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RELEM – Revista Eletrônica Mutações, julho –dezembro, 2015

©by Ufam/Icsez

O pensamento social da Amazônia no olhar


do intelectual Araújo Lima
Joyce Karoline Pinto Oliveira Pontes1
Universidade Federal do Amazonas

Aldrin Bentes Pontes2


Universidade do Estado do Amazonas

Resumo
Este artigo propõe abordar de maneira descritiva questões relacionadas à vivência e pressupostos
teóricos de Araújo Lima, e outros intelectuais que fizeram parte do desenvolvimento da Amazônia,
apesar dele ter sido tardio. Na perspectiva de contribuir em questões como o homem em face da
história, da natureza, da família e das condições climáticas, é que o artigo se caracteriza sobre as
influências teóricas de sua carreira e na sequência, um esboço das implicações metodológicas
decorrentes de suas experiências de campo na Amazônia.
Palavras-Chave: Amazônia; Araújo Lima; Pensamento Social da Amazônia.

Abstract
This paper proposes a descriptive way to address issues related to the experience and theoretical
assumptions de Araújo Lima, and other intellectuals who were part of the development of the
Amazon, despite it being late. In order to contribute to issues such as man in the face of history,
nature, family and climatic conditions, is that the article characterized the theoretical influences on his
career and following an outline of the methodological implications of their experiences field in the
Amazon.
Keywords: Amazon; Araújo Lima; Social Thought from Amazon.

Introdução
Destacar o papel da Amazônia para a população a partir de concepções do cientista
social José Francisco de Araújo Lima, bem como suas contribuições no campo das Ciências
Sociais, foi objetivo do artigo.
Na personalidade de Araújo Lima, constatou-se uma história que revela os primeiros
passos de desenvolvimento da região Amazônica. Uma personalidade que viu a
contemporaneidade como objeto de estudo, podendo ser analisada a partir de vieses do
movimento de formação do pensamento brasileiro. “O pensamento social da Amazônia não é

1
Doutoranda em Sociedade e Cultura na Amazônia, Universidade Federal do Amazonas.
2
Mestrando em Direito Ambiental, Universidade do Estado do Amazonas.
um eco de vozes que emudeceram. Nas vozes dos autores passados o tempo dilata-se na
projeção das relações sociais do presente” (RIBEIRO, 2012, p. 17).
Araújo Lima foi relevante cientista social da Amazônia que nasceu em Muanã, Ilha
de Marajó, Estado do Pará, mas sua permanência é voltada ao Amazonas. Formado na
Faculdade de Medicina de Paris, com estágio no Institute Pasteur, graduou-se médico
também pela faculdade do Rio de janeiro. Em Manaus, teve laboratório, fez pesquisas,
escreveu para congressos científicos e foi prefeito da cidade de Manaus em dois mandatos.
Araújo Lima, assim como Leandro Tocantins e Euclides da Cunha, pensou o Brasil e
a Amazônia a partir de planejamentos dirigidos. Em suas avaliações, Lima aponta que existe
uma opinião crítica, precipitada, tumultuosa, claudicante pela deficiência de análise e
observação, o que gera “oscilação sempre, ao se definir a região amazônica, entre os arroubos
de exaltação otimista e os libelos de um pessimismo fulminador” (LIMA, 1945, p. 47).
As doenças são outros pontos mal vistos por quem visitava a Amazônia; Araújo
Lima entendia bem do assunto, haja vista que era médico. E com a construção da estrada de
ferro Madeira-Mamoré em Rondônia no período de 1907 a 1912, os operários adoeceram e
ficavam bastante fracos. As doenças tropicais da região foram os maiores adversários desses
trabalhadores: febre amarela, implaudismo, beribéri e outras infecções, tiraram a vida de
milhares de operários. Mas o meio ambiente causa as doença?
Essa era uma inquietação dos visitantes à Amazônia e até mesmo dos trabalhadores,
por isso Araújo Lima, especialista no assunto, dizia que a malária é um mal que poderia ser
evitado no Amazonas se campanhas de saneamento básico fossem executadas, pois a
hanseníase e malária foram as doenças que mais afetaram a população amazônica na década
de 1980. Ele expôs dessa forma a situação, porque os detratores achavam que as doenças
apareciam devido as imperiosas causas telúricas ou climáticas. “Moléstia propagada por
idêntico mecanismo de transmissão, a febre amarela foi extinta no Amazonas, em menos de
um ano de campanha de saneamento, depois de haver lá grassado por muitas décadas”
(LIMA, 1945, p. 104).

E assim destruíram o flagelo e com ele a lenda que o atribuía à influência do meio
ambiente. Ficou então bem compreendido que o mal curava com a mudança de
residência porque, consequentemente, se operava então a mudança de regime
alimentar (LIMA, 1945, p. 105).

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Em 1908 foi construído o Hospital da Candelária, o maior centro especializado em
doenças tropicais do mundo. O médico sanitarista Oswaldo Cruz, esteve visitando as obras da
ferrovia em 1910 e ficou muito impressionado com o hospital. “A administração norte-
americana lá instalou o Hospital da Candelária, que combateu a beribéri e o paludismo; com
alimentação apropriada e com quinina suficiente, foram conjurados os dois males” (LIMA,
1945, p. 105).
Outra situação que ocorreu foi de que o solo quem exercia uma ação danosa sobre a
vida, mas o anátema foi destruído, onde a distribuição das afecções chamadas tropicais não é,
pois, regulada pelas condições atmosféricas nem telúricas, Lima (1945) explica que decorre
da biologia de certos seres animais, veiculadores dos germes patogênicos, e cuja existência
pode ser cercada ou dilatada pelo próprio homem.

Nordestino se faz seringueiro


Araújo Lima pôde ver de perto a imagem expressiva da sociedade torturada, que
moreja nas paragens dos seringais, é o homem que trabalha para escravizar-se, como destaca
Euclides da Cunha, é um conjunto social de exploração, que é característica do capitalismo e
moradia humilhante,

Fui hóspede, há cerca de trinta anos, de um dos maiores proprietários do interior,


dono de três grandes seringais e árbitro do comércio de uma dilatada zona do Alto
Purus, cuja instalação de moradia e de negócio era precaríssima: casa coberta de
palha, paredes e soalho de paxiúba (com tábuas levemente convexas e mal
aparelhadas), serviço doméstico humílimo e passadio deficientíssimo (LIMA, 1945,
p. 91).

As imagens (figura 1 e figura 2) demonstram como eram as moradias durante o


período Áureo da Borracha, trata-se de um cenário criado para a produção do filme “A selva”,
que conta a história de seringueiros que fizeram parte da história do Amazonas e atualmente
este espaço é conhecido como Museu do Seringal, um local que atrai turistas de todos os
lugares do Mundo.

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Figura 1: Réplica da casa no seringal.
Fonte: Joyce Karoline Pontes (2013).

Os seringueiros faziam parte de uma sociedade abandonada, que viviam em uma


prisão sem muros e suas dívidas nunca eram saldadas. Por isso, o nordestino nos sertões
amazonenses fez-se seringueiro, só seringueiro e nada mais. E, no alvoroço de ambição de
posse, crendo descobridor daquelas plagas, disputou ao estrangeiro invasor uma imensa faixa
de terras, desertas, mas encarecidas por encerrarem em Seu seio úmido as minas de “ouro
líquido” (LIMA, 1945, p.52).

Figura 2: Leite da Seringueira – Ouro Líquido.


Fonte: Joyce Karoline Pontes (2013).

A população amazonense funda-se, pode-se dizer, no século XVIII, onde há o


nordestino e o indígena, “Se o caboclo é indolente, é inerte, é apático; se não tem atividade,

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nem iniciativa, nem aptidão para o trabalho, é porque se nutre mal, assimila
insuficientemente, realiza um regime alimentar deficitário […]” (LIMA, 1945, p. 59).
Por volta de 1914 houve uma decadência da borracha, até aproximadamente 1922, e
com isso, a Amazônia foi “vendida” pelo Governo Federal aos Estados Unidos da América,
que utilizava a borracha na fabricação de pneus de aviões, a partir da vulcanização.
Posteriormente a Amazônia volta a pertencer ao território brasileiro é criado o Banco da
Amazônia.

A tarefa de montagem de um esquema global de desenvolvimento da Amazônia


envolveu a reformulação de mecanismos anteriormente criados, agora avaliados
como inadequados; O Banco de Crédito da Amazônia e a Superintendência do Plano
de Valorização da Amazônia. O esquema concebido se assentava num tripé: O
Banco da Amazônia, a SUDAM e a Zona Franca de Manaus. O Banco da Amazônia
substituiria o desacreditado Banco de Crédito da Amazônia, passando a exercer
funções de banco regional, depositário de incentivos, a exemplo do Banco do
Nordeste (SILVA, 2000, p.18).

Com o passar do tempo em aproximadamente 1960, surge a Zona Franca de Manaus,


que tinha e até nos dias atuais pretende-se estabelecer o desenvolvimento da Amazônia, mas
não foi fácil, porque antes desse período o ponto de vista dos viajantes, era de uma terra
calorosa, com monstruosidades e sombria. Essa terra não é inferno nem paraíso; não é terra
misteriosa nem terra paradoxal: é simplesmente um aterra latismavelmente fraudada e
saqueada (LIMA, 1945, p. 51). A Amazônia se torna uma nova rota para o comércio das
especiarias. A descrição da fauna (animais) é requintada: os unicórnios têm pelos de búfalo,
pés de elefantes, no meio da testa possuem um chifre preto e grosso, mas não é com ele que
atacam a presa.
Essa descrição é um dos exemplos dos relatos feitos pelos viajantes. Quando
Francisco de Orellana desceu o rio em busca de ouro, descendo o Andes em 1941, deparou-se
com as índias Icamiabas. Logo, o nome Amazônia, deriva das amazonas, mulheres guerreiras
da mitologia grega.
O viajante e naturalista francês, Buffon, constata nas suas anotações que os animais
da Amazônia são diferentes entre dois mundos e que devido às questões climáticas, em alguns
locais as árvores cresciam gigantescas e a umidade com o calor produzia répteis gigantescos e
insetos vorazes.
O primeiro documento que se conhece sobre a penetração do maior rio da Amazônia,
foi redigido pelo Frei Gaspar de Carvajal, obedecendo às ordens de Francisco Orellana no
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período de 1541-1542. Com isso, o brasileiro Alexandre Rodrigues Ferreira saiu do Brasil e
foi estudar na Faculdade de Filosofia de Coimbra, veio de lá para o Alto Solimões no
Amazonas, onde pôde manter contato com vários indígenas e constatou em seus relatos que os
índios eram vistos de duas formas: Sua mão de obra era utilizada pelos colonos e
missionários, e logo depois passaram a receber ordens dos seus diretores, mas nem por isso
deixaram de ser livre, isso no governo de Marquês de Pombal.
O Velho Mundo para o viajante La Condamine é a Europa e o Novo Mundo é a
Amazônia, ele veio à Amazônia a Serviço da Academia de Ciências de Paris. Neide Gondim,
conta ainda que a Amazônia não foi descoberta por acaso, esse termo foi intitulado com a
chegada dos portugueses ao Brasil. Portanto, A invenção da Amazônia se deu a partir das
ideologias desde a escritura. O olhar do viajante em sua maioria é preconceituoso, onde os
nativos são agentes que desarmonizam a ordem social instalada pelo homem branco.
A Amazônia estava estruturada no ciclo da borracha. A falta de oportunidade de
trabalho e de desenvolvimento da região, fez com que muitos entrassem em desespero. Após a
Revolução de 1930, o trabalho passou a ser valorizado, mas a vigência das leis de proteção
não atingiu bem a região amazônica. Somente com o governo de Castelo Branco, o
desenvolvimento da Amazônia ganhou corpo, através da criação em 1966, da
Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), uma autarquia do governo
federal do Brasil.
Para Djalma Batista, quem mais sofreu com o choque cultural trazido pelos
colonizadores, foram os indígenas da região, houve mudanças no trabalho e hábitos
alimentares, assim como a imposição de novas crenças. A cultura tem vantagens no cultivo
de alimentos como a mandioca, mas também possui desvantagens, pois a população não
comia alimentos ricos em vitaminas. Apesar dos viajantes terem visitado a Amazônia a partir
do século XVI, Djalma pontua que a natureza amazônica não está suficientemente conhecida
e estudada. Em sã verdade, a região é mal vista, pouco conhecida, erroneamente interpretada
(LIMA, 1945, p.47).
A Amazônia é considerada para Araújo Lima (1945) como o Reino das Naídes,

[…] personificação dionisíacas com que o panteísmo de Martius, numa evocação


mitológica, batizou as espécies primaciais da flora amazônica, para dar à natureza
selvática o perfume suave dos mitos helenos, com as criações fabulosas, filhas de
Zeus, moradoras nas florestas magníficas (LIMA, 1945, p.48).

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De acordo com Scherer (2012) em termos econômicos, um novo princípio em meio
ambiente tem sido discutido como alternativa para a manutenção dos serviços ambientais de
diversos ecossistemas, o princípio do protetor-recebedor (os outros dois princípios são
poluidor-pagador e usuário-pagador). Portanto se faz considerada a necessidade de incentivar
a pesquisa científica e tecnológica.
E hoje no século XXI, existe a Fundação de Amparo e Pesquisa da Amazônia
(FAPEAM), Fundação Amazonas Sustentável (FAS), Secretaria de Ciência, Tecnologia e
Inovação (SECTI) e as secretarias de meio ambiente estadual e municipal, assim como os
ministérios federais que atuam nesse segmento, de investir de fato no incentivo às pesquisas.
Então, já houve uma grande mudança nesse aspecto.

Considerações
Portanto, Araújo Lima foi um agente público nas lutas da região Amazônica,
principalmente nos aspectos da saúde, educação e questões administrativas políticas ao
assumir a Prefeitura de Manaus. Um dos primeiros a escrever sobre a sociologia da
Amazônia, pontuando a problemática do preconceito e o atraso da região, para reabilitar a
Amazônia perante os visitantes que a viam como um obstáculo de sobrevivência devido o
clima e a civilização que se fazia presente na época. Além dele, outros intelectuais como
Djalma Batista, Leandro Tocantins, Euclides da Cunha, pretendiam que a Amazônia se
tornasse desenvolvida.
É importante ressaltar que Lima deixou um legado que até hoje faz parte das
Políticas Governamentais, mas que infelizmente é o grande percalço não só da sociedade
amazônica. Percebe-se que a Amazônia foi e continua sendo um grande cenário de
curiosidade. A floresta Amazônica foi pré-selecionada em 2008 como candidata a uma das
novas sete maravilhas da natureza, pela Fundação Sete Maravilhas do Mundo Moderno. A
produção intelectual dos viajantes é bastante heterogênea e as observações realizadas por
esses viajantes pautam-se primordialmente em um pensamento de tipo geográfico, onde
envolvem as bacias hidrográficas, a fauna e flora, as diferentes raças, elaboração de teorias
gerais da geologia ou até mesmo geográficas, portanto, serviu e continua servindo de base
para os estudos que os pesquisadores vêm desenvolvendo na atualidade, sobre a região
amazônica.

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A borracha também que antes só beneficia os grandes senhores e principalmente os
estrangeiros, hoje passou a ser utilizada na geração de emprego e renda para a população
amazonense, exemplo disso é a fábrica Levorin, a única no mundo a fazer pneu com a
borracha natural da Amazônia, apesar do Estado de São Paulo ser o maior produtor nacional
de borracha. Hoje a empresa faz parte de um projeto de agricultura familiar. "O
desenvolvimento da ciência na aplicação de novos materiais na indústria automobilística
potencializou as forças produtivas, e a produção de riqueza foi extensiva à toda cadeia do
setor"(SILVA, p.7).
Por fim, Araújo Lima propôs uma solução para melhorar tal situação, como a criação
de infraestrutura para melhorar a vida e o desenvolvimento da população da Amazônia e
atualmente a sociedade pode visualizar através da Superintendência da Zona Franca de
Manaus (Suframa). Finalmente, durante o processo de construção do artigo, procuro orientar
para as práticas de aprendizagem sobre a Amazônia, onde as mudanças ocorridas promoveram
transformações sociais e econômicas sobre a região.

Referências
BATISTA, Djalma. O complexo da Amazônia. 2 ed. Manaus: Editora Valer, 2006.

CARVALHO Jr. Almir D. A invenção do índio da Amazônia nos relatos da Viagem


Filosófica (1783-1792). In: A Amazônia dos viajantes. História e Ciência. Manaus:
EDUA/FAPEAM, 2011. Pp. 33 a 104.

GONDIM, Neide. Invenção da Amazônia. Manaus: Ed. Valer, 2007.

LIMA, Araújo - Amazônia: a terra e o homem. 3 ed. Rio de Janeiro: Editora Nacional,
1945.

OLIVEIRA FILHO, João Pacheco de. Sociedades Indígenas e Indigenismo no Brasil. Rio
de Janeiro: Marco Zero. UFRJ, 1987.

ORTIZ, Renato.(Org). Pierre Bourdieu. São Paulo: Ática, 1994.

RIBEIRO, Odenei de Souza. Tese de doutorado. Título: Tradição e Modernidade no


Pensamento de Leandro Tocantins. Universidade Federal do Amazonas, UFAM, Brasil.
Ano de obtenção do título: 2012.

SCHERER, Elenise Faria e SILVA, Glaubécia Teixeira. Pagamento por serviços


ecossistêmicos: as limitações e equívocos dos instrumentos econômicos de valoração da
natureza. Revista Somanlu, ano 12, n. 1, jan./jun. 2012.

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SILVA, Marilene Corrêa da. Metamorfoses da Amazônia. Manaus: Editora da Universidade
do Amazonas, 2000.

TOCANTINS, Leandro - O rio comanda a vida: urna interpretação da Amazônia. Rio de


Janeiro: Biblioteca do Exército, 1973.

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