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até aqui o mais paradig- em alusão à Tantalum Mineração, a Para agravar o martírio, a localidade
mático exemplo, no país, empresa de capitais canadianos que, não tem ambulância e, se a da sede
de como a frustração po- até à data dos levantamentos popu- distrital estiver indisponível, a regra
pular pode deitar a baixo lares, explorava a mina de Muiane. é "cada um por si e Deus por todos".
investimentos mineiros se ~les Aliás, o esteve, recen- "Cada um se arranja", conta o chefe
não beneficiarem as comunida- temente, em Muiane e constatou da localidade.
des locais. No distrito de Gilé, a que, naquela pacata localidade, falta Deslocar-se no interior de Muiane
norte da província da Zambézia, quase de tudo. A água, por exem- é uma obra, à semelhança de todo.o
há uma história de uma popula- plo, esse líquido precioso para a distrito de Gilé, cuja rede viária está
ção enfurecida que decidiu dar vida humana, não chega para os praticamente intransitável.
um "bastà' ao saque de recursos mais de 20 mil habitantes daquela É a dificil realidade de uma loca-
minerais. Munida de picaretas, localidade [de acordo com dados lidade rica de recursos minerais
catanas entre outros instrumentos preliminares do Censo de 2017]. A que, entretanto, nunca trouxeram
contundentes, a comunidade da falta de água é mais dramática nos beneficias para o desenvolvimento
sócio-económico local, como pre-
localidade de Muiane, nome que povoados, onde a população dispu-
coniza a legislação mineira.
deriva de um mont e local rico de ta riachos com animais.
minérios, tomou e vandalizou, em Numa terra abençoada de minérios,
Novembro de 2015, as instalações as crianças estudam nas mais pre-
e os equipamentos da Tantalum cárias condições, em salas de aulas Cansada de ver os recursos a saírem
Mineração. Dois anos depois, a construídas de estacas e adobe, num sem beneficias locais, a população
mineradora continua paralisada e esforço dos pais e/ou encarregados de Muiane decidiu tomar a mina
a pagar o preço de no passado ter de educação. para, ela própria, extrair os miné-
marginalizado os nativos. Até o chefe da localidade aponta rios, através do garimpo.
para essas salas com desprezo. "A Foi em Novembro de 2015 que as-
Situado a cerca de 500 km de saltaram e vandalizaram as instala-
localidade até que tem 10ª clas-
ções da Tantalum Mineração. Era a
O!ielimane, a capital provincial da se, mas como edifício, essa esco-
segunda paralisação em sete anos,
Zambézia, Muiane perfaz as esta- la secundária nem dá para dizer.
visto que, quando a mina reabriu,
tísticas das povoações moçambica- É aquela casota ali com três salas . .
em 2008, os cerca de 800 trabalha-
nas ricas de recursos minerais, mas Aquela é que é a nossa escola se- dores da antiga empresa, a Mina
que não beneficiam da sua explo- cundária'', lamenta. Gerais de Moçambique (Magma),
ração que, regra geral, enriquece às Trata-se de um cenário que se re- iniciaram reivindicações sobre seus
multinacionais e seus aliados locais, pete no ensino primário, onde as direitos laborais, até que, em 2014,
nomeadamente, a elite política na- crianças também estudam em sa- com o apoio da população local, to-
cional. las construídas a material precário maram de assalto as instalações da
Depois de uma paralisação duran- e em risco de ruir, a qualquer mo- Tantalum Mineração.
te a guerra dos 16 anos, a mina de mento. A situação torna-se mais E a terceira vez foi de vez. A fúria
Muiane viria a reabrir, em 2008, caótica ainda nos dias chuvosos, em popular, que para além das van- · caro para_a empresa. Para além da ''A empresa quase não beneficiava
mas durante os cerca de 10 anos, os que praticamente as aulas ficam pa- dalizações obrigou os gestores da vandalização total de infra-estrutu- a população em nada", corrobora
nativos nunca viram os benefícios ralisadas. empresa a se refugiarem na vizinha ras, como as instalações da empresa, Armando Amisse, o chefe da loca-
da extracção do ouro, tantalite, tur- O centro de saúde local também província de Nampula, teve como a comunidade incendiou duas má- lidade.
malina e quartzo, entre outras pe- se debate com carências de todo ~6 pretexto a morte de um garimpeiro quinas buldózer, uma pá escavadora São depoimentos que, nas entre-
dras preciosas e semi-preciosas que tipo e, em caso de pequenas com- que foi atingido por uma bala dis- e destruíram o equipamento usado linhas, denunciam as razões dos
ali ocorrem. plicações, os pacientes devem ser paradá por um agente de segurança, pela empresa para a selecção do mi- levantamentos populares contra a
''Aqui nunca existiu responsabilida- evacuados para a vila sede, que dis- numa operação contra o garimpo nério tantalite. Tantalum Mineração, como confir-
de social da empresa", afirma o che- ta a 65 km, numa rua de circulação ilegal. · Estimam-se em USD 10 milhões ma o ch_efe da localidade.
fe da localidade, Armando Amisse, bastante difícil. Estava assim dado o tiro que sairia os prejuízos causados pela acção "Isso [a falta de be.nefícios para as
popular, que obrigou o encera-
comunidades] não se pode excluir
mento de actividades por parte da
porque, afinal de contas, se você está
empresa que, em poucas horas, viu
em casa de alguém e não contribui
todos os seus equipamentos e infra-
em nada, mas a comer, certamente,
-estruturas reduzidos a cinzas.
que o dono pode vir um dia a dizer
Dois anos depois, a empresa con-
'ó amigo, isso é demais "', precisou,
tinua paralisada e a averbar prejuí-
zos de manutenção. Os vestígios
da vandalização ainda são visíveis,
com os destroços a documentarem
o quanto custa a fú~ia popular.
O foi ao terreno para
entender a sensibilidade da comu-
nidade em relação à empresa e não
é para menos. Do cidadão comum
às estruturas locais, o sentimento é
de revolta contra uma empresa que
é vista como "exploradora".
"Nada fizeram até aqui", dispara
Joaquim Assane.
"Nem fontes de água, nem a rea-
bilitação do hospital que tinham
garantido, nada disso fizeram", de- Armando Amisse, chefe da localidade
sabafa Marta Dinis. de Muiane
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