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Madge Porto
Universidade
Federal de
Pernambuco
Artigo
Agradecimento especial ao
prof. M. Sc. Francisco Pereira
(UFAC) pelo apoio e pelas
contribuições.
Resumo: Este estudo tem como objetivo apresentar o que pensam os/as
gestores/as municipais do Sistema Único de Saúde – SUS – sobre o
atendimento psicológico às mulheres em situação de violência. Como
resultado, pode-se destacar que existe uma necessidade, percebida pelos/
as gestores/as, do trabalho de psicólogas/os no contexto da violência contra
a mulher. Este é entendido como uma intervenção fundamental.
Entretanto, o atendimento psicológico aparece de forma isolada,
desvinculado da política municipal de saúde mental.
Palavras-chave: violência contra a mulher, Psicologia, saúde mental,
administração municipal e sistema de saúde.
O atendimento psicológico realizado durante O que orientar? Que ela saia de casa? E vá
oito anos, em ambulatórios do SUS de uma para onde? Quem poderia ajudá-la?
cidade da Região Metropolitana do Recife –
RMR - (PE - Brasil), possibilitou a observação, Na falta de uma oportunidade concreta para a
não sistemática, de como as mulheres mudança de sua situação, as mulheres
procuram o sistema de saúde e quais as suas permanecem convivendo com a violência e
motivações. Por outro lado, também se voltando para as consultas com as queixas:
observou como esse sistema recebe essas ‘agonia’, insônia, impaciência, angústia, dentre
mulheres e quais as condições de atendimento muitos outros sintomas, e os serviços de saúde
oferecidas. Nesse contexto, dois aspectos se continuam medicando ou encaminhando para
destacam: a convivência das mulheres com o atendimento psicológico.
situações de violência e a invisibilidade dessa
questão para os/as profissionais que realizam Essa situação motivou alguns questionamentos:
o atendimento e para os gestores/as que o que pensam gestores e gestoras desse
pensam e implementam as ações para essas sistema de saúde sobre as mulheres em
mulheres. No atendimento de psicologia, a situação de violência? Existem ações
questão aparece por trás de sintomas como planejadas para estas? Qual o papel da/o
depressão e ansiedade; no entanto, com muita profissional da Psicologia nesse contexto?
dificuldade, a vivência de tal situação é
revelada. Nesse momento, aparecem Para tentar responder a essas perguntas,
questões como: O que fazer? Como intervir? formulou-se um estudo - na área de saúde
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Violência contra a Mulher e Atendimento Psicológico: o que Pensam os/as Gestores/as Municipais do SUS
refere às ações demandadas para as/os Antes de apresentar o relato dos/as gestores/
psicólogas/os a partir do que falam. as, é importante fazer um destaque sobre os
documentos pesquisados – relatórios de
[...] não só a A leitura do empírico foi realizada a partir de: gestão, planos de gestão e operativos e
mulher, a vítima, 1) tabulação dos dados dos questionários e 2)
tem que ser
propostas aprovadas nas conferências
trabalhada, como análise do diário de campo e, principalmente, municipais de saúde. Esses se referem à
o agressor precisa das falas, após exaustiva leitura das entrevistas necessidade do estabelecimento de uma rede
também de todo transcritas. As falas foram separadas dentro
um
de atendimento à mulher em situação de
acompanhamento
de alguns grandes temas: violência contra a violência, de realizar uma atenção integral à
psicológico, mulher, homem agressor, mulher agredida, saúde das mulheres e ações intersetoriais de
psicossocial, tem ações propostas para as mulheres em situação
que passar por
combate, prevenção e assistência à violência
de violência (Porto, 2002). Especificamente contra a mulher (Porto, 2002).
toda a parte, tem
que ser um para este artigo, foram destacadas as
trabalho representações sobre a atuação dos/as Entretanto, não há explicitação sobre como se
psicossocial, tem psicólogos/as e/ou a função da Psicologia.
que essa... dará a rede de atendimento e quais seus
participantes, como será estabelecida a
Por fim, este estudo foi aprovado pelo Comitê atenção integral dentro do próprio sistema de
de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências saúde e quais os setores que fariam parte das
da Saúde da Universidade Federal de ações intersetoriais.
Pernambuco, em 07/11/2001.
Apesar desse contexto formal, de referência
Caracterizando os gestores e para a normatização das ações, a intervenção
gestoras da Psicologia é destacada pelos gestores/as
como uma das ações esperadas para resolver
Os/As gestores/as podem ser caracterizados/ a questão da violência contra a mulher, embora
as como um grupo eminentemente feminino, não apareça, em nenhum documento, a
com idade entre 34 a 52 anos, de cor branca, relação das políticas de enfrentamento à
com formação de graduação em ciências da violência contra a mulher e as ações em
saúde ou ciências humanas e pós-graduação Psicologia ou em saúde mental. Para algumas
na área de saúde pública. Todos/as os/as informantes, é preciso ampliar o atendimento
entrevistados/as, com exceção de uma, para além da mulher agredida, sendo também
consideram-se trabalhadores/as do SUS ou necessário estendê-lo ao agressor, às crianças
servidores/as públicos/as, mesmo quando não
e adolescentes, enfim, a toda a família:
têm vínculo empregatício com o serviço
público, mais especificamente, com a saúde.
Quase todos citam filiação partidária, com [...] não só a mulher, a vítima, tem que ser
história de antiga militância. Desses, todos são trabalhada, como o agressor precisa também
filiados a partidos que se nomeiam “de de todo um acompanhamento psicológico,
esquerda”. A participação em movimentos psicossocial, tem que passar por toda a parte,
sociais é menor que a participação em partido tem que ser um trabalho psicossocial, tem que
político. Dos movimentos sociais citados essa... no caso de uma família, tem que passar
pelos/as informantes, a militância nos por todo um trabalho, porque os filhos também,
movimentos feministas e sanitarista se as filhas tão lá dentro desse processo; muitas
destacam. vezes, acusam a mãe, porque a mãe já é
agredida, e ela também é acusada por estar
O que gestores/as falam sobre sendo agredida. Então, é tudo um processo
a violência contra a mulher e a que precisa ser, é um conjunto, na verdade, é
intervenção da Psicologia um conjunto, é todo um conjunto que precisa
PSICOLOGIA CIÊNCIA E PROFISSÃO, 2006, 26 (3), 426-439
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Madge Porto PSICOLOGIA CIÊNCIA E
PROFISSÃO, 2006, 26 (3),426-439
ser trabalhado; não dá pra trabalhar violência do desencanto, da coisa que, muitas
isoladamente[...] (Rose, 34 anos). vezes, os homens, a família... do resgate
mesmo da cidadania dela, enquanto cidadã,...
[...] esse agressor também precisa de que isso, muitas vezes, não aparece. Se você
assistência, também precisa de um for pra uma comunidade, você vê: fulana é
atendimento psicológico, também precisa de nervosa. Muitas vezes, fulana perdeu a auto-
ver que é que está acontecendo com ele [...] estima. Pronto, é a auto-estima! É a questão
(Eleonora, 52 anos). da auto-estima!...é... e a gente trabalha desde
essa violência, que a gente chama uma [...] essa mulher
A identificação dos casos de violência é violência, tem um termozinho que as que não reage à
agressão é uma
percebida como foco de um feministas usam, eu não tô lembrada agora,
mulher que ela,
acompanhamento psicológico. Para Carmem, que é a violência mais branda, até a violência ela já, ela foi
a intervenção psicológica figura como um entre mesmo, assim, a violência sexista, [...] mais violada e foi
violentada e
outros encaminhamentos que se fazem consolidada no... nos tapas. Então, a gente
oprimida há muito
necessários e que extrapolam as ações do trabalha desde o nível de fazer com que a tempo; de longa
sistema de saúde: mulher faça uma reflexão de cidadania, [...] data.
resgata com isso também, por exemplo,
A gente treinou, por exemplo, os agentes quando a gente faz um atendimento
comunitários pra trabalhar a questão da multidisciplinar, você tá resgatando a auto-
violência sexista, para identificação dos casos, estima [...] (Carmem, 43 anos).
[...] encaminhamento, porque não só o
encaminhamento pra tratamento, por [...] essa mulher que não reage à agressão é
exemplo, acompanhamento por uma uma mulher que ela, ela já, ela foi violada e
psicóloga, pra tomar, por exemplo, no caso foi violentada e oprimida há muito tempo; de
de, de mulheres violentadas, pra tomar a pílula longa data. Ela já tem uma coisa crônica, essa
do dia seguinte... [...] mas também pra o ferida dentro dela já é... Já faz parte dela, ela
acompanhamento, por exemplo, isso é a parte já vive, convive com ela. Ela já não reage
que a saúde faz, mas tem a parte que é o porque, prá ela ser humilhada, ser maltratada,
acompanhamento legal, que é o apoio a essa ser... já... faz parte[...] (Sofia, 37 anos).
mulher para ela se sentir autora do seu próprio
processo de vida (Carmem, 43 anos). Essa repercussão na “auto-estima” é
considerada, por esses/as gestores/as, como
A violência psicológica é pontuada abaixo como objeto de intervenção psicológica.
um dos tipos mais ‘brandos’ de violência,
talvez quando comparada à violência física, Eleonora destaca que a violência psicológica
que deixa marcas no corpo, ao mesmo tempo se dá de forma silenciosa, naturalizada,
em que é descrita como uma violência que repetida e sistemática; em outras palavras, é
atinge a mulher de forma profunda na sua auto- a convivência diária com a violência.
estima e na sua cidadania:
[...] ela vai repercutir não só no espaço físico
[...] a violência do dia a dia, que a gente chama dela, quebra braço, etc. e tal, mas no espaço
assim: a violência calada [...] você destratar psicológico, do medo, do como ela reage ou
uma pessoa, assim, como se vê, por exemplo, não reage a essa situação [...] que tipo de
tem a violência de você não respeitar a mulher assistência ela recebe, a condução que ela tem
que você é... que é uma coisa muito mais disso, mas... é... veja... o problema é o
psicológica, que é muito mais branda, porque, seguinte, que repercussão isso tem na saúde,
essa violência, a gente também trata, que é a [...] como a violência repercute na saúde? [...]
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Violência contra a Mulher e Atendimento Psicológico: o que Pensam os/as Gestores/as Municipais do SUS
essa violência psicológica, a gente observa ela vista econômico, da moradia ou da tentativa de
de diversas formas, e uma dessas formas é a vínculos, ou quebrar ciclos da violência se você
mulher não se sentir, a mulher achar que o não promove toda uma assistência nessa área
marido tem o direito de bater nela, tem coisa de saúde mental (Laura, 34 anos).
pior do que isso? E isso é muito freqüente, você
apanhar e achar que aquele cara tem o direito Uma questão que se destaca nesse relato de
de bater em você, de não reagir, de não ter Laura é que, apesar dessa necessidade
aonde contar [...] (Eleonora, 52 anos). premente, a interlocução, a promoção de
interface, como ela chama, ainda é um
E, nesse entendimento, fica uma seqüência: a “pensamento”.
violência psicológica gerando transtornos para a
saúde e esses transtornos demandando Tereza também ressalta a necessidade e a
intervenção da Psicologia. A atuação da Psicologia experiência com um trabalho integrado com
é percebida como necessária nos casos de profissionais da saúde mental, mas não menciona
violência psicológica e na baixa auto-estima da o que acontece com o trabalho que gerencia,
mulher que convive com a violência. No não faz alusão a ações em conjunto com a
entanto, essa percepção parece isolada de uma coordenação de saúde mental como as que
atuação da saúde mental como política pública. aconteciam na assistência, quando ela trabalhava
Seria algo como uma ação necessária, mas na “ponta” do sistema:
desvinculada de uma intervenção mais ampla
e/ou integral da saúde mental. A gente sempre teve, pelo menos, a Psicologia
sempre teve presente em todas as nossas
Apenas Laura fala da necessidade de integração atividades; então, todo o atendimento que era
com a coordenação de saúde mental, dentre feito no ambulatório a gente tinha psicólogo nos
outras coordenações, para promover a interface dois turnos manhã e tarde prá fazer o
necessária a uma atuação mais ampla para os atendimento dessas mulheres. Eu acho que é
casos de violência contra a mulher. Ela destaca fundamental! [...] a saúde mental, ela tem que
que, na ânsia de criar soluções, organizam-se tá presente, porque, se você não tá bem
serviços deficientes, pela falta de profissionais emocionalmente, você não pode é... trabalhar
da saúde mental, para atender tanto as mulheres nem as questões do seu próprio corpo, a
vitimadas pela violência como os homens convivência com seu núcleo familiar, cuidar dos
seus filhos, cuidar do trabalho, cuidar do marido,
autores de violência:
o cuidar de si se você emocionalmente não tá
bem. Então, eu acho que não, não dá prá gente
[...] atuar nessa área de violência e saúde significa
dissociar não. Acho que tem que tá junto. A
promover uma interface grande, não só com a
saúde mental tem que tá acompanhando todo
divisão de DST/AIDS, mas também com a
esse processo dentro da área da saúde da mulher,
divisão de saúde mental. Porque ah!, muitas
até porque eu acho, olhe! Dentro da saúde da
vezes, os serviços são criados, mas você não
mulher tudo passa na saúde mental (risos)
tem assistência psicológica e não tem também (Teresa, 41 anos).
assistência de psiquiatria, e isso é necessário não
apenas para as mulheres, mas também no caso Essa questão parece importante, pois a
dos agressores. Então, isso a gente já detectou, necessidade de um trabalho da Psicologia é
a gente já conversou em relação a outras percebida e destacada, mas, ao mesmo tempo,
gestões... [...] o nosso pensamento é buscar no nível da gestão, da definição por políticas de
uma interface também com essa divisão [saúde saúde, a integração entre as ações para as
mental], porque senão você, de fato, você não mulheres, em especial para as mulheres em
consegue uma ação eficaz. Você não pode situação de violência, não está diretamente
apenas buscar reintegração social do ponto de vinculada às políticas de saúde mental, mesmo
com todos esses gestores relatando, das mais temporariamente, a situação não se reproduz,
diferentes formas, a necessidade da intervenção. mas, depois de um tempo, ela volta. Então isso,
acho que é parte dos desafios que a gente tem
Esse ponto remete a algumas reflexões: a saúde (Laura, 34 anos).
da mulher parece que ainda não integrou as
questões de saúde mental como aspecto Essa afirmação de Laura traz uma questão
importante de atuação no processo de garantia importante para a atuação da Psicologia nesse
de atendimento integral proposto tanto pelo SUS universo que para nós, profissionais, se apresenta
- Sistema Único de Saúde como pelo PAISM – como uma expectativa dos outros e uma
Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher. demanda de atuação: como dar conta desse
Dentro da divisão que gerencia a saúde da aspecto subjetivo da violência de gênero contra
mulher, mesmo quando defende uma atenção a mulher. Dessa forma, surgem algumas
integral às mulheres, quando considera um perguntas: por que uma mulher permite ser
problema de saúde pública que demanda ações agredida de várias formas e por muitos anos, e
da Psicologia, a saúde mental, em seu nível de outra, da mesma classe social, idade, cor/
gestão, não é integrada às ações. A intervenção descendência, escolaridade, não permite? Por
psicológica parece ser demandada de forma que um homem agride a sua esposa ou
pontual, e não como parte de uma política de companheira, e não o colega que o humilhou
saúde mental. Vejamos o que diz Laura (34 anos): ou o amigo com quem estava bebendo? Esse
[...] mesmo a necessidade de buscar no universo subjetivo da situação de violência
atendimento psicológico de grupos, de homens aparece como um ponto ainda com muitas
e coisas do tipo, prá buscar uma ação preventiva. contradições, de difícil compreensão para a
Acho que são ações ainda incipientes, equipe multiprofissional e que é demandada,
importantes, mas acho que elas são cheias... de para a/o psicóloga/o, a resolução. Dessa forma,
contradições e dificuldades muito grandes. Por faz-se necessário entendermos qual a nossa
exemplo, em relação a esse debate sobre abrigar intervenção, quais as nossas possibilidades e
ou não uma mulher ou afastar o agressor do, da limites, não deixar que, com outra roupagem,
casa ah! o que se tem observado é que, quando se esteja “psicologizando” questões culturais ou
isso acontece, os homens acabam invadindo a socioeconômicas. É importante pontuar como a
casa [...] de supetão, de surpresa, e as mulheres, Psicologia pode contribuir diante de tantas
elas permanecem sobre risco. Então, isso é, acho expectativas:
um elemento prá que tem sido considerado de
como equacionar esse atendimento em relação [...] porque, quando ela vem ao serviço, vem
aos homens. Outra, por exemplo, os grupos de em busca de alguma coisa. E a gente tem essa
assistência psicológica que têm sido resposta prá dar? Essa resposta nem sempre é
desenvolvidos. Tem uma experiência importante um medicamento! Mas é uma fala, é você ouvir,
no Rio Grande do Sul, especificamente em Porto é encaminhar ela prá um outro profissional que
Alegre. Tem sido feita, e o que tem sido ela esteja necessitando de apoio psicológico,
observado nessa área é que, às vezes, os emocional é, enfim (Teresa, 41 anos).
homens procuram esses grupos, ou melhor,
procuram essa assistência, têm dificuldades esses,
A demanda apresentada pela mulher ao serviço
esses grupos têm ou essas ONGs, ou serviços
de saúde promove uma reflexão do paradigma
têm de criar grupos e outra coisa que se observa
da assistência à saúde: não é apenas a cura do
também é que é... os homens eles são muito
motivados a participar dessas atividades, dessas corpo que se busca, não é a busca por
reuniões, porque há... é como eles entendessem medicamentos que motiva a procura, e sim, a
isso como uma possibilidade de reconciliação necessidade de falar e de ser ouvida em seu
com as mulheres, e nós sabemos que, sofrimento e, imediatamente, o profissional da
geralmente, quando ocorre a reconciliação, ah!, escuta é identificado como a/o psicóloga/o.
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Violência contra a Mulher e Atendimento Psicológico: o que Pensam os/as Gestores/as Municipais do SUS
O universo da Psicologia aparece na definição, [...] tem alguns comentários que chegam até
na tipologia de classificação das violências assim: a gente tem medo inclusive que tenha,
cometidas contra as mulheres, e, ao mesmo por exemplo, uma morte naquela residência;
tempo, aparece como ação prioritária na naquela expectativa, faz a denúncia, tenta mais...
prevenção e na assistência a esses casos, num quando denuncia, é um risco para o próprio
primeiro momento, como forma de livrar os profissional, porque não é uma situação para você
profissionais da saúde de enfrentar um tipo de lidar, não é uma situação de saúde rotineira.
situação da qual seus procedimentos e Não é uma situação de saúde de problema de
protocolos de atendimento não dão conta e num saúde, comum [...] porque você tem que ter
segundo momento, como integrante de uma profissionais habilitados para lidar com esse tipo
rede de ações necessárias com uma demanda de situação, com sensibilidade para esse tipo de
própria. situação: psicólogos, psiquiatras... Porque, às
vezes, a repercussão da violência ultrapassa toda
A assistência psicológica às/aos uma questão mais imediata, assim, de uma crise
mais aguda, e tem umas repercussões para o
profissionais que atendem as
resto da vida daquela pessoa, que ela vai precisar
mulheres em situação de de um acompanhamento mais longo, isso para
violência o sistema, ela vai lidando com custos maiores e
com complexidades maiores, não
[...] a gente tá
Outro aspecto que se destaca é a percepção necessariamente em tecnologia de
montando um de alguns/mas gestores/as da necessidade de equipamentos, mas investimento de recursos
serviço de apoio um suporte psicológico aos profissionais que humanos mesmo [...] (Bárbara, 44 anos).
às vítimas de atendem a casos de violência contra a mulher.
violência, desde a
atenção médica, Não é fácil, é uma barra para os profissionais, O atendimento psicológico passa a ser
se for o caso, até então... esses acompanhamentos, esses fundamental em espaços específicos para o
uma, uma treinamentos, a gente já tinha realizado, atendimento da mulher em situação de violência,
assistência
culminou agora com o local para ter uma atendimento que se diferencia do rotineiro em
psicológica,
judicial, legal, pra referência dentro do Município para um saúde e que precisa de psicólogas, como relatam
essas mulheres acompanhamento psicológico dessas mulheres os/as gestores/as a seguir:
vítimas, no caso e trabalhadores, também.[...] Mas não é fácil
específico, das
lidar com isso, é uma dificuldade para os [...] nós é...estruturamos a Casa da Mulher, que
mulheres vítimas
de violência profissionais, até psicológica, mesmo, pra eles, inclui, entre as ações que são realizadas lá, o
(Rogério, 49 anos). de tá lidando às vezes conversar com a mulher acolhimento, o atendimento à mulher vítima de
que... foi vítima de violência; ela nega, no outro violência, feita por psicóloga (Vânia, 43 anos).
dia, chega com outro hematoma, com outra
evidência de [que] houve violência [...](Bárbara, [...] a gente tá montando um serviço de apoio
44 anos). às vítimas de violência, desde a atenção médica,
se for o caso, até uma, uma assistência
Os/As informantes relatam algumas psicológica, judicial, legal, pra essas mulheres
características dos casos de violência contra a vítimas, no caso específico, das mulheres vítimas
mulher que demandam suporte psicológico para de violência (Rogério, 49 anos).
a vítima e para a equipe que atende essa vítima.
Entretanto, utilizam-se de argumentos que O procedimento para o atendimento à violência,
ratificam um lugar para o atendimento ele não precisa de nenhuma sofisticação, não
psicológico como uma intervenção não rotineira. acrescenta nada, não precisa de, se, precisa, sim,
A intervenção em saúde mental parece algo de se capacitar uma equipe de retaguarda para
necessário para esses casos de violência, mas fazer o atendimento psíquico-social e o
algo não integrado, algo fora das ações em saúde atendimento psicológico em grupo é... o
e que, talvez por isso, eleve o custo do sistema. individual e o atendimento à família. Então, nesse
[...] a população reconhece o serviço, ela pode A partir do momento que vão surgindo os casos,
até procurar a Delegacia da Mulher, mas ela não você tem que saber como... Geralmente é
identifica, na saúde, um espaço pra discutir esse enviado pra o psicólogo, que a pessoa pode não
tipo de violência. A não ser quando tem a querer ir. Então nós, que atendemos na ponta,
agressão física no sentido do corte, da fratura, temos que saber o que é que a gente vai fazer
que aí ela procura para atender aquele agravo, pra curar aquele mal, não pra botar uma coisa...
mas não discute com o sistema o que ela está simplesmente não resolve a... violência (Pedro,
sentindo em relação a isso e que forma de 44 anos).
acompanhamento que ela precisaria ter
multidisciplinar... até pra poder reagir pra esse Considerações finais
tipo de violência [...] a gente tem que quebrar
esse preconceito, nos dois lados, e os Pode-se começar essa reflexão a partir da fala
profissionais da rede não estão preparados de Pedro. Ele destaca um aspecto interessante,
também para lidar com isso, eles podem tratar quando a indicação, para o acompanhamento
até a ferida proveniente disso, mas não sei se psicológico, não é desejada pela paciente/usuária
estão preparados, não tão preparados para tratar que precisa de uma intervenção em saúde. De
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Violência contra a Mulher e Atendimento Psicológico: o que Pensam os/as Gestores/as Municipais do SUS
forma implícita, a intervenção psicológica a mulher, que passa a ser demandado à/o
aparece como uma ação especializada que profissional da Psicologia. Os/as informantes
precisa de uma decisão da paciente. Caso esta ilustram isso em seus relatos, quando se referem
aceite, terá o atendimento e a solução do seu à intervenção da Psicologia como último recurso,
caso. No entanto, tem-se um problema para o isso porque, para eles/as, dentro das
sistema de saúde quando a usuária não deseja possibilidades da intervenção em saúde, nada
esse atendimento. Nesse caso é que esse mais poderia ser feito.
sistema precisa dar uma resposta dentro do
escopo das ações em saúde. Nesse contexto, a Tomando essa posição, os profissionais da saúde
intervenção psicológica parece ser pensada se eximem de entender o fenômeno complexo
como algo fora das ações de saúde necessárias da violência contra a mulher e de reformular
para solucionar problemas que chegam às suas ações de forma a colaborar no processo de
prevenção e assistência a esses casos.
unidades de saúde. A intervenção em Psicologia
não está vinculada às ações das políticas de saúde
● Faz-se necessário rever qual o papel de um/a
da mulher como uma ação de saúde mental.
psicólogo/a no Sistema Único de Saúde. Parece
existir uma dificuldade, por parte de psicólogas/
Esse aspecto também aparece na ausência de
os, de atuação como um/a profissional da equipe
referência, nos planos e relatórios de ação, da
multidisciplinar de saúde. Essa dificuldade é
necessidade ou da importância da intervenção
resultante de uma formação dirigida à
psicológica ou em saúde mental. O que chama
intervenção para clínica privada. Quando chega
mais a atenção, principalmente quando
a uma instituição, a/o psicóloga/o começa a atuar
comparamos o que está posto no planejamento
de uma forma isolada, afastada da dinâmica
e o que é falado pelos/as gestores/as. Se a institucional - ou pensando que está. Esse
intervenção em Psicologia é tão importante afastamento alimenta o cenário, percebido pelos/
quanto os/as gestores/as apresentam, por que as gestores/as da saúde, no qual as ações de
as ações para a saúde da mulher em situação saúde mental são outras ações separadas das
de violência – cujo pressuposto é o atendimento ‘ações de saúde’. Atuando de forma isolada,
em rede e a atenção integral - não destacam a fazendo intervenções de psicoterapia, apenas,
relação com as ações em saúde mental? a/o psicóloga/o fica deslocada/o de um programa
de saúde mental mais amplo, de ações
Dessa forma, o papel da/o psicóloga/o articuladas entre as/os profissionais da categoria
apresenta-se ainda não integrado às ações de e os outros profissionais da saúde. Isso se revela
saúde quando estas são pensadas do ponto de na fala dos/as gestores/as, quando mais de 70%
vista da saúde como sistema e política pública. dos 18 gestores/as entrevistados/as destacam a
A Psicologia aparece quando se demandam importância da assistência psicológica às mulheres
ações que o sistema de saúde não soluciona. em situação de violência; no entanto, existe a
Nesse ponto, a percepção desses gestores de expectativa da ação de uma/um ou, no máximo,
uma necessidade premente da intervenção dois profissionais da Psicologia, e não uma
psicológica nos casos de violência contra a mulher integração das ações de saúde da mulher e de
merece alguns comentários: saúde mental. Por fim,
● A “psicologização”, ou seja, tratar como ● Definir qual o papel da/o psicóloga/o e quais
transtorno psicológico uma questão cultural, as interfaces que se fazem necessárias com as
social e/ou econômica apresenta-se como um instâncias que pensam e definem a política de
ponto por demais negativo ao buscar a Psicologia saúde mental do Município (Estado ou União)
como forma de “empurrar” um problema que na relação com a violência contra a mulher,
não consegue solução ou um problema de problema grave de saúde pública, e que tem na
menor valor, de menor importância para a saúde, imagem da Psicologia o elemento determinante
como são percebidos os casos de violência contra para garantir a resolubilidade dos casos.
Fica para as/os psicólogas/os a reflexão sobre um assessoramento nas discussões de saúde mental
campo de trabalho que está crescendo e e de inclusão da saúde mental como um aspecto
necessitando de intervenção. A política de saúde significativo da saúde. Nesse contexto, a
mental precisa também oferecer apoio Psicologia, como uma ciência e uma profissão,
psicológico às mulheres em situação de violência pode dar importantes contribuições na mudança
e às equipes de atendimento, num trabalho de de paradigmas: da saúde, da saúde pública e da
‘retaguarda’ para os/as profissionais da saúde, de saúde mental.
Madge Porto
Psicóloga (UFPE), Especialista em Psicologia clínica e Mestra em Saúde Coletiva (UFPE). Pesquisadora
vinculada ao Núcleo Família, Gênero e Sexualidade-FAGES/UFPE e professora do curso de Psicologia da
Faculdade da Amazônia Ocidental – FAAO.
Representante do Conselho Regional de Psicologia 1ª Região-Seção Acre.
Rua Álvaro Rocha, 101. Conjunto Universitário I, quadra 45, Distrito Industrial, Rio Branco – AC -
Brasil. CEP – 69915-300. Telefone: (68) 3229 2812 / 9971 0821.
E-mail: madgeporto@ig.com.br, madgepsi@ibest.com.br
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