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NO IDOSO
Introdução
Em média, um terço dos idosos sofre de transtorno de insônia (TI). Segundo estudo
brasileiro com 1.516 idosos, realizado no município de Bambuí, Minas Gerais, a
prevalência de insônia foi de 38,9%, sendo mais comum entre as mulheres (45,3%).1
A literatura tem apresentado, nos últimos 10 anos, inúmeros estudos científicos que
reportam consequências graves dos TIs crônicos quando não tratados. Um estudo
americano, realizado com quase 7.500 mulheres, encontrou um risco 36% maior de
desenvolver declínio cognitivo leve (DCL) ou demência naquelas que dormiam pouco
(6 horas ou menos por noite).2
Idosos insones apresentam maior risco de depressão, ansiedade, hipertensão arterial
sistêmica, diabetes e quedas.3 É grande a sobrecarga de cuidados em pacientes com
demência, levando, em alguns casos, ao uso inapropriado de fármacos por parte dos
cuidadores.4
A insônia pode ser considerada um sintoma ou uma consequência de determinada
doença, como, por exemplo, o transtorno depressivo ou de ansiedade, mas pode também
se apresentar como uma doença propriamente dita, o TI.
Neste capítulo, serão abordados não apenas os TIs, mas também a insônia como
coadjuvante de doenças comumente observadas no idoso, já que a interseção de
síndromes e comorbidades na senescência é o mais habitualmente observado.
Intervenções que objetivam abordar apenas um sinal ou sintoma têm pouca
aplicabilidade na prática geriátrica, podendo levar, inclusive, à cascata iatrogênica.
Qualidade do sono
Não há unanimidade acerca do conceito de boa qualidade do sono. Enquanto
parâmetros objetivos mensurados tanto pela polissonografia como pela actigrafia, a
exemplo do tempo total de sono e da eficiência do sono, são considerados medidas
apropriadas, parâmetros subjetivos, como percepção do sono e despertares noturnos, são
comumente utilizados em estudos e no cotidiano clínico.5,6
Na prática, uma boa e simples anamnese do sono é suficiente para se estimar a
qualidade do sono.
Algumas perguntas simples e rápidas são apresentadas no Quadro 1.
Quadro 1
ANAMNESE DO SONO DO PACIENTE IDOSO
Perguntas importantes
Como está seu sono?
Considera seu sono suficiente?
Qual é o horário em que frequentemente vai para a cama?
Demora mais de 30 minutos ou tem dificuldade para “pegar” no sono?
Acorda muito durante a noite, para urinar, ou tem dificuldade de voltar a
dormir?
Acorda muito cedo, antes da hora que desejava, e considera isso um problema?
Tem pesadelos, gritos ou movimentos anormais durante o sono?
Ronca ou para de respirar durante o sono?
Tem sonolência excessiva ou dorme muito durante o dia?
Fonte: Elaborado pelos autores.
Idosos frequentemente reportam uma má qualidade do sono, muitas vezes devido a
uma má percepção de seu padrão de sono. Um em cada três idosos relata que dorme
1 hora a menos do que medidas actigráficas demonstram, o que evidencia, portanto,
uma má percepção do sono.7
Idosos com demência podem ser erroneamente rotulados como insones por seus
cuidadores.
O uso do diário do sono, um instrumento de avaliação subjetiva da qualidade e do
padrão do sono, não parece ser muito confiável em idosos, visto subestimar o número de
horas dormidas. Assim, é importante que o geriatra consiga abordar, de uma maneira
indireta, se, de fato, há um sono de má qualidade. Uma pergunta sensível refere-se ao
período diurno desse paciente.
A presença de sonolência diurna, prejuízo cognitivo (sobretudo atenção e memória) e
sintomas psiquiátricos, como depressão e/ou ansiedade, aponta para um sono de baixa
qualidade, ao passo que um dia normal pode sugerir um bom sono.8
É importante ressaltar que a ocorrência da noctúria ao longo da noite não
necessariamente compromete a qualidade do sono. Estudo realizado com idosos
saudáveis na Universidade de Brasília mostrou que a noctúria não prejudicou a
qualidade do sono geral dos participantes, talvez por eles terem apresentado grande
pressão de sono, ou seja, terem acumulado um longo período de vigília durante o dia,
não comprometendo, portanto, a qualidade do sono noturno com tais despertares
fisiológicos.9
É muito importante ter uma boa qualidade do sono, mesmo que seja às custas de
tratamento farmacológico. Estudos recentes têm apontado que a intervenção
farmacológica em indivíduos insones pode melhorar a saúde mental e física.
Tratamento farmacológico
O tratamento farmacológico da insônia no idoso exige alguns cuidados.
Deve-se ponderar o risco/benefício ao prescrever um medicamento principalmente para
o idoso com alguma síndrome geriátrica ou polifarmácia em razão da maior propensão a
efeitos adversos e interações medicamentosas.
A escolha do fármaco ideal envolve as seguintes considerações:
padrão dos sintomas — dificuldade no início ou na manutenção do sono;
presença de despertares noturnos;
presença de comorbidades, como depressão ou SAOS;
preferência do paciente, sobretudo acerca de respostas a tratamentos anteriores e
possíveis efeitos adversos prévios;
interação medicamentosa e contraindicações de alguns fármacos, principalmente
antidepressivos e benzodiazepínicos;
custo e disponibilidade do medicamento no serviço público.
Além das observações apresentadas, o médico deve prescrever o fármaco na menor
dose disponível para alívio de sintomas em curto prazo, enquanto busca auxílio dos
tratamentos não farmacológicos, que garantem melhores resultados em longo prazo.27
Outro aspecto importante no tratamento da insônia é saber se ela está associada a
alguma outra comorbidade. Várias comorbidades no idoso podem apresentar-se com
sintoma de insônia, sobretudo a ansiedade, a depressão ou a dor crônica.28
Se a insônia for associada a uma enfermidade específica, é crucial que a doença de base
seja adequadamente tratada.28
No caso do TI não associado a comorbidades, a Academia Americana de Medicina do
Sono emitiu algumas recomendações acerca do tratamento farmacológico em adultos:28
zaleplon, ramelteona (fármaco agonista de receptores melatoninérgicos
recentemente aprovado no Brasil), zolpidem de liberação rápida para insônia
inicial;
suvorexant ou doxepina em baixa dose para insônia intermediária (esses
fármacos não estão disponíveis ainda no Brasil);
eszopiclona e zolpidem de liberação prolongada para insônia inicial e
intermediária.
Se a insônia for associada a depressão ou ansiedade, podem-se indicar antidepressivos
sedativos, como a trazodona, a agomelatina ou a mirtazapina. Antipsicóticos, como a
quetiapina ou a olanzapina, podem ser úteis em indivíduos com insônia associada a
transtorno bipolar ou ansiedade grave. Similarmente, o tratamento da dor crônica
associada à insônia pode se beneficiar de medicamentos como gabapentina ou
pregabalina.28
Em particular, na população idosa, recomenda-se que os benzodiazepínicos não sejam
prescritos de rotina, devendo ser evitados.29,30
Em situações de despertares noturnos, baixas doses de zolpidem sublingual e zaleplon
podem ser utilizadas. A zopiclona, apesar de apresentar meia-vida maior do que a do
zolpidem, só tem efeito se usada para insônias iniciais.29,30
A trazodona, um antidepressivo utilizado off-label para insônia, melhora a qualidade e
a continuidade do sono.29,30 A melatonina, apesar de evidências conflitantes de seu
benefício na insônia, pode melhorar ligeiramente o início e a duração do sono.27
A Tabela 1 apresenta os medicamentos utilizados para tratamento da insônia.
Tabela 1
FÁRMACOS DISPONÍVEIS NO BRASIL PARA O TRATAMENTO DA INSÔNIA
Dose no
Fármaco Tmáx/T1/2 Advertência e efeitos adversos
idoso
Fármacos Z
Eszopiclona 1–2mg 1 hora/9 horas Aumento do risco de quedas, fratura e delirium.
1,5 a 2 horas/5
Zopiclona 7,5mg Aumento do risco de quedas, fratura e delirium.
horas
1,6 hora/2,5
horas
1,4 hora/2,7
Zolpidem 5–10mg Aumento do risco de quedas, fratura e delirium.
horas
1,5 hora/2,8
horas
Antidepressivos sedativos
25– 0,5 a 1 hora/5
Trazodona Hipotensão ortostática, tontura e priapismo.
100mg a 9 horas
7,5– 2 horas/20
Mirtazapina Hiponatremia e aumento do apetite.
30mg horas
Antipsicóticos atípicos
Sintomas extrapiramidais e ganho de peso. Risco
1,5 hora/7–12
Quetiapina 25mg de AVC, declínio cognitivo e mortalidade em
horas
indivíduos com demência.
Sintomas extrapiramidais, ganho de peso,
5–8 horas/33 hiperglicemia e aumento do colesterol. Risco de
Olanzapina 2,5–5mg
horas AVC, declínio cognitivo e mortalidade em
indivíduos com demência.
Agonista de melatonina
0,5 a 1,5
Ramelteona 8mg hora/1–2,6 Tontura, náusea e fadiga.
horas
Tmáx: tempo até atingir a concentração máxima; T1/2: tempo de meia-vida de
eliminação; AVC: acidente vascular cerebral.
Fonte: Adaptado de Sateia e colaboradores (2017);28 Oliveira e colaboradores (2016).31
Além dos fármacos citados na Tabela 1, alguns outros agentes usados para induzir o
sono em idosos merecem comentários.
Apesar de considerados inapropriados para idosos, alguns antidepressivos da classe dos
tricíclicos, como amitriptilina, nortriptilina e imipramina, podem ser utilizados em
idosos com sintomas de insônia associada a fibromialgia ou depressão, com bastante
cautela, em razão de seus efeitos anticolinérgicos importantes.31
Caso clínico
H.M., de 75 anos, sexo feminino, comparece para consulta de rotina. Apresenta
hipertensão, compensada com losartana 50mg e hidroclorotiazida 12,5mg, e resistência
à insulina, compensada com metformina 2g ao dia.
Na revisão de sistemas, a paciente queixa-se de insônia e diz que usou um remédio da
vizinha (clonazepam), cuja prescrição ela solicita. Relata cochilos após o almoço (1
hora) e durante o início da noite, frente à televisão.
H.M. vai para a cama às 20h, demora cerca de 20 minutos para dormir, desperta às 2h
da manhã para ir ao banheiro e apresenta dificuldade para retomar o sono, em uma
sequência de “dorme–acorda” até às 6h da manhã. Essa situação tem ocorrido com
frequência de 3 a 5 vezes por semana nos últimos 30 dias e tem atrapalhado atividades
do cotidiano, inclusive com queixas relativas a memória e atenção.
A paciente nega pesadelos ou movimentos anormais dos membros. Ronca pouco e é
sedentária.
12. Sobre o diagnóstico da paciente do caso clínico, com base nos critérios do DSM-V,
assinale a alternativa correta.
A) Trata-se de um TI, que requer a introdução da medicação solicitada pela paciente
(clonazepam).
B) Trata-se de um TI, cujo tratamento é baseado no uso de melatonina ou agonista
melatoninérgico.
C) Não se trata de TI, mas o uso de uma medicação pode e deve ser feito no momento.
D) Trata-se de uma queixa subjetiva de insônia, cujo tratamento no momento é
comportamental, com higiene do sono e substituição/suspensão do diurético.
Confira aqui a resposta
Conclusão
A insônia é muito comum em idosos. Investigar o padrão de sono do idoso e sua
qualidade é parte importante da consulta médica. Deve-se ficar atento à má percepção
do sono em idosos e, se confirmada a insônia, tentar identificar fatores desencadeantes e
agravantes para que sejam devidamente tratados.
A primeira linha de intervenção para insônia em idosos é a abordagem não
farmacológica, baseada em mudanças de hábitos, higiene do sono e TCC-I em casos
específicos.
É importante que o idoso saiba que o tratamento não farmacológico é eficaz e mais
duradouro. Na necessidade do uso de um fármaco, deve-se dar preferência aos fármacos
Z, como o zolpidem, por exemplo, realçando a importância do uso por curto período.
Fármacos como antidepressivos e antipsicóticos podem ser usados em situações
específicas, como insônia associada à depressão e nos transtornos psicóticos. Deve-se
evitar o uso de benzodiazepínicos e nunca usar anti-histamínicos para induzir o sono no
idoso.
A insônia não deve ser ignorada, sobretudo no indivíduo idoso. Seu tratamento melhora
substancialmente a qualidade de vida e reduz sobremaneira o risco de outras doenças,
como demência e depressão, frequentemente observadas na geriatria.