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Psicologia USP, 2021, volume 32, e200046 1-11

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Artigo
Término de relacionamentos íntimos violentos: uma revisão da literatura
Sheila Giardini Murta*
Priscila de Oliveira Parada
Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil

Resumo: Este artigo analisa avanços e limitações na produção científica acerca do processo de término de relações
íntimas violentas. Realizou-se busca nas bases de dados Portal de Periódicos Capes e SciELO, com entradas em
inglês, francês, espanhol e português. O critério de inclusão foi tratar do término de relações amorosas violentas ou
de aspectos da decisão ficar versus sair. Encontraram-se catorze estudos publicados entre 1999 e 2015, dos quais
metade tinha design quantitativo e a outra metade, qualitativo. Estas variáveis mostraram correlação com o avanço
rumo ao término nos estudos quantitativos: nível de investimento, comprometimento, normas subjetivas, atribuir
ao agressor a responsabilidade pela agressão, sentimento de raiva, barreiras e facilitadores estruturais. Para os
sete estudos qualitativos, observaram-se: a proposta de novos modelos de compreensão, a maior variabilidade de
recrutamento das amostras e a consideração do período pós-separação nas análises. Discutem-se recomendações
para a prática profissional e a pesquisa.

Palavras-chave: violência doméstica, violência por parceiro íntimo, violência contra a mulher.

Estudos acerca da prevalência e dos impactos da intervenções realizadas com homens autores de violência
violência nos relacionamentos íntimos são crescentes encaminhados pela justiça (Akoensi, Koehler, Lösel, &
e têm se tornado cada vez mais importantes, tanto na Humphreys, 2013; Feder & Wilson 2005; Feder, Wilson, &
compreensão desse fenômeno como na construção de Austin, 2008). As revisões da literatura sobre o tema
diretrizes das políticas públicas relacionadas ao tema (Feder & Wilson 2005; Feder et al., 2008) mostraram
(Brasil, 2006). Dados sobre a prevalência apontam que que estudos que utilizaram métodos experimentais
ao menos uma em cada cinco mulheres brasileiras sofrem para avaliação de efeitos das referidas intervenções
com a violência nos relacionamentos (DataSenado, 2013) apresentaram efeitos modestos quando comparados os
e que 43% das mulheres que buscam ajuda via assistência grupos de tratamento e controle. Por sua vez, aqueles
telefônica são agredidas diariamente e 35%, semanalmente de delineamento quase-experimental com grupo de
(Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, 2012). comparação sem tratamento indicaram resultados
Esses dados, contudo, ainda devem ser tratados como inconsistentes, com possibilidades de pequenos
limites mínimos, uma vez que é comum que tanto efeitos prejudiciais. As evidências, portanto, apontam
mulheres como homens não saibam reconhecer formas para o fraco efeito das intervenções direcionadas
de violência diversas da agressão física. aos agressores existentes atualmente. Por um lado,
Nesse contexto, os estudos sobre término de isso suscita a necessidade de investigações que permitam
relacionamentos violentos apresentam potencial de o desenvolvimento de técnicas e intervenções mais
maior esclarecimento sobre os processos que propiciam efetivas e, por outro, que as intervenções destinadas à
o fim desse tipo de relação. Ampliar a compreensão superação da violência enfoquem tanto as mudanças de
desse processo complexo poderá gerar conclusões comportamento do agressor quanto a possibilidade de
relevantes e aplicáveis às políticas públicas e aos abandono da relação pela vítima.
serviços de prevenção – no sentido do abandono precoce Nesse sentido, resta analisar as possibilidades
de relações que se mostrem violentas – e de suporte a relacionadas ao outro caminho possível: o término
vítimas de violência. do relacionamento. Essa, contudo, não se mostra uma
A superação da condição de violência no via simples, envolvendo outras tantas ramificações de
relacionamento engloba mais de um caminho possível. possibilidades no que diz respeito à continuidade versus
Uma primeira variante seria a interrupção da violência superação da violência. Em primeiro lugar, sabe-se que o
dentro do próprio relacionamento. Outra possibilidade término não necessariamente significa o fim da violência
consistiria no término da relação violenta. Sobre a primeira e, em alguns casos, a avaliação dos riscos diante de
opção, contudo, revisões sistemáticas e metanálises uma ou outra opção pela vítima leva-a a concluir que
têm apontado para a inconsistência dos resultados de a permanência, ao menos no curto prazo, é a opção
mais segura (Anderson, 2003; Bell, Goodman, &
* Endereço para correspondência: giardini@unb.br Dutton, 2007; Meyer, 2012).

http://dx.doi.org/10.1590/0103-6564e200046
Sheila Giardini Murta& Priscila de Oliveira Parada
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Em segundo, os resultados de alguns estudos Saunders (2003) consistiu no conceito de comprometimento
demonstraram que o término da relação não necessariamente com o relacionamento, hipotetizando que mulheres com
é definitivo (Bell et al., 2007; Shurman & Rodrigues, 2007) maior comprometimento tenderiam a permanecer mais
e, ainda, que nem sempre é acompanhado de bem-estar. no relacionamento. Essa relação foi observada quando se
Shurman e Rodriguez (2007), nesse sentido, encontraram utilizaram medidas subjetivas (ex.: sentimentos positivos
a depressão como aspecto emocional associado ao período em relação ao parceiro), contudo mostrou-se mais fraca
que segue o término da relação. Esses resultados apontam diante de medidas objetivas (ex.: tempo e status do
para a necessidade de estudos que clarifiquem quais outros relacionamento). As variáveis ligadas a recursos externos,
fatores contribuem para a melhoria da qualidade de vida especialmente aquelas relacionadas à renda, por sua vez,
de pessoas que conseguem sair de relações violentas e da foram as que se apresentaram mais consistentes e
revisão das políticas públicas, cuja atuação não se encerra tiveram maior poder de predição ao longo dos estudos.
quando ocorre a separação. Nesse sentido, menos acesso a renda própria ou a outros
Em terceiro lugar, existe a possibilidade do recursos externos dificultou o término da relação.
engajamento em novas relações violentas após o abandono Por fim, os estudos que inseriram variáveis
da anterior. Martsof, Draucker, Stephenson, Cook e relacionadas às estratégias de enfrentamento da violência
Heckman (2012), em um estudo qualitativo envolvendo são apontados por Anderson e Saunders (2003) como
88 participantes, encontraram que 32 haviam vivido precursores da ideia do abandono enquanto processo.
mais de um namoro violento no período da adolescência. Essas pesquisas evidenciaram que mulheres com maior
Isso ressalta o fato de que a superação do ciclo da violência número de tentativas de término definitivo foram as
é um fenômeno complexo e ainda pouco conhecido que mais aptas a alcançá-lo e que aquelas que empregaram
merece muita atenção. múltiplas estratégias de enfrentamento, além do
Embora o abandono do relacionamento não se rompimento, tinham maiores chances de conseguirem
constitua em todos os casos como uma opção viável – se separar. A autora e o autor indicam, ainda, a mudança
ao menos no curto prazo – ou não implique necessariamente proporcionada por essas pesquisas no foco de interesse,
o fim da violência, ele segue sendo um caminho possível, que deixa de residir nos motivos pelos quais as mulheres
direcionado ao empoderamento e cuja compreensão permanecem na relação para aqueles que permitem que
tem potencial de aprimorar as políticas de atendimento elas as deixem (Anderson & Saunders, 2003).
a vítimas de agressões por parceiros íntimos, seja pela No que diz respeito às investigações qualitativas,
oferta de novos serviços voltados a necessidades que Anderson e Saunders (2003) apontaram para maior
atualmente não são atendidas ou não entraram na agenda, tendência, nesses estudos, de conceituar o abandono como
pelo desenvolvimento de perspectivas preventivas, um processo que não se restringe ao término definitivo,
especialmente da prevenção indicada (aquela direcionada mas envolve decisões e ações que ocorrem durante meses
a pessoas que já apresentam um problema em estágio ou anos. Os pesquisadores interpretam o fenômeno,
inicial), ou pela qualificação de técnicas e métodos de portanto, como esforços ativos e cumulativos pelos
intervenção mais eficazes nos serviços já existentes. quais as mulheres aprendem gradualmente estratégias
No único artigo anterior encontrado de revisão de mais efetivas para lidar com o abuso, incluindo o
literatura sobre o tema do abandono de relações violentas, abandono. O modelo transteórico de mudança (Prochaska,
Anderson e Saunders (2003) ressaltaram a consistência DiClemente, & Norcross, 1984) destacou-se como
de variáveis e as tendências na agenda de pesquisa referencial de interpretação dos dados qualitativos entre
em 20 estudos quantitativos e 28 estudos qualitativos os estudos incluídos na revisão. Eles identificaram que as
publicados entre 1976 e 2001. No que diz respeito aos mulheres passaram por um aumento de suas perspectivas
estudos quantitativos, essa revisão identificou a existência que, em alguns casos, ocorreu repentinamente, mas,
de quatro grupos de variáveis sobre as quais os estudos na maioria, desenvolveram-se a partir de percepções
se concentraram: frequência e severidade da violência, fugidias sobre a relação e sobre si. Como catalizadores no
história de vitimização da mulher na infância ou família processo de abandono da relação, as pesquisas qualitativas
de origem, fatores psicossociais, recursos externos e englobadas pela revisão encontraram aumento no nível
estratégias de enfrentamento anteriores. Sobre a relação da violência, menor quantidade de carinho e dedicação
entre frequência e severidade da violência e término pelo parceiro, perda da esperança na melhoria da relação,
da relação, os estudos mostraram-se inconsistentes, perceber o efeito do abuso nos filhos e a rede de suporte
provavelmente em razão de conceituação da severidade social comunitária e profissional.
e de medidas utilizadas. O mesmo ocorreu no que diz Anderson e Saunders (2003) destacam, ainda,
respeito à vivência de violência na infância ou família aspectos relacionados ao bem-estar psicológico após
de origem, tendo sido os resultados entre os estudos a separação. Essa foi uma lacuna identificada por eles
inconsistentes para apontar esse como um fator que naquele momento da produção científica. Entre os poucos
facilite ou dificulte o abandono da relação. estudos analisados por eles que se preocuparam com isso,
Sobre os fatores psicossociais, o mais estudado os resultados mostraram que, na medida em que passa o
nas pesquisas incluídas na revisão de Anderson e tempo desde a separação, aumenta o bem-estar psicológico.

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Por outro lado, quando considerados grupos distintos ao invés Resultados e discussão
de médias gerais, encontrou-se prevalência considerável de
sintomas de depressão, estresse pós-traumático e ansiedade Foram encontrados catorze artigos publicados
após o término da relação violenta, o que chama atenção entre 1999 e 2015. A pesquisa gerou doze estudos em
para a necessidade de maior compreensão sobre esse inglês e um em português. Os países de atuação dos
período para tais grupos e da investigação sobre eventuais autores foram Estados Unidos (onze artigos), Brasil (um),
fragilidades sociodemográficas, de saúde ou de suporte Austrália (um) e Suécia (um). Os dados serão apresentados
social associadas a esses desfechos. com base nos tipos de estudo: quantitativo ou qualitativo.
Este artigo tem como objetivo analisar os avanços,
as limitações e as lacunas nas pesquisas publicadas após Estudos quantitativos
a revisão anterior (Anderson & Saunders, 2003) ou não
inseridas nela acerca do abandono de relacionamentos Dos catorze artigos incluídos nesta revisão,
íntimos violentos e suas implicações. Definem-se sete utilizaram métodos quantitativos. A análise do
relacionamentos íntimos como relacionamentos afetivo- delineamento dos estudos revelou que todos adotaram
sexuais pré-maritais ou maritais. Considera-se que tal modelos observacionais, em sua maioria com recortes
esforço poderá contribuir para uma melhor compreensão transversais (Alexander, Tracy, Radek, & Koverola, 2009;
do estado da arte acerca do tema cujo aprofundamento Choice & Lanke, 1999; Pape & Arias, 2000; Shorey,
permitirá o desenvolvimento e revisão de direcionamentos Tirone, Nathanson, Handsel, & Rhatigan, 2013;
tanto para o tratamento quanto para a prevenção indicada Shurman & Rodriguez, 2006). Tal delineamento tem como
em situações de violência por parceiro íntimo. vantagens o melhor ajuste às possibilidades financeiras
da pesquisa, além da economia de tempo. Por outro
Método lado, permite observar um recorte cronológico limitado,
implicando delineamento mais frágil quando se quer
Realizou-se busca nos portais Periódicos Capes e atribuir relação de antecedência e sucessão de eventos.
SciELO, utilizando-se combinações de palavras em inglês, Ademais, a complexidade e a volatilidade da dinâmica
português, espanhol e francês: abandonar, terminar, sair, de abandonar e retomar a relação não pode ser capturada
deixar, namoros, relacionamentos, relação, casamento, por esse tipo de método. Entre as outras pesquisas, duas
violento(as), violência por parceiro íntimo (português), apresentaram recorte longitudinal (Bell et al., 2007;
leave, stay/leave, abandon, end, date, relationship, IPV, Edwards, Gidycs, & Murphy, 2015), que tem maior
partner, violence, violent, aggressive (inglês), dejar, salir, poder de estabelecer relações de antecedência e
acabar, romper, relación, noviazgo, violento(a) (espanhol), sucessão entre os eventos.
laisser, finire, couple, relation, violent(e) (francês). Dentre as escalas adotadas, observa-se que
O critério de inclusão foi tratar do processo de a versão revisada da Escala de Táticas de Conflito
término ou da dinâmica de ficar ou sair da relação. (Conflict Tactis Scales – revised – CTS-2), de Straus,
Os critérios de exclusão foram tratar de violência em Hamby, Boney-McCoy e Sugarman, 1996, vem sendo
relações não amorosas e ter sido publicado antes de 2001 relevante para os estudos do campo. O uso de um
(ano de publicação do artigo mais recente da revisão de mesmo instrumento em estudos distintos apresenta a
Anderson & Saunders, 2003). Uma exceção foi feita em vantagem de permitir comparações entre os dados de
relação a um artigo de 1999 que não havia sido inserido diferentes pesquisas. Por outro lado, esse instrumento
na revisão anterior. Ademais, incluíram-se na revisão se restringe ao acesso da violência em situações de
artigos acessados por meio de autores que investigam conflito. Embora essa seja uma dimensão importante
essa temática. da violência, ela não encerra o fenômeno, uma vez
Para fins de análise, os catorze artigos foram que outras formas de violência, especialmente aquela
separados em estudos com métodos quantitativos de caráter simbólico (Bourdieu, 2019), não costuma
e estudos com métodos qualitativos, havendo, para gerar conflito e, ainda quando isso ocorre, a violência
esses dois grupos, critérios de análise cujo interesse foi simbólica é comumente ignorada da situação. Esse termo
comum a ambos os tipos de método e outros específicos é utilizado para definir formas de violência que são
dos estudos quantitativos. Os critérios comuns a ambos legitimadas nas relações e estruturas sociais, sendo aceitas
os grupos foram referentes ao método (delineamento, culturalmente (Bourdieu, 2019). Por esse motivo, elas
amostra, recrutamento da amostra, procedimentos passam despercebidas no senso-comum e mesmo na
de coleta e instrumentos), ao(s) modelo(s) teórico(s) avaliação de muitos especialistas. Seus impactos,
adotado(s), aos tipos de relacionamentos englobados no entanto, são bastante devastadores, uma vez que criam
(se namoro, casamento, relacionamento estável ou hierarquias na maneira como as pessoas conseguirão
outros) e aos resultados encontrados. As informações acessar oportunidades e direitos. A violência de
específicas para análise dos estudos quantitativos gênero e a violência racial, por exemplo, são formas
foram: variáveis independentes, variáveis mediadoras de violência simbólica. No que concerne à violência
e variáveis dependentes. doméstica, por exemplo, uma expressão significativa

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de violência simbólica diz respeito à sobrecarga das Tabela 1. Frequência com que cada variável foi estudada
mulheres com o trabalho da casa e dos filhos. Embora seja Variável independente ou mediadora Nº
naturalizada, aceita e ocorra na quase totalidade dos Características da violência 3
lares, essa desigualdade tem consequências significativas
para as mulheres: representa prejuízos às possibilidades Normas subjetivas b
3
de carreira, lazer, descanso e aceitação no grupo social. Nível de investimento na relação (satisfação
Por conseguinte, tem grande potencial de danos à com o relacionamento, qualidade das 2
autonomia financeira, à saúde mental, ao desenvolvimento alternativas e investimentos irrecuperáveis)
de habilidades de vida e até mesmo ao acesso à proteção Comprometimentob 2
(que com frequência é indevidamente negada pelos Estilos de apego 2
agentes públicos a mulheres que não desempenham esse
papel a contento, risco que os homens não correm a Atribuição da responsabilidade 2
despeito do grau de abandono em que possam deixar seus pela violência ao parceiroa
filhos, por exemplo). A falta de instrumentos que acessem Recursos e barreiras estruturais (renda, 2
essa dimensão representa enorme lacuna nos estudos despesas, bens em comum)
sobre relacionamentos violentos. A título de exemplo, Comportamento planejado (intenções de deixar a 2
tome-se como contexto um conflito que se dê em razão relação, atitudes e controle sobre o comportamento)
de o homem se recusar a cuidar dos filhos para ela poder Sentimentos (raiva, tristeza,
estudar. Em uma situação como essa, pode ocorrer de a 2
nervosismo, desesperança)
ofensa ou o grito hostil partirem dela. No instrumento que Impactos na saúde mental (depressão e ansiedade) 1
se baseia em comportamentos em situações de conflito,
registra-se o grito e a ofensa dela. No entanto a violência Satisfação com o suporte social 1
de gênero, que nega a ela a possibilidade de exercer Natureza do relacionamento 1
direitos básicos de liberdade, autonomia e, mais grave, a
Pape & Arias (2000) estudaram reações emocionais e atribuição
de estruturar sua vida para superar a violência naquele de responsabilidade pela violência como variáveis mediadoras
relacionamento, passa completamente despercebida por entre a severidade da violência e a intenção de deixar a relação.
esse tipo de instrumento. b
Shorey et al. (2013), além de estudarem comprometimento e
A primeira característica que se destaca quanto normas subjetivas como variáveis independentes, verificaram se
aos modelos teóricos adotados é a inserção crescente há mediação entre as duas variáveis.
do modelo transteórico de mudança como referencial
teórico nesses estudos. Das sete pesquisas quantitativas, Entre essas variáveis, aquelas para as quais
três utilizam esse modelo como base de coleta e análise se encontrou correlação com a intenção, a efetivação
dos dados (Alexander et al., 2009; Shorey et al., 2013; ou o processo de término do relacionamento de
Shurman & Rodriguez, 2006). Anderson e Saunders (2003) forma consistente entre os estudos ou com indicação
haviam apontado para seu uso em estudos qualitativos considerável dentro de apenas um estudo (nos casos em
e para a tendência, nesses, de considerar o caráter que tenha sido estudada apenas uma vez) foram normas
processual do abandono da relação. Esse entendimento subjetivas (n=3; Choice & Lanke, 1999; Shorey et al., 2013;
parece ser, paulatinamente, absorvido nessas pesquisas Edwards et al., 2015), investimento na relação e
quantitativas, que observaram como características comprometimento (n=3, sendo que Choice e Lanke estudam
demográficas e outras variáveis independentes de interesse as duas variáveis como construtos separados) (Choice &
se relacionavam com os estágios de mudança, trazendo, Lanke, 1999; Shorey et al., 2013; Edwards et al., 2015),
assim, a possibilidade de compreender, mesmo em estudos atribuição da responsabilidade pela violência ao agressor
quantitativos, o abandono não como um ponto no tempo, (n=2; Pape & Arias, 2000; Shurman & Rodriguez, 2006),
mas como uma construção que passa por distintas etapas. recursos e barreiras estruturais (n=2; Choice &
As variáveis estudadas foram: estilos de apego, atribuição Lanke, 1999; Alexander et al., 2009), comportamento
(de responsabilidade), depressão, desesperança, ansiedade planejado (n=1; Edwards et al., 2015) e sentimento de raiva
e raiva (Shurman & Rodriguez, 2006), características (n=1; Shurman & Rodriguez, 2006). Normas subjetivas
demográficas, estilo de apego, característica da favoráveis ao término, atribuição de responsabilidade pela
violência, natureza do relacionamento e suporte social violência ao agressor, existência de recursos estruturais
(Alexander et al., 2009), além de normas subjetivas e (ex.: ter renda própria), comportamento planejado
comprometimento (Shorey et al., 2013). Outro modelo e sentimento de raiva tiveram correlação positiva
teórico que teve adesão foi o modelo de investimento, com o término da relação. Investimento na relação,
usado em três investigações (Choice & Lanke, 1999; comprometimento e existência de barreiras estruturais
Edwards et al., 2014; Shorey et al., 2013). (ex.: não ter renda própria) tiveram correlação negativa
Os dados apontaram uma diversidade de com o término. Vale ressaltar que investimento na relação
variáveis investigadas ao longo de todos os estudos e comprometimento são definidos por fatores muito
analisados (Tabela 1). próximos nos artigos que estudam essas variáveis.

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Tais resultados revelam uma grande variedade mudanças tendo como foco a saída definitiva da relação.
de aspectos relacionados ao avanço rumo ao abandono É importante ressaltar que, embora possam ser pensadas
da relação violenta, apontando para a considerável em um continuum, elas não necessariamente falam de
quantidade de determinantes que atuam nesse processo. gradações do mesmo fenômeno, uma vez que a intenção
Nesse sentido, aspectos do contexto social (normas de deixar o relacionamento nem sempre se concretiza e
subjetivas), do contexto estrutural (renda, ter onde morar etc.) que estar fora dele não significa que essa condição irá se
e pessoais (investimento na relação, comprometimento, manter. Os dois aspectos, contudo, estão englobados ao
emoções, atribuição de responsabilidade) podem se pensar o abandono como um processo, como ocorre
contribuir ou configurar barreiras para o processo de nos estágios do modelo transteórico de mudanças.
superação da violência. A análise das características do recrutamento
As variáveis cuja correlação se mostrou inexistente das amostras revelou quatro ambientes ou estratégias:
foram as características da violência e a satisfação com o recrutamento comunitário (n=3), entre estudantes (n=2),
suporte social (Alexander et al. 2009). Sobre a primeira, em centros de atendimento a vítimas ou agressores (n=3)
Anderson e Saunders (2003) já haviam apontado para e em abrigos (n=3). Sobre essas formas, é importante
esse resultado entre os estudos, destacando, no entanto, fazer algumas considerações. É possível que nenhuma
a falta de padronização dos conceitos e classificação. delas consiga recrutar casos em que a pessoa agredida
A persistência de achados nesse sentido, no entanto, está isolada da rede de serviços de atenção à violência
reforça a evidência de que a severidade da violência ou inibida em tornar conhecida a situação de agressão,
não guarde relação com o processo de término. Sobre a seja por razões individuais (vergonha, falta de acesso),
segunda, as autoras discutem que a rede social, embora por aquelas referentes às características da violência
satisfatória, pode ser dividida com o agressor e não (medo, grave ameaça) ou por estarem em situação de
oferecer suporte para a saída da relação, ainda que proteja grande exclusão social (pessoas em situação de rua ou
quanto à severidade da violência. Dessa forma, avaliam não alfabetizadas, por exemplo). Tais condições acarretam
que a variabilidade e amplitude da rede de suporte é mais maior nível de vulnerabilidade e estresse, e amostras
importante que a satisfação com ela. que as englobem podem gerar resultados com vistas a
Os resultados referentes ao estilo de apego foram informar sobre necessidades não endereçadas nos serviços
inconsistentes entre os dois estudos que consideraram de atendimento existentes atualmente. Tendo em conta
essa variável. Alexander et al. (2009) encontraram o que algumas dessas condições podem ser mais comuns do
apego preocupado como associado aos estágios iniciais do que se imagina e que ela implica graves riscos, estratégias
modelo transteórico de mudança. Shurman e Rodriguez que permitam o acesso a elas no contexto da pesquisa são
(2006), por sua vez, encontraram relação entre esse importantes. Algumas alternativas residem na recorrência
estilo de apego e a prontidão para mudança entre os a contextos existentes em políticas públicas, como aquelas
estágios. É possível que diferenças das amostras tenham de acesso facilitado (por exemplo, o Ligue 180, no Brasil),
gerado tais resultados, especialmente considerando que de busca ativa (como casos identificados no contexto
Shurman e Rodriguez trabalharam com mulheres que dos atendimentos das equipes do Saúde da Família
estavam em abrigos ou residências de apoio transitórias, ou da Polícia Militar) ou na realização de estudos de
sendo comum, nesses casos, a associação com outros caso (uma vez que será pouco provável o número de
fatores de vulnerabilidades, especialmente os referentes participantes que permitam outros delineamentos) em
à escassez de renda e de suporte social. Se por um lado situações identificadas em serviços não direcionados
esse aspecto traz viés considerável ao perfil da amostra, ao atendimento de casos de violência, por exemplo,
por outro, destaca as características de um grupo em nos hospitais gerais.
situação de muita vulnerabilidade e, por conseguinte, Outro limitador considerável consiste no poder
cujas necessidades precisam ser priorizadas. de generalização e nas limitações à interpretação dos
Um aspecto importante a ser observado é a grande dados com amostras recrutadas em abrigos. Em geral,
diversidade de variáveis investigadas diante do reduzido as pesquisas não trouxeram informações detalhadas acerca
número de artigos encontrados, de forma que cada uma da situação de vulnerabilidade social (exceto aquelas
foi estudada em, no máximo, três pesquisas. Da mesma relativas à renda) e da existência ou não de suporte social
forma, não existe aprofundamento nas características e familiar. Por outro lado, o público atendido por esse tipo
relacionadas a nenhuma variável de interesse, tampouco de serviço costuma englobar pessoas com alto nível de
segmentação entre grupos distintos. Esse quadro sinaliza vulnerabilidade social, dificuldades financeiras e rede de
para o caráter multicausal dos aspectos relacionados ao suporte social escassa e inefetiva. Nesse sentido, dados
abandono dos relacionamentos violentos, o que gera como os encontrados por Shurman e Rodriguez (2006),
hipóteses muito variadas advindas de observações em de que depressão foi preditor do estágio de manutenção
contextos específicos e de teorias distintas. no modelo transteórico de mudanças, podem estar mais
As variáveis dependentes estudadas foram a relacionados a essas características da amostra do que ao
intenção de abandono da relação, a permanência ou estágio de mudança em si, além de que talvez não possam
saída da relação e os estágios do modelo transteórico de ser generalizáveis para outros grupos. Apesar disso,

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os estudos com mulheres vivendo em abrigos são com maior facilidade para o pesquisador. Por outro lado,
extremamente importantes justamente por lançarem luz a quase inexistência de outras estratégias de coletas de
a uma parcela muito vulnerável da população. Todavia dados pode limitar o acesso a determinados tipos de
é preciso fazer ressalvas a seu poder de generalização. informações que não são acessíveis por meio de entrevista.
Esse aspecto reforça o direcionamento de que os grupos Grande parte dos estudos utilizou o modelo
não sejam tratados como homogêneos, mas que se façam transteórico de mudanças, seguindo aquilo que já
recortes de acordo com suas especificidades. havia sido observado por Anderson e Saunders (2003).
Sobre os tipos de relacionamentos pesquisados, Dos sete estudos, quatro lançaram mão dele, sendo um
apenas um estudo dedicou-se exclusivamente às relações relacionado à análise de sua adequação ao fenômeno
pré-matrimoniais (Choice & Lanke, 1999). Outros (Anderson, 2003), um partindo desse referencial e
três envolveram, ainda que de forma minoritária, questionando-o posteriormente – gerando o Modelo
relações de namoro na amostra (Bell et al., 2007; de Prontidão Psicossocial – (Cluss et al., 2006),
Edwards et al., 2015; Shurman & Rodriguez, 2006). um utilizando-o para analisar o avanço nos estágios
No entanto eles não segmentam suas análises em função em um intervalo de dois meses (Edwards et al., 2012) e
do tipo de relacionamento. Dessa forma, não é possível o último aprofundando as análises na identificação de
esclarecer se existem particularidades no processo de estratégias que colaboram para a passagem de um estágio
abandono desse tipo de relação quando comparados ao outro (Murta et al., 2014).
a casamentos ou relações em que há coabitação. Essa Um aspecto relevante nesses estudos, ainda,
permanece uma lacuna na literatura que limita as formas consiste na frequência com que se dedicam a analisar
de intervenção para as pessoas em relacionamentos de a adequação ou geração de modelos. Todos eles,
namoro e apresenta um grande custo de oportunidade em algum grau, envolvem uma dessas vertentes.
no que diz respeito à prevenção. Além das verificações já citadas em torno do modelo
Entre os estudos quantitativos, apenas um transteórico de mudanças, identifica-se a adequação à
(Bell et al, 2007) se debruçou sobre o período que sucede teoria da escolha racional e a geração de novos modelos:
o término da relação, tendo investigado bem-estar e modelo de prontidão psicossocial (Cluss et al., 2006)
exposição à violência diante de diferentes desfechos que e modelo conceitual de vulnerabilidade (Few &
se seguiram à condição de estar separada do parceiro no Rosen, 2005). Wiklund et al. (2010), embora não
início do estudo (manter separação, retomar a relação proponham novo modelo, adotam etapas e constroem
de forma estável ou manter separação e retomar relação uma linha cronológica para o enfrentamento da violência
alternadamente). Considera-se esse estudo de especial (Wiklund et al., 2010). Todos os modelos incluem aspectos
relevância por lançar luz nos acontecimentos posteriores relativos às barreiras e aos recursos de enfrentamento
ao término da relação, apontando para o fato de que nem internos e externos que permitem chegar ao término
todas as experiências de rompimento indicam um mesmo da relação e à manutenção dessa condição.
fenômeno e abrindo um caminho de pesquisa precioso O modelo de prontidão psicossocial (Cluss et al.,
no campo quantitativo para a geração de conhecimento 2006) é composto por três fatores internos – percepção
que permita o delineamento de políticas públicas e de de suporte social, autoeficácia e tomada de consciência –
estratégias de atendimento mais adequadas. Anderson e que são situados ao longo de um continuum que vai da
Saunders (2003), em sua revisão, identificaram a escassez manutenção total do status quo à superação da violência.
de estudos sobre o período que sucede o fim da relação Dois fatores externos – suporte social e condições
como uma lacuna importante. Desde então, houve pouco situacionais (ex.: ter renda, ter casa etc.) – empurram os
avanço nesse ponto nos estudos quantitativos. fatores internos para um lado ou outro do continuum.
O modelo conceitual de vulnerabilidade (Few &
Estudos qualitativos Rosen, 2005) é caracterizado por duas dimensões:
vulnerabilidade relacional (crenças sobre si na
Dos catorze artigos incluídos nesta revisão, sete relação com os outros ou sobre o que é aceitável em
adotaram métodos qualitativos. No que diz respeito um relacionamento) e vulnerabilidade estrutural
aos aspectos do método, a entrevista se mostrou como (estressores advindos de mudanças tanto inerentes ao
procedimento mais usual de coleta de dados, sendo ciclo de vida como inesperadas, ou da falta de que
que, à exceção de dois, todos os outros lançaram mão se atinjam expectativas sociais ligadas ao status de
desse recurso (Cluss et al., 2006; Few & Rosen, 2005; relacionamento). A representação do modelo é feita em
Meyer, 2012; Murta, Ramos, Cangussú, Tavares, & plano cartesiano. Essas duas dimensões estão imersas
Costa, 2014; Wiklund, Malmgren-Olsson, Bengs & no contexto sociocultural.
Öhman, 2010). Anderson (2003) aplicou a técnica A linha cronológica do enfrentamento da violência
Delphi, que visa à coleta de dados com especialistas, (Wiklund et al., 2010) não chega a ser proposta pelas
e Edwards et al. (2012) utilizaram respostas escritas a autoras como modelo teórico, contudo apresenta estruturas
perguntas abertas. A entrevista enquanto estratégia de de análise comuns para os dois casos estudados, tendo
coleta de dados apresenta a vantagem de ser acessível, como base a linha cronológica dos eventos, diferenciando

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distintas fases rumo ao abandono da relação e ao Por fim, a abordagem do período pós-término da
enfrentamento das consequências da violência após o relação, apontado como uma lacuna na revisão anterior de
seu término. Ela inicia com “estar sob controle de um Anderson e Saunders (2003), foi contemplada em algum
namorado violento”, passando por “lutando para parar grau em seis dos sete estudos qualitativos (Anderson, 2003;
a violência e terminar a relação”, “voltar a andar com Cluss et al., 2006; Few & Rosen, 2005; Meyer, 2012;
os próprios pés e fazer um novo começo” e terminando Murta et al., 2014; Wiklund et al., 2010). Dois trataram das
com “deixar a relação e lidar com as consequências da estratégias de enfrentamento às dificuldades e barreiras
violência”. Para cada ponto desse processo, os desafios à manutenção do término da relação (Anderson, 2003;
e comportamentos adotados são descritos. Murta et al., 2014), um apontou para estratégias de
No escopo dos estudos qualitativos, ainda, algumas proteção desenvolvidas após o fim da relação e impactos
das estratégias às quais as participantes recorreram no na saúde (Wilklund et al., 2010), um focou na discussão
processo de término da relação foram identificadas. das decisões informadas pela avaliação de risco maior
Auto-observação, suporte social, autocuidado, busca de para si e para os filhos, no caso de abandono da relação,
informações, teste de soluções (ex.: terminar e retomar, e as estratégias de planejamento necessárias para sair
tentar acabar com a violência dentro da própria relação), dessa relação (Meyer, 2012) e dois o trataram por meio
avaliação de riscos para terceiros, controle de estímulos, da inserção de aspectos facilitadores e barreiras nos
análise de riscos e benefícios, regulação de emoções, modelos gerados para a compreensão do fenômeno
empoderamento (Murta et al., 2014). Após o término, (Cluss et al., 2006; Few & Rosen, 2005). Se por um lado
trazer à consciência os aspectos relacionados às emoções se observa preocupação com o período após o término
negativas ligadas à relação e os próprios esquemas nos estudos qualitativos, seja em relação aos impactos
disfuncionais que operam nas relações amorosas, manejar ou às estratégias e barreiras experimentadas, por outro,
situações de risco, dedicar atenção a necessidades de o alvo e a referência permanecem em uma única relação
outros campos da vida, análise de prejuízos e ganhos, e em seus impactos. Considerando que as experiências
autovalorização e dedicar-se a novos interesses foram com relacionamentos violentos não necessariamente se
as estratégias mapeadas (Murta et al., 2014). Anderson restringem a uma única relação (Martsof et al., 2012),
(2003) classificou as estratégias de acordo com os resta como lacuna a necessidade de estudos que se
processos de mudança previstos no modelo transteórico aprofundem na transição entre relacionamentos e cuja
de mudanças. referência não esteja em apenas um deles.
No que concerne ao recrutamento da amostra,
as características foram distintas em alguns pontos quando Considerações finais
comparadas aos estudos quantitativos. Utilizaram-se como
ambientes/grupos de recrutamento: serviços de saúde Identificaram-se, nessa revisão, algumas
não relacionados diretamente à violência (n=3), abrigos características da produção de artigos sobre o tema do
para mulheres vítimas de violência (n=2), lideranças abandono de relacionamentos violentos entre 1999 e 2015.
comunitárias no combate à violência nos relacionamentos Os estudos quantitativos analisados foram marcados
que passaram por esse tipo de experiência (n=1), estudantes pelo início da inserção da dimensão processual por meio
universitárias (n=1), serviços de atendimento a vítimas de do modelo transteórico de mudanças na explicação do
violência (n=1), além de amostra de conveniência (n=1). abandono de relações violentas, a grande diversidade
Embora não tenha contado com recrutamento de variáveis, a pouca diferenciação quando da análise
comunitário, a inclusão significativa do recrutamento dos dados entre as relações de namoro e casamento,
em serviços de saúde não relacionados diretamente à e a limitação na variedade de recrutamento da amostra.
violência aumenta as chances de acesso a pessoas que não Os estudos qualitativos, por sua vez, tiveram como
buscam os serviços direcionados a essa problemática ou características a adoção marcante da dimensão processual
que não estão dispostas a revelar a condição de abuso na do abandono da relação violenta, a busca pela adequação
relação espontaneamente. Esses espaços são considerados e geração de modelos de entendimento do fenômeno,
privilegiados no acesso a vítimas de violência, pois, a variedade de recrutamento da amostra, com inclusão de
com maior frequência, elas os procuram com queixas que grupos recrutados em serviços de saúde não relacionados
não relacionam de forma explícita à violência (ex.: dores, diretamente à violência, e a consideração de aspectos
lesões, sintomas depressivos). Uma abordagem cuidadosa relacionados ao período pós-término da relação.
do profissional de saúde ou do pesquisador, contudo, pode Os artigos qualitativos foram unânimes em lançar
ser um importante passo rumo ao melhor enfrentamento mão de teorias que compreendem o abandono como um
do problema, além de poder contribuir para a geração processo, seja por meio do modelo transteórico de mudança,
de novos conhecimentos (Zuma, Mendes, Cavalcanti, & seja pela perspectiva da geração de outras teorias, como
Gomes, 2014). Esse aspecto, mais uma vez, revela a o modelo de prontidão psicossocial (Cluss et al., 2006)
importância do uso de delineamentos qualitativos na ou o modelo conceitual de vulnerabilidade (Few &
elucidação de situações nas quais o acesso aos casos é Rosen, 2005). No que diz respeito aos estudos quantitativos,
muito difícil, limitando seu número. a compreensão do caráter processual do fenômeno consiste

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Sheila Giardini Murta& Priscila de Oliveira Parada
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mais especificamente na adoção do modelo transteórico de A necessidade de endereçar barreiras externas
mudanças. Esses aspectos confirmam a análise da revisão estruturais ao término mais uma vez é evidente a partir
de Anderson e Saunders (2003), que apontaram para a dos resultados apresentados. Tais barreiras coincidem
adoção da compreensão do abandono como processo nos com contextos de vulnerabilidade social, especialmente
estudos qualitativos produzidos até então. Nos últimos os relativos à pobreza. Nesse sentido, iniciativas relativas
anos, portanto, essa tendência foi observada também nos à geração de renda, à habitação (especialmente em caráter
estudos quantitativos. emergencial) e ao atendimento das necessidades básicas em
A produção de conhecimento sobre o período caráter emergencial (a exemplo dos auxílios emergenciais
após o término de relações íntimas violentas foi indicada previstos no Sistema Único de Assistência Social – Suas)
por Anderson e Saunders (2003) como uma lacuna. demandam atenção dos serviços. Aparentemente,
Aparentemente, embora tenha havido avanços nesse abordagens profissionais interdisciplinares que enderecem
campo, eles foram tímidos. Entre os estudos qualitativos, o atendimento às necessidades de ordem prática (que atuam
a investigação de aspectos relacionados ao período após como barreiras estruturais externas) e àquelas que
o término da relação centrou-se no período que se seguiu perpassam as questões psicossociais (de ordem interna)
imediatamente ao término (ou a manutenção do fim da apresentam maior potencial de efetividade.
relação). Entre os estudos quantitativos, apenas dois Ainda sobre as barreiras estruturais, ressalta-se
mencionam temas relacionados a esse momento em suas a importância da existência de marco legal de proteção
discussões, sem, contudo, abordá-los de forma central, à mulher, como ocorreu no Brasil com a Lei Maria da
e apenas um tem como foco a elucidação das condições Penha, que inaugurou uma nova era no atendimento às
vivenciadas nesse período e seus impactos sobre o bem- situações de violência no âmbito doméstico e familiar.
estar e a vivência de violência. A existência de políticas de Estado propicia a acentuada
As implicações dos resultados para a prática diminuição de barreiras externas, uma vez que retira
profissional apontam para estratégias preciosas a serem da esfera individual e da família o ônus exclusivo de
adotadas pelos serviços de atendimento. A importância lidar com a violência e insere proteções legais que
das normas subjetivas como facilitadoras (ou barreiras) instrumentalizam a busca de direitos, o fazer valer a
do término ressalta a necessidade de que as intervenções vontade individual acerca do fim da relação e criam,
não sejam focadas exclusivamente na vítima ou no autor no longo prazo, mudanças sociais favorecedoras do fim
da violência, mas englobem outras pessoas importantes. da violência.
No contexto macro, a abordagem do tema nos meios Os resultados desta revisão devem ser interpretados
de comunicação com foco na quebra de preconceitos à luz de suas limitações. Dentre estas, apontam-se a
e disseminação de ideias que favoreçam a proteção e dificuldade de replicação dos processos de busca, o que
o suporte por pares ou familiares a pessoas que sofrem reduz seu caráter de sistematização. Ademais, salienta-se
violência apresenta grande potencial de contribuir o fato de que os dados foram analisados por apenas
para suporte social mais adequado, o que tende a gerar uma autora, sem verificação de concordância entre
impactos positivos no término da relação. O investimento codificadores, o que limita a confiabilidade das análises.
na qualidade das relações de suporte também ganha Por fim, o contexto epistemológico não constou entre os
destaque diante dos resultados que apresentaram o critérios de análise dos estudos identificados, o que pode
investimento na relação como fator relacionado com ser sanado em novas revisões.
o término. Sendo a qualidade das alternativas parte do Algumas lacunas são identificadas na literatura
construto que define investimento, relações sociais de a partir desta revisão. Em primeiro lugar, observa-se a
amizade positivas tendem a aumentar a avaliação da necessidade de mais pesquisas que tenham como foco o
alternativa de terminar um relacionamento e permanecer período pós-separação, lacuna que já havia sido apontada
sem parceiro. Nesse sentido, pessoas que contam com na revisão anterior e para a qual houve poucos avanços
suporte social para outras esferas de sua vida também desde então. Esse aspecto tem especial importância ao
contam com maior condição de suporte emocional para se levar em conta que as separações nem sempre são
enfrentar a difícil tarefa de terminar e permanecer fora definitivas e, em alguns casos, não suficientes para
de uma relação. gerarem bem-estar. Para além do período que sucede
A ênfase na qualidade das alternativas à imediatamente ao término, a transição para novas relações
relação traz outro desdobramento para os serviços tem sido negligenciada pelos estudos científicos. Tendo em
de atendimento a vítimas de violência: a criação de conta que o interesse social no esclarecimento das questões
espaços de convivência baseados em atividades de lazer relativas ao término de relacionamentos violentos não é
e socialização que não abordem diretamente a violência apenas de que as pessoas terminem relações pontuais,
pode ser uma estratégia importante no seu combate ao mas que vivam livres da violência nos relacionamentos
fomentar relações sociais e ampliar repertórios. Ainda, íntimos, a maior compreensão dos processos de transição
tais estratégias contam com a vantagem de serem mais para novos relacionamentos é urgente e poderá permitir
atraentes ao público que ainda tem dificuldade em se o aprimoramento da oferta de suporte às pessoas que
perceber em condição de violência. abandonam relacionamentos violentos.

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Término de relacionamentos íntimos violentos: uma revisão da literatura
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Outro aspecto que carece de esclarecimento Por fim, ressalta-se a necessidade de estratificação
concerne à geração de maior conhecimento acerca dos dados relativos a relações de namoro e de casamento/
de pessoas e grupos que não acessam os serviços relação estável, tanto em razão das especificidades de
direcionados à atenção à violência ou sequer revelam necessidades de intervenção em cada tipo de relação
essa condição. Tal grupo se encontra em condição de como pelo grande potencial de geração de intervenções
extrema vulnerabilidade, o que ressalta a necessidade de preventivas existente na maior compreensão dos processos
busca ativa por esses sujeitos e demanda, prioritariamente, envolvidos na relação de namoro. O tratamento dos
o uso de métodos qualitativos, tanto por permitirem a dados como caracterizando um mesmo grupo pode estar
compreensão aprofundada de realidades individuais como escondendo especificidades relevantes e nublando as
em razão da dificuldade de acesso a essas pessoas que análises. Ademais, ressalta-se a importância de estudos
não solicitam ajuda. Estratégias que recorram à internet, que considerem a estratificação de grupos e perfis,
tanto para pesquisa como para intervenção, também se adotando variáveis moderadoras, dada a grande variedade
apresentam promissoras. de condições internas e externas às quais as pessoas estão
Sob o prisma da prevenção, destaca-se a sujeitas no contexto de abandono de relações violentas e
necessidade de maior conhecimento dos processos iniciais o potencial de esclarecimento acerca da divergência de
que favorecem o término como estratégia preciosa de resultados a partir de dados advindos de amostras distintas.
enriquecimento dos programas de prevenção indicada, Vulnerabilidades relacionadas à pobreza se mostram mais
em especial nas relações de namoro nas quais a violência evidentes nos estudos, porém, outras questões sociais –
se mostre inicialmente. A entrada em relacionamentos como as concernentes a raça, orientação sexual, ter uma
violentos, ainda, merece atenção a partir dessa perspectiva. deficiência, por exemplo – cuja intersecção se relaciona
Compreender como as pessoas entram em relações com a vivência de relacionamentos violentos, não devem
violentas pode apontar para estratégias significativas ser ignoradas e poderão ser mais bem estudadas em
para a prevenção universal (aquela direcionada pesquisas futuras. Ainda, diferenças entre relações de
a toda a população). namoro e casamento valem ser mais bem exploradas.

Leaving a violent intimate relationship: a literature review

Abstract: This article analyzes the advances and limitations in the scientific production regarding the process of leaving violent
intimate relationships. For that, articles addressing leaving violent relationships or the stay/leave process as the main theme,
written in English, Portuguese, Spanish, and French, were searched in Periódicos Capes and SciELO Web searches. The search
resulted in 14 articles published between 1999 and 2015 – half with a quantitative design and the other half with a qualitative
design. Investment, commitment, subjective norms, responsibility attribution, anger, and structural barriers and facilitators
were correlated with the leaving process. These studies also understood the end of relationship as a process. Qualitative studies
proposed new models, focused on strategies that enable the leaving process, and considered the post-separation period in the
analysis. Thus, this study provides recommendations for professional practice and further research on the theme.

Keywords: domestic violence, intimate partner violence, violence against women.

Mettre fin aux relations intimes violentes : une revue de la littérature

Résumé : Cet article analyse les avances et les limites de la production scientifique sur le processus de rompre des relations
intimes violentes. On a mené une recherche dans les bases de données Portal Periódico Capes et SciELO, avec des mots-clés
en anglais, français, espagnol et portugais. Les études discutant la fin des relations amoureuses violentes ou les aspects de la
décision de rester ou de partir ont été incluses. On a trouvé 14 études publiées entre 1999 et 2015, dont la moitié avait une
conception quantitative et l’autre moitié, qualitative. Dans les sept études quantitatives, les variables suivantes ont montré une
corrélation avec la progression vers la fin de la relation : niveau d’investissement, engagement, normes subjectives, attribution
de la responsabilité de l’agression à l’agresseur, colère, obstacles et facilitateurs structurels. Pour les sept études qualitatives,
on a observé  : la proposition de nouveaux modèles de compréhension, la plus grande variabilité dans le recrutement des
échantillons et la prise en compte de la période post-séparation dans les analyses. Des recommandations pour la pratique
professionnelle et la recherche sont discutées.

Mots-clés : violence domestique, violence envers le partenaire intime, violence contre les femmes.

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Término de relaciones de pareja violentas: una revisión de la literatura

Resumen: Este artículo analiza los avances y las limitaciones en la producción científica sobre el proceso de término de relaciones
de parejas violentas. Se realizaron búsquedas en las bases de datos Portal de Periódicos Capes y SciELO con entradas en inglés,
español, francés y portugués. Los criterios de inclusión fueron tratar del término de relaciones de pareja violentas o de aspectos
de la decisión de quedarse versus dejar. Se incluyeron 14 estudios publicados entre 1999 y 2015, los cuales la mitad fue de
enfoque cuantitativo, y la otra mitad, cualitativo. Estas variables tuvieron correlación con el avance al término en los estudios
cuantitativos: nivel de inversión, compromiso, normas subjetivas, atribuir responsabilidad al agresor por la agresión, sentimiento
de rabia, barreras y facilitadores estructurales. Para los siete estudios cualitativos se observó: la propuesta de nuevos modelos
de comprensión, la variabilidad de reclutamiento de los muestreos y la consideración del período que sigue la separación en los
análisis. Se discuten recomendaciones para la práctica profesional e investigación.

Palabras clave: violencia doméstica, violencia de pareja, violencia contra la mujer.

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