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Para criar “filhos” artísticos ou intelectuais, a pessoa deve assumir seu direito de ser tanto o
ventre fértil quanto o pênis fertilizador.
J. McDougall, 1997.
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A história de Bovary foi sendo publicada em capítulos até ser lançada em livro em 1857. O escândalo
levou Gustave Flaubert (1821-1880) às barras do tribunal, acusado de ofensa à moral e à religião. Um
dos juízes lhe perguntou quem era, afinal, essa tal de Madame de Bovary, e Flaubert deveria agradecer a
pergunta pois lhe deu a deixa para uma das respostas mais famosas da história das idéias – “Madame de
Bovary c´est moi”, disse. Assumindo que era, ele próprio, o responsável pela persona de uma das mais
famosas adúlteras da literatura, Flaubert defendia a autonomia e universalidade da criação artística.
Madame de Bovary era ele, era o leitor, éramos todos nós, e o magistrado inclusive. O Estado de São
Paulo, domingo 08 de junho de 2008, D3.
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McDougall (1998 p. 247) diz: ...a necessidade de o escritor ser capaz de se identificar profundamente
com personagens de ambos os sexos, foi imortalizado por Flaubert, que, perguntado sobre a origem de
sua inspiração, ao escrever Madame Bovary, respondeu: ‘Madame Bovary, c´est moi!’A recusa
inconsciente de perceber e explorar a capacidade que todos temos para identificações ambissexuais pode
desenvolver o risco de produzir bloqueio no escritor.
Talvez vocês já conheçam a seguinte anedota: caso um ser de outro
planeta desembarcasse na Terra, estranharia o fato de que o humano se
caracteriza pela existência de dois sexos. Se formos contaminados por essa
estranheza, podemos pensar que talvez um recém-nascido, encontrasse diante
desses angustiantes enigmas: de onde eu vim? quem sou? quem são esses –
mãe e pai?, qual o relacionamento entre eles?, o que eu tenho, ou não, haver
com isso? Questões pré-edípicas e edípicas dirão alguns psicanalistas, outros,
dirão, simplesmente, questões edípicas, já que estamos humanamente
mergulhados nessa trama, ou lama, desde o início − somos feitos desse barro.
- Eu queria uma mulher como analista; acho que elas são mais
compreensivas.
- Jamais faria uma análise com uma mulher, as mulheres não são
confiáveis por principio.
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Guignard, Florence, 2001. Prefácio do livro de Antonino Ferro: Fatores de doença, fatores de cura,
2005.
O termo bissexualidade foi sugerido a Freud por Wilhelm Fliess, há
vários comentários esparsos ao longo da obra. Em 1923, O ego e o id, ao
discutir as identificações com os pais e o complexo de Édipo, Freud escreve:
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FREUD, S. (1923). O ego e o id. XIX, ESB, p. 46-47.
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FREUD, S. (1925). Algumas conseqüências psíquicas da distinção anatômica entre os sexos, XIX,
ESD, 1976.
Masculinidade e feminilidade são construídas ao longo do
desenvolvimento a partir de uma rede complexa de influências identificatórias,
na qual os pais têm uma influência significativa, como descreve McDougall
(1999 p.15):
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MCDOUGALL, J. Teoria sexual e psicanálise. In Diferenças Sexuais, 1999.
Contesta-se muito, atualmente, a paráfrase de Napoleão utilizada por Freud: ‘a
anatomia é o destino’, insistindo-se com toda razão sobre o papel das fantasias
que têm o poder de se libertar das formas anatômicas para atingir o gozo. Mas
não podemos esquecer, também, que a forma e a configuração do corpo,
assim como a conformação dos órgãos sexuais, induzem fantasias. Viu-se
raramente a metáfora do pênis evocar o vaso ou o recipiente e a da vagina
encontrar na espada ou na faca uma comparação que se bastasse a si mesma.
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A publicidade utiliza-se das intensas sensações evocadas por esta cena.
bissexualidade psíquica é tributária das diferenças. Exemplifico: há no encontro
criativo e transformador entre analista e analisando um trânsito com suficiente
fluidez entre identificações femininas e masculinas, sempre tendo como norte o
luto pelas diferenças e o reconhecimento da monossexualidade.
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SEGAL (1992, p. 8) escreve: ...algumas idéias centrais vislumbradas por Klein, tais como a ligação
entre a posição depressiva e o complexo de Édipo, e, naquele contexto, a importância central da
aceitação final de um casal parental genital criador e a diferenciação entre as duas gerações e os dois
sexos
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Faço uma analogia com o título do livro, As duas árvores do jardim, de CHASSEGUET-SMIRGEL
(1986).
Eis o que diz Ogden (1992 p. 115)10 sobre as identificações bissexuais:
Quando se tem que fazer uma eleição entre a mãe e o pai (entre
masculinidade e feminilidade) não se chega a ser nem masculino nem
feminino, posto que na masculinidade sã e na feminilidade sã cada uma
depende da outra e também é criada pela outra. Isto é parte do resultado da
insistência de Freud (1905, 1925, 1931) na bissexualidade fundamental dos
seres humanos.
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Tradução livre.
Um analista passa ao largo dessa questão? Pouco provável.