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Reading Bion’s Transformation

Introdução à edição inglesa.

Marina F. R. Ribeiro

The analyst must focus his attention on O, the unknown and


unknowable. The success of psychoanalysis depends on the maintenance
of a psychoanalytic point of view; the point of view is the
psychoanalytic vertex; the psychoanalytic vertex is O. With this the
analyst cannot be identified: he must be it.

(Bion,1970/2014, Vol. VI, p.243)

Para início de conversa1, o livro Transformações (1965) é considerado um dos mais


enigmáticos e difíceis textos de Bion. Além disso, o próprio livro pode ser lido como o
testemunho de um processo de transformação em O; uma mudança catastrófica, uma cesura
na obra e na vida de Bion, esta introdução segue essa pressuposição, também abordada por
outros autores.
O livro ora apresentado para a publicação em inglês tem como intenção expor a
importância do estudo desse texto de Bion para aqueles que desejam um aprofundamento na
obra, e, especificamente, na mudança que ocorre nos últimos capítulos de Transformações, no
qual Bion desloca o seu interesse em conhecer a realidade psíquica, transformações em K
(conhecimento), para o Ser, o tornar-se, as transformações em O. O subtítulo do livro aborda
justamente essa mudança na obra: change from learning to growth.
O livro Transformações (1965) representa uma guinada na direção que Bion vinha
seguindo em seus trabalhos anteriores. Anteriormente a esse livro, Bion estava interessado no
aprender com as experiências emocionais, ou seja, nas transformações em K (conhecimento),
que pertencem ao campo das representações. A partir do final dessa publicação Bion se
dedica às transformações em O, que ocorrem em um nível não representacional da
experiência; no Ser e no tornar-se.
Considero produtivo e criativo quando um conceito, no caso cesura2, é usado para
pensar a própria obra do seu criador. A cesura ocorre justamente no livro Transformações,

1
Luis Cláudio Figueiredo inicia muitos de seus textos e aulas com essa expressão - para início de conversa -,
dessa forma, fazemos aqui um tributo a esse psicanalista e pesquisador tão profícuo.
2
Vermote (2019) no livro Reading Bion refere-se a essa mudança como uma cesura na obra bioniana; dividindo
seu livro em antes e depois da cesura, conectando vida e obra. No entanto, essa não é uma divisão feita apenas
por Vermote, mas encontramos essa ideia em Bléandonu (1993), Grotstein (2007), entre outros.
2

especialmente nos seus três últimos capítulos. Podemos considerar que a leitura feita por Luis
Cláudio Figueiredo3 é um tipo de microscopia dessa cesura, sob esse ângulo, um texto
original, considerando a vasta publicação de livros e artigos sobre Bion até o momento, em
inglês e português.
O psicanalista interessado na obra de Bion precisa inevitavelmente se dedicar ao
estudo das ideias desenvolvidas em Transformações (1965). Para aqueles que estão se
iniciando na obra, o livro ora apresentado pode ser um bom acompanhante na leitura do texto
original de Bion. E, para aqueles que já conhecem a obra em profundidade, o livro levanta
questões importantes e atuais de natureza epistemológica, principalmente no que se refere aos
diversos estatutos de O, apresentados por Bion no final do livro Transformações e destacados
pela leitura minuciosa e desconstrutiva de Luis Cláudio.
A partir do insight que Bion teve no final do livro Transformações, momento no qual
postula as transformações em O, há uma mudança catastrófica na vida e na obra. Aos setenta
e um anos Bion se muda para a Califórnia - Los Angeles (1968), para surpresa de seus pares
ingleses; uma mudança que revela o seu compromisso com a sua própria verdade emocional?
Uma transformação em O? Figueiredo segue, na sua leitura, os vestígios deixados no texto
pelas transformações do próprio Bion como um pensador da clínica e da teoria psicanalítica.
É justamente nos anos californianos, um período criativo e produtivo da sua vida, que
Bion fez quatro viagens ao Brasil (1973, 1974, 1975 e 1978), a convite de seu amigo e colega
Frank Philips, ministrando seminários e supervisões; semeando um legado que tem gerado
várias publicações em português.
O livro Reading Bion´s Transformation é uma leitura em profundidade do texto
Transformações (1965), uma análise conceitual não convencional, realizada originalmente
nos anos 2.000 no contexto de aulas na pós-graduação4. O texto de Bion é discutido passo a
passo, as referências epistemológicas são destacadas e analisadas. O livro aborda os três
primeiros e os três últimos capítulos do livro Transformações. A intenção é exercitar a
capacidade de leitura psicanalítica desconstrutiva, reconhecendo que Bion elevou o
pensamento e a prática psicanalítica a novos patamares.
A leitura que Figueiredo (2000, 2011) faz desfocaliza e refocaliza constantemente os
diversos estatutos de O que Bion discorre em 1965. Sumarizando, o principal objetivo do
livro Reading Bion’s Transformation é investigar os estatutos epistemológicos de O no livro
Transformações (1965); Figueiredo destacou e problematizou três, que serão apresentados
brevemente nesta introdução.
Figueiredo (1999), a partir das postulações de Jacques Derrida, expõe que uma leitura
desconstrutiva parte de uma proximidade, lealdade e liberdade para com o texto em todas as
suas dimensões. A leitura próxima e desconstrutiva privilegia o texto e a intertextualidade no
lugar da obra e de seu autor. Mesmo sendo necessário que a primeira leitura de um texto seja
sistemática e o texto tratado como obra, em um momento posterior, o leitor precisará se
desprender e se lançar em uma segunda leitura próxima e desconstrutiva, que considere o
texto e os diálogos intertextuais implicados.

3
Luis Cláudio Figueiredo tem uma publicação considerável em português, são vinte e quatro livros publicados
até o momento; considerado um dos psicanalistas brasileiros mais lidos, citados e referidos por seus pares. O
leitor de língua inglesa pode encontrar alguns artigos desse autor em revistas científicas.
4
A história detalhada deste livro está no final da introdução.
3

Esse método de leitura considera que há sempre uma intertextualidade em cada


trabalho. O texto de um autor nos remete a outros textos do mesmo autor ou de outros
autores, anteriores ou posteriores a este, ou ainda aqueles textos que estão por vir. Bion
(1965) propõe no início de Transformações que esse seria um livro que dispensaria outros
livros, o que evidentemente, não se sustentou. O livro Atenção e interpretação (1970) é uma
expansão dos insights presentes no livro Transformações, principalmente no que se refere às
transformações em O. A partir da postulação das transformações em O, o vértice psicanalítico
para Bion passa a ser O, e não mais K; como citado na epígrafe desta introdução: o analista
não pode estar identificado com O, ele precisa sê-lo (Bion, 1970/2014).
Isso promoveu uma mudança na compreensão dos conceitos postulados por Bion
antes de 1965, e, principalmente, uma retomada, em outros patamares, do que Freud propôs
como método psicanalítico da atenção livremente flutuante. O analista precisa ter a disciplina
de, ao receber seu analisando, estar em um estado de sem memória (passado), sem desejo
(futuro) e sem compreensão prévia, como proposto por Bion (1965, 1967). O analista precisa
estar aberto para a experiência nova que irá evoluir do encontro entre duas personalidades, a
do analista e a do paciente, ou seja, estar à deriva, deixando-se flutuar por experiências ainda
não vividas pela díade. Essa proposta metodológica de Bion é, segundo Gerber e Figueiredo
(2018, p.81) uma "...verdadeira renovação da escuta em atenção livremente flutuante em sua
dimensão ética: ouvir o outro sem preconceitos, sem filtros, sem lembranças, sem
expectativas ou desejos específicos, …”.
A obra de Bion considera enfaticamente a complexidade do funcionamento mental,
além disso, remete constantemente o leitor ao desconhecido, mantendo o texto insaturado,
aberto a outros possíveis significados, sempre momentâneos. No instante em que temos a
impressão de compreender algo na leitura, já perdemos essa sensação efêmera de apreensão
do conteúdo. Dessa forma, sugerimos uma leitura a partir do estado de mente que Bion (1965,
1967) propôs: sem memória, sem desejo, sem compreensão prévia, o que sabemos ser um
desafio considerável para o analista, e, talvez, ainda mais, para alguns leitores de textos
psicanalíticos que podem estar em busca de compreensões saturadas e conclusivas.
Grotstein (2019, p. 239) propõe uma técnica para ler Bion:

He later made the statement that the analyst, while listening to the patient,
should really listen to himself listening to the patient. This novel ‘technique’ can
also be applied to reading his published work, and I have every reason to believe
that that was how Bion desired for readers to approach his works: to listen to their
own spontaneous thoughts while reading him, i.e., their own transformations of
their own personal experiences upon reading him.

A leitura do texto pode vir a ser uma experiência de transformação para o leitor,
exigindo o que Bion (1970) chamou de paciência: a tolerância ao não saber, a estar à deriva.
E, também, ter fé, denominada como uma atitude científica por Bion, de que algum sentido
emergirá do caos do estado esquizopanóide de mente, para se entrar em um estado de
segurança, o estado depressivo de mente, assim se chega a um K (conhecimento), sempre
provisório e momentâneo. Lembrando que Bion ofereceu aos conceitos kleinianos uma
tridimensionalidade, complexidade e plasticidade significativas; principalmente aos conceitos
4

das posições esquizoparanóide e depressiva, ao de identificação projetiva e ao de inveja


(Cintra, E. e Ribeiro, M. 2018).
Há uma especificidade na leitura feita por Luis Cláudio Figueiredo (1999) do livro
Transformações: trata-se de uma leitura próxima e desconstrutiva, como já dito, atenta às
impurezas, às irregularidades, às fraturas, às alteridades do e no texto, sem idealizações ou
partidarismos, considerando a complexidade do texto bioniano. Sob esse ângulo, o livro
também é o testemunho do uso criativo do método de leitura psicanalítica desconstrutiva,
além de ser um estudo feito no âmbito da pós-graduação universitária, ou seja, um método
usado atualmente em pesquisas psicanalíticas; um método sofisticado de investigação e
estudo de um texto psicanalítico. Bion ainda é um autor pouco presente nas universidades;
dessa forma, penso ser fundamental apresentar algumas ideias de Bion, tanto na graduação
quanto na pós-graduação. Compreendo que a experiência de abertura e interesse de uma nova
geração para um autor tão instigante como Bion pode acontecer na graduação, o que pode vir
a favorecer a expansão do seu pensamento ao longo das futuras gerações.
A teoria das transformações é uma teoria da observação clínica no aqui e agora da
sessão analítica. Uma observação de como evoluem os fenômenos clínicos entre analista e
analisando, a sequência de transformações que acontecem em uma sessão, na dupla analítica
em complexa interação. E, também, a interpretação, a construção do analista ou sua
formulação verbal, que é compreendida como um produto dessas inúmeras transformações
que ocorrem durante uma sessão de análise, sendo que, a própria interpretação gera novas
transformações.
O livro Transformações aborda a eficácia psicanalítica e não apenas as verdades do
conhecimento psicanalítico. Bion retoma a questão da finalidade da interpretação na
psicanálise: “If I am right in suggesting that phenomena are known but reality is ‘become’,
the interpretation must do more than increase knowledge” (Bion 1965/2014, p.259). Em
outras palavras, a interpretação deve favorecer uma transformação em O, deve favorecer o
tornar-se si mesmo, não apenas um conhecimento de si.
Em toda transformação há uma invariância5, algo que permanece inalterado.
Zimerman (2014) esclarece o conceito com o exemplo da água: líquida, gasosa ou como um
cubo de gelo, o elemento invariante é a molécula de H2O. Outra analogia que podemos fazer
para compreender essa díade transformação/ invariância é com a fotografia de uma mesma
pessoa aos cinco e aos cinquenta anos, qual é a invariância que permite que ocorra um
reconhecimento de que é a mesma pessoa? E no material clínico, como é possível reconhecer
uma invariância? Compreendemos que a invariância pode favorecer o surgimento do fato
selecionado, ou seja, aquilo que será objeto da interpretação por parte do analista, ou como
um fato que é fundamental na compreensão do funcionamento psíquico do analisando, por
exemplo: o sofrimento psíquico do paciente pode estar condensado em uma imagem que
emerge na sessão por meio da capacidade de reverie do analista, como veremos na vinheta
clínica apresentada no final desta introdução.
Partindo do modelo apresentado por Bion (1965/2014) de que o analista observa o
reflexo das árvores no lago, nunca as árvores diretamente, ou seja, há graus diferentes de
distorções daquilo que é percebido segundo a turbulência da água e as condições

5
Os termos transformações e invariâncias tem origem na matemática.
5

atmosféricas. As árvores na beira do lago são uma manifestação de O, pois O é


incognoscível. A turbulência da água e as condições atmosféricas são as emoções que
circulam na sessão, no campo analítico, os vínculos L, H e K. Bion chamará essas distorções
de hipérboles, com diferentes graus de transformação da experiência emocional original, no
sentido de um distanciamento, como as ondas que reverberam ao lançarmos uma pedra no
lago.
A teoria das transformações abrange e contém a teoria freudiana da transferência
(transformações em movimento rígido) e a teoria kleiniana da identificação projetiva
(transformações projetivas). A transformação em moção rígida aproxima-se da transferência
como postulada por Freud, algo do passado do paciente é transferido ao analista, e,
geralmente, isso é identificado como uma invariância, algo que permanece e é reapresentado
continuamente na transferência. Nas transformações em movimento rígido a invariância é
reconhecível com uma certa facilidade.
Temos as transformações projetivas, postuladas a partir da expansão do conceito de
identificação projetiva de Melanie Klein. Bion, na teoria sobre o pensar (1962), propôs os
conceitos de continente e contido e considerou que as mentes se comunicam via identificação
projetiva, alocando o conceito kleiniano em outro patamar de complexidade e no campo da
intersubjetividade. As transformações projetivas comportam graus diferentes de distorção,
sendo que as transformações em alucinose distorcem ao limite extremo, ou seja, o ápice da
distorção hiperbólica, o limite entre o mental e o não-mental, no qual, torna-se difícil
reconhecer uma invariância, pois a distorção é brutal6.
Temos as transformações em K (conhecimento), e, ao final do livro Transformações,
Bion aborda as transformações em O, o tornar-se si mesmo. As várias formas de
transformação são vértices oscilantes e podem ocorrer em diferentes momentos de uma
mesma sessão, sendo que a análise deveria favorecer as transformações em K e em O, o
aprender com a experiência (K) e o tornar-se (O)7.
A partir de Transformações, Bion (1965) compreende que o contato com a realidade
psíquica ocorre de forma a-sensorial, ou seja, uma apreensão que acontece por meio da
intuição e não pela captação sensorial. O estar em O do analista, como Bion (1970) escreve, é
o estado de mente que favorece a intuição psicanalítica, no que se refere ao contato com a
realidade psíquica do paciente, um conhecimento sem a mediação de elementos sensoriais.
Bion (1965, 1967) compreende que memória e desejo são derivados da sensorialidade, e
intensificados por esta, e não favorecem a intuição, motivo pelo qual faz essa sugestão
técnica de difícil compreensão ainda hoje: o analista precisa receber seu paciente em um
estado mental sem desejo, sem memória e sem compreensão prévia, como se fosse sempre a
primeira vez.

Na primeira apresentação oral de Bion das ideias sobre Memória e Desejo em 1965
(publicado como texto em 1967) nas reuniões científicas da Sociedade Britânica, ele diz:

6
Retomo o conceito de transformação em alucinose na discussão da vinheta clínica no final da introdução.
7
Vermote (2019, p.166) considera que no livro Atenção e interpretação (1970) Bion “...succeeded in integrating
T (K) and T (O) as a dual track of psychic functioning and change. ”
6

Nevertheless, as analysts we do know – and I think it is borne in on us more and


more as experience builds up – that we really do deal with something; that the
psychoanalytic experience, however sceptical we may be, is really an emotional
experience and it really exists, even if we shall never know or be in a position to
give even an approximately correct description of what takes place. For this reason,
I think – and find it most useful to do so – of any clinical description as being by
nature of a pictorial representation, or, shall we say, a sensuous representation
(because I am thinking of what takes place in an analytic situation).I transform that
situation into visual images and then a further transformation into verbal
formulations, such as those with which we are familiar here.

(Bion, 1965/2014, p.10)

O analista está diante do desafio de lidar com o aquém da sensorialidade, o não


sensorial, captado pela intuição psicanalítica, o terceiro olho da mente, a maneira como um
inconsciente capta outro inconsciente. E, também, o psicanalista precisa lidar com o
sensorial, aquilo que pôde ser transformado em uma representação pictórica pela sua
capacidade de reverie. E, além disso, o psicanalista precisa se defrontar com a sofisticada,
plástica e estética capacidade de transformar em palavras as imagens que emergem do
encontro analítico; as formulações verbais. Há, também, a geração de imagens a partir das
interpretações ou construções feitas pelo analista, em uma circularidade que se retroalimenta,
e que favorece a intimidade psíquica e a expansão do campo analítico. É dessa forma que
compreendo quando Bion (1965) escreve sobre o diâmetro gerado pela interpretação, que não
pode ser nem limitado e nem amplo demais, mas precisa ser um diâmetro que favoreça o
contato íntimo entre as duas mentes, a do analista e do analisando, em constantes
transformações de um O comum a díade.
Aquilo que pode ser retratado a partir da intuição psicanalítica, ocorre além e aquém
de qualquer sensorialidade, ou de forma infra e supra sensorial (Bion,1992/2014). As
angústias não têm cheiro, não são visíveis, não podem ser tocadas, são intuídas pela mente do
analista, como escreve Bion (1967). Precisamos de um facho de intensa escuridão para intuir
no aqui e agora da sessão, tornar visível o invisível da experiência.

Freud, in a letter to Lou Andreas-Salomé, suggested his method


of achieving a state of mind which would give advantages that would
compensate for obscurity when the object investigated was peculiarly
obscure. He speaks of blinding himself artificially. As a method of
achieving this artificial blinding I have indicated the importance of
eschewing memory and desire. (Bion, 1970/2014, vol. VI, p. 257).

A função do analista na sessão, a partir da postulação das transformações em O, passa


a ser uma oscilação contínua entre conhecer (K) e ser (O). Em outros termos, uma
transformação contínua de O para K, e de K para O, a partir do atravessamento das
7

turbulências hiperbólicas, das distorções da realidade psíquica sempre presentes, Figueiredo


(2014) escreve:

…Bion nos fala da experiência de O - a experiência emocional em sua


condição de Origem de toda a nossa vida somatopsíquica: aqui não se
trata de ‘conhecer’, mas de ‘tornar-se’, reconciliar-se em
profundidade com a própria experiência emocional inconsciente, sem
defesas e subterfúgios, inclusive sem a redução desta experiência ao
campo dos sentidos instituídos e reconhecíveis pela consciência.
Neste contexto, que ultrapassa a epistemologia clássica, pois o que
está em jogo é a correspondência entre a representação e o seu objeto,
dá-se ‘uma outra verdade’, a verdade em O, da maior importância
para a clínica psicanalítica, cujas metas não se reduzem a conhecer ou
reconhecer-se - embora passem por isto - mas se projetam no rumo de
uma efetiva transformação subjetiva, o que só acontece a partir do
contato profundo e sem disfarces do sujeito consigo mesmo, com o
inconsciente infinito que o habita e move. ( p.127)
.

Ainda que possamos compreender as transformações em K e em O como vértices


oscilantes, a transformação princeps é o tornar-se: “Their value therapeutically is greater if
they are conducive to transformations in O; less if conducive to transformations in K” (Bion,
1970/2014, p. 242). Bion, inspirado em Nietsche, diz que em uma análise o paciente se torna
quem ele é, o melhor que se pode com o que se é a cada momento, pois o inconsciente é
infinito; é o que nos move, uma constante imanência.
Retomando as transformações em O, Figueiredo (2000, 2011) faz uma discriminação
de três concepções de O que surgem em Transformações, ou seja, qual é a concepção, ou o
estatuto de O no plano da teoria das transformações? Como esta concepção oscila ao longo
do livro de Bion?
Primeiramente, temos O evocado através das formas platônicas; O é inacessível aos
sentidos e, em si mesmo, não se fenomenaliza, mas conteria as matrizes dos possíveis
fenômenos, ou seja, comporta uma ordem: as formas transcendentais. Essa concepção de O
como formas platônicas colaboram na compreensão das preconcepções inatas, o arcabouço da
mente, as tendências herdadas para organizar o mundo segundo certos padrões, como relata
Figueiredo (2000, 2011).
Na segunda concepção, O não comporta as formas platônicas, mas uma
potencialidade para as distinções ainda não desenvolvidas. No entanto, segundo Figueiredo
(2000, 2011), nessa concepção, a razão da resistência8 ser deflagrada não é compreensível. O
que geraria a resistência? Quando há um movimento em direção a O, em direção à
experiência da verdade emocional do analisando, o que geraria a resistência? Bion escreve

8
Se permanecermos estritamente dentro de uma conceptualização bioniana, a resistência se refere ao
desconhecido, ou seja, ao espectro conhecido-desconhecido e ao aprender e não aprender com a experiência
emocional. Lembrando, também, que referente a díade consciente-inconsciente, Bion propõe a díade
finito-infinito.
8

que a verdade emocional é o alimento da mente, mas que tememos o contato com essa
verdade, ou seja, resistimos a ela, resistimos ao desconhecido em nós.
Na terceira, última e plena acepção de O como o infinito vazio e sem forma do qual o
mundo emerge em estado ainda caótico, as razões da emergência da resistência se tornam
compreensíveis. A resistência é gerada diante da angústia ao infinito vazio e sem forma, ao
desconhecido. Bion (1965/2014, p. 261) usa essa formulação poética de John Milton em
Paradise Lost para representar O:

The rising world of waters dark and deep.


Won from the void and formless infinite.

Figueiredo (2000, 2011) considera que apenas nesta terceira compreensão que O
corresponde à coisa-em-si kantiana, que não pode ser conhecida, no entanto, suas qualidades
primárias e secundárias podem ser apreendidas, citando Bion:

I am not interpreting what Milton says but using it to represent O.


The process of binding is a part of the procedure by which something
is “won from the void and formless infinite”; it is K and must be
distinguished from the process by which O is ‘become’. The sense of
inside and outside, internal and external objects, introjection and
projection, container and contained, all are associated with K. (Bion,
1965/2014, p. 262)

Dessa forma, como compreende Figueiredo (2000, 2011), Bion acentua o hiato entre a
lógica do mundo dos conceitos (K) - o senso de dentro e fora, objetos internos e externos,
introjeção e projeção, continente e contido - e o plano do infinito vazio e sem forma no qual
a experiência emerge. Esse hiato tem uma reverberação significativa no universo teórico da
psicanálise: o intervalo entre saber psicanálise e ser psicanalisado, entre o saber de si e o
tornar-se si mesmo.
Continuando nessa direção de destacar algumas articulações específicas presentes
neste livro, no intuito de conduzir e instigar o futuro leitor, enfatizamos, que é a partir do
livro Transformações (1965) que passa a ser fundamental a qualidade das transformações que
se realizam na sala de análise e na dupla analítica, dentro do campo analítico. Transformar é
trans + formar, formar para além, que implica tanto em movimentos formativos, quanto nos
desintegradores, transformar tanto forma como destrói formas. Na experiência do
inconsciente implicada na psicanálise, é preciso que se reconheça tanto a dimensão do
tornar-se como do desfazer-se, movimento, este último, pouco realçado em outros textos. O
movimento de desformar, desfazer-se em O, é uma ênfase da leitura de Figueiredo (2000,
2011):
9

Being become by O seems to imply a “constructive” movement in which O imposes


itself with its “development” potential. Becoming O, understood now as a void and
formless infinite, is, on the contrary, a deconstructive movement back to baseless, to
the dark nights of the soul. In the first case it is letting oneself be done by O, in the
other is letting oneself be undone in O.

Na mesma direção do desformar, é abordado neste livro uma discussão sobre os


conceitos de função α e transformação α (Tα), estabelecendo relações entre ambos. É
considerado que Tα inclui a função α, mas não se reduz a ela, uma vez que o resultado de
certas transformações – em função da destrutividade e desintegração – não são pensamentos
propriamente ditos, mas sim evacuações e projeções. A transformação implica em formar,
mas, também, em desformar, ou seja, não só os pensamentos podem se apresentar destruídos;
a própria capacidade de pensar pode estar destruída.
Outra compreensão a ser destacada no texto ora apresentado é referente à dimensão
beta do material clínico, sempre presente. Bion usa o termo elemento β, e T β (transformação
β), gerando uma certa confusão no leitor, pois T β é produto de uma transformação, e o
elemento β é uma experiência em estado bruto.
O termo transformação é desdobrado em três: as Transformações (T) englobam
transformações em termos de processo (T α) e transformações em termos de produtos (T β).
Quando estamos diante T paciente β, estamos diante de um produto de uma transformação;
esse é o material clínico que será apresentado ao analista, no entanto, esse material continua
contendo uma dimensão beta. Estamos sempre diante de uma sequência infinita de
transformações, nas quais a origem (O) é incognoscível, e o que se apresenta como forma ou
representação permanece continuamente com uma dimensão beta, enigmática. Bion nos fala
dos limites da representação, do constante formar e desformar, sempre parcial, ou seja, a
dimensão beta da experiência está sempre presente. Mawson escreve: “A careful reading of
Bion, however, allows us to see that it is an epistemological idea relating to the limits of
representation.” (2014, vol.VI, p.215)
Figueiredo (2000, 2011) dia que o material clínico – ainda que já contenha algumas
formas e padrões dos quais se possam extrair invariantes – está muito longe de ter o
fechamento e a univocidade capazes de determinar de uma vez por todas a transformação
psicanalítica mais apropriada, e a interpretação a ser formulada. O material clínico contém
uma dimensão beta, enigmática, intrusiva, perturbadora, que convoca o analista a uma
experiência que é sempre de turbulência emocional, um mau negócio, como escreve Bion em
seu último artigo (1979/2014).
Será que o analista pode propiciar uma transformação em O a partir da interpretação e
do conhecimento psicanalítico? O é inacessível aos sentidos e, em si mesmo, não se
fenomenaliza. Contudo, ele já conteria em si as matrizes dos possíveis fenômenos. A
experiência que Bion denomina mística será um modelo para esta modalidade de
transformação, que já não é uma transformação DE O, mas uma transformação EM O, já não
é um conhecimento de O, mas um tornar-se O, ou seja, o intervalo, ou hiato como escreve
Bion (1970), entre saber psicanálise e ser psicanalisado, entre ter um conhecimento de si e o
tornar-se si mesmo, como dito acima.
10

Embora Bion não esteja se apresentando como místico, não deixa de nos sensibilizar a
lembrança de que para ele a procura das formas adequadas de expressão é tão necessária,
quanto fracassada, pois é sempre uma aproximação que comporta distorções, como escreve
Figueiredo (2000, 2011). Tal como o místico, o psicanalista tem uma experiência de O que
não pode ser nem desqualificada nem transformada em representação adequada, já que toda
transformação de O é de alguma forma hiperbólica. Poderíamos dizer que L, H, e K são
sempre inadequados a O, embora sejam apropriados a transformações DE O. Em cada um
destes vínculos há uma espécie de exagero e distanciamento, o que está na raiz do que Bion
chama de hipérbole.
Para Bion, ser O ou tornar-se O, nem é uma possibilidade teórica, nem pode ser um
imperativo categórico, ou seja, superegoico, como diz Figueiredo (2000, 2011). É abordado
neste livro que a passagem a O, muito mais que o conhecimento de O, é o que está presente
nas situações de resistência, ou seja, no ato de se desfazer no desconhecido, nas águas turvas
e profundas. É a iminência de O, como sentimento de que aceitar e acolher O, que pode ser a
melhor solução – ainda que penosa – que deflagra a resistência a O. O conhecimento (K),
inclusive, pode ser um dos modos de não ocorrer a transformação EM O, de impedir sua
iminência. O que está em jogo não é o conhecimento e suas vicissitudes, ou seja, as
capacidades cognitivas do homem e seus limites, mas a possibilidade assustadora de passar a
O, de transformar-se em O, em sua iminência e imanência: o infinito vazio e sem forma.
Segundo Figueiredo (2000, 2011), uma situação patológica se instala quando o
encontro com O deve ser evitado e adiado infinitamente. Neste desviar-se, ficamos às voltas
apenas com as transformações de O. Isso quer dizer que não só prevalece o vínculo H, mas,
também, quando prevalece L e K – situações em que O está apenas hiperbolicamente
presente, nessa situação, há sempre uma resistência a O operando, uma resistência ao
desconhecido.
O que gera a resistência é a angústia diante do infinito vazio e sem forma – nada de
entes – e, provavelmente, o pavor do mundo emergente de águas turvas e profundas, pois o
mundo aqui não é conquistado, a partir do nada, na forma de algo simples e bem
discriminado. Nesta versão, o estatuto de O como incognoscível, encontra a sua plena
formulação. A ideia de O como infinito vazio e sem forma – um nada de entes, em termos
heideggerianos, ou seja, momento no qual o mundo emerge em estado ainda caótico. Neste
caso, fica muito mais fácil identificar as razões da resistência, da evitação ao desconhecido.
Assim, podemos supor que O seja um campo de possibilidades de ‘evolução’, em si
mesmo inacessível, mas cujos ‘produtos’ podem ser conhecidos, ou que O é o infinito vazio e
sem forma de onde são conquistadas as qualidades secundárias e primárias de que se
compõem os entes.
Após essa explanação teórica da teoria das transformações, vou apresentar uma
vinheta clínica que servirá de referência para refletirmos sobre os conceitos. Considerando,
que é sempre um desafio articular o material clínico com as abstrações teóricas, mas vamos
confiar no estímulo e curiosidade provocados pela experiência:

Ao encontrar Antônio pela primeira vez, sem nenhuma informação a seu


respeito, fixo-me incomodamente em seus sapatos e penso: são sapatos de um
morto, como alguém pode usar sapatos de um morto? Percebo-me quase em uma
experiência alucinatória, os sapatos produzem o efeito de um campo magnético do
11

qual não consigo desviar os olhos e o pensamento: vejo a morte e estou paralisada.
Ele começa a falar, fico dividida, observando o que é dito e a intensa sensação de
morte na qual estou imersa, sem compreender absolutamente nada do que está
ocorrendo, sendo arrastada pela experiência perturbadora. Aguardo em um silêncio
receptivo. Ao final do nosso encontro, Antônio relata de forma distanciada e breve
os fatos de sua vida que precisavam ser sonhados, fatos estes que estavam contidos
e condensados na imagem dos sapatos de um morto, representação pictórica pela
qual fui subitamente abduzida ao encontrá-lo. Sua única filha nascera com várias
malformações, passou por intervenções cirúrgicas e viveu poucos anos. Antônio
havia me procurado após um ano da morte da menina ou da sua quase morte
psíquica; ele andava com os sapatos de um morto, desvitalizado, um morto ainda
vivo. Sua demanda manifesta de análise era expressa, porém, por outras questões:
não conseguia encontrar um lugar de reconhecimento profissional e financeiro. A
profissão - vida - se mostrou de uma brutalidade ímpar, e ali estava ele, um homem
andando com a morte acorrentada aos seus pés. E, na mesma sala, a analista,
tentando sonhar a brutalidade dos fatos de sua vida

Retomando Bion, a origem de toda e qualquer transformação é incognoscível, é O


compartilhado igualmente, mesmo que de forma diversa, pelo paciente e pelo analista na
sessão: “I therefore postulate that O in any analytic situation is available for transformation
by analystand analysand equally. ” (Bion 1965/2014, p. 169).
A turbulência gerada pelo encontro com Antônio - o encontro entre duas
personalidades é sempre um mau negócio, como escreve Bion (1979) -, rapidamente evolui
por meio de uma representação pictórica, uma reverie na mente da analista: a imagem dos
sapatos de um morto, que também passa a ser um fato selecionado da sessão.
A imagem pictórica já é o produto (T analista β) de um processo de transformação (T
analista α). A analista em estado de capacidade negativa (sem memória, sem desejo e sem
compreensão prévia), estado de mente receptivo a O, e, também, favorecedor da intuição
psicanalítica, é arrastada pela experiência emocional, momentaneamente sem sentido, ficando
à deriva. É preciso ter paciência (estado de mente esquizopananoide) e fé, o ato de fé (Bion,
1970) de que algum sentido emergirá na posterioridade da situação, algo que gere um estado
de segurança (estado de mente depressivo), que propicie uma evolução em K, um
conhecimento do sofrimento psíquico do paciente.
A experiência de ‘ver’ os sapatos de um morto é algo do âmbito do que (Bion,
1970/2014, vol. VI, p. 250) chamou de transformação em alucinose:

…to appreciate hallucination the analyst must participate in the state of


hallucinosis. From what I have said it will be clear that this is so, for
I have postulated that a K link can operate only on a background of
the senses, is capable of yielding only knowledge ‘about’ something,
and must be differentiated from the O link essential to transformations
in O. Before interpretations of hallucination can be given, which
are themselves transformations O ˃ K, it is necessary that the analyst
undergoes in his own personality the transformation O ˃ K. By
eschewing memories, desires, and the operations of memory he can
approach the domain of hallucinosis and of the ‘acts of faith’ by which
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alone he can become at one with his patients’ hallucinations and so effect
transformations O ˃ K.

A representação pictórica dos sapatos de um morto é uma transformação de O em K,


uma experiência que se fenomenaliza em uma imagem, um ideograma afetivo (1992/2014);
imagem que está no âmbito da alucinose, pois não há nenhum apoio sensório na captação
dessa realidade psíquica, isso acontece pela capacidade de intuição do analista, que evolui
para uma reverie, ou seja, entra no campo das representações.
Podemos refletir que ocorreu na mente da analista, diante da turbulência emocional do
encontro, uma transformação de O para K, ou seja, algo sem forma (O), evolui para uma
forma (K), a imagem pictográfica. Isso ocorre pela capacidade de reverie da analista, sua
função α; lembrando que a reverie é um fator da função α, uma função transformadora da
brutalidade dos fatos. K é uma forma, algo que se fenomenizou, passível de representação por
uma imagem com características estéticas, e que, posteriormente, pode ser transformada pelo
analista em uma narrativa, uma formulação verbal como escreve Bion (1965).
Resumidamente, O se manifesta em K (Bion,1970/2014), se fenomenaliza em K.
A experiência estética na sessão analítica é outro vértice que surge a partir do livro
Transformações. Bion inicia o livro descrevendo a mutação que o artista faz ao pintar um
campo de papoulas, e as invariâncias que fazem com que seja possível o reconhecimento do
campo de papoulas, no entanto, essa analogia se tornará cada vez mais complexa ao longo do
livro. Seria a transformação em O uma experiência estética? Ou a transformação em K? Ou
mesmo as distorções hiperbólicas das transformações projetivas e a transformação em
alucinose poderiam ser compreendidas como experiências estéticas? Como geralmente
estamos diante de construções imagéticas da mente, os ideogramas afetivos (Bion,
1992/2014), uma experiência estética parece estar sempre presente nos diversos vértices de
transformação que poderiam até ser pensados como vértices estéticos da experiência
emocional.
A linguagem poética que Bion passa a usar com mais frequência após o livro
Transformações, e indubitavelmente, na publicação da trilogia Memória do Futuro e dos
textos autobiográficos, é uma linguagem da imaginação estética, uma linguagem de êxito,
como ele escreveu em Atenção e Interpretação (1970). Somente a linguagem poética pode
ser uma evolução das transformações EM O e DE O. A mente se organiza como poiesis, a
diuturna capacidade de sonhar as experiências emocionais, uma criação estética, imaginativa,
constante e infinita.
13

Agradecimentos e a história do livro Reading Bion’s Transformation

.
O atual é aquilo que não envelhece com a passagem do tempo, talvez até se torne
melhor compreendido, o que penso ser o caso da leitura que Luís Cláudio Figueiredo fez do
livro Transformações em março de 2000, tendo como interlocutores os alunos da
pós-graduação da PUCSP.
A época em que essas aulas foram ministradas é um dado a ser destacado, pois
escassos textos nos anos 2000 se referiam a essa mudança na obra de Bion, e,
especificamente, os estatutos de O, do Ser e do tornar-se, justamente o que é examinado nessa
leitura do livro Transformações, e que vem sendo discutido atualmente entre estudiosos da
obra: o estatuto clínico das transformações em K e em O.
No ano de 2008, Gina Tamburrino e eu fazíamos doutorado, tendo como orientador o
Luis Cláudio. Na ocasião, ele disponibilizou suas anotações das aulas ministradas em 2000
para organizarmos um seminário sobre Transformações. Ficamos impactadas com a
originalidade e complexidade daquelas anotações de aula e sem hesitação comentamos que
seria interessante a publicação daquele material. Luis Cláudio nos convidou para organizar e
editar aquelas preciosas anotações, o livro foi publicado em português em 2011.
Na direção de orientar o leitor de língua inglesa, o livro Reading Bion de Rudi
Vermote (2019) é um bom interlocutor para o livro Reading Bion’s Transformation, que
consiste em uma leitura pormenorizada e detalhada de um dos livros teóricos de Bion,
considerado extremamente complexo, mas fundamental para compreender de forma
consistente o pensamento bioniano.
A semelhança dos títulos dos dois livros foi uma coincidência, o livro em português
se chama Bion em nove lições. Lendo transformações, publicado em 2011. A origem do texto
são aulas ministradas na pós-graduação por Luis Cláudio Figueiredo, por esse motivo,
mantivemos os capítulos nomeados como lições. Como o título em português comporta um
certo humor paradoxal, pois não se trata de apresentar Bion em nove lições, mas de expor
uma leitura complexa do livro Transformações (1965), preferimos retirar a primeira parte do
título para a versão em inglês, o que acentuou a proximidade entre os dois títulos.
Coincidências à parte, ou melhor dizendo a partir do próprio Bion: os pensamentos
psicanalíticos buscam autores em diferentes continentes geográficos e psíquicos; os livros são
escritos em línguas e tempos diversos, no entanto, podem se interconectar na sua
textualidade, mesmo que em parte. Além disso, o título em inglês permite uma outra
compreensão: que Figueiredo segue atentamente os vestígios deixados no texto pelas
transformações do próprio Bion como um pensador da clínica e da teoria psicanalítica, como
já exposto.
14

Ao final, gostaríamos de agradecer ao Luís Cláudio Figueiredo que foi generoso em


concordar com a publicação das suas ideias para o leitor de língua inglesa; e à colega Gina
Tamburrino que também endossou a proposta.
A Elias da Rocha Barros pelo prefácio feito para a versão em inglês, mas não apenas
isso, seu incentivo para traduzir e publicar o livro foi simplesmente decisivo.
A Howard Levine pelo interesse nas ideias presentes no livro e pela prestimosa
orientação para que uma introdução fosse escrita orientando o leitor de língua inglesa aos
desafios na leitura do texto, tanto do texto original de Bion, Transformações, como a leitura
apresentada neste livro.
Traduzir é em parte trair o texto original, sendo que, o português e o inglês são
línguas com estruturas diversas, tornando a aventura da tradução um risco e um trabalho
árduo. Um agradecimento a Davi Flores, o tradutor, e a Taís Nicoletti, a revisora, que
aceitaram o desafio de traduzir para o inglês um livro difícil e complexo em português.
Ambos são psicanalistas e pesquisadores interessados na obra de Bion, e que fazem parte do
meu grupo de pesquisa na Universidade de São Paulo e do LipSic 9(Laboratório
Interinstitucional de Estudos da Intersubjetividade e Psicanálise Contemporânea IPUSP -
PUCSP).
Agradeço a resenha do livro em português, escrita por Júlio Fochtengarten (2012),
que foi usada como uma das referências para este texto. Sou grata a leitura cuidadosa e atenta
ao manuscrito desta introdução e as sugestões feitas por Evelise Marra, Ignácio Gerber, Júlio
Fochtengarten, e Gina Tamburrino.
Agradeço a Evelise de Souza Marra, co-organizadora das Jornadas sobre a obra de
Bion em São Paulo iniciadas em 2008, e realizadas com a colaboração de outros colegas da
Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP), até o momento foram doze
jornadas, e pelos textos e livros que foram gerados a partir desses profícuos encontros, até o
momento são cinco livros, tornando o legado de Bion no Brasil algo em constante expansão.
E, agora, parte dessa consistente produção brasileira é apresentada ao leitor de língua inglesa
tendo Howard Levine como editor.

Marina F. R. Ribeiro

São Paulo, janeiro de 2021.

9
Atualmente, Luis Cláudio Figueiredo é um dos professores orientadores do LipSic.
15

Referências bibliográficas

Bléandanu, G. Wilfred R. Bion. A vida e a obra. (1993). Rio de Janeiro: Imago. (Trad. Hoory
e Mortara).

Bion, R. Wilfred (1965). Transformations. The complete woks of W.R.Bion. London: Karnac
Books, 2014. Ed. Chris Mawson.

Bion, R. Wilfred (1965). Memory and desire, 1965. The complete works of W.R.Bion.
London: Karnac Books, 2014. Ed. Chris Mawson.

Bion, R. Wilfred (1967). Notes on memory and desire. The complete woks of W.R.Bion.
London: Karnac Books, 2014. Ed. Chris Mawson.

Bion, R. Wilfred (1970). Attention and interpretation. The complete woks of W.R.Bion.
London: Karnac Books, 2014. Ed. Chris Mawson.

Bion, R. Wilfred (1992). Cogitations. The complete woks of W.R.Bion. London: Karnac
Books, 2014.

Cintra, E.U. & Ribeiro, M.F.R. (2018). Por que Klein? São Paulo, SP: Escuta.

Figueiredo, L. C. (1999). Palavras cruzadas entre Freud e Ferenczi. São Paulo, SP: Escuta.

Figueiredo, L. C. (2000). Anotações de aulas ministras na pós-graduação da PUCSP.

Figueiredo, L. C; Tamburrino, G., Ribeiro, M. (2011) Bion em nove lições. Lendo


Transformações. São Paulo. Editora Escuta.

Frochtengarten, J. (2012). Bion em nove lições: lendo Transformações. Revista Brasileira de


Psicanálise, 46(3), 229-232. Recuperado em 30 de janeiro de 2021, de
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.

Gerber, I. & Figueiredo, L.C. (2018). Por que Bion? São Paulo: Ed. Zagodoni.

Grotstein, J. (2007). A beam of intense darkness. Wilfred Bion’s Legacy to Psychoanalysis.


London: Karnac Books.
16

Grotstein, J. (2019). Listening to and reading Bion. In: Vermote, R. (2019). Reading Bion.
New York and London: Routledge, pp. 238-243.

Vermote, R. (2019). Reading Bion. New York and London: Routledge.

Zimerman, D. Bion da Teoria à Prática. Uma leitura didática. (2004). Porto Alegre: Artmed.

Livros publicados decorrentes das 12 Jornadas sobre a obra de Bion em São Paulo ocorridas
na SBPSP desde 2008:

Psicanálise: Bion - Transformações e Desdobramentos. Organização: Cecil José Rezze


Evelise de Souza Marra e Marta Petricciani-. Primeira edição: Casa do Psicólogo. São Paulo,
2009. Segunda edição: Ed. Blücher: São Paulo, 2020.

Bion: A décima face-novos desdobramentos. Org: Cecil José Rezze, Celso Antonio Vieira de
Camargo e Evelise de Souza Marra. Ed. Blücher: São Paulo, 2018.

Bion: Transferência, Transformações, Encontro Estético. Org: Cecil José Rezze, Celso
Antonio Vieira de Camargo e Evelise de Souza Marra. Ed. Primavera: São Paulo, 2016.

Psicanálise: Bion. Afinal o que é experiência emocional em Psicanálise? Org: Cecil José
Rezze, Evelise de Souza Marra e Marta Petricciani. Ed. Primavera: São Paulo, 2012.

Psicanálise: Bion- Clinica ↔ Teoria. Org: Cecil José Rezze, Evelise de Souza Marra e Marta
Petricciani. Ed. Vetor: São Paulo, 2011.

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