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Comportamento habitual e desvios de

comportamento em cães domésticos (Canis


familiaris)
Pietra Gama Carvalho ∗ Giovana Bueno Henriques †

Thaiz Aceto ‡

Campinas, 9 de maio de 2020

Abstract

It is estimated that the domestication of dogs occurred about 12,000 years ago. Since
then, the bond between men and dog has only been fine-tuned and today many dogs
are considered to be members of our own families; there has also been some advances
in behavioral observation, which guaranteed improvements in care taking for domestic
dogs. In this sense, this study main goal was to building an ethogram to identify
the basic activities and define behavior patterns of the species Canis familiaris from
the comparison of three dogs of different breeds. It was identified that domestic dogs
perform six basic activities: eating, displacement, resting, alertness, basic physiological
needs, and playing. Furthermore, it was also possible to note that there may be changes
in the frequency of these activities depending on the age, and physical and psychological
conditions of these animals which can be indicators of sickness in dogs.
Keywords: behavior, dog, basic activities, comparison.

1 Resumo
Estima-se que a domesticação dos cães começou há cerca de 12.000 anos, desde
então a relação entre homens e cães apenas se afinou e hoje muitos cachorros
são tratados como família, com isso também vieram os avanços na observação de
comportamentos, que garantiram melhorias nos cuidados com os cães domésticos.
Tendo essa perspectiva como base, esse estudo objetivou construir um etograma
para justamente identificar as atividades básicas da espécie Canis familiaris, a
partir da comparação de três cachorros de raças diferentes da espécie, com o

RA 20101580

RA 20082996

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intuito de definir padrões de comportamento. Foi identificado que os cães do-
mésticos cumprem seis atividades básicas: alimentação, deslocamento, repouso,
alerta, necessidades e brincadeira. Além disso também foi possível notar que po-
dem haver mudanças na frequência desses comportamentos dependendo da idade
e condições físicas e psicológicas desses animais, as quais podem ser indicadores
de doenças nos cães.
Palavras-chave: comportamento, cão, atividades básicas, comparação.

2 Introdução
A família dos canídeos é composta por várias espécies, mas a que tem maior
proximidade com o homem é a Canis familiaris. Esses cães chamados hoje de
domésticos estão próximos dos homens há milhares de anos, o primeiro fóssil de
cão em íntima associação com um ser humano, é um esqueleto de um filhote que
foi datado com cerca de 12.000 anos (GALIBERT, 2011), sendo assim a relação
entre cachorros e humanos é de longa data.
O Brasil é o segundo país do mundo com maior número de animais de companhia
(RITTO & ALVARENGA, 2015) e esse número está em crescimento contínuo glo-
balmente e com ele os avanços na medicina veterinária também aumentam. A
partir dos anos 90, o número de estudos sobre os comportamentos de cães dispa-
rou, e embora ainda faltem investigações sobre comportamentos intraespecíficos
e sobre interpretação de emoções de cães (ALBUQUERQUE, 2013), esta área já
apresenta um grande desenvolvimento.
Em todo o mundo, os cachorros de companhia são tratados inclusive como fa-
mília devido à sua lealdade e companheirismo. Para cuidar desses animais tão
queridos, a observação dos comportamentos é especialmente importante, porque
ela nos permite identificar os hábitos da espécie e definir os melhores cuidados
para/com ela. Antigamente a etologia não costumava ganhar a devida atenção,
atualmente isso está mudando, o estudo do comportamento animal está sendo
cada vez mais valorizado, porque está é cada vez mais claro como ele é uma das
propriedades mais importantes da vida animal, tendo um papel fundamental nas
adaptações das funções biológicas dos animais e sendo um indicador de possíveis
doenças, que têm como sintoma comportamento estereotipados (SNOWDON,
1999).

2.1 Objetivos
Tendo em vista a importância de conhecer o comportamento dos cães como forma
de avançar nas técnicas de cuidado e bem estar com animais domésticos, além
da importância de observar as atitudes deles como forma de identificar se sofrem
de alguma doença, seja ela física ou psicológica, esse trabalho teve como objetivo

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categorizar as principais ações de cães criados em casa com grande proximidade
aos donos em um etograma, a fim de verificar diferenças de comportamento entre
cães com idades, tipos de criação e raças diferentes e assim definir um parâmetro
para identificar possíveis problemas em outros cães.

3 Materiais e Métodos
Foram observados três machos da espécie Canis familiaris, porém de diferentes
raças: um Yorkshire (Wall-e) de 7 anos, criado pela mesma família desde filhote
com muitos estímulos à brincadeiras e interação social com os humanos e uma
displasia no quadril já operada, um vira-lata (Scooby) de 7 anos, que foi ado-
tado por sua família atual já adulto e não foi habituado a brincar com humanos
(apesar de ter uma relação de afinidade com os donos) e um Poodle (Pipou) de
14 anos de idade, que cresceu com a mesma companhia e teve muito estímulo
social com humanos e outros cachorros (Figura 9). As observações foram reali-
zadas separadamente no ambiente natural dos cães, no período de dois dias, com
observação das 8h às 18h, totalizando 20h de observação. Dois métodos foram
utilizados, no primeiro dia observou-se ações gerais dos animais, mas definindo as
categorias de atividade, já no segundo dia foi utilizado o método de observação
de todas as ações, no qual todas as atividades dos animais foram contabilizadas
e categorizadas para a construção de um etograma. Os materiais utilizados para
o recolhimento de dados foram: um cronômetro e material de anotação.
Durante o estudo, os observadores mantiveram o mínimo contato direto com os
animais, observando de longe suas atividades, no entanto se tratando de animais
com grande afinidade com os donos ainda assim houve interação observador e ob-
jeto de estudo, como brincadeiras, carinhos e alimentação. As atividades básicas
observadas foram:
(1) Alimentação: os animais foram alimentados 3 vezes ao dia, mas também
ganharam petiscos. A atividade de alimentação inclui pegar, mastigar e
ingerir comidas sólidas, que foram ração para cachorros, petiscos, carne
cozida, sachês e pedaços de pão. Também está sendo incluída para essa
categoria água, que ficou disponível no período integral da observação;
(2) Deslocamento: qualquer mudança grande ou pequena de lugar para efe-
tuar novas atividades; movimentando as patas para frente e para trás;
(3) Repouso: cessação de movimento, animal deitado ou sentado, podendo ser
apenas descanso até sono profundo;
(4) Alerta: corpo ereto com cabeça projetada para frente, podendo haver lati-
dos e/ou rosnados;

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(5) Necessidades: urinar com a pata traseira levantada do chão, urinar no
mesmo local que outro cachorro urinou ou defecou alguns minutos antes e
defecar usando uma postura agachada;
(6) Brincadeira: mordidas leves, pular e bater as patas nas pernas dos donos,
inclinar a cabeça entre as patas dianteiras e balançar o rabo, correr em
círculos pelo gramado e pular nos sofás. Principais ações que envolvem
gasto de energia para esses animais.

4 Resultados e Discussão
O padrão e frequência da ocorrência das atividades dos animais estão descritas e
comparadas na tabela e nos gráficos (em minutos) a seguir, neles é possível notar
que todos os animais desempenharam as mesmas atividades durante um dia,
atividades essas definidas como as mais habituais para a espécie: se alimentar, se
deslocar, repousar, entrar em estado de alerta, fazer suas necessidades e brincar.
Além disso na maioria das vezes o tempo para a execução da atividade foi muito
próximo entre os animais, como pode ser visto na Figura 1 e Figura 2.

Figura 1: Contagem do tempo em minutos que os cachorros passaram de-


sempenhando as atividades.

Figura 2: Contagem do tempo em minutos que os cachorros passaram desempe-


nhando as atividades, com maior visualização comparativa.

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(1) Alimentação: os três cães observados se alimentaram a quantidade de
vezes, com os mesmos mantimentos (ração e petisco), no entanto, é possível
notar que houve diferenças de aproximadamente 10 minutos na quantidade
de tempo que os mesmos usaram para completar essa atividade (Figura 3).
O cão Wall-e levou 37 minutos no total, já o Pipou comeu em 26 minutos
durante a observação, tempos dentro de uma média geral de quanto duraria
a alimentação de um animal sadio, no entanto Scooby levou apenas 17
minutos, uma média de 5 minutos por refeição, o que acaba fugindo dos
padrões e pode indicar ansiedade e estresse, que são doenças conhecidas
por alterar comportamentos alimentares e ocasionar em uma alimentação
acelerada (ANTUNES, 2008).

Figura 3: Gráfico comparativo do tempo de alimentação, em minutos, dos cães.

(2) Deslocamento: observando a quantidade de vezes que os três animais


se locomovem é notável que o cão Scooby se deslocou bem mais que os
outros dois (Figura 4), ele passou 180 minutos em deslocamento ao todo,
enquanto Wall-e 60 minutos e Pipou 87 minutos, isso, assim como a rápida
alimentação, acaba fugindo um pouco dos padrões observados e pode indicar
que Scooby sofre de ansiedade ou de estresse, que também são causadores de
inquietude e motivam o pacing, quando o animal anda um lado para outro
em rotas fixas (MASON, 1991) e nunca fica por um tempo significativo em
um mesmo local quando está acordado, comportamento observado no cão.

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Figura 4: Gráfico comparativo do tempo de deslocamento, em minutos, dos cães.

(3) Repouso: já se tratando da quantidade de horas em repouso todos os cães


passaram a maior parte do tempo nesse estado, o que é comum para animais
no entanto o cão que se destacou diante dos outros foi o Pipou, que passou
480 minutos repousando, enquanto os outros dois passaram 360 minutos.
Isso provavelmente ocorreu porque ele é um cão com o dobro de idade que
os outros e com o avanço da idade é normal que os cães percam parte de
sua capacidade cognitiva (SIWAK, 2002), tenham diminuição de aprendiza-
gem, memória e percepção do ambiente (LANDSBERG & ARAUJO, 2005),
que são alterações inevitáveis do envelhecimento, logo provavelmente Pipou
passou mais tempo em repouso, pois é um cão idoso e esses costumam ter
alterações notáveis no ciclo de sono (SVICERO; HECKLER; AMORIM,
2017).

Figura 5: Gráfico comparativo do tempo de repouso, em minutos, dos cães.

(4) Alerta: os três cães passaram tempos próximos em alerta, Pipou, o cão
mais velho, passou 10 minutos e Wall-e e o Scooby que passaram 15 e 17
minutos respectivamente. Apesar da pequena diferença de tempo, Pipou
provavelmente passou menos minutos em alerta por ser mais idoso, o que
causa a diminuição da percepção em cães (LANDSBERG & ARAUJO, 2005)

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e provavelmente esta é a causa dele passar menos minutos em estado de
alerta que os outros cães. Além disso, todos os cães visivelmente passaram
menos tempo nessa atividade do que nas outras, talvez porque esses cães
não se sentem ameaçados ou necessidade de competir pela processam de um
objeto lugar ou pessoa (CASTILHOS, 2006).

Figura 6: Gráfico comparativo do tempo de alerta, em minutos, dos cães.

(5) Necessidades: os cães Scooby e Pipou passaram tempos muito próximos


fazendo suas necessidades, no entanto o Wall-e passou aproximadamente 10
minutos a mais nessa ação, devido ao fato dele ter uma displasia no quadril,
operada quando ele estava com um ano, que impede que ele fique muito
tempo se apoiando em apenas uma perna, fazendo com que ele urine várias
vezes até terminar totalmente.

Figura 7: Gráfico comparativo do tempo de necessidades, em minutos, dos cães.

(6) Brincadeiras: todos os cães realizaram a atividade de brincadeira, no en-


tanto, enquanto o cão Scooby não passou de 5 minutos brincando, o cão
Wall-e passou quase duas horas do dia realizando essa atividade. Isso pro-
vavelmente ocorreu porque os cães tiveram diferentes tipos de criação, en-
quanto o cão Wall-e foi estimulado desde pequeno a brincar, interagir com
humanos e outros animais, o cão Scooby não, tendo em vista que os cães

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são animais muito sociáveis que aprendem com os comportamentos que ob-
servam (ARRUDA, 2018).

Figura 8: Gráfico comparativo do tempo de brincadeiras, em minutos, dos cães.

5 Conclusões
A partir da construção e avaliação de um etograma, separadamente para cada
cão analisado, foi possível observar como ocorre o comportamento deles em seu
devido ambiente com suas respectivas condições (distinção em idade, tipo de cri-
ação e raça), e fazer a comparação entre todos. Assim, surgiram resultados sobre
cada animal, como o quadro de ansiedade no cão Scooby, com a observação com-
parativa nas atividades de alimentação, devido ao rápido tempo utilizado nessa
ação, e deslocamento, em que houve o comportamento “pacing” e muitos minutos
reservados nessa ação. No cão Pipou, por ser idoso, foi observado diferenças, em
relação aos outros canídeos, nas ações de repouso, em que consumiu mais tempo,
e alerta, em que foi mostrado a baixa percepção de ambiente e capacidade cog-
nitiva devido a condição de idade em que se vive. Já o cão Wall-e mostrou maior
utilização de tempo para fazer suas necessidades devido a displasia presente no
quadril, em que foi operada, e devido isso apresenta dificuldades, comparando
com os outros cães, para tal atividade, além disso também ficou como o tipo de
criação pode alterar o comportamento de cães adultos com o contraste entre o
cão Wall-e e o cão Scooby na atividade de brincadeira.

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Figura 9: Da esquerda para a direita, Wall-e, Scooby e Pipou












Referências
GALIBERT, Francis et al. Toward understanding dog evolutionary and
domestication history. 2011. 190–196 f. Elsevier Masson SAS, 2011. DOI
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