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GESTÃO

Com mais eficiência


Empresas devem investir na engenharia de fatores humanos para diminuição dos erros
Reginaldo Pedreira Lapa, Sérgio Médici de Eston, Alessandra Isabella Sampaio Martins e Wilson Siguemasa Iramina

FLÁVIA VALSSANI
A engenharia de fatores humanos não
é uma ciência exata, mas uma disciplina
que aborda a compreensão da interação
entre o ser humano e os diversos elemen-
tos de um sistema, de forma que o usuário
tenha menos chance de cometer erros que
possam resultar em um incidente e/ou
acidente.
Há alguns termos similares à engenha-
ria de fatores humanos, tais como ergono-
mia, fatores humanos e engenharia huma-
na, provocando certa confusão na delimi-
tação clara das fronteiras entre eles.
Adotamos o conceito de alguns especi-
alistas, para os quais a ergonomia enfatiza
os aspectos fisiológicos e biomecânicos,
e a engenharia de fatores humanos, por
sua vez, reforça os aspectos comporta-
mentais e cognitivos, orientados a proje-
tos que diminuam as chances de erros dos
operadores.
Assim, a engenharia de fatores huma-
nos, aborda o projeto de máquinas, ope-
rações e ambientes de trabalho, de modo
que possam ser compatíveis com as ca-
pacidades e limitações humanas, como
meio de reduzir erros e de prevenir inci-
dentes.
Partindo do pressuposto que pessoas
não podem ser reprojetadas para se adap-
tarem às máquinas e equipamentos que
elas operam, suas ferramentas e seu am-
biente de trabalho devem ser projetados
para reduzir erros e acidentes.
O propósito da engenharia de fatores

Reginaldo Pedreira Lapa - Mestre em Engenharia de Minas,


engenheiro de Segurança do Trabalho e sócio da empresa
CTG Empresarial - Consultoria e Treinamento em Gestão
Ltda.
reginaldo@ctgempresarial.com.br

Sérgio Médici de Eston - Professor titular EPUSP,


coordenador geral do PECE e do curso de Gerenciamento de
Risco de Segurança.
smeston@usp.br
Alessandra Isabella Sampaio Martins - Mestre em
Engenharia Química, engenheira de Segurança do Trabalho e
sócia da empresa Mérito Consultoria e Treinamento.
meritoconsultoria@gmail.com
Wilson Siguemasa Iramina - Professor livre docente EPUSP,
engenheiro de Segurança do Trabalho, coordenador
administrativo-financeiro do PECE.
wilsiram@usp.br

Este é o quarto artigo de uma série em que se apresenta a


estrutura de um programa de gerenciamento de risco
desenvolvido mundialmente na indústria mineral.
O projeto G-MIRM é produto de uma parceria iniciada pela
mineradora multinacional Anglo American, que reconheceu a
necessidade de mudar seu desempenho em segurança.

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humanos é aumentar a eficiência, a quali- tações naturais. Por essa razão é que a zidos consideravelmente por meio de uma
dade, o conforto, a segurança, a saúde e engenharia de fatores humanos se preo- implantação já no início do ciclo de vida
o bem-estar dos trabalhadores reduzindo cupa com diversos aspectos, tais como: de um processo. Dessa maneira, as preo-
o estresse e aumentando a motivação. acessibilidade a máquinas e equipamen- cupações com os projetos ganham cada
Desta forma assegura-se que os sistemas tos (facilidade das entradas e saídas); es- vez mais destaque, pois quanto antes fo-
estejam projetados de modo que essas paço de trabalho (dimensionamento do rem pensados e avaliados, mais se atuará
interações ocorram com harmonia, bus- posto de trabalho e do local de trabalho); na prevenção.
cando uma diminuição dos erros huma- postura (diretamente vinculada aos as- Incorporar a engenharia de fatores hu-
nos que possam gerar incidentes e/ou aci- pectos ergonômicos); visibilidade (ex.: manos no projeto de máquinas, equipa-
dentes. operadores de equipamentos móveis de mentos, sistemas e/ou processos, em todo
Sendo a engenharia de fatores huma- grande porte); controles, mostradores, o seu ciclo de vida, é colocar em prática a
nos importante para as empresas, por que displays (ex.: painéis de controle); ambi- chamada “segurança em projetos”, que
então ela não é sistematicamente usada ente de trabalho (ex.: ruído, vibração, u- elimina as condições perigosas na origem
em todos os projetos para harmonizar a midade, etc.); manutenção de máquinas sempre que possível. No projeto de equi-
interface homem/máquina? Algumas ra- e equipamentos (facilidades de execução pamentos, existe uma distinção frequen-
zões podem ser a falta de conhecimento do serviço, acessos, etc.). te entre segurança primária (prevenção
sobre a sua extensão, a falta de dados a- De acordo com o modelo proposto por de incidentes e/ou acidentes), segurança
cessíveis sobre ela, os conflitos de priori- David Meister, ilustrado na figura 1, Mo- secundária (proteção das pessoas em ca-
dades, o orgulho profissional do projetis- delo de interação de fatores humanos, a sos de incidentes, procurando evitar da-
ta frente ao seu projeto e os custos per- engenharia de fatores humanos conside- nos pessoais) e segurança terciária (re-
cebidos e benefícios não percebidos. ra seis elementos fundamentais que re- cuperação e assistência dada após a ocor-
gem a relação homem/máquina. A cor a- rência de um incidente e/ou acidente).
INTERAÇÃO marela na figura representa a parte “má- Portanto, a “segurança em projetos”, em-
A ênfase em mudar os sistemas de tra- quina” e a cor verde representa a parte bora considere esses três níveis (primá-
balho ao invés de mudar as pessoas tor- “homem”, buscando-se uma perfeita in- rio, secundário e terciário), deve focar
na-se um objetivo extremamente desafia- teração entre eles. principalmente na prevenção.
dor, pelo fato de que potenciais operado- O modelo de Meister visa uma efetiva
res de máquinas e equipamentos variam interface homem/máquina e reforça que LIMIT AÇÕES
LIMITAÇÕES
consideravelmente em tamanho, habilida- os riscos associados a uma má engenha- O projeto de salas de controle, plantas
des físicas e motoras, além de suas limi- ria de fatores humanos podem ser redu- e equipamentos pode ter um impacto sig-

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nificativo no desempenho humano. Pro- Figura 1 Modelo de interação de fatores humanos
jetar tarefas, equipamentos e postos de
trabalho para que estejam adaptados aos A cor amarela ilustra três elementos da parte
“máquina”:
seus usuários pode reduzir os erros hu- Mostradores
de Máquina • Mostradores de máquinas (acesso, visibilidade,
manos e, consequentemente, incidentes tempo de resposta);
e/ou acidentes, além dos benefícios asso- • CPU de máquinas (procedimentos; programação;
CPU de Sentidos estocagem, recuperação e transmissão de dados);
ciados à produtividade e conservação dos Máquina humanos
ativos. • Instrumentos de entrada de dados (sensores;
Modelo de controles, chaves e indicadores; teclado, mouse,
Uma das possíveis barreiras em relação interação de joystick; touch screen; comando de voz).
a essas considerações é que a maioria dos fatores humanos Há outros três elementos, na cor verde,
projetistas ainda vê a engenharia de fato- Instrumentos característicos da parte “homem”:
de entrada Cognição
res humanos como sendo menos signifi- humana • Estrutura músculo-esquelética (coordenação motora,
de dados manipulação de objetos, ação);
cativa do que os próprios desafios técni-
Estrutura • Cognição humana (atenção, memória de curta e
cos do projeto como, por exemplo, a con- músculo- longa duração, processamento de dados, tomada de
fiabilidade de um equipamento. Além dis- esquelética decisão, iniciação da ação);
so, existe uma tendência em sistematica- • Sentidos humanos (visão, audição, tato, olfato,
paladar, cinestésico, de orientação).
mente não se considerar as característi-
cas da engenharia de fatores humanos no
processo de ciclo de vida. degrau e das distâncias, considerando as serem levadas em conta pelos projetistas.
No entanto, pensar apenas nos desafi- variações físicas dos operadores (peso, al-
os técnicos pode levar a um esquecimen- tura, comprimento dos membros superio- VEÍCULOS
to de itens simples, como por exemplo, res e inferiores, etc.). Levando em consideração que as preo-
os acessos, que quando deficitários podem Embora os seres humanos sejam extre- cupações com a engenharia de fatores
resultar em danos músculos-esqueléticos mamente flexíveis e estejam frequente- humanos são extremamente relevantes
devido às posturas inadequadas, bem mente aptos a enfrentar condições de tra- desde as fases iniciais de projeto, empre-
como em um aumento da probabilidade balho adversas, existe um preço a ser pago sas de mineração de todo o mundo têm
de escorregões e quedas durante a entra- em termos de Segurança e Saúde Ocupa- se deparado com a necessidade de garan-
da e/ou saída da máquina ou equipamen- cional, quando se insiste em ir além das tir que as chamadas “máquinas de movi-
to. Além disso, acessos e saídas também limitações humanas. No box Atenção pro- mentação de terra” (veículos de grande
requerem considerações sobre a altura do jetistas!, estão algumas recomendações a porte que circulam fora de estrada) se-

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Figura 2 Exemplos de controle Em casos como esses muitos relatórios de
acidente classificariam o ocorrido como
Queimador Queimador Queimador Queimador
“ato inseguro” quando na verdade tem-se
um erro de projeto que induziu a um erro
humano. Nesse cenário, treinar novamen-
Queimador Queimador Queimador Queimador te esse operador não ajudaria a prevenir
recorrências, pois se deveria colocar mais
atenção e foco em projetos à prova de
erros humanos do tipo deslizes/lapsos,
conforme já visto em artigo anterior.
Acendedor Acendedor Acendedor Acendedor
As figuras ao lado ilustram a importân-
(A) Arranjo sem lógica (B) Arranjo lógico cia de controles bem projetados, de ma-
neira que seus indicadores e displays re-
duzam significativamente as chances de
jam projetadas para serem operadas e vertidamente ligados ou desligados; o que o operador cometa um erro.
mantidas sob controle, de forma a não layout do painel de controle que pode ser Na figura 2, Exemplos de controle, há
causar danos às pessoas. confuso e difícil de entender; os displays um arranjo sem lógica (A) dos botões a-
De 2004 a 2006, algumas empresas que obrigam o operador a se curvar ou a cendedores que acionam os queimadores
multinacionais de mineração iniciaram adotar posturas desconfortáveis para lê- de um fogão industrial. Na sequência te-
uma discussão para desenvolver uma a- los e entendê-los; os displays críticos que mos o que seria um arranjo mais lógico
bordagem conjunta a fim de melhorar a não estão instalados dentro do campo de (B). Relativo a esse exemplo, um caso fa-
engenharia de fatores humanos dessas visão do operador; os botões de parada moso foi o da usina nuclear de Three Mile
máquinas de grande porte. Um objetivo de emergência que são de difícil acesso. Island, com vários painéis de controle
comum com os seus fabricantes foi esta- Se um operador faz uma leitura incor- apresentando deficiências similares.
belecido: definir o problema ao invés de reta de um display projetado inadequa- Outro exemplo é levar em conta a for-
estabelecer a solução. Essa iniciativa re- damente e fora de uma sequência lógica, ma com que a maioria das pessoas de uma
sultou em um grupo formado por diver- acionando um controle errado ou acionan- determinada cultura espera que as coisas
sas empresas, chamado de EMESRT do o controle certo, porém, no sentido funcionem. Nos Estados Unidos, por
(Earth Moving Equipment Safety Round contrário, a segurança pode ser afetada. exemplo, os interruptores de luz são posi-
Table - Mesa Redonda de Segurança so- cionados para cima para acender as lâm-
bre Máquinas de Movimentação de Terra). Box Atenção projetistas! padas; já no Reino Unido, para acender
O propósito foi estabelecer uma inte- Algumas das limitações humanas a serem uma lâmpada, o interruptor deve ser posi-
levadas em conta pelos projetistas são:
ração entre os fabricantes de máquinas e cionado para baixo. Outro aspecto que
as empresas de mineração usuárias des- l Órgãos sensoriais (receptores): visão, varia conforme o local é a luz que indica
sas máquinas. Por intermédio dessa união, audição, olfato, etc. No caso da visão, o se uma bomba está funcionando ou não.
operador deveria ser capaz de ler facilmente os
o grupo definiu a operação e a manuten- controles, instrumentos e displays para prevenir Nas plantas químicas dos Estados Unidos,
ção como os principais desafios de proje- uma provável leitura incorreta e até mesmo a a cor verde indica “ligada” e a cor verme-
to, inserindo esforços para gerenciar ris- fadiga; lha indica “desligada”. Já no Japão, nas
cos nesse sentido. Uma das melhorias que l Interpretação: as informações recebidas plantas de geração de energia, luz verme-
surgiu dessas discussões foi em relação à devem ser organizadas de forma que o sistema lha significa “ligada” (porque está ener-
de processamento humano possa facilmente
visibilidade. O tamanho dos veículos fre- entender algo; gizada, indicando condição perigosa), en-
quentemente conduz a uma visibilidade quanto que luz verde significa “desliga-
l Postura: Todos os sistemas e processos de
restrita, com a necessidade de adoção de trabalho deveriam ser projetados para permitir da”.
posturas desconfortáveis por parte do posturas confortáveis que diminuam as chances Falhas na aplicação da engenharia de
de estresse físico;
operador. Isso aumenta a probabilidade fatores humanos podem trazer sérias con-
de colisões com outras máquinas ou pes- l Layout: A distribuição dos espaços das áreas sequências para uma organização: o sis-
de trabalho deveria permitir uma movimentação
soas. Algumas medidas de melhoria já tema se torna menos eficiente com o tem-
adequada entre as posições de operação,
implementadas para lidar com esta visi- acesso e saídas de segurança e comunicação po, acidentes são mais prováveis e os in-
bilidade restrita foram as câmeras de ví- visual e oral com demais colegas; divíduos podem sofrer impactos na saú-
deo e os sistemas de detecção de proxi- l Conforto: Fatores ambientais, particularmente de. Assim, a aplicação dos princípios da
midade. iluminação, ventilação e umidade relativa, engenharia de fatores humanos conduz à
deveriam ser oferecidas para o máximo conforto
do operador;
melhoria da eficiência e da produtivida-
CONTROLES de, com significativa redução das condi-
l Fadiga: Projetos deveriam levar em
Outro aspecto que também faz parte da consideração a fadiga dos operadores e a
ções perigosas no local de trabalho. Isso
engenharia de fatores humanos é a ques- probabilidade de que cometam erros; é obtido reduzindo-se as oportunidades
tão dos controles, seu layout e displays, l Estresse: Esse desconforto pode ser físico
para os operadores cometerem erros du-
que podem influenciar na segurança de (resultante de ruído, vibração ou temperaturas rante a execução de suas tarefas.
um sistema. Alguns dos problemas típicos extremas) ou psicológico (resultante de prazos
não factíveis e outras pressões de trabalho). Confira no próximo texto da sequência as ferramentas de
incluem os botões que podem ser inad- análise de risco apresentadas no programa G-MIRM.

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