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GESTÃO DE SST

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Modelo criado para empresa de mineração considera evolução em cinco estágios
Alessandra Isabella Sampaio Martins, Sérgio Médici de Eston, Reginaldo Pedreira Lapa e Wilson Siguemasa Iramina

BETO SOARES/ESTÚDIO BOOM


É sabido que segurança e saúde tem
sido uma preocupação para boa parte das
empresas, independentemente de seu ra-
mo de atuação. Por essa razão, esforços
consideráveis vêm sendo desenvolvidos
na abordagem da Segurança e Saúde
Ocupacional. Entretanto, apesar do pro-
gresso que se percebe, o número de pes-
soas que perderam suas vidas ou que so-
freram ferimentos durante o trabalho nos
últimos anos ainda não apresenta uma cla-
ra tendência de queda e está longe de atin-
gir a marca zero.
Em função dessa preocupação, em ja-
neiro de 2008, a empresa de mineração
Anglo American indicou o professor Jim
Joy, do MISHC (Mineral Industry Safety
and Health Centre), da Universidade de
Queensland, para assessorar a empresa na
estruturação de seu processo de gerencia-
mento de risco. Dessa parceria, foi desen-
volvido o conteúdo para um programa glo-
bal de treinamento para cerca de 140 mil
funcionários da empresa. Foi criado um
modelo de “Jornada de Maturidade em
Gerenciamento de Risco de Segurança”,
que considera a evolução da gestão de ris-
cos em cinco estágios, abordando pesso-
as e sistemas, como ilustra a Figura 1, Ma-
turidade em níveis.

NÍVEIS
No nível “básico”, os riscos de seguran-
ça na indústria de mineração são aceitos
como uma consequência natural e se tem

Alessandra Isabella Sampaio Martins - Mestre em


uma perspectiva fatalista. Essa mentali- enquanto nada acontecer. A mentalidade
Engenharia Química, engenheira de Segurança do Trabalho e
sócia da empresa Mérito Consultoria e Treinamento.
dade pode ser expressa de forma frequen- que predomina nesse estágio é: “Eu sigo
meritoconsultoria@gmail.com te como: “Mineração é rude e pessoas os procedimentos e regras apenas quan-
Sérgio Médici de Eston - Professor titular EPUSP,
coordenador geral do PECE e do curso de Gerenciamento de
morrem”. No nível “reativo”, os riscos e a do sei que alguém está me observando”.
Risco de Segurança.
smeston@usp.br
necessidade de controlá-los são reconhe- Quando se está no nível “pró-ativo”, as
Reginaldo Pedreira Lapa - Mestre em Engenharia de Minas,
cidos, mas as pessoas ainda não conse- pessoas não se colocam intencionalmen-
engenheiro de Segurança do Trabalho e sócio da empresa
CTG Empresarial – Consultoria e Treinamento em Gestão
guem perceber que estão expostas a di- te em perigo e sempre seguem o procedi-
Ltda.
reginaldo@ctgempresarial.com.br
versas condições perigosas. Neste nível de mento. Atalhos não são vistos como uma
Wilson Siguemasa Iramina - Professor livre docente EPUSP,
maturidade as pessoas tendem a afirmar: opção. Nesse nível, a mentalidade é: “Eu
engenheiro de Segurança do Trabalho, coordenador
administrativo-financeiro do PECE.
“Acidentes não acontecerão comigo”. No sigo os procedimentos porque eu quero”.
wilsiram@usp.br terceiro nível, chamado de “cumpridor”, No último estágio, denominado de “re-
Este é o último artigo de uma série em que se apresenta a
as pessoas seguem os procedimentos es- siliente”, as pessoas não executam uma
estrutura de um programa de gerenciamento de risco
desenvolvido mundialmente na indústria mineral. O projeto
pecíficos de segurança sempre que pos- tarefa se esta envolver condições perigo-
G-MIRM é produto de uma parceria iniciada pela mineradora
multinacional Anglo American, que reconheceu a necessida-
sível, exceto quando a produção “está em sas, ainda que o procedimento permita
de de mudar seu desempenho em segurança. jogo”. Existe uma aceitação para atalhos isso. Segurança é um valor e não é mais
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tros processos e outras pessoas. Essa pos-
tura pode ser justificada não pela carac-
terística de vigília ao outro, mas pelo fato
de que, se o colega estiver exposto a uma
condição perigosa ou estiver prestes a to-
mar uma decisão errada, ele pode colo-
car em perigo não só a vida dele, mas a de
outros colegas e, dependendo da conse-
quência, provocar danos significativos à
organização de forma geral.
Para aplicar esse modelo de jornada e-
volutiva, a empresa efetua primeiramen-
te um processo de auto-avaliação. Há um
formulário-guia específico, no qual são
descritas as características predominan-
tes de cada um dos 23 elementos (seis na
categoria de “pessoas” e 17 na categoria
de “sistemas”). Com base neste guia, cada
unidade da empresa avalia suas caracte-
vista como uma prioridade competitiva. hierárquicos deixam de se preocupar so- rísticas para cada um dos 23 elementos e
Todas as pessoas expressam isso com a mente com seus processos e seu bem-es- se posiciona em um dos cinco estágios da
seguinte mentalidade: “Essa é a forma tar, e passam a se preocupar também com escala evolutiva. Ao final do processo, são
como trabalhamos”. O termo “resiliência” o coletivo, com os outros processos e seus obtidos dados similares ao exemplo da Ta-
é um conceito que se refere à capacidade colegas expostos às condições perigosas. bela 1, Auto-avaliação.
de um material sofrer tensão e recuperar Essa mudança cria um clima cultural de Alguns pontos devem ser considerados
seu estado normal. Assim, pode ser en- cuidado mútuo, em que todos ganham se ao se fazer essa auto-avaliação. O primei-
tendido como a capacidade de adaptação preocupando uns com os outros. ro é que, quando se avaliam os elementos
e recuperação. Desta forma, uma atitude No sexto artigo desta série foi aborda- da categoria de “pessoas”, a empresa deve
resiliente significa ter uma conduta posi- do o gerenciamento integrado de risco, levar em conta não apenas seus funcio-
tiva diante das adversidades. Ser resiliente que é um instrumento de aumento da ma- nários efetivos, mas, também, os contrata-
é ter a capacidade de se reerguer depois turidade no sentido de cuidar do outro, dos. Isso pode parecer irracional a princí-
de sofrer um impacto, extraindo experi- uma vez que esta prática incentiva a abor- pio, mas para empresas de elevada matu-
ência das situações difíceis e depois, uti- dagem de situações existentes naquilo ridade em gestão de SST, os contratados
lizar esse aprendizado para reverter a si- que alguém faz e que pode impactar ou- são parte integrante do time que faz a
tuação a seu favor. Quando uma empresa
se encontra no nível resiliente, as coisas
ainda podem dar errado (acidentes po- Tabela 1 Auto-avaliação
dem ocorrer), porém com uma frequência Básico Reativo Cumpridor Pró ativo Resiliente
muito pequena, e o tempo que a empresa Categoria de Pessoas

leva para se restabelecer, retomando seu P1. Atitude Pessoal em Relação ao Risco
P2. Cuidado & Reconhecimento
equilíbrio e seguindo adiante com seus P3. Liderança & Compromisso da Gerência
negócios, costuma ser menor. P4. Responsabilidade pela Segurança
P5. Envolvimento dos Funcionários & Consulta a Eles
P6. Orientações & Tutorial
DIRETRIZES
Além dos cinco estágios de maturidade Categoria de Sistemas

no gerenciamento da segurança, o mode- S1. Adoção de Gerenciamento de Riscos


S2. Planejamento Estratégico
lo Anglo American tem também mais duas S3. Gerenciamento de Projeto & Processo
diretrizes: “Cuidando de mim” e “Cuidan- S4. Identificação de Condições Perigosas de Alto
do dos outros”. Seus reflexos são perfei- Potencial e Gerenciamento de Riscos Prioritários
S5. Gerenciamento de Mudanças
tamente visíveis na evolução dos 23 ele-
S6. Planejamento de Funções e Tarefas
mentos que compõem a jornada de ma- S7. Identificação e Relatório de Condições Perigosas
turidade, envolvendo pessoas e sistemas, S8. Treinamento e Competência
conforme ilustra a Figura 2, Cuidado mú- S9. Comunicação
S10. Gerenciamento do Conhecimento
tuo. Essas diretrizes fazem parte da cons- S11. Manutenção
trução da cultura organizacional e indi- S12. Aquisição
cam que, à medida em que se evolui na S13. Gerenciamento de Contratado
S14. Investigação e Análise de Incidentes
jornada e se ganha maturidade em ges- S15. Resposta à Emergência
tão de SST (incluindo o gerenciamento S16. Medida de Desempenho de Segurança
de risco), as pessoas em diferentes níveis S17. Monitoramento e Auditoria

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te modo, é coerente considerá- um degrau na escala de maturidade. Para
los como parte integrante em essa fase, também há regras específicas.
cada um dos elementos de “pes- A primeira delas é que se deve subir um
soas”. Além da questão dos con- degrau de cada vez, sem pular estágios,
tratados, deve-se interpretar cor- para cada um dos 23 elementos de siste-
retamente o significado do está- mas e pessoas. Por exemplo, se para o ele-
gio “cumpridor”. Esse termo tra- mento de sistemas “manutenção”, a auto-
duzido do inglês (compliant) car- avaliação indicar que a empresa encon-
rega consigo o conceito de que, tra-se no estágio “reativo”, ela não pode
para se estar nesse nível, não estabelecer um plano de ação para se mo-
basta apenas cumprir a legisla- ver diretamente ao estágio “resiliente”. E-
ção. De acordo com as caracte- la deve traçar a direção e definir a estra-
rísticas de cada nível para cada tégia para subir até o próximo estágio, que
um dos 23 elementos, a empresa é o “cumpridor”. As ações propostas são
que simplesmente cumpre a lei colocadas em prática e requerem um tem-
enquadra-se no estágio “reativo”. po de maturação até que a empresa, após
Consequentemente, se posicio- as mudanças implantadas, atinja um equi-
nar no estágio “cumpridor” sig- líbrio e tudo esteja funcionando sem des-
nifica mais do que simplesmente vios ou problemas. Quando isso ocorrer,
atender à lei, significa cumprir uma nova estratégia deverá ser elabora-
toda a legislação pertinente de da, dessa vez para elevar o elemento “ma-
Saúde e Segurança do Trabalho, nutenção” até o próximo estágio, que é o
organização crescer. Há muitas empresas bem como as políticas, valores, missão, “pró-ativo”. Assim, o ciclo recomeça colo-
que declaram, em suas políticas, que con- regras e outros princípios e acordos esta- cando as ações propostas em prática e
tratados devem ser tratados da mesma belecidos e subscritos pela organização. aguardando um tempo de maturação, para
forma que funcionários. Assim, se estão só então dirigir novos esforços para alcan-
atuando lado a lado com os funcionários, AÇÃO çar o último estágio de maturidade, que é
são parte integrante da equipe, fazendo Finalizada a fase de auto-avaliação, a o “resiliente”. Raciocínio semelhante deve
praticamente os mesmos tipos de ativi- empresa deverá estabelecer um plano de ser considerado para cada um dos ele-
dades (às vezes até mais perigosas). Des- ação para dar um passo à frente e subir mentos da categoria de “pessoas” e de

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“sistemas”, até que todos estejam alinha- elas não acreditam no sistema? O sistema as características de um determinado es-
dos no último estágio da jornada. não vai funcionar adequadamente, porque tágio, antes de direcionar esforços para o
Além desse critério, há uma prioridade ele depende das pessoas, de suas ações e estágio seguinte. Isso significa que uma
a considerar entre os elementos. Aqueles decisões, para que requisitos saiam do empresa que se encontra no nível reativo
que estiverem nos estágios mais baixos papel e sejam incorporados à rotina de e almeja alcançar o nível resiliente levará
devem receber atenção prioritária. Em trabalho. de nove a quinze anos para atingir essa
outras palavras, se há um elemento no Para que os planos de ação sejam reais meta. Uma vez conquistada, outro desafio
estágio “cumpridor” e outro elemento no e factíveis, recomenda-se que sejam ela- surge: manter-se permanentemente nes-
estágio “básico”, este que se encontra em borados considerando-se um intervalo de se estágio, sem retroceder. Em outros ter-
um nível mais inferior requer mais aten- tempo não superior a dois anos. A razão mos, a adoção de uma jornada de maturi-
ção e tem prioridade com relação ao que disso é que a grande maioria das empre- dade é um meio de desenvolver e susten-
já se encontra em um estágio mais avan- sas costuma trabalhar com projeções or- tar uma cultura de segurança.
çado. Prioridade também deve ser dada çamentárias anuais ou, no máximo, bianu-
aos elementos da categoria de “pessoas”. ais. Por isso, seria inviável definir ações CUL TURA SUSTENTÁVEL
CULTURA
Eles devem evoluir na jornada antes dos para os próximos cinco ou dez anos, ten- Alguns registros de grandes acidentes
elementos da categoria de “sistemas”, afi- do em vista o dinamismo das operações evidenciam esse retrocesso por parte de
nal são as pessoas que fazem o sistema industriais. Nesse sentido, percebe-se que organizações que eram vistas como refe-
funcionar, definem e implantam as regras a implantação de um modelo de jornada rência em termos de gestão de SST e que,
de gerenciamento. Elas devem estar em de maturidade deve ser uma prática cons- de uma hora para outra, tiveram seus no-
uma posição equivalente ou superior aos tante e revisada periodicamente, para que mes expostos na mídia por causarem mor-
elementos do sistema. Se o formulário- uma nova auto-avaliação seja feita após a tes e outros danos. O acidente da British
guia de auto-avaliação mostrar que os ele- conclusão do primeiro “lote” de ações de Petroleum, ocorrido em 2005 em sua re-
mentos do sistema encontram-se, em mé- melhoria e um novo “lote” de ações seja finaria no Texas, é um exemplo do retro-
dia, à frente dos elementos de pessoas, proposto. Por se tratar de um processo cesso na jornada de maturidade. Até aque-
tem-se uma grande incoerência. Este re- gradativo, não adianta ter pressa. A expe- la data, a empresa vinha divulgando, em
trato mostra que algo está em desacordo riência de grandes organizações em está- seus relatórios anuais de sustentabilidade,
na organização. De que adianta ter bons gios elevados de maturidade mostra que, indicadores que mostravam considerável
procedimentos escritos e bem definidos, para se chegar ao topo de uma jornada, avanço em termos de redução significati-
se as pessoas não vêem a segurança como leva-se em média de três a cinco anos em va no número de acidentes com e sem
valor? Se suas atitudes são precárias e cada estágio. É necessário cumprir todas afastamento. Depois que o acidente acon-

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teceu, a equipe de investigação do aciden- de risco está associado a ter bons contro- modelos de jornada. A DuPont é mun-
te recomendou que a BP deveria formar les e mantê-los, em algum lugar a BP fa- dialmente conhecida por suas práticas de
um painel independente para estudar sua lhou. Aparentemente, ela tinha controles segurança e desenvolveu a chamada “Cur-
cultura de segurança. instalados e implantados: indicadores de va de Bradley”, de quatro estágios. Da
Essa recomendação foi realizada e des- nível, válvulas de segurança, sistemas re- mesma forma, a Shell também tem o seu
se estudo surgiu o “Relatório Baker”, que dundantes, procedimentos operacionais, próprio modelo de jornada, chamado de
apresentou as oportunidades de melhoria treinamentos, etc. Mas é preciso também “Corações e Mentes” (do inglês, Hearts
em relação à cultura e à gestão de Saúde mantê-los. A investigação do acidente mos- and Minds). A empresa de mineração
e Segurança do Trabalho. Entre os pon- trou que pelo menos cinco dos controles Newmont também desenvolveu um mo-
tos identificados, um deles refere-se à fal- existentes falharam, contribuindo para a delo próprio, de cinco estágios.
ta de preocupação quanto ao monitora- ocorrência que matou 15 e feriu outras Assim como algumas empresas de mi-
mento dos indicadores de segurança de 170 pessoas, além de todas as demais neração, a indústria química segue um
processo. Segundo o relatório, até então, perdas. modelo padronizado proveniente do Pro-
a BP sempre havia considerado indicado- grama Atuação Responsável®, coordena-
res de segurança de pessoas, como taxas RESILIENTE do no Brasil pela Abiquim (Associação
de acidente com e sem afastamento, e se Para se manter no estágio “resiliente” Brasileira das Indústrias Químicas). Esse
apegou ao fato de que seus funcionários da jornada de maturidade, o desafio prin- modelo é composto por quatro níveis de
não estavam se ferindo e nem morrendo cipal para não retroceder é a vigília per- maturidade, cujas características têm re-
para supor, erroneamente, que estavam manente, que está diretamente associa- lação direta com as diretrizes de sistemas
operando com segurança. Este relatório da ao termo “manutenção” (dos contro- de gestão, como os das normas 9001 (ges-
aponta que a postura da BP estava equi- les, da cultura de segurança, do cuidado tão da qualidade), 14001 (gestão ambien-
vocada, pois deixava de considerar indi- da própria integridade física, do cuidado tal) e 18001 (gestão de SST).
cadores de segurança de processo. com a segurança dos outros, etc). Portan- Independentemente do modelo de jor-
Controles instalados na unidade de iso- to, não bastam esforços para atingir o nada de maturidade adotado, o importan-
merização, que estava sendo reiniciada, objetivo de zero lesão ou de chegar ao es- te é que todos na organização, nos dife-
falharam e isso resultou na geração de u- tágio “resiliente”; é preciso se manter nes- rentes níveis hierárquicos, se sintam res-
ma nuvem de vapor inflamável que, ao en- se estágio. ponsáveis pelo desempenho em seguran-
contrar uma fonte de ignição explodiu e Além da Anglo American, outras empre- ça e a tenham como um verdadeiro valor.
provocou uma série de incêndios subse- sas já possuem uma sólida cultura de se- Sem isso, não há modelo ou sistema de
quentes. Se o conceito de gerenciamento gurança e desenvolveram seus próprios gestão que seja sustentável.

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