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Escala CARS para avaliação complementar de Autismo

Childhood Autism Rating Scale (CARS). Autismo infantil: tradução e


validação da Childhood Autism Rating Scale para uso no Brasil

Fonte: Pereira A, Riesgo RS,Wagner MB.Childhood autism: translation and


validation of the Childhood Autism Rating Scale for use in Brazil.

Artigo completo gratuitamente no


link: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0021-
75572008000700001&script=sci_arttext

O autismo é um transtorno invasivo do desenvolvimento, e seu quadro


comportamental é composto basicamente de quatro manifestações: déficits
qualitativos na interação social, déficits na comunicação, padrões de
comportamento repetitivos e estereotipados e um repertório restrito de
interesses e atividades.

Somando-se aos sintomas principais, crianças autistas frequentemente


apresentam distúrbios comportamentais graves, como automutilação e
agressividade em resposta às exigências do ambiente, além de sensibilidade
anormal a estímulos sensoriais.

A prevalência do autismo varia de 4 a 13/10.000, ocupando o terceiro lugar entre


os distúrbios do desenvolvimento infantil à frente das malformações congênitas
e da síndrome de Down tico de autismo permanece clínico.Os critérios atualmente
utilizados são aqueles descritos no Manual Estatístico e Diagnóstico da Associação
Americana de Psiquiatria, o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders
(DSM-IV)4 .Os critérios do DSM-IV para diagnóstico de autismo têm umgrau
elevado de especificidade e sensibilidade em grupos de diversas faixas etárias e
entre indivíduos com habilidades cognitivas e de linguagem distintas; no entanto,
para avaliar os sintomas de forma quantitativa e refinar o diagnóstico diferencial,
outros instrumentos são necessários.A Childhood Autism Rating Scale (CARS) foi
desenvolvida ao longo de anos e é especialmente eficaz na distinção de casos de
autismo leve, moderado e grave, além de discriminar crianças autistas daquelas
com retardo mental.

É uma escala de 15 itens que auxilia na identificação de crianças com autismo e


as distingue de crianças com prejuízos do desenvolvimento sem autismo. Sua
importância consiste na diferenciação do autismo leve-moderado do grave.

É breve e apropriada para uso em qualquer criança acima de 2 anos de idade.


Sua construção foi realizada durante 15 anos e incluiu 1.500 crianças autistas.
Para tal, levaram-se em conta os critérios diagnósticos de Kanner (1943), Creak
(1961), Rutter (1978), Ritvo & Freeman (1978) e do Diagnostic and Statistical
Manual of Mental Disorders (DSM-III) (1980).
A escala avalia o comportamento em 14 domínios geralmente afetados no
autismo, mais uma categoria geral de impressão de autismo. Estes 15 itens
incluem: relações pessoais, imitação, resposta emocional, uso corporal,uso de
objetos, resposta a mudanças, resposta visual, resposta auditiva, resposta e
uso do paladar, olfato e tato,medo ou nervosismo, comunicação verbal,
comunicação não verbal, nível de atividade, nível e consistência da resposta
intelectual e impressões gerais.

Os escores de cada domínio variam de 1 (dentro dos limites da normalidade) a


4 (sintomas autistas graves). A pontuação varia de 15 a 60, e o ponto de corte
para autismo é 30.

Tabela 2 - Versão em português da CARS

Relações pessoais:

1 Nenhuma evidência de dificuldade ou anormalidade nas relações pessoais:


O comportamento da criança é adequado à sua idade. Alguma timidez,
nervosismo ou aborrecimento podem ser observados quando é dito à criança
o que fazer, mas não em grau atípico;

2 Relações levemente anormais: A criança pode evitar olhar o adulto nos


olhos, evitar o adulto ou ter uma reação exagerada se a interação é forçada,
ser excessivamente tímida, não responder ao adulto como esperado ou
agarrar-se ao pais um pouco mais que a maioria das crianças da mesma
idade;

3 Relações moderadamente anormais: Às vezes, a criança demonstra


indiferença (parece ignorar o adulto). Outras vezes, tentativas persistentes
e vigorosas são necessárias para se conseguir a atenção da criança. O
contato iniciado pela criança é mínimo;

4 Relações gravemente anormais: A criança está constantemente indiferente


ou inconsciente ao que o adulto está fazendo. Ela quase nunca responde ou
inicia contato com o adulto. Somente a tentativa mais persistente para atrair
a atenção tem algum efeito.

II. Imitação:

1 Imitação adequada: A criança pode imitar sons, palavras e movimentos,


os quais são adequados para o seu nível de habilidade;

2 Imitação levemente anormal: Na maior parte do tempo, a criança imita


comportamentos simples como bater palmas ou sons verbais isolados;
ocasionalmente imita somente após estimulação ou com atraso;
3 Imitação moderadamente anormal: A criança imita apenas parte do tempo e
requer uma grande dose de persistência ou ajuda do adulto; frequentemente
imita apenas após um tempo (com atraso);

4 Imitação gravemente anormal: A criança raramente ou nunca imita sons,


palavras ou movimentos mesmo com estímulo e assistência.

III. Resposta emocional:

1 Resposta emocional adequada à situação e à idade: A criança demonstra tipo


e grau adequados de resposta emocional, indicada por uma mudança na
expressão facial, postura e conduta;

2 Resposta emocional levemente anormal: A criança ocasionalmente apresenta


um tipo ou grau inadequados de resposta emocional. Às vezes, suas reações não
estão relacionadas a objetos ou a eventos ao seu redor;

3 Resposta emocional moderadamente anormal: A criança demonstra sinais


claros de resposta emocional inadequada (tipo ou grau). As reações podem ser
bastante inibidas ou excessivas e sem relação com a situação; pode fazer caretas,
rir ou tornar-se rígida até mesmo quando não estejam presentes objetos ou
eventos produtores de emoção;

4 Resposta emocional gravemente anormal: As respostas são raramente


adequadas à situação. Uma vez que a criança atinja um determinado humor, é
muito difícil alterá-lo.Por outro lado, a criança pode demonstrar emoções
diferentes quando nada mudou.

IV. Uso corporal:

1 Uso corporal adequado à idade: A criança move-se com a mesma facilidade,


agilidade e coordenação de uma criança normal da mesma idade;

2 Uso corporal levemente anormal: Algumas peculiaridades podem estar


presentes, tais como falta de jeito, movimentos repetitivos, pouca coordenação
ou a presença rara de movimentos incomuns;

3 Uso corporal moderadamente anormal:Comportamentos que são claramente


estranhos ou incomuns para uma criança desta idade podem incluir movimentos
estranhos com os dedos, postura peculiar dos dedos ou corpo, olhar fixo, beliscar
o corpo, autoagressão, balanceio, girar ou caminhar nas pontas dos pés;

4 Uso corporal gravemente anormal: Movimentos intensos ou frequentes do tipo


listado acima são sinais de uso corporal gravemente anormal. Estes
comportamentos podem persistir apesar das tentativas de desencorajar as
crianças a fazê-los ou de envolver a criança em outras atividades.

V. Uso de objetos:
1 Uso e interesse adequados por brinquedos e outros objetos: A criança
demonstra interesse normal por brinquedos e outros objetos adequados para o
seu nível de habilidade e os utiliza de maneira adequada;

2 Uso e interesse levemente inadequados por brinquedos e outros objetos: A


criança pode demonstrar um interesse atípico por um brinquedo ou brincar com
ele de forma inadequada, de um modo pueril (exemplo: batendo ou sugando o
brinquedo);

3 Uso e interesse moderadamente inadequados por brinquedos e outros objetos:


A criança pode demonstrar pouco interesse por brinquedos ou outros objetos, ou
pode estar preocupada em usá-los de maneira estranha. Ela pode concentrar-se
em alguma parte insignificante do brinquedo, tornar-se fascinada com a luz que
reflete do mesmo, repetitivamente mover alguma parte do objeto ou
exclusivamente brincar com ele;

4 Uso e interesse gravemente inadequados por brinquedos e outros objetos: A


criança pode engajar-se nos mesmos comportamentos citados acima, porém com
maior frequência e intensidade. É difícil distrair a criança quando ela está
engajada nestas atividades inadequadas.

VI. Resposta a mudanças:

1 Respostas à mudança adequadas à idade: Embora a criança possa perceber ou


comentar as mudanças na rotina, ela é capaz de aceitar estas mudanças sem
angústia excessiva;

2 Respostas à mudança adequadas à idade levemente anormal: Quando um


adulto tenta mudar tarefas, a criança pode continuar na mesma atividade ou usar
os mesmos materiais;

3 Respostas à mudança adequadas à idade moderadamente anormal: A criança


resiste ativamente a mudanças na rotina, tenta continuar sua antiga atividade é
difícil de distraí-la. Ela pode tornar-se infeliz e zangada quando uma rotina
estabelecida é alterada;

4 Respostas à mudança adequadas à idade gravemente anormal: A criança


demonstra reações graves às mudanças. Se uma mudança é forçada, ela pode
tornar-se extremamente zangada ou não disposta a ajudar e responder com
acessos de raiva

VII. Resposta visual:

1 Resposta visual adequada: O comportamento visual da criança é normal e


adequado para sua idade. A visão é utilizada em conjunto com outros sentidos
como forma de explorar um objeto novo;
2 Resposta visual levemente anormal: A criança precisa, ocasionalmente, ser
lembrada de olhar para os objetos. A criança pode estar mais interessada em
olhar espelhos ou luzes do que o fazem seus pares, pode ocasionalmente olhar
fixamente para o espaço, ou pode evitar olhar as pessoas nos olhos; 3 Resposta
visual moderadamente anormal: A criança deve ser lembrada freqüentemente de
olhar para o que está fazendo, ela pode olhar fixamente para o espaço, evitar
olhar as pessoas nos olhos, olhar objetos de um ângulo incomum ou segurar os
objetos muito próximos aos olhos;

4 Resposta visual gravemente anormal: A criança evita constantemente olhar


para as pessoas ou para certos objetos e pode demonstrar formas extremas de
outras peculiaridades visuais descritas acima.

VIII. Resposta auditiva:

1 Respostas auditivas adequadas para a idade: O comportamento auditivo da


criança é normal e adequado para idade. A audição é utilizada junto com outros
sentidos;

2 Respostas auditivas levemente anormais: Pode haver ausência de resposta ou


uma resposta levemente exagerada a certos sons. Respostas a sons podem ser
atrasadas e os sons podem necessitar de repetição para prender a atenção da
criança. A criança pode ser distraída por sons externos;

3 Respostas auditivas moderadamente anormais: As respostas da criança aos


sons variam. Frequentemente ignora o som nas primeiras vezes em que é feito.
Pode assustar-se ou cobrir as orelhas ao ouvir

alguns sons do cotidiano;

4 Respostas auditivas gravemente anormais: A criança reage exageradamente


e/ou despreza sons num grau extremamente significativo, independente do tipo
de som

IX. Resposta e uso do paladar, olfato e tato:

1 Uso e resposta normais do paladar, olfato e tato: A criança explora novos


objetos de um modo adequado a sua idade, geralmente sentindo ou olhando.
Paladar ou olfato podem ser usados quando adequados. Ao reagir a pequenas
dores do dia a dia, a criança expressa desconforto, mas não reage
exageradamente;

2 Uso e resposta levemente anormais do paladar, olfato e tato: A criança pode


persistir em colocar objetos na boca; pode cheirar ou provar/experimentar
objetos não comestíveis. Pode ignorar ou ter reação levemente exagerada à uma
dor mínima, para a qual uma criança normal expressaria somente desconforto;
3 Uso e resposta moderadamente anormais do paladar, olfato e tato: A criança
pode estar moderadamente preocupada em tocar, cheirar ou provar objetos ou
pessoas. A criança pode reagir demais ou muito pouco;

4 Uso e resposta gravemente anormais do paladar, olfato e tato: A

criança está preocupada em cheirar, provar e sentir objetos, mais pela sensação
do que pela exploração ou uso normal dos objetos. A

criança pode ignorar completamente a dor ou reagir muito fortemente a


desconfortos leves.

X. Medo ou nervosismo:

1 Medo ou nervosismo normais: O comportamento da criança é adequado tanto


à situação quanto à idade;

2 Medo ou nervosismo levemente anormais: A criança ocasionalmente demonstra


muito ou pouco medo ou nervosismo quando comparada às reações de uma
criança normal da mesma idade e em situação semelhante;

3 Medo ou nervosismo moderadamente anormais: A criança demonstra bastante


mais ou bastante menos medo do que seria típico para uma criança mais nova
ou mais velha em uma situação similar;

4 Medo ou nervosismo gravemente anormais: Medos persistem mesmo após


experiências repetidas com eventos ou objetos inofensivos. É extremamente
difícil acalmar ou confortar a criança. A criança pode, por outro lado, falhar em
demonstrar consideração adequada aos riscos que outras crianças da mesma
idade evitam.

XI. Comunicação verbal:

1 Comunicação verbal normal, adequada à idade e à situação;

2 Comunicação verbal levemente anormal: A fala demonstra um atraso global. A


maior parte do discurso tem significado; porém, alguma ecolalia ou inversão
pronominal podem ocorrer. Algumas palavras peculiares ou jargões podem ser
usados ocasionalmente;

3 Comunicação verbal moderadamente anormal: A fala pode estar ausente.


Quando presente, a comunicação verbal pode ser uma mistura de alguma fala
significativa e alguma linguagem peculiar, tais

como jargão, ecolalia ou inversão pronominal. As peculiaridades na fala


significativa podem incluir questionamentos excessivos ou preocupação com
algum tópico em particular;
4 Comunicação verbal gravemente anormal: Fala significativa não é utilizada. A
criança pode emitir gritos estridentes e infantis, sons animais ou bizarros,
barulhos complexos semelhantes à fala, ou pode apresentar o uso bizarro e
persistente de algumas palavras reconhecíveis ou frases

XII. Comunicação não-verbal:

1 Uso normal da comunicação não verbal adequado à idade e situação;

2 Uso da comunicação não verbal levemente anormal: Uso imaturo da


comunicação não verbal; a criança pode somente apontar vagamente ou esticar-
se para alcançar o que quer, nas mesmas situações nas quais uma criança da
mesma idade pode apontar ou gesticular mais especificamente para indicar o que
deseja;

3 Uso da comunicação não verbal moderadamente anormal: A criança geralmente


é incapaz de expressar suas necessidades ou desejos de forma não verbal, e não
consegue compreender a comunicação não verbal dos outros;

4 Uso da comunicação não verbal gravemente anormal: A criança utiliza somente


gestos bizarros ou peculiares, sem significado aparente, e não demonstra
nenhum conhecimento do significados associados aos gestos ou expressões
faciais dos outros.

XIII. Nível de atividade:

1 Nível de atividade normal para idade e circunstâncias: A criança não é nem


mais nem menos ativa que uma criança normal da mesma idade em uma situação
semelhante;

2 Nível de atividade levemente anormal: A criança pode tanto ser um pouco


irrequieta quanto um pouco “preguiçosa”, apresentando, algumas vezes,
movimentos lentos. O nível de atividade da criança interfere apenas levemente
no seu desempenho;

3 Nível de atividade moderadamente anormal: A criança pode ser bastante ativa


e difícil de conter. Ela pode ter uma energia ilimitada ou pode não ir prontamente
para a cama à noite. Por outro lado, a criança pode ser bastante letárgica e
necessitar de um grande estímulo para mover-se; 4 Nível de atividade
gravemente anormal: A criança exibe extremos de atividade ou inatividade e
pode até mesmo mudar de um extremo ao outro.

XIV. Nível e consistência da resposta intelectual:

1 Ainteligência é normal e razoavelmente consistente em várias áreas: A criança


é tão inteligente quanto crianças típicas da mesma idade e não tem qualquer
habilidade intelectual ou problemas incomuns;
2 Funcionamento intelectual levemente anormal: A criança não é tão inteligente
quanto crianças típicas da mesma idade; as habilidades apresentam-se
razoavelmente regulares através de todas as áreas; 3 Funcionamento intelectual
moderadamente anormal: Em geral, a criança não é tão inteligente quanto uma
típica criança da mesma idade, porém a criança pode funcionar próximo do
normal em uma ou mais áreas intelectuais;

4 Funcionamento intelectual gravemente anormal: Embora a criança geralmente


não seja tão inteligente quanto uma criança típica da mesma idade, ela pode
funcionar até mesmo melhor que uma criança normal da mesma idade em uma
ou mais áreas.

XV. Impressões gerais:

1 Sem autismo: a criança não apresenta nenhum dos sintomas característicos do


autismo;

2 Autismo leve: A criança apresenta somente um pequeno número de sintomas


ou somente um grau leve de autismo;

3 Autismo moderado: A criança apresenta muitos sintomas ou um grau moderado


de autismo;

4 Autismo grave: a criança apresenta inúmeros sintomas ou um grau extremo


de autismo.

Pode ser pontuada utilizando valores intermediários =1,5; 2,5; e 3,5.

15-30 = sem autismo 30-36 = autismo leve-moderado 36-60 = autismo


grave

Este estudo traduziu e validou para a língua portuguesa, do Brasil, a CARS, uma
escala mundialmente utilizada para diagnóstico e classificação do autismo e que,
pela sua importância, já está traduzida para o japonês, sueco, francês, entre
outros idiomas.

O DSM-IV representa um sistema de classificação desenvolvido pela Associação


Americana de Psiquiatria e utiliza as três características básicas do autismo,
enquanto os 15 itens da CARS permitem um diagnóstico mais objetivo ao
incluírem as características de autismo primário descritas por Kanner, as
observadas por Creak&Rutter e escalas adicionais (CID-10 e DSM-IV).

. A correspondência entre os dois métodos pode chegar a 98%9, sendo, portanto,


complementares no diagnóstico.
A escala CARS brasileira: uma ferramenta de triagem
padronizada para o autismo

Isabelle Rapin; Sylvie GoldmanI

ISaul R. Korey Department of Neurology, Department of Pediatrics, The Rose F. Kennedy Center
for Research in Mental Retardation and Human Development, Albert Einstein College of
Medicine, Bronx, NY, USA

Correspondência

O autismo não é uma doença. Não existe exame de sangue, neuroimagem ou


eletroencefalografia (EEG) que realize ou confirme seu diagnóstico. O autismo é uma síndrome
definida por comportamento que denota o desenvolvimento atípico do cérebro imaturo e se
manifesta em lactentes mais velhos, em crianças em idade pré-escolar ou na pré-escola. Para
os clínicos experientes, o autismo clássico é um diagnóstico óbvio. Mas a experiência e
a expertise não são mensuráveis, e portanto são insuficientes quando se trata de incluir
crianças em pesquisas ou convencer as autoridades escolares a oferecer serviços educacionais
especializados e de alto custo, especialmente para crianças que ainda não celebraram seu
terceiro aniversário.

A Classificação Internacional de Doenças (CID-10)1 e o Manual Diagnóstico e Estatístico de


Transtornos Mentais (DSM-IV)2 foram criados para serem paralelos, com pequenas diferenças
entre si. Os dois especificam que transtornos difusos do desenvolvimento (PDD - chamado
apenas de "autismo" neste editorial) afetam três domínios comportamentais: 1) sociabilidade e
empatia; 2) linguagem comunicativa e imaginação (brincadeiras de faz-de-conta); e 3)
flexibilidade cognitiva e comportamental. Os sintomas devem estar claros aos 3 anos de idade,
criar deficiências significativas e não poder ser explicados por outros diagnósticos, apesar de
não haver critérios de exclusão para o diagnóstico de PDD/autismo. O DSM apresenta
descritores de quatro comportamentos em cada um de três domínios e especifica que para o
diagnóstico de transtorno autístico (autismo clássico ou de Kanner), no mínimo seis dos
descritores devem ser preenchidos, pelo menos dois em sociabilidade e um em cada domínio
restante: linguagem,e brincadeiras e rigidez e perseverança. Menos itens, um dos quais deve
ser sociabilidade, ou uma distribuição diferente de itens, leva ao diagnóstico de síndrome de
Asperger se a linguagem se desenvolveu na idade normal e o quociente de inteligência (QI) é
de pelo menos 70, ou outros transtornos globais do desenvolvimento não especificados para os
restantes. Não discutiremos aqui o transtorno desintegrativo, para crianças que regridem após
desenvolvimento e linguagem iniciais completamente normais, nem a síndrome de Rett, uma
causa genética específica do autismo.

O diagnóstico de autismo é fácil e incontroverso quando ocorre em crianças pequenas e


aparentemente saudáveis, pois a saliência da falta de relacionamentos sociais, as brincadeiras
empobrecidas, os comportamentos repetitivos e aparentemente sem propósito (estereotipias),
a falta de expressão na linguagem ou a ocorrência de linguagem afetada, prolixa ou ecolálica,
os acessos de raiva e os comportamentos agressivos provocados pela intromissão nas
atividades da criança, sem contar a pouca variedade das escolhas de alimentos e os problemas
de sono. Mas o diagnóstico fica muito mais difícil e controverso se o autismo está associado ao
transtorno de déficit de atenção com hiperatividade, deficiência cognitiva grave ou alto nível de
inteligência.

O diagnóstico comportamental na infância raramente é uma dicotomia do tipo sim ou não, pois
os critérios mudam com o desenvolvimento, e este é descontínuo e variável em sua velocidade.
Diagnósticos comportamentais são necessariamente dimensionais. Como não existe uma
demarcação estrita da fronteira entre normalidade e patologia, a confiabilidade do diagnóstico
aumenta junto com o desvio em relação à média da população. Assim, o diagnóstico depende
de critérios consensuais, não absolutos, e a confiabilidade exige instrumentos clínicos com
fortes propriedades psicométricas.

Clínicos e pesquisadores possuem objetivos diferentes. O diagnóstico clínico precisa trabalhar


com todos os pacientes que aparecem, e se preocupa com a causa de todos os problemas
apresentados e com o que fazer com eles. Como os serviços são limitados, o diagnóstico clínico
costuma ser impreciso em casos borderline, de modo que as crianças não deixem de receber os
serviços adequados apenas por causa do diagnóstico oficial. Os pesquisadores, por outro lado,
buscam amostras com diagnósticos e idades bem definidos a fim de maximizar a confiabilidade
entre locais diferentes, eliminar casos extremos e reduzir a sobreposição com grupos controle.
O instrumento mais usado e mais bem documentado desde sua publicação em 1980 é a
Childhood Autism Rating Scale (CARS, ou "Escala de Pontuação para Autismo na Infância") de
Schopler3,4. A CARS é considerada a mais forte escala para comportamentos associados com o
autismo. A escala já foi traduzida para diversas línguas, pois o autismo é um transtorno que
ocorre no mundo todo.

Os diferentes objetivos de médicos e pesquisadores afetam as escolhas de instrumentos


diagnósticos e seus usos. Instrumentos de triagem, como a CARS, foram criados para ser
eficientes na clínica e na identificação de possíveis sujeitos de pesquisas. A triagem exige
confirmação clínica ou, especialmente para pesquisas, corroboração de instrumentos
diagnósticos mais completos, exigentes e demorados.

O último quarto de século viu o desenvolvimento de vários questionários padronizados para pais
e observações de comportamentos e atividades de crianças. A Entrevista Diagnóstica do
Autismo - Revisada (ADI-R)5, um método bem padronizado que fornece uma perspectiva
histórica sobre comportamentos autísticos, e o Programa de Observação Diagnóstica do
Autismo - Genérico (ADOS-G)6 com uso de modelos apropriados para diferentes idades e níveis
de desenvolvimento, são os métodos de praxe nas pesquisas atuais. Suas desvantagens são
sua demora, a necessidade de treinamento caro e extenso, e o fato de não serem realistas e
adequados para aplicações clínicas e muitas aplicações de pesquisa.

Alguns leitores podem se perguntar por que um CARS brasileiro, não um CARS português? Sem
dúvida pelo mesmo motivo pelo qual o inglês estadunidense e o inglês britânico, apesar de
praticamente idênticos em sua forma escrita, se distanciaram bastante em termos de vernáculo
durante os últimos trezentos anos. O mesmo certamente ocorreu com o português desde que
Pedro Álvares Cabral chegou à costa brasileira em 1500, precedendo a colonização dos Estados
Unidos por europeus anglófonos em cerca de 80 anos. Assim, a europeização mais longa e a
multiculturalidade mais profunda da história brasileira começa mais cedo do que nos EUA, o que
sem dúvida enriqueceu ainda mais sua linguagem oral. Assim, não é apenas adequado, mas até
mesmo necessário, que os instrumentos comportamentais sejam adaptados ao dialeto, aos
costumes e ao linguajar do país em que serão usados.

Pereira et al.7 apresentam uma tradução e padronização exemplar da CARS para o Brasil: dois
tradutores independentes que trocaram experiências para chegar a uma versão unificada,
seguida pela tradução de volta para o inglês por um terceiro. Para estabelecer sua sensibilidade
e especificidade, a CARS brasileira foi então administrada a uma população de 60 crianças
brasileiras entre 3 e 17 anos, 73% das quais eram meninos (como é típico do autismo),
indicadas pela clínica diagnóstica universitária na cidade de Porto Alegre, no sul do Brasil. Os
pesquisadores não incluíram em sua população de padronização crianças de desenvolvimento
típico da região de Porto Alegre ou de outras cidades brasileiras (afinal, o Brasil é um país
enorme, e deve haver diferenças significativas entre norte e sul, cidades e regiões costeiras e
do interior), nem crianças com transtornos de desenvolvimento não-autísticos. As palavras de
aviso dos autores sugerem que tais estudos podem aparecer no futuro.

A força da CARS é que a escala exige relativamente pouco treinamento, é usada há mais de 30
anos, foi padronizada com grandes populações (n = 1.500) nos Estados Unidos e é usada em
diversos países. Em vez dos diagnósticos no sistema DSM/CID, baseados em 12 descritores de
comportamento em três domínios comportamentais, a CARS usa uma escala de gravidade em
quatro pontos (déficit ausente, leve, moderado ou grave) para cada um de 14 comportamentos
bem descritos, além de um escore diagnóstico de gravidade geral. A soma geral do escore da
CARS varia entre um potencial de zero (sem características de autismo) a 60 (todas as
características graves preenchidas).

Outros trabalhos apontam que escores entre 36 e 60 indicam autismo grave (ou seja,
transtorno autístico), 30-35 indicam autismo moderado, e menos de 30 indicam não-autismo. É
possível criticar a CARS porque não separa a síndrome de Asperger do PDD-NOS (transtorno
global do desenvolvimento não especificado) e porque existem crianças com características de
autismo entre aquelas com escores entre 20 e 30 que não são incluídas no grupo com autismo
moderado. Alguns clínicos defendem que estas se encontram no espectro, na zona cinza entre
"normal" e "levemente afetado". Tais casos borderline se confundem com deficiências
cognitivas, transtorno obsessivo compulsivo, transtorno semântico-pragmático sem autismo e
outros fenótipos comórbidos.

A alta convergência da CARS brasileira com a Escala de Avaliação de Traços Autísticos (ATA) 8 e
com o diagnóstico clínico indica que a escala está identificando crianças autísticas corretamente.
A alta consistência interna dos 14 comportamentos que envolvem reciprocidade social,
comunicação e comportamentos restritos e repetitivos apóia o autismo enquanto construto
único. Foi uma surpresa não ver qualquer análise do efeito da idade ou do QI sobre as
propriedades psicométricas da CARS brasileira. Lord9 demonstrou, em seu estudo de
acompanhamento de crianças de 2 anos de idade indicadas para diagnóstico de autismo, que a
CARS tem a tendência de diagnosticar autismo excessivamente em crianças com deficiências
cognitivas aos dois anos de idade, mas menos aos três anos. Outra fraqueza da CARS é sua
discriminação pouco confiável entre crianças pequenas com autismo e crianças com idade
mental equivalente que sofrem de outros transtornos, especialmente limitações lingüísticas9.

O trabalho de Pereira et al.7 é um modelo de como adaptar um teste que já possui alta
aceitação a uma nova cultura, e esperamos que os leitores de outros países sigam o exemplo.
Também esperamos que a comunidade internacional de estudiosos aceite os futuros estudos
clínicos e experimentais brasileiros sobre autismo que usarem a CARS local como parte do
processo diagnóstico. É importante, no entanto, que não apenas os casos óbvios sejam
diagnosticados com a ferramenta, mas também os casos mais controversos, especialmente
crianças levemente afetadas para as quais a intervenção precoce pode representar a diferença
entre a capacidade de se adaptar e funcionar no mundo real e uma vida cara e dependente. A
CARS não atenderá todas as necessidades dessas crianças, mas é claramente um primeiro
passo realista e importante nessa direção para o Brasil.

Referências

1. World Health Organization. The ICD-10 classification of mental and behavioural disorders.
Clinical descriptions and diagnostic guidelines. 10 ed. Geneva: World Health Organization;
1992. [ Links ]
2. American Psychiatric Association. Diagnostic and statistical manual of mental disorders.
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autism: Childhood Autism Rating Scale (CARS). J Autism Dev Disord. 1980;10:91-
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4. Schopler E, Reichler RJ, Renner BR. The Childhood Autism Rating Scale (CARS) for diagnostic
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diagnostic interview for caregivers of individuals with possible pervasive developmental
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associated with spectrum of autism. J Autism Dev Disord. 2000;30:205-23. [ Links ]

7. Pereira A, Riesgo RS, Wagner MB. Childhood autism: translation and validation of the
Childhood Autism Rating Scale for use in Brazil. J Pediatr (Rio J). 2008;84:487-
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8. Ballabriga MCJ, Escudé RMC, Llaberia ED. Escala d'avaluació dels trests autistes (A.T.A.):
validez y fiabilidad de una escala para el examen de las conductas autistas. Rev Psiquiatr
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