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ANTIDEPRESSIVOS EM CONDIÇÕES NÃO

PSIQUIÁTRICAS
ESTEVÃO ALVES VALLE
BÁRBARA BARROSO QUINET
DANIELA MENDES OLIVEIRA

Objetivos
Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de
 identificar as condições não psiquiátricas que se beneficiam do uso de
antidepressivos;
 selecionar antidepressivos adequados para condições não psiquiátricas;
 manejar o tratamento com antidepressivos em diversas condições clínicas.

Esquema conceitual
Introdução
A literatura aponta que medicações antidepressivas vêm sendo cada vez mais prescritas
para condições não psiquiátricas, com proporções que variam de 25 a 60% das
indicações.1 Muitas dessas indicações são baseadas mais na opinião dos prescritores do
que propriamente em evidências científicas.2
Este capítulo revê os benefícios e as limitações do emprego de antidepressivos em
quadros dolorosos, condições uroginecológicas, condições gastrintestinais, na
dependência de substâncias e em sintomas inespecíficos.

Antidepressivos
Os antidepressivos são medicamentos altamente consumidos em países industrializados
(Figura 1). Nos Estados Unidos, constituem a terceira classe de medicação mais
prescrita, utilizada por cerca de 13% dos norte-americanos acima de 12 anos.3
FIGURA 1: Consumo de antidepressivos por mil habitantes, em países da Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em 2000 e 2015 (ou no ano
mais próximo). // Fonte: Adaptada de Organisation for Economic Co-operation and
Development (2017).4
A principal indicação dos antidepressivos são, certamente, as condições psiquiátricas,
sobretudo os transtornos depressivos e de ansiedade, mas, ainda assim, há preocupação
com o excesso em sua prescrição.
O Quadro 1 apresenta as condições clínicas para as quais os antidepressivos costumam
ser indicados.
Quadro 1
CONDIÇÕES CLÍNICAS PARA AS QUAIS O USO DE ANTIDEPRESSIVOS É
MAIS COMUMENTE INDICADO
 Dor neuropática
 Dor relacionada ao diabetes
 Dor relacionada ao HIV
 Neuralgia do trigêmeo
 Dor pós-herpética
 Dor do membro fantasma
Quadros dolorosos  Fibromialgia
 Dor ciática
 Cefaleia tensional
 Enxaqueca
 Lombalgia inespecífica
 Dor central
 Queimação lingual
 Síndrome da dor na bexiga (cistite
intersticial)
Condições uroginecológicas  Fogachos
 Incontinência urinária
 Ejaculação precoce
 Síndrome do intestino irritável
Condições gastrintestinais  Dispepsia funcional
 Cessação do tabagismo
Dependência de substâncias  Alcoolismo
 Insônia
 Prurido
Condições gerais, não específicas  Síndrome de fadiga crônica
 Fadiga relacionada ao câncer
 Emagrecimento
// Fonte: Elaborado pelos autores.
Este capítulo busca apresentar quais antidepressivos têm benefício comprovado e em
quais condições clínicas eles podem ser adequadamente empregados.
Breve histórico
Até a década de 1930, não havia medicações específicas para transtornos mentais.
Kraepelin, por exemplo, recomendava o uso de tintura de ópio para a depressão. As
descobertas de medicações com eficácia na esquizofrenia, no entanto, mudaram essa
realidade.5
Logo após a Segunda Guerra Mundial, farmacologistas sintetizaram substâncias com
propriedades anti-histamínicas e sedativas. A primeira delas foi a clorpromazina, por
meio da adição de um radical de cloro à prometazina.5
Em 1957, durante um encontro da World Psychiatric Association, Roland Kuhn
publicou o primeiro caso de resposta antidepressiva de um anti-histamínico fraco com
propriedades anticolinérgicas leves, cuja estrutura era similar à da clorpromazina.
Tratava-se do primeiro antidepressivo tricíclico descoberto, a imipramina, que
começou a ser utilizada na Suíça alguns anos mais tarde.5
A Figura 2 traça uma linha do tempo com as principais medicações antidepressivas que
foram sendo sucessivamente liberadas no mercado.
FIGURA 2: Linha do tempo da liberação de medicações antidepressivas para uso
clínico. // Fonte: Elaborada pelos autores.
Farmacologia básica
A farmacodinâmica dos antidepressivos é razoavelmente bem conhecida. Entretanto, há
uma evidente lacuna entre o que se sabe das ações farmacológicas desses medicamentos
e a compreensão última de como essas ações resultam em melhora clínica, seja na
depressão, seja em outras condições não psiquiátricas.

No sistema nervoso central, os antidepressivos atuam nos sistemas serotoninérgico e/ou


noradrenérgico. Alguns ainda atuam no sistema dopaminérgico. Essas ações se devem
principalmente à inibição da recaptação de monoaminas, com aumento de sua
disponibilidade na fenda sináptica, e/ou ação agonista ou antagonista nos receptores
desses sistemas.1
O efeito imediato dos antidepressivos é favorecer a neurotransmissão. Entretanto, o
efeito clínico é, na maioria das situações, gradual, levando de 2 a 3 semanas para ser
percebido. Isso leva a crer que eventos neuronais posteriores relevantes, como a
modulação de proteínas G, de sistemas mensageiros secundários e de expressão gênica,
estejam envolvidos. Existe, ainda, a hipótese de que os antidepressivos atuem
diminuindo os níveis de citocinas pró-inflamatórias, como:1
 TNF52;
 interleucinas (ILs):
o IL-6;
o IL-1β;
o IL-10.
A classificação atual dos antidepressivos segue critérios heterogêneos, sendo resultante
de elementos da estrutura química (por exemplo, tricíclico), da ação farmacológica (por
exemplo, serotonérgico) e da ação molecular (por exemplo, inibição da recaptação). A
classificação está detalhada no Quadro 2.
Quadro 2
TIPOS DE ANTIDEPRESSIVOS
Classe e mecanismo de ação Substâncias
Inibidores seletivos da recaptação de serotonina  Citalopram
 Escitalopram
 Fluvoxamina
 Fluoxetina
 Paroxetina
 Sertralina
Inibidores seletivos da recaptação de serotonina e moduladores  Vortioxetina
serotonérgicos
Inibidores seletivos da recaptação de noradrenalina e dopamina  Bupropiona
 Duloxetina
Inibidores seletivos da recaptação de serotonina e  Desvenlafaxina
noradrenalina  Venlafaxina
 Milnaciprano
Inibidor da recaptação de serotonina 2/antagonista do receptor  Trazodona
noradrenérgico α2  Vilazodona
Antagonistas de receptores noradrenérgicos α2 e  Mirtazapina
serotonérgicos 5-HT1 e 5-HT2
 Amitriptilina
 Clomipramina
Cíclicos não seletivos (tricíclicos)  Imipramina
 Nortriptilina
 Doxepina
Cíclicos não seletivos (tetracíclicos)  Maprotilina
 Moclobemida
Inibidores da monoaminoxidase  Tranilcipromina
 Selegilina
Agonistas melatoninérgicos M1 e M2/antagonistas dos  Agomelatina
receptores 5-HT2C
// Fonte: Elaborado pelos autores.
A ação dos antidepressivos no sistema nervoso periférico será detalhada nas seções a
seguir.
Reposicionamento de fármacos e uso off-label
A estratégia de reposicionamento ou repropósito de medicamentos antigos faz sentido
porque desenvolver novos medicamentos é difícil, caro e demorado.6,7 Isso é mais
evidente nas seguintes situações:6,7
 demanda por soluções mais rápidas;
 aumento do impacto por cadeias de produção e distribuição já consolidadas;
 desejo de ganho de efetividade no tratamento diante das opções vigentes;
 necessidade de aumento da agilidade no processo científico e da compreensão de
fenômenos clínicos.
Esses são alguns dos motivos pelos quais antidepressivos são empregados em tantas
condições não psiquiátricas.6,7
Uma vez que o processo de geração de evidências científicas muitas vezes é mais
acelerado do que o processo regulatório, não é incomum que muitas das indicações de
antidepressivos para condições clínicas diversas ainda não constem em bula. Trata-se da
chamada indicação off-label, medida facultada ao médico e bastante frequente na
prática clínica.
Um estudo ambulatorial encontrou que uma de cada cinco prescrições é caracterizada
como off-label, podendo chegar à prevalência de 40% em adultos.6,7
O uso off-label só será justificado quando houver estudos comparativos mostrando uma
vantagem em eficácia e segurança ou custo-efetividade sobre as alternativas
existentes.6,7
Uso em quadros dolorosos
A dor é uma experiência sensorial e emocional desagradável, associada a dano atual
ou potencial ao corpo, o que reforça sua dimensão subjetiva e intrinsecamente
conectada com os circuitos neuronais somatossensoriais.
A dor crônica está frequentemente relacionada a algum transtorno de humor e vice-
versa. Antidepressivos suprimem a dor por mecanismos diversos, que vão além de sua
atuação no humor. Seu efeito analgésico decorre, na maioria dos casos, da ativação das
vias inibitórias descendentes noradrenérgicas e serotoninérgicas e da atuação direta no
locus coeruleus.8

O locus coeruleus é um grupamento de células nervosas localizado no tronco cerebral


posterior, próximo ao quarto ventrículo, tendo a maior concentração de noradrenalina
no encéfalo e atuando nas atividades de sono, na vigília, na cognição, no aprendizado e
no estresse.8
A inibição dos canais de sódio, a inibição de receptores N-metil-D-aspartato (NMDA) e
a redução da produção de prostaglandina E2 (PGE2) também parecem estar envolvidos
no controle de dor. Na medula espinal, a inibição da recaptação de noradrenalina
aumenta o efeito analgésico por bloquear receptores α2-adrenérgicos no corno posterior,
daí o resultado mais significativo na dor neuropática do que na dor nociceptiva.8
Apesar de serem mecanismos independentes, estudos apontam para uma maior eficácia
dos antidepressivos no controle da dor crônica naqueles pacientes que possuem
sintomas de humor associados. Nesses casos, é possível observar que o efeito
analgésico ocorre antes do efeito antidepressivo, que pode levar até quatro semanas.

A despeito da discreta superioridade nos pacientes deprimidos, estudos demonstram


uma boa resposta dos antidepressivos para o controle álgico em pacientes sem qualquer
sintoma relacionado ao humor.9
O Quadro 3 relaciona os tipos de dor, os antidepressivos estudados e as evidências de
efetividade desses medicamentos.
Quadro 3
ANTIDEPRESSIVOS E SUA EFETIVIDADE EM TIPOS ESPECÍFICOS DE DOR
Nível de
Tipo de dor Medicações estudadas evidências de
efetividade
 Venlafaxina (150–225mg/dia)
 Duloxetina (60–120mg/dia —
Dor neuropática primeira linha no diabetes)
 Nortriptilina/amitriptilina (25–
+++
(incluindo diabetes)
150mg/dia)
 ISRSs não são recomendados
 Nortriptilina/amitriptilina (25–
Enxaqueca/cefaleia 150mg/dia)
Venlafaxina (75–150mg/dia) +++
tensional 
 ISRSs não são recomendados
 Duloxetina (60–120mg/dia)
 Milnaciprano (50–100mg/dia)
Fibromialgia  Nortriptilina/amitriptilina (25– +++
75mg/dia)
 ISRSs não são recomendados
Neuralgia pós-herpética  Antidepressivos não são +
recomendados na ausência de
depressão
 Nortriptilina/amitriptilina (25–
Neuralgia do trigêmeo 150mg/dia) +
 Venlafaxina (75–150mg/dia)
 Nortriptilina/amitriptilina (25–
150mg/dia)
Dor central  Venlafaxina (150–225mg/dia) +/−
 Duloxetina (60–120mg/dia)
Lombalgia com ou sem  Antidepressivos podem ser
considerados +/−
dor ciática
 Antidepressivos podem ser
Osteoartrite considerados +/−
 Antidepressivos podem ser
Ardor lingual considerados +/−
 Antidepressivos não são
Dor neuropática do HIV recomendados na ausência de +/−
depressão
 Antidepressivos não são
Dor do membro recomendados na ausência de +/−
fantasma depressão
ISRSs: inibidores seletivos da recaptação de serotonina; +++: resultados de metanálise
e/ou ensaios clínicos de alta qualidade; +/−: estudos de baixa qualidade ou ausentes. //
Fonte: Adaptado de Obata (2017).8
Os antidepressivos tricíclicos têm eficácia bem estabelecida para o controle da dor
neuropática crônica, tanto na polineuropatia periférica quanto no diabetes. Constituem a
primeira linha de tratamento na cefaleia crônica. Apesar de a amitriptilina ter seu efeito
analgésico mais bem documentado, os outros representantes da classe, como a
nortriptilina, têm menor efeito sedativo e anticolinérgico, sendo, portanto, mais bem
tolerados.9

O início da terapia com antidepressivos tricíclicos requer uma avaliação cardiológica


criteriosa, com eletrocardiograma (ECG), além da titulação gradativa com início em
baixas doses, principalmente considerando a população idosa.9
Nas pessoas idosas, é importante atentar para os efeitos adversos dos antidepressivos
tricíclicos, como:
 arritmia;
 constipação;
 boca seca;
 hipotensão postural;
 quedas;
 piora da cognição.
Os inibidores da recaptação de serotonina e noradrenalina (IRSNs) têm sido
extensamente estudados para o controle álgico, com resultados semelhantes aos dos
antidepressivos tricíclicos, porém com melhor tolerabilidade. Para o controle da
fibromialgia, estudos mostraram redução não só da dor, mas também de outros sintomas
da doença, como fadiga e insônia. Não existem evidências bem estabelecidas do uso dos
IRSNs na lombalgia inespecífica.4

A duloxetina tem sido estudada para o tratamento das osteoartrites, principalmente de


joelhos. Estudos preliminares mostram sua eficácia na redução da dor e na melhora da
função articular com doses de 20 a 120mg. Entretanto, faltam seguimentos de longo
prazo e o estabelecimento da dose mais adequada.9,10
Os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs), apesar de serem mais bem
tolerados, têm efeito muito inferior ao dos antidepressivos tricíclicos no controle de dor.
Mais estudos são necessários para determinar seu papel no tratamento.9,10
Uso em condições uroginecológicas
A seguir, será abordado o uso de antidepressivos em algumas condições
uroginecológicas.
Síndrome da dor na bexiga (cistite intersticial)
A síndrome da dor na bexiga (SDB) é definida como dor suprapúbica persistente
relacionada ao enchimento da bexiga, muitas vezes associada a aumento da frequência e
urgência urinária.11
O desconforto relacionado à SDB pode se estender a toda a pelve, abdome inferior ou
dorso. Historicamente, essa condição tem sido chamada de cistite intersticial, mas não
há evidências nem de processo inflamatório nem de anormalidades do interstício vesical
que justifiquem o nome.11
A SDB é uma condição pouco compreendida que causa grande desconforto e piora na
qualidade de vida. É comum sua sobreposição com fibromialgia, síndrome da fadiga
crônica e síndrome do intestino irritável (SII).11 Ela pode ser devida a componentes
genéticos, alterações da expressão de proteínas da superfície urotelial e, possivelmente,
sensibilização central e ativação neuronal excessiva na bexiga.

É importante que sejam descartadas, pelo exame clínico e do sedimento urinário, as


causas mais comuns para os sintomas da SDB. Muitas vezes, a cistoscopia pode ser
indicada.
Além do tratamento não farmacológico da SDB, que inclui educação para o caráter
crônico da condição e modificação de hábitos de vida, a amitriptilina é a medicação de
escolha, em doses que variam de 10 a 75mg/dia, com resposta em cerca de 30 dias. A
duloxetina pode ser uma opção, sobretudo na coexistência com a fibromialgia, mas
ainda é pouco estudada na SDB.
Fogachos
Os fogachos ou ondas de calor são sintomas comuns na menopausa, experimentados
por mais de 50% das mulheres nessa fase.12 Podem ter duração de vários anos, com
potencial prejuízo à qualidade de vida das pacientes. Para aquelas mulheres com
contraindicação à estrogenoterapia, antidepressivos são considerados uma opção eficaz.
Estudos mostram efeito leve a moderado da venlafaxina (dose igual ou superior a 75mg)
e da desvenlafaxina (50 ou 100mg/dia) no controle de fogachos.12,13 Dos ISRSs, o
citalopram é uma alternativa (10 a 20mg/dia)13 e tem perfil mais favorável com relação
a efeitos colaterais, assim como a paroxetina (10 a 20mg). O emprego da fluoxetina
ainda carece de comprovação.12,13

Tanto a paroxetina quanto a fluoxetina inibem a CYP2D6 e não devem ser usadas em
associação ao tamoxifeno.12–14
Incontinência urinária
A perda involuntária de urina é uma condição comum, sobretudo nas pessoas idosas, e
causa impacto significativo na qualidade de vida. Os principais tipos de incontinência
urinária são:
 de urgência (quando há um desejo intenso de urinar que antecede a perda);
 de estresse (quando ocorre durante o esforço, na tosse ou no espirro);
 de transbordamento (quando não há percepção da perda, geralmente por
fraqueza do detrusor ou obstrução da bexiga).
Há também tipos mistos de incontinência urinária.
A duloxetina (80mg/dia) foi bem estudada como segunda linha na incontinência de
esforço ou mista na mulher. Ela é capaz de reduzir episódios de perda e melhorar a
qualidade de vida quando comparada com placebo. A medicação age sob o nervo
pudendo e aumenta a contratilidade do esfincter uretral. Há, no entanto, preocupação
quanto à ocorrência de eventos adversos, como boca seca, constipação, agitação e
insônia, o que frequentemente leva à descontinuação do tratamento.11,15

Não há benefício da duloxetina na incontinência de urgência, e há poucas evidências de


que esse medicamento poderia ser utilizado na incontinência mista.16
O uso da duloxetina no tratamento da incontinência urinária já foi aprovado na Europa,
o que ainda não aconteceu no Brasil (pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária
[Anvisa]) nem nos Estados Unidos (pela Food and Drug Administration [FDA]).
Portanto, seu uso para tal fim segue off-label no Brasil.
Antidepressivos tricíclicos, como a imipramina (10 a 45mg), são medicamentos
tradicionalmente usados na enurese noturna em crianças e adultos e também têm
potencial na abordagem da incontinência de esforço. Acredita-se que a redução da
incontinência se deva ao aumento da resistência da uretra.
Um estudo demonstrou uma taxa de cura de 35% entre as mulheres que receberam
25mg de imipramina por via oral, três vezes por dia, durante três meses. O sucesso foi
correlacionado com uma maior pressão de fechamento uretral.11
A imipramina é mais raramente empregada em razão dos riscos cardiológicos e dos
frequentes efeitos colaterais anticolinérgicos.11
Disfunções sexuais
Os antidepressivos apresentam a complexa propriedade de tratar algumas disfunções
sexuais e provocar outras. Os quadros depressivos podem promover disfunções sexuais
por si só, contribuindo para isso dificuldades nas relações interpessoais e sociais.
Enquanto a dopamina melhora a função sexual, a serotonina inibe o desejo, a
ejaculação e o orgasmo. Dessa forma, entende-se o motivo pelo qual os ISRSs podem
ser importantes causadores de disfunção sexual. Em razão da alta incidência de
disfunções sexuais provocada por esses fármacos, eles estão sendo utilizados em
pacientes com ejaculação precoce, parafilias e excesso de libido.17

A ejaculação precoce é a disfunção sexual mais frequente no homem. Seu manejo deve
levar em conta se a condição é crônica, situacional ou ocorre em associação a outros
problemas sexuais, como a disfunção erétil.18
O uso de ISRSs, em conjugação com a utilização de anestésicos tópicos e o suporte
psicoterápico, é considerado a primeira linha de tratamento da ejaculação precoce. A
paroxetina (10 a 40mg), o escitalopram (10 a 20mg), o citalopram (20 a 40mg) e a
sertralina (50 a 200mg) são as medicações mais comumente empregadas.18
A dapoxetina (30 a 60mg/dia) é um ISRS de uso exclusivo para essa indicação e pode
ser usado sob demanda, algumas horas antes da relação sexual, mas ainda não é
comercializado no Brasil.18

O emprego de antidepressivos na disfunção erétil deve ser cuidadoso, pois pode trazer
mais incômodo do que benefícios.18
Há grande controvérsia sobre o impacto do uso de antidepressivos na função sexual.
Primeiro, é importante levar em consideração que os transtornos do humor, por si só,
já interferem na libido, na excitação e no orgasmo. Sem tratar esses transtornos
adequadamente, não há bom desempenho sexual.
A frequência de eventos adversos no sexo em quem usa antidepressivos varia conforme
o tipo e a dose do medicamento e até com fatores genéticos do paciente. Os ISRSs são
os mais frequentemente implicados, mas todas as classes podem interferir na função
sexual.

Diante de pacientes em uso de antidepressivos cujo quadro evolui para disfunções


sexuais, é importante acompanhar o caso durante algumas semanas, pois o problema
pode ser evanescente. Reduzir a dose ou substituir a medicação é o segundo passo. A
bupropiona, a mirtazapina e a agomelatina podem ser opções, bem como a associação
de antidepressivos com inibidores de fosfodiesterase tipo 5.
Uso em condições gastrintestinais
O uso de antidepressivos na gastrenterologia tem sido amplamente discutido,
estabelecendo uma nova disciplina na comunidade científica, a
neurogastrenterologia.1,2
A neurogastrenterologia é a disciplina responsável pelo estudo da desregulação cérebro-
gastrintestinal (DCGI) como causa de muitas alterações gastrintestinais crônicas.1,19
As condições envolvidas na DCGI são descritas como dismotilidade, hipersensibilidade
visceral e alteração da integridade da mucosa, da imunidade e da microbiota, causando
sintomas gastrintestinais.1,19
No acompanhamento de pacientes com transtornos psiquiátricos sem DCGI, é
comum observar a tendência ao desenvolvimento de sintomas gastrintestinais ao longo
do tempo, enquanto aqueles com diagnóstico de DCGI, mas sem ansiedade ou
depressão, têm maior probabilidade de relatar sintomas de doença mental no futuro.1,19
No trato digestivo, antidepressivos agem regulando a serotonina, a noradrenalina e o
fator de liberação de corticotropina, que atuam na motilidade e na sensibilidade
intestinal. Tomados em conjunto com o conhecimento básico sobre as vias sensoriais
viscerais, os moduladores centrais podem ser adaptados para uso nas DCGIs, com
efeito analgésico ao reduzir os sinais aferentes do intestino e, assim, regular
negativamente os sinais viscerais recebidos.1,2
Dispepsia funcional
A dispepsia funcional (DF) é uma condição caracterizada por sintomas gastrintestinais
superiores, como plenitude pós-prandial, saciedade precoce, dor ou queimação
epigástrica, sensação de inchaço do abdome superior, náusea e vômito, sem alterações
em exames laboratoriais ou de imagem.20
A prevalência da DF é estimada acima de 25% da população adulta nos países
ocidentais. Ao contrário da SII, ela é levemente mais frequente no homem do que na
mulher.21
Estudos têm demonstrado uma maior eficácia da terapia com tricíclicos na DF e
ausência de benefício com ISRSs. A mirtazapina (15 a 30mg/dia) também apresenta um
efeito significativo na melhoria do escore de gravidade dos sintomas, com uma
tendência ao alívio de alguns sintomas individuais, como saciedade precoce e náusea,
mas não dor epigástrica.20,22
Um subgrupo não avaliado nos estudos supracitados é o daqueles com sintomas de
ansiedade coexistentes. Os transtornos de ansiedade são comuns em pacientes com DF
e estão associados a acomodação gástrica prejudicada. Portanto, é possível que a
mirtazapina seja particularmente eficaz nesse subgrupo de pacientes.22
Síndrome do intestino irritável e diarreia funcional

A SII é uma condição devida a uma alteração da motilidade do tubo digestivo e se


caracteriza clinicamente por anormalidades do hábito intestinal (constipação e/ou
diarreia) com dor abdominal, sem qualquer evidência de lesão estrutural.19,23
As pessoas com SII têm um limiar menor para a dor proveniente da distensão
abdominal, ou seja, menores volumes de gases ou fezes dentro do intestino são capazes
de gerar uma sensação de dor.19,23 Mínimas distensões intestinais geram sintomas
dispépticos nesses pacientes, com eructações e flatulência frequentes e abundantes.
Sintomas de queimação epigástrica e/ou retroesternal, náusea e vômitos são relatados
por 50% deles.23
A hipermotilidade colônica em pacientes com SII pode ser desencadeada por situações
conflitantes, de tensão e ansiedade, após alimentação (geralmente, de 30 a 50 minutos
depois), distensão retossigmoidiana e liberação de colecistocinina. Tais achados
justificariam os frequentes sintomas pós-prandiais (reflexo gastrocólico exacerbado).
Diarreia funcional é o transtorno caracterizado por diarreia recorrente inexplicável por
anormalidades estruturais ou bioquímicas e, diferentemente da SII, não cursa com dor.
Os antidepressivos tricíclicos (doxepina 75mg, desipramina 50 a 150mg, imipramina
75mg) e os ISRSs (citalopram 20 a 40mg, paroxetina 12,5 a 50mg, fluoxetina 20mg)
são eficazes no alívio de sintomas da SII quando comparados a placebo, com número
necessário para tratar (NNT) em torno de 5.19 Os tricíclicos também podem ser
utilizados como a primeira linha de tratamento na diarreia funcional, dado seu efeito
anticolinérgico.
Uso no tratamento da dependência de substâncias
A bupropiona, a nicotina transdérmica e a vareniclina (agonista parcial dos receptores
nicotínicos da acetilcolina) são consideradas a primeira linha de tratamento para a
cessação do tabagismo. Apesar de algumas evidências mostrarem uma eficácia
ligeiramente menor da bupropiona em comparação às outras duas medicações, ela
costuma ser a melhor opção nas seguintes situações:24,25
 presença de sintomas de humor associados ao tabagismo;
 custo como fator limitante;
 preocupação com sobrepeso.

A dose efetiva da bupropiona varia de 150 a 300mg/dia. O tratamento deve durar pelo
menos 12 semanas.24,25
A bupropiona é um fármaco seguro para pacientes com doença pulmonar obstrutiva
crônica (DPOC) e doença cardiovascular estáveis. Os efeitos colaterais comumente
relatados são xerostomia, insônia e cefaleia.26
Por reduzir o limiar convulsivo, a bupropiona é contraindicada para pacientes com
passado de epilepsia.26
Além dos medicamentos supracitados, outro antidepressivo indicado para o tratamento
do tabagismo é a nortriptilina, com eficácia moderada. É uma alternativa para os
pacientes com contraindicação à bupropiona.27

Estudos mostraram bons resultados da nortriptilina na dose de 75mg, em combinação


com a nicotina transdérmica.27
Para transtornos relacionados ao uso de álcool e outras drogas, os antidepressivos
são comumente indicados para pacientes com diagnóstico de abuso de substâncias, na
expectativa de atuarem sobre as doenças psiquiátricas de base. O alcoolismo e os
transtornos depressivos, por exemplo, são condições psiquiátricas muito prevalentes e
têm uma relação estreita. O tratamento do transtorno depressivo no paciente alcoolista é
sempre um desafio.28,29
Uma metanálise de 24 estudos controlados evidenciou que o uso de antidepressivos
aumentou a abstinência, ao menos durante os períodos dos estudos. O efeito parece ser
pequeno, mas válido na prática clínica.28,29
O emprego de antidepressivos para aumentar a abstinência de pacientes com
dependência de drogas, com ou sem depressão, ainda requer evidências mais
robustas.28,29
Uso em condições gerais e inespecíficas
A seguir, será abordado o uso de antidepressivos em condições gerais e inespecíficas.
Insônia
As principais diretrizes sobre distúrbios do sono indicam o uso de antidepressivos como
uma das opções de tratamento nos casos de insônia crônica, ou seja, aquela com
impacto na qualidade de vida e cuja causa não pode ser atribuída a comorbidades ou uso
de substâncias/medicamentos.30,31
Os antidepressivos com efeito no sono são, geralmente, representados pelos tricíclicos
trazodona, mirtazapina e agomelatina. Em algumas situações, pode haver indicação
de uso prolongado desses medicamentos, como:30,31
 recidiva após a suspensão do fármaco;
 falta de resposta;
 dificuldade de acesso a outras terapias.
Apesar do uso frequente para este fim, estudos randomizados e controlados com
antidepressivos para o tratamento da insônia ainda são escassos e, em sua maioria,
demonstram inferioridade dessa classe em relação aos hipnóticos benzodiazepínicos e às
medicações do grupo Z. As doses de antidepressivos estudadas para utilização nos
distúrbios do sono são geralmente inferiores às indicadas para o tratamento dos
transtornos do humor.30
Antidepressivos tricíclicos, representados principalmente pela amitriptilina
(25mg/noite) e pela doxepina (3 a 6mg/noite), são comumente usados no tratamento da
insônia. Seu efeito é predominantemente como antagonista de receptores histamínicos
H1.30,31

Mesmo com o uso de subdoses, é preciso estar atento aos efeitos adversos dos
antidepressivos tricíclicos, considerando a maior suscetibilidade dos idosos à ação
anticolinérgica dos fármacos.30,31
A trazodona tem efeito hipnótico em doses baixas e é frequentemente utilizada com
essa finalidade devido a seu perfil de segurança. No entanto, um estudo clínico
controlado randomizado que comparou o uso de trazodona (50mg/noite) e placebo não
demonstrou uma eficácia sustentada após a primeira semana.32 Seu benefício parece
estar restrito a situações em que há coexistência entre distúrbio do sono e doença de
Alzheimer.30,31
Estudos com o uso da paroxetina (50mg/noite) em pacientes insones com mais de
55 anos evidenciaram uma melhora subjetiva da qualidade do sono. Suspeita-se que seu
efeito ansiolítico, com redução dos pensamentos recorrentes, seja um dos fatores que
levam à melhora consequente do sono.
Outros antidepressivos, como mianserina, mirtazapina e venlafaxina, aumentaram a
ocorrência de parassonias. A venlafaxina tem relação, inclusive, com o aumento da
incidência de bruxismo.32

Os idosos, como grupo altamente vulnerável aos efeitos colaterais dos hipnóticos
benzodiazepínicos e do grupo Z, talvez sejam bons candidatos ao uso de antidepressivos
em baixas doses para o tratamento da insônia. Seu uso off-label deve ser individualizado
considerando eficácia, segurança e tolerabilidade.
Prurido
Os antidepressivos são frequentemente usados no tratamento do prurido crônico por
seu efeito anti-histamínico em receptores H1 e H2. No entanto, são poucos e de
qualidade moderada os estudos que confirmam sua eficácia. A maior parte das
evidências aponta boa resposta nos casos de uremia e colestase.33,34
A amitriptilina (10 a 25mg/dia), a doxepina (10 a 20mg/dia) e a sertralina (dose
média nos estudos: 75mg/dia) foram testadas com bons resultados.33,34

No prurido relacionado a neoplasias malignas, a paroxetina (10 a 40mg/dia) e a


mirtazapina (15 a 30mg/dia) parecem ser eficazes. A mirtazapina também tem benefício
na prevenção do prurido após a administração intratecal de morfina. A paroxetina
(20mg/dia) é, muitas vezes, empregada no controle do prurido de origem indeterminada,
com boa resposta.33,34
Condições clínicas de difícil manejo
O uso de antidepressivos tem grande apelo diante de condições clínicas de difícil
manejo e para as quais há poucas opções terapêuticas. Como é comum encontrar a
sobreposição com transtornos do humor, pode ser válido considerar seu emprego nas
situações apresentadas no Quadro 4.
Quadro 4
ANTIDEPRESSIVOS EM CONDIÇÕES CLÍNICAS DE DIFÍCIL MANEJO
Síndrome da Antidepressivos tricíclicos ou duais podem ser indicados em caso de
fadiga crônica dor associada.35
Fadiga
A bupropiona pode trazer benefícios, porém mais estudos são
relacionada ao
necessários.35
câncer
Uma metanálise não encontrou superioridade do uso de antidepressivos
Zumbido
em relação ao placebo no tratamento desta condição.36
A associação bupropiona–naltrexona (90mg/8mg–180mg/16mg) foi
estudada como medida farmacológica no tratamento da obesidade e
Perda de peso
parece ser tão eficaz quanto o orlistate. Dada a maior incidência de
efeitos colaterais, deve ser empregada com cuidado.
ATIVIDADES
1. Com relação à ação analgésica de antidepressivos, observe as alternativas a seguir.
I. Não é uniforme e, em alguns quadros dolorosos, é ausente.
II. Precede o efeito no humor.
III. É menor na presença de transtornos do humor.
Quais estão corretas?
a Apenas a I e a II.
b Apenas a I e a III.
c Apenas a II e a III.
d A I, a II e a III.
Confira aqui a resposta
2. No que se refere aos quadros dolorosos com efetiva resposta a antidepressivos,
observe as alternativas a seguir.
I. Enxaqueca.
II. Dor do membro fantasma.
III. Fibromialgia.
IV. Neuropatia diabética.
Quais estão corretas?
a Apenas a I e a II.
b Apenas a I, a II e a III.
c Apenas a I, a III e a IV.
d Apenas a II, a III e a IV.
Confira aqui a resposta
3. Observe as afirmativas sobre o uso de antidepressivos no tratamento de fogachos.
I. Antidepressivos duais, como a venlafaxina e a desvenlafaxina, têm efeito leve a
moderado.
II. Para mulheres com contraindicação à estrogenoterapia, antidepressivos são
considerados uma opção eficaz.
III. Deve-se evitar a associação de fluoxetina ou paroxetina com tamoxifeno, pois os
primeiros inibem a CYP2D6.
Quais estão corretas?
a Apenas a I e a II.
b Apenas a I e a III.
c Apenas a II e a III.
d A I, a II e a III.
Confira aqui a resposta
4. Quanto ao uso de antidepressivos como coadjuvantes no tratamento da incontinência
urinária, analise as alternativas a seguir e marque V (verdadeiro) ou F (falso).
Medicamentos agonistas α-adrenérgicos, como a duloxetina, são usados no tratamento
da incontinência de urgência.
A imipramina é uma medicação alternativa que tem demonstrado efeitos comprovados
na redução da incontinência urinária de esforço ou mista.
O uso de antidepressivos para o tratamento coadjuvante da incontinência urinária em
mulheres é off-label.
Os antidepressivos têm demonstrado um efeito superior ao placebo no tratamento da
incontinência urinária, possivelmente por atuarem reduzindo a hiperatividade do
músculo detrusor.
Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta.
aV—V—F—F
bF—V—V—F
cF—F—V—V
dV—F—F—V
Confira aqui a resposta
5. Com relação aos mecanismos relacionados à efetividade de antidepressivos na SII,
observe as alternativas a seguir.
I. Aumento da dismotilidade.
II. Regulação dos níveis de serotonina, noradrenalina e fator de liberação de
corticotropina.
III. Amplificação da sensibilidade visceral.
Qual(is) está(ão) correta(s)?
a Apenas a I.
b Apenas a II.
c Apenas a I e a III.
d Apenas a II e a III.
Confira aqui a resposta
6. No que se refere ao uso de antidepressivos na cessação do tabagismo, observe as
alternativas a seguir.
I. Tem como medicação de escolha a bupropiona, mas a nortriptilina pode ser uma
opção.
II. Não é indicado para pacientes com DPOC.
III. Deve ser mantido por, no máximo, 30 dias.
Quais estão corretas?
a Apenas a I.
b Apenas a I e a III.
c Apenas a II e a III.
d A I, a II e a III.
Confira aqui a resposta
7. Observe as afirmativas sobre a correlação entre os medicamentos e seus possíveis
usos, associados a seus mecanismos de ação.
I. A sertralina tem sido indicada para disfunções sexuais relativas à disfunção erétil por
seu efeito inibidor nos receptores 5-HT periféricos.
II. A amitriptilina tem seu uso descrito para a SII, principalmente quando a dor
abdominal crônica é o principal sintoma, possivelmente devido a seu efeito
anticolinérgico.
III. A sertralina tem demonstrado sucesso no tratamento do prurido crônico, como em
casos de uremia, por seu efeito anti-histamínico em receptores H1 e H2.
IV. A agomelatina tem sido usada no tratamento da insônia por sua ação como agonista
melatoninérgico M1 e M2.
Quais estão corretas?
a Apenas a I e a II.
b Apenas a I, a II e a III.
c Apenas a I, a III e a IV.
d Apenas a II, a III e a IV.
Confira aqui a resposta

Paciente do sexo feminino, 69 anos, previamente hipertensa e diabética há 12 anos.


Atualmente faz uso de losartana 50mg BID, hidroclorotiazida 25mg MID, atenolol
25mg BID, metformina 1g BID, ácido acetilsalicílico 100mg MID, sinvastatina 20mg
BID e insulina NPH 20 unidades às 8h.
Há cerca de dois meses, a paciente vem se queixando de desconforto persistente em
ambos os pés, tipo queimação, com piora à noite. Ela caracteriza o desconforto com a
nota 9 de 10. É uma pessoa ativa, independente e faz caminhada diariamente. Nega
trauma recente nos membros inferiores.
Ao examinar a paciente, puderam-se notar as seguintes alterações, sugestivas de
neuropatia diabética periférica:
 reflexos tendíneos diminuídos ou ausentes;
 sensação vibratória ausente;
 sensibilidade ausente à pressão de monofilamentos nos dedos dos pés.
A prevalência de neuropatia diabética periférica aumenta com a idade, com a duração
do diabetes e/ou o controle subótimo da doença. Não há nenhuma queixa ou sinal do
exame físico que seja específico da neuropatia diabética, mas o conjunto de
manifestações como as mencionadas é altamente sugestivo e prescinde de exames
complementares.
Foi então feita a indicação de amitriptilina, 25mg à noite.
A paciente retorna ao consultório referindo que, apesar da melhora parcial da
queimação à noite, vem tendo sonolência excessiva durante o dia. Está desanimada,
parou de sair de casa e acha que seu caso não terá solução.

ATIVIDADES
8. Observe as alternativas a seguir com relação ao uso de amitriptilina, 25mg à noite,
pela paciente do caso clínico.
I. Recomenda-se a realização de um ECG antes do início do uso da medicação.
II. Recomenda-se a realização de uma eletroneuromiografia antes da prescrição da
medicação.
III. Esta medicação pode ocasionar efeitos colaterais na pressão arterial.
IV. Esta medicação pode levar a efeitos colaterais na cognição.
Quais estão corretas?
a Apenas a I e a II.
b Apenas a I, a II e a III.
c Apenas a I, a III e a IV.
d Apenas a II, a III e a IV.
Confira aqui a resposta
9. No que se refere às alternativas aceitáveis diante da situação apresentada no retorno
da paciente do caso clínico, observe as alternativas a seguir.
I. Substituir a medicação por duloxetina 30mg, dada a possibilidade de sintomas
depressivos.
II. Fornecer explicações sobre o caráter crônico da condição.
III. Aumentar a dose da amitriptilina para 50mg.
Quais estão corretas?
a Apenas a I e a II.
b Apenas a I e a III.
c Apenas a II e a III.
d A I, a II e a III.
Confira aqui a resposta

Conclusão
Os antidepressivos são medicamentos altamente consumidos no mundo. Sua principal
indicação são, certamente, as condições psiquiátricas, mas eles vêm sendo
progressivamente reposicionados em doenças e situações não psiquiátricas. Isso ocorre
não só pela sobreposição de transtornos do humor com essas doenças, mas também pelo
compartilhamento do substrato fisiopatológico.
A farmacodinâmica dos antidepressivos é razoavelmente bem conhecida, mas persiste a
lacuna entre o que se sabe das ações farmacológicas desses medicamentos e a
compreensão última de como essas ações resultam em melhora clínica, seja na
depressão, seja em outras condições não psiquiátricas.
Atualmente, há evidências consistentes do benefício do emprego de antidepressivos em
diversos tipos de dor crônica, em condições uroginecológicas, em distúrbios
gastrintestinais funcionais e em alguns sintomas inespecíficos. No entanto, o emprego
desses fármacos deve sempre ser judicioso, pois a comprovação de seu benefício ainda é
necessária em muitas condições, e a incidência de efeitos colaterais, sobretudo nos
idosos, é significativa.

Atividades: Respostas
Atividade 1 // Resposta: A
Comentário: Apesar de serem mecanismos independentes, estudos apontam para uma
maior eficácia dos antidepressivos no controle da dor crônica naqueles pacientes que
possuem sintomas de humor associados. Nesses casos, é possível observar que o efeito
analgésico ocorre antes do efeito antidepressivo, que pode levar até quatro semanas. A
despeito da discreta superioridade nos pacientes deprimidos, estudos demonstram uma
boa resposta dos antidepressivos para o controle álgico em pacientes sem qualquer
sintoma relacionado ao humor.
Atividade 2 // Resposta: C
Comentário: A dor pós-amputação de um membro é altamente prevalente e representa
um grande desafio terapêutico. Apesar de antidepressivos serem largamente empregados
nessa situação, estudos demonstram resultados conflitantes na melhora da dor, e sua
indicação se limita à presença de transtorno do humor associado.
Atividade 3 // Resposta: D
Comentário: Os fogachos são um sintoma comum na menopausa. Os antidepressivos
são considerados uma opção eficaz para as mulheres com contraindicação ao uso de
estrógeno. Evidências mostram um efeito leve a moderado da venlafaxina (dose igual
ou superior a 75mg) e da desvenlafaxina (50 ou 100mg/dia) no controle de fogachos.
Tanto a paroxetina quanto a fluoxetina inibem a CYP2D6 e não devem ser usadas em
associação ao tamoxifeno.
Atividade 4 // Resposta: B
Comentário: A duloxetina não é um agonista α-adrenérgico, e sim um inibidor não
seletivo de serotonina e noradrenalina na fenda pré-sináptica. O benefício de seu uso na
incontinência urinária foi descrito para a incontinência urinária mista e de esforço. É
descrito um efeito significativo do uso da imipramina no tratamento de pacientes com
incontinência urinária de esforço e mista, no entanto, ele também está associado a
graves efeitos colaterais, de modo que o risco-benefício permanece incerto. O uso da
duloxetina no tratamento da incontinência urinária já foi aprovado na Europa, o que
ainda não aconteceu no Brasil (pela Anvisa) nem nos Estados Unidos (pela FDA).
Portanto, seu uso para tal fim segue off-label no Brasil. Tanto a duloxetina quanto a
imipramina têm efeito em reduzir a incontinência urinária de esforço, possivelmente por
atuarem aumentando a contratilidade do esfíncter uretral externo e a contratilidade dos
músculos do assoalho pélvico.
Atividade 5 // Resposta: B
Comentário: No trato digestivo, antidepressivos agem regulando a serotonina, a
noradrenalina e o fator de liberação de corticotropina, que atuam na motilidade e na
sensibilidade intestinal. Tomados em conjunto com o conhecimento básico sobre as vias
sensoriais viscerais, os moduladores centrais podem promover efeito analgésico, ao
reduzirem os sinais aferentes do intestino e assim regularem negativamente os sinais
viscerais recebidos.
Atividade 6 // Resposta: A
Comentário: A bupropiona é considerada a primeira linha de tratamento para a cessação
do tabagismo. Trata-se de uma boa opção quando há sintomas de humor associados,
quando o custo é um fator limitante ou quando o sobrepeso é uma preocupação. O
tratamento deve durar, pelo menos, 12 semanas. Seu uso é seguro em pacientes com
DPOC e doença cardiovascular. A nortriptilina, com eficácia moderada, é uma
alternativa para os pacientes com contraindicação à bupropiona.
Atividade 7 // Resposta: D
Comentário: Os ISRSs têm seus efeitos estabelecidos para a melhora da ejaculação
precoce por suas ações em nível central sobre os receptores 5-HT e por sua ação
periférica nos 5-HT na regulação das respostas contráteis do trato seminal, com efeito
inibidor. Contudo, quanto à disfunção erétil, a sertralina constitui o antidepressivo com
maior efeito adverso para a disfunção sexual. Os ISRSs são capazes de interferir em
nível central e bloquear a liberação do óxido nítrico no corpo cavernoso do pênis. Dessa
forma, não há suficiente dilatação nem relaxamento do corpo cavernoso, ocasionando a
disfunção erétil.
Atividade 8 // Resposta: C
Comentário: Apesar de ser o padrão-ouro para o diagnóstico de neuropatia diabética, a
eletroneuromiografia é trabalhosa, exige profissionais especializados e nem sempre é
acessível. Sua indicação não deve ser a regra. Diante do quadro clínico compatível, do
exame físico sugestivo e da exclusão de causas alternativas, já é possível indicar um
tratamento analgésico para a condição. Os antidepressivos tricíclicos têm eficácia
comprovada, mas, nas pessoas idosas, é importante atentar para efeitos adversos como
arritmia, constipação, boca seca, hipotensão postural, quedas e piora da cognição.
Atividade 9 // Resposta: A
Comentário: Entender a neuropatia diabética dolorosa como uma condição crônica, de
difícil tratamento e sujeita a pioras ocasionais é essencial tanto para os pacientes quanto
para os profissionais de saúde. Diante do potencial efeito anticolinérgico da
amitriptilina, ocasionando sonolência diurna, é recomendável selecionar outro fármaco.
A duloxetina também é eficaz nessa situação e ainda pode atuar em sintomas
depressivos. É válido avaliar, concomitantemente, medidas de controle do diabetes.

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