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Excelentíssimo Dra.

SÔNIA EUNICE ODWAZNY da 2ª Vara Cível da Comarca


de São José

PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL Nº 5010948-40.2021.8.24.0064/SC


AUTOR: RICARDO COELHO
AUTOR: FILIPE FERREIRA COELHO (REPRESENTADO)
RÉU: SEKA COMÉRCIO, IMPORTAÇÃO, EXPORTAÇÃO E TRANSPORTES
LTDA.
RÉU: A.T.E.F. TRANSPORTES LTDA.

Excelentíssimo Senhora Juíza da 2ª Vara Cível da Comarca de São José SC

Eu, Gilberto Durigon Freitas, CREA/SC 123034-9:

Engenheiro Civil pela Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC;

Bacharel em Física pela Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC;

Especialista em Segurança Pública pela Universidade do Sul de Santa


Catarina- UNISUL;

Especialista em Engenharia de Segurança do Trabalho pela Universidade


Cândido Mendes UCAM.

Indicado como Assistente técnico pelos autores, respeitosamente apresento o


Parecer Técnico referente ao Laudo Pericial do processo citado.

1. OBJETIVO:

Emitir parecer técnico ao laudo de vistoria realizado pelo Engenheiro José Luiz
Walter Rolim.
Informamos-vos que fizemos o acompanhamento à vistoria, do Senhor perito
nomeado.
2. DOS FATOS ANALISADOS PELA ASSISTÊNCIA TÉCNICA:

2.1. Acidente de trânsito


Primeiramente, permita-nos dar uma definição, reconhecida pela literatura, de
acidente de trânsito.
Os acidentes ocorrem devido à combinação de diversos fatores que podem se
enquadrar em um dos seguintes componentes causais, ou contribuintes, são
eles:

Componente humano,

Componente veicular e

Componente viário.

Incluídos no componente maior; o ambiente.

Conforme esquema da figura 1.

Figura 1: Interações entre os componentes causais dos acidentes, fonte: Matos

O tráfego vário é um sistema, onde esses componentes interagem entre si.


Assim, quando ocorre um acidente pode-se considerar como sendo uma,
geralmente, combinação de falhas dos componentes.
3. DIVERGÊNCIA OU DÚVIDA

A seguir elencamos nossas divergências ao laudo do Sr Perito

3.1. No quesito “a”, pagina 1 (divergência):


“Se o acidente de trânsito narrado na inicial foi
ocasionado por culpa exclusiva do condutor do veículo de
propriedade da (s) requerida (s) ”

O fato de “retenção de veículos a logo mais à frente”, conforme descreve o


Boletim de Acidente de Trânsito elaborado pela PRF, é evento rotineiro e para
isso os condutores devem estar atentos.

Quando afirma que o fator congestionamento contribuiu para o evento, o


senhor perito equivocou-se; pois deixou de considerar a definição técnica de
congestionamento.

Segundo o Manual de Estudos de Tráfego do DNIT:

Congestionamento ou engarrafamento, se refere a


uma condição em que automóveis e outros veículos
rodam a baixas velocidades com paradas frequentes
ou ficam todos parados em fila (s) ....

As imagens são claras, não havia congestionamento.

Não se vislumbra em nenhum destes componentes causais; veicular, viário e


ambiental que tenha dado causa ao acidente.

O componente humano foi o único a dar causa ao acidente, ou seja, a culpa foi
exclusiva do condutor do veículo 01.

3.2. No quesito “b”, pagina 2 (divergência):


“Se o condutor do caminhão desenvolvia velocidade
compatível com a via e com o trânsito observado no
horário, e, bem assim, se mantinha distância de
segurança dos demais veículos que trafegavam à sua
dianteira;)”

A velocidade desenvolvida pelo caminhão, segundo a empresa de


rastreamento, era de 53 Km/h (14,7m/s), abaixo do limite de 80 Km/h
regulamentada para a via naquele trecho.

Com relação a distância de segurança, vamos ao que diz o professor Tarso


Rodrigues:

“ Existe uma regra de direção defensiva para determinar a


distância segura que devemos manter do veículo à nossa
frente, denominada "regra dos dois segundos".
“O tempo de reação de um condutor pode variar de 0,2s a
0,7s, ou seja, durante esse intervalo de tempo, o veículo
se movimenta com velocidade praticamente constante.
A distância de frenagem é aquela que o veículo percorre a
partir do momento em que o motorista pisa no freio até
sua parada total.
A distância total percorrida pelo veículo desde o instante
da observação da situação de perigo até sua parada é a
soma das distâncias de reação e de frenagem”.

Utilizando o tempo percepção, estimulo visual, de 0,7 segundos e o tempo de


reação no seu valor máximo que é 0,7 segundos temos 1,4 segundos.

O condutor do veículo, segundo o laudo do Perito, mantinha uma distância de


segmento de 5 segundos (p.9), usando a álgebra:

5/1,4=3,57

O condutor teve 2,57 vezes mais tempo para reagir, e evitar a colisão.
A DEKRA SE da República federal da Alemanha, uma das principais
organizações do mundo especializadas em segurança veicular, realizou em
2018 teste break com caminhões com 38, 5 toneladas. Um novo e outro
fabricado nos anos 90, trafegando a 80 Km/h.

O novo parou completamente em 41 metros e o mais antigo em 57 metros.

O novo desacelerou 6 m/s² e o antigo 4,3 m/s²

No caso do acidente em questão, usando os dados do veículo antigo temos:

Velocidade inicial V0=53 km/h (14,7 m/s),

Tempo disponível =5 segundos,

Tempo de percepção e reação=1,4 segundos,

Tempo para a parada tp=?

Da Física clássica:

Velocidade final Vf=V0-a.tp,

A velocidade final deverá ser 0m/s ; parada total.

0=14,7-4,3*tp,

14,7/4,3=tp

Tp=3,4 segundos tempo até a parada total.

Espaço percorrido Xp=V0*tp-a*tp

Espaço percorrido= 14,7*3,4-4,3*3,4 ,

Espaço percorrido=35,36 m

Espaço percorrido na frenagem = 35,36 metros

Espaço entre o caminhão e o veículo a sua frente:

Espaço = v.tf,

Espaço=14,7*3,6,

Espaço =52,92 m.
Ou seja, o condutor dispunha de uma vez e meia (1,5) da distância necessária
para parar o veículo sem colidir com os veículos à sua frente.

Observamos ainda que utilizamos o tempo de reação e frenagem mais altos e


os dados fornecidos pela DEKRA SE se refere a um veículo carregado com
38,5 toneladas, mais que o dobro do peso do caminhão em questão, estava
vazio no momento do acidente.

3.3. No quesito “3”, pagina 4 (divergência):


“A distância que o caminhão V1 conservava da camioneta
V2 era segura?”

A distância segura, conforme afirma o professor Tarso rodrigues, segue a regra


dos dois segundo.

Conforme já citado aqui e no laudo do perito, a distância era de 5 segundos,


duas vezes e meia o que diz a regra.

Então, discordando do Senhor perito, a distância de 73 metros era uma


distância segura. Como demonstramos no item 2.3.; o condutor dispunha de
mais que o dobro da distância necessária para parar o veículo sem colidir com
os veículos à sua frente. Aqui Marcelo, o perito deu uma “botada” no
caminhoneiro, não sei se convém debater. Podemos ignorar. Na verdade, o
caminhoneiro deu bobeira.

3.4. No quesito “16”, pagina 7 (divergência):


“É possível identificar o agente causador? ”

Com muito respeito ao senhor perito, mas não tem como concordar com a
resposta a esse quesito.

Até se pode questionar quantos laudos de acidente o senhor perito já emitiu.

Ofende minha inteligência.


Então em toda retenção, em blitz policial, semáforos, vias preferencias onde
existem linhas de retenção teríamos um acidente por evento.

No acidente em questão temos três elementos:

A vítima,

O ambiente,

O agressor.

Atribuir ao ambiente o agente causador é surreal.

Poderia ser pior, atribuir a vítima a ação causadora do acidente.

É só ler o boletim da PRF e observar:

Página 2 do Boletim da PRF, rol de eventos.

No momento 4, ocorreu uma colisão traseira entre V1 e


V2 (conforme orientação de danos nos veículos
e de fragmentos desprendidos no local da interação). No
momento 5, V2 colidiu na traseira de V3. No momento
6, o condutor de V3 foi projetado ao solo. No momento 7,
V2 com a colisão seguiu o trajeto em direção à faixa da
esquerda quando colidiu na traseira de V4. Momento 8,
V3 e condutora estavam tombados sobre a pista quando
V1 arrastou ambos por alguns metros (não sendo possível
medir a distância através dos vestígios) e ficou
imobilizada (com vida) embaixo de V1 entre o pneu
dianteiro esquerdo e para-choque
Resumindo:

Veículo 1 (caminhão) colidiu na traseira do veículo 2, projetando-o contra a


traseira do V3 e para a esquerda, em ato continuo, o V1 (caminhão) atingiu o
veículo 03 e a condutora.

Analisando o que consta acima, vamos ao nexo causal dos eventos.

Pergunta: Se o caminhão não estivesse na cena, o acidente teria ocorrido?

Resposta: é um redundante não.


O caminhão VW Guincho/Plataforma, que seguia a 3s àretaguarda do Volvo
também enfrentou a retenção, contudo parou sem colidir na traseira.

Como coloca a culpa no ambiente

O senhor perito bate à porta da verdade e se recusa a entrar.

Retenções, congestionamento são eventos rotineiros aos quais todos os


condutores devem estar preparados.

Para exemplificar, nessa linha de raciocínio, uma colisão traseira num


semáforo será culpa das lâmpadas

3.5. No quesito “d”, pagina 8 (divergência):


“Qual a extensão aproximada do campo visual do usuário
da rodovia no sentido norte daquele trecho, considerando
tratar-se de uma reta iniciando-se na descida do viaduto
existente”;

O trecho anterior ao local do acidente, trata-se de um declive em curva vindo


do viaduto de barreiros. Entre o trecho de transição de curva em declive para
tangente e o local do acidente são em torno de 220 metros. Conforme figura a
seguir.
Figura 2: local do acidente onde em destaque aparece a medição, fonte: Google Maps 2023

Lembrando que o local é iluminado por iluminação pública

Figura 3: local do acidente onde em destaque as luminárias, fonte: Google Maps 2022

4. PARECER REFERENTE AO LAUDO PERICIAL:

O laudo do Senhor Perito, José Luiz Walter Rolim, é substancialmente


relevante, apesar de alguns quesitos que divergimos e os elencamos nos itens
de 2.2 a 2.6., nada temos para impugnar.
5. CONCLUSÃO DO PARECER TÉCNICO JUDICIAL:

5.1. Caracterização do local

Município de São José, grande Florianópolis, localidade de Barreiros entre os


Km 203 e 202 sentido Sul-Norte.

Área comercial com acesso da marginal.

Rodovia na direção Longitudinal Classe I-A; dupla com duas faixas de


rolamento por sentido, mureta central do tipo New-Jersey utilizada como
separador de fluxos de tráfego.

Tangente em nível.

Acostamento pavimentado com 3,00 metros de largura

Mureta lateral tipo New Jersey que separa o acostamento da via marginal.

5.2. Parecer

Por todo o exposto no laudo do senhor perito, pela vistoria que efetuamos no
local do acidente, pela análise do boletim da policia Rodoviária Federal
observamos que:
a) Lei nº 9.503/1997 Institui o Código de Trânsito Brasileiro em seu
Capítulo III - das normas gerais de circulação e conduta, no Artigo 29,
parágrafo 2º diz:
§ 2º Respeitadas as normas de circulação e conduta
estabelecidas neste artigo, em ordem decrescente, os
veículos de maior porte serão sempre responsáveis
pela segurança dos menores, os motorizados pelos não
motorizados e, juntos, pela incolumidade dos pedestres.

b) Apesar de manter mais de 5 segundos de distância de segmento, cerca


de 73 metros do veículo que seguia a sua frente, GM/CAPTIVA SPORT
AWD de placas MEX1427 não observou a redução de velocidade do
tráfego a sua frente. Colidindo com o GM Captiva com energia suficiente
para projetá-lo conta a motocicleta e para a esquerda
c) Transitava, segundo a empresa de rastreamento, a 53 km/h ou 14,7 m/s,
uma velocidade inferior 1/3 inferior a máxima permitida que era de
80km/h, o que poderíamos chamar de baixa velocidade.
d) Descontado o tempo de reação de 1,4 segundos, ele teria parado em 35
metros e ainda ficaria 17 metros distante do veículo Captiva.
e) O caminhão VW guincho/plataforma que seguia a cerca de 3 segundos à
retaguarda do caminhão Volvo parou sem colidir na traseira.
f) Não se vislumbrou nenhum vestígio de manobra defensiva para
esquerda ou direita.
g) Condições meteorológicas favoráveis, sem precipitação pluviométrica
neblina ou outro evento atmosférico que prejudicasse a dirigibilidade.
h) Veículo leve, sem carregamento.
i) Condição da rodovia, pavimento, sinalização e iluminação presentes e
em bom estado de conservação.
j) O condutor do veículo VOLVO/FH 440, apesar de todas as condições
viárias e veículares favoráveis, e por razões ignoradas não foi capaz de
parar o seu veículo em tempo de evitar o acidente.
k) Colidiu com tamanha energia que provocou danos de media monta ao
veículo Captiva (1850Kg) projetando-o para a esquerda.
l) Nenhuma uma manobra defensiva à direita ou à esquerda foi observada.
Não alterou sua trajetória, como vinha colidiu nos veículos a sua frente.
m) Dispunha de mais de 5 segundos, quando menos de 3,5s eram
suficientes para parar.
n) Mantinha 73 metros de distância para o veículo a sua frente, quando só
precisaria de 35,4 metros para parar.

Por tudo isso, podemos concluir que:


O acidente ocorreu por falha humana.
Por culpa exclusiva do condutor do Veículo Volvo placas ISY0H00.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este Parecer Técnico é constituído de 13 folhas.


Enviado a 2ª Vara Cível da Comarca de São José
Materializa como prova técnica produzida, conforme prevê força legal disposto
no Art. 477 do NCPC para o processo Nº 5010948-40.2021.8.24.0064/SC.
Referências

BLOG DO CAMINHONEIRO. Teste mostra a devastação de uma colisão a 43 km/h entre


carretas e carro. Disponível em < https://blogdocaminhoneiro.com/2019/10/teste-mostra-a-
devastacao-de-uma-colisao-a-43-km-h-entre-carretas-e-carro/> acessado em 10/fev./2023.

BRASIL Ministério da Infraestrutura/Departamento Nacional de Infraestrutura de


Transportes-DNIT. Manual para ordenamento do uso do solo nas faixas de domínio e
lindeiras 2. ed. Rio de Janeiro: IPR, 2005.

BRASIL Ministério da Infraestrutura/Departamento Nacional de Infraestrutura de


Transportes-DNIT. Manual de Estudos de Tráfego. IPR, Rio de Janeiro: 2006.

DEKRA SE, Crash Testing . Disponível em https://www.dekra.com/en/crash-testing/


acessado em 10/fev./2023.

MATTOS, J. R. G. Avaliação da Aderência Pneu-Pavimento e Tendências de


Desempenho para a Rodovia BR-290/RS. Dissertação – Programa de Pós-Graduação em
Engenharia Civil, UFRGS, Porto Alegre 2009.

RODRIGUES, Tarso de Paulo. Física: tempo de Reação e frenagem. Caderno Educação


31/10/2002, Folha de S.Paulo, São Paulo

São José 10 de fevereiro de 2023.

Gilberto Durigon Freitas


CREA-SC 123034-9

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