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GESTÃO DE SST

Ação integrada
Avaliação de risco das tarefas diminui ocorrência de problemas maiores
Reginaldo Pedreira Lapa, Alessandra Isabella Sampaio Martins, Sérgio Médici de Eston e Wilson Siguemasa Iramina

BETO SOARES/ESTÚDIO BOOM


O processo de gerenciamento de risco
é caracterizado por diferentes etapas, que
incluem a definição de escopo, o entendi-
mento das condições perigosas, a análise
e a valoração dos riscos (considerando os
controles), a identificação dos potenciais
eventos indesejados e o tratamento dos
riscos. Esse conjunto de práticas é supor-
tado por uma etapa de comunicação e
consulta e por outra etapa de monitora-
mento e revisão, que inclui o gerencia-
mento de mudanças.
Uma das formas de representar as dife-
rentes etapas do processo de gerencia-
mento de risco é através do uso de um
modelo chamado de “gerenciamento de
risco em quatro camadas”. Esta aborda-
gem foi desenvolvida a partir de experi-
ência de verificação de boas práticas. Em condições
outubro de 2005, a empresa Phelps Dodge perigosas e selecionan-
visitou mineradoras e consultorias da in- do aquelas que, se ma-
dústria da mineração na Austrália, com a terializadas, implica-
intenção de identificar abordagens de potencial (situações catastróficas); rão em consequências significativas, de
gerenciamento em diferentes níveis ope- 2. Avaliação de risco específica para grande abrangência (por exemplo,
racionais. projetos e mudanças; deslizamento de talude, explosão, rompi-
Praticamente todas as empresas de mi- 3. Avaliação de risco para o desenvolvi- mento de barragem, etc).
neração possuíam um conjunto de aborda- mento de documentos de instruções de Para atuar na primeira camada, é neces-
gens aplicados para vários propósitos. trabalho, tais como diretrizes operacio- sário desmembrar sistematicamente toda
Ainda que cada organização tivesse seu nais, procedimentos operacionais, práti- a unidade em partes apropriadas, para au-
próprio conjunto de práticas, foram per- cas de trabalho seguras, etc; xiliar na identificação das condições peri-
cebidas semelhanças, que puderam ser 4. Avaliação informal de risco para per- gosas. Para cada condição perigosa é re-
agrupadas em quatro modelos distintos e mitir que um trabalhador, prestes a iniciar querida uma caracterização que inclui sua
complementares: uma nova tarefa, realize um processo de magnitude e seus potenciais impactos em
1. Gerenciamento de avaliação global da análise das condições perigosas, dos ris- termos de segurança, meio ambiente, co-
unidade de condições perigosas de alto cos associados e dos controles existentes. munidade, negócios, etc. O uso da aborda-
Essas quatro abordagens foram orde- gem de primeira camada é recomendado
Reginaldo Pedreira Lapa - Mestre em Engenharia de Minas,
nadas em forma de camadas, de uma ma- para todo o ciclo de vida da unidade, des-
engenheiro de Segurança do Trabalho e sócio da empresa neira lógica que sugere que os controles de a fase de projeto, passando por sua im-
CTG Empresarial – Consultoria e Treinamento em Gestão
Ltda. existentes nas camadas mais altas tenham plantação, operação e mesmo o encerra-
reginaldo@ctgempresarial.com.br
Alessandra Isabella Sampaio Martins - Mestre em
um impacto cumulativo e sequencial em mento das atividades.
Engenharia Química, engenheira de Segurança do Trabalho e relação às camadas mais baixas, para a As condições perigosas classificadas de
sócia da empresa Mérito Consultoria e Treinamento.
meritoconsultoria@gmail.com redução da abrangência de uma conse- alto potencial são submetidas a uma aná-
Sérgio Médici de Eston - Professor titular EPUSP, quência indesejada, como por exemplo, lise mais detalhada, por meio da aplicação
coordenador geral do PECE e do curso de Gerenciamento de
Risco de Segurança. um acidente. Confira a Figura 1, Geren- de ferramentas de análise de risco apro-
smeston@usp.br

Wilson Siguemasa Iramina - Professor livre docente EPUSP,


ciamento de risco em quatro camadas. priadas (tais como BTA – BowTie Analy-
engenheiro de Segurança do Trabalho, coordenador sis; FTA – Fault Tree Analysis; ETA – E-
administrativo-financeiro do PECE.
wilsiram@usp.br CAMADAS vent Tree Analysis; etc). Durante essa a-
Este é o sexto artigo de uma série em que se apresenta a
A primeira camada tem como foco a nálise, os controles implantados e em fun-
estrutura de um programa de gerenciamento de risco identificação das condições perigosas de cionamento devem ser considerados. Se,
desenvolvido mundialmente na indústria mineral. O projeto G-
MIRM é produto de uma parceria iniciada pela mineradora alto potencial. Para isso, é necessário ob- após a análise, for concluído que o grau
multinacional Anglo American, que reconheceu a necessida-
de de mudar seu desempenho em segurança. servar toda a unidade, identificando as de risco não é aceitável para a empresa,
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novos controles devem ser propostos co- Quadro 1 Ferramentas para análise de risco nas camadas
mo parte de um plano de ação de melho- Camada Ferramentas aplicáveis
rias, até que o risco seja considerado acei- 1 – Avaliação de riscos por toda a empresa das condições perigosas de alto potencial WRAC ; FTA ; ETA; BTA
tável ou tão baixo quanto razoavelmente 2 – Avaliação de riscos em projetos e mudanças FMECA; HAZOP; FTA; ETA; BTA
praticável (conceito de ALARP - As Low 3 – Avaliação de riscos em tarefas rotineiras e não rotineiras WRAC; JSA
As Reasonably Practical). 4 – Avaliação de riscos contínua, individual Take 5; SLAM
A segunda camada aborda a avaliação
de risco em projetos e mudanças. O foco riscos e a efetividade dos controles. Uma da 4). A seleção da ferramenta aplicável
da análise do risco nesta camada é exami- vez gerados os procedimentos operacio- a cada camada fica a cargo do propósito
nar principalmente novos projetos e mu- nais, estes deverão ser integrados à roti- da análise, da cultura da organização e da
danças de quaisquer natureza (pessoas, na de treinamento e capacitação, monito- disponibilidade de pessoas capacitadas
tecnologia, processos; etc), para identifi- ramentos periódicos e processos de au- para seu uso e aplicação.
car condições perigosas associadas e seus ditoria. Confira o Quadro 1, Ferramentas para
controles. Isso deve ser feito aplicando- A quarta e última camada aborda a ava- análise de risco nas camadas. A explica-
se ferramentas de análise de risco apro- liação de risco contínua, individual e “cara ção sobre cada uma das ferramentas men-
priadas para cada tipo de projeto e/ou mu- a cara”. O foco dessa camada é desenvol- cionadas foi publicada no artigo anterior
dança. A exemplo da primeira camada, ver nos trabalhadores o hábito de parar e dessa série, com exceção das que seguem:
nesse caso também deve ser considerado pensar antes da execução de tarefas roti- - JSA: abreviação das palavras Job Safe-
todo o ciclo de vida de um empreendimen- neiras, prosseguindo com a execução so- ty Analysis (Análise de Segurança da Ta-
to (desde a fase de projeto conceitual até mente se a situação for julgada segura. refa). Esta ferramenta é similar às conhe-
a fase de fechamento). O mesmo processo Para colocar em prática essa abordagem, cidas APT (Análise Preliminar de Tare-
de análise utilizado na primeira camada é preciso definir ferramentas de análise fas) e APR (Análise Preliminar de Riscos)
se aplica a uma mudança que esteja sendo de risco que auxiliem o trabalhador a to- que na realidade são versões simplificadas
avaliada. Isto é, se após as análises for con- mar a decisão de prosseguir ou de usar da WRAC;
cluído que o grau de risco não é aceitá- seu direito de recusa. Após a escolha das - T ake 5: o trabalhador deve realizar
Take
vel, novos controles devem ser propostos ferramentas apropriadas, deve-se treinar uma análise informal de risco nos 5 minu-
como parte de um plano de ação de me- os trabalhadores e reforçar a aplicação e tos antes de iniciar a tarefa, identificando
lhorias de modo que o risco seja aceitável. importância desta prática nas reuniões as condições perigosas envolvidas, seu
A terceira camada aborda a avaliação pré-tarefa (usualmente chamadas de controles e avaliando se é seguro prosse-
de risco no planejamento de tarefas roti- DDS: Diálogo Diário de Segurança). Como guir;
neiras e não rotineiras. O foco dessa cama- parte integrante dessa quarta camada, um - SLAM: abreviação das palavras Stop,
da é desenvolver padrões efetivos para um método de reforço aos trabalhadores deve Look, Assess and Manage (Pare, Olhe, A-
trabalho seguro, além de analisar as tare- ser implantado, para que eles possam sa- valie e Gerencie), que possui propósito se-
fas para as quais não esteja implantado ber se estão agindo corretamente ou não, melhante ao da ferramenta descrita aci-
qualquer padrão efetivo para uma opera- conforme as expectativas da organização ma.
ção segura. A ênfase maior neste nível é a em prol de uma produção segura. Em complemento ao gerenciamento de
preparação de procedimentos operacio- riscos em quatro camadas, o modelo G-
nais que incorporem os cuidados e os con- SEMELHANÇAS MIRM propõe a adoção da prática do
troles apropriados para a execução segu- Ao examinar a descrição das camadas, “gerenciamento integrado de risco”. Seu
ra de tarefas, além dos requisitos técni- percebe-se que um processo semelhante propósito é considerar aspectos de segu-
cos das mesmas. Da mesma forma, nesta está presente em todas elas: fazer uma rança nos diferentes processos de uma or-
camada, devem ser aplicadas ferramen- análise de risco para identificar as condi- ganização aparentemente considerados
tas de análise de risco apropriadas, com ções perigosas envolvidas, avaliar a aceita- de baixo risco, mas que na prática possu-
o intuito de analisar a aceitabilidade dos bilidade dos riscos associados, e propor em elevado potencial de “transferir” con-
medidas de controle adi- dições perigosas para outros processos,
Figura 1 Gerenciamento de risco em quatro camadas cionais nos casos em que resultando em eventos indesejáveis. São
o grau de risco for consi- exemplos desse tipo de processo: planeja-
derado inaceitável pela mento de mina, aquisição, planejamento
organização. A forma de de manutenção, gerenciamento de con-
executar o processo dife- tratados, treinamento e capacitação, co-
re de camada para cama- municação, etc.
da, em função do foco: si- As empresas que ainda não possuem um
tuações com potenciais grau elevado de maturidade em gerencia-
de catástrofes (camada mento de risco, por exemplo, costumam
1), novos projetos e mu- executar o gerenciamento de contratados
danças (camada 2), ta- levando em conta apenas aspectos buro-
refas rotineiras e não ro- cráticos e jurídicos, sem se preocupar com
tineiras (camada 3) e a- a prática da segurança na execução dos
tuação individual (cama- seus contratos. Desse modo, é comum que

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a contratante exija, por exemplo, que o produção é aquele que, se der problema, Figura 2 Abordagem holística
contratado apresente cópia de seu PPRA prejudica a produção (em outras palavras,
(Programa de Prevenção de Riscos Am- prejudica o lucro). Um equipamento crí- Resultados

Resultados
bientais) e de seu PCMSO (Programa de tico para a segurança é aquele que, se der Planejamento Projetos
Manuseio resíduos Mudanças
Controle Médico de Saúde Ocupacional) problema, pode provocar um vazamento
sem se preocupar em analisar seu con- de um gás tóxico e gerar danos à saúde Administração Produção Vendas Engenharia
teúdo, sua pertinência em relação aos ser- de diversos funcionários e, dependendo
viços contratados e sua execução no am- da extensão, da comunidade vizinha tam- Distribuição
RH
biente da contratante. Nesses casos, o bém (como foi o caso do acidente de Bho- Comunicação Segurança e Saúde
foco da empresa contratante está ape- pal, na Índia em 1984). Neste caso, pre-

Resultados
Aquisição Compra
nas na burocracia de cumprir as exigên- judica-se não só a produção, mas a saúde materiais Obras
serviços
cias legais através de cláusulas contra- de trabalhadores e da comunidade; e lo- Manutenção
tuais e não na segurança efetiva dos traba- gicamente, o lucro. Resultados

lhadores.
Outro exemplo refere-se ao planeja- FOCO to caso ocorra. É importante ressaltar que
mento de manutenção. Empresas que se A prática da gestão integrada do risco esta abordagem pode ser utilizada não
preocupam apenas em cumprir a legisla- é conduzida a partir do desdobramento somente considerando a segurança, mas
ção gerenciam a manutenção em função da empresa em unidades menores e, por- também outras dimensões da gestão como
da produção e não em função da seguran- tanto, aproveita a abordagem do geren- meio ambiente, falhas de produção, en-
ça. Costumam esticar ao máximo o tempo ciamento de riscos em camadas. Desse tre outras.
de funcionamento de um ativo, apenas modo, elabora-se um fluxograma de cada No entanto, essa prática possui ainda
para não prejudicar a produção. Não têm um dos processos da empresa, normal- outra vertente que ocorre internamente
a consciência de que uma máquina pode mente até o nível de tarefa. Para cada ta- entre os diferentes setores de uma organi-
provocar um acidente grave se não parar refa, promove-se a verificação “do que zação. Quando se menciona o termo “inte-
para os devidos ajustes, lubrificações, re- pode dar errado”, considerando a possibi- grado”, deve-se entendê-lo como uma de-
gulagens. Também não se preocupam com lidade da “transferência” de uma condição rivação do verbo “integrar”, ou seja, fazer
os chamados “equipamentos críticos”, e perigosa para outro processo e o seu efei- uma gestão de risco conjunta, em que di-
quando o fazem, classificam como “críti- to. Feito isso, avalia-se as possibilidades ferentes partes envolvidas tenham a mes-
cos” para a produção e não focando a se- e fica mais fácil identificar o que fazer para ma preocupação e se empenhem para um
gurança. Um equipamento crítico para a evitar a transferência ou atenuar seu efei- mesmo propósito: a produção segura. Nes-

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se sentido, o gerenciamento integrado de prias preocupações. tando a segurança). A área de manuten-
risco promove uma reflexão em cada pro- Se o setor de RH e o departamento de ção, pressionada, elabora permissões de
cesso organizacional, de modo que se pos- aquisição, que representam o início des- trabalho apenas com requisitos mínimos
sa reconhecer quais situações e condições se processo, não fizerem um bom traba- de segurança, sem tempo para verificar
podem estar transferindo uma condição lho de recrutamento e seleção, acabarão as reais condições de trabalho, muito me-
perigosa para outro processo, desenvol- por escolher empresas e pessoas cujas nos fazer medições que assegurem a inte-
vendo e promovendo uma abordagem ho- qualificações não são adequadas ao perfil gridade física daqueles que estarão ex-
lística na gestão, como ilustra a Figura 2. desejado. O critério de seleção é muitas postos às diversas condições perigosas.
vezes apenas orientado para o menor pre- Não há tempo para análises de risco; não
PRODUÇÃO SEGURA ço, o que sabidamente não significa o me- há tempo para reuniões breves de segu-
Se todos os processos estiverem pen- nor custo quando se incorpora o preparo rança ou diálogos diários de segurança;
sando em produção segura e cada um fizer em relação à produção segura. Por sua não há tempo para nenhum tipo de pre-
a sua parte, a probabilidade de uma con- vez, a gestão de contratos deve definir pa- venção, há tempo apenas para ação
dição perigosa ser “transferida” para ou- râmetros contratuais, especificando ape- imed iata.
tra área é pequena e, portanto, as chances nas requisitos legais mínimos associados Diante de um cenário como esse, onde
de sucesso aumentam consideravelmente. à segurança. Se ela não estiver preocupa- ficou a produção segura? Não ocorreu!
Um exemplo dessa integração é a contra- da com a real atuação da contratada den- Talvez esteja apenas registrada na missão
tação de mão-de-obra terceirizada para tro da sua própria unidade, a qualidade da empresa ou em sua Política de Segu-
um determinado serviço de manutenção. de suas ferramentas, equipamentos e ma- rança e Saúde no Trabalho. A prática do
Para que isso seja possível, pelo menos teriais, os padrões de ordem e limpeza, o gerenciamento integrado de risco é o ins-
os departamentos de recursos humanos, preparo das pessoas que atuarão nas ativi- trumento que aborda estes problemas e,
aquisição, gestão de contratos, manuten- dades de manutenção, o acompanhamen- se efetivamente praticado, os elimina. Por
ção e produção estarão envolvidos. São to diário das atividades por supervisor da essa razão, colocá-lo em prática requer
cinco áreas da empresa que precisarão contratada, a segurança pode ser afetada. muito mais do que boa vontade e boas in-
atuar de forma integrada para que se ob- Uma vez que a empresa recém contra- tenções. Requer preparo da empresa; re-
tenha êxito nessa contratação e para que tada já está dentro da unidade da contra- quer uma cultura de segurança estabe-
todos os envolvidos fiquem satisfeitos com tante, a área de produção pressiona a área lecida e entendida; requer que a seguran-
o resultado final. Assim, essas cinco áreas de manutenção para que os reparos se- ça seja vista como um valor por todos os
devem estar com seu foco no mesmo obje- jam feitos o mais rápido possível, não im- níveis hierárquicos, em suas diferentes
tivo, ainda que cada uma tenha suas pró- portando a que preço (leia-se: não impor- áreas e atribuições.

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