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AGRONOMIA

MAPA
GENÉTICO
DO SOLO
Nova técnica de mapeamento
mineral pode ajudar os agricultores
a reduzir gastos com insumos
e o impacto ambiental da produção
Domingos Zaparolli

74 | JANEIRO DE 2021
U
m método inédito de mapeamento por água, ar, matéria orgânica e minerais, sendo
mineral de solo tem potencial de que os últimos respondem por aproximadamente
aperfeiçoar a agricultura em países 45% da composição total.
de clima tropical. Elaborada por pes- A mineralogia estuda o solo em suas frações
quisadores da Faculdade de Ciências nanométricas, as chamadas argilas, partículas
Agrárias e Veterinárias da Universi- minerais menores que 0,002 milímetro (mm). O
dade Estadual Paulista (FCAV-Unesp), campus de objetivo é entender a capacidade do solo de reter
Jaboticabal (SP), a técnica utiliza o mapeamento e tornar disponível para as plantas nutrientes co-
magnético para determinar as características agro- mo fósforo, nitrogênio, potássio, cálcio e também
nômicas e ambientais do solo. As informações obti- água. Os pesquisadores comparam a caracteri-
das são usadas para orientar os agricultores sobre as zação mineral do solo com o sequenciamento do
melhores áreas de plantio dos diferentes cultivares DNA de uma pessoa.
e a quantidade adequada de fertilizantes, corretivos “Assim como o DNA influencia as característi-
e herbicidas a serem empregados em cada fração cas humanas e de outras espécies, os diferentes
do terreno, o chamado talhão, reduzindo gastos tipos de minerais têm impacto sobre as carac-
com insumos e o impacto ambiental da produção. terísticas agronômicas e ambientais do solo”,
“Os solos não são iguais. Mesmo pequenas por- define o engenheiro-agrônomo Diego Silva Si-
ções de terra que estão muito próximas podem queira, que fez mestrado e doutorado no grupo
apresentar composições físicas, químicas, biológi- do CSME sob orientação de Marques Júnior. “A
cas e minerais diferentes”, explica o engenheiro- proposta é entregar ao agricultor uma espécie de
-agrônomo José Marques Júnior, líder do grupo mapa genético de sua área de plantio, que poderá
Amostras de solo de pesquisa Caracterização do Solo para fins de ser usado para diferentes práticas agrícolas.” O
para análise por
difração de raios X
Manejo Específico (CSME) da Unesp, responsável mapeamento realizado pelo CSME faz a leitura
em laboratório da pelo desenvolvimento da nova técnica. Os solos dos minerais magnéticos que compõem o solo.
Unesp de Jaboticabal de cultivo, informa o pesquisador, são formados Qualquer mudança na assinatura magnética da
GRUPO DE PESQUISA CSME / UNESP

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Em sentido horário:
análise da composição do
solo por fluorescência de
raios X; amostras com
diferentes concentrações
de ferro; leitura de
magnetismo do solo com
uso de susceptibilímetros
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terra, explica Siqueira, expressa uma variação de Minas Gerais e produtores de cana-de-açúcar
desses minerais e, consequentemente, de seu de São Paulo.
potencial agrícola e ambiental. Em setembro de 2019, Siqueira e dois outros
“É uma técnica que se adéqua aos solos tro- engenheiros-agrônomos, Gustavo Pollo, egresso FOTOS  1, 2 E 3 GRUPO DE PESQUISA CSME / UNESP 4 USINA SÃO MARTINHO

picais e subtropicais, que são abundantes em do CSME, e Renan Gravena, uniram-se na forma-
óxidos de ferro, alumínio e outros minerais com ção da startup Quanticum, que oferece serviços de
acentuada expressão magnética, funcionando co- mapeamento magnético para áreas agrícolas. Eles
mo uma espécie de nanoímã, mas não se adapta obtiveram financiamento do programa Pesquisa
tão bem ao solo de países de clima temperado, Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe) da FA-
que têm uma menor concentração desses mi- PESP para um estudo sobre o mapeamento mag-
nerais magnéticos e uma composição maior de nético na cafeicultura tropical. “O Brasil é respon-
argilas silicatadas”, detalha Marques Júnior. A sável por um terço da produção mundial de café,
leitura magnética já é empregada há décadas mas não explora adequadamente o seu potencial
pela mineração e na indústria química, entre no mercado de grãos especiais”, justifica Siqueira.
fabricantes de tintas e na engenharia de mate- O mapeamento magnético despertou o inte-
riais sintéticos. O CSME ampliou a utilização resse da Federação dos Cafeicultores do Cerrado
da técnica para a agricultura em grandes áreas. Mineiro, entidade que reúne 4.500 produtores de
A solução está sendo adotada por cafeicultores Minas Gerais. “Ao longo do tempo aperfeiçoamos

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muito nosso conhecimento sobre os elementos tare gera por volta de 30 sacas de café e um fatu-
que influenciam o terroir do café, como clima, ramento na casa de R$ 15 mil. Em um ano ruim,
altitude e regime hídrico. O mapeamento vai nos R$ 10 mil. Fertilizantes e adubos levam 40% do
permitir aprofundar o entendimento do solo, que faturamento do produtor”, analisa.
é um fator essencial para o cultivo”, conta Juliano A caracterização mineral do solo reduz a quan-
Tarabal, superintendente da entidade. O terroir tidade das análises granulométrica, que indica os
é a soma das características específicas de uma teores de areia, argila e silte (fragmento mineral
região agrícola, que permite a produção de uma com tamanho intermediário entre areia e argila),
bebida única. “Um café produzido em um terroir e química, que determina a acidez e a disponi-
nobre pode alcançar R$ 100 o quilo no supermer- bilidade de nutrientes. “O mapeamento do so-
cado, cerca de oito vezes mais do que um café lo permite definir quais áreas são heterogêneas
convencional”, informa o executivo. e selecionar onde fazer a coleta para a análise
Segundo Tarabal, o mapeamento indicará as química, reduzindo o número de coletas”, diz o
características de cada talhão e, ao realizar novos engenheiro-agrônomo Alberto Vasconcellos In-
plantios, o cafeicultor poderá escolher a variedade da, coordenador do Programa de Pós-graduação
da planta que se adapta melhor em cada faixa do so- em Ciência do Solo da Universidade Federal do
lo. “Vamos garantir aos compradores as caracterís- Rio Grande do Sul (UFRGS).
ticas exatas do grão entregue e certificar a origem Outro ganho é a qualificação da investigação
da produção”, declara. Um primeiro produtor do química e física, permitindo a prescrição preci-
município de Patrocínio, em Minas Gerais, já ini- sa dos nutrientes necessários na fertilização da
ciou o uso da técnica. O café é uma cultura bianual área que receberá o plantio. “Quanto melhor a
e a avaliação é que se precise de pelo menos duas qualidade da informação, menor o risco do uso
safras para uma análise adequada da experiência. inadequado de insumos. A utilização excessiva
Na maior cooperativa de cafeicultores do mundo, de nutrientes na lavoura, como o nitrogênio, po-
a Cooxupé, que reúne 15,8 mil cooperados do sul de contaminar o lençol freático e os mananciais
de Minas e do interior de São Paulo, três associa- de superfície”, diz o agrônomo.

O
dos mineiros realizam a experiência. Mário Ferraz
de Araújo, gerente de desenvolvimento técnico da s estudos de caracterização do
cooperativa, projeta que o mapeamento magnético solo datam do fim do século
permitirá ao produtor fazer a dosagem correta de XIX. A técnica mais conceitua-
fertilização e uma aplicação de herbicidas de acor- da, a difração de raios X (DRX),
do com a necessidade real de cada área plantada. rendeu ao físico alemão Max
Segundo Araújo, atualmente o custo total de von Laue (1879-1960) o Prêmio
produção de cada hectare (ha) plantado de café Nobel de Física de 1914. O grau de precisão do
da variedade arábica está entre R$ 8,5 mil e R$ 10 DRX é de 95%, o que os mineralogistas classificam
mil. Desse total, por volta de R$ 4 mil são gastos como padrão ouro. Outros métodos empregados na
Amostras do solo com fertilizantes e corretivos do solo. “Um uso caracterização são a espectroscopia de Mössbauer,
da Usina São Martinho,
no interior paulista,
mais racional de insumos tem potencial de me- que utiliza a radiação gama, e as análises termo-
submetidas à análise lhorar significativamente o resultado financeiro diferencial (ATD) e termogravimétrica (ATG).
química convencional da produção”, destaca. “Em um ano bom, 1 hec- Essas quatro técnicas apresentam resultados
superiores a 85%. Todas elas, porém, têm três pro-
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blemas em comum: são caras, demandam tempo
e exigem profissionais altamente qualificados na
operação dos equipamentos. Segundo Alberto Inda,
esses problemas dificultaram a ampla utilização des-
sas tecnologias na agricultura tropical e subtropical.
Cada teste de difração de raios X analisa apenas
um mineral por um custo médio de R$ 300, segun-
do levantamento mercadológico feito pela Quan-
ticum. Uma amostra de solo típica do Brasil con-
tém mais de 10 minerais que, mesmo em pequenas
quantidades, impactam o potencial agronômico da
terra. Considerando as metodologias tradicionais,
de acordo com Siqueira, são necessários mais de
R$ 2 mil para elaboração de um laudo que mostre
os tipos e as quantidades de minerais em um único
ponto amostral. O inventário de uma área agrícola
de mil ha, coletando-se uma amostra de solo por
hectare, não sai por menos de R$ 2 milhões.

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Secagem de café
em Minas Gerais:
produtores do estado
já estão usando
o mapeamento
mineral do solo em
suas propriedades

A Quanticum realiza a leitura dos minerais por áreas da lavoura de cana com diferentes poten-
meio de sensores de medição de susceptibilidade ciais de compactação e assim orientar o manejo
magnética, os susceptibilímetros. Uma única lei- desses talhões.
tura verifica os principais minerais presentes na Teixeira explica que os solos podem ser com-
amostra. O custo do laudo técnico varia de R$ 5 pactados tanto por fontes naturais, como o im-
a R$ 30 por ha, dependendo do nível de detalhe pacto das gotas de chuva, quanto pela ação do
e de outras informações, como a recomendação homem no ambiente, como o tráfego de máqui-
de fontes de adubo. “Em relação às técnicas con- nas agrícolas. A compactação dificulta o desen-
sideradas padrão ouro, o resultado obtido tem volvimento das plantas, reduzindo o potencial
precisão 15% a 20% menor, mas custo bem mais produtivo da área. Por isso, é necessário realizar
acessível ao agricultor”, afirma Diego Siqueira. de tempos em tempos a operação de descompac-
O ideal é que o mapeamento magnético seja tação, com equipamentos subsoladores, que ge-
repetido nos anos seguintes, mas sempre com ralmente trabalham em uma profundidade fixa.
uma quantidade de amostra menor – por volta A leitura magnética auxilia na identificação da
de 40% menos. Depois desse acompanhamento profundidade da camada compactada. “A infor-
inicial, a indicação é fazer uma análise pontual, mação precisa gera ganhos em eficiência, com
com a coleta de uma amostra de terra direcionada redução de custos operacionais, em combustíveis
a atender alguma situação específica, como uma por exemplo, e uma melhor conservação do solo”,
área de plantio que vai receber um novo culti- relata o gerente da São Martinho.
var ou um talhão que sofreu forte compactação. José Marques Júnior cita dados da agência da

A
Organização das Nações Unidas para a Alimenta-
Usina São Martinho, uma das ção e Agricultura (FAO) para lembrar que o im-
maiores produtoras e proces- pacto econômico causado por manejo inadequado
sadoras de cana-de-açúcar do do solo apresenta um custo anual de US$ 70 por
mundo, foi a pioneira no uso da pessoa no mundo. Um valor que poderia, em sua
técnica no manejo da lavoura ca- análise, ser substancialmente reduzido com um
navieira, já tendo mapeado todos conhecimento detalhado das áreas agrícolas.
os 80 mil ha de sua unidade em Pradópolis, no A FAO também estima que a produção de ali-
interior paulista. O trabalho foi desenvolvido por mentos no mundo terá que aumentar em 70%
uma equipe de funcionários que foram graduan- para alimentar de forma adequada uma popula-
dos ou pós-graduandos na FCAV-Unesp de Jabo- ção estimada em quase 9,8 bilhões de pessoas em
ticabal e integravam o grupo de pesquisa CSME. 2050. O Brasil deverá ser responsável por 40%
Para o gerente agrícola da usina, Luís Gusta- do aumento da produção, segundo a FAO. Para
FEDERAÇÃO DOS CAFEICULTORES DO CERRADO

vo Teixeira, o mapeamento magnético permite Marques Júnior, o país pode atingir essa meta sem
conhecer o solo em detalhes e fazer um manejo a abertura de novas fronteiras agrícolas na Ama-
ainda mais eficiente e um uso ainda mais racio- zônia, no Pantanal ou na Mata Atlântica. “Hoje
nal dos insumos, contribuindo para os ganhos temos mais de 100 milhões de hectares que já
de produtividade e a sustentabilidade ambien- foram ocupados e depois abandonados por falta
tal da operação. A caracterização do solo obtido de conhecimento adequado do solo”, destaca. n
com o mapa magnético é usada não apenas para
determinar as características do solo. A técni- Os projetos apoiados pela FAPESP mencionados nesta reportagem
ca tem ajudado a São Martinho a identificar as estão listados na versão on-line.

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