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MOISES CALÚ DE OLIVEIRA

Professor da Universidade Estadual de Alagoas

moisescaluneal@gmail.com

Allysson Leandro de Moraes

Aluno da Universidade Estadual de Alagoas

Allyssonleandro@hotmail.com

CONTROVERSIAS SOBRE A CULTURA DO FUMO EM ARAPIRACA/AL

INTRODUÇÃO

Arapiraca, segunda cidade mais populosa do Estado de Alagoas, é conhecido


atualmente como terra do fumo e lugar que mantém uma das maiores e mais importantes
feiras livres do Nordeste. No entanto, ao entrar na segunda década do século XXI, ainda
padecemos de conhecimentos concretos e confiáveis sobre sua história e, de modo geral,
sobre a evolução econômica e social do interior de Estado, desde os primórdios da colônia.

Neste sentido, temos apenas os trabalhos precursores do professor e historiador


Zezito Guedes, referências incontestáveis, continuam sendo quase únicos e não permitem
tomar toda a medida de afirmação lógica da formação sócio-economica e espacial da
região fumageira que agrega toda a região do entorno da cidade de Arapiraca. Os outros
poderão achar temas para pesquisas de aprofundamento, discussões teóricas que, sem
dúvida, contribuirão a enriquecer a cultura e a compreensão da realidade alagoana,
nordestina ou brasileira. Muito foi escrito e falado sobre a história do fumo e da feira livre,
transmitindo-se às vezes mais lendas do que fatos reais.
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Suas origens, como veremos, são muito anteriores à chegada de pioneiro Manoel
André, fundador da cidade, em 1848. Contrariamente ao que sempre se escreveu, a cultura
do fumo foi muito anterior à década de 90 do século XIX ou início do século XX
(MACEDO: 73) que os historiadores apontam como inicial.

Segundo Zezito Guedes,

A cultura do fumo foi iniciada nos últimos anos do século XIX e teve
como pioneiro Francisco Magalhães que, acolhendo sugestões de um
almocreve de Lagardo-SE, chamado Pedro Viera de Melo que
comerciava nas feiras da então vila de Arapiraca, plantou fumo pela
primeira vez onde cuidava de gado no atual bairro de Cacimbas
(GUEDES, 1978: 11).

Em pesquisa recente publicada, o professor Dr Jean Baptiste Nardi comenta estes


desencontros de informações, com as seguintes afirmações:

Até hoje os arapiraquenses discutem essa questão. Alguns dizem que o


pioneiro foi outro. Pessoas de diferentes locais e famílias afirmam que
são descendentes do primeiro plantador de fumo. Isso faz parte da
história oral e das “lendas” que circulam em Arapiraca, contudo, não
podemos descartar a possibilidade de Francisco Magalhães ter
introduzido uma nova técnica de cultivo, tal o uso do esterco de gado
como adubo, e até uma nova variedade de fumo(NARDI;2010.p43).

Voltando para os fatos certos, analisando a literatura disponível, sabemos que o


fumo de Porto Calvo, já no século XVI, era famoso por sua qualidade (NARDI, 1996: 43).
A pesquisa recente do professor da Universidade Federal de Pernambuco - Gustavo Acioli
Lopes sobre o tabaco de Pernambuco na época colonial comprova a existência da cultura
em São Miguel dos Campos/AL, no século XVIII: Esta área se tornou produtora de tabaco
da melhor qualidade da colônia, embora com um volume de produção inferior ao de
Cachoeira no Recôncavo baiano (LOPES, 2008, p. 96).

A comparação não é fortuita. Analisando as informações que Acioli Lopes


comunica sobre a formação desta região, podemos perceber que em Alagoas, como no
Recôncavo baiano, houve uma divisão espacial das atividades. No litoral norte, acima do
rio São Miguel, estabeleceram-se os engenhos de açúcar. O sul, abaixo do mesmo rio até o
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rio São Francisco, foi terra de fornecimento de madeira para a construção naval e,
supostamente, também de lenha para os engenhos.

Mais tarde essa área sulina foi coberta por canaviais. Para os pequenos lavradores,
produtores de gêneros alimentícios, não havia outra opção senão instalarem-se no interior
onde havia terras livres e o solo era mais propício à cultura dos dois principais gêneros: a
mandioca e o fumo. Então quando se fala do “tabaco de São Miguel”, devemos imaginar
que se trata da região situada mais adentro da capitania, isto é, primeiro a área dos campos
cerrados e das capoeiras e, em seguida, do agreste propriamente dito.

É provável que a cultura do fumo viesse a se estender ao território de Anadia,


situada a uns 40 km de São Miguel. O comércio colonial do “tabaco de São Miguel”
dependia de Pernambuco. Como o da Bahia, o melhor era enviado a Portugal e o refugo à
África, servindo de moeda para aquisição de escravos. Depois da Independência, e criada a
Província de Alagoas, fecharam-se as rotas comerciais e os mercados do fumo alagoano.
Acredita-se que as mudanças não impediram que o fumo continuasse a ser cultivado em
Anadia, em quantidades muito reduzidas, e ficando então reservado a um consumo
estritamente local.

Nessas circunstâncias, não é errado pensar que a cultura do fumo já existia nos
arredores de Arapiraca que pertencia à comarca de Anadia quando foi criada em 1848.
Sem precisar o local exato, Thomaz Espíndola atesta que em 1870 a lavoura era
significativa nesta comarca, citando o fumo como produto de destaque ao lado do algodão
e do açúcar, (ESPÍNDOLA, 2001: 61, 175).

Outra informação permite corroborar a hipótese da cultura do fumo em Arapiraca,


que então dependia administrativamente de Limoeiro de Anadia. Este fumo viria a ser
rapidamente famoso, pois, na Exposição Nacional Brasileira de 1875, foram exibidas
amostras de fumo, em rolos, oriundas de Limoeiro, município de Anadia onde se cultivava
aquela solanácea em grande escala (Zaluar, citado por SANTANA, 1970: 111).Sendo
Arapiraca um povoado pertencente a Limoeiro de Anadia, fica difícil imaginar nesse
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contexto que os primeiros arapiraquenses não tenham sido produtores de fumo, como os
outros moradores da região, demonstrando mais dinamismo nessa atividade.

O fumo teria incentivado os moradores das vizinhanças para ir ao pequeno povoado


de Arapiraca. A circulação da moeda era restrita no Brasil do século XIX e vigorava o
sistema de troca. Permutavam-se os rolos por produtos de primeira necessidade ou outros
gêneros. O fumo assim teria provocado os encontros freqüentes e regulares dos habitantes
da região, criando assim a feira livre e conferindo desta forma um papel centralizador a
Arapiraca, além de sua rápida prosperidade.

A hipótese (que provavelmente nunca será confirmada por falta de documentos e


testemunhos) de ser o fumo – e antes da feira livre – o motor da evolução de Arapiraca,
desde o início não contradiz o que fala Zezito Guedes a respeito.

OBJETIVOS

Este trabalho tem como objetivo robustecer as informações já conhecidas sobre o


tema e trazer novas evidencias sobre a chegada da cultura do fumo em Arapiraca. Esse
estudo não pretende preencher as inúmeras lacunas sobre o tema em pauta e não pretende
esgotar as investigações a respeito, porém, contribuir com a formação de um banco de
dados sobre a cultura fumageira, para que futuras gerações possam pesquisar. A
contribuição a cerca de um tema importante para os acadêmicos da UNEAL e de todo
interior do estado de Alagoas, podendo desenvolver trabalhos de conclusão de curso, a
partir do resultado desta pesquisa.

Esse trabalho obviamente é destinado, em primeiro lugar, a quem conhece


Arapiraca e Alagoas. Cabem aos professores das escolas e das faculdades do Estado
utilizá-lo para transmitir os conhecimentos aqui divulgados conforme o nível de seus
alunos (desde que citem as fontes). ). Os outros poderão achar temas para pesquisas de
aprofundamento, discussões teóricas que, sem dúvida, contribuirão a enriquecer a cultura e
a compreensão da realidade alagoana, nordestina ou brasileira.
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METODOLOGIA

Este trabalho foi desenvolvido pelo Núcleo de pesquisas Agrárias - NUPEA da


UNEAL, coordenado pelo professor Moises Calu de Oliveira e acompanhado pelas
professoras Lucia Bezerra Guerra, Jakeline Ribeiro Souza Vieira e Maria Luiza Braz,
todos colaboradores do Núcleo de Pesquisas Agrárias, sendo todos professores da Uneal e
os alunos do Curso de graduação em geografia da UNEAL/Campus I: Alysson Leandro
de Moraes, Francisca Thamires da Silva, Sidney Roberto dos Santos, Eudes Inacio da Silva
e Leandro Antonio de Oliveira.

É uma pesquisa bibliográfica e foi realizada praticamente em gabinete, pois era


necessária uma investigação detalhada de todas as obras já publicadas sobre o assunto.
Leitura e fichamento - assim, foi feita uma garimpagem na Biblioteca do Instituto
Histórico e Geográfico de Alagoas, na Biblioteca do Arquivo Público do Estado de
Alagoas, na Biblioteca Pública do Estado de Alagoas, na Biblioteca particular do Professor
Moacir Medeiros de Sant’Ana, na Biblioteca do prof. Jean Baptiste Nardi, além de
consulta a diversos livros sobre a cultura do fumo, sobre a colonização e sobre a evolução
da agricultura no Brasil. Também foi travado inúmeros debates com o Prof. Dr Jean
Baptiste Nardi, com o prof. Zezito Guedes, com o prof. Rui Palmeira da secretaria Estadual
de Agricultura, sempre buscando organizar as fontes referentes ao fumo em Arapiraca. Foi
feita uma análise, após a leitura de todas estas obras, o que se procedeu ao levantamento
das possibilidades de comprovação da hipótese anteriormente delineada.

Foram realizadas várias visitas e consultas ao Arquivos Público de Pernambuco e


ao arquivo Público da Bahia, o que serviu para se comparar os dados referentes ao
trabalho. Foram realizadas entrevistas com pessoas antigas e de conhecimento reconhecido
sobre a problemática do fumo. A metodologia permitiu mostrar uma evolução histórica
diferente daquele que a história tradicional contou. Arapiraca não nasceu por acaso, nem
pela vontade de tal ou tal pessoa. A chegada de seus fundadores, a sua emergência como
“capital do interior”, provêm de uma lógica histórico-geográfica claramente definida.
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RESULTADOS ESPERADOS

Os dados confirmaram aquela hipótese de que já existia fumo em Alagoas desde o


período colonial lá por volta de 1680 e que muitas pessoas do interior do município já
tinham essa opinião sobre esse tema. Que já existia fumo em Arapiraca bem antes da
última década do século XIX e que alguns dos mais antigos até se identificavam como
sendo descendentes do fundador de Arapiraca e que era parente do pioneiro da cultura do
fumo.

Que os dados como circula em todos os escritos até então publicados no Estado de
Alagoas, são incompletos, o que os tornam inconclusivos. Que o fumo de Arapiraca – leia-
se Limoeiro de Anadia, já fazia sucesso fora do Estado de Alagoas, como se comprova por
documento de uma Exposição Agrícola Nacional que expôs amostras de fumo de rolo
vindo de Limoeiro de Anadia, no ano de 1875, no Rio de Janeiro, e que onde se lê
Limoeiro, leia-se Arapiraca.

O desenrolar desta pesquisa nos trouxe fatos que estavam submersos nos porões do
conhecimento da nossa literatura e que vieram a tona para desmistificar a evolução dessa
cultura e iniciar uma nova era da agricultura alagoana. Que este trabalho seja mais um
veiculo de transmissão e reprodução do conhecimento sobre a cultura do fumo

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A história de uma cidade, uma região e até de um Estado, tais quais Arapiraca, o
Agreste e Alagoas, não se limitam a questões político-administrativas, acrescentadas de
alguns elementos de geografia física, humana ou econômica, de história oral ou cultural,
como a maior parte dos autores fez até agora para o Estado de Alagoas. Estes interagem
para criar a um determinado momento, em determinado lugar, uma situação social e
econômica específica. As variáveis do espaço-tempo devem ser então analisadas levando
em consideração todos esses aspectos. A releitura de obras que pensamos ter sido
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suficientemente exploradas e a análise de outros documentos abrem assim novos caminhos
para a compreensão do mundo em que estamos vivendo.

O contexto geral do povoamento do território, a repartição espacial das atividades


econômicas, a posição central, a cultura do fumo mais antiga do que se pensava, a feira
livre para combater a fome são tantos fatores que contribuíram para que a cidade se
transformasse em segunda área urbana do Estado e um pólo regional, econômico e cultural.
A população arapiraquense apresenta-se como bastante jovem o que corresponde a um
grande potencial de força de trabalho e de capacidade de adaptação, o que é bom para o
desenvolvimento.

O maior desafio que está diante dessas populações, e dos poderes que as
representam, reside numa escolha. Há duas opções. Ou se continua deixar o que sempre
aconteceu no passado, isto é, aumentar os desequilíbrios econômicos, as desigualdades
sociais e o meio ambiente insatisfatório. Ou se tenta desviar o curso da história, sem se
deixar iludir pelos passageiros momentos de graça, para um futuro saudável e sustentável
com um planejamento que integre a opinião e a ação de todas as forças da sociedade.
Neste sentido, espero que esse pequeno trabalho venha a contribuir a trazer as
transformações necessárias.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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COSTA, Craveiro. História das Alagoas. São Paulo: Melhoramentos, 1983.

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LIRA, Fernando José de. Potencialidades e ilusão do desenvolvimento do Estado de


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Açúcar, Ouro e Tráfico de Escravos: Pernambuco (1654-1760). Tese de doutorado em
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MACEDO, Valdemar Oliveira de. Raízes e frutos de Arapiraca. Sl, Sd..

NARDI, Jean Baptiste. Fumo e Desenvolvimento Local em Arapiraca/AL. 2004.


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OLIVEIRA, Moisés Calu de. Reorganização do espaço agrário de Arapiraca no


contexto da fumicultura (1980-1996). Tese de mestrado em geografia NPGEO/UFS.
São Cristóvão/SE, 2004.

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