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Fichamento Dagnino

Sobre o marco analítico-conceitual da


tecnologia social
 Siglas:
 TA – Tecnologia apropriada
 TC – Tecnologia convencional
 TS – Tecnologia social
 CTS – Relação ciência-tecnologia-sociedade
 RTS – Rede de Tecnologia Social
 ESCT – Estudos Sociais da Ciência e da Tecnologia

INTRODUÇÃO

Neste artigo Renato Dagnino, Flávio Brandão e Henrique Novaes abordam a tecnologia
social a partir da perspectiva consolidada pela Rede de Tecnologia Social (RTS), que se
constituiu em uma das iniciativas existentes no país orientadas à dimensão científico-
tecnológica. A RTS visa contribuir para políticas públicas que abordem a relação
ciência-tecnologia-sociedade (CTS) Em um “num sentido mais coerente com a nossa
realidade e com o futuro que a sociedade deseja construir”.

O artigo apresenta a concepção do um marco analítico conceitual da TS proposto pela


Rede e se fundamenta em discussões travadas academicamente tendo em vista
contribuições internacionais e nacionais existentes.

Os autores destacam que o marco analítico conceitual da TS foi se estruturando no


Brasil a partir de críticas realizadas na década de 1970 à visão predominante da
tecnologia apropriada (TA). Gradualmente e cumulativamente, este movimento “perde
importância como elemento viabilizador, no plano tecnológico, de um estilo alternativo
de desenvolvimento no âmbito dos países periféricos”. A figura abaixo, esquematizada
pelos autores destaca, os principais eixos de críticas realizadas a TA que foram
contribuíram para a conformação do marco de TS.
Tecnologia apropriada - TA

Surgiu na Índia como uma tentativa de resposta ao colonialismo inglês através do


estímulo à autodeterminação do povo hindu e da renovação de sua indústria nativa.

Quadro 1 – Charkha

Entre 1924 e 1927, Gandhi dedicou-se a construir programas, visando à popularização


da fiação manual realizada em uma roca de fiar reconhecida como o primeiro
equipamento tecnologicamente apropriado, a Charkha, como forma de lutar contra a
injustiça social e o sistema de castas que a perpetuava na Índia. Isso despertou a
consciência política de milhões de habitantes das vilas daquele país sobre a necessidade
da autodeterminação do povo e da renovação da indústria nativa hindu, o que pode ser
avaliado pela significativa frase por ele cunhada: “Produção pelas massas, não produção
em massa”.

Os autores apresentam a visão do pesquisador Amílcar Herrera sobre o movimento de


TA iniciado por Gandhi, que destaca que o líder da independência hindu buscava um
crescimento orgânico da Índia, sustentado pela comunicação entre ciência e tecnologia e
o saber tradicional e comprometido com a resolução de problemas importantes
imediatos.

O movimento de TA influenciou a China e o economista alemão Schumacher, que


cunhou a expressão tecnologia intermediária para “designar uma tecnologia de baixo
custo de capital, pequena escala, simplicidade e respeito à dimensão ambiental que seria
mais adequada aos países pobres”. Mais tarde, na década de 1970, com a incorporação
de aspectos sociais, culturais e políticos a discussão a ideia de tecnologia intermediária,
e em forte oposição à tecnologia convencional emergiu o movimento de TA.

Diversas concepções de tecnologia surgiram no âmbito das tecnologias apropriadas.


Elas foram estabelecendo características como: participação comunitária no processo
decisório de escolha da tecnologia, o baixo custo dos produtos ou serviços finais e do
investimento necessário para produzi-los, a pequena ou média escala, a simplicidade, os
efeitos positivos que sua utilização traria para a geração de renda, saúde, emprego,
produção de alimentos, nutrição, habitação, relações sociais e para o meio ambiente.

Quadro: Uma tecnologia para chamar de sua!!

A inclusividade do Movimento do TA era tão abrangente que muitas denominações


surgiram para tentar marcar alguma identidade ou especificidade:

tecnologia alternativa, tecnologia utópica, tecnologia intermediária, tecnologia


adequada, tecnologia socialmente apropriada, tecnologia ambientalmente apropriada,
tecnologia adaptada ao meio ambiente, tecnologia correta, tecnologia ecológica,
tecnologia limpa, tecnologia não-violenta, tecnologia não-agressiva ou suave,
tecnologia branda, tecnologia doce, tecnologia racional, tecnologia humana, tecnologia
de auto-ajuda, tecnologia progressiva, tecnologia popular, tecnologia do povo,
tecnologia orientada para o povo, tecnologia orientada para a sociedade, tecnologia
democrática, tecnologia comunitária, tecnologia de vila, tecnologia radical, tecnologia
emancipadora, tecnologia libertária, tecnologia liberatória, tecnologia de baixo custo,
tecnologia da escassez, tecnologia adaptativa, tecnologia de sobrevivência e tecnologia
poupadora de capital

Em comum o movimento do TA trazia uma reflexão crítica a tecnologia considerada de


uso intensivo de capital e poupadoras de mão-de-obra, se opondo ao processo de
transferência massiva de tecnologia dos países de capitalismo avançado e países de
economia dependente.

Em suma, de acordo com os autores, TA passou a identificar “um conjunto de técnicas


de produção que utiliza de maneira ótima os recursos disponíveis de certa sociedade
maximizando, assim, seu bem-estar”.

A TA seria mais capaz de evitar prejuízos sociais que a TC por possuir maior
intensidade de mão de obra, uso intensivo de insumos naturais, simplicidade de
implantação e manutenção, respeito à cultura e à capacitação local. TA foi uma
importante inovação em termos da teoria de desenvolvimento econômico.

Desemprego: a ideia da TA supunha que o desemprego nos países periféricos não


poderia ser evitado por uma ação contrabalanceadora dos setores modernos da
economia, pois nestes a introdução de tecnologias de maior produtividade não tinha
condição de oferecer oportunidades de emprego em novos ramos industriais. O
desemprego demandava uma abordagem global.

A questão do desemprego estimulou ações por parte de governos dos países avançados e
OIT que financiaram projetos de TA na Ásia e na África. Os resultados alcançados
demonstraram que as tecnologias mais intensivas em mão-de-obra há um melhor
desempenho em termos do impacto social e econômico.

A TA deu vazão ao compromisso social e à busca de originalidade na seleção de temas


de pesquisa de um seguimento da comunidade de pesquisa dos países periféricos.

Críticas ao movimento da TA

Os autores destacam que: “embora centrada no objetivo de desenvolvimento social, sua


postura era defensiva, adaptativa e não-questionadora das estruturas de poder
dominantes nos planos internacional e local.”

Os autores citam David Dickenson como um dos principais críticos à TA. Dickenson
também era crítico da tecnologia convencional, caracterizando-a como depositária de
dois problemas. No nível material, a TC mantém e promove os interesses dos grupos
dominantes. No nível simbólico propaga a ideologia legitimadora desta sociedade.
Critica a ideia de linearidade que interpreta a mudança social como derivada da
mudança técnica (determinismo tecnológico). Neste sentido, David Dickenson é um
crítico a TA por observar nela a incapacidade de alterar significativamente os problemas
gerados pela TC. Destaca que a TA consistiu em uma iniciativa de pesquisa dos países
do primeiro mundo com pouco ou nenhuma contribuição efetiva dos países do terceiro
mundo. E critica ao pressuposto da TA de que o simples alargamento do leque de
alternativas tecnológicas à disposição dos países periféricos poderia alterar a natureza
do processo capitalista que preside à adoção de tecnologia.

Os autores destacaram ainda que a TA teve alguma influência nas políticas de ciência e
tecnologia (PCT) dos países latino-americanos, sobretudo na elaboração de uma retórica
demagógica relativa à geração de empregos em setores econômicos. Efetivamente
pouco foi realizado.

As contribuições para o marco analítico-conceitual da TS

O movimento de TA perde força com a expansão do pensamento neoliberal, contudo, o


(1) cenário político em nível internacional (globalização unipolar) e nacional (processo
de integração social subordinada e excludente), recolocaram questões relativas à ciência
e tecnologia. Estas se deram no âmbito de propostas que visavam a recuperação da
cidadania dos segmentos mais penalizados, a interrupção da trajetória de fragmentação
social e de estrangulamento econômico interno do país.

Foram relevantes para a reemergência da questão da tecnologia em âmbito de um


projeto de inclusão social a atuação de movimentos como a Rede de Economia Solidária
(RES), as Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCP), as empresas
recuperadas pelos trabalhadores e os empreendimentos autogestionários.

Nos próximos tópicos são apresentadas as interpretações dos autores sobre o processo
de constituição do marco analítico-conceitual da TS. Para os autores, existe uma
preocupação em oferecer uma adequada contextualização teórico-social e reflexão
teórica sobre este processo de modo a ampliar as possibilidades de sucesso no uso deste
marco por movimentos que optem utilizá-lo como base.

A teoria da inovação: a negação de “oferta e demanda” e a inovação social

Inovação:
Conjunto de atividades que pode englobar desde a pesquisa e o desenvolvimento
tecnológico até a introdução de novos métodos de gestão da força de trabalho, que tem
como objetivo a disponibilização de uma unidade produtiva de um novo bem ou serviço
para a sociedade.

Inovação social:

Consiste no conhecimento que tem por objetivo o aumento da efetividade dos


processos, serviços e produtos relacionados à satisfação das necessidades sociais.
Refere-se a um código de valores, estilo de desenvolvimento, projeto nacional e
objetivos de tipo social, político, econômico e ambiental.

A teoria da inovação critica o pouco realismo e aplicabilidade do modelo de “oferta e


demanda” para tratar questões relativas ao “produto” conhecimento e propõe uma
perspectiva baseada na interação de atores no âmbito de um processo de inovação.
Neste sentido, para os autores o conceito de inovação social encontra-se mais adaptado
à visão de TS.

A luz da teoria da inovação a ideia de Tecnologia Alternativa não foi realista ao supor
que sua produção ocorreria fora dos procedimentos técnicos convencionais que dão
origem às TCs. Tampouco foi verificado que tenha ocorrido uma transferência da
tecnologia de cientistas e tecnólogos bem-intencionados para os usuários que a
demandasse.

O modelo utilizado para entender a tecnologia nos levaria a conceber TS como um


produto-meta a ser desenvolvido por uns, nos ambientes em que usualmente se
perseguem resultados de pesquisa, e oferecido, numa espécie de mercado de TS, a
outros que, supõe-se, encontram-se dispostos a demandar esses resultados.

A teoria da inovação provoca uma compreensão invertida da tecnologia social, que só se


constitui como tal se emergir de um conhecimento criado para atender aos problemas
que enfrenta a organização ou o grupo de atores envolvidos.

A transferência de uma dada tecnologia constitui-se em um processo de inovação com


características particulares.

A TS seria fruto de um casamento prévio entre oferta e demanda, prescindindo de


certificação ou controle de qualidade.
A TS pode ser então compreendida como um processo de inovação a ser levado a cabo
coletiva e participativamente, pelos atores interessados na construção daquele cenário
desejável. Neste contexto a TS se aproxima do conceito de inovação social.

As condições para inovação no primeiro mundo foram cunhadas com o objetivo


primordial de aumentar a competitividade dos países, onde o crescimento depende das
oportunidades de exportação e, portanto, da competividade.

Sistema Nacional de Inovação foi cunhado nos países de capitalismo avançado


significando um ambiente sistêmico proporcionado pelo Estado no qual são
estabelecidas relações virtuosas entre pesquisa e produção, proporcionado inovação nas
empresas e competitividade do país. Algo semelhante também ocorreu no Brasil.

A abordagem sociotécnica

A abordagem sociotécnica, ou o processo de construção sociotécnica, tem significativa


importância em processos exitosos de TS. A adequação sociotécnica destaca a
necessidade de iniciar um processo nas condições dadas pelo ambiente específico onde
ele terá de ocorrer.

Na abordagem sociotécnica estão agrupadas três contribuições que se negam a


identificar relações de causalidade monodirecionais entre o social e o tecnológico.
Buscam alternativas à tensão paralisante entre o determinismo social e o determinismo
tecnológico. A tecnologia é socialmente construída por grupos sociais relevantes no
âmbito do tecido sem costuras da sociedade.

Sistemas tecnológicos (Thomas Hughes)

Ator-rede (Callon, Latour e Law): conjunto de elementos animados e inanimados, em


interação de modo diversificado durante longos períodos de tempo, responsáveis pela
transformação ou consolidação da rede por eles conformada. As redes são entendidas
como conformadas pela própria estrutura dos artefatos que elas criam e que
proporcionam uma espécie de plataforma para outras atividades.

Construtivismo social da tecnologia (Bijker e Pinch): o caminho entre a ideia


brilhante e a aplicação bem-sucedida é sinuoso e longo, sendo entrecortado por
alternativas inerentemente viáveis, mas que foram abandonadas mais por razões
relacionadas com valores e interesses sociais do que com a superioridade técnica
intrínseca a escolha final. A própria definição do problema mudaria ao longo do
processo de sua solução.

De acordo com esta abordagem, a tecnologia é construída socialmente, pois sua forma e
seu conteúdo são influenciados pelos grupos de consumidores, interesses políticos e
outros similares. Bijker e Pinch ilustram esta abordagem com a bicicleta, cujo formato e
conteúdo foram sendo ajustados considerando necessidades diferentes relativas ao uso
vislumbrado para este artefato, por esportistas, mulheres, transportadores. Durante
algum tempo, projetos diferentes da bicicleta conviveram lado a lado, sendo um
exemplo de flexibilidade interpretativa do artefato.

Flexibilidade interpretativa: significados radicalmente distintos de um artefato


estabelecidos pelos diferentes grupos sociais relevantes que outorgam sentido ao objeto
cuja construção participam.

Identificar e seguir os grupos sociais relevantes envolvidos no desenvolvimento de um


artefato é o ponto de partida das pesquisas realizadas pela abordagem do contexto que
consideram a possibilidade de a tecnologia ser uma construção social.

Conjunto sociotécnico (ensemble): arranjos entre elementos sociais e técnicos que dão
como resultado uma outra entidade, algo mais que a simples soma desses elementos.

Marco de significado: relacionamento do ambiente social com o projeto de um artefato


onde seu significado é aceito por vários grupos sociais envolvidos na sua construção.
Este marco guia sua trajetória de desenvolvimento.

Fechamento ou estabilização: momento do processo de construção sociotécnica em


que há uma diminuição drástica da flexibilidade interpretativa dos artefatos. Alguns de
seus significados desaparecem. Emergência de um consenso entre os grupos sociais
relevantes.

As maneiras diferentes como os grupos sociais interpretam e utilizam um objeto técnico


não lhe são intrínsecas. O que o objeto significa para o grupo mais poderoso (um
equipamento esportivo ou um meio de transporte?) determina o que virá a ser quando
for reprojetado e melhorado através do tempo. Por isso é necessário estudar o contexto
sociopolítico e a relação de forças para compreender o significado do desenvolvimento
de um artefato.
A teoria crítica da tecnologia

Feenberg: retoma debate centrado na crítica à visão do marxismo tradicional acerca da


tecnologia que havia ficado parado nos anos 1970.

Relação CTS: interlocução nem sempre explícita com a visão da construção social da
tecnologia.

Marxismo contribui com a ideia da construção social da tecnologia através da


importância que atribui ao conceito de grupo social (importante para o conceito de
flexibilidade interpretativa).

Feenberg pauta-se pela interpretação do construtivismo e se contrapõe a visão


pessimista da escola de Frankfurt.

Subdeterminação: nem todos os processos sociais cumulativos de longo prazo se dão


em função de imperativos funcionais. Quando existe mais de uma solução técnica para
um problema, a escolha será ao mesmo tempo, técnica e política.

Poder tecnocrático: capacidade de controlar decisões de natureza técnica. Surge a


partir de um novo tipo de organização da produção onde estão presentes o empresário-
capitalista, o gerente e o engenheiro. Trata-se de uma substituição das técnicas e da
divisão do trabalho tradicionais, por outros que reforçam o controle capitalista sobre o
processo de trabalho. Resulta na mecanização e desqualificação dos trabalhadores
crescentes.

A posse da iniciativa técnica ou o controle das decisões de natureza técnica tem um


poder de determinação semelhante e complementar à posse do capital (crítica ao
socialismo real – degenerescência burocrática).

A manutenção do controle técnico não seria então o efeito de um imperativo


tecnológico, mas da maximização do poder de classe sob as circunstâncias especiais de
sociedades capitalistas. Logo, as escolhas das alternativas técnicas tenderão a favorecer
a manutenção do controle do processo pelos capitalistas e seus representantes técnicos.

A TC tende a dificultar a construção da TS, pois esta buscaria uma ruptura com o estilo
capitalista de desenvolvimento.

Autonomia ocupacional: processo de acumulação de poder e que denota tanto os


agentes como as estruturas sociais nele envolvidas. Através da seleção de alternativas
eleva-se a capacidade de preservar a autonomia operacional da empresa e a hegemonia
na sociedade – núcleo do código técnico capitalista.

Indeterminismo: explica porque o desenvolvimento tecnológico não é linear, pois


flexibiliza e adapta-se as demandas sociais.

A tecnologia é entendida como um espaço de luta social no qual projetos políticos


alternativos estão em confronto. O desenvolvimento tecnológico é delimitado pelos
hábitos culturais enraizados na economia, na ideologia, na religião e na tradição.

As tecnologias efetivamente empregadas seriam selecionadas, entre muitas


configurações possíveis, segundo um processo pautado pelos códigos sociotécnicos
estabelecidos pela correlação de forças sociais e políticas que delimitam o espaço de sua
consolidação.

Percepção neutra: um dispositivo técnico é simplesmente uma concatenação de


mecanismos causais.

Percepção valorada: um dispositivo técnico tem condições de carregar valor


(econômico, político, social, moral) em si próprio.

Determinismo / Tecnologia autônoma: o desenvolvimento tecnológico possui suas


próprias leis imanentes.

Determinismo / Tecnologia determinada pelo homem: liberdade para decidir como a


tecnologia se desenvolverá.

Visões sobre a tecnologia

Instrumentalismo (controle humano + neutralidade de valores): visão moderna


padrão, que concebe a tecnologia como uma ferramenta ou instrumento da espécie
humana mediante o qual satisfazemos nossas necessidades. O desenvolvimento
tecnológico é realizado de acordo com nossa vontade e a tecnologia pode atuar
indistintamente sob qualquer perspectiva de valor.

Determinismo (autonomia + neutralidade): visão marxista tradicional na qual o


avanço tecnológico é a força motriz da história. A tecnologia não é controlada pelo
homem sendo que ela molda a sociedade frente as exigências do progresso e da
eficiência. A tecnologia se orienta em direção a satisfazer alguma necessidade humana
ou a ampliar as nossas faculdades.
Substantivismo (autonomia + portadora de valores): Visão crítica do marxismo
tradicional. A tecnologia possui um compromisso com a promoção do bem-viver
através da busca da eficiência. Contudo a ideia de bem-viver é dotada de um valor
substantivo particular a diferentes indivíduos e sociedades. Portanto, a tecnologia deixa
de ser um instrumento adequado a qualquer conjunto de valores.

Teoria crítica (controle humano + portadora de valores): vê a tecnologia como


responsável por catástrofes, mas ao mesmo tempo portadora de uma promessa de
liberdade. O problema não estaria na tecnologia, mas nas instituições criadas até aqui
para o controle humano sobre ela. A eficiência é uma moldura para a tecnologia (valor
formal), mas esta pode apresentar outros domínios de aplicação compreendendo outros
valores significativos além da eficiência. A tecnologia é vista como suporte para estilos
de vida.

A adequação sociotécnica como operacionalização da TS

AST pretende dotar a TS de uma dimensão processual, uma visão ideológica e um


elemento de operacionalidade. A AST pretende oferecer um substrato cognitivo-
tecnológico a partir do qual atividades não inseridas no circuito formal da economia
poderão ganhar sustentabilidade e espaço crescente em relação às empresas
convencionais.

A AST constitui-se em um processo que busca promover o conhecimento científico e


tecnológico aos requisitos e finalidades técnico-econômicos (usual) e ao conjunto de
aspectos de natureza socioeconômica e ambiental.

No contexto da TS a AST visa adequar a TC aplicando critérios suplementares aos


técnico-econômicos usuais a processos de produção e circulação de bens e serviços.

O código sócio-técnico do AST incluiria: a participação democrática no processo de


trabalho, o atendimento de requisitos relativos ao meio ambiente, à saúde dos
trabalhadores e dos consumidores e a capacitação autogestionária.

Construção sócio-técnica: processo de definição dos artefatos tecnológicos através da


negociação entre grupos sociais relevantes.
A AST seria um processo inverso ao da construção, em que um artefato sofreria um
processo de adequação aos interesses políticos de grupos sociais relevantes distintos
daqueles que o originaram.

Modalidades de AST

1) Uso: é suficiente a forma como se reparte o excedente gerado, pelo simples uso
da tecnologia.
2) Apropriação: meios de produção são propriedade coletiva e os trabalhadores
possuem um conhecimento mais ampliado sobre os aspectos produtivos. Não há
modificação no uso concreto dos produtos e processos.
3) Revitalização: aumento da vida útil dos equipamentos e máquinas. Fertilização
das tecnologias antigas com componentes novos.
4) Ajuste no processo de trabalho: adoção progressiva da autogestão e
questionamento da divisão técnica do trabalho. Implica na adaptação da
organização o processo de trabalho à forma coletiva de propriedade dos meios
de produção.
5) Alternativas tecnológicas: Percepção de que as modalidades anteriores
dependem do emprego de tecnologias alternativas, sendo a busca por elas
realizada entre as tecnologias existentes.
6) Incorporação do conhecimento científico-tecnológico existente: processos de
inovação do tipo incremental no qual busca-se a incorporação do conhecimento
científico-tecnológico existente ou o desenvolvimento de novos processos
produtivos ou meios de produção.
7) Incorporação do conhecimento científico-tecnológico novo: processos de
inovação do tipo radical que tendem a demanda o concurso de P&D ou
universidades e que implicam na exploração da fronteira do conhecimento.

Considerações finais
TA: as expressões que cunharam denotam um produto (e não um processo) e possuem
uma clara visão normativa. A intenção do movimento de TA não pode ser
materializada. Dentre os fatores destacam-se a necessidade de construir um artefato
pouco conectado ao contexto socioeconômico e político inicial e a ingênua expectativa
que o emprego de tecnologias alternativas pudesse operar por si só as mudanças do
contexto na forma como era esperado.

TS: da atenção ao processo, ao caminho que uma configuração sociotécnica vai


desenhando ao longo de um percurso que não tem cena de chegada definida. O processo
AST tem de ser construído a partir de uma tecnologia existente, com o realismo que
impõe o contexto adverso no plano econômico, político, científico, etc. Refuta-se a ideia
de que pode haver uma oferta e uma demanda de tecnologia. A TS se constrói em
conjunto com os atores interessados.

RTS: formada a partir da constatação de que as iniciativas privadas e de política pública


tem sido insuficiente para deter o agravamento dos problemas sociais e ambientais
relacionadas com as iniciativas de dimensão científico-tecnológica.

RTS mais do que uma issue network terá que atuar como uma policy network onde são
incorporados aos modos de governar a relação CTS os valores e os marcos de referência
analítico-conceituais. Articulando atores e movimentos sociais que se situam em uma
ponta socioeconômica e cultural e atores que detêm recursos cognitivos, políticos e
econômicos imprescindíveis para implementar aqueles marcos de referência,
materializar a TS e tornar realidade o cenário que a sociedade deseja.

São objetivos a elaboração de políticas-públicas não convencionais e promoção da


inclusão social de modo não meramente compensatório.

Os burocratas devem ser considerados correias de transmissão das ações concebidas


pela RTS para dentro do aparelho do Estado de forma a conferir-lhes viabilidade. Os
professores-pesquisadores terão de ser convencidos de que a TS é a única rota de escape
ao esvaziamento das universidades e consiste no melhor caminho para recuperar a
legitimidade social.

A tecnologia social e seus desafios


Tecnologias para inclusão social (IS) – enfoque interdisciplinar orientado para a
elaboração de políticas e é balizado pelo campo dos Estudos Sociais da Ciência e
Tecnologia (ESCT).
A TC não é adequada para a IS. As instituições públicas de ciência e tecnologia carecem
de sensibilização sobre a necessidade de serem capacitadas para desenvolverem uma
tecnologia capaz de viabilizar a IS e tornar autossustentáveis os empreendimentos
autogestionários.

Como é a TC?

Ela poupa mão de obra mais do que seria conveniente, pois o lucro das empresas
depende de uma constante redução da mão-de-obra incorporada ao produto.

Ela se fundamenta em um aumento progressivo da produtividade, sendo este conceito


enviesado para assegurar que o aumento seja definido a partir da diminuição do
denominador da fração produção por mão-de-obra ocupada.

A utilização da TC implica em uma condição de desvantagem inerente para o pequeno


produtor e é quase um impedimento pela sua sustentabilidade. Isto se deve ao fato da
TC possuir escalas de produção sempre presente.

O projeto da TC não leva em conta inúmeros custos ambientais e sociais.

A TC depende intensivamente dos insumos sintéticos produzidos por grandes empresas.


A cadência de produção é dada pela máquina e não pelo trabalhador.

O modo de produção capitalista necessita da existência de controles coercitivos para


garantir que os trabalhadores não boicotem a produção. Isto aumenta os custos de
produção, que não seriam necessários em caso de uma produção autogestionária.

A TC é segmentada para que não permita ao trabalhador o controle direto sobre o


processo de trabalho, sendo este delegado a chefes, patrões e a engenheiros, que detém
o controle sobre a totalidade dos processos de produção.

A TC é alienante por não utilizar a potencialidade do produtor direto.

A tecnologia que satisfaz as demandas das classes ricas, dos países ricos, é a mais
moderna, sendo, portanto, as características da TC determinadas pelos mercados de alta
renda dos países avançados.

As 20 empresas que mais gastam em pesquisa no mundo gastam mais do que França e
Grã-Bretanha juntos. Isto mostra como está monopolizada a C&T.
Como é, ou como deveria ser, a TS?

A TS deve ser adaptada ao reduzido tamanho físico e financeiro; não discriminatória,


liberada da diferenciação; orientada para o mercado interno de massa; libertadora do
potencial e da criatividade do produtor direto.

Se o empreendimento autogestionário não for competitivo (ou não tiver


sustentabilidade) em relação ao grande capital, não vai conseguir constituir uma
alternativa econômica e nem chegar a ser uma alternativa real de IS.

O que faz a TC ser diferente da TS?

A TC é funcional para a empresa privada e para o capital e vem sendo impulsionada


pelos governos como a única tecnologia existente.

A organização de profissionais que concebem a TC está imersa em um ambiente


político que a legitima e demanda.

A fronteira do conhecimento ou da pesquisa em C&T expande de acordo com a


estratégia capitalista.

O problema da TS não deve estar restrito à transformação do processo de trabalho. O


problema inclui como se faz e se concebe a ciência.

Será que a universidade tem condições de gerar TS a partir de TC?

- Como se dá o desenvolvimento de C&T?

Reflete os padrões sociais, político, econômicos e ecológicos da sociedade em que esse


desenvolvimento tem lugar. Ciência como um objeto construído. O desenvolvimento do
conhecimento é desbalanceado e enviesado por interesses políticos e econômicos.

Em geral percebe a ciência como isenta de valores. Visão dominante de que o homem e
a natureza são os mesmos em todo o planeta e que a ciência é o resultado da curiosidade
inerente do primeiro. A ciência avança sempre, linear e inexoravelmente seguindo um
caminho próprio.

A ciência reforça a “sua” sociedade e tende a inibir a mudança social.

- Como a universidade percebe este desenvolvimento?


Percebe como o senso comum, onde a ciência deve-se manter isolada da sociedade para
poder se desenvolver de modo verdadeiro e eficaz.

A ciência busca a verdade a tecnologia busca a eficiência.

A última tecnologia (baseada na última descoberta científica) seria a melhor e as outras


tornar-se-iam obsoletas e atrasadas. Esta visão mecanicista, linear, determinista e
acrítica que está fundamentado o conceito de tecnologia de ponta.

A universidade entende o desenvolvimento de C&T como sendo neutro, podendo atuar


esta neutralidade de forma passiva ou ativa dependendo do impacto na manutenção ou
fortalecimento do poder de algum ator social presente no contexto em que é gerada.

- Como a universidade se organiza para desenvolver conhecimento?

Cadeia linear de inovação: pesquisa básica, pesquisa aplicada, desenvolvimento


tecnológico, desenvolvimento econômico e social.

Se a sociedade não utiliza o conhecimento gerado pela pesquisa de base não é problema
da universidade. Não é um problema de como a agenda de pesquisa é formulada.

A universidade deve oferecer mais conhecimento à sociedade para convencê-la sobre a


importância da ciência, para ensiná-la que a ciência é positiva, que deve ser valorizada.

A universidade tenta emular um padrão de conhecimento que pouco tem a ver com
nossa realidade. Ao contrário, busca legitimar-se com seus pares exteriores.

A universidade, como outras instituições, organiza-se baseando suas decisões na


opinião, no faro, no prestígio e no poder de seus líderes e suas redes invisíveis. Na
universidade, o poder de quem decide é construído a partir de prestígio acadêmico.

O que a universidade mais teme é a contaminação não-científica.

A liberdade acadêmica e a qualidade não suficientes para pautar o desenvolvimento da


universidade traduz-se na recomendação de que planejar é pior do que não planejar. A
universidade não estabelece uma política de pesquisa e não discute o profissional que
forma.

A política de pesquisa é sempre aderente às características da TC.


Será que é possível gerar TS a partir de TC?

Resumo virtuoso nas páginas 205 e 206

O que pode ser feito?

Questionar a maneira de organizar a pesquisa na universidade é o primeiro passo. Criar


uma nova cultura institucional que seja favorável à TS.

O professor de ultra-esquerda e o professor de ultra-direita fazem a mesma pesquisa,


dão a mesma aula.

Universidade disfuncional. Não serve para a classe dominante e nem para a dominada.
A esquerda universitária continua sem buscar alianças, no interior da sociedade, que
possam defender a universidade.

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