalho com a sutura das pequenas lacerações ocorridas. O passo seguinte é a
higiene da mãe, do recém-nascido, remoção e limpeza do material utilizado. Realização do
primeiro exame do recém-nascido.

Tudo pronto para a comemoração do milagre da vida. João Miguel acolhido nos braços da
mãe, junto ao pai, na sua casa, no seu quarto, na sua nova vida. Não é possível relatar um
acontecimento arquetípico, como é um nascimento somente descrevendo tecnicamente o
processo. Ele está envolto de uma atmosfera mágica, típica do arquétipo. Carregado
energeticamente de um conteúdo afetivo-emocional. É preciso ser acompanhado da linguagem
poética, mítica, que toca o coração. Toca uma estrutura mais profunda do ser que o poeta
chama de alma. O universo da alma humana que cria no nível abstrato, ao mesmo tempo em
que a vida se estrutura no nível orgânico.

Nesta medida, da criação poética da vida, tomemos as palavras da personagem principal do


acontecido.
O que viu e sentiu Samara

Adelise: Como foi tua experiência com o parto domiciliar e qual a diferença do parto hospitalar
anterior?

Sâmara: O hospital é extremamente impessoal, os médicos e as enfermeiras fazem o trabalho


deles e não te dão explicação, não se envolvem. Enquanto que em casa, tu estás no teu
ambiente, segura, está com uma pessoa do teu lado que vai te ajudar, que te conforta também
e vai te explicando passo a passo o que está acontecendo de uma maneira bem mais clara e
pessoal.

No hospital eles mal te falam e te explicam as coisas. Meu primeiro parto, foi com fórceps e
demoraram 8 horas para me devolverem o nenê. Sem me dar explicação do que estava
acontecendo, simplesmente o nenê sumiu e apareceu mais tarde. No parto do João Miguel,
que foi em casa, a gente teve o mesmo problema de circular de cordão, mas a maneira como
foi resolvido, com a gente ajudando, cuidando e orando junto ali, me deixou mais tranqüila e
segura de que a coisa estava sendo resolvida, eu estava visualizando e participando do que
estava acontecendo.

A gente conseguiu deixar a natureza trabalhar junto com a assistência espiritual. Depois desta
segunda experiência com certeza não faria mais parto no hospital e sim em casa. Em casa,
quando tudo termina, já está dentro do teu ambiente, o nenê também está junto contigo o
tempo todo, sem sumir, sempre ali do teu ladinho, bem melhor, bem mais tranqüilo.

O hospital assusta a gente com esta coisa de eles fazerem sem te questionar, sem te dar
satisfação de nada. No parto do João Miguel, tu me ajudaste, fazendo massagem, acupuntura,
isto dá muito alívio. No hospital, eles mandavam eu virar de lado, e eu não conseguia. Eles te
mandam fazer coisas que nem sabem se tu estás te sentido bem para fazer, é uma coisa muito
padrão. Em casa não, a pessoa está ali para te ajudar, ela tem essa sensibilidade maior de te
confortar, conforme o que está acontecendo.

Adelise: No parto anterior, tu tiveste um obstetra durante todo o tempo, o mesmo que vez o
pré-natal ou foi o médico plantonista?

Sâmara: Na primeira gravidez a obstetra era minha ginecologista há dez anos. Fiz todo pré-
natal com ela. Durante o pré-natal ela nunca me falou sobre a analgesia no parto, por exemplo.

Logo que cheguei ao hospital ela foi chamada e chegou em seguida, mas, dizer que ela ficou
junto comigo, todo o tempo, é difícil, pois mesmo estando no hospital, o obstetra entra e sai. Vai
lá, te examina e sai; são as enfermeiras que ficam por ali. O médico só fica contigo mesmo, no
período expulsivo. Quando eu estava com 9 cm de dilatação, ela me perguntou se eu queria
fazer uma analgesia para dor. E eu como era a primeira vez que sentia aquilo, quis fazer na
mesma hora. E não gostei do resultado, acho que deveria ter sido falado comigo antes, não
naquela hora, pois ali tu não tem um raciocínio, não tem discernimento de muita coisa. O
Francisco teve circular de cordão umbilical e foi tirado com fórceps, pois os batimentos
cardíacos estavam muitos baixos. Ele tomou muitos remédios para ser reanimado.
Com o João Miguel, o trabalho de parto foi muito parecido, com o mesmo problema do cordão.
Só o processo foi completamente diferente, por ser em casa, por não ter tomado analgesia e,
conseqüentemente, não foi tirado com fórceps. No hospital, sai o nenê, o obstetra faz o
trabalho dele e não quer mais saber de nada. O nenê passa para o pediatra, o hospital toma
conta e o obstetra some da tua vida.

A idéia de fazer o parto em casa surgiu deste problema que deu no hospital que foi bem
traumatizante para mim e para o Marcelo. Então a gente começou a pesquisar, a pensar em
fazer parto natural, que na minha cabeça é sem analgesia e daí a idéia de fazer o parto em
casa. Fazer o parto em casa, com tudo que aconteceu, foi a melhor coisa que a gente poderia
ter feito, a gente não se arrepende, ao contrário.

Adelise: Pode descrever a visão que tu tiveste durante o parto?

Sâmara: A visão que eu tive foi com a Nossa Senhora. Ela apareceu durante o período de
expulsão. Eu a vi na minha frente, de pé, no espaço. Toda vez que fazia força, eu sentia que
ela me segurava pelas mãos, como se ela me puxasse, me ajudando na força de expulsão.
Logo depois da expulsão, quando o João Miguel nasceu deprimido e estava sendo reanimado
por ti e a gente rezou e fez bastante força para ajudar eu vi a Nossa Senhora numa mesa
semicircular com outros seres ao redor, de frente para mim. Em cima do que estava
acontecendo. A sensação que eu tinha é que eles estavam cuidando para que desse tudo
certo. A Nossa Senhora no meio e os outros seres ao lado dela envolvendo a gente. Ela não
falou comigo, era só a sua presença. A sensação que eu tenho agora, pensando, é como se ela
estivesse cuidando para ver se tudo transcorria como ela queria. Como se estivesse
fiscalizando. Na hora da sutura, eu estava bem sensível com um pouco de dor, foi uma força de
pensamento que me veio. Jesus na cruz e eu ali sofrendo por meia dúzia de pontos. Então, foi
um pensamento forte que me ajudou muito a suportar tudo. Deu-me coragem e força para
relaxar até o fim.

Adelise: O que tu sentiste depois que tudo acabou, no quarto com a luz apagada, bem
quietinha?

Sâmara: Aquele momento ali foi um momento de paz, de tranqüilidade, onde eu relaxei
totalmente, com o João Miguel no colo, descansando. Trabalhamos bastante e estávamos
descansando. A sensação era de estar flutuando. Sabia que tudo estava resolvido, tinha tido a
assistência necessária. Coisa que jamais teria tido no hospital.

* Adelise Noal Monteiro é médica pediatra, atende partos domiciliares e reside em Porto Alegre
(RS).

** Antálgico: contra a dor, para alivio da dor

AYAHUASCA - PERÚ
Vou continuando a viagem pelo Mundo Maravilhoso da Ayahuasca, Pablo Amaringo, um "ex
brujo" e fundador da Escola de Pintura Usko Ayar de Pucallpa, no Perú, que pinta as suas
visões com a Ayahuasca. Hoje em dia é mais conhecido na Europa do que em seu próprio
país.

Amaringo afirma que além de seu talento natural, recebe inspiração de uma planta sagrada da
selva, a mãe de todas as plantas, a bebida capaz de unir o Mundo de Cima (espiritual), com o
de baixo (material), capaz de conectar o passado e o futuro. É a planta sagrada que cura as
enfermidades, que te aconselha, que te dá sabedoria e conhecimento, a que te faz viajar às
profundezas da água e da terra, até o firmamento e as estrelas.

Amaringo disse que chegou até a mesma porta do céu. Também, a planta, lhe ensinou os
ícaros (canções de poder), os versos sagrados que acompanham os rituais :

- "A planta também te põe em contato com deidades, espiritos e seres de outros mundos, de
outras dimensões..."

Para os homens da ciência se trata de uma planta alucinógena, para os xamãs é " A
Ayahuasca", pode ser conhecida como o cipó do morto.

No dialeto Shipibo, o sacerdote diz "Nichi-ivo, que quer dizer "senhor do cipó, ou dono do cipó".

Entre as emaranhadas selvas de Ucayali, vivem diferentes tribos tais como os Shipibos,
Cocamas, Amahuacas e Ashanincas.

Também formam parte dessa floresta diferentes tipos de cipós mimetizados como serpentes
que sobem nas árvores, que só os nativos sabem diferenciar umas das outras, e que só os
xamãs conhecem seus poderes específicos.
Mateo Arévalo da comunidade Shipibo de
San Francisco de Pucallpa, explica que os médicos-curandeiros, com a ajuda dos mestres
espirituais, vão aperfeiçoando seu conhecimento, e assim, vão alcançado graus. Aqueles que
mais se dedicavam com fé e sacrifícios, tais como : grandes dietas, retiros, abstinências
sexuais, etc., iam alcançando níveis superiores. Com muita convicção e sabedoria, Mateo,
sempre enfatizou que só realiza seus rituais para fazer o bem, e que a Ayahuasca cura as
enfermidades, incluindo o alcoolismo e a dependência de drogas, que não devemos temer pois
a Ayahuasca não cria dependência.

Vou relatar a experiência publicada pelo jornalista Eduardo Lopez, quando foi entrevistar Mateo
e se propôs a participar de uma sessão :

Ingerimos a bebida sacramental, enquanto Mateo nos dizia que deveríamos ver os desenhos
geométricos da iconografia shipibo, e assim aconteceu.

Vimos centenas de traços desfilarem com suas multiplas cores brilhantes como uma tela de
cinema, vimos também as serpentes, as criaturas do bosque, luzes de cores fulgurantes.

Ví uma árvore gigantesca, que era ameaçadora no início , mas depois se aquietou...Também ví
um personagem abrindo um corte na terra, deixando-me ver as raízes das árvores.

Tudo isso acontecia em meio a uma dormencia que começou uns 15 minutos após eu ter
tomado a bebida, e se prolongou por um espaço de umas quatro horas, tempo durante o qual
escutávamos os lindos versos indígenas que cantava o mestre e seus ajudantes no dialeto
shipibo. Algo que não entendia , porém que dava segurança ao transe.

Isso era para mim o Perú profundo, autêntico.

Entendíi dessa cultura viva, muito do pensamento impresso nas representações artísticas das
velhas culturas pré-colombianas.

Em seguida atravessei um grande túnel de cristais translúcidos, adornados com grandes


pedras preciosas multicoloridas, e,começava a diminuir o efeito da planta, desaparecendo as
visões e as sensações.
Me perguntei em seguida : que coberturas escondidas no mais recôndito do nosso cérebro, são
as que alforam a nossa consciência com a Ayahuasca ?

Será que nos recordamos de épocas ancestrais, como quando estamos na matriz de nossa
mãe ?

Ou quando éramos um espermatozóide, um óvulo, um australopithecus ou um cromagnon ?

Será verdade que os xamã dominam este mundo limite da consciência para ver coisas do
passado e do futuro, e passar para outras dimensões?

Penso que cada um tira suas conclusões pessoais a respeito destes temas, mas também que é
dever de todos espeitar o profundo pensamento filosófico-mágico-religioso dessas culturas. Ela
são o elo com nosso rico passado histórico, e quem sabe, florescerão agora no futuro.

Nem todos tomam Ayahuasca nas comunidades nativas da selva.

--++++ A Ayahuasca é temida e respeitada, só o curandeiro, que alguma vez foi aprendiz de
outro curandeiro, herda o conhecimento das plantas e seus efeitos medicinais para o corpo e
espírito.
Existe uma variedade inumerável de plantas que curam males específicos, mas a Ayahuasca é
para os curandeiros shipibos uma planta mãe, uma medicina mágica que proporciona viagem
ao mundo dos espíritos da selva.

É difícil entender o que é a Ayahuasca, sem nos cercarmos um pouco de seu mundo. Um
mundo intimamente vinculado a natureza, cheio de crenças relacionadas com o perfeito
equilíbrio da vida na selva; um mundo onde o pensamento mágico prima. Imagine-se por um
momento nascer e viver na selva, caminhar por ela como se caminha nas ruas. E nessa pureza
original, descobrir uma planta que ao ingerida possa fazer ver coisas que nunca foram vistas,
viajar pelo mundo dos sonhos, encontrar-se com seres bondosos e malignos, escuros e
luminosos.

Mas, a Ayahuasca não é por acaso uma droga, um alcalóide que produz alucinações, que
muda a personalidade e causa dependencia ? Para aqueles que vêem de fora, sim; mas para
quem compreende, não. O juizo sobre certas drogas está marcado pela desastrosa experiência
que nossa sociedade urbana sofre. Esquece-se dos muitos medicamentos que salvam as
vidas, e dos quais, muitas vezes se abusa, que são drogas.

As culturas que utilizam enteógenos, como o Peiote no México, a Coca, o São Pedro nos
Andes, a Ayahuasca na selva; o fazem, como um meio para adquirir sabedoria, comunicar-se
com os espíritos ou diagnosticar enfermidades.

Durante uma sessão de Ayahuasca, Mateo Arevalo, disse que a palavra alucinógeno, não tem
tradução no dialeto shipibo, e afirma :

- " Por mais que os homens da ciência a estudem e tomem, nunca vão captar a essência da
cultura nativa. Vêem só o mundo das alucinações, esses estudiosos tomam desta forma, mas
nós tomamos como medicamento."

Um cerimônia de Ayahuasca é coisa séria. O Curandeiro só, ou acompanhado por seu


apredizes, buscam um lugar preferencialmente tranquilo para concentrar-se. Realiza rituais
antes de tomar, rodeado de objetos mágiocos : a pipa (cachimbo) da onde flue seu poder, o
tabaco, as ervas e perfumes e as "Arcanas" (escudo) que os defende do mal. O curandeiro
determina a dose que cada um deve tomar e serve em taça um líquido forte e amargo que se
bebe por turnos. Feito isso, espera-se entre 10 a 30 minutos, até que aparecem os primeiros
efeitos que eles chamam de "mariaciones". Entram então, numa espécie de transe
acompanhado de sensações de "mareo" (náuseas), e pouco a pouco vão aparecendo as
visões. Mateo prefere chamar "visões" porque alucinar implica confusão e perturbação da
razão, quando o que sucede é exatamente ao contrário : lucidez.

O curandeiro, com uma forte disciplina, dedicação, e tomando muits vezes, aprende a controlar,
manejar e orientar a visão. A capacidade do xamã se define pela abstinência, não come
comidas pesadas, carnes, não toma alcool e tampouco tem relações sexuais, em dias que
antecedem a sessão que poderão ir de 1 a 7 dias, dependendo do tipo de trabalho a ser
realizado. Sai por meses selva-a-dentro , com o propósito de meditar, enquanto seu mestre se
encarrega de alimentá-lo e orientá-lo.
Mateo explica, que quando toma, é como um funil dirigido para cima, e que ele se projeta até a
luz que está no final do funil, onde já não existem perigos, nem demônios. Mas, antes de
chegar a isso, deve enfrentar a tudo. Para ele é necessário cantar os versos sagrados (icaros)
e invocar as arcanas (escudos) para afugente as perturbações.

Muitas dessas crenças permanecem na mente da gente da selva, apesar das mudanças na
civilização. Uma pessoa da cidade não obtém as mesmas visões, porque desconhecem as
suas crenças.

O que vemos, necessáriamente forma parte de nosso próprio mundo interno, ainda que nos
apresente como algo que se mostra de fora.

Temores mais profundos se apresentam como monstros de ciência e de ficção, que aterrorizam
como um cinema. Para um nativo podem ter a forma de um animal selvagem, para um católico
pode parecer como um diabo. Finalmente, tudo depende da cultura que cada um pertence, e
dele mesmo, é claro !

VINHO DAS ALMAS


A Bebida Sacramental Ayahuasca, é fruto da decocção do cipó Banisteriopsis Caapi e a folha
Psycotria Viridis. É também conhecida por Yagé, Caapi, Nixi Honi Xuma,Oasca,Vegetal, Santo
Daime, etc.

Seu nome mais conhecido, AYAHUASCA é de origem quechua, que significa "Liana ´(Cipó) dos
Espíritos " . É chamada também de " O Vinho da Alma " ou "Pequena Morte". Era utilizada
pelos povos pré colombianos, incas, e muito utilizada pelos índios da amazônia. É o
Sacramento dos rituais do Santo Daime, da União do Vegetal , da Barquinha.

Fui ao Perú em 1992 encontrar meu irmão espiritual , Agustin , para a realização de diversos
trabalhos xamânicos. Nesta oportunidade Agustin apresentou-me o xamã Mateo Arevolo, um
nativo da tribo Shipibo, homem de conhecimento na utilização da Ayahuasca. Minha passagem
com Mateo muito lembrou a de Castañeda com Dom Juan.

Mateo foi um grande professor. Nós ficamos juntos na mesma cabana, o que possibilitou
muitas conversas e entendimentos. Mateo falava muito de seu povo na floresta e sobre a
história da Ayahuasca, das curas, das experiências espirituais, e, de outras Plantas de Poder
tais como o Pinhão Colorado, o Tabaco, o Toe ( Datura).
Para o início dos trabalhos, juntou-se a nós um grupo de norte-americanos, que também
vinham em buisca de experiências xamânicas. No primeiro trabalho realizado, houve uma
reunião de instruções. O trabalho iniciou-se por volta das 22:00 hs.

Mateo veio paramentado com seu traje de poder, la pipa (cachimbo), perfumes e um litro de
Ayahuasca. Começou pedindo aos participantes para que cada um rezasse do jeito que sabia,
para si mesmo. Na hora rezei o Pai Nosso e a Ave Maria, e me firmei no meu animal guardião.

Antes de servir Ayahuasca, Mateo cantou um Icaro (canção de poder), soprando a fumação do
tabaco no bocal da garrafa e deu início ao despacho .

A bebida estava bem concentrada, com a consistência de um mel.

Em poucos minutos já começava a sentir a manifestação. O Céu estava lindo, repleto de


estrelas, era como se eu pudesse pegá- las com as mãos. A força da Ayahuasca, chamadda
entre os xamãs peruanos de La Mariacion, aumentava cada vez mais, já não podia sentir mais
meu corpo, a respiração tornava-se difícil, sentí a sensação de que meu crânio se
despedaçaria como um quebra cabeças, até que Mateo chegou junto a mim e perguntou :

- Hey Léo ! Como está lá Mariacion ? E respondí :

- Muy fuerte, Xamã, pero és buena ! Mateo exclamou :

- Si fuerte, ufa, ufa, ufa ! E saiu sorrindo.


Naquele momento achei tão engrançado o gesto e o bom humor de Mateo, que comecei,
discretamente a dar risadas, e ao parar, percebí que tinha me harmonizado com aquela força.

Se Mateo tentasse naquele momento me dar algum conselho, provavelmente, eu não síria
daquele estado de tensão. Ele mostrou sua sabedoria, usando apenas o bom humor. Fez com
que eu relaxasse minhas couraças, trouxesse alegria para o meu ser, desencadeando outra
química corporal. Levantando o meu astral. Daquele momento em diante eu entendí como
sorrir é um grande remédio para nossa alma.

A partir daí, uma visão magnífica.

Olhando para o Céu, uma bola dourada rasgava a escuridão, vindo em minha direção. Daí a
figura de um enorme leão, com uma juba imensa que balançava para frente e para trás na
velocidade do vôo, chegando e parando na minha frente como se quisesse se apresentar.

Olhava para mim fixamente, eu não sentia medo, e sim deslumbramento . Mais tarde com
Mateo , pude testar o entendimento da visão.

Ele me disse :
- A Ayahuasca abriu seu mundo. Seu mundo é dos leões.

Você sabe o que está por tras de seu nome Léo ?

Léo é leão.

Você de agora em diante, deve passar a trabalhar mais com ele. A águia em muitas doutrinas
xamânicas é considerada o Leão Alado.

Num momento do ritual, Mateo acendeu "la pipa" (cachimbo), e começou a cantar um ícaro.
Nesse momento sentí a necessidade de usar o cachimbo.

Após encerrar o canto, cheguei a ele :

- Hey xamã ! Lá pipa não pode ser compartilhada ? Ele respondeu :

- Escuta. La pipa faz parte do ritual. Ela é passada de xamã para xamã. Outros já usaram antes
de mim. Para usá-la é preciso conhecer seus fundamentos. Se você quiser fumar use um
cigarro qualquer.

A resposta caiu na minha cabeça como uma bomba. Sentia-me estupido. Pensei em explicar
que também tinha um trabalho espiritual com o cachimbo, mas, preferí calar-me, lamentando
não ter ficado de boca fechada. Simplesmente respondí :

- Desculpe-me eu não quis ofendê-lo ! Só estou aqui para aprender.

Passado uns 10 minutos. Mateo, volta a sentar-se ao meu lado e pergunta :

- Hey Léo ! Você tem uma pipa ? E respondí :

- Aqui não xamã. Você sabe como posso conseguir uma ? Exclamou Mateo :

- Depois, com tempo, eu vou ver !


Não toquei mais no assunto da pipa, deixando o pedido no astral. No terceiro trabalho de
Ayahuasca nas matas de Puerto Maldonado, interior da Amazônia Peruana, Mateo veio até a
mim e disse:

- Hey Léo ! Podes me fazer um favor ? Gostaria que você pegasse a pipa e soprasse fumaça
em minha cabeça e no meu peito.

É um movimento ritual, que visa nivelar e harmonizar as energias do corpo. É preciso muita
confiança para deixar alguém trabalhar na sua cabeça. Me sentí recompensado pela paciência.

Outra passagem no meio de tantas, que quero destacar, foi num trabalho, onde em plena força
da Ayahuasca, Mateo me falava de uma planta chamada Pinhão Colorado. Dizia ele que que o
pinhão trazia La Purga, ou seja fazia muitos processos de limpeza (vômitos/diarréia) e que
também levava a visões muito fortes. Foi nesse momento que Mateo chegou até a mim e
disse :

- Léo. Se eu trouxer agora um copo de Pinhão colorado, você toma ?

A pegunta deixou-me arrepiado. Estava num momento muito forte do trabalho, para tomar uma
planta que eu nem conhecia, já sabendo que as manifestações no corpo físico não eram muito
agradáveis. Respirei fundo, fui até o meu coração, e respondí :

- Xamã ! Qualquer coisa que o sr. trouxer para eu tomar, eu tomo. Tomo porque confio no
senhor e sei que estou em boas mãos. Sei que o sr. só quer o que é bom para mim !

Neste momento Mateo saiu, dando uma gostosa gargalhada. Eu fiquei numa expectativa por
alguns momentos, porém ele não trouxe a bebida, e assim pude respirar aliviado.

Mateo e eu ficamos amigos. Tudo a partir dessa amizade ficou mais fácil. Eu o ajudava na
limpeza (defumação), cantava canções de poder, tocava tambor, ajudava-o no atendimento aos
outros e aprendia, aprendia, aprendia.

Mateo, então, iniciou-me na magia de seu povo. Trabalhou no meu corpo espiritual, passando-
me uma "Arcana Medicinal", um escudo de proteção para ser usado nos trabalhos.

Passou um icaro na minha cabeça e no peito, para poder dosar melhor as energias da
mariacion e disse:

- Eu te passo meu ícaro, para que quando tu estiveres com seu povo no Brasil, fazendo
trabalhos com a Ayahuasca, tu vais escutar meu canto, e eu estarei contigo.

Ao despedir-se de Mateo no Peru, ele me deu um colar de proteção feito com sementes e uma
garrafinha de um preparado com base de tabaco para proteger "La Corona" (chakra coronário).

O CANTO DA AYAHUASCA

(Tradução do ìcaro passado por Mateo)

Para regulação e nivelação de energia


Meu formoso canto, %br% Meu formoso canto

Emana sua energia até o Céu,


Até o mar ou rio
Até a Terra.

Meu formoso canto


Da energia da Ayahuasca
E da Chacrona

Emana sua energia para regular


E nivelar suas energias
De saúde e bem estar entre as mulheres
E homens desta mariação

Na Grande Mesa da Mariação


Da Ayahuasca
Saímos com o corpo, alma, espírito e mente
Livrando-nos da mariacão louca.

Chegando assim ao Mundo Maravilhoso de Deus


Onde há e emanam as fragrâncias
Das flores maravilhosas do Universo

Que ao impregnarem-se em um,


Dá-nos as energias de conhecimento
E saber,
Abrindo-nos as portas
Do mundo medicinal da Ayahuasca
Onde tudo é felicidade, paz e amor.

Dois anos após, quando Mateo veio ao Brasil, deu-me uma pipa incrustada com a medicina
shipibo. Até hoje sinto-me muito ligado ao Mateo e Agustin, mesmo estando longe fisicamente,
nas "mariacions" sinto-os presentes.

A BUSCA DA ÁGUIA
No livro " The Eagle´s Quest" ( La Busqueda Del Aguila) em Espanhol, Fred Alan
Wolf, ele relata a seguinte passagem :
Descobrí que a Ayahuasca, havia sido encontrada em achados arqueológicos no Equador, e
que outras plantas enteógenas foram utilizadas em épocas tão antigas como o ano 3.000 a.C.

Lí que o Equador fora habitado durante os 11.000 anos passsados, e que existia uma grande
quantidade de figuras de cerâmica da península de Santa Elena, 4.000-2000 a.C., em que se
oberva pessoas mastigando folhas e inalando plantas.

As figuras também mostraram a existência de xamãs.

Algumas figuras pareciam relatar os efeitos mentais produzidos por estas plantas sagradas.

A maior parte do consumo de Ayahuasca se produz na região amazônica do Equador, que por
distintas razões não tem sido ponto de interesse para estudo dos arqueólogos. Me perguntei
porque e fui estudando outros materiais.

Num estudo de Luis Luna, descobri que os xamãs também eram conhecidos pelo termo
"Vegetalistas"( nos também os conhecemos como ayahuasqueiros) .

Luna classificava funções importantes e distintas, relacionadas com o uso de Ayahuasca. Uma
função importante numa sessão de Ayahuasca, é o Icaro, o canto do xamã. Eles tem a
finalidade de invocar o espírito das plantas, de espíritos xamãs, de outros espíritos. Também
para viajar à outros reinos. Os Icaros podem modificar ou sintonizar a visão.

Os xamãs podem cantar certos cantos que produzem um entrecruzamento no campo visual.
Oss cantos induzem visões de formas geométricas(mandalas). Angelika Gebhart Sayer, uma
antropóloga da Universidade de Tübingen, Alemanha, escreve no estudo de Luna :

- Os cantos do xamã podem, por assim dizer, serem ouvidos de um modo visual. O geométrico
pode ser visto acústicamente. Este fenômeno de entrecruzamento, se vê citado em ocasiões
no texto do canto xamânico.

Creio que a pauta de entrecruzamento pode estar relacionada, segundo minha teoria - diz
F.A.Wolf, sobre o modo que funciona o cérebro. A Ayahuasca atinge o cortex neuronal tanto na
área auditiva como visual. Normalmente o estímulo do som, atinge principalmente o cortex
auditivo. As outras egiões corticais não são afetadas. Mas, dentro da manifestação da
Ayahuasca, parece que todo o cortex é estimulado, incluindo o cortex visual. Portanto, o som
pode atuar como um estímulo para a visão

Um bom ayahuasqueiro, prosegue Wolf, prepara sempre sua bebida para que quem a tome se
sinta "mareado" com o fim de produzir a manifestação completa. Uma boa beberagem eles
denominam de "seveclarito", que significa que as visões são claras e reais.

Os ayahuasqueiros também aliam a Ayahuasca com a alimentação, posto que a comida que
entra no estômago, e nos intestinos para sua digestão, interfere com os efeitos da Ayahuasca.

Aprendem qual é a comida que os ajudam (geralmente leves, sem carnes) e quais são
prejudiciais. Portanto, a Ayahuasca é um mestre, uma vez que conhecemos seus ensinos, ela
diz o que devemos ingerir.

A Ayahuasca, como outros enteógenos, são utilizadas tanto para explorar este mundo, como os
paralelos, que estão além de nossa percepção corrrente. Ao ingerí-la o ayahuasqueiro liberta-
se dos limites normais de espaço-tempo deste mundo e, mediante treino, viaja livremente de
mundo a mundo. O fator chave para isso é a dieta. Aprendí que quanto mais profundo o aluno
entra na dieta, mais longe ele viajará.

Nem todass as viagens são primorosas. A idéia ocidental de "bad trip", é feita de uma forma
diferente entre os vegetalistas. Os xamãs se relacionam a essas viagens como "purga-brava".
Geralmente estão relacionadas com a ruptura da dieta, ou das restrições sexuais. Segundo
alguns descobrimento de Luna, é melhor evitar relações sexuais alguns dias antes e depois da
cerimônia com Ayahuasca.

Em outras ocasiões, uma má viagem pode ser de um mal enviado por outros xamãs (magia-
negra).

Alguns xamãs crêem que existem pessoas com "almas débeis". Estas pessoas não são
aconselhadas a tomar Ayahuasca. Se fazem, podem cometer loucuras, como desnudarem-se e
correr para a selva, ou brigar com outros participantes.

Muitos nativos tem explicado que ao tomarem o cipó visionário, se convertem em animais,
normalmente serpentes ou jaguares. Muitos se vêem devorados por jibóias ou as jibóias
entrando em suas bocas.

Entretanto, os xamãs insistem que sejam quais forem as visões, por mais terríveis e
aterradoras que pareçam, a pessoa deve permanecer o mais calmo que possa. Incusive se
aparecer um espírito maligno. Se a pessoa não se assusta e permanece tranquila, o espírito
não tem poder de fazer mal algum. Está protegida pelo espírito da Ayahuasca.

Luna descreve as regras de respeito que devem ser guardadas nas viagens com Ayahuasca :

 Algumas plantas e animais contém espiritos poderosos. Através deles pode-se


conseguir conhecimento e poder.
 Para aprender sobre esses espíritos, deve-se seguir uma dieta estrita e manter a
contenção sexual.
 Estas plantas são ferramentas para explorar o reino natural e sobrenatural.
 Neste reino há perigos. Um noviço só deve utilizar a Ayahuasca na presença de um
xamã experimentado.
 Um noviço necessita de espíritos para que os protejam em suas viagens.
 Os sonhos e visões podem ser manipulados pelo xamã
 No peito do xamã se guarda conhecimento e poder
 O canto do xamã contém conhecimento e poder
 A enfermidade é fruto d atos de espíritos ou bruxos malignos
 O espírito é patógeno. Tem uma manifestação material, em forma de um inseto ou
fragmento de osso.
 Os espíritos são evocados e direcionados pelo canto do xamã, e também pelo uso do
fumo do tabaco.

AYAHUASCA NA TRADIÇÃO SHIPIBO


Romeo Graciano

O xamã peruano Dom Mateo fala da sua iniciação como curandeiro e da sua missão com
grupos que estão no estudo da Ayahuasca. Este depoimento foi gravado em fevereiro de 1997,
na casa de Léo Artése, cidade de São Paulo, durante a primeira viagem do xamã ao Brasil.

" Meu nome é Mateo Arévalo Maipsa, tenho 43 anos e sou membro de uma comunidade
nativa, de indígenas peruanos, Shipibo-Conibo. Em minha vida ancestral, fui conhecedor de
muitos segredos da selva. Obtive todos estes conhecimentos de uma forma ancestral, dos
meus avós por parte de pai e de mãe, que também eram curandeiros.
E como todo pai quer que seu filho siga a sua tradição, comecei a exercê-la com a idade de 28
anos. Exercendo como estudante, investigador das muitas propriedades das plantas
medicinais. Contudo, já faz 12 anos que estou trabalhando como terapeuta nas áreas do que
são diferentes sintomas, de enfermidades físicas e mentais. Também posso fazer trabalho com
enfermidades contagiosas, mas não me aventuro porque é algo bastante delicado.

Toda minha formação eu obtive de uma forma que é parte da minha vida, da minha tradição,
que é parte do meu mundo cultural indígena. Não sou uma pessoa especial, não trato
tampouco de ser especial. Trato de que minha mensagem, meu conhecimento e experiência
cheguem às pessoas de uma forma baseada no amor espiritual. Muitas das pessoas que
sofrem na cidade, como no campo ou na floresta, é basicamente pela falta de amor espiritual.

Na cidade, muitas pessoas que se sentem mal, enfermas, é porque estão mal da mente. E isto
carregado na alma, no espírito, no coração e no amor. Minha viagem também se deve ao fato
de que tenho de preparar-me para dar este salto. Porque todas as pessoas devem dar este
salto, e este salto requer uma boa preparação, porque de toda maneira todo mundo sente
medo de dar os primeiros passos.

Talvez eu tenha de me preparar dois, três anos para vir ao Brasil, um país muito maravilhoso,
muito religioso e místico. Aqui tenho muitos amigos, como é o caso do Léo Artése, do Antonio
Duncan, que conhecem muita gente.

Todo mundo utiliza uma planta, ou duas, ou três, ou quatro plantas. Em minha iniciação, eu
tomei muita Ayahuasca. No Peru, em diferentes regiões, nós chamamos Ayahuasca, em
castelhano, que é uma palavra derivada do idioma quíchua. Alguns a chamam de “vinho da
alma”, outros a chamam “soga del muerto, la soga de la divindad, ponte do céu”.

Vocês a chamam de Daime, Yagé ou Caapi. Eu penso que todo mundo busca um caminho, e
este é o caminho da verdade. Não interessa o meio, interessa o fim, o objetivo que cada
pessoa persegue, e fazer sempre bem ao nosso próximo.

Eu utilizei muito a Ayahuasca, mas também combinei muitas plantas com propriedades
medicinais, porque respeito as experiências das outras pessoas. A Ayahuasca cumpriu a sua
missão, o seu trabalho em mim. Porque entendo que ela fez para mim uma ponte deste mundo
material com o mundo espiritual. Quando chego a este mundo espiritual, já tenho, digamos, a
energia em meu corpo. Utilizo São Pedro, Peiote, a Datura, e estou em processo de
aprendizagem com a Camalonga, e mais outras plantas, como Pinhão Colorado, Tabaco e
outras essências.

No meu trabalho terapêutico, utilizo pouquíssima quantidade, é somente para nos colocar em
“onda”. Uma base fundamental para podermos reunir, concentrar ou colocar-nos em nível de
espiritualidade. É a pipa, ou cachimbo, que dizemos que é onde está concentrado todo nosso
conhecimento, nossa sabedoria, nossa energia, o poder de um xamã ou curandeiro.

Todos os nossos trabalhos se fazem, no início, com os icaros, que talvez não sejam muito
compreensíveis para as pessoas que nos rodeiam, que têm de assistir a uma sessão de
Ayahuasca ou uma sessão de cura. Somente o xamã, ou curandeiro, sabe o significado destes
icaros. Esta melodia, este canto xamânico é todo conhecimento, todo poder do xamã ou
curandeiro. Pode-se “carregar” algum objeto com o icaro, o poder do xamã, segundo a
enfermidade a ser tratada.

Os icaros podem servir para carregar de energia a pessoa. No caso de pessoas que já têm o
conhecimento, ele serve para reforçar seu conhecimento, para dar-lhe energia, força, ou para
nivelar corpo, alma, espírito, mente e inclusive o sonho. Também serve para limpar a pessoa ou
um objeto carregado de energias negativas. Serve para fortalecer, em casos de pessoas que
estão muito desanimadas, melancólicas, tristes.

Acontece que nós pertencemos à energia branca, pode-se dizer a medicina branca. Mas
também há pessoas que, por intermédio da Ayahuasca e de outros conhecimentos, estão no
lado negro. Não importa a definição dada; há gente que se dedica a outros tipos de energias.

Em princípio, devo aprender com as duas energias, tanto a negra como a branca. No meu
grau, a energia negra só serve como defesa dos espíritos, das energias, como meu guardião.
Pois estou no lado branco, tenho de transmitir amor, que o amor é a razão. Todo tipo de
trabalho para o xamã é sua arma de cura, sua arma de acumulação de muitos anos, de um
poder multiplicador que serve para fazer terapia.

Há gente que pode fazer mal, fazer dano com os icaros, as melodias. Todos nós devemos
passar por essa etapa de busca de uma perfeição. Deve-se investigar, mas não como uma
prova para dar ou não um efeito. O que eu faço hoje levou muitos anos de investigação, de
acumulação, de experiências. E esta viagem ao Brasil servirá para eu demonstrar os efeitos
multiplicadores de todo este conhecimento acumulado; demonstrar no campo, na cidade.

Como se sabe, agora não é tempo de estar jogando com as energias. Pois nós acumulamos
energias durante muitos anos para enviá-la ao nosso próximo, que necessita dos outros para
trocar energias, para dar energias e também absorvê-las.

MINHA MISSÃO É O CURANDEIRISMO

Eu venho de uma comunidade indígena, e meus pais, meus avós, meus tataravôs eram
curandeiros . E assim temos um conhecimento ancestral. É um processo em que não passei
por uma série de provas ou coisa assim. Eu assimilei. Por estar em Lima (Peru), absorvi o
conhecimento da cidade e podia regressar à floresta. Qual era a minha missão? Era estar no
curandeirismo. Como digo, não sou um grande conhecedor, não sou um grande xamã, um
erudito na matéria.

Penso que tenho a força necessária, talvez um pouco de conhecimento, e quero, com toda
gente que está me acolhendo, fazer conhecer a maravilha destas plantas, não só a Ayahuasca.
Que as pessoas podem ir conhecendo e obtendo seus poderes de curandeirismo.
Comecemos pelo que se chama “Mãe das Plantas”, ou também podemos dizer Deus das
Plantas, Espírito das Plantas. O processo de aprendizagem pode ser feito como um pedido ao
Pai, à Mãe das plantas para que nos ensinem em sonhos, para quem busca aprender de todas
as Plantas Mestras que têm uma Mãe, um Espírito, que têm um deus, podemos dizer.

Tem que fazer como um médico científico, que vai aprendendo por ciclos, por especialidades.
O que nós fazemos para conseguir o nível de xamã é ir cumprir o período com as diferentes
plantas com propriedades medicinais. E que têm sua Mãe, seu Espírito guia. Cada Espírito guia
tem um animal de poder.

A Ayahuasca, por exemplo, tem várias classes: é branca, amarela, negra, marrom. Cada classe
tem um Espírito. No meu caso, estou com a amarela e a branca. Também se classificam por
camarambi ou mixa, e cada uma tem sua Mãe. Camarambis tem as Águias e os Condores, ou
uma ave que chamamos de Tisca. Já escutei seus cantos aqui na floresta do Brasil.

E também tem sua Mãe que é uma grande Serpente, que nós a chamamos de Joni, que quer
dizer serpente que pode estar em terra, na água, no espaço, nas nuvens, na roça, nas pedras e
nas areias.

Os outros guias espirituais são os Pumas, Tigres, Jaguares. O Espírito também é guardião do
xamã, do animal em que ele se transforma para poder ir aos níveis de conhecimento. Ou
quando está fazendo um trabalho para resgatar as almas dos enfermos. O xamã tem de se
transformar em todos os animais de poder para resgatar a alma, o espírito, a mente, o sonho
desse enfermo. E introduzi-lo em seu corpo. Tal como está, pois as energias estão nos 4
pontos cardeais; estão os animais de poder e as cores. Por isso que nós, xamãs, combinamos
conhecimento da natureza com conhecimento de energias.

Quando se quer combinar os Espíritos das diferentes plantas com poder medicinal, é como o
diretor de uma grande orquestra, que já tem o domínio das plantas medicinais e ordena que
cada Espírito possa fazer um determinado trabalho desta natureza. Para fazer essa
combinação deve-se ter muito poder de concentração mental, muito poder de mando, porque
às vezes alguns Espíritos-Guias são rebeldes. É como um pai que tem muitos filhos: cada um
quer uma coisa. O xamã que tem muitos Espíritos tem de ser um homem que tem mando, que
ordene, mande nos Espíritos que não querem trabalhar. Porque a maioria das plantas
medicinais ou têm muita energia da terra ou muita energia do fogo. E deve-se saber domá-los
(os Espíritos), manejá-los e guiá-los de acordo com o sentido do nosso trabalho.

As enfermidades mais comuns que eu trato são as físicas: dolências, febres, diarréias, tudo
que se chama enfermidade físico-mental. Porque quando a pessoa está mentalmente enferma,
transcende a enfermidade física. Pois a mente, assim como cria, destrói. Mas as enfermidades
físicas criadas por algum acidente, aí entra outro tipo de trabalho, com cataplasmas, outros
tipos de remédios. São enfermidades visíveis.

Também no norte e no centro do Peru, o que chamam de “susto” é a mesma coisa que aqui se
conhece pelo mesmo nome. Que uma pessoa, por efeito de um choque muito violento, cria o
que nós chamamos de “choque”. No Peru, também chamamos de choque psicológico, ou
acidente de corpo. Nas zonas da Serra, se diz “está assustado”. Na selva peruana, os
quíchuas, os lococamas lhe dizem “muruaira”. Mas nós também o conhecemos por “susto”.

Este tipo de coisa o médico científico muitas vezes não pode curar. Estou vendo o trabalho dos
homeopatas do Brasil, da Argentina, que fazem medicina holística. Talvez deveríamos
combinar a nossa experiência com a experiência das pessoas que trabalham com isso.

É mais fácil trabalhar com a pessoa que tem enfermidade física, enfermidade mental, do que
com outros tipos de enfermidades, como as contagiosas. Agora está em evidência o câncer, a
tuberculose, a Aids. Não tenho a possibilidade de fazer estes tratamentos. Deve-se ter muito
tempo para trabalhar com estas pessoas, tem que lhes dar um tratamento especial para fazer a
cura, ou somente para controlar a enfermidade. O processo de cura às vezes requer anos de
tratamento. No Peru também são realizados estes trabalhos.

Para mim, é mais fácil chegar a uma pessoa que sofreu uma enfermidade mental, uma
decepção amorosa, perda de seu ser querido, por este susto. Porque meu trabalho é
justamente entender a mulher abandonada; órfãos de pai, homem abandonado, homem
acidentado. Devo meter-me no corpo, alma, espírito e mente, inclusive nos sonhos desta
pessoa, para sentir eu mesmo, em meu corpo, os efeitos que atormentam esta pessoa.

Se a pessoa chega a perder-se... O dinheiro, por exemplo, é bom e também é mal para mim.
Como, vamos dizer assim, se deixar levar pela fama. Por isto não sou muito amigo deste tipo
de publicidade.

O que eu quero transmitir às pessoas que já entendem, elas saberão receber. Somos
obrigados a extrair a essência do conhecimento xamânico, de todos os países, pois se vai
transmitir este conhecimento a pessoas que de outro modo não teriam acesso a ele. Para fazer
isso eu não tenho um espaço; penso que o mundo inteiro é minha casa, e isto me diz que devo
seguir adquirindo mais e mais conhecimento, devo aprender mais, também para dar mais às
pessoas que necessitam.

UM CENTRO NA FLORESTA PARA RECEBER AS PESSOAS

Meu amigo Agustín Guzmán Morocho, que conheço há muitos anos, trabalha com o São
Pedro, e eu com a Ayahuasca, e temos um grupo. Nossa finalidade é ampliar isso na floresta,
na selva peruana, depois de Pucallpa. A 4 horas de barco de Iquitos, temos um centro que está
funcionando desde maio passado (de 1996). Um centro que pretendemos ampliar, para receber
todas as pessoas interessadas, que querem encontrar-se consigo mesmo em plena floresta.

Gente que quer se iniciar neste campo de curandeirismo, e aprender da Ayahuasca, de Pinho
Branco, Camalonga... Já que na cidade é um pouco difícil acompanhar esse processo de
aprendizagem. É com essa finalidade que temos feito um centro a mais, que é a casa que pode
receber investigadores, jornalistas, antropólogos, médicos inclusive, ou estudantes.

Queremos criar uma fonte própria de sustento, inclusive de animais menores para não
trazermos muitas coisas sofisticadas da cidade. Produziremos mandioca, frutas, e também
teremos mel de abelha. Peixe já temos em quantidade. Sim, o povo shipibo está
suficientemente capacitado para abastecer-se.

Venho trazer mensagem do povo shipibo, naturalmente conhecedor de certas técnicas de cura,
e trazer mensagem do povo peruano. No aspecto de que nós não perdemos a irmandade, e
pensamos que o povo latino-americano deve estar unido. Isto é o mais importante: sermos
irmãos. E como bons irmãos ajudar-nos a multiplicar as energias e os conhecimentos que nos
sirvam de alguma maneira. Não quero dizer que trago a verdade, que tenho a solução. Cada
um é que vai dizer se é bom ou mal. Eu tomo Ayahuasca somente para fazer o bem.

Em Brasília, fiz duas reuniões. Em São Paulo, fiz três sessões com Ayahuasca, na Chácara
Flora com um irmão xavante e com o Léo foi a quinta sessão. Minha impressão é que todos
têm uma expectativa, talvez pelo impacto da verdade que lhes digo.

Não sou das pessoas que negam sua procedência. Eu orgulhosamente digo que sou um índio,
um indígena, mas tenho tido a oportunidade de ter um pouco mais de conhecimento
acadêmico. Vejo que as pessoas, por maior que seja o seu nível de conhecimento, têm sentido
a autenticidade, a honestidade, a sinceridade com que eu chego a elas.

As pessoas que estão um pouco desequilibradas, mentalmente erradas, eu vou com amor. O
que digo pode ser verdade, pode ser mentira. Tudo depende de como cada um está orientado.
Todas as pessoas que participam dos meus grupos têm saído reconfortadas. Talvez não pelo
meu conhecimento, mas por haver me conhecido tal como eu me apresento, na minha
sinceridade.
Neste momento, somos irmãos que devem se conhecer inteiramente e, depois, ajudar-se uns
aos outros, intercambiando experiências, pois nunca se deixa de aprender. Repito que não sou
um grande xamã que traz uma solução. Primeiramente, é melhor nos conhecermos como
somos, e depois poderemos nos programas com muito mais conhecimento de causa.

Meu povo crê muito no curandeirismo, nos xamãs, porque de uma forma ou de outra somos
líderes entre o nosso povo, somos guias espirituais, somos os médicos, e também temos de
ver a vida política do povo shipibo e das demais etnias. No rio Ucayali são, por exemplo, 400
povos. Eu praticamente sou como um líder, viajo tanto para o baixo Ucayali como para o alto
Ucayali, e outras cidades. Há xamãs muito velhos que perderam seus poderes, e de vez em
quando precisam de ajuda, que lhes dêem energia.

Nossa missão também é buscar o equilíbrio do mundo, o equilíbrio do universo. Minha missão
é conectar-me com gente que também busca intercâmbios. Trato de conectar-me com pessoas
que já estão em nível espiritual mais elevado, para ampliarmos este movimento.

No Peru, há muita gente com conhecimentos superiores ao nosso, são descendentes dos
incas, gente que mantém a energia solar. Fala-se que vai haver uma transformação, uma
mudança no mundo. Uma parte do meu povo se prepara. Primeiramente, eu mesmo. Se eu
não me sentir em paz comigo mesmo, não posso ter ordem em minha casa. Não posso ter
ordem com minhas filhas e com minha mulher, e conseqüentemente com meu povo e o meu
país.

Acredito que as pessoas do Brasil e do Peru têm a missão de defender a selva amazônica,
esta fonte de energia sã no mundo. E, se vai haver um choque, um colapso, orientar essa
energia. Eu não sei como. Talvez seja um processo de aprendizagem, e esta minha viagem se
deve a isto. Para conhecer pessoas que estejam mais conscientes do que vai haver, melhor
orientadas nessas transformações que irão suceder. Por isso eu não vim fazer turismo, vim
aprender. Para voltar ao Peru e desenvolver um programa com seguimento, porque isto terá
um efeito multiplicador.

Sempre disse que aos 40 anos eu deveria sair e visitar outros países, e aos 45 tenho que ter
pelo menos uma visão global do mundo. E estou tratando de alcançar isto. Eu disse ao Agostín
que, antes de ir a outros países, prefiro radicar-me no Brasil, aqui em São Paulo.

Tem muita gente querendo me levar aos Estados Unidos, a Carolina do Norte, ao Novo México.
Tenho trabalhado no Peru há vários anos e agora penso ir à Europa. Acredito ter bastante
formação para suportar estes choques. Meu irmão também é um curandeiro, um investigador, e
viaja muito.

A confiança do paciente no seu curador é importante, e aí se realiza o que se chama o


“milagre” da salvação, da fé. A gente que tem fé é uno, produz um efeito multiplicador para que
a pessoa receba com boa predisposição a energia ou a palavra, e inclusive um sorriso
transmitido. Achar coisas bonitas também é um efeito multiplicador.

Este é um dos efeitos que a planta pode fazer. Porque se a pessoa não está com a energia
mental alta, não pode tampouco ver. Nós mesmos estamos iludidos, mas é uma ilusão
encaminhada, ordenada. Vivemos de um sonho, e quem não sonha não vive a vida. Tem de ser
um sonhador.

Muitas vezes me dizem que estou louco. Eu aceito esta loucura, porque se é uma loucura
multiplicadora de amor, de Deus, para com o meu próximo, com meu irmão, eu aceito esta
loucura. Porque é uma loucura orientada a um fim. O fim de fazer bem ao meu irmão, não
interessa a raça, a cor, a religião, a política, a ideologia... Para nós não há fronteiras, não há
países.

O governo peruano está dando um bom apoio à medicina nativa, porque haverá uma
classificação dos verdadeiros guias espirituais ou especialistas em medicina. Inclusive há uma
lei em andamento para apoiar a medicina tradicional, que depende do Ministério da Saúde.

O GOVERNO PERUANO NOS DÁ AMPLO APOIO

Mesmo as autoridades policiais apóiam isso. Nós, por exemplo, pagamos à municipalidade
para exercer isso, tiramos permissão especial da polícia. Já há um acordo do grupo médico
peruano para que nós sejamos como membros paramédicos. O governo peruano está dando
um amplo apoio ao nosso trabalho, e há uma classificação das pessoas que estão trabalhando
profissionalmente.

Para poder optar por seu título, o médico peruano tem de passar um ano num programa de
medicina tradicional, ou talvez aprender a falar um dialeto. E participar por um ano de
diferentes grupos. Eu concordo que as duas medicinas devem seguir paralelas.

Sinto que o Brasil está irmanado. Aliás, por parte de mãe eu sou descendente de índio
brasileiro com indígena peruano. Talvez por isso eu me sinto muito feliz por estar no Brasil, não
sinto tanta diferença, pois todas as pessoas fazem parte do meu mundo.

Não sou um erudito, não sou um grande conhecedor, mas pelo menos trago a sinceridade,
trago a honestidade. E para as pessoas que quiserem ter uma experiência, oferecemos o
nosso centro, um pequeno espaço na floresta, onde se pode descansar, criar mais e conhecer
mais.

Por intermédio da Ayahuasca, conheci outros seres espirituais que me conectaram com outras
plantas, com espíritos da terra, de água, das pedras. A Ayahuasca me deu esta oportunidade,
mas guiado por outros xamãs velhos, que eram meus guias espirituais. A princípio, meu irmão
e meus quatro tios que me iniciaram. Vários guias e mestres espirituais me têm dado seus
dons, uma certa especialização. O resto aprendi dentro de minha loucura (risos).

Combinando, fazendo misturas, buscando. Porque um ditado ensina que para chegar a ser um
bom mago, primeiro é preciso ser um bom alquimista. E um bom alquimista é um bom mago. A
natureza em si é mágica, e se a natureza lhe abre, se o coração da Mãe Pachamama, la
Iacuruna...

Tudo isto é uma aprendizagem que se consegue com sacrifícios, lutas e muita pena, pois no
final se está satisfeito por haver se sacrificado, por haver lutado. Porque tem a satisfação de
sentir-se dono de si mesmo e do seu conhecimento. Isto tem sim que produzir um efeito
multiplicador, tem que dar às pessoas necessitadas o que se tem aprendido. Por isso, tenho no
Peru muitos alunos que são mulheres e homens. Claro que nunca chegarão ao grau de um
grande xamã, mas pelo menos têm um conhecimento guiado para ajudar as pessoas.

XAMANISMO AMAZÔNICO
Por: Edward MacRae

Entre os povos indígenas da Amazonia Ocidental, encontra--se uma figura com funções,
técnicas e atributos bastante uniformes : o Xamã. Este personagem, como seus equivalentes
em outras partes do mundo, encarrega-se de estabelecer contato com o mundo sobrenatural,
buscando influir na cura de doenças, servir de oráculo, proporcionar bons resultados em
caçadas, evitar catástrofes naturais e organizar cerimônias religiosas.

Cosidera-se que seus poderes são adquiridos por vocação pessoal, pela vontade de agentes
supernaturais, ou, às vezes por herança. As circunstâncias em que acontece a descoberta
desse dom variam, mas podem incluir a aparição repentina de um ancestral ou de um espírito
animal, ou a ocorrência de algum tipo de crise psicossomática.

O xamã recebe seus poderes a partir de contato com espíritos. Isso acontece diretamente,
através de inspiração ou após a iniciação, sob a direção de um mestre. Esta iniciação consiste
de um poeríodo de isolamento, com dieta especial e abstinência sexual. A ingestão de
preparados feitos com a casca de certas árvores e tabacam o colocam em contato com o
mundo espiritual. Nesse estado, o seu espírito é capaz de voar e ter percepções inusitadas. Ele
deve obedecer às instruções dos espíritos e prestar atenção aos cantos e melodias que lhe são
sussurados, para aprender os seus segredos.

O poder do xamã é concebido como uma substância mágica, que pode estar contida numa
série de objetos: espinhos, setas, cristais de quartzo - quanto mais objetos, maior o poder. Ele
sempre carrega esses objetos consigo, e os identifica com seus espíritos auxiliares. A figura do
xamã é vista porém, com ambivalência : atribui-se a ele tanto o poder de curar quanto de fazer
o mal.

Os xamãs são grandes conhecedores da floresta e das propriedades das plantas, que usam
com frequência, especialmente para as atividades de cura. São também especialistas na
utilização de enteógenos, principalmente para entrar em contato com o mundo espiritual. Uma
das substâncias usadas com mais frequência é o chá produzido a partir da combinação do cipó
Banisteriopsis Caapi e da folha Psychotria Viridis, ao qual podem ser adicionadas várias outras
plantas. Este preparado recebe uma gama de nomes, como natema, yajé, nepe, kahi, caapi.
Mas é gen´´ericamente conhecido pelo termo quichua Ayahuasca, que significa "cipó dos
espíritos".

Antropólogos e botânicos listaram uma série de usos para esse preparado :

1 - A Ayahuasca e o sobrenatural

Rituais mágicos e religiosos Para receber orientação divina e se comunicar com os espíritos
que animam as plantas, para receber um espírito protetor. Adivinhação Para saber se estão
vindo estranhos; descobrir o paradeiro de inimigos e quais são seus planos; para saber se um
conjuge foi infiel; prever o futuro com clareza. Feitiçaria Causar doenças por meios psíquicos,
prevenção contra as más intenções de terceiros.

2 - A Ayahuasca e o tratamento de doenças Para determinar a causa de uma moléstia e ou


curá-la

3 - A Ayahuasca, prazer e interação social

Para produzir estados prazerosos ou afrodisíacos, para reforçar a atividade sexual, para atingir
o êxtase; para facilitar a interação social entre os homens.

Amor - Paz e Luz !

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