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ERGONOMIA E

CONFORTO
AMBIENTAL

Fernando Pinheiro Weber


Sistema homem–
tarefa–máquina:
dispositivos e controle
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Definir o sistema homem–tarefa–máquina.


 Descrever os aspectos ergonômicos relativos a usuário, informações
e controle.
 Aplicar os conceitos do sistema homem–tarefa–máquina em situações
práticas no ambiente de trabalho.

Introdução
As mudanças e as transformações são intrínsecas à nossa vida. Os mo-
tivos variam: algumas mudanças são causadas por uma necessidade
momentânea, outras se devem à evolução tecnológica; outras, ainda,
podem se dar por razões mais drásticas, como ocorreu nos períodos
pós-guerra e na Revolução Industrial. Existe uma característica comum
entre essas transformações: a necessidade cada vez maior de interação
entre homens e máquinas, criando automaticamente um sistema de
interdependência.
Neste capítulo, você vai estudar como se relacionam os conceitos
do sistema homem–tarefa–máquina (SHTM), criando uma unidade de
produção. Você vai identificar as virtudes e as limitações de cada elemento
envolvido no processo produtivo: os homens e as máquinas. Por fim,
vai explorar alguns exemplos que evidenciam a dependência entre o
homem, as tarefas e as máquinas.
2 Sistema homem–tarefa–máquina: dispositivos e controle

Conceitos fundamentais
O mundo do trabalho está constantemente envolvido em um processo de rees-
truturação produtiva e organizacional, e é nesse cenário de transformação que
são gerados novos cenários produtivos. A forma de trabalho é alterada o tempo
todo, e os requisitos para as tarefas e os processos variam de acordo com a trans-
formação. Portanto, a necessidade de transformar e adaptar a forma de trabalho
é constante, e o homem, por consequência, trabalha cada vez com máquinas.
Tendo em vista essa necessidade de transformação, e como forma de
otimizar a produção, homem e máquina devem estabelecer um vínculo de
cooperação. Somente adaptar o homem à máquina, conforme a teoria inicial de
Frederick Winslow Taylor, está no contraponto dessa questão (TAYLOR, 2010).
O projeto de qualquer máquina não pode ser entendido como uma atividade
isolada, mas como uma forma de desenvolver soluções e complementar a ação
do homem. Portanto, as máquinas e os homens fazem parte de um processo,
ou seja, estão inseridos em um sistema de produção. Não é possível separar
as atividades do homem e as da máquina.
Os sistemas são divididos nos seguintes componentes (IIDA; BUARQUE,
1990):

 fronteira, que representa os limites do sistema;


 subsistemas, que representam pequenos sistemas dentro do sistema
mandatário;
 entradas (inputs) que representam as variáveis independentes;
 saídas (outputs), que representam as variáveis dependentes do sistema,
o resultado do processo produtivo;
 processamento, que são as atividades responsáveis por converter os
insumos de entrada em produtos.

Os sistemas podem ser definidos como um “[...] conjunto de componentes, organizados


segundo uma estrutura definida, que interagem por meio de troca de fluxos, com
finalidade de realizar um objetivo determinado” (FONSECA, 1975, p. 205).

Tendo como base o objetivo da ergonomia de adaptar o trabalho ao homem,


quando a engenharia se preocupa com a visão global do sistema produtivo, estu-
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dando o homem e o meio ambiente onde ele trabalha (que pode ser a máquina),
fecha-se um elo entre homem e máquina, formando uma unidade produtiva.
Para tornar possível essa interligação entre homem e máquina, são obser-
vados os fatores humanos (aspectos psicofisiológicos, psicológicos e sociais)
e os fatores técnico-mecânicos envolvidos (conceitos de máquinas). Assim,
na ergonomia, estudamos o inter-relacionamento entre o homem e a máquina.
Dessa forma, o SHTM pode ser conceituado como uma forma de coo-
peração entre homem e máquina, que se complementam para executar uma
determinada função, partindo de estímulos de entrada (inputs) dentro das
condições de um determinado ambiente. Para que essas premissas funcionem
em um estudo ou projeto de um SHTM, existe uma interface de relacionamento
entre homem e máquina. Trata-se de uma interação entre os dois elementos,
com o objetivo de criar a cooperação e definir a unidade produtiva. Essa
interface possui três elementos básicos, a serem verificados:

1. As transmissões de informações das máquinas para o homem devem ser


precisas e consistentes, respeitando a forma de percepção dos sentidos
humanos, de acordo com Fonseca (1975).
2. As previsões das decisões esperadas devem ser compatíveis com a
capacidade de decisão do ser humano.
3. O projeto deve entender a limitação de resposta do homem, selecionando
o processo de resposta mais coerente do homem envolvido na atividade
e permitindo o acionamento de dispositivos de controle. Portanto, deve
existir um equilíbrio entre o tempo de resposta do homem e a necessi-
dade de controle da máquina.

Portanto, as formas de trabalho e as interfaces entre homem e máquina


devem ser projetadas de forma a estabelecer uma cooperação entre os dois
elementos e a atividade desenvolvida por esse sistema, gerando uma unidade
de produção com eficiência e minimizando o desgaste físico e psicológico do
homem. O correto dimensionamento desse sistema diminui consideravelmente
as chances de erro e de acidentes.

Interface homem–máquina
As interfaces estão presentes em todas as atividades quando utilizamos ferramentas.
Por isso é extremamente importante o estudo prévio dos objetivos das interfaces,
a fim de definir a melhor ferramenta para a atividade. A análise dessas interfaces
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é realizada com o objetivo de evitar a falta de algum dispositivo em locais obriga-


tórios ou o esquecimento de algum elemento necessário à configuração projetada.
Para uma interface adequada, é necessário entender as diferenças de re-
cepção e emissão de sinais entre as máquinas e os humanos. Enquanto o
homem possui um modelo simplificado de processamento, a máquina pode
ter um modelo de percepção muito além dos limites humanos. Não se pode
realizar uma análise simples e simplesmente afirmar que as máquinas são
melhores do que os homens. Por isso, a ideia deve ser sempre a colaboração,
identificando-se as características de cada um. Como exemplo dessa diferença
de processamento entre homem e máquina, pode-se citar a baixa capacidade
de improvisação das máquinas em relação aos humanos.
As entradas e saídas de sinais dos seres humanos são realizadas, de forma
geral, de quatro maneiras: visual, auditiva, táctil e sensitiva. Nas máquinas,
isso se dá de inúmeras formas pelas chamadas vias de informações. Com o
avanço da eletrônica, a intepretação das informações enviadas eletronicamente
tornou a tarefa dos operadores mais difícil e relevante nos processos. Em um
avião, a necessidade da interpretação correta dos sinais de velocidade, altitude
e demais controles é fundamental. Existe ainda uma série de outros exemplos
que podem ser elencados. Portanto, elaborar um projeto adequado de SHTM é
cada vez mais necessário. A Figura 1 evidencia a quantidade de informações
enviadas pela máquina.

Figura 1. Exemplo da quantidade de informações enviadas por um painel


de avião.
Fonte: Francisco Amaral Leitao/Shutterstock.com.
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As vias de informações (entradas e saídas, nos seres humanos) funcionam


da seguinte forma: o mostrador informa sobre o status do equipamento (velo-
címetro, manômetro, etc.), e o operador, recebendo essa informação, precisa
entender o sinal enviado pelo equipamento com base no conhecimento prévio
adquirido. A partir da interpretação do ser humano, uma decisão precisa ser
tomada e comunicada à máquina por meio de controles (botões, alavancas,
pedais, etc.). Os parâmetros da decisão tomada são mostrados por meio de
instrumentos (manômetros, velocímetro, etc.). A Figura 2 exemplifica o fun-
cionamento do sistema.

Figura 2. Fluxo do sistema homem–máquina.


Fonte: Kroemer e Grandjean (2007).

A Figura 2 mostra apenas uma parte do processo de informação. Os siste-


mas são compostos por uma série de elementos. O ciclo se completa quando
todas as partes importantes do processo são evidenciadas ao operador, como
temperatura, umidade e calor.
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Esse sistema se torna perceptível quando estamos dirigindo. Necessitando ultrapassar,


acionamos o pedal (dispositivo) para acelerar. Sensorialmente, nota-se o aumento da
velocidade, e o velocímetro indica a velocidade do carro. Após a ultrapassagem, se a
velocidade está excessiva para a pista (análise visual das placas indicando o limite de
velocidade), o freio é acionado até o velocímetro indicar a velocidade solicitada pelo
operador. No simples ato de dirigir, estamos envolvidos com uma série de dados,
necessitando atuar e verificar a atuação conforme demonstram os indicadores. Além
disso, a posição deve ser adequada para a execução da atividade e os controles devem
ser verificados constantemente.

Portanto, o desafio é estabelecer as entradas e as saídas do homem e da


máquina, entendendo as qualidades e as limitações de cada um, executar as
interfaces necessárias, criar indicadores e dispositivos de controle e tornar
esse sistema confortável e eficiente. Dessa forma, o homem e a máquina vão
poder trabalhar como uma unidade produtiva.

Aplicações
As aplicações do SHTM podem ser executadas em todos os lugares, como na
indústria, no comércio, nos hospitais e em vários outros estabelecimentos. A
missão de se estabelecer um bom sistema de interação é difícil, pois é neces-
sário entender as limitações e as capacidades do homem e da máquina, bem
como verificar o ambiente no qual será inserido o sistema de produção. Muitas
vezes, a condição de bem-estar pode ser empírica, dificultando a análise do
resultado. Preliminarmente ao processo de aplicação do sistema, a coleta de
informações e de dados deve ser exaustiva.
A seguir, veremos um exemplo de aplicação do SHTM no processo produ-
tivo de uma lavanderia. Mais adiante, veremos os dispositivos de aplicação do
sistema de interação homem–máquina: os painéis de controle, os mostradores,
os altímetros e o emprego de cores para a distinção de elementos importantes
de maquinários, como tubulações.
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Aplicações em uma lavanderia


Nesse exemplo, será demonstrado o estudo realizado em uma lavanderia de
médio porte, a qual atende um hotel residencial com 588 apartamentos, divi-
didos em três blocos. Por se tratar de um hotel, os serviços devem ser de alta
eficiência. Na Figura 3, são apresentados o leiaute e os processos necessários
para o funcionamento da lavanderia.

Figura 3. Leiaute da lavanderia e sistemas envolvidos no processo de produção.


Fonte: Silva, Ribeiro e Wanderley (2002, documento on-line).

Na análise do local e dos fluxos de trabalho, foram identificados vários


problemas de interface e de arranjo espacial e riscos de acidente. Muitos
desses problemas são gerados pelo fluxo de trabalho estabelecido no local.
Na Figura 4, percebe-se a falta de espaço de trabalho e de circulação para os
funcionários e os materiais.

Figura 4. Espaço para passar roupas.


Fonte: Silva, Ribeiro e Wanderley (2002, documento on-line).
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A lavanderia estava funcionando de acordo com o fluxo de trabalho de-


monstrado na Figura 5. É possível perceber a falta de organização do trabalho
e das etapas do processo.

Figura 5. Fluxo de trabalho anterior ao estudo.


Fonte: Silva, Ribeiro e Wanderley (2002, documento on-line).

Para melhorar o rendimento e o desempenho desse sistema, foi implemen-


tado o SHTM, subdividindo-se o sistema em sete partes: balcão de atendimento,
lavagem, secagem, posto de passar roupa, embalagem, estocagem e entrega.
Com a subdivisão, foram adicionadas as interfaces do sistema de forma a criar
um ambiente de trabalho mais fluido. A melhoria foi significativa, conforme
pode-se observar na Figura 6.

Figura 6. Fluxo de trabalho quando aplicado o SHTM.


Fonte: Silva, Ribeiro e Wanderley (2002, documento on-line).
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Painéis de controle
Não existe um sistema completamente manual ou completamente auto-
mático — em algum momento, o sistema vai depender do homem, para a
operação, a manutenção ou o controle. Os painéis de controle traduzem
bem essa relação entre homem e máquina, já que, apesar de o painel con-
seguir controlar vários dados de uma planta industrial, a ação do homem
é fundamental (Figura 7).

Figura 7. Painel de controle.


Fonte: Max Griboedov/Shutterstock.com.

Mostradores
Os mostradores são classificados em três categorias: mostrador digital,
escala circular de ponteiro móvel e indicar fi xo sobre escala móvel. Em
cada um dos mostradores, a leitura dos valores se distingue de acordo com
a precisão requerida em cada tarefa. Se a tarefa exigir apenas ler o valor
exato de uma certa quantidade, o contador digital é o mais indicado. Caso
seja necessário avaliar a amplitude, a direção ou a mudança, a utilização
do ponteiro se movendo sobre uma escala fi xa vai atender melhor à lei-
tura. Quando a escala se movimenta sobre algum ponteiro fi xo, existe a
desvantagem de ser mais difícil a memorização de leituras anteriores ou
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a execução da avaliação da extensão do movimento. O Quadro 1 indica o


tipo de mostrador adequado para cada situação.

Quadro 1. Tipo de mostrador adequado para cada situação

Tipo de escala Ponteiro móvel Escala móvel Contador

Leitura de dados Aceitável Aceitável Muito boa

Detecção de Muito boa Aceitável Pobre


mudanças

Graduação de Muito boa Aceitável Aceitável


um determinado
valor, controle de
um processo

Fonte: Adaptado de Kroemer e Grandjean (2007).

Altímetro
O altímetro é um instrumento utilizado na aviação que indica a altitude da ae-
ronave. Esse aparelho foi a causa de vários acidentes aéreos. Tradicionalmente,
tinha três ponteiros: o primeiro deles lia as centenas de pés, o segundo lia os
milhares e o terceiro, os milhões. A modificação no desenho desse aparelho,
proposta por Hill e Chernikof em 1965, foi, por um longo período, a menos
problemática e a mais agradável de usar. O aparelho consistia em um único
ponteiro móvel para a escala de 100 pés e duas janelas. Uma mostrava as faixas
mais altas e, a outra, a pressão atmosférica.

Emprego de cores para a identificação de tubulações


Nas indústrias, existe uma grande quantidade de tubulações. São tubulações
de fluidos, de eletrodutos, de água, de ar comprimido, entre outras. Para a
segurança operacional, a Associação Brasileira de Normas Técnicas, pela
Norma Brasileira (NBR) 6493:1994 (ABNT, 1994), estipula a utilização de
cores para a identificação de tubulações. O uso dessas cores é uma forma de
passar uma informação de ordem prática e visual. Por se tratar de uma NBR
(considerada lei), é de uso obrigatório, o que torna o emprego das cores uma
forma padronizada e segura de identificação.
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ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6493: Emprego de cores para


identificação de tubulações. Rio de Janeiro, 1994.
FONSECA, R. S. Sistema homem-máquina: uma proposta de conceituação. Arquivos
Brasileiros de Psicologia, Rio de Janeiro, v. 27, n.1, p. 202-210, jan./mar. 1975.
IIDA, I.; BUARQUE, L. Ergonomia: projeto e produção. São Paulo: Blucher, 1990.
KROEMER, K. H. E.; GRANDJEAN, E. Manual de ergonomia: adaptando o trabalho ao
homem. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2007.
SILVA, A. B. D.; RIBEIRO, L. G.; WANDERLEY, Y. V. Aplicação dos métodos e técnicas da
ergonomia na avaliação de sistemas homem-tarefa-máquina: um estudo de caso. Rio
de Janeiro: ANPED, 2002.
TAYLOR, F. W. Princípios de administração científica. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2010.

Leituras recomendadas
ABRAHÃO, J. I.; PINHO, D. L. M. As transformações do trabalho e desafios teórico-
-metodológicos da Ergonomia. Estudos de Psicologia, 2002, v. 7, n. esp., p. 45-52, 2002.
MADEIRA, P. H. A. Aplicação do estudo da interface homem máquina em cadeiras de rodas
motorizadas. 2008. 200 f. Dissertação (Mestrado) — Universidade Estadual de Campinas,
Faculdade de Engenharia Mecânica. Campinas, UNICAMP, 2008.
OKUYAMA, M. P. Ergonomia e engenharia de usabilidade aplicadas no desenvolvimento
da interface homem-máquina para um sistema interativo de soldagem automatizada.
2012. 165 f. Dissertação (Mestrado) — Universidade Federal de Santa Catarina. Floria-
nópolis, UFSC, 2012.
RIGHI, C. A. R. Aplicação de recomendações ergonômicas ao componente de apresentação
da interface de softwares interativos. 1993. 100 f. Dissertação (Mestrado) — Universidade
Federal de Santa Catarina, Centro Tecnológico. Programa de Pós-Graduação em En-
genharia de Produção. Florianópolis, UFSC, 1993.

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