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Nexo de causalidade e estado anterior na avaliação médico-legal do dano corporal

Autor(es): Oliveira, Carina; Vieira, Duarte Nuno; Corte-Real, Francisco


Publicado por: Imprensa da Universidade de Coimbra
URL URI:http://hdl.handle.net/10316.2/41104
persistente:
DOI: DOI:https://doi.org/10.14195/978-989-26-1144-0

Accessed : 9-Sep-2021 21:10:17

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NEXO DE CAUSALIDADE
E ESTADO ANTERIOR NA
AVALIAÇÃO MÉDICO-LEGAL
DO DANO CORPORAL

CARINA OLIVEIRA
DUARTE NUNO VIEIRA
FRANCISCO CORTE-REAL

IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA


COIMBRA UNIVERSITY PRESS
Este trabalho pretende constituir um contributo para uma melhor

caracterização, na perspetiva forense, da avaliação do dano corporal

pós-traumático quando um estado anterior está presente e promover

uma uniformização cada vez maior da avaliação efetuada pelos

profissionais sobre os conceitos analisados. Serão abordadas as

possíveis associações existentes entre patologias orgânicas ou traumáticas

e um estado anterior, com o objetivo de melhor descrever os princípios

gerais e específicos para o estabelecimento da imputabilidade e/ou

agravamento dessas mesmas patologias. A este propósito, serão narradas

perícias médico-legais, onde as lesões traumáticas provocaram um eventual

agravamento do estado anterior ou em que este influenciou negativamente

as consequências do traumatismo. Tais casos foram analisados, enfatizando

a metodologia de avaliação médico-legal e a forma de valorização do

estado anterior. Visa-se, também, perceber qual o efeito da conclusão

médico-legal na decisão judicial, pelo que se conclui esta obra com uma

análise do valor ou da influência da avaliação médico-legal na tomada de

decisão judicial em Portugal quando uma condição patológica preexistente

está presente, identificando os pontos fortes e fracos da mesma.


NEXO DE CAUSALIDADE
E ESTADO ANTERIOR NA
AVALIAÇÃO MÉDICO-LEGAL
DO DANO CORPORAL

CARINA OLIVEIRA
DUARTE NUNO VIEIRA
FRANCISCO CORTE-REAL

IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA


COIMBRA UNIVERSITY PRESS
COLEÇÃO SAÚDE

TÍTULO TITLE
Nexo de causalidade e estado anterior na avaliação médico-legal do dano corporal
Medico-legal imputability and prior state in personal damage evaluation

AUTORES AUTHORS
Carina Oliveira
Duarte Nuno Vieira
Francisco Corte-Real

PREFÁCIO PREFACE
Jorge Costa Santos

EDITOR PUBLISHER
Imprensa da Universidade de Coimbra
Coimbra University Press

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Imprensa da Universidade de Coimbra

REVISÃO REVIEW
Graça Pericão

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Carlos Costa

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ISBN
978-989-26-1143-3

ISBN Digital
978-989-26-1144-0

DOI
https://doi.org/10.14195/978-989-26-1144-0

DEPÓSITO LEGAL LEGAL DEPOSIT


420598/17

© JANEIRO 2017
IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
COIMBRA UNIVERSITY PRESS
NEXO DE CAUSALIDADE
E ESTADO ANTERIOR NA
AVALIAÇÃO MÉDICO-LEGAL
DO DANO CORPORAL

CARINA OLIVEIRA
DUARTE NUNO VIEIRA
FRANCISCO CORTE-REAL

IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA


COIMBRA UNIVERSITY PRESS
CARINA OLIVEIRA Ciências Forenses, Associação Mundial de Médicos de
Polícia, Academia Mediterrânea de Ciências Forenses e
Licenciada em Medicina e Mestre em Medicina Legal e Associação Latino-Americana de Direito Médico. Tem
Ciências Forenses, pela Universidade de Coimbra. Pós- exercido funções como Consultor Forense Temporário
Graduação em Medicina Legal, Social e do Trabalho; no âmbito do Alto Comissariado dos Direitos Humanos
Curso Superior de Medicina Legal; Pós-Graduação das Nações Unidas, Consultor Forense do Comité
em Avaliação do Dano Corporal Pós-Traumático. Internacional da Cruz Vermelha e perito forense do
Executive Master em Gestão na Saúde na Católica Conselho Internacional de Reabilitação de Vítimas de
Porto Business School. Doutoranda do programa Tortura. Foi Diretor do Instituto de Medicina Legal
Avances e Novas Estratexias en Ciencias Forenses na de Coimbra e Presidente do Instituto Nacional de
Universidade de Santiago de Compostela. Médica Medicina Legal e Ciências Forenses e do Conselho
Especialista em Medicina Legal pela Ordem dos Médico-Legal.
Médicos. Assistente Convidada de Medicina Legal e
Forense e Direito Médico na FMUC. Docente do Curso FRANCISCO CORTE-REAL
de Pós-Graduação em Avaliação do Dano Corporal
Pós-Traumático e do Mestrado em Medicina Legal e Licenciado, Mestre e Doutorado em Medicina (Medicina
Ciências Forenses na FMUC. Elemento da Comissão Legal), pela Universidade de Coimbra. Especialista e
Organizadora e Científica de diversos Congressos Assistente Graduado em Medicina Legal. Especialista
nacionais e internacionais na área da Medicina Legal. universitário em Avaliação do Dano Corporal pela
Membro Integrado do Centro de Ciências Forenses Universidade de Santiago de Compostela. Professor
da Fundação para a Ciência e Tecnologia. Integra o Associado com Agregação e Sub-Diretor da Faculdade
Corpo Redatorial da Revista Portuguesa de Avaliação de Medicina da Universidade de Coimbra. Membro
do Dano Corporal − APADAC. da Direção da Competência em Avaliação do Dano
Corporal da Ordem dos Médicos. Foi Presidente do
DUARTE NUNO VIEIRA Colégio da Especialidade de Medicina Legal da Ordem
dos Médicos. Desempenhou funções de Diretor da
Professor Catedrático e Diretor da Faculdade de Delegação do Centro e Vice-Presidente do Conselho
Medicina da Universidade de Coimbra. Presidente do Diretivo do Instituto Nacional de Medicina Legal,
Conselho Europeu de Medicina Legal, do Conselho de bem como membro do Conselho Médico-Legal. Foi
Consultores Científicos do Procurador do Tribunal Penal Presidente da Associação Portuguesa de Avaliação do
Internacional, da Associação Portuguesa de Avaliação Dano Corporal, Presidente da Sociedade Portuguesa
do Dano Corporal e Vice-Presidente da Confederação de Genética Humana, Deputy do European Council of
Europeia de Especialistas em Avaliação e Reparação Legal Medicine, Sócio-Fundador do Centro de Estudos
do Dano Corporal. Presidiu à Academia Internacional de Pós-Graduação em Medicina Legal e membro da
de Medicina Legal, Associação Internacional de Direção do Centro de Ciências Forenses.
SUMÁRIO

PREFÁCIO..................................................................................................7

PREÂMBULO.............................................................................................9

I. ENQUADRAMENTO MÉDICO-LEGAL ................................................. 11

1. Considerações iniciais.........................................................................................................13
2. Nexo de causalidade..........................................................................................................13
3. Estado anterior.................................................................................................................. 21
3.1. O nexo de causalidade e o estado anterior no âmbito
da avaliação do dano corporal em Direito do Trabalho................................................................ 35
3.2. O nexo de causalidade e o estado anterior no âmbito
da avaliação do dano corporal em Direito Civil............................................................................ 39

II. REVISÃO DA LITERATURA.................................................................49

1. Cefaleia ..............................................................................................................................51
2. Epilepsia ............................................................................................................................ 55
3. Cervicartrose..................................................................................................................... 59
4. Patologia discal................................................................................................................. 63
5. Lesões da coifa de rotadores............................................................................................ 66
6. Reumatismos inflamatórios.............................................................................................. 67
6.1. Poliartrite reumatoide................................................................................................................. 72
6.2. Espondilite anquilosante............................................................................................................ 72
6.3. Reumatismo psoriático............................................................................................................... 73
7. Fibromialgia........................................................................................................................74
8. Doença de Dupuytren...................................................................................................... 76
9. Psoríase.............................................................................................................................. 77
10. Esclerose múltipla............................................................................................................ 78
11. Enfarte agudo do miocárdio........................................................................................... 79
12. Doença arterial periférica............................................................................................... 82
13. Endocrinopatias .............................................................................................................. 83
13.1. Síndromes hipofuncionantes..................................................................................................... 84
13.2. Síndromes hiperfuncionantes................................................................................................... 85
14. Tuberculose.................................................................................................................................... 91
14.1. Tuberculose pleuropulmonar..................................................................................................... 93
14.2. Tuberculose urogenital............................................................................................................. 95
14.3. Tuberculose vertebral............................................................................................................... 95
14.4. Outras formas de tuberculose.................................................................................................. 96
15. Neoplasia.......................................................................................................................... 97
15.1. Neoplasia da pele..................................................................................................................... 99
15.2. Tumores do sistema nervoso central....................................................................................... 101
15.3. Tumores ósseos...................................................................................................................... 103
15.4. Tumores do tecido conjuntivo................................................................................................ 103
15.5. Neoplasia da mama................................................................................................................ 104
15.6. Neoplasia testicular................................................................................................................ 105

III. APLICAÇÃO E DISCUSSÃO DE CASOS PRÁTICOS..........................107

1. Casos práticos no âmbito da avaliação do dano corporal em Direito do Trabalho...... 109


2. Casos práticos no âmbito da avaliação do dano corporal em Direito Civil................... 114

IV. JURISPRUDÊNCIA............................................................................137

V. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................... 161


7

P R E FÁC I O outras, mas nem por isso menos importantes, por-


que indissociáveis da essência da própria missão
pericial. Uma missão que não pode quedar-se pela
O título do livro remete-nos para o cerne constatação do óbvio, ignorando a diversidade e
da avaliação do dano corporal pós-traumático: o complexidade dos fatores subjacentes, sob pena
nexo de causalidade, ou seja, a relação de causa e de trair a sua natureza e objetivos, contribuindo
efeito que deve existir entre o dano medicamente não apenas para uma rigorosa formulação diag-
diagnosticado e o traumatismo que o provocou, nóstica, mas também para a justa reparação do
e o estado anterior, entendido como o estado dano corporal sofrido pela pessoa. Tarefa que
patológico existente no momento da ocorrência apela não apenas a peritos médicos qualificados,
do traumatismo e a relevância que este pode ter mas também a uma harmonização de procedi-
no resultado da avaliação pericial. E justamen- mentos que reduza a margem de subjetividade
te porque se trata de dois conceitos nucleares, e de aleatoriedade a que todos se encontram
verdadeiras traves-mestras da avaliação médico- sujeitos. No interesse do cidadão e da realização
-legal do dano corporal, poderíamos ser levados da justiça, mas também da dignificação das pró-
a crer que pouco ou nada haveria a acrescentar prias funções periciais.
ao muito que se sabe e consta da vasta biblio-
grafia especializada. Ora este livro vem abalar a Ora, esta obra, pela forma como se encon-
ligeireza deste raciocínio, mostrando que, sem tra concebida, organizada e escrita, dá corpo às
deixar de contemplar, de forma sistemática e ri- judiciosas palavras do Professor Pierre Lucas: "pe-
gorosa, aquilo que se sabe, é possível acrescentar ritar é estudar, compreender, descrever, e depois
conhecimento ao conhecimento, abrir janelas para explicar para fazer compreender”. Com efeito,
espaços ainda pouco explorados e iluminar zonas faculta ao leitor abundante matéria de estudo,
de penumbra que ainda turvam a nitidez exigível reunida de forma articulada e acessível, ajuda
à visão pericial. Trata-se, pois, de um livro novo a compreender aspetos menos comuns e mais
sobre velhas questões. Questões velhas, mas não complexos das lides periciais, descreve várias enti-
esgotadas, como o livro tão bem documenta. dades nosológicas com inegável relevância teórica
e prática para a avaliação do dano corporal pós-
Escorado numa ampla e criteriosa revisão bi- traumático, e, finalmente, explica tudo isto com
bliográfica, os autores abordam, sucessivamente, a clareza e a simplicidade requeridas por quem
os pressupostos médico-legais do nexo de causa- quer compreender e fazer compreender. Elenca
lidade, a teoria da causalidade adequada consa- dúvidas e equaciona alternativas diagnósticas,
grada no ordenamento jurídico português, e um discutindo-as à luz dos conhecimentos técnico-
vasto leque de causas concorrentes, simultâneas -científicos atuais, questiona e questiona-nos,
ou sucessivas (concausas e causas cumulativas), apoiando-se em exemplos práticos que ilustram a
suscetíveis de contribuírem, de algum modo, para diversidade e a complexidade do tema. Um tema
o resultado final. Umas mais frequentes do que que, não dispensando sólidos conhecimentos de
8

anatomia, fisiologia, biomecânica e patogenia, que se dedicam à avaliação do dano corporal


faz apelo, sobretudo, a uma experiência clínica e pós-traumático, mas também para magistrados
médico-legal que tenha em conta a pessoa e a sua e advogados, profissionais da área dos seguros,
circunstância, mas também a área do direito (cível e estudantes de medicina e de direito. Um livro
ou laboral) em que a avaliação pericial tem lugar. a ler e a recomendar.

Trata-se, pois, de um precioso auxiliar não Estoril, maio de 2016


apenas para os médicos, especialistas ou não, Jorge Costa Santos, MD, PhD
9

P R E Â M B U LO a sua metodologia de avaliação são escassas.


A pouca informação sobre esta matéria disponível
a nível nacional, sobretudo na vertente médico-
No âmbito da Clínica Forense, o estabeleci- -legal, aliada à complexidade que a sua análise
mento do nexo de causalidade constitui o ponto envolve e à falta de uniformização neste tipo de
nuclear sobre o qual assenta a avaliação pericial do apreciação, constituíram as principais motivações
dano corporal pós-traumático. Sendo frequentes deste trabalho.
as situações em que, de forma relativamente con- Avaliaram-se, assim, as possíveis associações
sensual, se verifica estarem reunidos os critérios existentes entre patologias orgânicas ou trau-
necessários ao seu estabelecimento, outras há máticas e um estado anterior, com o objetivo de
em que isso não acontece ou suscita profundas melhor descrever os princípios gerais e específi-
incertezas. Entre os vários fatores que para tal cos para o estabelecimento da imputabilidade
concorrem, assume destaque o estado anterior. e/ou agravamento dessas mesmas patologias.
O perito médico deve estar apto a identificar as A este propósito, foram descritas diversas perí-
situações em que esta variável está em jogo e cias médico-legais onde as lesões traumáticas
estar consciente de que este elemento pode, por provocaram um eventual agravamento do estado
si só, tornar o caso complexo. Deve, também, anterior ou em que este influenciou negativamen-
encontrando-se na posse de todos os dados rele- te as consequências do traumatismo. Tais casos
vantes, conseguir pronunciar-se sobre a influência foram analisados enfatizando a metodologia de
de um estado patológico preexistente na situação avaliação médico-legal e a forma de valorização
clínica atual do examinando. do estado anterior.
Neste sentido, o estudo da concausalida-
de é um elemento fundamental no contexto da Verificar a existência de um dano físico ou
avaliação pericial, não constituindo um aspeto patológico anterior não constitui, usualmente,
meramente académico, mas, sobretudo, jurídico e uma tarefa complexa. Porém, estabelecer com
até social, dado estender-se o problema da sinis- rigor e precisão a influência que esse estado an-
tralidade à sociedade no seu contexto geral. A for- terior pode assumir na situação em avaliação,
ma como vem sendo valorado o estado anterior, pode revelar-se difícil, até porque a valorização
sem critérios de homogeneidade entre os diversos do estado anterior depende, em grande medida,
peritos médicos, origina, com alguma frequência, do ramo do Direito em que a perícia se processa.
dificuldades interpretativas que impedem uma Na verdade, se no âmbito do Direito do Trabalho
correta avaliação do dano pós-traumático. Mesmo estão, entre nós, claramente estabelecidas as re-
na vertente clínica da abordagem médico-legal gras que devem ser aplicadas nestes casos, o
desta temática, as orientações específicas sobre mesmo já não ocorre no âmbito do Direito Civil.
11

Capítulo I
ENQUADRAMENTO MÉDICO-LEGAL

1. Considerações iniciais
2. Nexo de causalidade
3. Estado anterior
(Página deixada propositadamente em branco)
CAPÍTULO 1. ENQUADRAMENTO MÉDICO-LEGAL 13

1. CO N S I D E R AÇÕ ES I N I C I A I S 2 . N E XO D E C AUSA L I DA D E

No âmbito da avaliação pericial do dano Para melhor compreensão de um estado


pessoal somos frequentemente confrontados com anterior é fundamental uma pormenorizada
situações de assinalável complexidade, nomea- ponderação sobre o estabelecimento da impu-
damente no que se refere ao estabelecimento tabilidade médica, uma vez que na avaliação do
da imputabilidade médica, sobretudo quando a dano corporal pós-traumático em sede de Direito
pessoa examinada é já portadora de um estado Civil e de Direito do Trabalho surgem, com muita
anterior, decorrente de doenças e/ou acidentes frequência, questões relacionadas com o nexo
prévios. de causalidade de determinadas patologias, bem
A complexidade destas situações reside na como com a existência de um estado anterior
dificuldade que os peritos médicos podem encon- (relacionado com o evento traumático em apreço).
trar na interpretação das sequelas avaliadas, bem O nexo de causalidade é um dos pressu-
como nas diferenças dos parâmetros a valorar, postos fundamentais no estabelecimento da res-
consoante os diferentes domínios do Direito em ponsabilidade pela reparação do dano corporal.
que essa avaliação se processa. Verifica-se, na prá- Por conseguinte, pode definir-se a causalidade
tica pericial, uma enorme diversidade de critérios e médico-legal como o estudo da relação etiológica
também uma significativa disparidade dos valores entre um determinado evento e um determinado
de desvalorização arbitrados. Estas discrepâncias efeito ou alteração da integridade físico-psíquica.
nem sempre são fáceis de compreender, havendo Sendo o nexo de causalidade a pedra de
ainda um longo caminho doutrinal a percorrer no toque sobre o qual assenta a avaliação pericial
sentido de racionalizar e objetivar a valoração do do dano corporal, analisá-lo e estabelecê-lo com
dano corporal e de ir obtendo um sistema cada segurança pode constituir uma tarefa complexa,
vez mais justo de reparação. Constitui assunto podendo surgir situações de conflitualidade e até
de particular relevância a definição de critérios de litigância entre as partes intervenientes. Assim
de harmonização nos procedimentos periciais a sendo, na sua abordagem, a primeira etapa con-
seguir, quando um estado anterior está presente, sistirá em avaliar cientificamente se existe uma
possibilitando que todas as vítimas sejam ava- relação de causalidade entre o evento traumático
liadas de forma equitativa e proporcional. Esta e as lesões e/ou sequelas alegadas e constata-
uniformização de critérios terá também como das. O nosso atual sistema jurídico consagra a
objetivo evitar ressarcimentos aleatórios, servindo vertente mais ampla da teoria da causalidade
igualmente de auxílio ao magistrado na análise e adequada, não exigindo uma exclusividade do
fundamentação de casos análogos. facto condicionante do dano, ou seja, permitindo
que um determinado resultado possa ter várias
causas concorrentes, simultâneas ou sucessivas
(concausas e causas cumulativas), sem que isso
14 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

diminua ou atenue a eficácia causal de qualquer das lesões e/ou sequelas) e o fator fisiopatológico
uma delas. Como também veremos, a existência (explicação patogénica das lesões e/ou sequelas,
de predisposições patológicas não exclui o direito ou seja, a produção de uma alteração anatomo-
à reparação integral desde que se demonstre que clínica).
o evento traumático foi também causa de danos De acordo com os elementos acima referidos,
corporais, resultantes ou não do agravamento no plano médico-legal é importante a verificação
de lesões ou de tais predisposições anteriores. dos seguintes critérios:
Esta teoria da causalidade adequada, do-
minantemente aceite na doutrina jurídica portu-
guesa, exclui o referido nexo quando os danos 1.º Critério etiológico, etiopatogénico
resultam de “desvios fortuitos” ou seja, quando ou qualitativo
ocorre uma evolução extraordinária, imprevisível
e anormal (Oliveira Sá, 1992). Procura identificar, Exige uma natureza adequada do traumatis-
na presença de uma possível causa, aquela poten- mo para produzir as lesões evidenciadas, ou seja,
cialmente apta ou a mais adequada a produzir o as características da lesão têm de ser concordan-
dano, baseando-se num critério de previsibilida- tes com a natureza do instrumento e com o seu
de. Na verdade, isto significa que não devem ser mecanismo de produção, designando-se esta de
considerados todos os antecedentes históricos à verosimilhança científica (Rousseau, 1993). Refira-
produção do dano, mas aqueles que, segundo se o caso do esquiador, vítima de uma queda e
a evolução expectável da situação, sejam aptos com o esqui fixo, que sofre um movimento cur-
para o produzir, afastando os que só por virtude vilíneo acentuado do corpo sobre a perna que
de circunstâncias extraordinárias o possam ter atua como eixo, ocorrendo o clássico exemplo
determinado. Não basta que o facto praticado da fratura espiróide da tíbia que não pode ser
pelo agente tenha sido, no caso concreto, condi- produzida por um traumatismo direto da perna
ção sine qua non do dano; é imprescindível ainda (Oliveira Sá, 1992), sendo sim geralmente produ-
que, em abstrato, o facto seja causa adequada zida por um mecanismo de torção.
do dano (Capez, 2004).

A atual conceção da imputabilidade médica 2.º Critério da certeza diagnóstica


dispõe de um certo número de critérios inicialmen-
te definidos por Muller e Cordonnier, em 1925, Natureza adequada das lesões à etiologia em
e posteriormente atualizados e divulgados como causa, geralmente traumática, enquadrando-se
critérios clássicos de Simonin (Simonin, 1960). aqui as equimoses, os hematomas e as fraturas
Estes critérios, assinalados por Barrot e Nicourt que são patologias predominantemente traumá-
(1986) envolvem três aspetos essenciais: o fator ticas, mas que o não são exclusivamente (Oliveira
tempo (intervalo temporal de aparecimento e con- Sá, 1992). É necessário que o evento traumático
tinuidade evolutiva), o fator espaço (localização seja uma eventualidade possível, clinicamente
CAPÍTULO 1. ENQUADRAMENTO MÉDICO-LEGAL 15

admissível e aceitável, atendendo a casos seme- região occipital embate numa superfície rígida.
lhantes anteriores ou obtidos experimentalmente. Neste caso, as lesões mais extensas podem estar
Porém, já situações de diabetes, epilepsia ou can- na região orbitária dos lobos frontais e contigui-
cro, colocam problemas delicados na discussão dades, distantes ou diametralmente opostas ao
da etiologia traumática que admitem. Outras não impacto. Por outro lado, mecanismos intensos de
obedecem à causalidade traumática, como é o aceleração/desaceleração do encéfalo podem ex-
caso de doença sexualmente transmissível, da plicar o aparecimento de um hematoma subdural
febre tifoide ou de situação de hemofilia. ou de uma lesão axonal difusa, mesmo na ausên-
cia de uma fratura craniana. Os problemas discais
(hérnias e protusões), que são muito comuns na
3.º Critério topográfico ou espacial região lombar e as degenerações articulares (es-
pondiloartrose e osteófitos foraminais), podem
Refere-se à adequação entre a sede do trau- gerar irritações neurológicas que inervam os mem-
matismo e a sede da lesão, sendo que adequa- bros inferiores. As vértebras lombares L1 a L3,
ção não significa coincidência anatómica. Note-se quando afetadas, podem provocar dor no joelho,
que a concordância topográfica nem sempre é uma vez que o nervo femoral que inerva o joelho
rigorosa, não sendo fácil, por vezes, estabelecer emerge dessa região. Numa doença psíquica, por
o nexo de causalidade entre um traumatismo vezes passível de etiologia traumática, também
e as lesões que surgem à distância da área de não parece existir uma concordância topográfica
impacto (Cueto, 2001). Como exemplos podem entre a sede do traumatismo e a sede do dano.
assinalar-se o caso das embolias decorrentes de O profundo conhecimento médico da anatomia,
um qualquer evento traumático, os mecanismos da fisiologia e da patogenia, permite explicar a
indiretos no caso das hérnias de esforço, as lesões relação entre o local atingido diretamente pelo
retinianas precedidas de uma intensa compressão traumatismo e o local onde surgiram as mani-
traumática da cabeça ou do tórax, a patologia festações da lesão. É importante que exista uma
encefálica e craniana temporal que pode resultar “lógica médica” no que respeita aos mecanismos
de um traumatismo por contrapancada (que surge fisiopatológicos (Rousseau, 1993).
no lado oposto), a lesão na bacia que pode ser
consecutiva a uma outra localizada no joelho, a
lesão na coluna vertebral cervical que pode ser 4.º Critério cronológico ou adequação temporal
decorrente de um traumatismo crânioencefalico
(TCE) ou mesmo o disparo de arma de fogo no Permite saber se um determinado intervalo
braço suscetível de provocar lesão na mão ou livre (silencioso) entre o traumatismo e o dano é
punho. O impacto dos órgãos entre si tem im- compatível com um encadeamento anatomoclíni-
portância para explicar a produção das lesões de co ou com uma correlação etiológica (Oliveira Sá,
golpe e de contragolpe. Um exemplo clássico da 1992). Efetivamente, o intervalo temporal entre
lesão de contragolpe será o da queda em que a um traumatismo e as primeiras manifestações
16 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

clínicas de uma patologia pode ser prolongado 5.º Critério da continuidade sintomática ou
em diversas ocasiões (Cueto, 2001). Não é por encadeamento anatomoclínico
exemplo, razoável limitar o intervalo de apareci-
mento clínico e/ou radiológico de alguns cancros Complementa o critério anterior, uma vez
na sequência de um traumatismo, uma vez que que exige a presença de uma continuidade sinto-
as lesões cancerosas pós-traumáticas derivadas matológica ou de uma sucessão de factos fisio-
de cicatrizes se podem manifestar após 10 a patológicos que torne plausível e aceitável uma
20 anos. Por outro lado, as lesões traumáticas cadeia causal, desde o traumatismo até à última
ósseas, apesar de aparecerem muito frequente- expressão do dano (Oliveira Sá, 1992).
mente logo após o evento traumático, podem
ser de constatação tardia, assim como as frac-
turas do escafoide que podem ser reconhecidas 6.º Critério da integridade prévia ou
meses após um traumatismo do punho. Outros exclusão da preexistência do dano
exemplos existem, tais como o tempo que me- relativamente ao traumatismo.
deia entre um traumatismo e o aparecimento de
sintomas neurológicos, em que o nexo de causa- Neste parâmetro deve ter-se em conside-
lidade pode ser admitido para tempos diferentes, ração a integridade preexistente da estrutura
conforme a patologia; por exemplo, o tempo é ou função atingida (Vieira e Corte Real, 2008).
curto no caso da esclerose lateral amiotrófica, Por exemplo, uma fratura com características
moderado na esclerose em placas e longo na radiológicas antigas deverá ser excluída do dano
epilepsia (Lacert e Melennec, 1991). Por último, pós-traumático recente, um tumor revelado logo
refira-se o intervalo de aparecimento das lesões após o traumatismo deverá ser excluído da causa-
cervicais que pode ser longo e da tuberculose lidade (Oliveira Sá, 1992), entre outros. Quando
que pode ser diagnosticada vários meses após não for preenchido este critério, a existência de
um traumatismo (Cueto, 2001). Geralmente este um estado anterior deverá ser necessariamen-
critério baseia-se em estudos experimentais e te ponderada. Este critério representa um dos
clínicos que demonstram que muitos processos maiores desafios na valoração do dano corporal,
patológicos não são imediatos e outros passam na medida em que é necessário analisar-se a in-
por um período de latência ou de incubação fluência do traumatismo e do estado patológico
antes de se manifestarem, oscilando entre de- anterior no surgimento do dano final. Contudo, a
terminados limites, próprios da patologia em existência de concausas não exclui a possibilidade
causa. Serão necessários conhecimentos clínicos do estabelecimento do nexo de causalidade. É
e técnico-científicos dessa patologia para que nosso entendimento que um choque hipovo-
seja possível aceitar-se um determinado interva- lémico, um processo infecioso, não deixam de
lo livre como adequado e compatível com uma ser valorados, ainda que para a sua produção
etiologia traumática. concorram outras causas, como o caso do feri-
mento produzido num indivíduo hemofílico ou
CAPÍTULO 1. ENQUADRAMENTO MÉDICO-LEGAL 17

diabético. Todas são causas concorrentes para • Certo ou hipotético – A relação entre o
o resultado final. traumatismo e a lesão e/ou sequela pode revelar-
-se evidente, indiscutível e certa. Ou seja, torna-se
seguro estabelecer a relação causal entre am-
7.º Critério de exclusão bos. A título de exemplo, menciona-se o enfarte
do miocárdio sofrido no dia subsequente a um
Indica a exclusão de uma causa estranha ao traumatismo torácico grave, a necrose da cabeça
traumatismo, ou seja, a exclusão, por exemplo, de femoral surgida um ano após uma luxação trau-
um outro traumatismo criando patologia própria e mática da anca e o caso de um indivíduo que, na
posterior àquele em causa (Oliveira Sá, 1992), sem sequência de um ferimento perfurante no globo
que se possa apreciar qualquer relação causa-efeito. ocular, sofreu um descolamento da retina e sub-
Este último critério completa o da verosimilhança sequente perda de visão desse olho. Por outro
científica, particularmente no domínio dos trauma- lado, o nexo já será hipotético ou incerto quando
tismos psíquicos ou emocionais (Steinbach, 1999). a análise dos critérios de imputabilidade não con-
sentirem o seu estabelecimento com segurança,
Note-se que, apesar destes pressupostos nem tão-pouco o puderem afastar formalmente.
serem mencionados de forma autónoma entre Refira-se, nesta última hipótese, a epilepsia que
si e perfeitamente individualizados, tal discrimi- surge cinco anos após um TCE de gravidade mo-
nação não significa necessariamente que sejam derada ou um enfarte agudo do miocárdio que
conceitos estanques. Na realidade, em alguns ca- surge dez dias após um traumatismo psicoafetivo
sos resulta que entre estes pressupostos exista intenso num indivíduo que já havia sido vítima
permutabilidade, interferindo entre si. Por outro de enfarte do miocárdio anteriormente ao evento
lado, estes sete critérios não devem constituir se- em apreço (Criado del Río, 1999). Por exemplo,
não elementos de reflexão, a serem interpretados o nexo de causalidade poderá ser hipotético ou
cuidadosa e ponderadamente em cada situação duvidoso em particular quando o fator tempo
concreta (Vieira e Corte Real, 2008), uma vez que não for verificado (Cueto, 2001). Em caso de dú-
nem todos são absolutos. vida na imputabilidade, devem ser explicados no
relatório pericial os argumentos a favor e contra
O nexo de causalidade pode ter natureza di- o estabelecimento certo do nexo de causalidade
versa, sendo todavia indispensável para nos pro- (Rousseau, 1993).
nunciarmos sobre a relação causa/efeito. O nexo
pode ser certo ou hipotético, direto ou indireto, Veja-se o caso exemplo de um examinando
total ou parcial. O nexo de causalidade entre um de 19 anos de idade, vítima de agressão, da qual
traumatismo e o dano pode ser certo, direto e total resultou traumatismo da cabeça e face, com ex-
se todos os critérios de imputabilidade estiverem tensas equimoses, múltiplas escoriações, edema
presentes (Rousseau, 1993; Cueto, 2001; Fournier e uma ferida suturada a nível da pirâmide nasal.
e Bejui-Hugues, 2003; Rougé e Telmon, 2008). A TAC realizada naquele dia no serviço de urgência
18 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

hospitalar evidenciou uma solução de continuida- imputabilidade médica e dos que se lhe opõem,
de óssea envolvendo a pirâmide nasal com desvio será desejável que procure adotar uma posição,
septal anterior marcado, tendo sido efetuado o formular um juízo de valor, ainda que de forma
diagnóstico de fratura dos ossos próprios do nariz. presumida, de modo a auxiliar o decisor que não
Apesar da confirmação imagiológica do desvio possui conhecimentos técnico-científicos suficien-
na porção anterior, cartilagínea, do septo nasal tes nem a competência específica neste âmbito.
e da solução de continuidade nos ossos próprios Quando efetivamente não sabe, ou quan-
do nariz, há referência na Consulta Externa de do não lhe foi possível chegar a nenhum tipo
Cirurgia Maxilofacial a que o seu carácter recente de convicção, o perito médico deve então ter a
não se pôde afirmar ou excluir. Não havia, nes- honestidade e a coragem de o dizer, fornecendo
ses exames, evidência de hematoma septal ou ao decisor os elementos suscetíveis de o ajudar
hemossínus. O examinando afirmava que esta (Vieira e Corte Real, 2008).
deformidade se instalara após a agressão sofrida,
porém não se pôde excluir que lhe fosse anterior. • Total ou parcial - O nexo de causalidade
Face ao exposto, não foi possível estabelecer-se pode ser total ou parcial, ocorrendo este último
com absoluta segurança o nexo de causalidade naquelas situações em que intervenha mais do que
entre a agressão sofrida e a solução de continui- um único fator etiológico. Por definição, a causa
dade óssea da pirâmide nasal, nem tão-pouco foi única é aquela considerada necessária e suficiente
possível excluir o seu estabelecimento. Sem con- para a produção de determinado efeito, ou seja,
tradizer tal posicionamento, parece-nos razoável atua por si só, sem requerer a presença de outras
reconhecer que na ausência de conhecidos ante- causas. Refira-se o hematoma subdural resultante
cedentes de fratura do nariz e atendendo às lesões de um traumatismo craniano ou a instabilidade e
traumáticas de carácter recente observadas a nível rigidez do joelho resultante de uma fratura dos
nasal aquando do exame médico-legal realizado, pratos tibiais. Por outro lado, o nexo é parcial
bem como à idade do examinado e ao facto de quando há mais de um fator etiológico a concorrer
ser frequente nas fraturas dos ossos próprios do para o resultado (dano), entre os quais o evento
nariz o aspeto imagiológico de não consolidação, em apreço (Rousseau, 1993). Das diversas circuns-
seja de admitir um nexo de causalidade hipoté- tâncias que contribuem para a produção do dano,
tico entre o traumatismo sofrido e a solução de uma delas pode ser habitualmente reconhecida
continuidade óssea da pirâmide nasal. Quanto às como principal ou fundamental (Criado del Río,
restantes lesões observadas (equimoses, escoria- 1999). Como exemplos, a instabilidade do joelho
ções, edema e ferimento suturado) é possível, de surgida após uma fratura da tíbia num indivíduo
acordo com os elementos disponíveis, admitir um com antecedentes de rigidez do joelho ou a mor-
nexo de causalidade certo, direto e total com o te devida a um coma diabético surgida um mês
evento traumático em análise. Após exposição de após uma fratura exposta dos ossos da perna
todas as dúvidas do perito médico no relatório num indivíduo diabético. São as denominadas
pericial, com exposição dos argumentos a favor da situações de concausalidade (também designada
CAPÍTULO 1. ENQUADRAMENTO MÉDICO-LEGAL 19

de causalidade múltipla) em que o dano é impu- e outras que sobrevêm a este. Castiglioni (1995)
tável só parcialmente ao traumatismo (Oliveira e Cavaliere (2012) consideram que a concausa
Sá, 1992). Ou seja, paralelamente à causa, exis- pode participar conjuntamente com a causa prin-
te o que se tem denominado, doutrinariamente, cipal na produção do dano, não iniciando ou in-
concausa, são situações em que existe uma plu- terrompendo a relação de causalidade, apenas
ralidade de causas concorrendo para a produção reforçando o resultado final, no sentido do seu
do mesmo evento, ou seja, à coexistência de um agravamento. Não tem a capacidade de excluir
conjunto de fatores suscetíveis de modificar a evo- o nexo de causalidade desencadeado pela causa
lução natural de um determinado resultado/dano. principal, nem por si só é suficiente para produzir
São definidas como causas necessárias mas não o dano. Nestes casos, o dano deverá ser imputado
suficientes para explicar o dano sofrido (Criado às consequências do traumatismo, na medida em
del Río, 1992). Torna-se tarefa do perito médico que não se teria verificado sem a ocorrência do
determinar a relação causal entre determinada evento traumático. Por outro lado, quando duas
circunstância e as lesões e/ou sequelas consta- ou mais causas concorrem para a produção de
tadas. Outrora, alguns autores diferenciavam a um resultado que teria sido alcançado de forma
causa da concausa, caracterizando a primeira isolada, estamos perante causas cumulativas.
como o requisito necessário ou suficiente para As causas complementares (concausas), bem
a produção do dano (necessária e por si só pas- como as causas cumulativas (concorrentes) podem
sível de produzir o dano), enquanto a concausa ocorrer de forma simultânea ou sucessiva. Ainda
se referia a uma condição necessária mas não a este respeito importa definir a causa ocasional
suficiente para a sua produção (Nicourt, 1992; como sendo toda a circunstância não necessária
Gisbert, 1997). Se o dano não resulta unicamente nem suficiente para a produção do dano, que só
de um determinado evento traumático, mas sim veio a ocorrer em virtude da intervenção da causa
da intervenção de vários fatores etiológicos, como ou das concausas. Com efeito, as lesões e/ou se-
é o caso de uma patologia preexistente que sofre quelas decorrentes unicamente da causa ocasional
um agravamento evolutivo na sequência de um não devem ser alvo de reparação pericial. Face
traumatismo, estamos perante uma variedade de ao exposto, entende-se que a concausalidade
fatores que concorrem conjuntamente e são con- pode ocorrer de modo anterior, contemporâneo
dições efetivamente necessárias para a produção ou posterior à causa principal e a sua relevância
desse dano – ditas concausas ou causas comple- consiste no facto de a concausa possibilitar a im-
mentares (Criado del Río, 1999). Noutros termos, putação de responsabilidade e a quantificação do
o resultado/dano é decorrente de uma série de dano reparável. Podem ser condições preexisten-
fatores que, isoladamente, não possuem eficácia tes, concomitantes ou supervenientes, podendo
suficiente para a sua produção. Neste sentido, a referir-se estas últimas a complicações que alteram
concausalidade aponta para várias circunstâncias a evolução expectável do dano sofrido antes da
concomitantes (ou não) que contribuem para o sua consolidação ou estabilização médico-legal,
dano, algumas delas presentes no traumatismo tais como hemorragias, infeções, tromboembolias,
20 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

entre outras. Não dizem respeito a complicações Pode ser de origem congénita ou decorrente da
evolutivas próprias do quadro lesional sofrido, dilatação de uma artéria, sendo completamente
mas sim a outras causas ou agentes lesivos dis- imprevisível e indetetável nos exames pré-natais.
tintos do traumatismo em apreço e suscetíveis de Desta forma, a rutura do aneurisma, não obstan-
interferirem na evolução subsequente das lesões te ter sido concomitante com o parto, foi causa
previamente sofridas (Criado del Río, 1999). Por absolutamente independente para a morte da
outro lado, as mais frequentes são as concausas paciente. Por unanimidade foi proferida sentença
preexistentes e geralmente são as que envolvem concluindo pela inexistência de nexo causal entre
maiores dificuldades no estabelecimento do nexo a morte da paciente e uma eventual má prática
de causalidade e na delimitação das consequên- médica no parto (Leite, 2007).
cias lesivas de um determinado evento traumático. Contudo, em situações de verdadeira con-
Referem-se a condições patológicas pessoais do causalidade, em que há influência da concausa
sinistrado (como é o caso da diabetes, de uma sobre as consequências do traumatismo, não se
insuficiência cardíaca ou de uma hemofilia). Se o deve afastar da avaliação do nexo de causalida-
estado anterior (também designado de concausa de o eventual agravamento do estado patológico
preexistente) constituir uma das causas comple- anterior (úlcera gastroduodenal), os efeitos trau-
mentares do estado patológico, então estaremos máticos potenciados por patologias anteriores
perante um mecanismo multifatorial, designado (hemofilia) ou as perturbações ou patologias por
por Barrot e Nicourt de cúmulo causal (Barrot e superveniência (tétano). Ocorrendo concurso de
Nicourt, 1986). Por outro lado, uma falha num causas adequadas do evento danoso, simultâneas
tratamento médico pode constituir uma concausa ou subsequentes, qualquer dos autores do facto
superveniente, prolongando o tempo de doença danoso será responsável pela reparação do dano.
e até mesmo determinando o aparecimento de Numa vertente prática, alguns autores optam por
sequelas que, de outro modo, poderiam ser evita- definir a causa como o fator etiológico com especial
das. No entanto, deverá fazer-se uma observação relevância jurídica, enquanto os restantes fatores
quanto às concausas supervenientes, também designam-se de concausas. A este respeito, exem-
designadas de estados intercorrentes. Estas, tais plificam o caso de um indivíduo que na sequência
como as concomitantes, terão particular relevância de um traumatismo torácico sofre uma rutura de
quando, ao provocarem um novo curso de acon- um aneurisma da aorta preexistente e morre. Do
tecimentos, permitam excluir a responsabilidade ponto de vista científico, o termo causa correspon-
do agente. Veja-se o exemplo de uma grávida de unicamente ao aneurisma ou a ambos os fatores
que durante o parto (efetuado por via eutócica), concorrentes (ao traumatismo e ao aneurisma),
sofreu rutura de um aneurisma cerebral, vindo enquanto a designação de concausa corresponde
a falecer de imediato. O seu cônjuge requereu ao traumatismo torácico. Em contrapartida, do
uma ação indemnizatória contra a maternidade, ponto de vista médico-legal, o traumatismo torá-
porém, um aneurisma cerebral não apresenta cico corresponderá à causa e o aneurisma da aorta
qualquer relação de causalidade com o parto. representará a concausa preexistente (Cueto, 2001).
CAPÍTULO 1. ENQUADRAMENTO MÉDICO-LEGAL 21

• Direto ou indireto – O carácter direto ou clínicas que, apesar de surgirem posteriormente


indireto visa a filiação patogénica entre a causa e ao evento traumático, têm necessariamente uma
o efeito. O nexo de causalidade será indireto quan- relação com este. Assim, não se está perante a
do uma sequela for consequência da lesão inicial existência de concausas, na medida em que estas
sem que aquela tenha sido gerada diretamente são consideradas independentes do traumatismo
pelo traumatismo. Geralmente refere-se a lesões em apreço. Na verdade, as situações de concau-
que não se manifestam imediatamente após o salidade são discutidas no nexo de causalidade
acidente, podendo ser complexo reconhecer-se parcial, quando há uma concorrência de causas
uma relação de causalidade direta com o evento independentes. Já no nexo causal indireto, os
traumático. Por outro lado, relevam-se igualmente eventos supervenientes que surgem posterior-
as lesões que se manifestam no tratamento e mente à ação traumática são consequências do
que sejam consequência desse tratamento. Mais traumatismo. Geralmente referem-se ao apareci-
do que uma simples relação de ocasionalidade, mento de complicações suscetíveis de alterarem
a lesão tem de ser uma consequência do trata- o curso habitual ou expectável do dano sofrido.
mento. Mas outras lesões há, que poderemos
enquadrar numa relação de causalidade indireta
com o acidente, em que embora o dano não 3 . ES TA D O A N T E R I O R
seja consequência direta do traumatismo pode
ser com ele relacionado por ser resultante dos Apesar de se considerar o traumatismo como
danos diretos ou das suas consequências. A títu- a causa imediata da lesão, este nem sempre re-
los de exemplo, imagine-se o caso da úlcera de presentará uma causa única ou exclusiva. Nestes
decúbito surgida em doente acamado em coma casos, observar-se-á a existência de uma concau-
após a TCE, a embolia pulmonar secundária a sa, ou seja, o traumatismo não é o único fator, a
uma flebite complicada por uma fratura da per- única causa para a obtenção do resultado final.
na, sendo esta última imputável diretamente ao Frequentemente somos questionados a pos-
traumatismo ou a relação entre um traumatismo teriori sobre a existência de uma patologia ou le-
abdominal e a seropositividade para a SIDA, na são anterior que possa ter influenciado ou sofrido
sequência de uma laparotomia e esplenectomia influência pelas consequências do traumatismo e,
que necessitou de uma transfusão. Nestes casos, por esse motivo, torna-se imprescindível que qual-
o relatório pericial deve ser descritivo e comportar quer perícia médico-legal contemple um exame
uma explicação sobre o nexo de causalidade e detalhado, preciso e esclarecedor, de modo a que,
das razões que fundamentam tal ligação indireta por comparação com a perícia relativa ao evento
(Rousseau, 1993). O nexo de causalidade quando traumático em apreço, se possa reconhecer, do
indireto deve ser explicado e aceite como adequa- ponto de vista médico-legal, a influência exercida
do se for absolutamente condicionado pelo evento pelo estado patológico anterior. Dever-se-á tentar
anterior, sem o qual não teria ocorrido. No nexo esclarecer o estado do indivíduo no momento do
de causalidade indireto estamos perante situações traumatismo e o seu estado atual decorrente das
22 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

consequências do evento traumático. A existência das crianças que geralmente apresentam um


de um estado anterior representa, ainda hoje, um período de consolidação de uma fratura óssea
desafio na prática médico-legal. menor que a expectável no indivíduo adulto. Este
Importa recordar a definição de estado an- facto deve-se ao elevado ritmo de reestruturação
terior como sendo toda a «afetação patológica óssea próprio da idade infantil e que não deverá
ou qualquer predisposição conhecida ou des- ser atendível na valorização médico-legal, na
conhecida, congénita ou adquirida, que exista medida em que o estado anterior resultou num
imediatamente antes da ocorrência do fator cau- benefício para o ofendido.
sador da lesão objeto de valoração e suscetível Face ao exposto, coloca-se, desde já, o pro-
de interferir no processo patológico decorrente blema de se saber quais das situações que podem
desse evento» (Vieira e Corte Real, 2008). O incluir o estado anterior deverão ser considera-
estado anterior poderá em nada interferir na das concausas atendíveis, para, num momento
integridade da pessoa, mas também pode ser posterior, se poder afirmar que o agressor não
uma causa possível das lesões ou sequelas que deverá ser responsabilizado pela totalidade das
ela apresenta. Quando nos referimos a um estado sequelas. Apenas devem ser considerados os
anterior reportamo-nos a «factores anteriores estados mórbidos propriamente ditos - concausas
ao evento em questão, factores dos quais o pe- patológicas e não particularidades constitucio-
rito se apercebe no decurso da perícia e que nais - concausas fisiológicas (Oliveira Sá, 1992).
podem ter influenciado a evolução das lesões e As situações fisiológicas ou vulnerabilidades
a dimensão da afetação da integridade psicofí- anatomofisiológicas normais não deverão ser
sica» (Vieira e Corte Real, 2008). Deste modo, entendidas como um estado anterior, sendo as
o perito médico deverá centrar-se unicamente consequências avaliadas na sua globalidade e
na análise do estado preexistente suscetível de totalmente imputadas ao traumatismo em ques-
influenciar ou ser influenciado pelas consequên- tão. Reportamo-nos, nestes termos, por exemplo
cias do traumatismo. Este conceito restritivo do à debilidade típica dos idosos, à imaturidade
estado anterior é o que deverá ser analisado e própria das crianças e à propensão para algumas
descrito no relatório médico pericial, uma vez complicações existente nas grávidas. A título
que todo o estado anterior que não está rela- de exemplo, as angulações e os deslocamen-
cionado com as lesões e/ou sequelas objeto de tos ósseos nas crianças geralmente acarretam
valoração se encontra sob proteção do segredo maiores dificuldades na sua correção. Nesta
médico profissional. Mas esta influência só nos faixa etária, os traumatismos com atingimento
importa se for no sentido negativo, do agrava- da cartilagem de crescimento são considerados
mento, porque de resto não mereceria valoração extremamente problemáticos, já que este grupo
médico-legal e assim se esse estado anterior be- encontra-se numa fase evolutiva do crescimento.
neficiasse o próprio indivíduo, a reparação nunca Por outro lado, nos indivíduos idosos verificam-se
poderia ultrapassar o prejuízo causado. A este frequentemente períodos de internamento ou
respeito, imagine-se, por exemplo, a situação de incapacidade temporária maiores com perda
CAPÍTULO 1. ENQUADRAMENTO MÉDICO-LEGAL 23

da autonomia. Na verdade, não seria correto ex- Na verdade, as situações de difícil valorização
cluir a valorização de um atraso de crescimento começam a aparecer, quando o estado anterior
pós-traumático, pelo facto de se tratar de uma inclui uma patologia estabelecida ou latente.
criança, ou excluir a valorização de uma conso- O estado anterior pode corresponder a uma
lidação demorada e difícil apenas por se tratar alteração anatómica (amputação, artrose, perda
de um idoso, ou ainda excluir a valorização de de globo ocular), fisiopatológica localizada (tu-
uma complicação hipertensiva porque se trata- mores, aneurismas, encefalites) ou generalizada
va de uma grávida. Isto significa que quando o (diabetes, diátese hemorrágica, insuficiência car-
estado anterior influencia o aparecimento das díaca, insuficiência renal, sífilis, tuberculose, gota,
consequências pode estabelecer-se, em regra, entre outros), psiquiátrica (neuroses, psicoses),
que só não se deve valorizar o que for única e congénita (agenesia de um órgão duplo, situs
exclusivamente devido ao estado anterior (Vieira inversus, ectopias), pode ser patente (neurose
e Corte Real, 2008). com crises de ansiedade) ou latente (estrutura
A este respeito, reportamos o caso de uma neurótica com hiperadaptação social), estável
criança com 3 anos de idade que sofre uma avul- (amputação, anquilose, perda de globo ocular)
são dos incisivos centrais decíduos na sequência ou progressiva (artrose, insuficiência cardíaca)
de um traumatismo. Aos 10 anos de idade foi sub- (Rousseau, 1984; Criado del Río, 1994; Fagnart,
metida a exame pericial e apresentava um desali- Lucas e Rixhon, 2009). Deste modo, o estado
nhamento e apinhamento das arcadas dentárias, anterior não inclui apenas as lesões preexistentes
bem como um desvio da linha média. De acordo ao novo dano, mas também qualquer predispo-
com a literatura científica atualmente disponível sição, genética ou adquirida, que modifique a
e no contexto do processo fisiológico da dentição normal evolução de uma lesão (Caňadas, 2001).
decídua, seria previsível que tais perdas dentárias A primeira dificuldade é reconhecer esse estado
ocorressem pelos 6 anos de idade. Com efeito, a anterior e definir os seus limites. Se a existência
antecipação ou a perda prematura das referidas de um estado anterior é indiscutível e tem uma
peças dentárias acarretaram uma desarmonia inegável influência sobre as consequências do
anatómica suficiente para provocar a inclinação traumatismo, ignorá-lo seria totalmente descabi-
e mesialização dos dentes adjacentes e uma anor- do. Deste modo e independentemente do papel
mal erupção dos incisivos centrais definitivos. Face que o estado anterior pode ter sobre a evolução
ao exposto, deverá reconhecer-se um nexo de do processo patológico decorrente do evento,
causalidade total entre o evento traumático e o o perito médico deve saber explicar a influência
desalinhamento de ambas as arcadas dentárias, verificada, sob o ponto de vista anatómico (nível
na medida em que a imaturidade própria das lesional do dano) ou funcional (nível funcional do
crianças (neste caso, no que se refere à dentição dano). O estado anterior conjuntamente com um
decídua) deverá ser considerada uma concausa determinado evento traumático pode ter interferi-
fisiológica preexistente não atendível no contexto do na produção do dano – concorrência de causas
de um verdadeiro estado anterior. (Criado del Río, 1999) e nesses casos, a missão
24 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

do perito médico é averiguar em que proporção normalmente e a parte contrária responsável pelo
ou qual o contributo do estado anterior na pro- traumatismo ter considerado a dita predisposição
dução do dano. Mesmo quando esta influência como a causa da gravidade e permanência do
possa ser menos óbvia, deverão ser discutidos dano (Cavin, Juiz do Tribunal Federal de Lausanne,
cientificamente os fatores a ter em consideração Suíça, cit. Wyler, 1979). A compreensão desta
no decurso do relatório pericial. Terá, assim, de tríade permite perceber qual a influência de am-
se perspetivar o que poderia ser a história natural bos os fatores (estado anterior e traumatismo)
da doença preexistente e o seu prognóstico se o sobre a integridade físico-psíquica do indivíduo e
traumatismo não tivesse ocorrido – o dito trípti- delimitar o dano decorrente do evento traumático
co clássico do estado anterior (Rousseau, 1983; e alvo de reparação.
Rousseau e Fournier, 1990; Haertig et al., 1999), Após exposição da relação anatomofuncional
que se baseia no estudo das seguintes questões: entre o estado anterior e o dano dever-se-á
especificar, com a maior precisão possível, quais
• Qual seria a evolução do estado anterior as reais causas da alteração da integridade físico-
sem o traumatismo? -psíquica do indivíduo e qual a influência exerci-
• Qual seria a evolução das consequências do da por cada uma para a sua ocorrência. A este
traumatismo sem a influência do estado respeito, Alonso (1997) cita o caso do sinistrado
anterior? portador de amputação total de uma mão e que,
• Qual seria as consequências da associação na sequência de um acidente de viação, sofre uma
entre o estado anterior e o traumatismo? amputação total do membro superior já afetado.
Questiona sobre qual o principal fator etiológico
A discussão desta problemática, que o pe- para a produção do dano atual e em que medida
rito médico pode evidenciar no relatório pericial teria surgido este novo dano se este indivíduo
para melhor explicitação do caso, pode tornar-se não fosse portador daquele estado preexistente
verdadeiramente complexa mesmo com o apoio (amputação da mão) – se o estado anterior re-
de bibliografia e informação clínica detalhadas. presenta um verdadeiro estado patológico prévio
Contudo, este procedimento reveste-se de gran- ou um fator predisponente. O estado anterior, ao
de utilidade mesmo nos casos em que apenas favorecer a ação lesiva do traumatismo, ou seja, a
é possível assumirem-se conclusões hipotéticas, ocorrência da lesão traumática, constitui um fator
sendo fundamental expor as incertezas do perito. favorecedor. É necessário averiguar se este fator
É o caso, por exemplo, de um traumatismo que, favorecedor ou predisponente terá agido como
num indivíduo portador de uma predisposição, causa ou meramente como fator favorecedor do
motivou uma incapacidade permanente e grave, aparecimento da lesão traumática que igualmente
enquanto num outro, sem essa predisposição, teria ocorrido na sua ausência.
apenas provocou uma incapacidade temporária.
O problema evidenciou-se pelo facto de o sinis- É importante referir que alguns autores de-
trado ter afirmado que antes do traumatismo vivia fendem que no domínio da reparação pericial
CAPÍTULO 1. ENQUADRAMENTO MÉDICO-LEGAL 25

deverá assegurar-se a realidade do estado anterior, Quando a predisposição de um indivíduo


excluindo-se da valorização um eventual fator pre- consiste em características somáticas ou psíquicas
disponente, o que por vezes pode constituir uma (frequentes na população em geral) que unica-
fronteira difícil de ser estabelecida (Haertig et al., mente representam uma vulnerabilidade e não
1999). A predisposição é, por definição, uma va- podem ser quantificadas como preditivas de uma
riedade do estado anterior, como por exemplo, determinada patologia, uma vez que esta pode
uma característica genética ou uma patologia, surgir com a mesma intensidade em indivíduos
geralmente ignorada ou muda, com possibilida- sem essa predisposição, considera-se que, nessas
de de evolução para uma expressão clínica. Esta situações, a predisposição representa apenas um
evolução pode ser espontânea ou induzida por fator favorecedor ou uma causa ocasional de uma
um ou vários cofatores, um dos quais traumático determinada patologia e não uma concausa. São
(Rousseau, 1993). O traumatismo funciona, nesta fatores favorecedores para o aparecimento das
situação, como causa próxima desencadeadora da consequências do traumatismo, mas de forma
doença ou lesão. Segundo Veiga Rodrigues (1952) distinta das concausas, não são necessários ou
“a predisposição patológica consiste num estado suficientes de forma isolada para produzirem o
doentio do organismo humano, produzido por dano. Estas considerações sobre os fatores favo­
uma anormalidade do metabolismo ou de funções recedores têm sido apresentadas sobretudo para
de nutrição que torna o indivíduo propenso para explicar a problemática da valoração das sequelas
certas doenças ou para o agravamento de outras, psíquicas e o estudo da predisposição psíquica
sob a influência de uma causa ocasional». Em frequentemente existente. A título de exemplo,
linguagem médica a predisposição patológica a depressão pós-traumática pode desencadear-
é conhecida por diátese (Dicionário da Língua -se num indivíduo com uma personalidade
Portuguesa Contemporânea da Academia das não patológica, com certos traços depressivos
Ciências de Lisboa, 2001) que tem origem na não preditivos de uma depressão e que sofre
palavra latina e grega (diathêsis) e que, em ter- um traumatismo psíquico suficiente para a sua
mos médicos, significa tendência hereditária ou produção. Tal pode ocorrer em indivíduos com
predisposição do organismo para um determinado ou sem predisposição e desse modo, considera-se
tipo de doença. Como exemplos são referidos a que o traumatismo é a causa e a predisposição
diátese hemorrágica e a diátese úrica, ou seja, a um fator favorecedor, não representativo de uma
tendência para acumulação de ácido úrico nos concausa. Por outro lado, quando a predisposição
tecidos. A predisposição patológica, embora contribui para o aparecimento das consequências
constitua um estado mórbido do indivíduo, não do traumatismo ou a sua presença acarreta um
é o mesmo que doença. Esta é já uma afeção dano mais intenso do que seria expectável em
orgânica específica, aguda ou crónica, progressiva indivíduos sem essa predisposição, então, nes-
de qualquer parte do organismo. Todavia podem ses casos, a predisposição representa um fator
ambos os estados coexistir no sinistrado (Veiga necessário para a produção do quadro lesional
Rodrigues, 1952). e considera-se como uma concausa (Criado del
26 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

Río, 1999). Esta opinião tem sido partilhada por E porque restituir significa, na verdade, reparar
Cueto (1994) que diferencia a predisposição como todo o dano sofrido pela vítima, deve então medir-
fator determinante para a produção do dano, -se a extensão da totalidade do dano resultante.
uma variedade de estado anterior que atua como
concausa, daquela predisposição que ao atuar Contudo, no que se refere a esta proble-
como fator meramente favorecedor não é deter- mática, importa referir o caso de um indivíduo
minante para a produção da lesão e/ou sequela que na sequência de um traumatismo sofreu
e, deste modo, deverá ser excluída do conceito uma fratura dos ossos da perna. No decurso
de estado anterior. Na primeira hipótese, quer o de complicações vasculares surgidas no período
traumatismo quer a predisposição atuam como subsequente ao evento traumático e que levaram
concausas, enquanto na segunda, o evento trau- à necrose da perna, foi necessário realizar-se a
mático é considerado como causa da lesão e/ amputação da mesma. Porém, ao indivíduo foi
ou sequela e a predisposição apenas atua como confirmada uma «doença» preexistente, a insu-
fator coadjuvante, favorecedor, não como fator ficiência venosa crónica dos membros inferiores,
concausal. com sinais de estadio avançado, nomeadamente
Os conhecimentos científicos atuais não veias varicosas, membros inferiores cronicamente
permitem frequentemente predizer, aquando do edemaciados, alteração da pigmentação cutânea,
traumatismo, se a condição patológica se desen- dermatosclerose e úlceras venosas de estase.
volveria com a mesma intensidade (ou mesmo Perante o exposto, não restam dúvidas de que,
até, se algum dia se viria a desenvolver) sem esse de facto, este distúrbio circulatório preexistente
evento traumático. Alguns autores sustentam que pode ter contribuído para as complicações vas-
o nexo de causalidade, nestas situações, deverá culares de que o indivíduo foi vítima, contudo,
ser estabelecido, devendo o responsável pelo fac- importa relembrar que na ausência do evento
to danoso reparar a totalidade do dano causado traumático este indivíduo não teria sido subme-
(Mombel, 2008; Fagnart, Lucas e Rixhon, 2009). tido à amputação da perna, ou se tal algum dia
Assim, a predisposição patológica de uma víti- viesse a ocorrer no decurso da má circulação
ma, embora possa agravar o resultado final, não venosa de que era portador, esse determina-
diminui o direito à reparação integral do dano, do momento é impossível de ser predito. Por
mesmo quando de uma lesão de gravidade ligeira conseguinte, entendemos que a amputação da
resulte a morte, por ser a vítima hemofílica, de perna deve ser, no caso em concreto, imputada
um atropelamento ocorram complicações, por ser na sua totalidade ao traumatismo, represen-
a vítima diabética ou de um ligeiro traumatismo tando a doença venosa crónica um mero fator
craniano resulte uma fratura craniana, em razão predisponente que exerceu influência negativa
de uma fragilidade óssea congénita. Afinal, in- sobre as consequências do evento traumático.
demnizar pela metade é responsabilizar a vítima No seguimento deste caso, refira-se um outro
pelo restante. Limitar a reparação é impor-lhe que de um indivíduo com 71 anos de idade que na
suporte o resto dos prejuízos não indemnizados. sequência de um traumatismo com fratura do
CAPÍTULO 1. ENQUADRAMENTO MÉDICO-LEGAL 27

terço médio do perónio direito foi submetido a que medida o estado patológico preexistente ou
uma amputação supracondiliana. Na verdade, uma eventual predisposição pode concorrer para
nos momentos imediatamente subsequentes o dano final. Num certo número de casos, como
ao traumatismo foi tratado de forma conserva- a perda de olho único ou uma lesão do braço
dora, com uma tala gessada imobilizadora do esquerdo num indivíduo que já não apresentava
membro. No dia seguinte, por apresentar alguns o membro superior direito, é necessário consi-
sinais de isquémia foi realizada uma angiografia derar a lesão já existente. Trata-se de danos que
que revelou uma trombose de carácter agudo suprimem ou diminuem uma função já atingida,
poplíteo distal e, perante tal quadro, procedeu- pelo que o estado anterior diminuiu a capacidade
-se a uma tentativa de revascularização com funcional da vítima.
bypass femoro-poplíteo distal e trombectomia.
Apesar de mantida a permeabilidade do bypass, É necessário recordar que a boa prática peri-
constatou-se um agravamento progressivo do cial exige um detalhado estudo do estado clínico
quadro febril e dos sinais inflamatórios, com a do indivíduo à data do evento traumático, para
massa muscular da perna em processo de sa- que, na posse de todos os elementos clínicos, se
ponificação e sem viabilidade decorridos cerca possa analisar com cautela o eventual nexo de
de seis dias, pelo que se procedeu à amputação causalidade entre um determinado evento e o
supracondiliana. No entanto, este idoso, à data dano sofrido.
do traumatismo, encontrava-se cronicamente No seguimento desta problemática, refira-
hipocoagulado, medicado com anticoagulante -se o caso de um indivíduo alegadamente vítima
em virtude de uma miocardiopatia de que era de queda da própria altura, encontrado caído
portador e com diabetes mellitus não insulino- no quarto. Imediatamente assistido apresentava
dependente. De forma idêntica ao caso anterior, um traumatismo craniano, com pequena fratura
também aqui se pode considerar que a diabetes linear a nível da abóboda craniana. Foi interna-
mellitus e o distúrbio circulatório de que o in- do, vindo a falecer decorridos dois dias após o
divíduo era portador possam ter exercido uma traumatismo. A autópsia médico-legal assumiu
influência negativa sobre o dano resultante do que a morte terá sido devida a uma hemorra-
traumatismo. Contudo, apenas podem ser re- gia cerebral. Ao indivíduo foi confirmada uma
conhecidos como fatores predisponentes e não doença preexistente, a púrpura trombocitopéni-
suficientes para o resultado final. Entendeu-se, ca idiopática crónica, cujo tratamento ordinário
neste caso, valorar a amputação supracondiliana com corticosteróides estaria contraindicado em
como totalmente resultante do evento traumá- virtude dos transtornos psíquicos, hipertensão
tico, pois, sem este, a amputação não teria tido e obesidade de que era também portador. A ré
lugar naquele determinado momento. do processo contestou o pedido de indemniza-
ção interposto por alegada queda da vítima, por
Assim sendo, ao perito médico compete de- considerar que a morte havia sido única e exclusi-
terminar o prejuízo funcional atual e analisar em vamente devida à púrpura trombocitopénica que
28 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

sofria. Sustentou que o indivíduo simplesmente 1. O traumatismo não agravou o estado an-
sofreu uma queda da própria altura, insuficiente terior, nem este teve influência negativa
para provocar a alegada hemorragia cerebral. Na sobre as consequências daquele;
informação clínica constava que, aquando da 2. O estado anterior teve influência negativa
assistência médica imediata, a vítima apresentava sobre as consequências do traumatismo;
vários hematomas dispersos pelo corpo. Porém, 3. O traumatismo agravou o estado anterior
a inexistência de outras lesões a nível do crânio, ou exteriorizou uma patologia latente.
bem como na restante superfície corporal que
pudessem ser sugestivas de traumatismo direto,
levaram a que os hematomas fossem pericial- a) O traumatismo não agravou o estado
mente considerados de etiologia espontânea, anterior, nem este teve influência negativa
atendendo à trombocitopenia característica do sobre as consequências daquele
indivíduo. Os dados clínicos convergiram para um
quadro hemorrágico generalizado de etiologia A presente situação pode ocorrer quando
não traumática, uma vez que a pequena fratura o traumatismo não atinge a estrutura anatómica
craniana foi considerada insuficiente para pro- previamente lesada ou quando não há qualquer
vocar alterações do tecido encefálico. efeito sinérgico entre essa estrutura e as conse-
Face ao exposto, o exame pericial concluiu quências do traumatismo. É o caso, por exemplo,
que a morte da vítima foi devida a hemorragia do indivíduo que apresentava já uma surdez à
cerebral, cujos sintomas poderão estar asso- esquerda e na sequência do traumatismo resultou
ciados a uma alegada perda de consciência uma amputação do pé direito. Não houve qual-
seguida de queda. O quadro hemorrágico foi quer influência desse estado patológico anterior
considerado resultante da trombocitopenia na evolução das lesões e/ou sequelas traumáticas,
severa decorrente da púrpura trombocitopé- nem estas tiveram qualquer consequência sobre a
nica associada a importantes comorbilidades patologia preexistente (Fagnart, Lucas e Rixhon,
(hipertensão arterial, hipotiroidismo e obe- 2009). Luvoni e colaboradores (1986) diferen-
sidade). Conclui-se pela importância de uma ciam o dano concorrente do dano coexistente,
ampla pesquisa técnica e científica da prova tratando-se este último de todo o estado anterior
pericial, dando especial atenção a eventuais que não tem relação anatomofuncional com as
estados patológicos preexistentes que possam consequências do traumatismo.
permitir ao perito médico formular adequadas
conclusões médico-legais. Podemos estar perante uma situação de
Ainda no que se refere ao estado anterior, revelação em que se assume que a descober-
poderão verificar-se inúmeros casos distintos, ta de uma patologia preexistente e ignorada
que, para facilidade de estudo, agruparemos no momento do traumatismo, não tem relação
em três tipos de situações (Vieira e Corte Real, causal com o dano pós-traumático e não so-
2008): fre qualquer influência deste. Nestes casos, o
CAPÍTULO 1. ENQUADRAMENTO MÉDICO-LEGAL 29

evento traumático é meramente indicativo de da perna após ter sofrido uma fratura óssea
uma condição preexistente que se encontrava da mesma.
latente, mas que seria revelada mesmo sem a A este respeito, relembre-se que circunstân-
ocorrência do traumatismo. O dano não deverá cias particulares frequentes nos idosos, entre as
ser passível de reparação, uma vez que não seria quais as patologias respiratórias, cardiovascula-
justo exigir compensação por uma situação da res, endócrinas (por exemplo, diabetes mellitus),
qual o examinado era já portador. Refira-se o neurológicas ou psíquicas, são condicionantes
caso de uma neoplasia da mama revelada num de uma diminuição na capacidade de resposta
exame clínico efetuado na sequência de uma dos tecidos. Esta deterioração orgânica influen-
contusão torácica (Rousseau, 1993), um cancro cia, de forma negativa, a evolução de uma lesão
descoberto a nível do joelho logo após uma traumática, prolongando geralmente o período
entorse a esse nível ou o caso da tuberculose de consolidação e, por vezes, desencadeando
revelada na sequência de um acidente de viação uma sequela desproporcional à lesão traumática
do qual não resultaram ferimentos objetiváveis dela decorrente.
(Barral, 1909). Deverá analisar-se e discutir-se com cau-
tela o que é devido única e exclusivamente à
influência do estado anterior e que, por essa
b) O estado anterior teve influência negativa razão, não deva ser merecedora de reparação.
sobre as consequências do traumatismo Os exemplos a referir são de tal modo nume-
rosos, devido à sua diversidade, que deverão
Neste caso, o estado anterior interfere e ser avaliados caso a caso pelo perito médico.
prejudica a normal evolução das lesões trau- Assinale-se a diabetes preexistente que pode
máticas, em qualquer um dos parâmetros ha- aumentar o risco de infeção e interferir no pro-
bitualmente sujeitos a valoração, podendo ter cesso de cicatrização e/ou consolidação de uma
influência apenas num dos parâmetros, em dois fratura ou ferimento. Se o traumatismo não
ou mais, ou mesmo em todos os parâmetros. As tivesse provocado a fratura ou ferimento, não
consequências do evento traumático serão mais haveria complicações por influência da diabetes.
graves do que seria expectável em situações De modo idêntico, o caso de uma fratura num
análogas. Ou seja, uma determinada patologia indivíduo com patologia óssea após traumatis-
ou sequela anterior pode implicar tratamentos mo ligeiro; complicações infeciosas em doentes
mais dolorosos, provocar uma consolidação mais neutropénicos; a obesidade de uma vítima (er-
tardia das lesões ou, ainda, justificar sequelas roneamente considerada como predisposição
mais graves (Vieira e Corte Real, 2008). Por quando na realidade corresponde a um estado
conseguinte, podemos estar perante uma pre- anterior conhecido), que apesar de poder con-
disposição patológica, como a anteriormente tribuir para a produção do dano não exime o
descrita, no indivíduo com uma insuficiência responsável pelo facto danoso de suportar a
venosa crónica que foi submetido a amputação reparação integral do dano, uma vez que tal
30 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

não teria surgido se o traumatismo não tivesse aparecimento da doença, uma vez que o in-
ocorrido. Também, o caso de um indivíduo que, divíduo era já portador de uma predisposição
na sequência de um traumatismo, perde oito latente ou de lesões assintomáticas, podendo
dentes da sua arcada dentária. Uma vez que os estas permanecer latentes durante toda a sua
dentes remanescentes se apresentavam em mau vida ou até mesmo curar-se sem nunca se vir
estado geral, tornou-se impossível a fixação de a manifestar. Alguns autores defendem que
uma ponte, sendo necessária a extração total naquelas situações em que o traumatismo te-
dos dentes para a colocação de uma prótese. nha sido necessário para desencadear uma
Neste caso, a jurisprudência canadiana procedeu anomalia e/ou predisposição preexistente, o
à reparação integral do dano, com a indemni- causador do facto danoso deverá ser responsa-
zação pela totalidade dos dentes, sendo que bilizado por todas as consequências causadas
na fundamentação do processo judicial cons- pela infração, não devendo o direito à repara-
tava que a vítima tinha direito aos seus dentes, ção ser reduzido em virtude da existência de
mesmo que negligenciados e em mau estado uma predisposição patológica (Fagnart, Lucas
higiénico (Fagnart, Lucas e Rixhon, 2009). e Rixhon, 2009). Os problemas médico-legais
iniciam-se quando existe dúvida se, sem o
traumatismo, a patologia se exteriorizaria ou
c) O traumatismo agravou o estado anterior não, ou, admitindo-se que provavelmente se
ou exteriorizou uma patologia latente exteriorizaria, se tal facto ocorrer mais cedo
do que o previsto (Vieira e Corte Real, 2008).
Em alguns casos, não se verifica a evolução Efetivamente, Pierre Lucas afirmou que, quan-
espontânea de uma condição preexistente, uma do o perito médico sente dúvidas em afirmar
vez que, com o traumatismo, o estado patológi- que tal patologia latente possa vir algum dia
co anterior assumiu consequências inesperadas. a manifestar-se na ausência do traumatismo,
Nestes casos, o traumatismo pode ter exteriori- o mais correto será, nesses casos, considerar o
zado ou desencadeado um estado anterior, ace- traumatismo como fator desencadeante e va-
lerado ou agravado o seu curso evolutivo, como lorar como se tudo resultasse do traumatismo
veremos adiante. (Fagnart, Lucas e Rixhon, 2009). Isto significa
que a imputabilidade médica não deverá ser
diminuída em virtude de uma predisposição
• Exteriorização/desencadeamento patológica e, no plano médico-legal, todo o
dano corporal resultante deverá ser alvo de
O desencadeamento de um estado an- compensação, podendo o julgador, no âmbito
terior define-se pelo aparecimento de uma da ação judicial de reparação, eventualmente
patologia biologicamente existente mas não moderar o montante do quantum indemniza-
constatável no estado patente. Nestes casos, tório, matéria que, na verdade, não compete
o traumatismo não foi a única causa para o aos peritos médicos. Assim, se o traumatismo
CAPÍTULO 1. ENQUADRAMENTO MÉDICO-LEGAL 31

expõe um estado patológico anterior latente • Aceleração


ou clinicamente silencioso deverá ser respon-
sabilizado de forma integral pela alteração da A aceleração ocorre quando um traumatismo
integridade físico-psíquica, uma vez que, sem pode antecipar o aparecimento de uma pato-
este, o estado anterior teria permanecido ocul- logia com uma evolução inevitável e previsível,
to por um período de tempo incerto. que venha necessariamente a manifestar-se num
A título de exemplo, quando um trauma- determinado momento, mesmo na ausência do
tismo desencadeia a expressão clínica de uma evento traumático. Assim, a aceleração e/ou an-
artrose cervical até então totalmente assinto- tecipação é a precipitação do processo evolutivo
mática ou ignorada, num indivíduo com 60 de uma patologia preexistente, já por si evolutiva
anos de idade, sob o ponto de vista médico- mas em que a curva evolutiva se verticalizou em
-legal não se considera agravamento de um consequência do evento (Rousseau, 1993). Tal
estado anterior patológico, mas sim a passa- como recentemente descrito por alguns autores,
gem de uma predisposição a uma patologia devemos procurar verificar se a evolução natural
conhecida - exteriorização ou desencadeamen- da patologia preexistente poderia ter alcançado
to. Este conceito enfatiza a necessidade de um estado idêntico ao observado após o trau-
um processo dinâmico (o traumatismo) para matismo e, em caso afirmativo, quando é que
a transformação do estado assintomático na tal ocorreria (Fagnart, Lucas e Rixhon, 2009). No
expressão clínica de uma patologia. Assinalem- entanto, na maioria dos casos, não há qualquer
se, de igual modo, os seguintes exemplos: a evidência científica que nos permita predizer em
inter venção cirúrgica nasal durante a qual que data determinada patologia se irá manifestar,
surge um problema de natureza cardíaca re- sendo certo que no caso de haver incertezas se
lacionado com uma malformação cardíaca (até revela importante que o perito médico as men-
então assintomática e compensada) e a neurose cione no relatório pericial. Na situação de um
diagnosticada num indivíduo aparentemente quadro demencial desenvolvido no decurso de
normal e que após exame psiquiátrico revelou um traumatismo é importante averiguar se o in-
uma prévia personalidade borderline (Fagnart, divíduo apresentava já uma predisposição que o
Lucas e Rixhon, 2009). levaria, necessariamente, a alcançar o estado de
Ainda sobre a questão do desencadea- demência, mesmo na ausência do evento trau-
mento, veja-se o caso de um indivíduo com mático. Neste caso, apenas serão reparados os
predisposição genética para depressão e que danos que surgiram em função da antecipação
ao sofrer um traumatismo tem um maior risco dessa condição patológica, uma vez que o quadro
de desenvolver a doença. Isto ocorre em virtude demencial iria surgir inevitavelmente (Fagnart,
dos fatores epigenéticos, ou seja, da influência Lucas e Rixhon, 2009).
de fatores externos (ambientais, sociais, eco- Outro exemplo poderá ser o caso de uma
nómicos) e da constituição física e psíquica de artrose cervical agravada por um mecanismo de
um indivíduo. chicote cervical – whiplash, onde é reconhecida a
32 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

aceleração pós-traumática de uma artrose pree- (Roche, 1993). Rousseau e Fournier (1990) defen-
xistente, que pode ocorrer nos 12 a 18 meses dem que esta circunstância não deve ser tida em
subsequentes ao traumatismo. Para a sua cons- consideração na valoração quantitativa do défice
tatação é aconselhável a realização de um estudo funcional, devendo especificar-se a influência do
radiológico diacrónico à data do traumatismo e traumatismo sobre a evolução e consequência de
nos 6, 12 e 18 meses posteriores. Neste caso, um estado patológico nos distintos parâmetros
o dano passível de reparação corresponderá à de dano.
diferença entre a curva evolutiva verificada antes
do traumatismo e a curva evolutiva constatada
após a sua ocorrência. Veja-se ainda o exemplo • Agravamento
de um traumatismo direto sobre um cancro, já na
fase de generalização, com embolização metas- A situação de agravamento corresponde à
tática cerebral rapidamente fatal (Fagnart, Lucas passagem de um estado patológico conhecido e
e Rixhon, 2009). com uma evolução determinada a uma situação
Por fim, note-se o caso de um indivíduo com de maior gravidade. Neste contexto, em que o
uma acuidade visual no olho esquerdo de 6/10 e traumatismo agravou um estado patológico an-
portador de uma patologia cuja evolução prevê terior não pode aceitar-se um longo período de
uma diminuição da acuidade visual de 1/10 a cada latência pós-traumático. Por outro lado, há ainda
5 anos, motivo pelo qual, após um período de situações, embora raras, em que o traumatismo
30 anos apresentará perda total da acuidade vi- não exerce qualquer influência, pois este já se
sual. Porém, foi vítima de um traumatismo de que encontrava em um estágio muito avançado para
resultou uma perda da acuidade visual de 2/10, ser passível de agravamento. Com efeito, não é de
pelo que após o evento apresenta uma acuidade imputar ao traumatismo um efeito agravante valo-
visual de 4/10 e continuará a perder 1/10 a cada 5 rável quando o estado anterior está em grau muito
anos. Nesta situação, admite-se uma aceleração avançado de evolução, por assim dizer terminal,
de 2/10 da acuidade visual e uma antecipação de como pode acontecer no âmbito da cancerologia,
10 anos para a perda total da visão naquele olho da tuberculose e das cardiopatias (Oliveira Sá,
(Fagnart, Lucas e Rixhon, 2009). 1992). Poderá ser considerado um agravamento
Alguns autores admitem que nas situações temporário, como por exemplo o caso de um
de aceleração e/ou antecipação de um estado joelho já submetido a uma meniscectomia parcial
patológico preexistente, o perito médico deve e após uma contusão se torna doloroso e edema-
indicar qual o período de tempo necessário para toso retornando posteriormente ao seu estado
que aquele estado patológico atinja o mesmo anterior. Nesta situação, deve ser efetuada uma
resultado sem a influência do traumatismo. Se não reparação dos danos temporários sem a valoração
for possível prever um período de tempo, ainda de danos permanentes. Imagine-se que o mes-
que aproximado, significa que estamos perante mo joelho (já submetido a uma meniscectomia
uma situação de agravamento e não de aceleração parcial), após um traumatismo, não retrocede ao
CAPÍTULO 1. ENQUADRAMENTO MÉDICO-LEGAL 33

seu estado inicial e desenvolve uma alteração na de um pé e na sequência de um traumatismo re-


cartilagem articular (condropatia pós-contusiva) sulta uma amputação do pé contralateral, tendo
geradora de dor e edema. Neste caso, persisti- em conta que os pés são estruturas sinérgicas para
rá uma situação desfavorável, pelo que deverá a marcha e transferências de posição.
descrever-se o estado anterior do indivíduo e o
seu estado atual e atribuir valores de incapacidade Em resumo, nas situações de aceleração ou
permanente correspondentes a cada uma delas. de agravamento, o estado patológico preexistente
Assim sendo, deverá ser indemnizável o agrava- é conhecido e a sua evolução natural é frequente-
mento definitivo da função do joelho (Fagnart, mente inevitável no futuro próximo. Nestes casos,
Lucas e Rixhon, 2009). é necessário ter-se a cautela de não imputar a
Numerosas são as situações em que surge totalidade do dano ao responsável pelo evento
um agravamento definitivo do estado anterior na traumático.
sequência de um traumatismo, como é o caso da
tuberculose ou da sífilis passíveis de serem agrava-
das ou desencadeadas na sequência de um evento Agravamento de danos sinérgicos
traumático. Outras ainda podem ocorrer com a
reativação de episódios neuróticos preexistentes Quando o dano pós-traumático atinge a
ou com o agravamento da sua sintomatologia, a mesma estrutura anatómica ou outras, desde que
rutura de um aneurisma, o indivíduo com visão envolvidas na mesma função afetada por um es-
monocular que se torna cego, a diabetes mellitus tado anterior, estamos perante um agravamento
preexistente que pode ser alvo de agravamento ou sinérgico do dano. Tal pode ser explicado pelo
até tornar-se instável e desencadear uma cetoa- facto de que uma determinada função fisiológi-
cidose ou complicações vasculares a nível ocular. ca depende geralmente da integridade de todas
A este respeito, importa ainda recordar que a pró- as estruturas anatómicas intervenientes na sua
pria diabetes mellitus pode agravar-se na sequência execução. A função de deambulação exige a in-
de uma corticoterapia usada para tratamento de tegridade dos membros inferiores, a função visual
um traumatismo (Criado del Río, 1999). Nestes ou auditiva necessita da intervenção de ambos
casos, o traumatismo não deverá ser totalmente os olhos ou ouvidos, respetivamente, a preensão
responsabilizado pelo estado patológico atual, ou a manipulação de objetos requer a funcio-
devendo procurar encontrar-se uma solução ra- nalidade de ambas as mãos ou dos cinco dedos
zoável, intermédia, que seja justa para o ofendi- de cada mão. Nestas situações pode ocorrer um
do e para o responsável pelo dano. Um exemplo agravamento funcional comparativamente com o
clássico frequentemente mencionado é o caso do estado patológico preexistente, como é o caso do
indivíduo portador de uma cegueira unilateral que indivíduo que já apresentava dois dedos de uma
perde o único olho funcionante na sequência de mão ausentes e na sequência de um traumatismo
um traumatismo. De modo idêntico, enquadra-se sofreu amputação traumática dos restantes três
a situação de um indivíduo que apresenta ausência dedos dessa mão (Criado del Río, 1999).
34 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

Com efeito, o agravamento sinérgico pode órgão remanescente que se encontra fun-
ocorrer quando, em virtude da deficiência da es- cionante. No entanto, a perda do órgão
trutura já lesada, uma outra estrutura anatómi- remanescente provoca a perda total da
ca assume a sua função por substituição (i); ou função. Um exemplo clássico é o indi-
quando a função é exercida por um órgão duplo víduo com uma cegueira unilateral que
(ii) (Fagnart, Lucas e Rixhon, 2009). perde o olho funcionante na sequência
de um traumatismo. De modo idêntico,
(i) Na substituição é necessária uma avalia- enquadra-se a situação de um indivíduo
ção individual e cautelosa de cada situa- que apresenta ausência de um pé e na se-
ção, de modo que o perito médico esteja quência de um traumatismo resulta uma
atento a sinergias não usuais. Refiram-se amputação do pé contralateral, tendo
alguns exemplos: a perda de uma mão em conta que os pés são estruturas si-
num indivíduo surdo-mudo cuja lingua- nérgicas para a marcha e transferências
gem é efetuada bimanualmente; a perda de posição.
da mão dominante num indivíduo cego,
sendo a sua mão uma estrutura funda- Note-se que em todas estas situações não
mental para a sua orientação; a ampu- se poderá avaliar as sequelas decorrentes de um
tação transcarpiana do lado dominante evento sem se considerar as sequelas preexisten-
num indivíduo paraplégico que vê a sua tes que afetam a mesma função (Fagnart, Lucas
autonomia condicionada a uma cadei- e Rixhon, 2009).
ra de rodas; a perda do terceiro dedo
de uma mão num indivíduo que já não Alguns autores defendem ainda que apesar
apresentava o dedo indicador dessa mão. de um traumatismo afetar uma estrutura previa-
Neste último caso, o terceiro dedo as- mente lesada, pode não ocorrer qualquer altera-
sumia, para além da sua função, uma ção funcional da mesma, como, por exemplo, no
parte da função do dedo indicador que se caso de um indivíduo que apresente uma parali-
encontrava ausente, sendo que os dedos sia completa do membro superior direito tendo
da mesma mão são sinérgicos entre si na sofrido, na sequência de um traumatismo, uma
função de preensão. Nestas situações de- amputação traumática desse membro. Neste
verão descrever-se pormenorizadamente caso, alguns autores defendem não haver lugar
as limitações constatadas, para que a re- à valoração do comprometimento funcional do
paração do dano seja efetuada de forma membro amputado, uma vez que este era to-
consciente e a mais justa possível. talmente afuncional à data do evento (Fagnart,
(ii) No caso de uma função poder ser exer- Lucas e Rixhon, 2009). Imagine-se ainda o caso
cida por um órgão duplo, quando ocorre de um indivíduo portador de uma anquilose das
uma lesão num desses órgãos, a função articulações interfalângicas do dedo indicador
pode ser mais ou menos assegurada pelo de uma mão na posição de extensão. Como
CAPÍTULO 1. ENQUADRAMENTO MÉDICO-LEGAL 35

consequência do evento traumático, o indiví- 3.1. O NEXO DE CAUSALIDADE


duo sofreu amputação desse dedo, ao nível da E O ESTADO ANTERIOR NO ÂMBITO
articulação metacarpo-falângica. Uma vez que DA AVALIAÇÃO DO DANO CORPORAL
esse dedo era já totalmente afuncional à data EM DIREITO DO TRABALHO
do evento traumático, há quem defenda que
não deverá haver lugar à valoração do compro- Deriva da definição de acidente de trabalho
metimento funcional do dedo (Barral, 1909). prevista no nº1 do art.º8 da Lei 98/2009, de 04
Mas, em boa verdade, parece ainda assim justo de Setembro (atual regime jurídico dos acidentes
que o sinistrado seja alvo de reparação pela de trabalho e doenças profissionais, adiante de-
alteração do seu perfil estético. signada pela sigla “LAT”), que se deverá apreciar
Por outro lado, quando um traumatismo um nexo de causalidade entre um “acidente” e a
ocorre num indivíduo com um défice fisiológico “lesão corporal, perturbação funcional ou doença
considerado de pouca importância e provoca de que resulte redução na capacidade de traba-
um handicap importante, como é a perda da lho ou de ganho ou a morte”. Ora, no art.º 11
função, alguns autores defendem que deve- dessa mesma Lei, depreende-se que tal nexo de
rá ser imputável a totalidade dessa perda ao causalidade deve ser encontrado, ainda que para
evento traumático e o dano a reparar deverá o dano tenham concorrido outras causas, como
corresponder à perda total da função. Veja-se o a predisposição patológica, a doença ou a lesão
exemplo de um indivíduo com uma amputação anterior.
do hállux do pé esquerdo, não impeditiva da
deambulação ou da posição ortostática, que Na verdade, as situações de concausalidade
sofre um traumatismo. Como consequência do mantiveram-se durante muitos anos, à margem
traumatismo, esse indivíduo foi submetido a da legislação portuguesa, passando a ser reco-
uma amputação a nível da coxa esquerda privan- nhecidas, efetivamente, apenas em 1965, com a
do-o da função de locomoção do membro e da publicação da Base VIII da Lei nº 2127, de 3 de
posição em ortostatismo. Neste caso, Fagnart et Agosto1. Atualmente, por seu turno, a epígrafe
al. defendem que deve ser considerada a perda
total da função do membro sem a dedução do 1  A Base VIII da Lei nº2127, de 3 de Agosto de 1965 dis-
punha no seu nº1 que “A predisposição patológica da vítima
valor de incapacidade da amputação preexis-
de um acidente não exclui o direito à reparação integral, salvo
tente. Estas mesmas considerações aplicam-se quando tiver sido causa única da lesão ou doença ou tiver sido
a um indivíduo que, por exemplo, possua um dolosamente ocultada”. Na situação prevista no nº2 “quando
a lesão ou doença consecutivas ao acidente forem agravadas
défice da acuidade visual que exija o recurso a por lesão ou doença anteriores, ou quando estas forem agra-
óculos de graduação e que no decurso de um vadas pelo acidente, a incapacidade avaliar-se-á como se tudo
dele resultasse, a não ser que pela lesão ou doença anteriores
traumatismo resulta na perda total da função a vítima já esteja a receber pensão”. No seu nº3 lê-se que “no
visual. Nesta situação, referem dever proceder- caso de a vítima estar afetada de incapacidade permanente
anterior ao acidente, a reparação será apenas a corresponden-
-se à reparação da perda total da visão (Fagnart,
te à diferença entre a incapacidade anterior e a que for calcu-
Lucas e Rixhon, 2009). lada como se tudo fosse imputado ao acidente” enquanto o
36 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

predisposição patológica e incapacidade vem re- ser vítima de um traumatismo sofre uma fratura.
gulada no art.º 11 da LAT, havendo previsão ex- Em virtude desta deficiência, o indivíduo apresen-
pressa no sentido de reconhecer como acidente de ta um maior risco de sofrer fraturas, uma vez que
trabalho aquele que, embora não tenha no serviço esta hipovitaminose acarreta uma falha na mine-
a sua causa única, é desencadeado ou agravado ralização da matriz orgânica do osso, com subse-
por este. Dito de outra forma, considera-se carac- quente fraqueza óssea. O nível baixo de vitamina
terizado o acidente, ainda quando não seja ele a D constitui uma concausa preexistente. Por outro
causa única e exclusiva da perda da capacidade de lado, a concausa concomitante (também desig-
trabalho, bastando que entre o evento traumático nada de contemporânea ou simultânea) pode ser
e a alteração da integridade físico-psíquica/perda verificada quando desencadeada ao momento do
da capacidade de ganho haja uma relação de causa evento traumático, ou seja, o acidente de trabalho
ou efeito. A compreensão do conceito de concausa e o fator não laboral que contribuiu para a sua
é fundamental, já que existem patologias que não ocorrência concretizam-se em simultâneo (Criado
estão diretamente relacionadas com o trabalho, del Río, 1999). Exemplo desta concausa ocorre
mas que são agravadas ou desencadeadas preco- num indivíduo que adquire a infeção pelo tétano
cemente em virtude das atividades desenvolvidas em simultâneo com a produção do ferimento.
pelo trabalhador, como se observa nos casos de Trata-se, entretanto, da hipótese mais rara, dada
doenças degenerativas, onde o trabalhador tem a dificuldade de estabelecer esta coincidência de
uma predisposição genética a adquirir a doença fatores ou de se comprovar esta simultaneidade.
que o afeta, sendo esta exteriorizada no exercício Por último, a concausa superveniente ou consecu-
da sua atividade profissional. Conforme exposto, tiva surge posteriormente à ação traumática, de-
o acidente de trabalho pode ocorrer em virtude terminando um agravamento das consequências
de um conjunto de fatores, havendo entre estes, do traumatismo e representando um elemento
necessariamente, a presença da atividade profis- perturbador para a evolução favorável das lesões
sional exercida pelo sinistrado. decorrentes do acidente. Geralmente referem-se
Como já mencionado anteriormente, estes ao aparecimento de complicações suscetíveis de
fatores que caracterizam as concausas são clas- alterarem o curso habitual ou expectável do dano
sificados doutrinariamente como preexistentes, sofrido, prejudicando o seu tratamento e subse-
concomitantes ou supervenientes, de acordo com quente recuperação. Porém, podem referir-se a
o momento da ocorrência do fator causador da situações de altas médicas atribuídas indevida
lesão objeto de valoração. A concausa preexisten- e antecipadamente, a infeções hospitalares, a
te é a mais frequente e citemos o exemplo de um escassez de medicação adequada e a deficiên-
indivíduo com deficiência de vitamina D e que ao cia de acompanhamento médico no período de
recuperação do evento traumático. Quando as
nº 4 “confere também direito à reparação a lesão ou doença consequências do traumatismo são alvo de agra-
que se manifeste durante o tratamento de lesão ou doença re-
vamento por desobediência do sinistrado quanto
sultante de um acidente de trabalho e que seja consequência
de tal tratamento”. a orientações médicas efetuadas ou recusa de
CAPÍTULO 1. ENQUADRAMENTO MÉDICO-LEGAL 37

tratamento pode haver influência destes fatores e não propriamente a sua origem. Na situação
na definição do quantum indemnizatório e no prevista no nº2 do art.º 11, “quando a lesão ou
percentual de responsabilidade da entidade pa- doença consecutiva ao acidente for agravada por
tronal, sendo que, se for devidamente provado lesão ou doença anterior, ou quando esta for
que o sinistrado interrompeu antecipadamente os agravada pelo acidente, a incapacidade avaliar-
tratamentos de fisioterapia ou a toma da medica- -se-á como se tudo dele resultasse, a não ser
ção, contribuindo para a manutenção da doença que pela lesão ou doença anterior o sinistrado
ou para o agravamento da lesão, estes aspetos já esteja a receber pensão ou tenha recebido um
deverão ser analisados pelo julgador, com vista a capital de remição nos termos da lei”. Contudo,
diminuir a responsabilidade da entidade patronal a jurisprudência tem vindo a defender a necessi-
pelos danos sofridos pelo sinistrado. dade da presença do nexo de causalidade entre o
Na verdade, para a valoração das incapa- acidente de trabalho e o agravamento de doença
cidades e relativamente a um eventual estado preexistente, mesmo que indiretamente, não se
anterior, os n.ºs 1 e 2 do art. 11º da LAT (tal como configurando esta última como causa única. Por
os anteriores art. 9º, nºs 1 e 2, da Lei 100/97 , 2
outro lado, no seu nº 3 podemos ler que “no
de 13/09 e Base VIII, nºs 1 e 2, da Lei 2127, de 3 caso de incapacidade permanente anterior a re-
de Agosto de 1965) contemplam situações dis- paração é apenas a correspondente à diferença
tintas: o primeiro, uma situação de predisposição entre a incapacidade anterior e a que for calculada
patológica (que não doença) anterior ao acidente como se tudo fosse imputado ao acidente”. E sem
de trabalho que, com este, se desencadeia; o se- prejuízo do disposto no número anterior, o nº4
gundo, uma situação de doença consecutiva ao prevê ainda que “quando do acidente resulte a
acidente agravada por doença ou lesão anterior inutilização ou danificação das ajudas técnicas de
ou uma situação de doença anterior agravada que o sinistrado já era portador, o mesmo tem
pelo acidente. Da comparação entre o disposto direito à sua reparação ou substituição”.
na Base VIII, nº 1, da Lei 2127, de 03-08-1965 O ponto 5 da alínea d) das Instruções Gerais
com o disposto no art. 9º, nº 1, da Lei 100/97, da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes
redação esta que se manteve no art. 11º, nº 1, de Trabalho e Doenças Profissionais (Anexo I,
da LAT, resulta que “a predisposição patológica Decreto-Lei nº 352/07, de 23 de Outubro - TNI)
de um sinistrado não exclui o direito à reparação estabelece ainda que “o coeficiente global de
integral salvo quando tiver sido ocultada”. Assim, incapacidade é obtido pela soma dos coeficien-
a predisposição patológica não obsta à reparação tes parciais segundo o princípio da capacidade
integral do dano resultante de acidente de traba- restante, calculando-se o primeiro coeficiente por
lho. O que a lei exige é a manifestação da lesão referência à capacidade anterior e os demais à
capacidade restante fazendo-se a dedução su-
2  O art.9º, no nº1 da Lei 100/97 de 13 de Setembro es- cessiva do(s) coeficiente(s) já tomados em conta”.
tipula que “A predisposição patológica do sinistrado num aci-
Atendendo às Recomendações gerais para a rea-
dente não exclui o direito à reparação integral, salvo quando
tiver sido ocultada”. lização de relatórios periciais de clínica forense
38 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

no âmbito do Direito do Trabalho publicadas em para corrigir as consequências de um acidente de


2010, na Revista Portuguesa do Dano Corporal trabalho em situações em que o indivíduo apre-
“no caso da incapacidade anterior resultar de sente uma incapacidade anterior e compreende
outra etiologia que não acidente de trabalho, o dois fatores – C1 (capacidade anterior ao evento
cálculo da incapacidade global é feito relativamen- traumático em apreço) e C2 (capacidade restante
te à capacidade integral do indivíduo (100%)”. após o evento traumático em apreço), permitin-
Nesta conformidade, imagine-se o caso de do o cálculo da percentagem da incapacidade
um indivíduo que, na sequência de um acidente imputável a um determinado evento a avaliar da
de trabalho, sofre uma amputação traumática da seguinte forma (Caňadas, 2001):
mão direita, motivo pelo que lhe é atribuída uma
incapacidade permanente parcial (IPP) de 60%.
Num segundo acidente de trabalho, é vítima de % da nova incapacidade = (C1-C2) / C1 X 100
amputação de todo o membro superior direito.
Como deverá ser calculada a IPP resultante deste Refira-se o exemplo de um indivíduo que,
acidente? Dever-se-á ou não recorrer à regra da no decurso de um traumatismo, apresenta uma
capacidade restante, para obtenção do coeficiente sequela valorizável em 30%, a que correspon-
global da incapacidade? Considerando que a am- deria um valor de C1 igual a 70%. Imagine-se
putação traumática do membro superior direito ainda que de um segundo acidente resultou uma
correspondia a 80%, se através da capacidade sequela que valorada de forma independente,
anterior do indivíduo (40%) usássemos a regra equivaleria a 10%. Segundo a regra da capacidade
da capacidade restante, obteríamos uma IPP de restante ou regra de Balthazard, a redução global
32% (0.80 x 0.40 x 100), imputável ao segundo corresponderia a 10% de 70%, ou seja, a 7%.
acidente. Por outro lado, se optássemos por re- Este valor deverá ser adicionado à incapacidade
correr apenas ao disposto no nº 3 do artigo 11º resultante do primeiro acidente (30%), de modo
da Lei nº 98/2009 de 4 de Setembro, ou seja, à que C2 será 100%-37%, ou seja, 63%. Aplicando
diferença entre a IPP anterior ao traumatismo em a fórmula de Gabrielli obter-se-ia uma IPP = (70-
apreço e aquela calculada como se tudo resultasse 63) / 70 x 100 = 10%. Alguns generalizaram a
do acidente, obteríamos uma IPP de 20% (80% utilização da fórmula de Gabrielli à avaliação do
- 60%) imputável ao segundo acidente. dano corporal em Direito Civil, embora se refira
que esta fórmula pode conduzir a resultados ab-
Nesta situação, em que um traumatismo surdos. Fagnart e colaboradores defendem o uso
agrava um estado anterior, não poderíamos ter- da fórmula de Gabrielli unicamente no contexto
minar sem uma breve referência a um método de incapacidades sucessivas e sinérgicas (Fagnart,
internacionalmente utilizado no âmbito do Direito Lucas e Rixhon, 2009).
do Trabalho, a fórmula de Gabrielli, herdada da
prática médico-legal francesa, embora pouco O caso clássico do olho remanescente no
conhecida em Portugal. Esta fórmula foi criada indivíduo com uma cegueira unilateral pode
CAPÍTULO 1. ENQUADRAMENTO MÉDICO-LEGAL 39

exemplificar o atrás descrito, uma vez que este igualmente resultar de uma outra etiologia que
único olho funcionante tem um valor muito mais não acidente de trabalho, ou até mesmo, corres-
elevado do que o mesmo olho num indivíduo com ponder a um estado patológico anterior congé-
visão total (Fagnart, Lucas e Rixhon, 2009). Esta nito, como seria o caso do indivíduo com uma
situação reflete o caso pioneiro do estado ante- amaurose unilateral congénita. Ora, o mencionado
rior, o caso Parodi, referente a um indivíduo que artigo pode não ser claro no que se refere à etio-
apresentava um único olho funcionante. Era car- logia dessa incapacidade permanente anterior,
regador no cais de Génova e na sequência de um porém esse artigo estabelece ainda no seu nº2,
traumatismo perdeu a visão do olho funcionante. que quando um traumatismo agrava uma lesão
Inicialmente indemnizado com uma incapacida- ou doença anterior ou quando esta é agravada
de permanente parcial correspondente a 35%, pelo evento traumático, deverá avaliar-se como
de acordo com o coeficiente previsto na tabela se tudo resultasse do traumatismo, a não ser que
para a perda de um olho, recorreu da sentença, o sinistrado já esteja a ser alvo de reparação in-
alegando que a sua perda não se restringia a um demnizatória. Face ao referido, presume-se que a
olho, mas sim à totalidade da sua função visual, incapacidade permanente a que o nº3 do art.º 11
pelo que exigia uma incapacidade permanente da LAT se refere é, apenas, aquela que haja resul-
de 100%. Após análise da situação, o Tribunal de tado de um anterior acidente de trabalho e que
Génova decidiu aceitar o dito recurso (Criado del como tal tenha sido judicialmente reconhecida
Río, 1999). Perante este caso, os autores refletem e fixada (Acórdão do STJ, proc. 117/05.5TUBRG.
sobre algumas questões: Que valor atribuir e em P1.S1, de 02-06-2010) ou seja, prevê a situação
que medida esse valor de incapacidade constitui de um acidente de trabalho anterior, em virtude
uma situação justa para o sinistrado? Emerge a do qual à vítima tenha sido arbitrada uma inca-
necessidade de harmonizar a avaliação do peri- pacidade permanente.
to médico com a legislação vigente. Parece-nos
claro que hoje o sinistrado é legalmente visto
de um modo muito mais integral, como pessoa, 3.2. O NEXO DE CAUSALIDADE
além de trabalhador. A inclusão da reabilitação E O ESTADO ANTERIOR NO ÂMBITO
e reintegração profissional são o bom exemplo DA AVALIAÇÃO DO DANO CORPORAL
dessa evolução. EM DIREITO CIVIL

Não obstante a opinião manifestada nas O art.º 563 do Código Civil Português defi-
recomendações gerais da Revista Portuguesa do ne que «a obrigação de indemnização só existe
Dano Corporal é inevitável que sejamos frequen- em relação aos danos que o lesado provavel-
temente questionados se a incapacidade perma- mente não teria sofrido se não fosse a lesão».
nente anterior que o nº3 do art.º11 da LAT prevê, Então a obrigação de reparar o dano supõe a
será apenas aquela resultante de um acidente existência de um nexo de causalidade entre o
de trabalho anterior ou se porventura, poderá evento em apreciação e o dano causado. Daqui
40 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

se entende, que não há que ressarcir todos e A valorização pericial de situações envol-
quaisquer danos que sobrevenham ao evento, vendo estados anteriores começa a ser complexa
tão só os que ele tenha na realidade provocado. quando esse estado anterior envolve uma pa-
O autor do traumatismo não tem responsabili- tologia estabelecida ou latente (Vieira e Corte
dade sobre o estado anterior e, por isso, não Real, 2008). Será o próprio perito médico, com
seria correto ter que indemnizar num montante base nos seus conhecimentos, que apreciará a
superior ao necessário em outro indivíduo sem influência do estado anterior sobre a evolução
esse estado patológico anterior. Mas também da situação. Ainda assim, como iremos ver, po-
menos correto seria se o ofendido, que vivia e dem surgir dificuldades na abordagem pericial.
viveria sempre sem um determinado dano, ficasse Pela complexidade da sua análise, tomemos em
afetado numa determinada função ou estrutura consideração os três tipos de situações anterior-
e ficasse sem direito a um ressarcimento indem- mente referidos, porém, com algumas reflexões
nizatório. Os problemas médico-legais são, sem adicionais.
dúvida, complexos, mas convirá sublinhar que
a melhor apreciação desta problemática será
a que envolve a averiguação de quais as reais O traumatismo não agravou o estado
consequências resultantes do complexo estado anterior, nem este teve influência negativa
anterior-evento traumático. Este mesmo artigo sobre as consequências daquele
consagra a doutrina da causalidade adequada
que não pressupõe a exclusividade do fator etio- Quando existe uma patologia estabeleci-
lógico condicionante do dano, nem exige que a da anteriormente ao acidente em questão e do
sua causalidade tenha de ser direta e imediata. evento traumático resultem lesões e sequelas,
Desta forma, admite não só a ocorrência de ou- pode acontecer não haver qualquer influência
tros fatores condicionantes, contemporâneos ou desse estado anterior na evolução das lesões e nas
não, como ainda a causalidade indireta, bastando sequelas delas resultantes, nem estas terem tido
que o fator etiológico condicionante desencadeie qualquer consequência sobre a patologia anterior.
outro que diretamente suscite o dano causado. Esta é a situação mais simples, em que se efetua a
A regra geral é reintegrar plenamente a valoração do dano como se não houvesse estado
vítima, tendo como medida a diferença entre a anterior, como se o indivíduo fosse são à data do
sua situação atual e a que teria à data do trau- evento traumático, sem quaisquer antecedentes
matismo se não existissem danos. O princípio da patológicos relevantes. As consequências do esta-
reparação integral do dano procura restaurar o do anterior não devem ser tidas em consideração,
status quo ante da vítima, ou seja, colocá-la em na medida em que em nada se relacionam com
situação equivalente à anterior ao facto dano- o dano sofrido. Podem, nomeadamente, referir-
so, conceção que muitas vezes se converte em -se como exemplos, a produção de uma hérnia
utopia, restando a possibilidade de compensar, discal num indivíduo com uma prévia amputação
de forma indemnizatória, pelo dano sofrido. de uma mão ou uma lombalgia de esforço num
CAPÍTULO 1. ENQUADRAMENTO MÉDICO-LEGAL 41

indivíduo cujos exames radiográficos revelaram a aplicação de uma simples fórmula matemática
a presença de um cálculo renal. para calcular a influência do estado anterior é
Nestas condições, torna-se fácil imputar ao insuficiente para dar resposta a estas exigências.
traumatismo aquelas que seriam as consequências Porém, deverá procurar manter-se a regra
normais e habituais resultantes da lesão traumá- geral: só não valorizar o que for devido exclusi-
tica, ou seja, seguir-se a regra geral usada na vamente à influência do estado anterior (Vieira
avaliação do dano corporal de natureza cível, em e Corte Real, 2008). Mas na verdade, o médico
que o perito médico deve avaliar um examinado perito tem que, atendendo às especificidades do
unicamente pelas lesões resultantes do traumatis- caso, valorar da forma mais equitativa, corrigindo
mo em questão, considerando que não apresenta as injustiças que possam resultar da aplicação
qualquer outra lesão (Vieira e Corte Real, 2008). cega das tabelas indicativas.

Na verdade, ao responsável pelo dano de-


O estado anterior teve influência negativa verá somente ser-lhe imputada a parcela con-
sobre as consequências do traumatismo sequente à sua participação no evento danoso.
Com efeito, deverá especificar-se o que seria a
Ao contrário do que se passa na situação evolução das consequências do traumatismo sem
precedente, estaremos aqui perante casos em a influência do estado anterior (Mortiaux, 1985),
que existe influência do estado anterior nas con- ou seja, proceder-se a uma estimativa do que seria
sequências de um traumatismo, ou seja, o estado a valoração do parâmetro de dano em causa se
anterior poderá interferir com a normal evolução o indivíduo fosse saudável (Vieira e Corte Real,
das lesões traumáticas e condicionar as sequelas 2008). É frequente que neste contexto seja neces-
delas resultantes. Uma determinada patologia ou sário justificar as decisões periciais com recurso
sequela anterior pode implicar tratamentos mais a bibliografia. Em alguns casos, há ainda que
dolorosos, provocar uma consolidação mais tardia considerar a partilha de responsabilidade aquando
das lesões ou ainda justificar sequelas mais graves. da valoração dos parâmetros de dano.
Porém, não esquecer a possibilidade do es-
Nestas condições, o estado anterior pode tado anterior poder ter um papel determinante
ter influência apenas num dos parâmetros, em no aparecimento de um traumatismo/acidente,
mais do que um ou mesmo em todos. O perito como o caso do indivíduo condutor que é por-
médico, com base nos seus conhecimentos, tem tador de uma doença cardíaca grave. Refira-se
de fazer uma cuidada observação de cada um dos ainda outros exemplos, tais como, a artrose que
parâmetros médico-legais que devem ser alvo de favorece as consequências de um traumatismo,
valoração e justificar em quais desses parâme- uma vez que o aparelho disco-ligamentar de um
tros terá existido influência da patologia anterior. indivíduo com artrose é muito mais frágil do que
Os exemplos são de tal modo diversos que deve- num indivíduo saudável, provocando ruturas liga-
rão ser avaliados caso a caso. Compreende-se que mentares mais graves e uma maior frequência de
42 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

hérnias discais, o aparecimento de uma mielopatia fratura do braço direito. Na sequência daquele
após um traumatismo sofrido por um indivíduo evento houve um agravamento da função de
com um canal estreito congénito que agrava a manipulação e preensão de objetos do indivíduo.
sua evolução, a diabetes mellitus que motiva A presente condição obrigou a vítima à imobi-
uma menor resistência a processos infeciosos, lização gessada do membro superior direito e,
um atraso na cicatrização de um ferimento ou durante o período em que manteve o gesso,
até o surgimento de gangrena em virtude de não pôde exercer atividade com o seu membro
distúrbios na vascularização, a hemofilia ou um imobilizado e, como não tem o membro supe-
tratamento com anticoagulantes que favorece o rior esquerdo, esteve altamente incapacitado
aparecimento de hemorragia abundante mesmo em termos de autonomia, necessitando, inclu-
quando na sequência de um traumatismo con- sivamente, da ajuda de terceira pessoa para a
siderado ligeiro e a osteoporose que atrasa um execução das suas atividades diárias. Colocam-se
processo de consolidação óssea. duas hipóteses no que se refere à valoração do
défice funcional temporário: ou se faz a avalia-
ção como se não tivesse qualquer amputação
O traumatismo agravou o estado anterior anterior, argumentando que o responsável pelo
ou exteriorizou uma patologia latente acidente não tem responsabilidade sobre essa
amputação e, por isso, não deverá ser prejudica-
Nesta situação, não podemos desconside- do ao ter que indemnizar num montante superior
rar casos por vezes não imediatamente aparen- àquele que seria obrigado caso atropelasse um
tes, em que o estado anterior não influenciou indivíduo sem esse estado anterior; ou se avalia
diretamente a normal evolução das lesões, bem o caso concreto como um todo, personalizando
como a data de consolidação médico-legal das e atribuindo um défice funcional temporário,
mesmas, porém, colocou o problema da re- como se tudo resultasse do acidente, pelo facto
percussão na realização das atividades da vida de, na realidade, o ofendido ter ficado tempo-
diária, familiar, social e profissional. Neste pon- rariamente muito incapacitado, descrevendo
to, em que se considera haver agravamento pormenorizadamente a situação anterior e a
do estado anterior, deverá acrescentar-se que situação atual. Como poderá o perito médico
se incluem os casos em que, apesar de não resolver esta situação? Outrora, entendia-se que
ter sido afetada a mesma estrutura anatómica, nestas situações deveria ser aplicada a regra
foi afetada a mesma função. Referimo-nos ao geral, ou seja, valorar apenas o que for única e
agravamento de danos sinérgicos já mencionado exclusivamente resultante daquele evento. Tal
anteriormente. posicionamento enquadrava-se na necessidade
Neste sentido, reportemos o caso de um da quantificação pelo perito médico da então
indivíduo que, anteriormente ao traumatismo, já designada incapacidade geral temporária parcial,
não possuía o membro superior esquerdo e em quantificação que deveria depender unicamente
resultado de um acidente de viação sofreu uma das lesões resultantes do acidente em avaliação e
CAPÍTULO 1. ENQUADRAMENTO MÉDICO-LEGAL 43

que serviria de referência para o estabelecimento braço direito imobilizado, necessitou da ajuda de
do montante indemnizatório devido no âmbito terceira pessoa para a realização das atividades
deste parâmetro de dano. Após a decisão dos da vida diária, nomeadamente, higiene pessoal,
serviços médico-legais de se deixar de proceder alimentação, entre outras. Não seria admissível
à quantificação da incapacidade geral temporária que um indivíduo, por ser portador de uma li-
parcial, entendemos propor uma nova conceção mitação ou deficiência, fosse menos valorado e
no que se refere ao défice funcional. indemnizado do que um outro que não sofresse
Naturalmente que continua a ser nossa ta- essa limitação.
refa, sempre que possível, reparar a vítima da Do mesmo modo poderá colocar-se outra
forma mais justa e equitativa, pelo dano sofri- questão: como deve, neste caso, o perito médico
do. Na verdade, poderia argumentar-se que não expressar a influência do estado patológico pree-
seria correto para o autor do traumatismo ter xistente sobre a valoração do défice funcional
que indemnizar em montante superior ao ne- permanente? O perito médico terá que escolher
cessário em outra pessoa com o membro supe- a forma que melhor transmite a real repercussão
rior esquerdo, ou seja, sem esse estado anterior. que o traumatismo acarretou na vida diária, fami-
Mas menos correto seria se o ofendido, que vivia liar e social do indivíduo. Na prática, entende-se
e viveria sempre sem que ficasse impossibilitado que, em alguns casos, tal poderá corresponder à
de manipular objetos, ficasse afetado naquela diferença entre a incapacidade que o sinistrado
função e sem direito a ressarcimento indemni- apresentava antes e a que apresentava após o
zatório. Os problemas médico-legais são, sem acidente. Vejamos o caso anteriormente descrito
dúvida, complexos, mas convirá sublinhar que a e supondo que, como resultado da fratura do
melhor apreciação a esta problemática será ave- braço direito, o examinando em apreço ficasse
riguar quais as reais consequências resultantes com uma limitação da flexão do cotovelo, que,
do complexo estado anterior-evento traumático. por hipótese, valorizaríamos em 10 pontos de
E, dado que se deve proceder à reparação do dano défice funcional permanente. Será correto con-
considerando a avaliação tridimensional do dano, cluirmos que, em consequência do referido aci-
não esquecendo, que um dos princípios gerais da dente, resultaram sequelas anatomofuncionais
avaliação do dano de natureza cível é a personali- que se traduzem apenas num défice funcional
zação do dano, devemos optar pericialmente pela permanente fixável em 10 pontos e, portanto,
segunda hipótese proposta. Deveremos sempre independentemente da amputação anterior
manter a ideia da capacidade restante do indi- do outro membro superior. À semelhança do
víduo quando valoramos o estado anterior. Na que sucede na avaliação do dano corporal em
verdade, não seria justo, no exemplo citado, as- Direito do Trabalho, entende-se que a valora-
sumirmos um défice funcional temporário parcial ção deste parâmetro deve respeitar a capaci-
num indivíduo que efetivamente esteve incapaci- dade restante da vítima e, por esse motivo, os
tado de mobilizar ambos os membros superiores 10 pontos poderão ser desapropriados para o
e, que durante o período em que esteve com o caso exposto. Note-se que a limitação de flexão
44 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

do cotovelo no único membro superior que o exa- membro superior à data do acidente não o im-
minando possuía pode acarretar consequências possibilitava de exercer as referidas atividades,
desastrosas maiores do que num indivíduo sem uma vez que estavam totalmente asseguradas
aquele estado anterior, ou seja, com a presença pelo membro superior remanescente, ainda que
de ambos os membros superiores. O membro pudessem ser exercidas com dificuldade. Com
superior direito assegurava neste indivíduo a to- efeito, não há fundamento para excluir a valo-
talidade da função de manipulação e preensão ração destas dependências argumentando-se
dos objetos, sendo que a rigidez do cotovelo que o acidente apenas agravou limitações e/ou
pode afetar significativamente e de forma mais dificuldades que o examinando já apresentava
relevante esta função. À semelhança do que se previamente.
encontra definido no nº7 das Instruções Gerais No mesmo sentido se discute a repercus-
da TNI, também no caso da Tabela Nacional são na atividade profissional, seja temporária ou
de Avaliação de Incapacidades Permanentes em permanente, devendo ser igualmente descrita
Direito Civil (Anexo II, Decreto-Lei nº 352/07, de a capacidade restante para o trabalho (Vieira e
23 de Outubro – TIC), ao perito médico é permi- Corte Real, 2008). Considerando o exemplo ante-
tido que se afaste dos valores dos coeficientes riormente descrito e supondo que o indivíduo era
previstos na respetiva tabela, se for essa a melhor telefonista à data do evento traumático, atenden-
solução para o caso. Ora, no caso em concreto, do o telefone com a única mão que possuía, a mão
o perito médico poderá aumentar razoavelmente direita, deveríamos admitir que o examinando
o valor do défice funcional permanente, tendo se encontrava com uma repercussão temporária
em conta a maior ou menor limitação que a profissional total relativamente à atividade pro-
sequela resultante acarreta sobre a função exer- fissional que exercia, com as limitações inerentes
cida previamente pelo membro afetado. E con- a quem só apresentava um membro superior.
siderando ainda o estado sequelar do sinistrado Quanto ao dano a título permanente e supondo
bem como o seu estado patológico preexistente que a limitação do cotovelo direito resultante do
poderá questionar-se quanto a eventuais neces- acidente implicou uma reduzida mobilidade do
sidades e/ou dependências permanentes. Ora, se membro, que não permitiu a continuação da sua
o perito médico se apercebe, por exemplo, de atividade profissional, poderíamos dizer que as
que a limitação funcional no cotovelo dificulta sequelas resultantes do evento são impeditivas do
a aproximação da mão à cabeça, questiona-se exercício da profissão de telefonista, atendendo
sobre a sua impossibilidade para determinadas às limitações inerentes à falta de um membro su-
atividades da vida diária, tais como, fazer a barba, perior, que já apresentava à data do traumatismo.
pentear-se, lavar os dentes, entre outras. Neste Cumpre-se o objetivo da avaliação médico-legal
caso, deverá ser valorada, a título de exemplo, em sede de Direito Civil, ou seja, transmite-se
a necessidade de ajuda complementar ou de ao julgador a avaliação das consequências que
substituição (se for o caso) por terceira pessoa. determinado evento traumático provocou em
O facto de o indivíduo já não apresentar um determinada pessoa, nas suas diversas vertentes.
CAPÍTULO 1. ENQUADRAMENTO MÉDICO-LEGAL 45

Quanto à valoração do quantum doloris e do este indivíduo fosse valorado a título de défice
dano estético permanente, deverá ser aplicada a funcional temporário parcial, quando na realida-
regra geral, ou seja, valorando de modo indepen- de não apresentava suficiente autonomia para
dente as sequelas resultantes do evento. Quanto a sua deslocação e transferências de posição.
à repercussão nas atividades desportivas e de Por conseguinte e uma vez que a amputação
lazer, considerar-se-ia também apenas as sequelas traumática da mão dominante impossibilitou a
resultantes do evento, observando, no entanto, deambulação autónoma da vítima em cadeira de
sempre o seu estado anterior. Imagine-se que o rodas, tal deverá ser merecedora da atribuição de
mesmo indivíduo era um desportista profissional um défice funcional temporário total. Só assim
de tiro e ao sofrer o traumatismo de que resultou se cumpre o objetivo da avaliação médico-legal,
uma acentuada limitação funcional do cotovelo ou seja, uma reparação integral e personalizada
direito, ficou impossibilitado de prosseguir com do indivíduo, nas suas mais diversas vertentes.
essa atividade desportiva, que muita satisfação Ainda sobre esta questão, coloca-se a dúvida
pessoal lhe dava. A repercussão nas atividades quanto à valoração do défice funcional permanen-
desportivas e de lazer deverá ser significativa- te neste indivíduo. Do que vem sendo exposto,
mente valorada, independentemente do facto será lógico assumirmos apenas a desvalorização
de haver amputação do membro contralateral da amputação da mão como sequela resultante do
(Vieira e Corte Real, 2008). traumatismo? Não seria lógico estandardizarmos
a situação descrita a uma mera amputação da
Ainda a este respeito, analisemos o caso mão, uma vez que iríamos contra um dos prin-
de um indivíduo em que na sequência de um cípios gerais da avaliação do dano corporal de
traumatismo, sofreu amputação da mão do lado natureza cível, que é o da personalização do dano.
dominante. Supondo que, à data desse evento Se não agimos habitualmente dessa forma quando
traumático, o indivíduo era portador de uma observamos qualquer outro examinado, porque
paraplegia dos membros inferiores e necessi- haveríamos de o fazer agora? Ao valorarmos uni-
tava da mão para a deambulação em cadeira camente a amputação da mão, ignorando neste
de rodas. Questiona-se sobre como valorar as caso a existência de uma patologia preexistente,
consequências deste traumatismo. Entende-se não estaríamos a valorar as reais repercussões que
que na valoração deste parâmetro, a título de o evento traumático teria provocado neste indiví-
dano temporário, e à semelhança do que su- duo. Note-se que a mão amputada assumia, para
cede na avaliação do dano corporal em Direito além da sua função habitual, parte da função de
do Trabalho, deve ser considerada a capacidade deambulação do indivíduo. Contudo, seria excessi-
residual do indivíduo, que no caso em concre- vo considerar a paraplegia dos membros inferiores
to, encontra-se condicionada pela sua falta de como decorrente do evento traumático, porém
autonomia para a deambulação, já que neces- também não seria admissível considerar-se apenas
sitava da mão amputada para o cumprimento a amputação traumática da mão neste indivíduo
desta função. Na verdade, não seria justo que que necessitava da mesma para a deambulação.
46 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

A nosso ver e à semelhança do anteriormente ex- Em outros casos em que o traumatismo agra-
posto, ao perito médico deverá ser permitido que vou o estado anterior de um indivíduo, aplica-se
se afaste dos valores dos coeficientes previstos na o princípio da diferença, uma vez que se deve-
respetiva tabela de incapacidades. Era, por isso, rá atender à situação, por vezes por estimativa,
que, outrora, o Professor Oliveira Sá protestava que o indivíduo apresentava antes da lesão e à
contra a tabela de incapacidades, a qual prendia situação real em que se encontra após estabiliza-
o perito médico, pois constituía um espartilho à ção das consequências do traumatismo. Nestas
avaliação do dano. Dizia, com humor e convicto, condições, terá de existir uma diferença entre a
que preferia «um bom perito com uma má tabela situação anterior e a atual e que será designada
do que um mau perito com uma boa tabela» por agravamento. Será possível ao perito médico
(Oliveira Sá, 1992). Ademais, defende-se hoje fazer uma estimativa do valor global do DFP, discri-
que os coeficientes de desvalorização previstos minando o valor atribuído ao défice preexistente
são meras “unidades de apreciação”, estando (segundo a Tabela) e ao défice calculado como
o perito médico livre de as apreciar, podendo se tudo resultasse do traumatismo. A diferença
desviar-se dos limites estabelecidos nas tabelas. entre as duas situações refletirá o agravamento
Ora, ainda sobre o caso descrito e para valoração imputável ao traumatismo, a partir do qual poderá
do défice funcional permanente, pode tornar- ser ponderado o montante indemnizatório. Deverá
-se desapropriado o cálculo da diferença entre o proceder-se de forma idêntica para a valoração
défice funcional permanente do indivíduo após dos restantes parâmetros de dano, isto é, deve-
e antes do traumatismo em apreciação. No caso rá avaliar-se de forma independente o estado
da amputação da mão num individuo paraplégi- anterior e as consequências do traumatismo em
co, a perda dessa mão implicaria não apenas as apreço. No caso de o indivíduo ter sido já avaliado
repercussões inerentes à perda de uma mão num em sede de Direito Civil pelo seu estado ante-
indivíduo sem patologia anterior mas também rior, é fácil saber-se em que parâmetros ocorreu
a sua capacidade de locomoção em cadeira de agravamento, por comparação com a situação
rodas. No caso em concreto, o perito médico constatada após o evento em apreço. Por outro
poderá desviar-se do intervalo de desvalorização lado, como apurar um DFP por acidente de viação
previsto na tabela, aumentando razoavelmente hoje, quando ocorreu no passado uma IPP por um
o valor do défice funcional permanente. É justa- acidente de trabalho anterior? Qual o DFP de que
mente a capacidade para descrever minuciosa e o lesado era portador quando teve o acidente de
pormenorizadamente o prejuízo funcional que viação? Se não houver uma avaliação pericial de
distingue o perito médico. Também aqui, o im- natureza cível relativamente ao estado anterior do
portante, não são apenas as asserções conclusivas indivíduo, é necessário efetuar-se uma estimativa
da perícia médica, mas sobretudo a descrição da da avaliação desse estado precedente, uma vez
efetiva repercussão que as sequelas decorrentes que o agravamento corresponderá à diferença
de um traumatismo provocam num determinado entre ambas as situações (Vieira e Corte Real,
indivíduo. 2008). A este respeito, poderão incluir-se alguns
CAPÍTULO 1. ENQUADRAMENTO MÉDICO-LEGAL 47

dos considerados agravamentos de danos sinérgi- este indivíduo com um défice funcional preexis-
cos quando a função afetada pelo estado anterior tente de 35 pontos (referente à amputação total
é assegurada por um órgão duplo. Um exemplo de uma mão de acordo com a TIC) e um atual de
clássico é o indivíduo com uma cegueira unilate- 55 pontos (referente à amputação total de um
ral que perde o olho funcional remanescente na membro superior de acordo com a TIC), assumi-
sequência de um evento traumático. Neste caso, ríamos que ao traumatismo em apreço deveria ser
o que está em causa é a perda total da função estimado um défice de 20 pontos, correspondente
visual. De acordo com a TIC, a amaurose unila- à situação de agravamento do estado patológico
teral prevê a atribuição de um défice funcional preexistente. Este valor pode parecer ínfimo tendo
permanente de 25 pontos enquanto a perda total em conta que o indivíduo perdeu a totalidade do
da função visual confere um valor de défice de 85 membro superior, porém compreensível e razoável
pontos. Conforme anteriormente mencionado e no caso em concreto, na medida em que este
tendo em vista uma solução intermédia entre as membro superior à data do traumatismo já não
partes intervenientes, parece razoável propor-se apresentava grande funcionalidade para aquele
nesta situação um défice funcional permanen- indivíduo que ao não ter a mão dificilmente rea-
te de 60 pontos, correspondente à situação de lizava a manipulação e preensão de objetos com
agravamento. aquele membro.
Ora, ainda neste contexto, vejamos o caso
anteriormente citado por Alonso (1997), do indiví- Do que vem sendo exposto, estamos a excluir
duo portador da amputação total de uma mão e as situações excecionais, nas quais tenha havido
que na sequência de um traumatismo sofreu uma dois traumatismos consecutivos, influenciando,
amputação total do membro superior afetado. Em o segundo, as consequências do primeiro, ainda
que medida o traumatismo afetou a integridade em período de danos temporários. Neste caso,
anatomofuncional daquele indivíduo? Tal como teríamos que fazer uma avaliação e valoração
Alonso, somos da opinião de que o traumatismo independente das consequências de cada um
em questão não deverá ser responsabilizado pelo deles, nos diversos parâmetros.
valor correspondente à perda anatomofuncional
total daquele membro superior, mas apenas pe- Por último, se se tratar da exteriorização de
las perdas do antebraço e do braço. Por razões uma patologia latente, podemos estar perante
óbvias, seria absurdo efetuar-se um somatório uma predisposição patológica que favorece a pro-
dos coeficientes de desvalorização previstos na pensão do indivíduo para expressar clinicamente
Tabela para a perda das duas estruturas (antebraço uma determinada doença e, nesses casos, deverá
e braço), na medida em que se obteriam valores ser efetuada uma avaliação própria para cada
excessivos. Nesta situação e tal como proposto situação. Se não for provável que essa patologia
no exemplo anterior, procurar-se-ia uma solução se venha a manifestar, então o traumatismo em
intermédia, procedendo-se à diferença entre a si- questão deverá ser totalmente responsabiliza-
tuação atual e a anterior. Ou seja, considerando-se do por essa situação. Se, por outro lado, e sob
48 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

influência do traumatismo, ela se manifestar mais


cedo do que previsto, essa antecipação deve-
rá ser igualmente alvo de reparação, a título de
dano permanente. Existe geralmente uma obri-
gação reparadora a cargo do evento traumático
de compensar a vítima pela expressão clínica da
doença que podia ter permanecido latente du-
rante período indeterminado ou nunca ter vindo
a manifestar-se. O estado anterior pode, por si
só, ser suficiente para criar um equilíbrio precário
e delicado no indivíduo e o traumatismo concor-
rer para perturbar esse equilíbrio, não sendo, no
entanto, uma causa exclusiva e, por vezes, direta
das sequelas. Estes são problemas extremamente
complexos, que deverão ser discutidos caso a
caso, na medida da evolução dos conhecimentos
médicos, não se podendo estabelecer medidas
gerais para essas situações.

Dito isto, assinalamos apenas que o relató-


rio pericial deve conter o máximo de informação
possível com a discriminação exaustiva do quadro
sequelar e da valorização efetuada.
Capítulo II
REVISÃO DA LITERATURA

1. Cefaleia
2. Epilepsia
3. Cervicartrose
4. Patologia discal
5. Lesões da coifa de rotadores
6. Reumatismos inflamatórios
7. Fibromialgia
8. Doença de Dupuytren
9. Psoríase
10. Esclerose múltipla
11. Enfarte agudo do miocárdio
12. Doença arterial periférica
13. Endocrinopatias
14. Tuberculose
15. Neoplasia
(Página deixada propositadamente em branco)
CAPÍTULO 2. REVISÃO DA LITERATURA 51

Dada a complexidade e extensão do tema, um traumatismo craniano ou cervical quando


no que se reporta às sequelas passíveis de sofrer esta aparece imediatamente ou nos primeiros
influência pela existência de um estado anterior, dias após o traumatismo. Por outro lado, é di-
apresenta-se de seguida e a título de exemplo, fícil correlacionar a cefaleia com o traumatismo
a análise de diversas entidades clínicas e a sua quando a dor ocorre semanas ou meses após o
associação a eventos traumáticos. Foram selecio­ traumatismo, especialmente porque a maioria
nadas uma variedade de patologias orgânicas que tem um padrão de cefaleia do tipo tensão e
pela frequência, complexidade e modo de apre- a prevalência desse tipo de dor de cabeça na
sentação nos colocam dificuldades acrescidas de população é muito elevada. São conhecidos
reconhecimento e de valoração médico-legal. fatores de risco para um mau prognóstico após
Pretende-se apresentar um contributo para a lesão encefálica direta ou por contragolpe. As
uniformização da avaliação a efetuar pelos peritos mulheres têm maior risco para a cefaleia pós-
médicos, de modo a melhor alicerçar as práticas -traumática e o aumento da idade está asso-
neste domínio. ciado a uma recuperação mais lenta e incom-
pleta. Os fatores mecânicos, como a posição
da cabeça no impacto – rodada ou inclinada
– aumentam o risco de cefaleia após o trau-
1. CEFALEIA matismo. A relação entre a gravidade da lesão
e a gravidade da síndrome pós-traumática não
A cefaleia é um sintoma que pode ocorrer foi definitivamente estabelecida. Embora exis-
após uma lesão craniana ou cervical. Frequen­ tam alguns dados controversos, a maioria dos
temente a cefaleia resultante de um traumatismo estudos sugere que a cefaleia pós-traumática
craniano é acompanhada de outros sintomas, é menos frequente quando a lesão cefálica é
como vertigem, dificuldade de concentração, mais grave. Entretanto, a relação causal entre o
irritabilidade, alteração da personalidade e in- traumatismo craniano e/ou cervical e a cefaleia
sónias. Essa constelação de sintomas, em que é difícil de ser estabelecida em alguns casos de
a cefaleia é o mais proeminente, é conhecida traumatismo ligeiro (Branca, Giordani, Lutz et
como síndrome pós-traumática. Após um TCE, al., 1996; Zasler, 1999).
pode desenvolver-se uma grande variedade de
padrões de dor que podem assemelhar-se a ce- Quando uma cefaleia ocorre de novo em
faleias primárias, mais frequentemente cefaleia estreita relação temporal com um traumatis-
do tipo tensão, em mais de 80% dos doentes. mo conhecido, ela é classificada como uma
Em alguns casos pode ser desencadeada uma cefaleia secundária atribuída ao traumatismo.
enxaqueca típica com ou sem aura, tendo tam- Quando uma cefaleia primária preexistente se
bém já sido descrito, em alguns doentes, uma agrava, em estreita relação temporal com um
síndrome semelhante à cefaleia em salva. É fácil traumatismo, há duas possibilidades sendo ne-
estabelecer uma relação entre uma cefaleia e cessário proceder-se a uma atenta ponderação.
52 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

O doente pode receber apenas o diagnóstico da Cefaleia aguda pós-traumática atribuída a


cefaleia primária preexistente ou pode receber lesão cranioencefálica leve
esse diagnóstico mais o de cefaleia atribuída a
traumatismo. Os fatores que apoiam o último Critérios de diagnóstico (Packard, 1999):
diagnóstico são: uma relação temporal mui-
to estreita com o traumatismo, agravamento a. Traumatismo craniano com todas as ca-
acentuado da cefaleia preexistente, evidência racterísticas seguintes: 1. Sem perda de
clara de que o tipo de traumatismo em questão consciência ou perda de consciência <30
pode agravar a cefaleia primária e, finalmen- minutos; 2. Pontuação na escala de coma
te, a melhoria da cefaleia após a recuperação de Glasgow ≥13; 3. Sinais e/ou sintomas
do traumatismo (Packard e Ham, 1997; Elkind, sugestivos de concussão.
1989). b. A cefaleia aparece dentro de sete dias
após o traumatismo cranioencefálico.
c. Uma das seguintes situações: 1. A cefa-
Cefaleia aguda pós-traumática atribuída a leia desaparece dentro de três meses
lesão cranioencefálica moderada ou severa após o traumatismo cranioencefálico;
2. A cefaleia persiste, mas ainda não
Critérios de diagnóstico (Packard, 1999): passaram 3 meses após o traumatismo.

a. Traumatismo cranioencefálico com pelo A lesão encefálica leve pode originar um


menos uma das seguintes características: quadro sintomático complexo, com alterações
1. perda de consciência> 30 minutos; 2. cognitivas, comportamentais e de consciência e
escala de coma de Glasgow <13; 3. amné- uma pontuação na escala de coma de Glasgow
sia pós-traumática> 48 horas; 4. demons- ≥13. Isso pode ocorrer com ou sem alterações
tração imagiológica de lesão traumática no exame neurológico ou nos exames imagio-
encefálica (hematoma cerebral, hemor- lógicos.
ragia intracerebral e/ou subaracnóidea,
contusão cerebral e/ou fratura de crânio).
b. A cefaleia aparece dentro de 7 dias após Cefaleia crónica pós-traumática
o traumatismo cranioencefálico ou após a
recuperação da consciência que se segue A cefaleia crónica pós-traumática faz frequen-
ao traumatismo. temente parte da síndrome pós-traumática, que
c. Uma das seguintes situações: 1. A cefaleia inclui uma variedade de sintomas, como pertur-
desaparece dentro de três meses após o bações do equilíbrio, dificuldade de concentração,
traumatismo; 2. A cefaleia persiste, mas distúrbio do sono, entre outros. O perfil temporal
ainda não passaram três meses após o da cefaleia crónica pós-traumática não está clara-
traumatismo. mente estabelecido, mas é importante avaliar os
CAPÍTULO 2. REVISÃO DA LITERATURA 53

doentes cuidadosamente, os quais podem estar a b. A cefaleia aparece dentro de sete dias
simular e/ou a tentar ganho secundário. após o traumatismo craniano.
c. A cefaleia persiste por> 3 meses após o
traumatismo craniano.
Cefaleia crónica pós-traumática atribuída a
lesão cranioencefálicamoderada ou severa
Cefaleia aguda atribuída a lesão em
Critérios de diagnóstico (Packard, 1999): contragolpe (“whiplash”)

a. Traumatismo cranioencefálico com pelo Critérios de diagnóstico (Bono, Antonaci,


menos uma das seguintes características: Ghirmai et al, 2000):
1. perda de consciência> 30 minutos;
2. Escala de coma de Glasgow <13; 3. a. História de contragolpe (movimento de
Amnésia pós-traumática> 48 horas; 4. aceleração/desaceleração do pescoço
Demonstração imagiológica de lesão trau- súbito e significativo) associada com o
mática encefálica (hematoma cerebral, he- início da dor cervical.
morragia intracerebral e/ou subaracnóidea, b. A cefaleia aparece dentro de sete dias
contusão cerebral e/ou fratura de crânio). após a lesão em contragolpe.
b. A cefaleia aparece dentro de sete dias c. Uma das duas situações: 1. A cefaleia desa-
após o traumatismo crânio-encefálico ou parece dentro de três meses após a lesão
após a recuperação da consciência que em contragolpe; 2. A cefaleia persiste,
se segue ao traumatismo. porém ainda não passaram três meses
c. A cefaleia persiste por> 3 meses após o após a lesão em contragolpe.
traumatismo craniano.
O termo contragolpe refere-se frequentemen-
te a uma súbita aceleração e/ou desaceleração do
Cefaleia crónica pós-traumática atribuída pescoço (na maioria dos casos devido a acidentes
a lesão cranioencefálica leve de viação). As manifestações clínicas incluem si-
nais e sintomas relacionados com o pescoço, as-
Critérios de diagnóstico (Packard, 1999): sim como perturbações somáticas extra-cervicais,
sensitivas, comportamentais, cognitivas e afetivas,
a. Traumatismo craniano com todas as se- cujos modos de expressão e evolução podem variar
guintes características: 1. Sem perda amplamente ao longo do tempo. A cefaleia é muito
de consciência ou perda de consciên- comum nessa síndrome pós-contragolpe. Existem
cia <30minutos; 2. Escala de coma de importantes diferenças na incidência da síndrome
Glasgow ≥13; 3. Sinais e/ou sintomas pós-contragolpe em distintos países, talvez relacio-
sugestivos de concussão. nadas com expetativas de compensação.
54 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

Cefaleia crónica atribuída moderado. Está sempre associado a sinais focais


a lesão em contragolpe e a perturbações da consciência.

Critérios de diagnóstico (Bono, Antonaci,


Ghirmai et al, 2000): Cefaleia atribuída a hematoma subdural

a. História de contragolpe (movimento súbito Critérios de diagnóstico (Magnusson, 1994):


e significativo de aceleração/desacelera-
ção do pescoço) associada, no tempo, a a. Evidência neuroimagiológica do hemato-
dor cervical. ma subdural.
b. A cefaleia desenvolve-se dentro de sete b. A cefaleia aparece dentro de 24-72 horas
dias após o contragolpe. após o desenvolvimento do hematoma.
c. A cefaleia persiste por> 3 meses após o c. Uma das situações seguintes: 1. A cefaleia
contragolpe. desaparece até 3 meses após a evacua-
ção do hematoma; 2. A cefaleia persiste,
A cefaleia crónica pós-lesão em contragol- porém ainda não passaram três meses
pe faz frequentemente parte da síndrome pós- após a evacuação do hematoma.
-traumática.
Os diferentes tipos de hematomas subdurais
devem ser distinguidos de acordo com o seu perfil
Cefaleia atribuída temporal. Nos hematomas agudos e subagudos,
a hematoma epidural que geralmente ocorrem após um traumatismo
craniano evidente, a cefaleia é frequente (11-53%
Critérios de diagnóstico (Magnusson, 1994): dos casos), mas é regularmente mascarada por
a. Evidência imagiológica de sinais focais e por perturbações da consciência.
hematoma epidural. Nos hematomas subdurais crónicos a cefaleia é
b. A cefaleia aparece dentro de minutos até mais frequente ainda (até 81%) e, embora mode-
24 horas após o desenvolvimento do he- rada, pode ser o principal sintoma. O hematoma
matoma. subdural crónico deve sempre ser considerado
c. Uma das situações seguintes: 1. A cefaleia no doente idoso com cefaleia progressiva, parti-
desaparece até 3 meses após a evacua- cularmente se houver algum défice cognitivo e/
ção do hematoma; 2. A cefaleia persiste, ou sinais focais discretos.
porém ainda não passaram três meses
após a evacuação do hematoma.

O hematoma epidural ocorre dentro de ho-


ras após o traumatismo craniano, que pode ser
CAPÍTULO 2. REVISÃO DA LITERATURA 55

2. EPILEPSIA 1995; Vernier, 1996 a). Nos leves, é sobreponível


à taxa de incidência de epilepsia na população
Apesar da epilepsia pós-traumática (EPT) ser geral, que varia entre 0,1-0,6% (Crecy, 1990).
uma das sequelas mais importantes e frequen- Foi demonstrado que a incidência da EPT aumen-
tes dos TCE, muitas vezes a sua presença coloca tava com a extensão da lesão (lesão interessando
problemas em termos médico-legais. A primeira apenas um lobo: 25%; lesão interessando dois
dificuldade no que se refere à reparação do dano lobos: 50 a 60%; lesão interessando os dois he-
corporal reside no facto de saber se o surgimento misférios cerebrais: 60%), com a gravidade do
da epilepsia pode ser atribuído a um TCE prévio. estado inicial da vítima (duração do coma inicial)
Ainda que de incidência baixa, a epilepsia e com a sede da lesão (especialmente nos casos
tem um peso social bastante elevado dado que das lesões encefálicas limitadas apenas a um lobo):
representa um handicap enorme para um indi- 60% no caso de lesões centroparietais; 25% nas
víduo que até pode não apresentar nenhumas lesões temporais; 23% nas lesões occipitais e 12%
alterações objetivas e subjetivas (se não existirem nas lesões frontais (Roger, Bureau e Mireur, 1987).
outras sequelas), mas que pelo facto de ter esta As lesões centroparietais são consideradas mais
manifestação (a disfunção paroxística da ativida- epileptogénicas que as lesões frontais e temporais
de cerebral) é muitas vezes afetado em termos enquanto as lesões penetrantes com rutura da
laborais. dura-máter aumentam drasticamente a incidência
Caracterizada pela ocorrência de crises epi- de EPT (Crecy, 1990; Gueguen, 1995).
lépticas, ocorre no seguimento de um TCE susce- Nos TCE existem alguns tipos de lesões
tível de originar uma cicatriz glial, correspondente que mais frequentemente estão associados ao
ao foco epilético (Crecy, 1990). Assim, em caso desenvolvimento de EPT, nomeadamente os he-
algum, se deve atribuir uma epilepsia a um trau- matomas intracerebrais, subdurais e/ou epidurais,
matismo craniano leve, dado que nestes casos as fraturas com afundamento, as contusões e as
o risco não é maior do que na população geral. lacerações cerebrais (Roger, Bureau e Mireur,
Recentemente, o diagnóstico de EPT foi reservado 1987; Barbosa e Costa, 1995; Vernier, 1996 a).
para os pacientes que sofreram duas ou mais cri- Estas lesões, conjuntamente com a presença de
ses não provocadas, isto é, não existe ou subsiste uma amnésia pós-traumática de duração superior
nenhuma situação ou patologia concorrente que a 24 horas, a gravidade da lesão e a existência
possa ser precipitante de crises epiléticas. A inci- de uma epilepsia precoce, constituem “fatores
dência da EPT nos adultos varia entre 12-15% da de risco” principais para o desenvolvimento de
totalidade das epilepsias (Barbosa e Costa, 1995) uma epilepsia após um TCE (Barbosa e Costa,
e, como é natural, aparece mais frequentemente 1995; Vernier, 1996 a). Doentes com TCE severos
após TCE graves – 7,5% no primeiro ano, 12% com lesão cortical e apresentando-se com défices
aos cinco anos. Nos traumatismos moderados neurológicos focais no exame neurológico, mas
a taxa de incidência baixa para 0,7% e 1,6%, com preservação da integridade da dura-máter,
respetivamente (Crecy, 1990; Barbosa e Costa, evidenciam incidências de epilepsia que variam
56 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

entre os 7% e 39%. Contudo o agravamento da e Costa, 1995). A crise imediata que surge nas
severidade do trauma, traduzido por laceração 24 horas subsequentes ao traumatismo e não
dural e alterações no exame neurológico, preci- predispõe ao desenvolvimento da verdadeira
pita parâmetros de incidência que variam entre EPT. Apelidadas de contacto ou concussivas as
os 20% e 57% (Mestre, 2013). crises que ocorrem aquando ou poucos minutos
após o impacto, não são incluídas nos estudos
Quais os critérios que permitem pensar que o da EPT. A exata fisiopatologia destas crises e o
traumatismo craniano pode ser acompanhado de seu significado clínico não está ainda clarifica-
contusão cerebral cortical? Os critérios de certeza do. A crise precoce surge na primeira semana
são designadamente os hematomas subdurais, após o traumatismo e que embora não conduza
epidurais ou intracerebrais, as contusões hemor- obrigatoriamente ao desenvolvimento de uma
rágicas ou as lacerações cerebrais, enquanto os epilepsia tardia aumenta em 25% o risco do seu
critérios de probabilidade correspondem às fratu- aparecimento. São as que acontecem quando
ras com afundamento, à amnésia pós-traumática ainda o sinistrado evidencia o compromisso dos
superior a 24 horas ou às crises convulsivas pre- efeitos diretos do traumatismo. Por fim, a crise
coces (Roger, Bureau e Mireur, 1987; Gueguen, tardia, que surge após a primeira semana (em
1995; Barbosa e Costa, 1995; Vernier, 1996 b). 60% dos casos, a primeira crise surge no primeiro
Enquanto a presença conjunta de pelo menos ano, e destas, 30% surge no primeiro mês), com
dois dos critérios de probabilidade adquire um maior relevância médico-legal e que corresponde
valor significativo semelhante a um critério de à verdadeira EPT. Nesta forma de epilepsia, a
certeza, já a ocorrência isolada de um desses primeira crise pode surgir decorridos 5 ou mais
critérios não acarreta um risco significativo para anos desde o traumatismo. Este tipo de epilepsia
o aparecimento da EPT (Roger, Bureau e Mireur, pode apresentar-se sob a forma generalizada ou
1987; Barbosa e Costa, 1995). através de crises parciais complexas com alteração
Cerca de 75% dos doentes com epilepsia não da consciência, o que demonstra que as crises
apresentam crises, por estas estarem controladas de pequeno mal ou mioclonias não podem ser
com a medicação. A epilepsia define-se por crises atribuídas a uma causa traumática (Barbosa e
recorrentes, não provocadas. A sua recorrência Costa, 1995). O aparecimento de crises tardias
significa 2 ou mais crises em dias separados (mais pós-traumáticas é uma complicação residual major
que uma crise em 24h é considerado episódio e um evento difícil de prever, mas são, sem dúvida,
único). Uma crise única não provocada pode ser um problema pericial frequente, que carece de
o início de uma epilepsia, mas por si só não é orientações para se poder determinar os vários
sinónimo de diagnóstico de epilepsia (embora parâmetros do dano.
possa aumentar o risco de se vir a desenvolver Em epílogo, a ocorrência de uma crise
epilepsia). Existem três categorias de crises epi- epilética após um TCE nem sempre é predi-
lépticas, distinguíveis pelo intervalo de tempo tiva do desenvolvimento da EPT. Na verdade,
mediado após um traumatismo craniano (Barbosa as crises precoces não parecem ser um fator
CAPÍTULO 2. REVISÃO DA LITERATURA 57

preditivo independente para a ocorrência de 1. Existência e natureza das crises;


crises tardias. Uma grande variabilidade de 2. Natureza e gravidade do traumatismo.
respostas individuais é encontrada em trau- Dito de forma sucinta, o risco de desen-
matismos semelhantes. Alguns sofrem crises volvimento duma EPT está relacionado
frequentes depois do traumatismo, enquanto com a severidade da lesão.
outros evidenciam uma ou nenhuma crise apesar 3. Ausência de epilepsia preexistente.
do mesmo tipo e intensidade de traumatismo. A pesquisa de um estado anterior deve
O papel da suscetibilidade genética na EPT está ser efetuada com rigor, sobretudo nas
longe de estar completamente esclarecido. crianças, em virtude da elevada frequên-
A maioria dos estudos demonstrou que, após cia da epilepsia infantil;
um TCE, a história familiar de epilepsia não será 4. Exclusão de outras causas epilepto-
um dos fatores de risco para o desenvolvimento génicas (alcoolismo, tumor cerebral,
de crises (Mestre, 2013). fatores hereditários, encefalopatias,
malformações cerebrais). A presença
O eletroencefalograma (EEG) parece ter pou- de uma outra causa epileptogénica deve
co interesse neste contexto, já que a presença de ser discutida como alternativa causal ou
traços anormais no momento do traumatismo cra- mesmo como uma combinação causal
niano não implica necessariamente a ocorrência (Vernier, 1996 b);
de uma epilepsia e a sua ausência também não 5. Intervalo temporal (no máximo de cinco
permite excluir o seu aparecimento (Roger, Bureau anos). É importante fazer-se a distinção
e Mireur, 1987; Barbosa e Costa, 1995). Embora entre as crises precoces que ocorrem
o papel do EEG não seja preditivo do potencial nas semanas subsequentes ao trauma-
desenvolvimento de epilepsia imediatamente à tismo das crises tardias que represen-
lesão traumática, ele deverá ser salientado rela- tam a EPT propriamente dita. O respe-
tivamente à observação de padrões epileptifor- tivo período de latência corresponde
mes no estudo neurofisiológico. A congruência à formação da cicatriz glial ao nível
de lateralidade, propagação e amplitude, monito- do foco de lesão cerebral. A epilepsia
rização e de correlação imagiológica poderão ter tardia que surge após o quinto ano do
inestimável valor pericial, no estabelecimento de traumatismo é rara e a epilepsia ultra-
fatores de nexo e de incapacidade (Mestre, 2013). -tardia (após dez anos) é excecional.
O aparecimento de uma epilepsia após um TCE A questão da imputabilidade médica
mesmo que severo não é suficiente para dispensar ao traumatismo torna-se difícil de ser
uma cuidadosa investigação etiológica (Crecy, resolvida num traumatismo craniano
1990). Em termos médico-legais, para se aceitar fechado, sem lesão cerebral ou com
o diagnóstico de EPT, é importante a verificação período de latência superior a dez
dos seguintes critérios de imputabilidade (Crecy, anos (Crecy, 1990; Gueguen, 1995).
1990; Barbosa e Costa, 1995): O tempo médio de aparecimento
58 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

depende da localização topográfica da A data de estabilização médico-legal deverá


lesão traumática cerebral, sendo mais ser fixável quando se constata um equilíbrio no
rápido para as lesões parietais (seis me- tratamento antiepilético, as crises desapareceram
ses) e temporais (vinte e quatro meses), ou interferem ligeiramente na vida diária da víti-
do que frontais (cinquenta meses) ou ma e o estado epilético deixou de ser suscetível
occipitais (noventa e seis meses) (Roger, de melhoria. Na literatura, a maioria dos autores
Bureau e Mireur, 1987; Crecy, 1990). defende que a data de estabilização médico-legal
A EPT na criança é rara (em 1,5-3% das lesões deverá coincidir com o início do trata-
dos TCE), apesar de ser mais frequente mento de manutenção, ou seja, após um período
na forma tardia ou mesmo ultratardia de cinco anos desde o aparecimento da primeira
(Roger, Bureau e Mireur, 1987): em 23% crise (Crecy, 1990). Este facto é de todo com-
dos casos aparece nos primeiros dois preensível se pensarmos que a evolução da EPT
anos, em 19,2% entre o segundo e o é geralmente imprevisível, podendo verificar-se a
quinto ano e em 57,6% após cinco anos sua persistência, o seu agravamento ou mesmo a
(Crecy, 1990; Barbosa e Costa, 1995); cura. Quando a EPT é a única sequela cinco anos
6. Concordância entre o foco epileptó- após o aparecimento da primeira crise, verifica-se
geno no EEG e a sede do TCE. Num a cura em mais de 50% dos indivíduos (Walker e
traumatismo craniano aberto, existe Blumer, 1989; Crecy, 1990). Na EPT, ocorre regra
uma boa concordância entre o local geral com o passar do tempo uma diminuição da
de impacto e a natureza das crises, frequência das crises epiléticas. O aumento da
enquanto num traumatismo craniano frequência é incomum, correspondendo a cerca
fechado qualquer previsão será aleató- de 6% dos casos, segundo o estudo de Paillas
ria. Raramente os exames complemen- e Bureau (1970). Com base no exposto parece
tares fornecem elementos de certeza razoável propor-se uma data de estabilização
(Crecy, 1990). médico-legal decorridos cinco anos desde o apa-
recimento da primeira crise epilética. No entanto,
Embora a existência destes requisitos per- não há uma correlação evidente entre o prognós-
mita atribuir ao TCE a presença de uma epilep- tico a longo prazo da epilepsia e a extensão da
sia, o contrário nem sempre ocorre. O facto lesão traumática cerebral. O único fator com valor
de, por exemplo, não haver uma concordância prognóstico altamente significativo é a frequência
completa entre o foco no EEG e a lesão cerebral inicial das crises. Quanto maior for a frequência
ou a primeira crise epiléptica surgir algum tempo das crises no primeiro ano após o aparecimento
após o quinto ano decorrido do traumatismo, da epilepsia, menor será a sua possibilidade de
não é critério suficiente para negar a possibi- cura (Roger, Bureau e Mireur, 1987; Crecy, 1990).
lidade de imputar ao TCE a responsabilidade A avaliação da incapacidade deve ter em
pelo desencadeamento da epilepsia (Barbosa consideração a frequência das crises, a impor-
e Costa, 1995). tância do tratamento antiepilético, o impacto
CAPÍTULO 2. REVISÃO DA LITERATURA 59

psicológico, a idade da vítima e as atividades Deverá ser analisada a concordância entre


interditas. Devem ser destacadas as necessida- as manifestações epiléticas, as anomalias ele-
des futuras envolvendo um conceito de estabili- troencefalográficas e o exame clínico (Vernier,
zação médico-legal e o tratamento antiepilético 1996 b). Deverão ser excluídas outras etiologias,
de manutenção (Crecy, 1990). Neste sentido, igualmente suscetíveis por si só de provocarem
deverá ter-se em consideração que os jovens o agravamento das crises epiléticas, nomeada-
com epilepsia conseguem, regra geral, os mes- mente, o alcoolismo (causa muito comum de
mos desempenhos escolares, sendo importante agravamento), a lesão cerebral não traumática
encorajar a autoconfiança, dado que alguns e particularmente tumores cerebrais, remoção
podem mostrar maiores dificuldades no seu prematura do tratamento anti-epilético, desenvol-
potencial de aprendizagem devido ao impac- vimento do fenómeno de farmacoresistência ou
to psicossocial da epilepsia e à sua natureza uso de determinados medicamentos, tais como
(crises generalizadas ou ausências frequentes antidepressivos, neurolépticos e corticosteroides
podem dificultar o processo de aprendizagem), (Crecy, 1990). Se após a exclusão de todas as etio-
bem como o carácter imprevisível das crises. Em logias possíveis, o agravamento de uma epilepsia
termos cognitivos, especialmente nas crianças, preexistente puder ser demonstrado, dever-se-á
a atividade epiléptica paroxística pode ter in- estabelecer um nexo de causalidade parcial entre
fluência, especialmente sobre a aquisição de o traumatismo e o agravamento desta condição
novos conhecimentos. patológica.

Em matéria de agravamento, podem dis-


tinguir-se duas eventualidades: o agravamento
de uma EPT com imputabilidade estabelecida ou 3. CERVICARTROSE
mais raramente, o agravamento de uma epilep-
sia preexistente (Crecy, 1990; Gueguen, 1995). Sabe-se que a frequência de uma artrose
Na presença de uma epilepsia preexistente, um cervical na população em geral é elevada (75%
TCE pode: a 85% após os 70 anos de idade) e, muitas ve-
zes, assintomática, pelo que é lícito questionar-se
1. Não alterar a evolução da epilepsia; a responsabilidade do traumatismo no agrava-
2. Desencadear a expressão clínica de uma mento de uma artrose ou no desencadeamento
epilepsia latente; da sua expressão sintomática. As cervicalgias e
3. Aumentar a frequência das crises ou as cervicartroses não são apenas frequentes em
4. Desencadear o aparecimento de outros pessoas de maior idade, como podem igualmente
tipos de crise (Vernier, 1996 b), com crises ser observadas sem qualquer história de trauma-
generalizadas, generalização secundária tismo. As alterações degenerativas geralmente
a crises focais ou estado do mal epilético evidenciadas correspondem a proliferações ósseas
(Crecy, 1990). ou osteófitos, diminuição do espaço discal ou
60 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

estreitamento dos foramens de conjugação por mecanismo de aceleração-desaceleração aplicado


uncartrose e localizam-se preferencialmente na ao pescoço, com estiramento e compressão dos
área de maior mobilidade da coluna vertebral músculos, ligamentos e nervos cervicais. Mais
cervical, ou seja, a nível de C4-C5, C5-C6 e C6- concretamente, um estudo desenvolvido no fi-
C7 (Trèves, 2001). Os traumatismos repetidos e, nal dos anos 90 (Grauer, 1997) concluiu que o
particularmente, os microtraumatismos parecem desenvolvimento de uma lesão por whiplash está
favorecer as lesões crónicas degenerativas da colu- relacionado com a formação de uma curvatura em
na vertebral cervical, especialmente em indivíduos forma de S da coluna cervical durante o impacto
desportistas (Papelard e Ritter, 2001). traseiro, onde o segmento vertebral cervical infe-
Note-se que, com frequência, o(a) exami­ rior se encontra em hiperextensão relativamente
nando(a) comparece a exame pericial apresentan- ao segmento superior que se encontra em flexão.
do cervicalgias e nega tal sintomatologia antes Este mecanismo desenvolve uma lesão pois difere
do evento em apreciação. Todavia, muitas vezes do movimento normal da coluna cervical, onde o
não se evidencia uma correlação científica entre movimento se inicia com as vértebras superiores.
as cervicalgias e a gravidade de uma cervicartrose, Atualmente, este movimento de hiperextensão é
nem tão-pouco existe uma justificação radiológi- o mecanismo de lesão por whiplash mais aceite.
ca para a existência da sintomatologia dolorosa, Mesmo na ausência de qualquer fratura vertebral,
embora, para alguns autores, a osteofitose an- as vítimas referem intensa cervicalgia, contractura
terior seja mais frequente em indivíduos sinto- muscular, perda da mobilidade, cefaleia occipital,
máticos. Apesar dos estudos recentes atestarem vertigens, fadiga e défice neurológico.
não existir, na maioria dos casos, uma correlação A elevada variabilidade de sintomas das le-
radiologicamente evidente entre um traumatismo sões por whiplash e a subjetividade do seu diag-
e o agravamento de uma cervicartrose (Trèves, nóstico leva a que estas lesões sejam facilmente
2001), deve dar-se importância à confrontação associadas a situações de simulação. Além disso,
entre a radiologia e a clínica, como única garantia é necessário ter-se em conta que com a atual crise
de uma exploração objetiva e rigorosa do exame económica, poderá vir a observar-se um aumento
médico-legal. do número de fraudes por lesão por whiplash.
Em acidentes rodoviários, as lesões mais fre- O diagnóstico de whiplash através de exames mé-
quentes na coluna cervical são pequenas lesões dicos é, por vezes, subjetivo. No entanto, segundo
ao nível dos tecidos moles e, apesar do seu baixo Yadla (2008), os resultados observados com maior
índice de gravidade, estas lesões podem ser bas- frequência em vítimas com lesões por whiplash
tante debilitantes. Existem diferentes mecanismos são a alteração da normal curvatura vertebral
de lesão da coluna cervical e um desses mecanis- fisiológica, a presença de doenças degenerati-
mos é a lesão por whiplash (também designada de vas na coluna cervical ou as fraturas cervicais.
síndrome do chicote cervical), que ocorre devido Sabe-se que existem doenças degenerativas da
à aplicação de uma carga tensão-extensão nesse coluna cervical diagnosticadas através dos exa-
segmento da coluna. Esta carga surge devido a um mes complementares de diagnóstico preexistentes
CAPÍTULO 2. REVISÃO DA LITERATURA 61

ao evento traumático, apesar de não terem sido lesional de um traumatismo. Ferrari (2006) estu-
diagnosticadas até essa data, fazendo com que dou a dinâmica do acidente e utilizou uma uni-
o sinistrado e os médicos desconheçam a sua dade de referência, designada de delta-v, cor-
existência. Sendo assim, o acidente de viação so- respondente à diferença entre a velocidade de
frido pela vítima pode apenas ter aumentado ou trajetória pré-colisão e aquela alcançada após a
desencadeado os sintomas associados às doenças colisão de um veículo. Considerou não ser possível
degenerativas, o que faz com que muitos médicos admitir uma relação de causalidade médico-legal
atribuam a origem dos sintomas exclusivamente entre um acidente de viação e um diagnóstico
às doenças degenerativas preexistentes. O mesmo de traumatismo na coluna sem se conhecer a
ocorre com a alteração da curvatura normal da dinâmica do evento traumático e especialmente
coluna cervical, pois este é um processo normal o delta-v da viatura onde o sinistrado circulava.
de envelhecimento, não estando diretamente Propôs critérios para o estabelecimento de uma
relacionado com o impacto sofrido pela vítima. relação de causalidade entre um traumatismo
A literatura reporta que uma vítima que sofreu cervical e os sintomas crónicos, classificando-os
um impacto traseiro ou lateral tem maior pro- em critérios major e minor.
babilidade de lhe ser diagnosticada uma lesão
por whiplash do que uma vítima que sofre um • Critério major - o incumprimento de um
impacto frontal (Berglund, 2003; Harder, 1998). dos critérios é suficiente para a exclusão da
Não obstante, devemos estar mais atentos ao relação causal: 1. Critério de intensidade,
facto de que existem outros fatores importantes, que consiste na adequação biomecâni-
designadamente a dinâmica do acidente, entre ca entre a lesão sofrida e o mecanismo
outros, que permitem um diagnóstico mais preciso de produção envolvido, considerando a
de uma lesão por whiplash. intensidade do traumatismo e as restan-
tes variáveis que afetam a probabilidade
A este respeito, o estudo do mecanismo e da sua existência. Um valor mínimo de
da violência do traumatismo torna-se essencial delta-v de 10.6 mph em impactos entre
na avaliação de uma cervicalgia. Normalmente veículos de pesos semelhantes e de 21
quanto maior a velocidade do embate, maior a mph em impactos frontais ou laterais.
gravidade das lesões corporais e o estiramento 2. Critério cronológico ou adequação tem-
das estruturas ligamentares, o que resulta no poral, que consiste no aparecimento da
desencadeamento da sintomatologia dolorosa sintomatologia em tempo medicamente
(Papelard e Ritter, 2001). A crescente frequência explicável. A cervicalgia deve ter início nas
dos traumatismos cervicais indiretos tem exigido primeiras 72 horas após o traumatismo.
um rigor médico-legal cada vez maior dos peritos • Critério minor - é necessário, mas
médicos. não suficiente, para o estabelecimen-
Recentemente têm-se generalizado os estu- to da relação causal: o quadro sinto-
dos da biomecânica forense para avaliar o efeito mático, em que a informação clínica
62 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

é geralmente inespecífica e a auten- É importante ter a noção de que o exa-


ticidade do exame médico objetivo é me da coluna cervical muitas vezes é impre-
questionada. ciso e os termos utilizados (“ligeira limitação
na rotação”, “rigidez à extensão”, “desconfor-
Estes três critérios são suficientes para to à inclinação”) são muito vagos, já que as
classificar o nexo de causalidade. De qualquer amplitudes fisiológicas de referência na mo-
modo, quando o nexo causal é estabelecido bilidade da coluna variam em função da idade
devem estudar-se outras circunstâncias, como (Trèves, 2001).
a eventual existência de lesões preexistentes, Para se admitir o aparecimento tardio de
antecedentes de cervicalgias, ansiedade, de- uma cervicalgia é essencial uma análise atenta
pressão, etc. Estas circunstâncias poderão não da documentação clínica anterior e subsequen-
modificar a reparação prevista, porém serão te ao traumatismo (preferencialmente aquela
utilizadas para modular a sua concausalidade. efetuada no dia do evento), a qual, por vezes,
Seria recomendável explicar a influência des- revela discrepâncias. É, assim, fundamental dar-
tas concausas, graduando o seu envolvimento -se atenção ao quadro sintomático inicial e in-
(protagonista, corresponsável e/ou irrelevante) formação médica descrita bem como ao aspeto
(Ferrari, 2006). radiológico da coluna vertebral cervical. É ne-
cessário ter em consideração o tempo decorrido
No que se refere à cronopatologia, ou seja, entre um traumatismo e a primeira manifestação
ao período de latência sintomática, este autor clínica. Alguns autores referem ser razoável a
considerou ser comum que os sintomas de um aceitação de um intervalo livre até seis meses
traumatismo cervical leve não se iniciam nas (Trèves, 2001).
primeiras horas, na medida em que ocorre uma Geralmente reconhece-se uma relação en-
instalação progressiva da contratura muscular tre o traumatismo cervical, a dor e a limitação
reativa. Quase metade dos doentes recebeu as- funcional, uma relação causal que pode não ser
sistência médica nas primeiras 12 horas após o direta, certa e total dada a elevada incidência da
trauma, cerca de 85% nos primeiros três dias e cervicartrose e do seu quadro assintomático fre-
excecionalmente ao 4ºdia. Não existe, na opinião quente, bem como de outros fatores que podem
destes autores, nenhum mecanismo fisiopatoló- influenciar a sua evolução.
gico que explique o aparecimento dos sintomas
após este período. A avaliação das sequelas deve basear-se na
Jouvencel (2003) considera que as lesões realidade da dor, na rigidez da coluna cervical,
por whiplash têm-se tornado cada vez mais fre- bem como nas manifestações neurológicas obje-
quentes, em virtude da melhoria nas medidas de tivas. Para uma justa apreciação do dano deverão
segurança dos veículos que diminuem os seus procurar-se elementos objetivos através de uma
danos mas não nos seus ocupantes que absorvem minuciosa entrevista e de um exame clínico e
toda a energia da colisão. imagiológico rigoroso.
CAPÍTULO 2. REVISÃO DA LITERATURA 63

4. PATOLOGIA DISCAL Quatro elementos podem perturbar o es-


tabelecimento da imputabilidade médica entre
Representa um dos maiores problemas no um determinado evento traumático e a patologia
domínio da reparação médico-legal, já que, vul- discal (Haguenauer, 1992 b):
garmente, alterações estruturais preexistentes que
configuram e limitam mobilidades passivas e ativas
determinam situações clínicas, cujos contornos 1) A degenerescência discal
são, por vezes, bem difíceis de estimar. Assim
sendo, nem sempre é fácil diferenciar uma pato- Resultante da ação conjunta do envelheci-
logia crónica, constituinte de um estado anterior, mento e das tensões mecânicas, a degeneres-
de uma sequela decorrente de um traumatismo. cência discal é um fenómeno tão frequente que
Devido a um traumatismo violento, direto se questiona se não se trata de uma evolução
ou indireto, pode surgir uma hérnia sobre um fisiológica normal. Inevitável a partir de deter-
disco previamente saudável, sem qualquer dege- minada idade, pode manifestar-se num indivíduo
nerescência discal (Haguenauer, 1992 a). Quando jovem, situação eventualmente favorecida pela
o nexo de causalidade é certo, direto e total, existência de anomalias morfológicas, por uma
por exemplo na sequência de uma fratura verte- predisposição genética ou por uma degeneres-
bral traumática, a sua comprovação não enfren- cência precoce. Os fatores gerais desencadeantes
ta grandes dificuldades. No entanto, no que se de uma degenerescência discal são a idade, o
refere à hérnia discal, raramente a natureza da excesso ponderal e os fatores genéticos. Quanto
patologia satisfaz integralmente estas exigências. a fatores locais desencadeantes, pode referir-se
Sob o ponto de vista pericial, uma situação pode a dismetria dos membros inferiores superior a
tornar-se complexa quando existe uma patolo- três centímetros, os traumatismos (em particular
gia associada ou preexistente que configura um os microtraumatismos repetidos), a hiperlordose,
processo degenerativo espondiloartrósico que, as anomalias estruturais (lombalização de S1 e
para alguns, é suficiente para anular qualquer sacralização de L5), a espondilólise ístmica, as
tentativa de correlação clínico-sintomática trau- lesões distróficas do arco posterior de L5 e os
mática e sua valoração médico-legal. Contudo, a blocos vertebrais. Sob a ação conjunta de diferen-
rigidez estrutural que este processo condiciona, tes fatores pode dar-se a evolução das alterações
perfila uma maior perda de flexibilidade natural discais, sendo a mais frequente o estreitamento
e, como tal, maior possibilidade de extensão de do espaço discal.
lesões que, com a disrupção traumática, podem A patologia discal pode desenvolver-se a
precipitar maiores complicações e sequelas. Com partir de uma prévia protrusão, uma condição
efeito, o mecanismo do traumatismo, o local das na qual as camadas mais externas do anel fi-
lesões iniciais, assim como as alterações incipien- broso se mantêm intatas, mas permitem a sua
tes são importantes para a análise do nexo de excursão quando o disco está sob pressão. Nestes
causalidade. casos e em contraste com a situação herniária,
64 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

nenhuma parte do núcleo central ultrapassa este estrutural e permite, por vezes, uma orientação
limite. A herniação discal pode constituir uma mais paramediana. Já o mesmo não acontece na
condição médica consecutiva a um traumatismo região cervical, onde o ligamento longitudinal
(como sucede no levantamento de pesos) ou ser posterior é mais reforçado lateralmente, orien-
aparentemente idiopática, na qual a rutura do tando esta migração de forma paramediana,
anel circundante do disco intervertebral permite sendo que a disrupção traumática tende a ser
que a sua porção central ultrapasse os limites desviada lateralmente (mais frequente a nível da
mais externos desse anel. Este material herniário charneira cervical C5-C6 e C6-C7). Outro aspeto
pode migrar póstero-medialmente designando-se considerado igualmente importante é o nível a
de hérnia centro-lateral ou deslocar-se de for- que se verifica a herniação, já que as zonas de
ma extraforaminal, sendo então intitulada como transição, tanto na região cervical como lombar
externo-lateral. Pode ainda existir uma hernia- (C5-C6-C7 ou L4-L5-S1) são as áreas de eleição da
ção superior ou inferior, constituindo a chama- patologia herniária pelo que, quanto mais distante
da hérnia extrusa migrada, condição extrema da desses níveis se verificar a mobilidade patológica
herniação discal, uma vez que a violência e a do disco, maior será a possibilidade traumática
magnitude do traumatismo podem precipitar a da sua etiologia. Estes aspetos estruturais podem
perda de continuidade do disco. Para uma melhor constituir elementos de primordial importância na
abordagem médico-legal temos que ter presentes avaliação clínica realizada pelos peritos médicos
as condições estruturais que concorrem de modo (Mestre, 2013).
a “orientar” a direção da movimentação discal, e Exames imagiológicos mais detalhados aquan-
que, por vezes, nos ajudam a diferenciar de forma do da primeira admissão hospitalar subsequente
mais concludente entre uma etiologia traumática ao traumatismo são cruciais, essencialmente em
da hérnia e uma migração herniária consequente indivíduos com profissões cujo risco herniário é
a alterações degenerativas osteovertebrais. É cla- mais acentuado ou a idade é um fator de risco.
ro que as duas patologias podem coexistir mas
estamo-nos a reportar a condições estruturais que
podem “facilitar” e orientar determinada migra- 2) A natureza do traumatismo
ção. As protrusões discais lombo-sagradas que
acontecem na maioria das herniações discais em Na questão da imputabilidade médica, é fun-
L4-L5 ou L5-S1 (95%) são quase sempre póstero- damental a avaliação da intensidade e do mecanis-
-laterais na sua natureza, precisamente onde o mo traumático. Raramente o traumatismo direto,
anel fibroso é mais fino; também a esse nível violento e único é causa da hérnia discal. Quando
o ligamento longitudinal posterior é mais largo, o traumatismo é indireto, o esforço de elevação ou
paramediano e único condicionante estrutural a associação dos movimentos de flexão e rotação
que direciona normalmente de forma lateraliza- estão frequentemente envolvidos (Haguenauer,
da a migração herniária, enquanto a violência 1992 b). Por outro lado, um disco saudável é
do traumatismo rompe com este compromisso geralmente mais resistente ao traumatismo do
CAPÍTULO 2. REVISÃO DA LITERATURA 65

que um disco com degenerescência discal que, 4) O polimorfismo da expressão clínica


ao perder a sua elasticidade, se torna mais frá-
gil. O disco é especialmente sensível a forças de Uma hérnia discal objetivada em exames
compressão vertical e de cisalhamento. radiológicos pode ser precedida por um período
mais ou menos longo de lombalgia de intensida-
de variável e sem síndrome radicular associado
3) O intervalo temporal ou ser totalmente assintomática (Feuillade, 1991
entre o traumatismo b). No indivíduo idoso, uma discartrose lombar
e o aparecimento da radiculalgia degenerativa que constitui um estado anterior,
sintomático ou não, pode vir a expressar-se no mo-
À medida que aumenta o intervalo temporal, mento do traumatismo (Haguenauer, 1992 b). Na
a relação de imputabilidade torna-se cada vez mais verdade, dever-se-á tentar esclarecer a importância
discutível. A continuidade evolutiva sem intervalo do evento traumático, a ausência de outras causas
livre completamente assintomático faz com que possíveis ou prováveis de hérnia discal e o intervalo
a filiação patogénica seja mais provável. Se esta de aparecimento da hérnia (Haguenauer, 1992 b).
continuidade não for evidenciada, a concordância Em idades superiores a 55 anos de idade, é
topográfica entre a sede do traumatismo e a sede quase excecional uma hérnia discal “pura”. Além
da lesão vertebral (por exemplo, um traumatismo disso, clinicamente, o sofrimento radicular torna-
lombar típico) aumenta a probabilidade de uma -se menos nítido com a idade, como se tran-
relação causal. Alguns autores admitem que, para sitássemos impercetivelmente da hérnia discal
se discutir a imputabilidade, o intervalo de apa- pura de um indivíduo jovem com uma topografia
recimento da radiculalgia não deverá exceder os neurológica bem definida para uma sintomatolo-
três a quatro meses. Contudo, no caso de uma gia atípica num indivíduo idoso. Admite-se uma
fratura vertebral, é lógico aceitar-se a imputabili- percentagem de artrose raquidiana radiologica-
dade mesmo com um intervalo de aparecimento mente constatada em 60% das pessoas após os
muito maior, devendo igualmente considerar-se 45 anos de idade e de 85% após os 65 anos de
a concordância topográfica entre a lesão traumá- idade (Haguenauer, 1992 a).
tica vertebral e a hérnia discal (Feuillade, 1991
a; Haguenauer, 1992 b). A patologia fraturária Existindo uma patologia previamente evi-
vertebral tem legítimas facilidades relativamente denciada, o perito médico não deverá impu-
à avaliação pericial, tendo em conta a fácil capaci- tar toda a responsabilidade ao traumatismo,
dade de confirmação imagiológica, bem como uma podendo, em alguns casos, quando assim se
relação causa-efeito muito próxima. De facto, na justificar, atribuir um nexo de causalidade par-
sequência de uma fratura vertebral traumática, o cial pelo agravamento e/ou desencadeamento
nexo de causalidade pode ser descrito como certo, do quadro sintomático. Considerar uma hérnia
direto e total e a sua comprovação frequentemente discal como consequência de um traumatismo
não enfrenta grandes dificuldades. exige um perfeito conhecimento da história
66 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

natural da hérnia discal e da sua sintomato- a traumatismos. A partir dos 40 anos de idade,
logia. De facto, existem hérnias discais total- as ruturas da coifa são frequentes, sobretudo
mente silenciosas, cujo quadro clínico poderá quando associadas a movimentos repetidos diá-
ser desencadeado após um processo dinâmico, rios do membro e localizam-se essencialmente
como é o caso do traumatismo, o que deverá no tendão do supra espinhoso. As vítimas com
ser alvo de reparação. Isto porque, a simples ruturas agudas apresentam dor e debilidade nos
presença de uma hérnia ou de uma degeneres- movimentos ativos do ombro, com preservação
cência discal não deve ser considerada causa da sua mobilidade passiva. Caracterizam-se por
definitiva de raquialgia (Boden, Davis, Dina et dor intensa no ombro, de aparecimento súbito
al., 1990). Indivíduos com intensa degeneres- com diminuição gradual, reaparecimento após
cência da coluna podem não referir qualquer algumas horas, aumento progressivo durante
sintomatologia, isto porque a perceção da dor alguns dias e posterior desaparecimento progres-
é um fenómeno complexo e variável que sofre sivo. Se a lesão for crónica poderá apreciar-se
influência de fatores endógenos e exógenos. uma diminuição da mobilidade passiva do ombro,
Assim sendo, quando existir dúvida em afirmar com capsulite adesiva. As lesões crónicas podem
que uma hérnia discal incipiente possa vir um igualmente apresentar-se de forma aguda, sur-
dia a manifestar-se na ausência do traumatismo, gindo subitamente após uma evolução assinto-
o mais correto será admitir o evento traumático mática, pelo que, para um correto diagnóstico,
como um fator desencadeante. é aconselhável a realização de uma ecografia
Na verdade, a hérnia discal mantém-se cli- (Castro, 2005).
nicamente latente até entrar em contacto com as Torna-se evidente a necessidade da análise
fibras periféricas do anel fibroso, com o ligamen- do nexo de causalidade médico-legal para uma
to vertebral comum posterior ou com as raízes adequada valoração das sequelas resultantes, o
nervosas. Por outro lado, a ação do traumatismo que exige uma cuidadosa anamnese e exploração
poderá ser indiscutível, quando este é violento física. O estudo do nexo de causalidade de uma
o suficiente para gerar uma protrusão de frag- eventual lesão traumática da coifa dos rotadores
mentos nucleares sobre um disco previamente deve basear-se na história do traumatismo, no seu
saudável, sem qualquer degenerescência discal mecanismo, nas queixas inicialmente apresentadas
(Haguenauer, 1992 a). e na evolução do défice funcional (Castro, 2005).
Nos indivíduos jovens, as lesões traumáticas
podem resultar de um impacto direto ou movi-
5. LESÕES DA COIFA DE ROTADORES mento forçado e provocam uma alteração na face
profunda da inserção do supra espinhoso, poden-
Em termos de valoração médico-legal, a do ocorrer uma rutura parcial. Tal situação pode
patologia da coifa dos rotadores constitui uma ter ocorrido no indivíduo que apresenta o ombro
entidade complexa, em virtude da sua elevada pseudo paralítico após um traumatismo violen-
prevalência e possibilidade de estar associada to. Nos indivíduos com idade mais avançada, a
CAPÍTULO 2. REVISÃO DA LITERATURA 67

origem degenerativa é a mais frequente e a locali- • Ausência de infiltração gorda.


zação topográfica da rutura é típica. Corresponde • Ausência de retração do tendão.
usualmente à área crítica de Codman, a zona
mais frágil do tendão, situada a um centímetro, A retração tendinosa observada na RMN
no sentido medial da face profunda do supra nem sempre nos permite a datação das lesões.
espinhoso, onde predominam as manifestações Por exemplo, uma retração do tendão constatada
histológicas relacionadas com a idade (metaplasia numa artrografia realizada cerca de um mês após
tendinosa). É mais frequente no género masculino o traumatismo pode ser consistente com esse inter-
e nos trabalhadores manuais (Sulman, 2011). valo temporal. No entanto, será a existência ou não
Em indivíduos com idade inferior a 50 anos, de lipomatose que fará a diferença, sendo que a
as estruturas tendinosas são resistentes ao trau- sua ausência indicará um caráter recente da rutura.
matismo, encontrando-se mais especificamente Assim sendo, recomenda-se que a degenera­ção
a rutura da coifa nas vítimas com instabilidade gorda, quando presente, seja sistematicamente
gleno-umeral, com luxação do ombro ou fratura mencionada pelos imagiologistas, já que repre-
da clavícula. Em indivíduos com idade superior senta o melhor indicador da datação das lesões.
a 50 anos, a rutura da coifa pode ocorrer após O estreitamento do espaço sub acromial, a ascensão
fratura do colo do úmero. No entanto, é impor- da cabeça umeral e, especialmente, a existência
tante pesquisar-se as ruturas degenerativas da de infiltração gorda, são fatores favoráveis a uma
coifa (Sulman, 2011). Assim sendo, de acordo com patologia relativamente antiga, com pelo menos
estes mesmos autores, os critérios a favor de uma dois anos de evolução. Em alguns casos pode ser
rutura antiga da coifa dos rotadores baseiam-se admitido um agravamento da sintomatologia dolo-
nos seguintes elementos: rosa, atendendo à existência de um estado patoló-
gico anterior (Daupleix, Sulman e Brémond, 2011).
• Múltiplas ruturas tendinosas detetadas na
artrografia;
• Significativa retração tendinosa e infil- 6. REUMATISMOS INFLAMATÓRIOS
tração gorda dos corpos musculares na
ressonância magnética (RMN); O papel do traumatismo como fator desen-
• Evolução por vezes assintomática antes cadeante de uma doença reumática encontra-
da rutura. -se bem definido em determinadas patologias,
Os critérios a favor de uma rutura recente como, por exemplo, na artrose ou na algodis-
da coifa dos rotadores incluem: trofia. Todavia, esse papel torna-se bem mais
• Um traumatismo em abdução e/ou em complexo quando se trata de um reumatismo
rotação externa. inflamatório (Hannequin e Ludes, 2003). Os prin-
• Perda da mobilidade ativa após um trau- cipais reumatismos inflamatórios crónicos são a
matismo. poliartrite reumatoide, o reumatismo psoriático
• Ausência de anomalia radiológica. periférico e as espondiloartropatias, que incluem
68 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

a espondilite anquilosante, a artrite reativa e a Se o reumatismo inflamatório pós-traumático


artrite psoriática axial. Estes reumatismos têm uma “clássico” ocorrer após um traumatismo físico espe-
evolução crónica por crises e remissões e uma cífico, é recomendável proceder-se à sua abordagem
etiopatogenia complexa, ainda mal conhecida, diagnóstica, obedecendo a uma série de critérios
mas possivelmente relacionada com a combinação de imputabilidade. Daupleix e colaboradores publi-
de múltiplos fatores: fator genético (HLA-B27 para caram seis critérios obrigatórios para a poliartrite
as espondiloartropatias, HLA-DR1 e DR4 para a reumatoide, que foram posteriormente estendidos
poliartrite reumatoide), fator ambiental (infeção para o diagnóstico de qualquer tipo de reumatismo
bacteriana ou viral), fator endócrino e fator psi- inflamatório pós-traumático (Daupleix, Ordonneau
cológico (Combe e Ferrazzi, 2000). Apesar de, à e Dreyfus, 1978 a; Hannequin, 1986; Wink, 1991;
primeira vista, ser difícil reconhecer um reumatis- Amsellem, 1994 a; Combe e Ferrazzi, 2000):
mo inflamatório pós-traumático, o fator ambiental
parece ser mais importante que o fator genético 1. O traumatismo articular deve ser único,
na sua patogénese e atualmente considera-se certo e violento de modo a produzir uma
o fenómeno emotivo como favorecedor do seu inflamação aguda na articulação afetada
aparecimento (Hannequin e Ludes, 2003). Alguns (dor, edema, derrame e prejuízo funcio-
autores negam a existência de um reumatismo nal). Por outras palavras, deverá ocorrer
inflamatório pós-traumático, atendendo a que uma concordância da sede do trauma-
o número de casos publicados é muito escasso, tismo e da sede das lesões articulares, o
sob risco de corresponder a mera coincidência que parece desde logo excluir o trauma-
(Hannequin e Ludes, 2003). Alcalay (1987 a) as- tismo remoto (localizado à distância) e
sume que o traumatismo pode revelar um reu- os traumatismos psicológicos;
matismo latente. Todavia, em virtude de publi- 2. Ausência de sinais clínicos e radiológicos
cações recentes e novas abordagens etiológicas, de reumatismo inflamatório na articu-
retomou-se o interesse da avaliação pericial neste lação afetada à data do traumatismo.
contexto. Enquanto para a artrite reumatoide já O traumatismo deverá ocorrer sobre uma
é reconhecida uma origem traumática (Doury, articulação saudável mas, na ausência
1994), tal ainda é alvo de debate para as espon- de imagens radiológicas efetuadas ime-
diloartropatias. O traumatismo jamais será o único diatamente após o traumatismo, não se
agente etiológico do reumatismo inflamatório, pode garantir este critério;
mas, em alguns casos, pode constituir (sobre um 3. A articulação traumatizada (periférica ou
estado predisponente) o fator desencadeante da axial) deve ser a sede inicial do reumatismo
cascata inflamatória responsável pelo reumatis- (sendo possível o posterior aparecimento
mo inflamatório (Doury, 1986, 1992). Os diver- de reumatismo inflamatório noutras loca-
sos estudos efetuados referem-se sobretudo à lizações articulares - poliartrite);
poliartrite reumatoide e, em menor extensão, às 4. O indivíduo deve encontrar-se livre de
espondiloartropatias. qualquer doença articular inflamatória
CAPÍTULO 2. REVISÃO DA LITERATURA 69

antes do traumatismo. No caso de an- ou de sindesmofitose no momento do trauma-


tecedentes reumáticos, a artrite deverá tismo. A dificuldade surge quando na sequência
encontrar-se quiescente/inativa no mo- de um traumatismo periférico não são realizados
mento do traumatismo ou nunca ter atin- exames radiográficos da coluna vertebral e das
gido a articulação traumatizada (pelo que articulações sacroilíacas. Nos casos em que não
são relevantes as radiografias iniciais). se dispõe de radiografias iniciais das articulações
A presença de lesões degenerativas ini- sacroilíacas, a imputabilidade não pode ser esta-
ciais não deve excluir a imputabilidade belecida (Amsellem, 1994 a).
mas torna mais difícil o seu estabeleci- Para alguns autores, a continuidade evolutiva
mento e modifica o cálculo da incapa- entre o episódio doloroso inicial e os primeiros sin-
cidade; tomas da espondilartrite pode não representar um
5. O intervalo livre entre o traumatismo arti- critério absoluto (Wink, 1991). Um intervalo livre
cular e o aparecimento das manifestações de várias semanas a três meses é aceite por estes
inflamatórias deve estar ausente nas es- autores, mas o máximo admitido por outros é de
pondiloartropatias (exigindo-se uma rea- três anos (Wink, 1991; Hannequin e Ludes, 2003).
ção dolorosa imediata) ou ser pequeno Note-se que, apesar da predisposição gené-
(de alguns dias a três meses), no caso das tica ser certa, não pode nem deve ser considerada
artrites periféricas. O diagnóstico exige um na ponderação do nexo de causalidade, bem como
período de tempo suficiente para a gene- nas consequências médico-legais (Filliol, 1998).
ralização e aparecimento das alterações É ainda útil prever a possibilidade de um
laboratoriais (fator reumatoide). Quanto traumatismo agravar um reumatismo inflamatório
maior o intervalo livre, mais questionável preexistente, sendo que, nestes casos, apenas
será o papel do traumatismo (Combe e os critérios 1,3,5 e 6 são essenciais (Amsellem,
Ferrazzi, 2000; Hannequin e Ludes, 2003); 1994 a). Com efeito, é possível ao traumatismo
6- O diagnóstico positivo de reumatismo (Amsellem, 1994 a):
inflamatório.
1. Gerar um processo inflamatório (Doury,
No decurso da evolução da doença, ge- 1993 a) num indivíduo portador de um
ralmente ocorre uma predominância dos sinais reumatismo inflamatório latente ou co-
patológicos na articulação traumatizada (evolu- nhecido;
ção preferencial), não sendo indispensável, no 2. Agravar um reumatismo inflamatório ativo;
entanto, ao estabelecimento da imputabilidade 3. Complicar um reumatismo inflamatório
(Amsellem, 1994 a; Filliol, 1998). Este critério pode quiescente (ex. fracturas na coluna an-
ser minimizado tendo em conta os tratamentos quilosada). Nestas situações, onde é as-
locais que têm sido propostos (Filliol, 1998). sumida uma imputabilidade traumática
No caso das espondilites anquilosantes, parcial, poderá existir um envolvimento
deverá pesquisar-se a ausência de sacroileíte e/ radiológico das articulações sacroilíacas
70 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

no momento do traumatismo, bem como em que é estabelecido o diagnóstico de reuma-


anteriormente a este (Amsellem, 1994 a). tismo. Posteriormente, Dreyfus e colaboradores
(1979) propuseram que a respetiva data deve-
O reumatismo inflamatório crónico parece ria coincidir com a data da avaliação pericial.
poder também ser desencadeado por um fator Doury (1993 b) previu o término da primeira
emotivo, ou seja, por um traumatismo psicológi- crise como sendo a data de estabilização da
co severo. Neste âmbito, foram estabelecidos os condição patológica, conceção que foi posterior-
seguintes critérios de imputabilidade (Hannequin mente aceite por diversos outros autores. Mais
e Ludes, 2003): recentemente, no âmbito da avaliação pericial
em sede de Direito Civil, Hannequin (1986) e
1. A existência de uma situação de intenso depois Ansellem (1994 b) sugeriram não fixar a
stress ou de um evento major da vida; data de consolidação médico-legal sem terem
2. A ausência de intervalo livre; decorrido dois anos desde o traumatismo, pro-
3. A ausência de reumatismo inflamatório pondo ainda duas possibilidades: a realização
no momento do traumatismo; de uma segunda avaliação, dez anos após o
4. O diagnóstico positivo de reumatismo evento e durante a qual ocorrerá a consolida-
inflamatório. ção médico-legal das lesões, ou ainda de uma
forma prática, embora arbitrária, fixar a data
Se os critérios de imputabilidade se encon- de consolidação na primeira avaliação pericial
tram validados nos reumatismos inflamatórios e propor um valor de incapacidade a ser revis-
pós-traumáticos secundários a um traumatismo fí- to na segunda avaliação. Por exemplo, no caso
sico direto, não o são ainda nos casos que surgem da espondilite anquilosante considera-se que
após um evento emotivo, dada a complexidade os sinais de gravidade, nomeadamente a artri-
de definir a natureza de um evento major da vida. te periférica e o atingimento ocular, já terão
surgido após dez anos de evolução. Realce-se
A evolução do reumatismo inflamatório cró- que a necessidade de revisão da incapacidade
nico é imprevisível, evoluindo através de crises deverá ser prevista nas conclusões do relatório
e remissões de variável duração, desde vários pericial. Quanto à avaliação do dano corporal
meses a vários anos, o que torna impossível ava- em Direito do Trabalho, a data de consolidação
liar o carácter definitivo da extinção de sinais médico-legal das lesões poderá ser fixável no dia
(Amsellem, 1994 b). Deste modo podem surgir da retoma da atividade profissional habitual do
dificuldades particularmente evidentes na deter- examinando, sendo tal suscetível de revisão ou
minação da data de consolidação médico-legal ainda proceder-se de forma idêntica ao descrito
das lesões, sendo esta proposta de forma um para a avaliação em sede de natureza cível, ou
pouco aleatória por diversos autores. Daupleix e seja, a data da primeira avaliação pericial deverá
colaboradores (1978 b) sugeriram que a data de ser efetuada decorridos, no mínimo, dois anos
consolidação deveria corresponder ao momento de evolução (Hannequin, 1986).
CAPÍTULO 2. REVISÃO DA LITERATURA 71

Na determinação dos períodos de danos autores admitem não ser razoável impor à ví-
temporários devem considerar-se duas situações tima a responsabilidade de uma predisposição
distintas: na presença de um intervalo livre, a imunogenética, assumindo que tal não deverá
incapacidade temporária deve corresponder ao corresponder a um verdadeiro estado anterior,
período de tratamento do traumatismo articular até porque mesmo que uma predisposição seja
ou raquidiano e na ausência de qualquer período demonstrável, nenhum argumento científico atual
de latência, a referida incapacidade deve cessar permite predizer que na ausência do traumatismo
no momento da primeira remissão. “De notar o reumatismo se desenvolveria espontaneamente
que para Bouvenot et al., a data de consolida- (Wink, 1991). Assim, estes autores sustentam a
ção médico-legal das lesões deve ser fixável no reparação integral do dano, já que a anulação do
momento da primeira remissão” (Wink, 1991). estado anterior evita a divisão arbitrária entre o
equivalente à predisposição e o equivalente ao
A complexidade da reparação do dano cor- traumatismo. É ainda de destacar que o facto de
poral está ainda relacionada com a problemática um traumatismo afetar uma única articulação
de um estado anterior ao traumatismo, de na- seguida pela extensão da inflamação reumatoide
tureza imunogenética. Os problemas colocados a outras localizações, continua a ser objeto de
relacionam-se com o papel do traumatismo sobre duas asserções distintas (Wink, 1991):
o reumatismo inflamatório (aparentemente causal,
revelador de uma forma latente ou agravante de • Há quem afirme não estar cientifica-
uma forma patente) e dependem do ramo do mente comprovado que o traumatismo
Direito em que a perícia se processa. A atitude desencadeante da primeira localização
a adotar difere com os vários autores, havendo articular da doença reumática possa ser
quem afirme que ao responsabilizar em parte igualmente responsável pela extensão da
o indivíduo predisponente pela doença reumá- doença às outras localizações articulares
tica, dever-se-á imputar apenas parcialmente o ou extra-articulares que ocorrem pos-
distúrbio ao traumatismo (Wink, 1991). Neste teriormente, pelo que se propõe que a
caso, admitindo-se que o traumatismo revelou e reparação pericial seja reservada apenas
agravou um estado anterior, o défice funcional às lesões inflamatórias diretamente rela-
permanente proposto na avaliação pericial em cionadas com o traumatismo, sem ter em
sede de Direito Civil deverá resultar da diferença consideração as complicações subsequen-
entre o défice articular atual e o défice referen- tes da doença (Combe e Ferrazzi, 2000).
te ao estado anterior. No âmbito do Direito do • Por outro lado, outros autores acreditam
Trabalho, se o traumatismo revelou e agravou ser difícil negar às monoartrites reumá-
um estado anterior, deverá ser proposta uma in- ticas pós-traumáticas uma possibilidade
capacidade que expresse a perda da capacidade de agravamento evolutivo, já que tal é
de ganho comparativamente com a existente à permitido aos processos espontâneos,
data do evento traumático. Distintamente, outros e consideram que a reparação pericial
72 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

deve ser integral e passível de revisão ou pouco evolutiva (Combe e Ferrazi, 2000).
(Hannequin, 1983). A raridade da espondilite anquilosante pós-
-traumática encontra-se relacionada com a
etiologia multifatorial que a caracteriza, não se
6.1 Poliartrite reumatoide podendo compreender o motivo de exclusão do
traumatismo na espondilite anquilosante quando
Do ponto de vista clínico, a poliartrite reuma- é aceite na artrite reumatoide, artrite psoriáti-
toide pós-traumática reconhecida por Hannequin ca e artrite reativa. Mesmo com a frequência
(1983) não difere habitualmente das restantes do antigénio HLA B27 superior a 90% (Sany e
poliartrites. A sua evolução pode ocorrer sob a Clot, s/d), não é suficiente para a exclusão da
forma de uma poliartrite subaguda iniciando-se imputabilidade traumática (Amsellem, 1994 a).
na articulação traumatizada ou como uma mo- Na verdade, existem espondilites anquilosantes
noartrite crónica que geralmente sofre melhoria HLA B27 negativas e 80% da população normal
através de atitudes terapêuticas locais. Tal como é portadora deste antigénio (Amsellem, 1994
já mencionado, o intervalo livre entre o traumatis- a). Efetivamente pensa-se que o traumatismo
mo e o início da poliartrite reumatoide é variável, atua como um fator desencadeante quando o
devendo ser ausente ou pequeno, geralmente fator genético preexistente é insuficiente para
inferior a três meses (Wink, 1991; Combe e Ferrazi, a expressão clínica da doença. Deste modo, a
2000). No entanto, se, por um lado, a existência existência de uma predisposição genética não
de um intervalo livre (inferior a três meses) parece pode neutralizar o diagnóstico de uma espon-
ser a melhor garantia médico-legal para as artrites dilite anquilosante pós-traumática. Foram des-
periféricas, por outro, a descontinuidade entre a critos vários casos de doentes que verificaram
dor pós-traumática e os sinais inflamatórios locais uma progressiva dor toracolombar localizada ou
pode igualmente assumir um risco aumentado dor aguda localizada precedida por um ligeiro
de coincidência. Ainda que esta noção possa ser trauma. Os doentes podem ser assintomáticos
arbitrária, parece razoável aceitar esse intervalo ou, por vezes, desconhecer ou ter esquecido o
livre não superior a três meses. trauma decorrido, descobrindo-se a espondili-
te anquilosante numa avaliação radiológica de
rotina (Bron, Vries, Sniders et al., 2009). Um
6.2. Espondilite anquilosante estudo realizado por Liu e colaboradores (2010)
revelou que uma percentagem significativa dos
A sua realidade é ainda muito discutível doentes (40.4% com espondilite anquilosante
e controversa. Alguns autores, como Jacobi et juvenil e 34.4% com espondilite anquilosante
al. (1985) e Alcalay et al. (1987) negam a sua adulta) sofreu um traumatismo físico um mês
existência, mas concebem que um traumatismo antes do início da doença.
pode ser um fator revelador ou agravante de A espondilite anquilosante é uma patologia
uma espondiloartropatia quiescente, preexistente artrítica inflamatória que afeta primariamente
CAPÍTULO 2. REVISÃO DA LITERATURA 73

a coluna vertebral e articulações sacroilíacas. O traumatismo, sofreu uma fratura da 2ª vértebra


seu diagnóstico torna-se complexo na ausência lombar. Foi submetido a tratamento cirúrgico
de um envolvimento radiológico das articulações e no pós-operatório surgiu uma infeção que
sacroilíacas. O aparecimento de sinais radioló- motivou a remoção do material de osteossín-
gicos pode ser tardio, podendo surgir decor- tese. Apesar do repouso absoluto efetuado no
ridos dois anos do traumatismo e, por vezes, leito, a fratura permaneceu instável e causou
estendendo-se até aos vinte anos (Amsellem, dano neurológico severo (Arnold et al., 1989).
1994 b). É por este motivo que a avaliação Mais uma vez, realça-se a maior predisposição
pericial conclusiva efetuada neste âmbito só destes doentes em sofrerem fraturas com trau-
deve ter lugar dois anos após o traumatismo. matismos ligeiros.
Com o decorrer do tempo ocorre ossifica-
ção ligamentar, fusão vertebral, osteoporose
e cifose. Em alguns casos, os doentes apre- 6.3. Reumatismo psoriático
sentam a denominada «coluna de bambu»,
a qual funciona, na prática, como um osso Autores italianos relataram alguns casos
longo, o que altera completamente a biome- de reumatismo psoriático pós-traumático e ava-
cânica da coluna vertebral. Estas alterações liaram a sua prevalência em cerca de 8% dos
patológicas, por outro lado, resultam numa reumatismos psoriáticos (Scarpa, 1992; Punzi,
suscetibilidade aumentada a fraturas e a lesões 1997). Surpreendentemente foram descritas
neurológicas. Os indivíduos portadores de uma apenas formas periféricas de reumatismo pso-
espondilite anquilosante ficam particularmente riático, que são sempre relatadas com HLA-B27
mais frágeis e vulneráveis quando envolvidos negativas (Combe e Ferrazi, 2000). Nunca foram
num traumatismo. Um início súbito de dor e descritas formas axiais das espondiloartropatias,
limitação da mobilidade da coluna vertebral o que reforça a opinião negativa de Alcalay et
nestes doentes pode indicar uma fratura óssea. al. (1987) sobre a ausência de influência do
A parte inferior do pescoço (coluna cervical) é traumatismo na génese das espondiloartropa-
a área mais frequente para tais fraturas. Esta tias. Os critérios de imputabilidade são idên-
tendência está relacionada com a ossificação ticos aos referidos para a artrite reumatoide
dos ligamentos paravertebrais e com alterações pós-traumática: traumatismo único e violento,
osteoporóticas das vértebras. Em muitos casos intervalo livre ausente ou pequeno (inferior
não há nenhuma história de traumatismo as- a três meses), psoríase cutânea preexistente
sociado ou somente um ligeiro traumatismo. ou ocorrendo após o traumatismo (Combe e
A instabilidade de tais fraturas e a complica- Ferrazi, 2000). Na verdade, não há nenhuma
ção de sequelas neurológicas têm sido docu- evidência científica que determine que uma ar-
mentadas. Relata-se o caso de um indivíduo trite psoriática não se possa desenvolver muito
de 45 anos de idade, portador deste tipo de tempo após um traumatismo, sendo o seu papel
patologia e que na sequência de um ligeiro desencadeante reconhecido (Wink, 1991).
74 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

No interrogatório efetuado à vítima e nos 7. FIBROMIALGIA


registos clínicos facultados devem pesquisar-se
eventuais manifestações de artrite psoriática pre- Há várias descrições da doença desde mea-
viamente ao traumatismo (psoríase, antecedentes dos do século XIX mas apenas foi reconhecida
clínicos de sinovite e pelvispondilite, verificação pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como
pós-traumática da ausência de sinais radiográficos doença no final da década de 70. A fibromial-
de pelvispondilite). gia é uma síndroma crónica caracterizada por
queixas dolorosas neuromusculares difusas e
Embora a patogénese da artrite psoriática pela presença de pelo menos 11 de 18 pontos
não esteja completamente esclarecida, admite- dolorosos em regiões anatomicamente deter-
-se que o traumatismo possa desencadear uma minadas (OMS, 1990; Atallah-Haun, Ferraz e
lesão psoriática cutânea no local de impacto, Pollak, 1990). Outras manifestações que acom-
o chamado fenómeno de Koebner ou reação panham a dor são a fadiga, as perturbações do
isomórfica (Wink, 1991; Combe e Ferrazi, 2000). sono e os distúrbios emocionais. Contudo, não
Um traumatismo em região de pele sã pode de- existem exames complementares que confirmem
sencadear o aparecimento de lesões do mesmo o diagnóstico, sendo este baseado na história
tipo das encontradas em outros locais do corpo, clínica e no exame físico dos pontos dolorosos
nos indivíduos portadores de psoríase. Esse fenó- acompanhados, frequentemente, por fadiga,
meno foi assim denominado por ter sido carac- perturbações do sono e alterações emocionais.
terizado por Heinrich Koebner, dermatologista Acredita-se que a doença seja devida a uma
alemão que, em 1872, observou a eclosão de perturbação dos mecanismos da dor nos fusos
lesões psoriáticas em áreas escoriadas, abrasivas, neuromusculares. No entanto, a sua etiologia
tatuadas, cicatriciais ou com sinais recentes de permanece obscura e parece remeter-se para
picada ou mordeduras (Bachele, 1989 b). Foi uma origem multifactorial, sem que nenhum
invocado um “fenómeno de Koebner profundo” substrato orgânico tenha sido detetado (Gowers,
de modo a explicar a reação inflamatória articu- 1904; Sordet-Guepet, 2004). Tem sido definida
lar (Filliol, 1998; Combe e Ferrazi, 2000). Várias como um quadro de ampliação da sensibilidade
observações de acrosteólise pós-traumáticas, a estímulos sensitivos periféricos como calor,
mesmo após acupunctura, foram também rela- corrente elétrica, pressão, que são interpretados
tadas (Filliol, 1998). pelo sistema nervoso central como sensações
desagradáveis e traduzidas pelo sintoma dor.
Em suma, os reumatismos inflamatórios cró- As pessoas com fibromialgia queixam-se
nicos pós-traumáticos representam uma entidade com frequência de ansiedade, havendo por vezes
cuja frequência é provavelmente subestimada, depressão, perturbações da atenção, da concen-
especialmente pelo seu reconhecimento relativa- tração e da memória. A controvérsia presente na
mente raro, colocando problemas fisiopatológicos literatura a respeito da relação da fibromialgia
e médico-legais importantes. com eventos traumáticos é grande, sendo fruto
CAPÍTULO 2. REVISÃO DA LITERATURA 75

de extensos debates no que se refere a causalida- manutenção da fibromialgia ou, até mesmo, cau-
de, fisiopatologia e aspetos médico-legais (White, sar a FPT, nomeadamente o chicote cervical, as
2000; Gordon, 1999; Buskila e Neumann, 2000; quedas, levantamentos de pesos, as lesões des-
Gardner, 2000). Tanto os traumas físicos como os portivas, os acidentes de viação, entre outros.
emocionais têm sido relacionados com o apareci- Não há nenhuma evidência científica concreta que
mento de dor generalizada em relatos esporádicos permita afirmar que a fibromialgia seja causada
da literatura, mas não é raro que pacientes rela- por problemas emocionais. Na verdade, o que está
cionem os seus sintomas com situações específicas comprovado é que apenas as crises desta síndrome
de stress emocional ou de sobrecarga do aparelho podem ser provocadas pelas tensões emocionais.
locomotor, como quando são submetidos a es- Ou seja, os pontos dolorosos permanecem latentes
forços, posturas inadequadas ou lesão direta nos e quando a tensão emocional gera tensão física,
ossos e partes moles. A fibromialgia causada por esta última é o motivo que desencadeia uma crise
um traumatismo é designada de fibromialgia pós- de fibromialgia. Mas desencadear a crise, não sig-
-traumática (FPT). Se na realidade a fibromialgia nifica ser a causa da síndrome, apenas um agen-
é ainda discutível por vários autores, a FPT é um te desencadeador de crises (Russel et al., 1992).
assunto ainda mais complexo, na medida em que Os critérios de diagnóstico da FPT atualmente
frequentemente pode estar associada a pedidos aceites são (Provenza, 2004; Romano, 1990):
de reparação indemnizatória do dano (White,
2000 b; Buskila e Neumann, 2000). Deve ter-se 1. Inexistência de dor semelhante previa-
em consideração que quando há uma ação de mente ao evento traumático.
ressarcimento envolvida, muitos doentes tendem 2. História de um traumatismo desenca-
a subvalorizar o seu estado funcional prévio ao deante.
traumatismo e sobrevalorizar o seu estado atual. 3. A dor resultante persiste desde a ocor-
Para alguns autores, ela não surge imediatamente rência traumática - designada de conti-
após o evento traumático, exigindo algum tempo nuidade sintomatológica da dor.
de evolução, de modo a desenvolver os mencio- 4. Dor generalizada que persiste por um
nados pontos dolorosos em locais distintos. Um período mínimo de 6 meses após a lesão.
estudo revelou que a FPT surge nos primeiros me- 5. A presença de pelo menos 11 dos 18
ses após o traumatismo e aqueles que sofrem um pontos dolorosos definidos pelo Colégio
traumatismo no pescoço e que não desenvolvem Americano de Reumatologia. Todavia,
FPT no primeiro ano, têm poucas possibilidades de pode ser considerada uma fibromialgia
desenvolver a doença após esse período de tem- regional pós-traumática caso os referidos
po (Al-Allaf, 2002). Os doentes com fibromialgia pontos estejam restritos apenas a uma
diferenciam-se dos demais com outras síndromes região topográfica lesada.
dolorosas pela presença de dor mais grave e fa- 6. O diagnóstico de FPT não é efetuado logo
diga (White, 1999). Vários tipos de traumatismo após o traumatismo, exigindo a presença
parecem contribuir para o desenvolvimento ou de um tempo de evolução.
76 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

O mecanismo pelo qual o traumatismo de- (alodinia). Desta forma, somam-se evidências de
sencadeia a fibromialgia, assim como a própria uma atuação não coordenada dos mecanismos
fisiopatologia dessa síndrome, ainda não foi es- de nociceção e de inibição da dor, resultando
clarecido. A fibromialgia parece desenvolver-se numa perceção aumentada desta. Os nervos não
a partir de desequilíbrios entre mecanismos fi- conseguem desativar estes sinais dolorosos con-
siológicos normais de perceção da dor e de sua tínuos e sofrem profundas alterações funcionais
inibição. Assim, um estímulo traumático poderia que levam a que a dor surja espontaneamente
desencadear um processo de sensibilização num ou que sinais sensoriais normais sejam erronea-
organismo predisposto para tal, com alterações da mente interpretados como dor (Lautenbacher e
plasticidade neural e consequente perpetuação do Rollman, 1997).
fenómeno doloroso (Clauwn e Chrousos, 1997). Há referências na literatura indicando dife-
Este modelo teórico não explica, no entanto, al- renças funcionais entre os doentes com fibromial-
gumas questões levantadas a partir da literatura gia, apresentando maior incapacidade quando o
clínica, como o facto de um traumatismo sobre traumatismo surge associado (Greenfield et al.,
a perna desenvolver fibromialgia com menor fre- 1992; Waylonis e Perkins, 1994).
quência do que a lesão por chicote cervical, con-
forme observado por Buskila (1997). Esse modelo
também não explica a razão de a fibromialgia só 8. DOENÇA DE DUPUYTREN
se desenvolver em pessoas que sofreram o chicote
cervical quando elas são as vítimas de acidentes A patofisiologia da doença de Dupuytren
de viação, mas não quando são as responsáveis envolve uma herança genética e tem maior preva-
desse evento (Magnusson, 1994; Winfield, 1999). lência no género masculino. A doença apresenta-
Os mecanismos fisiopatológicos que levam à FPT -se em forma nodular e em forma de cordas.
residem nas lesões nervosas e na inflamação dos Os nódulos são localizados na palma da mão,
tecidos que ativam os nociceptores (terminações sendo firmes e podendo ter pontos de retração.
nervosas especializadas onde a dor se origina) e As cordas são uma progressão destes nódulos e
os sinais de dor. Lesões musculares podem causar podem levar à flexão dos dedos. As cordas são
alterações hormonais e alterações nos eritróci- estruturas de colagénio altamente organizadas e
tos passíveis de interferirem com a capacidade arranjadas em paralelo com matriz hipocelular. O
das células em receber oxigénio, glicose e ou- principal elemento de contração na doença de
tros nutrientes. O fluxo sanguíneo e a produção Dupuytren é o miofibroblasto. Esta patologia está
energética são perturbados. Nos doentes que associada à diabetes, epilepsia, fumadores, porta-
desenvolvem FPT, os nociceptores provavelmen- dores do vírus da Sida e doenças vasculares. Estas
te permanecem alterados e continuam a emitir associações não têm relação de causa-efeito, mas
sinais de dor. Também ocorre uma hipersensi- são sim subpopulações que estão mais frequen-
bilização dos nociceptores, na medida em que temente afetadas pela doença de Dupuytren. Na
respondem exageradamente a qualquer estímulo verdade, a isquemia e o traumatismo são fatores
CAPÍTULO 2. REVISÃO DA LITERATURA 77

desencadeantes, associados à predisposição ge- inegável o papel do traumatismo e das irritações


nética, idade e género masculino. A atividade cutâneas no desencadeamento e localização das
profissional não causa a doença, mas um trau- lesões psoriáticas. Sabe-se que este fenómeno
matismo pode iniciar a doença clínica em pessoa dermatológico pode ocorrer em qualquer idade e
geneticamente predisposta (Black e Blazar, 2011). o seu aparecimento pressupõe que a lesão possa
estar na sua forma ativa (portadores de psoríase
instável são particularmente suscetíveis). Surge
9. PSORÍASE principalmente logo após a resolução da lesão
traumática. No entanto, há relatos de intervalos
A psoríase é uma doença dermatológica be- temporais longos, de até vários anos, para o de-
nigna, crónica, recidivante que, apesar de poder senvolvimento da lesão (Krueger e Eyre, 1984).
ocorrer em qualquer idade, se inicia frequentemente
na adolescência e progride através de crises de du- O fator psicológico é igualmente reconhecido
ração variável, de algumas semanas a vários meses, como desencadeante da doença psoriática ou
seguidas por períodos de remissão que variam de da sua recaída, podendo corresponder a situa-
alguns meses a vários anos (Bachele, 1989 a). A cura ções emotivas súbitas, catastróficas, tais como
é meramente ilusória, já que a doença permanece um acidente, uma rutura conjugal ou um mo-
muitas vezes com persistência nos estadios intercríti- mento de angústia e tristeza. A atuação isolada
cos de lesões a nível dos cotovelos e joelhos. Apesar de um traumatismo psicológico pode gerar uma
da sua etiopatogenia permanecer desconhecida, reação patológica ou mesmo agravar um estado
constata-se que as crises podem ser desencadeadas anterior latente ou conhecido, desde que a sua
por fatores específicos, tais como traumatismos e intensidade seja suficiente ou o indivíduo esteja
situações emotivas (Bachele, 1989 a). predisposto. Assim sendo, será difícil estabele-
As dermatites de contacto têm um im- cer qualquer relação entre situações de stress
pacto psicológico associado às suas próprias frequentes no quotidiano e o aparecimento de
características, o que explica as incertezas e uma dermatose. Em matéria de avaliação pericial,
as dificuldades frequentemente enfrentadas deverão ser considerados os seguintes critérios
no que concerne ao estabelecimento da im- de imputabilidade (Bachele, 1989 b):
putabilidade, à pesquisa de um estado anterior
patente ou latente ou à valoração dos diversos 1. A natureza, a intensidade e a sede do trau-
parâmetros de dano. matismo. A psoríase resultante do fenóme-
Apesar de diversos estudos demonstrarem no de Koebner ou de um stress psicológico
a importância do componente genético na sua poderá ser revelada ou agravada;
etiologia, a doença encontra-se provavelmente re- 2. O diagnóstico positivo de psoríase;
lacionada com uma herança multifatorial envolven- 3. O intervalo de aparecimento dos sinais
do o complexo de histocompatibilidade (Bachele, cutâneos. Apesar de existirem casos des-
1989 a). Note-se, no entanto, que atualmente é critos com um intervalo de aparecimento
78 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

longo, de vários anos, afigura-se ser ra- qualquer crise que ocorra posteriormente deverá
zoável que esse intervalo livre não exceda ser imputável a um estado anterior; porém, a
as cinco ou seis semanas para o apa- revelação precoce do seu aparecimento justifica
recimento da psoríase, uma dermatose a eventual atribuição de uma incapacidade per-
psicossomática por excelência; manente (Bachele, 1989 b).
4. A continuidade evolutiva. A evolução da
psoríase caracteriza-se por uma sucessão
de crises intercaladas por períodos de 10. ESCLEROSE MÚLTIPLA
remissão;
5. Exclusão da preexistência de dano. A esclerose múltipla é uma doença neuroló-
A avaliação de um estado anterior é sem- gica crónica, causando a desmielinização. Embora
pre complexa, sendo que num estado as características clínicas sejam bem conhecidas,
anterior latente se levanta a questão de os aspetos etiológicos constituem o alvo principal
uma eventual predisposição, enquanto de exaustivos estudos. Os fatores imunológicos e
num estado anterior já conhecido ou pa- genéticos, a influência ambiental e outros fatores
tente deverá ser passível de valoração que direta ou indiretamente podem contribuir
uma situação de agravamento. para a evolução clínica, têm sido objeto de pes-
quisas e estudos multicêntricos em diversos países.
Quanto à avaliação da data de estabilização A esclerose múltipla é considerada uma pa-
médico-legal das lesões, nas pequenas crises, bem tologia inflamatória, provavelmente autoimune.
definidas no tempo, torna-se fácil propor a res- A suscetibilidade genética e a influência ambien-
petiva data, considerando-se as recaídas como tal serão as responsáveis pelo aparecimento das
resultantes de um estado anterior. Todavia, na primeiras crises. Caracteristicamente, a doença
psoríase lentamente agravada, tal determinação provoca uma deterioração gradual progressiva
torna-se complexa, sendo, por vezes, efetuada da função neurológica, evoluindo na maioria dos
de forma arbitrária. A atribuição de períodos de casos com exacerbações e remissões (Oliveira e
incapacidade temporária raramente acarreta pro- Souza, 1998). As recaídas da esclerose múltipla
blemas, mas a atribuição de uma incapacidade são muitas vezes imprevisíveis, ocorrendo sem
permanente será mais excecional, atendendo à aviso prévio (Mader, 1990).
existência de um estado anterior. No entanto, As regiões desmielinizadas são localizadas
alguns autores defendem que a persistência de e assumem o aspeto de placas, que podem ser
lesões psoriáticas exigindo cuidados terapêuticos silenciosas ou subclínicas. É nesses casos que
ou o facto de a psoríase ter vindo a expressar-se algumas mudanças ambientais podem interferir
mais precocemente do que seria expectável na no equilíbrio, condicionando, por exemplo, um
ausência de um traumatismo, deverá ser merece- agravamento súbito e momentâneo do quadro
dora de um valor de incapacidade permanente. clínico no decurso de um estado febril. Trata-se
Deve ser assinalado no relatório médico-legal que de um mecanismo semelhante àquele que muito
CAPÍTULO 2. REVISÃO DA LITERATURA 79

provavelmente poderá explicar o aparecimento da período de duração da crise. Reconhecida essa


expressão clínica da doença após um traumatismo responsabilida­d e na origem da exacerbação, a
ou mesmo um choque emocional (Mader, 1990). crise pós-traumá­tica insere-se na evolução natural
O traumatismo não pode ser responsável pela doen- da doença sem modificar o seu curso evolutivo
ça (Poser, 1980) nem parece favorecer o apareci- (Bonduelle, 1984). Por razões óbvias, a ocorrência
mento de novas placas desmielinizantes. Apenas se de crises posteriores àquela decorrente do trau-
reconhece o seu papel revelador sobre uma placa matismo não será passível de valoração. Porém, na
preexistente, agravando a reação inflamatória que literatura encontram-se descritos casos com seque-
acompanha a desmielinização (Mader, 1990). Este las decorrentes das exacerbações (Mader, 1990).
epílogo conduz necessariamente ao reconhecimen- Das considerações precedentes pode con-
to de um fator exógeno, independentemente da cluir-se que um traumatismo não pode provocar
sua origem. A esclerose múltipla constitui uma pa- uma esclerose múltipla, podendo provavelmente
tologia multifatorial, em que o traumatismo não gerar um impulso evolutivo. O nexo de causalida-
pode, por si só, ser a causa da doença, mas pode de entre o traumatismo e o impulso verificado no
desencadear, contudo, um processo patológico quadro patológico da esclerose em placas pode
potencial (McAlpine, Lumsden e Acheson, 1972). ser admitido e fundamentado.
Sendo a influência do traumatismo limitada a
Na literatura encontram-se descritos vários uma única crise evolutiva, propõe-se a atribuição
casos de exacerbações desencadeadas por um de um período de incapacidade temporária, sem
traumatismo craniano, raquidiano ou periférico. comportar a atribuição de um valor de incapaci-
McAlpine et al. (1972) acreditam ser difícil defi- dade permanente. No caso da crise decorrente
nir o intervalo temporal entre o traumatismo e do traumatismo perturbar a gravidade da doen-
o aparecimento da crise, mas consideram que ça e, particularmente, se verificar a ausência de
quanto menor for esse intervalo, maior a proba- regressão ao seu estado anterior, a discussão
bilidade do impulso evolutivo ser imputável ao médico-legal torna-se mais complexa, devendo
traumatismo. Estes autores estimam que perante avaliar-se caso a caso e propor a atribuição de
um intervalo temporal superior a três meses, a um valor de incapacidade permanente. Nestas
responsabilidade traumática torna-se duvidosa e situações em que ocorre um agravamento do es-
pouco provável (McAlpine, Lumsden e Acheson, tado anterior, deverá ser reconhecido um nexo
1972). Por outro lado, considerando tal intervalo de causalidade parcial entre o traumatismo e as
excessivo, Poser (1980) afirma ser extremamente sequelas objetiváveis.
difícil aceitar uma relação direta entre ambos os
eventos para um intervalo temporal superior a
uma semana ou dez dias. 11. ENFARTE AGUDO DO MIOCÁRDIO
Segundo Bonduelle (1984), a responsa-
bilidade do traumatismo não poderá exceder A origem traumática do enfarte agudo do
alguns dias, correspondendo geralmente ao miocárdio (EAM) continua a ser controversa
80 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

sendo, na realidade, negada categoricamente do EAM, seria importante conhecer-se o estado


por alguns autores. A coexistência de um EAM das artérias coronárias antes do traumatismo,
e de um traumatismo torácico não é por si só sabendo-se o grau de sobrecarga ateromatosa.
suficiente para estabelecer uma relação causal Os autores que rejeitam a existência de EAM trau-
direta entre ambos, mesmo que haja uma con- mático assumem que o enfarte não pode ocor-
cordância topográfica entre as lesões (Segal, rer sobre um sistema vascular intacto e portanto
1990). Uma outra dificuldade que pode surgir, concluem que o traumatismo apenas revelou um
mesmo nos casos aparentemente simples, é a estado latente (Segal, 1990).
distinção entre o facto de o EAM ter sido a causa
ou a consequência do evento traumático. Pode Anatomicamente é possível obter-se uma
questionar-se se o acidente de viação, do qual noção da importância da aterosclerose coronária
resultou um traumatismo torácico, não terá ocor- sendo, no entanto, mais difícil conhecer-se o
rido precisamente em consequência do enfarte papel exato das lesões arteriais na ocorrên-
que provocou o despiste. Na prática este é um cia de um enfarte. Se uma trombose recente
problema difícil de resolver. for observada, poderá ter-se a justificação do
enfarte, mas se assim não for, apenas devem
A primeira questão a considerar é o intervalo ser consideradas as estenoses com obstrução
temporal entre o traumatismo e a descoberta do superior a 75% do lúmen coronário. Na prática,
enfarte. Em alguns casos, a situação é simples, é frequentemente encontrada no contexto das
quando o enfarte ocorre imediatamente após o lesões coronárias de origem traumática, uma
traumatismo. No entanto, pode ocorrer após uma hemorragia intra-placa ou um descolamento
fase premonitória de vários dias ou mesmo mais da íntima ao nível de uma lesão aterosclerótica
tardiamente decorridas algumas semanas ou me- de baixo grau (Segal, 1990). Face a tais lesões,
ses do traumatismo. Sabemos que existem EAM a questão da imputabilidade não se coloca.
indolores, nos quais a revelação é eletrocardio- Excluindo as situações em que há autópsia, tor-
gráfica e à distância e nestas situações torna-se na-se extremamente difícil a comprovação de
praticamente impossível precisar a data concreta um estado anterior, sendo geralmente pesqui-
do enfarte. Um outro elemento digno de consi- sado a partir de sinais clínicos na anamnese ou
deração é o facto da sintomatologia sugestiva de determinadas alterações biológicas. Apesar
de doença coronária poder ser retardada, sendo da pesquisa de antecedentes anginosos se ba-
apenas no momento dos primeiros esforços físicos sear em eletrocardiogramas anteriores (quan-
que irão aparecer os fenómenos de anóxia mio- do existem), em registos de tensões arteriais e
cárdica e a respetiva sintomatologia (Segal, 1990). perfil lipídico, esta investigação não permite
distribuir equitativamente a responsabilidade do
A abordagem da relação de causalidade de enfarte relativamente ao estado anterior e ao
uma patologia traumática confronta-se com a traumatismo. Atualmente, a situação encontra-
problemática do estado anterior. No contexto -se facilitada pela prática corrente da realização
CAPÍTULO 2. REVISÃO DA LITERATURA 81

da angiografia coronária, que permite visualizar 2. Quanto ao intervalo temporal, sabe-se


todo o sistema coronário, fornecendo uma me- que o aparecimento deste tipo de pato-
lhor ideia da situação preexistente. logia é imprevisível, no entanto, se o es-
Se um EAM ocorrer após um qualquer trau- paço de tempo entre o evento e o enfarte
matismo, esforço físico ou simplesmente no decur- for longo, não poderá ser estabelecida
so de um evento emotivo intenso, o perito médico qualquer correlação. Diversos autores
deverá fornecer o seu parecer técnico-científico (Chapon, 1985; Rossi, 1985; Segal, 1990;
com base em critérios de imputabilidade (Salle, Salle, 1992) referem que:
1992), sendo os mais proeminentes a natureza do
traumatismo, o intervalo temporal e a existência a) No EAM que surge nos primeiros dois a
de um estado anterior latente ou patente. três dias após o traumatismo, a relação de
causalidade será direta e comparável com
1. Segundo Salle (1992) e Segal (1990), no o “coração traumático agudo” no qual a
diagnóstico do EAM versus circunstân- imputabilidade é quase total, salvo prova
cias do traumatismo, a questão da impu- em contrário (por exemplo, coincidência
tabilidade será muito distinta consoante de fatores não traumáticos).
seja: b) No EAM moderadamente tardio, que
surge uma ou várias semanas após o
a) Um enfarte na sequência de um trauma- traumatismo, a imputabilidade será
tismo torácico, com contusão do miocár- atenuada com o decorrer do tempo,
dio e do sistema vascular, o verdadeiro sendo importante pesquisar uma sín-
“coração traumático agudo”. Nesta si- drome premonitória, que pode passar
tuação, a relação causal pode ser direta despercebida. Pode estimar-se a parte
e a imputabilidade “quase total”. da responsabilidade imputável ao trau-
b) Um enfarte na sequência de uma reação matismo da seguinte forma: 50% ao 10º
interna, resultante de um traumatismo dia; 25% ao 20º dia; 10% ao 30º dia;
por vezes ligeiro (ex. situações de stress e após este período, não é considerada
psicológico ou esforço físico). As carac- qualquer relação causal com o trauma-
terísticas do traumatismo, sua natureza, tismo (Bellecoste, 1984).
violência e localização topográfica das c) No EAM muito tardio, descoberto e dis-
lesões não são argumentos determinan- cutido no momento da avaliação peri-
tes em matéria de EAM, atendendo a que cial das sequelas e sem qualquer registo
mecanismos indirectos podem igualmen- de um episódio coronário no momento
te estar envolvidos. Os dois critérios de do traumatismo ou nas semanas subse-
maior relevância neste contexto são o quentes, resulta geralmente numa total
intervalo temporal e a existência de um exclusão da imputabilidade relativamente
estado anterior. ao evento traumático.
82 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

3. A eventual existência de um estado (ex. constatação de lesões patológicas


anterior. Vários elementos irão permitir antigas na coronariografia). Podemos
caracterizar o estado anterior, daí a im- considerar uma situação de desencadea-
portância da entrevista que inclua infor- mento de um estado patológico latente.
mação referente aos seus antecedentes Se o nexo de causalidade é parcial de-
pessoais cardiovasculares, à idade e aos verá explicar-se as causas concorrentes,
fatores de risco, tais como tabagismo, hi- encontrando-se estas eventualmente
pertensão, obesidade, diabetes, hiperli- incluídas no estado anterior. Em deter-
pidémia e hipercolesterolémia. De modo minados casos, a análise do nexo de cau-
a dar resposta às questões geralmente salidade poderá ser apenas hipotético.
colocadas, imaginemos o seguinte es- No relatório pericial deverá explicar-se
tudo esquemático (Salle, 1992): cuidadosamente os argumentos favorá-
veis e desfavoráveis ao estabelecimento
a) Um evento traumático bem definido num da imputabilidade.
indivíduo jovem, sem antecedentes co-
nhecidos, sem predisposição nem fatores
de risco relevantes e com rápido apareci- 12. DOENÇA ARTERIAL PERIFÉRICA
mento de sintomatologia clínica de EAM:
a imputabilidade será certa e suscetível Quando uma vítima detentora de uma arte-
de uma total reparação pericial. rite conhecida sofre um traumatismo justamen-
b) Um evento traumático num indivíduo te sobre a área patológica, coloca-se a questão
com estado anterior patente, conhecido, de um eventual agravamento da arterite pelo
sem tratamento de longa duração, com traumatismo. Um indivíduo com aterosclerose
registo clínico objetivo e resultados de pode apresentar um equilíbrio instável entre um
exames complementares de diagnósti- processo arterial destrutivo e um processo de
co. Podemos falar de descompensação, compensação pela criação de uma circulação co-
agravamento ou aceleração de um pro- lateral. No entanto, o traumatismo é suscetível de
cesso evolutivo: a imputabilidade será romper este equilíbrio e atuar como catalisador
parcial. na evolução de uma arterite. A fragilidade dos
c) Um evento traumático num indivíduo vasos ateromatosos permite que um traumatismo,
com estado anterior desconhecido ou mesmo que discreto, possa descolar uma placa
ignorado, ou seja, que apresentava um de ateroma, por estiramento, por flexão ou por
estado normal sem interrupção da ati- impacto direto (Brun, 1992). Outros fatores, tais
vidade profissional e era portador de como um lento fluxo sanguíneo gerador de trom-
uma predisposição ou risco acrescido bose, uma estase induzida pela imobilização ou
e expondo sinais objetivos nos exames uma hipercoagulabilidade relacionada com lesões
efetuados ao momento do traumatismo tecidulares poderão estar envolvidos.
CAPÍTULO 2. REVISÃO DA LITERATURA 83

Apenas se pode falar em arterite traumática ou luxação. Nestes casos, o intervalo temporal
“verdadeira” após a exclusão de outras possíveis entre o traumatismo e os primeiros sinais suges-
causas de arterite. Cerca de 90% das arterites são tivos de arterite deve ser especificado, sendo que
de origem aterosclerótica (Brun, 1992). o intervalo máximo geralmente admitido é de um
Neste contexto, torna-se importante a pes- ano e após este limiar torna-se difícil reconhecer
quisa de alguns fatores de risco tais como o ta- o papel do traumatismo. O carácter unilateral da
bagismo (principal fator predisponente à arterite arterite tem igualmente um papel no diagnóstico
dos membros inferiores, independentemente da da arterite pós-traumática (Brun, 1992).
idade e género, encontrando-se em 90% a 98%
das vítimas com doença arterial), a hipertensão Em suma, a arterite pós-traumática levanta
arterial, a dislipidémia, a diabetes e a hipervis- questões médico-legais complexas. Possui reso-
cosidade sanguínea resultante da elevação do lução geralmente simples quando o traumatismo
hematócrito. A associação de vários fatores de ocorre sobre uma arterite conhecida. Porém, o
risco é frequentemente evidenciada (Brun, 1992). problema complica-se quando a doença arterial se
Torna-se importante avaliar a evolução es- manifesta no decurso do traumatismo. Será que se
pontânea da arterite, com base na idade, no es- trata de uma condição latente que foi revelada pelo
tado cardiovascular do indivíduo, na extensão da traumatismo ou de uma verdadeira doença arterial
aterosclerose, na evolução do traumatismo isolado induzida pelo traumatismo? Não se poderá decidir
e na evolução da arterite em função do traumatis- apenas com base em exames clínicos, sendo os
mo. Deverá ser especificado o prejuízo funcional exames paraclínicos indispensáveis e constituindo
preexistente ao traumatismo, atendendo a que a arteriografia um exame de eleição (Brun, 1992).
este pode agravar a semiologia funcional da ar-
terite, pelo que se deverá evidenciar a alteração
sintomática após o traumatismo e avaliar o seu 13. ENDOCRINOPATIAS
aparecimento e agravamento. No caso de terem
sido efetuados exames paraclínicos (ex. arteriogra- A inexistência de paralelismo entre a gravi-
fia) antes e após o traumatismo, deverão avaliar-se dade de um traumatismo e uma lesão endócrina
eventuais modificações, apesar de não existir uma e o facto de um distúrbio não aparecer sempre
correlação absoluta entre o agravamento dos sinais logo após o evento traumático fazem com que
funcionais e as variações dos exames complemen- o carácter traumático das endocrinopatias seja
tares (Brun, 1992). Por outro lado, também se torna frequentemente contestado. Uma disfunção en-
questionável se uma arterite não poderá agravar dócrina pode ocorrer após um traumatismo físico
as sequelas traumáticas, através de um atraso da ou psicoafetivo e resultar de um distúrbio central
cicatrização ou persistência de distúrbios tróficos. (sistema hipotálamo-hipofisário) ou periférico (ti-
No caso de uma arterite traumática, o trau- roide, supra-renais ou gónadas). Muitas vezes as
matismo é relativamente violento, tem uma ação consequências emotivas de um traumatismo são
direta e é frequentemente encontrada uma fratura suficientes para produzir uma lesão sem qualquer
84 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

impacto físico subjacente, tal como acontece no simultaneidade. Deverão discutir-se os


caso da diabetes e da amenorreia psicogénica. períodos de latência que podem ser lon-
Todavia é necessário que o componente afeti- gos na patologia hipofisária, estendendo-
vo seja real e de intensidade suficiente. Apesar -se por vezes, durante vários anos.
de atualmente ser reconhecida a predisposição 4º Estabelecer o nexo de causalidade, que
genética, tal não explica o aparecimento tar- será total quando o traumatismo é intei-
dio das endocrinopatias, por vezes associadas ramente responsável pela endocrinopatia.
a fatores ambientais que precipitam o desen- Noutras situações, o traumatismo pode
volvimento da autoimunidade. Conhecimentos agravar um estado anterior ou revelar
recentes que relacionam o encéfalo com o sis- uma condição latente.
tema imunitário reconhecem o stress como um
fator desencadeante de determinadas endocri- São muito raras as desvalorizações por lesões
nopatias. Foi demonstrado que a hipertiroxina traumáticas das glândulas endócrinas porque es-
e a hiperglicémia resultantes de um fenómeno tas, graças à sua situação anatómica protegida,
de stress podem provocar uma diminuição dos só muito raramente são afetadas de forma direta
linfócitos T supressores. Assim, no decurso de pelos acidentes. Além disso, como uma pequena
uma situação emocionalmente stressante pode parte do parênquima endócrino é suficiente para
ocorrer o hipertiroidismo da doença de Graves manter uma função hormonal satisfatória, usual-
acompanhado pela produção excessiva de anti- mente só se verificam perturbações metabólicas
corpos antiroideos ou a diabetes eventualmente importantes após uma destruição maciça, em
acompanhada pela produção de anticorpos anti- grandes politraumatizados.
-Langerhans (Salandini, 1989). A avaliação deve ser efetuada em função
da adaptação ao tratamento, do seu controlo e
O estudo da imputabilidade de um trauma- da sua eficácia.
tismo no desenvolvimento de uma endocrinopatia
deve respeitar as seguintes condições (Salandini, 13.1. Síndromes hipofuncionantes
1989):
1º Afirmar a realidade do dano decorrente da 13.1.1. Diabetes insípida
endocrinopatia baseando-se na sintoma- Caracterizada por uma insuficiência da
tologia clínica e em exames laboratoriais, hormona antidiurética, a sua frequência é rela-
geralmente dinâmicos. tivamente rara e ocorre em 0,26% a 0,50% dos
2º Afirmar a realidade do traumatismo, sen- traumatismos cranianos. Esta síndrome é expressa
do fácil nos traumatismos físicos e bem principalmente por fenómenos de poliúria e po-
mais difícil quando a componente do lidipsia e o seu diagnóstico deve ser confirmado
traumatismo é puramente psico-afetiva. por um estudo endocrinológico. O traumatismo
3º Estabelecer uma relação causa/efeito pode ter intensidade variável, gerando uma le-
de modo a excluírem-se situações de são reversível da hipófise posterior. O intervalo
CAPÍTULO 2. REVISÃO DA LITERATURA 85

temporal entre o traumatismo e o aparecimento suprarrenais ou retração cortical bilateral, com


desta patologia é variável, sendo geralmente in- anticorpos antiglandulares. Nestes casos, o trau-
ferior a dez dias, podendo estender-se, contudo, matismo pode acelerar o processo evolutivo ou
a vários meses (Salandini, 1989). revelar uma patologia latente (Salandini, 1989).

13.1.2. Panhipopituitarismo anterior 13.2. Síndromes hiperfuncionantes


Pode resultar de um traumatismo craniano
de intensidade variável ou até de um traumatismo O hipertiroidismo pós-traumático é clássico,
localizado à distância, através de uma hemor- podendo o traumatismo ser físico ou psicoafetivo
ragia que provoque uma isquémia hipofisária. e de intensidade variável. O intervalo tempo-
É através deste mecanismo que se explica o pan­ ral entre o traumatismo e o aparecimento do
hipopituitarismo na doença de Sheehan. A difi- distúrbio é pequeno, sendo geralmente inferior
culdade do diagnóstico do panhipopituitarismo a dois meses. Pode assumir a forma típica da
pós-traumático reside no seu início insidioso e doença de Graves, caracterizada por sinais de
tardio, podendo o seu período de latência esten- hipertiroidismo ou pode corresponder a um hi-
der-se de vários meses a vários anos (Salandini, pertiroidismo não Graves, sem sinais oculares.
1989). Pensava-se que o hipopituitarismo pós- Para além dos casos mencionados, pode surgir
-traumático era raro; contudo, recentemente, sob a forma de nódulo tóxico, correspondendo
foi demonstrado que a lesão traumática cere- na maioria das vezes a uma patologia latente ou
bral é causa frequente de défice hipotálamo- preexistente revelada ou acelerada pelo trauma-
-hipofisário. tismo (Salandini, 1989).

13.1.3.Hipofunção periférica 13.2.1. Diabetes Mellitus


Um traumatismo físico e direto na tiroide é É clássico citar-se o efeito da Diabetes
raro, quase excecional, sendo o hipotiroidismo Mellitus (DM) nas consequências do traumatismo,
periférico pós-traumático meramente teórico, através do atraso da cicatrização e/ou consoli-
pelo que, na prática, se torna difícil estabelecer dação médico-legal das lesões. A arterite é uma
o nexo (Salandini, 1989). Geralmente é valorado das consequências diabéticas que mais interfere
apenas como sequela de tratamento do hiper- no processo evolutivo de uma lesão traumática
tiroidismo. Já uma insuficiência da supra-renal e no agravamento das sequelas. O atraso da ci-
pode ser decorrente de hemorragia, fibrose ou catrização constatada numa arteriolite diabética
atrofia das glândulas supra-renais. Em situações pode igualmente explicar a extensão da infeção
de atrofia verifica-se a preexistência de uma lesão, com possibilidade de necrose local.
pelo que o traumatismo revelará uma insuficiência
da suprarrenal já presente. A doença de Addison No entanto, sob o ponto de vista científi-
pode ser ponderada num contexto de bacilose co, será possível um traumatismo provocar uma
preexistente, acompanhada por calcificações das DM? Se nos restringirmos ao conhecimento
86 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

técnico-científico sobre os mecanismos pato- 1991; Norrant, 1992 b). A DM decorrente de um


génicos que relacionam o traumatismo e a DM, a traumatismo físico é bem reconhecida e a sua
resposta será categoricamente negativa (Clerson, valoração pode não acarretar grandes problemas.
1983). Ainda assim, alguns autores acreditam Uma DM pode ser induzida por uma destruição
que um processo infecioso decorrente de um glandular superior a 80-90%, o que será con-
traumatismo pode conduzir à descoberta de cebível em casos de pancreatectomia cirúrgica,
uma DM latente. Uma exaltação da virulência já que lesões traumáticas tão violentas seriam
bacteriana em virtude da sobrecarga de glicose normalmente fatais (Nys e Thervet, 1991; Norrant,
explica o carácter infecioso em indivíduos dia- 1992 b). Na pancreatectomia pós-traumática total
béticos (Norrant, 1992 a). ou parcial, a imputabilidade é evidente quando
A DM pós-traumática encontra-se definida a diabetes surge imediatamente no período pós-
por diversos autores, como sendo a verdadeira -operatório. Na remoção pancreática parcial, a
DM, não transitória, que ocorre na sequência de diabetes será retardada e o seu intervalo de apa-
um traumatismo, num indivíduo sem qualquer recimento pode estender-se até aos 6 meses, sem
predisposição clínica ou biológica para diabetes grandes controvérsias. A localização topográfica
(Desoille e Philbert, 1963; Clerson, 1983; Norrant, da lesão traumática é também um critério impor-
1992 b). Esta definição elimina assim os distúr- tante a considerar, já que é na cauda pancreática
bios glucídicos transitórios e a diabetes revelada que se localiza um maior número de ilhotas de
pelo traumatismo (Clerson, 1983; Nys e Thervet, Langerhans. Os “pseudoquistos” pancreáticos
1991). Ou seja, nem toda a DM que é reconhe- podem revelar-se dois a três anos após o trau-
cida após um traumatismo deve ser designada matismo, apesar de na anamnese se identificar
de DM pós-traumática (Clerson, 1983; Norrant, um período de náuseas e desconforto digestivo
1992 b). Além disso, será que um traumatismo após o evento traumático. Deste modo, para o
pode provocar uma DM num indivíduo que não estabelecimento da imputabilidade traumática
apresenta qualquer marcador preditivo da doença dos pseudoquistos é importante que o intervalo
metabólica? A incidência da DM pós-traumática temporal não exceda os dois a três anos após o
é mínima, sendo que o seu fator patogénico mais traumatismo. Quanto aos traumatismos cranianos,
importante parece ser o stress e as consequências nenhum argumento científico permite atualmente
hormonais e imunes (Nys e Thervet, 1991). predizer o aparecimento da DM, já que os casos
clássicos e experimentais descritos na literatura
Qualquer traumatismo, mesmo que ligeiro, referentes à relação entre o sistema nervoso cen-
pode provocar um distúrbio endócrino, sendo tral e a glicémia não revelam uma clara correlação
que na vanguarda dos traumatismos suscetí- (Norrant, 1992 b).
veis de modificar este equilíbrio endócrino se
situam os traumatismos abdominais atingindo Traumatismos, infeções, intervenções cirúr­
a região pancreática, os traumatismos cranianos gicas ou outros, podem ser responsáveis pela
e os traumatismos psicoafetivos (Nys e Thervet, secreção de hormonas hiperglicemiantes que
CAPÍTULO 2. REVISÃO DA LITERATURA 87

aumentam as necessidades de insulina. Nestes Neste último caso, a vítima encontrava-se assinto-
casos, há geralmente uma descompensação tran- mática e na sequência do traumatismo desenca-
sitória e o agravamento deve ser valorado através deou-se a fase clínica da doença. Será que mes-
das modificações terapêuticas exigidas à vítima. mo não se tratando de uma DM pós-traumática
É importante, numa fase inicial, excluir-se os dis- propriamente dita, não deveremos perspetivar
túrbios glucídicos transitórios desencadeados pelo uma reparação pericial?
traumatismo, já que não correspondem a uma Um traumatismo pode agravar uma DM
DM pós-traumática nem a um agravamento da latente, podendo até desencadear complica-
DM pelo traumatismo. Os distúrbios glucídicos ções, tal como necrose das extremidades com
transitórios pós-traumáticos referem-se (Clerson, consequente amputação (Nys e Thervet, 1991).
1983; Norrant, 1992 b): É importante o diagnóstico de uma DM preexis-
tente na medida em que a sua deteção precoce
• À glicosúria pós-traumática transitória e atempada permite controlar o equilíbrio meta-
que se manifesta algumas horas após bólico durante a evolução das lesões traumáticas.
o traumatismo e tem uma duração Nestas condições, as complicações serão raras,
variável de vários dias a várias semanas. apesar de possíveis, especialmente a nível arterial
De carácter benigno, é caracterizada por (Norrant, 1992 a).
não apresentar os sinais clínicos da DM
e a glicosúria não ter uma relação direta O agravamento da DM é especialmente
com o valor da glicémia. Este transtorno difícil de avaliar quando o estado anterior é
sugere que após um traumatismo existe totalmente assintomático e ignorado, não há
uma alteração do limiar de reabsorção renal história pessoal ou familiar de DM e a DM sur-
da glucose. ge após o traumatismo. É importante fazer-se
• À reação diabética de Benzer ou a distinção entre o agravamento permanente
hiperglicémia transitória que pode e definitivo da DM e o agravamento precoce e
ocorrer na sequência de eventos agudos transitório. O agravamento precoce pode levar
ou crónicos, sem prejuízo da sua natureza a uma instabilidade glicémica com necessidade
física ou emocional. de multiplicação das injeções de insulina e doses
mais elevadas, o que comporta um maior risco
Na DM revelada pelo traumatismo, podem de crises hipoglicémicas. O agravamento a longo
distinguir-se duas possíveis eventualidades (Nys e prazo pode traduzir-se por uma aceleração do
Thervet, 1991; Norrant, 1992 b): a existência de processo evolutivo da angiopatia e da neuropatia
uma condição diabética preexistente e ignorada, diabética. Assim sendo, além do agravamento
revelada nos exames laboratoriais efetuados no de complicações diabéticas já previamente es-
decurso do traumatismo, ou a existência de um tabelecidas, algumas complicações podem ser
indivíduo com fatores de risco para DM e cuja igualmente desencadeadas pelo próprio trau-
condição se agrava na sequência do traumatismo. matismo (Norrant, 1992 a).
88 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

a) Diabetes Mellitus não insulinodependente de antidiabéticos orais (Nys e Thervet, 1991).


É ainda comum observar-se casos de doentes
O conhecimento atual da fisiopatologia da equilibrados pela simples prescrição higieno-
DM não insulinodependente e a sua evolução na- -dietética, em que após um traumatismo é exi-
tural independente de qualquer evento traumático gido um tratamento medicamentoso mais ou
representam argumentos a favor da existência de menos exigente (Norrant, 1992 a). O equilíbrio
uma DM preexistente. Se um evento externo (ex. glicémico pode ser agravado temporariamente,
um stress emocional) é sobreposto, poderá ocorrer sendo necessário proceder-se à avaliação das
um aumento das necessidades de insulina que, modificações terapêuticas exigidas. Na ausência
não sendo satisfeitas, contribuirá para a revelação de complicações diabéticas, o traumatismo pode
de uma DM até então desconhecida ou latente acompanhar-se de manifestações vasculares im-
(Porte, 1991). A cura da DM é excecional e mesmo putáveis a um agravamento súbito da DM. As le-
quando há uma melhoria do ponto de vista me- sões vasculares preexistentes podem igualmente
tabólico, a doença continua a progredir podendo sofrer um agravamento pelo traumatismo (Nys
vir a ser acompanhada por complicações, como, e Thervet, 1991).
por exemplo, a infeção, a angiopatia, a retinopatia
e a neuropatia degenerativa. Assim sendo, a DM
não insulinodependente pós-traumática reporta-se b) Diabetes Mellitus insulinodependente
usualmente a uma hiperglicémia desencadeada
logo após um traumatismo, exteriorizando um Diversos estudos defendem uma patogénese
estado até então desconhecido e latente (Nys e imunológica para a DM insulinodependente, perma-
Thervet, 1991). Se a DM não for conhecida antes necendo contudo o seu mecanismo desencadeante
do traumatismo, devem ser pesquisados os antece- desconhecido. De aparecimento súbito, é rapida-
dentes ou seja, uma eventual predisposição pessoal mente acompanhada pelos típicos sinais clínicos,
e/ou familiar para DM. O doseamento da hemoglo- especialmente acetoacidose, exigindo o recurso à
bina glicosilada (HbA1c) servirá de grande auxílio insulinoterapia. É muito raro a DM insulinodepen-
no estudo da imputabilidade médica (Dorchy et al., dente encontrar-se latente, em virtude do apareci-
1982; Clerson, 1983; Grimaldi, Cohen e Thervet, mento súbito da sua expressão clínica; no entanto,
1983; Nys e Thervet, 1991). um estudo do terreno imunológico é fundamental.
Os indivíduos diabéticos não insulinodepen- A pesquisa de anticorpos anti-insulina ou anti-ilhotas
dentes são geralmente mal controlados em ter- e o estudo do grupo HLA é cada vez mais acessível
mos glicémicos e vasculares. Em 10% a 20% dos e a sua positividade permite confirmar a predispo-
casos, a sua evolução espontânea progride no sição para o desenvolvimento desta forma de DM.
sentido da insulino-dependência (Nys e Thervet, A associação da DM insulinodependente a ou-
1991). Porém, uma causa externa, tal como um tras doenças autoimunes, tais como a tiroidite
traumatismo, poderá tornar insulinodependente de Hashimoto, a anemia de Biermer e a doença
um indivíduo que até então necessitava apenas de Basedow, tornou-se um argumento a favor da
CAPÍTULO 2. REVISÃO DA LITERATURA 89

predisposição autoimune desta patologia (Nys e realidade e intensidade do traumatismo, o interva-


Thervet, 1991). lo temporal entre o traumatismo e o aparecimento
Num indivíduo portador de uma DM insuli- do distúrbio e a certeza do diagnóstico. Outros
nodependente preexistente e conhecida, o trau- critérios tornam-se inexequíveis neste contexto,
matismo poderá ser responsável por um desequilí- particularmente a concordância entre a sede do
brio glicémico, sendo importante quantificar a sua traumatismo e a sede da lesão” (Nys e Thervet,
intensidade e duração. Um coma diabético pode 1991). Obviamente que aqui não nos referimos
resultar de um desequilíbrio metabólico espon- aos casos excecionais de DM resultante de um
tâneo, de uma complicação médica ou cirúrgica traumatismo pancreático, mas sim, aos casos de
intercorrente, de um traumatismo ou da própria diabetes associada ao stress emocional, em que
doença sem tratamento (Nys e Thervet, 1991). não é exigido um traumatismo físico. Assim sendo,
a não observância dos critérios de exclusão da
Sob o ponto de vista médico-legal, o stress preexistência de dano, da concordância da locali-
pode ser aceite como um fator desencadeante de zação topográfica e da continuidade evolutiva não
uma DM insulinodependente, mesmo na ausência são suficientes para a rejeição da imputabilidade
de um traumatismo pancreático. Em indivíduos médica (Nys e Thervet, 1991).
com potencialidade diabética, os efeitos de um
traumatismo psicoafetivo irão variar em função da Quanto ao intervalo temporal para o apare-
sua relação com a evolução espontânea da secre- cimento da DM, duas situações são admissíveis
ção de insulina. Se o traumatismo ocorrer preco- no caso da DM insulinodependente (Savin, 1977;
cemente, quando apenas anomalias autoimunes Rousseau e Fournier, 1989):
são aparentes, o indivíduo não vai apresentar
o distúrbio ou apenas apresentará uma simples • Uma DM aguda que surge 4 a 15 dias após
intolerância à glicose, já que as capacidades secre- o evento traumático, na qual a insulino-
toras do pâncreas são fisiologicamente superiores terapia é rapidamente necessária;
às necessidades exigidas, o que permitirá a sua • Uma DM mais tardia que surge 15 dias a
compensação. Um traumatismo que ocorra numa vários meses após o traumatismo.
fase tardia, ou seja, num indivíduo que apresenta
intolerância à glicose, pode desencadear um es- Porém, quando o intervalo temporal excede
tado clínico de DM, cuja sintomatologia era ainda os 4 ou 6 meses, torna-se pouco admissível o
latente (Nys e Thervet, 1991). Neste último caso, estabelecimento do nexo de causalidade (Savin,
a glicotoxicidade sofrida pelas células pancreá- 1977; Clerson, 1983; Rousseau e Fournier, 1989).
ticas, já patológicas, pode ser responsável pela Alguns autores acreditam ainda que, após os
perpetuação da DM. dois meses, o nexo de causalidade não pode
“No estudo da imputabilidade médica ape- ser reconhecido, enquanto outros não relevam
nas alguns dos critérios de Müller e Cordonnier são o critério temporal para o estudo da imputabi-
absolutamente determinantes, nomeadamente a lidade (Clerson, 1983).
90 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

Por outro lado, torna-se igualmente pro- irá refletir o equilíbrio médio da glicémica nas seis
blemática a valoração dos casos em que a DM semanas anteriores. Assim poderá ser quantificado
insulinodependente surge subitamente num indi- o agravamento através da comparação de medições
víduo aparentemente saudável, decorridas apenas periódicas, tais como determinações trimestrais da
algumas horas a 3 dias do traumatismo, já que, HbA1c (Clerson, 1983). Face ao exposto, torna-se
nestes casos, poderemos estar perante um distúr- importante a determinação sistemática da HbA1c
bio transitório que será rapidamente restabelecido em indivíduos traumatizados.
(Nys e Thervet, 1991).
A reparação pericial de uma DM insulino-
É possível abordarmos a problemática da dependente não é objeto de consenso atual.
DM identificando-se um estado anterior no in- Contudo, mesmo que pareça necessária a exis-
divíduo. A determinação precoce da HbA1c tem tência de uma predisposição para que o trauma-
sido considerada um excelente argumento para o tismo desencadeie uma DM insulinodependen-
conhecimento desse estado anterior. Uma única te, deve reparar-se uma vítima que se encontre
determinação da HbA1c reflete os níveis de glicose clinicamente livre de qualquer estado anterior.
no sangue nas seis semanas precedentes (Clerson, Realce-se que após a sua exteriorização, a DM
1983; Nys e Thervet, 1991), apesar do seu valor ser insulinodependente necessita de terapêutica per-
obviamente bem mais importante no que concer- manente, devendo a reparação pericial do dano
ne à semana anterior à dosagem (Clerson, 1983). considerar o impacto desta condição patológica
Níveis elevados de HbA1c logo após um trauma- no quotidiano do(a) examinando(a) bem como
tismo demonstram uma hiperglicémia anterior ao na sua vida profissional.
evento traumático (Clerson, 1983; Nys e Thervet, Se uma DM é imputável na sua totalidade
1991). Imagine-se uma DM detetada à data do ao traumatismo, o valor da incapacidade de-
traumatismo: se for obtido um valor elevado da verá variar em função da evolução da doença,
HbA1c à data do evento significa que o distúrbio das complicações subsequentes e do facto de
glicémico já existia há uma ou mais semanas e a não se prever melhoria clínica. É necessária a
vítima era já portadora de uma DM; no entanto, descrição de eventuais necessidades de reo-
um valor normal de HbA1c corresponderá a um rientação profissional, a qualidade do equilíbrio
carácter recente do distúrbio glucídico. Supondo metabólico alcançado, a frequência das crises
agora que um indivíduo era já diabético e na se- hipoglicémicas e as tendências espontâneas
quência do traumatismo se constatou um agrava- para cetoacidose. As exigências terapêuticas
mento da sua sintomatologia, coloca-se então a devem ser igualmente descritas no relatório
questão da quantificação deste processo evolutivo. pericial assim como a eventual intolerância à
O conhecimento de uma hiperglicémia preexistente insulinoterapia.
ou de uma glicosúria diária não permite avaliar a
qualidade do equilíbrio glicémico precedente ao No caso de complicações preexistentes
traumatismo; no entanto, a determinação da HbA1c ao traumatismo, a análise será mais complexa,
CAPÍTULO 2. REVISÃO DA LITERATURA 91

devendo ter-se em consideração a evolução infeção generalizada (Chanliau, 1977 a). Porém,
espontânea dessas complicações e considerar não é de imputar ao traumatismo um efeito
apenas o grau de agravamento imputável ao agravante quando o estado anterior está em
traumatismo. A diminuição do intervalo de apa- grau muito avançado de evolução, como pode
recimento é favorável a uma situação de agra- acontecer no âmbito da tuberculose (Oliveira
vamento (Nys e Thervet, 1991). Naturalmente Sá, 1992).
que nas situações em que o traumatismo A tuberculose pós-traumática é rara, podendo
agrava uma DM ou qualquer outro estado o seu mecanismo derivar de situações distintas: o
mórbido anterior, não se pode aceitar um traumatismo como fator inoculador (primeira infe-
longo período de latência pós-traumático. ção acidental), fator revelador de uma tuberculose
A dificuldade na avaliação médico-legal reside latente ou agravante de uma tuberculose ativa.
geralmente na reparação das complicações evo- A tuberculose por inoculação traumática pode
lutivas. Também será difícil imputar ao trauma- resultar de uma ferida contaminada ou de uma
tismo um efeito agravante valorizável quando picada em profissionais expostos a contactos re-
a DM preexistente se encontra em grau muito petidos com bacilos humanos ou bovinos. Neste
avançado de evolução. último caso, trata-se frequentemente de uma
Nestas situações de agravamento, a avaliação doença profissional.
pericial em sede de Direito Civil deve ser efetuada Geralmente manifesta-se sob a forma de tu-
tendo em conta a intensidade e as modificações berculose cutânea no local de inoculação e localiza-
exigidas ao nível da vida diária da vítima, enquan- -se frequentemente na mão, por vezes na face ou
to em sede de Direito do Trabalho a reparação em outras regiões não recobertas pelo vestuário.
restringe-se à perda da sua capacidade de ganho A generalização é muito rara e a cura é a regra
em relação à que apresentava no momento do geral. Nestes casos, qualquer traumatismo mes-
evento traumático. mo que mínimo é suficiente para a inoculação
(Chanliau, 1977 a).
O intervalo temporal entre o traumatismo
14. TUBERCULOSE e o aparecimento da tuberculose reveste-se de
uma importância primordial.
Apesar de um traumatismo não ser sufi-
ciente por si só para gerar uma doença infecio- 14.1.Tuberculose pleuropulmonar
sa, requerendo sempre a intervenção do gérmen
responsável, é indiscutível o seu papel como A etiologia da tuberculose pulmonar pós-
porta de entrada de um organismo, determi- -traumática divide-se em dois grandes grupos
nando a localização topográfica da infeção. Um (Allemagne, 1981 a):
traumatismo pode revelar ou agravar uma doen-
ça infeciosa preexistente ou de modo inverso, • Os traumatismos torácicos, sendo fre-
pode ser agravado pela preexistência de uma quente as contusões sem ferimentos
92 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

penetrantes. Podem resultar de um im- c) A difusão sanguínea do bacilo na sequên-


pacto direto sobre a grelha costal ou cia de um traumatismo envolvendo um
ombro, de uma queda de altura elevada foco tuberculoso extrapulmonar.
com impacto torácico ou de compressão d) A diminuição das defesas do organismo
torácica (ex. interposição entre o solo e pelo traumatismo que atua de forma si-
o pneu de um veículo). Devemos incluir nérgica, permitindo aos bacilos desen-
nestes casos as lesões resultantes de volverem-se intensamente noutros locais
explosões ou barotraumatismos. Esta e gerando uma reação vasomotora em
etiologia será mais provável quando há redor de focos previamente quiescentes
concordância topográfica entre os focos (Chanliau, 1977 a).
tuberculosos e as lesões traumáticas,
apesar deste critério não ser absoluto. A violência e a gravidade do traumatismo
Isto porque mesmo na ausência de um são mais importantes que a localização topográ-
impacto direto sobre o tórax, se conside- fica das lesões. Fatores gerais, fatores teciduais
rou que um traumatismo violento pode locais, lesões pulmonares preexistentes contendo
ser responsabilizado pela tuberculose bacilos são os três fatores conhecidos da pato-
pulmonar. génese da tuberculose traumática (Allemagne,
• Os traumatismos extratorácicos violentos 1981 a).
que podem apresentar manifestações
tuberculosas pleuropulmonares. As manifestações pós-traumáticas imediatas
caracterizam-se por uma dor local que pode per-
O traumatismo pode influenciar de forma sistir durante vários dias a várias semanas, hemop-
diversa a patogénese da tuberculose pulmonar tise nas primeiras horas ou dias após a contusão
(Allemagne, 1981 a): e, raramente, um episódio pneumónico ou um
derrame pleural (Allemagne, 1981 a).
a) Em caso de traumatismo torácico fecha-
do, podem ser desencadeadas reações Excluindo o traumatismo inoculador, a tu-
vasomotoras favoráveis ao reapareci- berculose resulta da atividade dos bacilos de
mento de antigas lesões (ex. uma la- Koch preexistentes no organismo. É importante
ceração pulmonar ao nível de áreas de pesquisar-se se antes do traumatismo os bacilos
menor resistência que correspondem a provocaram uma tuberculose-infeção ou uma
remanescentes de lesões tuberculosas tuberculose-doença, sendo que, neste último
antigas). caso, é necessário averiguar se o curso evolutivo
b) A possibilidade de um traumatismo ino- foi alterado pelo traumatismo e em que medida
culador é pouco frequente e classicamen- tal ocorreu. A avaliação deverá ser baseada em
te resulta numa tuberculose cutânea ou antecedentes clínicos (história prévia de tuber-
ganglionar. culose, de pleurisia, de doenças geradoras de
CAPÍTULO 2. REVISÃO DA LITERATURA 93

insuficiência respiratória, tais como bronquite a) Se a lesão anterior cicatrizada ou estabi-


obstrutiva crónica, enfisema e asma) suscetí- lizada não sofrer qualquer alteração pela
veis de agravamento pelo traumatismo ou pela ação do traumatismo, então negar-se-á
tuberculose. Devem ser estudadas eventuais o agravamento da tuberculose. Dever-
provas tuberculínicas efetuadas antes do trau- se-á confirmar radiologicamente a esta-
matismo ou exames radiográficos realizados bilidade da lesão antes e após o evento
antes ou imediatamente após o evento trau- traumático.
mático (Allemagne, 1981 a). b) Se previamente ao evento em questão
existiam focos limitados e inativos e sob
No estudo da imputabilidade traumática da condições imputáveis ao traumatismo a
tuberculose pleuropulmonar, deverá averiguar-se tuberculose se tornou ativa, assume-se
a existência de elementos de probabilidade com a imputabilidade traumática. Nestas si-
base (Allemagne, 1981 a): tuações, é essencial obter-se uma prova
da estabilidade das lesões antes do trau-
• Na realidade do traumatismo, já que a matismo.
violência do traumatismo e a gravidade c) Se os focos tuberculosos preexistentes
das suas consequências são mais impor- não se encontravam estabilizados ou es-
tantes do que a localização topográfica tavam em evolução, dever-se-á avaliar
das lesões traumáticas. em que medida o agravamento é impu-
• Na sequência cronológica dos eventos, tável ao traumatismo. Esta apreciação
sendo exigido, em geral, um intervalo será extremamente delicada e na práti-
livre mínimo de um mês e máximo de seis ca, quando tal ocorre, dever-se-ão expor
meses. A reativação das lesões pulmona- os vários aspetos do problema, ou seja,
res pode originar um intervalo livre maior, qual era o estado anterior no momento
com uma cura aparente das lesões trau- do evento traumático, qual a evolução
máticas. Em todo o caso, o aparecimento deste sem o estado anterior, qual a evo-
ou agravamento de uma tuberculose não lução do estado anterior sem o evento
pode ser imputado a um traumatismo e quais as consequências do complexo
se o intervalo de aparecimento exceder traumatismo/estado anterior de modo a
um ano, no máximo (Chanliau, 1977 a; que possa avaliar-se adequadamente o
Allemagne, 1981 a). dano resultante.
• Estudo do estado pulmonar prévio. d) Se não é conhecido qualquer foco tu-
berculoso à data do traumatismo, a tu-
Na avaliação do dano corporal de natureza berculose que cumpre os critérios de
cível, a reparação além de ser integral e individual, imputabilidade anteriormente mencio-
deverá ter em consideração a existência de um nados deverá ser considerada imputável,
estado anterior (Allemagne, 1981 a): na sua totalidade, ao evento em apreço.
94 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

14.2. Tuberculose urogenital traumatismo fechado, que por si só não


é suscetível de gerar uma tuberculose
O traumatismo pode provocar distúrbios urogenital, tendo de ser suficientemente
nervosos e/ou vasculares ou gerar uma lesão violento para ser eventualmente conside-
num ponto de menor resistência, onde os ba- rado. Um hematoma ou uma fratura da
cilos pela via sanguínea originarão as lesões tu- apófise vertebral poderão ser suficientes.
berculosas. Imediatamente após o traumatismo No caso dos traumatismos genitais, não
constata-se uma tumefação dolorosa ou um ede- haverá frequentemente qualquer sinal
ma (Allemagne, 1981 b). Estes sinais locais serão de fratura, constatando-se apenas um
testemunhas indispensáveis do traumatismo. hematoma, edema e dor.
3) A pesquisa de um estado anterior.
No caso de tuberculose urogenital reativa- Deverão ser pesquisados minuciosamente
da ou agravada pelo traumatismo, o intervalo antecedentes tuberculosos pulmonares
temporal entre o evento traumático e as mani- (sendo que as radiografias efetuadas an-
festações clínicas do agravamento ou reativação tes e imediatamente após o traumatismo
pode ser muito pequeno ou inexistente. Perante têm valor significativo) ou extrapulmo-
uma situação de revelação da tuberculose, os nares (ósseos, ganglionares, peritoneais,
primeiros sinais são geralmente observados após urogenitais), especificando eventuais tra-
um período de latência de quinze dias a seis me- tamentos médicos anteriores (posologia
ses (Cavasse, 1970) intercalados com pequenos e duração da medicação, internamentos,
episódios urogenitais (Allemagne, 1981 b). Uma entre outros).
ecografia deverá ser efetuada imediatamente após
a suspeita da doença renal, podendo revelar um • Na ausência de qualquer envolvimento
rim saudável ou patológico e, neste último caso, tuberculoso preexistente, a tuberculose
destacará lesões caliciais antigas sob a forma de urogenital será imputável ao traumatis-
calcificações paracaliciais (Allemagne, 1981 b). mo.
• Se antes do traumatismo existiam lesões
No estudo da imputabilidade da tuberculose urogenitais estabilizadas e um trauma-
urogenital ao traumatismo, deverão considerar-se os tismo renal ou genital ocorreu seguido
critérios abaixo mencionados (Allemagne, 1981 b): por importantes sinais locais, a reativação
da tuberculose como consequência do
1) O diagnóstico positivo de tuberculose traumatismo deve ser admitida.
urogenital, sendo que o seu diagnóstico • Se as lesões tuberculosas preexistentes
incide sobre a radiologia e a pesquisa do não sofreram qualquer alteração, deverá
bacilo de Koch na urina. negar-se o agravamento da tuberculose,
2) A natureza e a sede do traumatismo. tal como quando o traumatismo ocorre
Na maioria dos casos, reporta-se a um sobre lesões avançadas ou terminais.
CAPÍTULO 2. REVISÃO DA LITERATURA 95

• No caso de uma tuberculose ativa, um trau- um traumatismo aberto, apesar de acarretar me-
matismo severo pode gerar um impulso nores dificuldades na interpretação da relação
no curso evolutivo da doença. causa/efeito, é uma circunstância extremamente
4) A sequência cronológica dos eventos. rara (Malafosse, 1982).
Como já aludido anteriormente, o inter-
valo temporal deverá ser inexistente ou As condições de imputabilidade baseiam-
estender-se no máximo até aos seis me- -se nos sete critérios de Simonin, mas perante
ses intercalado com pequenos episódios alguns estudos sobre tuberculose vertebral pós-
urogenitais. -traumática, é admitida a preexistência de um
estado anterior tuberculoso (Malafosse, 1982).
14.3. Tuberculose vertebral Na avaliação pericial em sede de Direito Civil,
distintas situações podem ser consideradas em
Quando uma tuberculose vertebral é desco- função da fase clínica em que se encontra a doen-
berta na sequência de um traumatismo, questiona- ça (Bartolin et al., 1979):
-se se este terá sido indutor ou revelador desta
forma de tuberculose. Na maioria dos casos, o • Na fase evolutiva da doença o trauma-
traumatismo revela uma tuberculose vertebral até tismo pode ter um papel indutor (raros
então desconhecida, ou seja, trata-se de uma coin- casos), sendo a imputabilidade certa e
cidência entre o local de impacto do traumatismo e direta; pode agravar um estado preexis-
o local da lesão previamente silenciosa. Porém, em tente, pelo que se estabelece um nexo de
alguns casos, o traumatismo pode vir a modificar o causalidade parcial, ou pode meramente
equilíbrio anatomoclínico e mesmo a fisiopatologia exercer um papel revelador, o qual não
da doença subjacente (Malafosse, 1982). Alguns é passível de reparação.
autores afirmaram que um traumatismo direto po- • Por outro lado, na fase sequelar da doen-
deria determinar a rutura de um foco bacilar ósseo ça a questão torna-se mais complexa.
latente provocando a revelação do bacilo de Koch Se o traumatismo remonta há menos
previamente quiescente (Ravault et al., 1969) ou o de seis meses, o intervalo temporal é
traumatismo através de uma isquémia no local de considerado muito pequeno, pelo que
impacto diminuiu a resistência e a vitalidade dos não é possível estabelecer-se uma im-
tecidos, impedindo a normal defesa do organismo putabilidade total com o traumatismo,
(Bartolin et al., 1979; Keromest, 1983). Estas duas sendo razoável considerar-se uma even-
teorias etiopatogénicas parecem possíveis no que tual situação de agravamento. Quando o
concerne à tuberculose vertebral pós-traumática, traumatismo remonta há mais de um ano,
podendo desenvolver-se isoladamente ou em asso- a imputabilidade será discutível, sendo
ciação, ou seja, germens quiescentes num organis- possível o seu estabelecimento quando
mo com normais defesas e que são destruídas pela se exclui a existência de um estado ante-
isquémia traumática. A inoculação direta durante rior conhecido. No entanto, uma situação
96 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

de agravamento pode ser estabelecida. 14.4. Outras formas de tuberculose


Quando o aparecimento da tuberculose pós-traumática
ocorre entre os seis meses a um ano após
o traumatismo, deverá avaliar-se, caso a) As tuberculoses osteoarticulares
a caso, de forma ainda mais cautelosa. periféricas
O intervalo temporal para o aparecimento Comparativamente com outras formas de
das primeiras manifestações da tubercu- tuberculose, o papel do traumatismo é
lose vertebral poderá ser longo em vir- frequentemente invocado neste tipo de
tude da evolução da doença (Malafosse, tuberculose. No entanto, o traumatismo
1982). Na ausência de um foco tubercu- deve ser suficientemente violento, poden-
loso preexistente, o intervalo temporal do ser aberto ou fechado (Allemagne,
deverá estar compreendido entre um a 1981 c). Deverá proceder-se a uma in-
trinta meses (sendo de um a seis meses vestigação cuidadosa das circunstâncias
no caso de tuberculose osteoarticular pe- e natureza do traumatismo, do intervalo
riférica) (Duggeli e Trendlemburg, 1957). temporal entre o traumatismo e o apa-
recimento dos primeiros sinais clínicos
Por outro lado, alguns autores afirmam de tuberculose e da existência de um
que na avaliação pericial em sede de Direito do estado anterior.
Trabalho, a reparação do dano não deve ter em
consideração o estado anterior mas simplesmente Para a maioria dos autores, o intervalo
a redução da capacidade de ganho (Bartolin et temporal exigido para o aparecimento
al., 1979). das primeiras manifestações da tuber-
culose osteoarticular deverá estar com-
Em suma, o traumatismo pode ocorrer num preendido entre quinze dias a vários anos
indivíduo saudável, num indivíduo com uma tuber- (Keromest, 1983). Para Robineau (1922),
culose latente ou com uma tuberculose conhecida. a duração do intervalo livre não deverá
O seu papel é diferente em cada caso, podendo exceder alguns meses, enquanto para
ser diretamente responsável pela tuberculose, sim- Mauclaire (1931) deverá corresponder
plesmente localizador, mobilizador dos bacilos a cinco a seis semanas. Há quem ainda
quiescentes ou responsável pela diminuição das estenda o intervalo livre até vários anos
defesas do organismo. após o evento traumático e explica que
O traumatismo tem sido considerado cada o facto de uma lesão poder permane-
vez mais um fator revelador da tuberculose ver- cer silenciosa, durante muito tempo, a
tebral preexistente; no entanto, apesar do seu nível ósseo, antes de se tornar articular,
papel indutor ser muito raro, pode frequente- justifica estes intervalos tão variáveis
mente agravar o curso evolutivo da tuberculose (Keromest, 1983).
(Malafosse, 1982).
CAPÍTULO 2. REVISÃO DA LITERATURA 97

b) As tuberculoses meníngeas, esplénicas, menos, ter documentação clínica segura


intestinais e ganglionares são muito raras (a histologia do tumor pode apresentar a
e não são praticamente imputáveis a um prova da natureza primitiva do mesmo e
evento traumático (Allemagne, 1981 d). assim não se considerar como traumática
uma metástase de um cancro da prós-
tata que poderá por si só provocar uma
15. NEOPLASIA fratura patológica) (Chanliau, 1977 b);
3. Os locais do traumatismo e do desenvolvi-
Em 1907 foram apresentados por Segond, mento do tumor devem ser coincidentes;
os primeiros critérios clínicos necessários para 4. O período de latência deve corresponder
a existência de uma relação causa/efeito entre à cicatrização decorrente do traumatis-
um traumatismo e o aparecimento de um tumor mo, uma fase assintomática suficiente-
(Segond, 1907): 1. Perfeita integridade prévia mente longa e necessária para o apare-
da região traumatizada; 2. O traumatismo deve cimento da sintomatologia tumoral. Esta
ser suficientemente severo e deve deixar marca regra sofreu recentes modificações: sa-
no ponto de aplicação; 3. Deve existir absoluta bemos que há um determinado período
correspondência entre a região traumatizada e a de tempo necessário para a duplicação
região de aparecimento do tumor; 4. O intervalo do número de células cancerosas, ha-
de tempo entre o traumatismo e o aparecimento vendo tempos variáveis para cada tipo
dos primeiros sintomas não deve ser inferior a de tumor, não sendo o tumor detetável
4-6 semanas; 5. Deve haver continuidade das até pelo menos a trigésima duplicação
manifestações patológicas; 6. O diagnóstico clí- celular. Logo, pelo tamanho do tumor
nico de tumor deve ser confirmado, na medida pode deduzir-se a sua idade e, por con-
do possível, por um exame anatomopatológico. seguinte, se é suscetível de se enquadrar
Em 1979 Boni propôs critérios mais porme- nas consequências do traumatismo. Por
norizados e atualizados (Boni, 1979): exemplo, o tempo de duplicação celular
para o cancro da mama é de um a três
1. O traumatismo deve ser claramente com- meses e tendo em consideração as trinta
provado e ser suficientemente grave para duplicações necessárias no mínimo para
provocar dano tecidular e consequente o aparecimento do cancro, é evidente
processo metabólico e regenerativo (tan- que um cancro da mama que apareça
to quanto possível devem poder obser- menos de dois anos após o trauma-
var-se sequelas cutâneas ou radiológicas tismo não possa ser imputável a este.
- cicatrizes cutâneas, calos ósseos pós- Os tumores mais rápidos têm um tem-
-fraturários) (Chanliau, 1977 b); po de duplicação no mínimo de quinze
2. A natureza neoplásica da afeção deve ser dias. Assim sendo, o tempo necessário
comprovada histologicamente ou, pelo para que um cancro seja imputável a
98 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

um traumatismo não pode ser inferior mórbido anterior se encontra em grau muito avan-
a um ano (Chanliau, 1977 b); çado de evolução, por assim dizer terminal, como
5. O local onde se desenvolveu o tumor deve pode acontecer neste âmbito da cancerologia
estar previamente intacto. (Oliveira Sá, 1992).
Alguns autores sugerem que o processo de
Infelizmente, a aplicação destes critérios não inflamação decorrente de um traumatismo e os
é por si só a garantia de uma abordagem científica subsequentes processos de reparação podem
e objetiva desta problemática. retardar ou acelerar o crescimento tumoral en-
A importância do traumatismo no desenvol- quanto o próprio traumatismo e as suas sequelas
vimento de metástases foi abordada por Frogé e podem aumentar a disseminação tumoral (Weiss,
Valette (1976) que através da fixação de células 1990). Tem sido descrito o aparecimento de me-
cancerosas circulantes ou da ativação de células tástases no local do traumatismo (Balakrishnan
cancerosas fixadas localmente e latentes defen- et al., 1994; Magge e Rosenthal, 2002), especial-
deram uma correlação causal perante o agrava- mente sob a forma de metástases musculares.
mento de uma metástase conhecida, na revelação Magee e Rosenthal (2002) relataram 28 casos de
fortuita de uma metástase latente e na indução metástases musculares comprovadas por bióp-
metastática. sia, das quais 8 ocorreram num território ante-
A etiopatogenia do cancro baseia-se na ac- riormente identificado como traumático. Cinco
tuação de dois tipos de fatores: agentes desenca- destes indivíduos haviam sido já investigados por
deantes (físicos, químicos e biológicos) e agentes RMN antes do desenvolvimento das metástases.
cocancerígenos que isoladamente não induzem A imagem mostrou um hematoma em três ca-
o aparecimento de neoplasia mas são capazes sos e uma laceração muscular em outros dois,
de aumentar a suscetibilidade a carcinogénicos. no local exacto onde se desenvolveu, posterior-
O traumatismo pode constituir um fator inespe- mente, a metástase. Os três indivíduos que não
cífico que acelera o desenvolvimento do tumor realizaram a RMN no momento do traumatismo,
(fator promotor) e a sua progressão (estimula- apresentavam, nos seus registos, uma descri-
ção do crescimento tumoral) (Aguiar, Pereira e ção precisa do traumatismo, da sua localização
Ralha, 2008). e do hematoma resultante. Os oito indivíduos
Note-se que um traumatismo físico pode apresentavam cancro avançado no decurso de
complicar a evolução de uma doença neoplásica tratamento. A descoberta das metástases mus-
na medida em que impede a realização do plano culares foi efetuada em média 28 meses após o
terapêutico selecionado, bem como agrava lesões, traumatismo. São formuladas várias hipóteses
preexistentes no local do traumatismo. É o caso referentes à instalação de metástases no territó-
de determinadas fraturas traumáticas sobre uma rio do traumatismo, inclusive a de uma alteração
doença óssea preexistente (Rebatu, 2003 b). Por fisiológica a nível muscular.
outro lado, não é de imputar ao traumatismo Em conclusão, a possibilidade de uma modi-
um efeito agravante valorizável quando o estado ficação do plano terapêutico da doença neoplásica
CAPÍTULO 2. REVISÃO DA LITERATURA 99

devido a um traumatismo pode agravar aquela entre o aparecimento da doença neoplásica e um


patologia; a doença neoplásica pode atrasar a traumatismo psicoafetivo, sendo a sua patogenia
consolidação das lesões traumáticas e, em casos muito complexa e sujeita a várias interpretações.
muito raros, podem desenvolver-se metástases No que se refere a eventuais relações entre
musculares no local onde ocorreu o traumatismo um traumatismo e o agravamento do cancro, a
(Rebatu, 2003 b). literatura é ainda imprecisa no que diz respeito
O problema da imputabilidade médica do a uma eventual imputabilidade.
traumatismo na patogenia do cancro não será re- São algumas as questões que permanecem
solvido até que a biologia do cancro esteja melhor sem qualquer resposta. Como é que se sabe
esclarecida. Os traumatismos repetidos, crónicos, que um determinado tumor não existia antes
atuando em tecidos sucessivamente alterados têm do traumatismo? Qual o papel do traumatismo
maior probabilidade de induzir regeneração de- na carcinogénese, se admitirmos que o tumor já
sorganizada do que um traumatismo isolado. A estaria presente?
discussão será bem mais complexa no caso de um
traumatismo único, isolado, que se desenvolve so- 15.1. Neoplasia da pele
bre um tecido normal ou sobre uma lesão crónica
(exemplo, um hematoma crónico com deposição de Em 1928 foram descritos os carcinomas que
corpos estranhos ou uma infeção crónica). É impor- surgem em cicatrizes pós-traumáticas e poste-
tante referir que este princípio não altera a possível riormente adotou-se o termo genérico de “car-
importância que o traumatismo poderá ter ao ser cinoma espinho-celular pós-traumático” para os
uma causa indireta, mas essencial e determinante, tumores epidermoides que se desenvolvem em
de certos tumores (Aguiar, Pereira e Ralha, 2008). cicatrizes pós-traumáticas, em trajetos fistulo-
A interpretação médico-legal reconhece que sos ou em osteomielites crónicas. Sob a mesma
o traumatismo nunca é a causa isolada do tumor, designação podem ser incluídos os carcinomas
havendo uma grande probabilidade de coinci- espinhocelulares que surgem em cicatrizes de
dência, sendo o agravamento pela lesão raro e queimaduras ou em zonas de pele previamente
difícil de definir (Aguiar, Pereira e Ralha, 2008). irradiada (Oliveira, 1992).
As opiniões, em relação à possível origem trau- Admite-se que o traumatismo da pele repeti-
mática de qualquer tumor devem ser baseadas na do ou de carácter crónico, complicado por ulcera-
localização topográfica, na análise da literatura, ção crónica tem maior probabilidade em resultar no
nas peculiaridades estruturais e na evolução clínica aparecimento de cancro cutâneo do que o simples
do tumor em cada órgão. Dada a complexidade e isolado (Aguiar, Pereira e Ralha, 2008).
destas questões, a avaliação deverá ser efetuada
em associação com clínicos e patologistas/onco- 1. Carcinoma espinhocelular: as cicatrizes es-
logistas experientes. Os diferentes trabalhos que pessas e densas dão normalmente origem
têm sido desenvolvidos na literatura não permitem a carcinoma de células escamosas, sendo
confirmar a hipótese de um nexo de causalidade inúmeros os casos descritos na literatura
100 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

de carcinomas epidermoides que surgem 1992). Os carcinomas espinhocelulares


nestas situações. Contusões solitárias ou pós-traumáticos são agressivos e alguns
arranhaduras, queimaduras isoladas com estudos citaram que estes determinavam
metal quente, feridas de bala e incisões uma sobrevivência aos 5 anos de 52%, a
cirúrgicas têm sido relatadas como cau- qual é significativamente inferior à rela-
sas de cancro (Aguiar, Pereira e Ralha, tada para os carcinomas espinhocelulares
2008). Em 1928, Marjolin foi o primeito a da pele induzidos pela luz solar, com 90%
descrever os carcinomas que surgem em (Edwards, Hirsch, Broadwater et al, 1989).
cicatrizes pós-traumáticas. Esta descrição Não se conhece a causa desta maior agres-
levou DaCosta a propor, em 1903, o ter- sividade dos carcinomas espinhocelula-
mo “úlcera de Marjolin” para descrever res pós-traumáticos, admitindo-se que
as alterações neoplásicas que ocorrem em ela resulte de uma maior agressividade
cicatrizes pós-traumáticas com ulcerações biológica e da possibilidade das áreas ci-
crónicas, especialmente nos membros in- catriciais serem zonas imunologicamente
feriores (Oliveira, 1992; Aguiar, Pereira e privilegiadas para o crescimento tumoral.
Ralha, 2008). Lifeso et al. usaram, a partir 2. Basalioma: a sua patogenia está direta-
de 1990, o termo genérico “carcinoma mente relacionada com a exposição à
espinho-celular pós-traumático” para des- luz ultravioleta mas, ocasionalmente, é
creverem os carcinomas epidermoides de- associada ao traumatismo. Revendo a li-
senvolvidos em cicatrizes pós-traumáticas, teratura é importante salientar a conclu-
em trajetos fistulosos, em osteomielites são de Brodkin e Bleiberg (1970) da não
crónicas, em queimaduras ou em zonas da existência de relação causal entre trau-
pele previamente irradiada (Lifeso et al., matismo e basalioma (Brodkin e Bleiberg,
1990; Oliveira, 1992). A incidência destes 1970). O carcinoma ocorre em áreas de
tumores tem vindo a diminuir, em virtude exposição solar máxima e não em áreas
dos atuais tratamentos mais adequados de traumatismo crónico (Aguiar, Pereira
das feridas traumáticas e das queimaduras e Ralha, 2008).
com uma redução significativa dos casos 3. Melanoma: é extremamente raro surgir
de ulcerações crónicas (Oliveira, 1992; em cicatrizes de queimadura (Aguiar,
Aguiar, Pereira e Ralha, 2008). Admitiu-se Pereira e Ralha, 2008). O melanoma
que o traumatismo da pele e dos tecidos maligno é a transformação cancerígena
moles, complicado por uma ulceração de uma lesão benigna, frequentemente
crónica, determine a transformação ma- congénita (Chanliau, 1977 b). Após revi-
ligna e a história natural deste tipo de são da literatura clínica, epidemiológica
tumor e sobrevivência são idênticas e in- e experimental os autores afirmam não
dependentes da causa inicial: traumatis- parecer haver evidência de que um trau-
mo, queimadura ou irradiação (Oliveira, matismo, simples ou múltiplo, seja fator
CAPÍTULO 2. REVISÃO DA LITERATURA 101

causal na formação de melanoma (Bero, com os restantes segmentos corporais


Busam e Brady, 2006). (Chanliau, 1977 b).
4. Sarcomas: raramente são encontrados 6. Os nevocarcinomas: É a segunda forma
no contexto de cicatrizes de queimadura clássica dos cancros pós-traumáticos.
(Aguiar, Pereira e Ralha, 2008). Têm sido Ocorre pela ação de um traumatismo
relatados sarcomas em seres humanos as- sobre um nevo benigno preexistente e o
sociados a reações a corpos estranhos, seu interesse médico-legal reside no facto
com períodos de latência até 40 anos. São de o estabelecimento da imputabilidade
excecionais os casos relatados de sarcomas poder infringir um dos pressupostos ha-
surgidos após a implantação de próteses; bitualmente referidos, designadamente a
contudo têm surgido na literatura algumas circunstância de a região atingida não se
descrições de casos clínicos, sabendo-se encontrar saudável antes do traumatismo
que as próteses vasculares e outras são em (Chanliau, 1977 b).
parte constituídas por polímeros orgânicos
e o eventual efeito carcinogénico é de 15.2. Tumores do sistema nervoso central
natureza química e física (Oliveira, 1992).
5. Epiteliomas cutâneos pós-traumáticos: A etiopatogenia da maioria destes tumo-
podem encontrar-se duas circunstâncias res permanece desconhecida, apesar da origem
distintas; a primeira é a noção de micro- traumática ter sido já extensivamente discutida.
traumatismos repetidos (por exemplo, Existem poucos casos associados a lesão crania-
irritação crónica da pele através do uso na descritos, o que dificulta relacionar tal lesão
de óculos de armação), que ultrapassa com uma origem tumoral (Aguiar, Pereira e Ralha,
o âmbito dos verdadeiros traumatismos, 2008). Após analisar todos os casos publicados
relevando a patologia pré-cancerígena de tumores cerebrais presumivelmente relaciona-
através da criação de uma queratose dos com um traumatismo craniano, Zulch (1974)
previamente à transformação maligna; sugeriu um determinado número de critérios que
a segunda causa corresponde à patologia permitiriam aceitar uma possível relação causal:
traumática propriamente dita e trata-se
dos cancros desenvolvidos sobre sequelas 1) A completa integridade prévia da região
cutâneas de um traumatismo, tais como, traumatizada.
feridas, úlceras cutâneas ou cicatrizes, 2) O traumatismo deve ser suficientemente
em particular, cicatrizes de queimaduras. severo de modo a provocar uma contu-
A localização frequente destes cancros são cerebral e um processo de reparação
ocorre no membro inferior em razão da secundária.
mobilidade e das tensões a que estão 3) Absoluta correspondência topográfica
sujeitas as cicatrizes bem como da menor entre o local de impacto do traumatismo
vascularização nesta área em comparação e a localização do tumor.
102 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

4) Um intervalo temporal mínimo de um ano Schuman e Gullen, 1968); no entanto, Morantz


entre o traumatismo e o aparecimento (1978) refere a possibilidade de, em certas condi-
do tumor, sendo que quanto maior o ções, um traumatismo craniano poder agir como
período de latência maior a probabilidade fator cocarcinogénico.
de uma relação entre ambos.
5) O diagnóstico histológico do tumor. 15.3. Tumores ósseos
6) A existência de uma causa externa trau-
mática. As reações do tecido ósseo a uma fratura
podem fornecer evidências a favor de um trau-
Manuelidis (1972) adicionou três critérios matismo severo como causa de determinados tu-
fundamentais: mores ósseos, sobretudo em faixas etárias mais
baixas, onde a incidência de traumatismos é es-
7) O diagnóstico histológico do traumatismo pecialmente alta. No entanto, o facto de inúmeras
cerebral. fraturas, cirurgias e transplantes ósseos nunca
8) A hemorragia, cicatrizes e edema decor- terem resultado em sarcomas, leva a acreditar
rentes do tumor devem ser diferenciados na existência de outros fatores, não relaciona-
dos resultantes do traumatismo. dos com a lesão traumática, que influenciem o
9) O tecido tumoral deve estar em conti- seu desenvolvimento. Os osteossarcomas medu-
nuidade com a cicatriz traumática e não lares, condrossarcomas e mixomas resultam de
simplesmente próximo ou separado por anomalias congénitas ou adquiridas da estrutura
uma zona estreita de tecido saudável ou óssea, enquanto os endoteliomas resultam de
moderadamente alterado. anomalias estruturais vasculares. A possibilidade
de o traumatismo poder induzir tais alterações
Na verdade, existem muito poucos casos em e ser considerado agente causal não foi ainda
que uma conexão topográfica é demonstrada comprovada experimentalmente. Existem relatos
entre a proliferação glial resultante da cicatriz de tumores ósseos pós-traumáticos na literatura,
cerebral e as lesões neoplásicas (Rebatu, 2003 mas em nenhum deles foi efetuado um estudo
a). Um caso recentemente descrito de um glioma suficientemente dirigido e exaustivo para obter
desenvolvido no local de um traumatismo ocorrido evidência científica de uma relação causal. Do
37 anos antes, com penetração de um fragmento ponto de vista médico e científico, não é possível
metálico e formação de um abcesso crónico, fez atualmente afirmar que o traumatismo direto e
evocar o papel combinado do traumatismo, do violento de um segmento ósseo seja um fator de
corpo estranho e do abcesso na formação do glio- carcinogénese (Aguiar, Pereira e Ralha, 2008). No
ma (Sabel et al., 1999). Na realidade, os grandes plano médico-legal, esta constatação é funda-
estudos epidemiológicos não demonstram uma mental, devendo encorajar-se a avaliação atenta
relação causal entre o traumatismo e os cancros do caso e informar no relatório pericial eventuais
intracranianos (Parker e Kernohan, 1931; Choi, coincidências existentes.
CAPÍTULO 2. REVISÃO DA LITERATURA 103

15.4. Tumores do tecido conjuntivo uma causa provável de, pelo menos, alguns deles
(Cohen et al., 2008).
Intramusculares Fibrossarcoma: Delpla et al. (1998) relataram
Tumores Desmoides (fibromatose agressiva): o caso de um homem de 51 anos de idade que
benignos, localmente agressivos, aderem ao osso, sofreu uma contusão violenta com uma pedra de
mas raramente provocam a sua erosão. Gebhart et 180 kg, no terço distal anterior da perna direita e
al. (1999) relataram um caso de tumor desmoide com ferimento profundo. Decorridos cinco anos
no local de colocação de uma prótese total da do traumatismo, surgiu uma massa dolorosa no
anca; Skhiri et al. (2004) publicaram um caso local da perda muscular, tendo o exame histo-
de tumor desmoide cervical após colocação de lógico diagnosticado um fibrossarcoma de grau
cateter jugular e Wiel Martin et al. (1995) des- I. Os autores destacaram a hipótese de que um
creveram um tumor desmoide no local de uma processo inflamatório conduziu a uma canceriza-
fratura prévia de costela. Delpla et al. relataram o ção local. Por outro lado, a presença de partículas
caso de um homem de 53 anos de idade, vítima minerais teria favorecido o processo inflamatório,
de contusão lombar sem evidência radiológica através de um tipo de reação crónica a um corpo
de fratura, com formação de hematoma no local estranho. Mais uma vez, embora a causalidade
traumatizado (L3-L5) (Delpla et al., 1998). Foi direta não possa ser demonstrada, é apontada a
realizada exérese cirúrgica com recidiva da massa responsabilidade etiopatogénica do traumatismo
duas vezes em 6 meses. Um ano após o trauma- possivelmente complementado pela presença de
tismo detetou-se um tumor a nível de L3-L4, com corpos minerais estranhos.
diagnóstico histológico de fibromatose agressiva.
Tsai e colaboradores publicaram em 2007 o relato
de um caso de tumor desmoide que ocorreu 15 Extramusculares
meses após uma fratura não complicada do rádio Lipoma: tumor benigno do tecido adiposo,
(Tsai, Thamboo e Lim, 2007). Mais recentemente de etiologia ainda desconhecida, sendo conside-
Cohen et al. (2008) relatam o caso de uma mulher rada a neoplasia benigna mais comum no ser hu-
de 27 anos com um tumor desmoide paraespi- mano. Ewing (1935) fez uma revisão da literatura
nhal, diagnosticado três anos após um acidente. apontando diversos casos relatados como lipomas
Em todos os artigos revistos a correlação entre pós-traumáticos, realçando que poucos são aque-
o local do traumatismo e o tumor, assim como o les nos quais a sequência de eventos é sugestiva
intervalo de tempo entre o traumatismo e o seu de origem traumática. Admite, no entanto, que
aparecimento, apontam para a origem causal do traumatismos repetidos possam induzir o cresci-
traumatismo na ocorrência do tumor, embora a mento de certos tipos de lipoma (lipoma arbores-
causalidade direta não possa ser demonstrada. cente da articulação do joelho ou lipomas sobre
Segundo Cohen, a raridade dos tumores des- antigas hérnias inguinais e umbilicais). Brooke e
moides e a sua biologia específica suportam a MacGregor (1969) introduziram a denominação de
noção de que o traumatismo/lesão dos tecidos é pseudolipoma como a existência de tecido adiposo
104 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

normal numa localização anormal, secundária ao anos em que, 11 dias após um acidente com con-
traumatismo, através do seu prolapso pela fáscia de tusão do lado direito do tórax, surgiu um nódulo
Scarpa, diferindo do lipoma por não ser capsulado. na mama direita diagnosticado como hematoma
Recentemente Aust et al. (2007) realizaram uma pós-traumático. Um mês mais tarde e por manter
análise retrospetiva de todos os casos de lipoma sintomatologia dolorosa, foi realizada biópsia do
observados na sua instituição, tendo sido identi- nódulo que revelou adenocarcinoma infiltrativo.
ficados como pós-traumáticos 34 casos em 170 Os autores e especialistas que estudaram o caso
doentes. Os autores apresentaram duas explica- foram da opinião de que não havia relação causal.
ções potenciais para a relação causal: o impacto Conhecem-se alguns fatores de risco do cancro
traumático direto induziria prolapso de adipócitos da mama e entre eles não se conta qualquer um
através da fáscia com formação de pseudolipoma que possa ser de natureza traumática. Embora,
pós-traumático; o lipoma resultaria da diferencia- todo aquele que lida com este tipo de doentes
ção e proliferação de um pré-adipócito, mediada saiba que a mulher procura por vezes correlacionar
pela libertação de citocinas após o traumatismo a sua neoplasia com um traumatismo mamário
dos tecidos e formação do hematoma (Aguiar, anterior, não há, até à presente data, estudos
Pereira e Ralha, 2008). A relação direta entre o epidemiológicos que permitam uma confirmação
traumatismo dos tecidos moles e a formação de científica. Nalguns casos sucede que a mulher
lipomas continua a ser discutida de forma contro- só deteta a sua neoplasia quando palpa as ma-
versa, aceitando-se, no entanto, a possível origem mas na sequência de um pequeno traumatismo,
traumática de alguns destes tumores benignos. muitas vezes até insuficiente para desencadear
Lipossarcoma: existem na literatura poucos um hematoma.
relatos de origem traumática (Aguiar, Pereira e Ra- Por outro lado, tem sido descrita uma ele-
lha, 2008). vada incidência de hiperprolatinémia em homens
com cancro da mama, atribuída à presença de
prolatinomas hipofisários. No final do século XX,
15.5. Neoplasia da mama Olsson e Ranstam (1988) publicaram um estudo
epidemiológico no qual concluíram que eventos
Chiurco (1956) revelou que o traumatismo que provocassem a elevação da prolatinémia,
tinha um papel secundário no desenvolvimento tais como os traumatismos cranioencefálicos
do cancro da mama. Giovannoni e Andreucci que causam prolatinomas, estariam relaciona-
(1972) aceitaram a hipótese de que a neoplasia dos com maior incidência de cancro da mama
da mama pudesse decorrer na sequência de um nos homens. Nesse estudo, foi verificado que um
evento traumático. Verhaege (1974) referiu 2 casos terço dos homens com esta neoplasia apresen-
nos quais concluiu que o traumatismo foi fator tava hiperprolatinémia, não ocorrendo o mesmo
despoletante de uma patologia mamária pree- nas mulheres. Assim sendo, constatou-se que o
xistente e não a sua causa. Hermelont e Rodat único traumatismo que poderá estar relacionado
(1991) relataram o caso de uma mulher de 52 com o aparecimento de cancro de mama é o
CAPÍTULO 2. REVISÃO DA LITERATURA 105

traumatismo craniano nos homens. É uma forma gera o cancro mas estimula um estado quiescente
causal indireta mas que não necessita de patologia ou agravante de um processo cancerígeno já em
mamária preexistente para atuar. Apesar disto, evolução. Ainda assim, o nexo de causalidade pode
esta correlação já não é tão evidente no cancro ser hipotético, o que equivale a concluir por uma
da mama da mulher, embora diversos estudos imputabilidade médica questionável e duvidosa.
alertem para o eventual papel da prolatina e o
aparecimento destas neoplasias. 15.6. Neoplasia testicular
Em conclusão, na sequência dos dados
apontados, o traumatismo craniano no homem Heising e Engelking (1978) concluíram que
poderá ser um fator de risco desencadeante de não havia relação causal entre um traumatismo
um cancro da mama, em consequência de uma mecânico e o tumor testicular; no entanto, nos
hiperprolatinémia. Este fator de risco tem um pa- casos de tumores testiculares preexistentes, não
pel independente, não estando, nomeadamente, se podia excluir a possibilidade de haver liberta-
associado ao alcoolismo crónico. ção de células tumorais na corrente sanguínea
Se para estabelecer a imputabilidade médica após um traumatismo. Em 2002, foi redigido um
forem exigidos os critérios de imputabilidade defi- relatório por Vincuňa e colaboradores, sobre dois
nidos por Muller e Cordonnier, então constata-se, casos de traumatismo testicular com posterior
no caso do cancro da mama, que apenas raramente diagnóstico de cancro, com o intuito de demons-
estes critérios serão cumpridos na totalidade. A rea- trar a sua coincidência e não a relação causal,
lidade e a intensidade do traumatismo são muitas uma vez que acreditam que a bibliografia sobre
vezes imprecisas e a continuidade evolutiva não este assunto não é clara (Vicuňa, Prieto e Pérez,
pode ser considerada de forma rigorosa em função 2002). Não há dados científicos atuais que sugiram
do longo período de latência dos tumores. Face ao uma relação causa/efeito entre o traumatismo e
estado atual do conhecimento técnico-científico, o cancro testicular.
o nexo de causalidade não pode ser considerado
total, atendendo a que um traumatismo por si só
não é suscetível de provocar o cancro da mama.
Assim sendo e admitindo-se uma relação causal,
apenas poderá ser assumido um nexo de causa-
lidade parcial em que o traumatismo assume um
papel cocancerígeno, agravando ou revelando um
estado preexistente conhecido ou latente. Por outro
lado, o nexo de causalidade, quando admitido, será
indireto, na medida em que o traumatismo atua
sobre células quiescentes e acelera a sua capacida-
de proliferativa, com exposição dos vasos linfáticos
e vasculares (Bardet, 1993). Esta ação direta não
Capítulo III
APLICAÇÃO E DISCUSSÃO DE CASOS PRÁTICOS

1. Casos práticos no âmbito da avaliação


do dano corporal em Direito do Trabalho
2. Casos práticos no âmbito da avaliação
do dano corporal em Direito Civil
(Página deixada propositadamente em branco)
CAPÍTULO 3. APLICAÇÃO E DISCUSSÃO DE CASOS PRÁTICOS 109

No âmbito da avaliação do dano corporal tenha resultado um agravamento das cervicalgias


em Direito do Trabalho e em Direito Civil foram preexistentes, o que terá sido baseado não apenas
descritos e analisados casos em que a existência no relato do aparecimento de cervicalgias intensas
de patologia ou lesão anterior possa ter influen- mas na obtenção de registos clínicos anteriores
ciado ou sofrido influência das consequências comprovativos da ausência prévia de tais queixas
do traumatismo. dolorosas. Pelos motivos expostos é de admitir
um nexo de causalidade parcial entre o trauma-
tismo e o quadro clínico observado, sendo que o
1. CASOS PRÁTICOS NO ÂMBITO cálculo da IPP deverá ser efetuado relativamente
DA AVALIAÇÃO DO DANO CORPORAL à capacidade integral do indivíduo (100%).
EM DIREITO DO TRABALHO
Patologia degenerativa do ombro
Patologia degenerativa
da coluna vertebral cervical Examinanda de 49 anos de idade, empre-
gada de limpeza, vítima de acidente de trabalho
Examinando de 49 anos de idade, vendedor, quando ao levantar um estrado do solo de bal-
vítima de acidente de trabalho (acidente de viação, neário, sentiu dor intensa no braço direito, tendo
com despiste), do qual resultou traumatismo cra- escorregado e sofrido queda, motivando uma
niano e cervical. Foi assistido nos serviços clínicos inaptidão temporária para o seu desempenho pro-
da seguradora, onde efetuou exames radiográfi- fissional. Alguns dias após o evento foi assistida
cos que revelaram discartrose cervical. Nos seus nos serviços clínicos da seguradora onde efetuou
antecedentes pessoais há referência a cervical- uma RMN ao ombro direito que revelou rutura da
gias esporádicas e, à data da avaliação pericial, coifa de rotadores com lipomatose, tendinose e
o sinistrado referia intensas dores cervicais com alterações degenerativas da articulação acromio-
ocasionais parestesias dos membros superiores. clavicular. À data da avaliação pericial (um ano
Proposta de avaliação - Merece o presente após o traumatismo) a examinanda apresentava
caso que se pese a existência de um estado pato- dor e limitação funcional do ombro direito nos
lógico anterior de que o examinando era já porta- últimos graus das suas mobilidades ativas. Acresce
dor (discartrose cervical) à data do traumatismo. que a sinistrada referia que antes do acidente
De facto, o estudo radiográfico da coluna cervical não apresentava qualquer sofrimento da respetiva
realizado nos dias subsequentes ao acidente evi- articulação.
denciava já um processo degenerativo, situação Proposta de avaliação – Face ao resultado pa-
que se manteve sobreponível à data da avaliação tente na RMN efetuada ao ombro direito verificou-
pericial (decorridos sete meses do traumatismo) -se que a sinistrada era já portadora de patologia
realizada em serviço pericial oficial e facto que prévia nessa estrutura. Porém é de referir que as
levou a aceitar a situação como preexistente ao ruturas agudas geralmente apresentam apenas
traumatismo. Contudo, aceitou-se que do evento compromisso funcional a nível da mobilidade
110 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

ativa com preservação dos movimentos passi- Proposta de avaliação - É importante a análi-
vos, tal como sucedeu neste caso. Com base no se, sempre que possível, da informação das lesões
exposto, bem como no mecanismo traumático e sequelas decorrentes de acidentes anteriores.
descrito e queixas apresentadas, admite-se que Quando lesões preexistentes na mesma estrutu-
a examinanda apresenta sequelas de rutura do ra anatómica tiverem resultado de acidente de
supraespinhoso em ombro com alterações dege- trabalho anterior e os seus danos tiverem sido
nerativas e lipomatose prévia. Assim, aceita-se devidamente descritos e avaliados, nada há a re-
o estabelecimento de um nexo de causalidade constituir, pois sabemos qual o prejuízo funcional
parcial entre o traumatismo e as sequelas apresen- no acidente de trabalho anterior com perda da
tadas, uma vez que as alterações evidenciadas não capacidade de ganho, que será comparável com
podem ser na sua totalidade imputadas ao even- a incapacidade funcional atual que o examinando
to ocorrido. Aceita-se a persistência de algumas apresenta.
queixas relativas à rutura da coifa de rotadores e No caso em concreto é de se aceitar que do
eventual agravamento das lesões degenerativas evento em análise tenha resultado um agrava-
preexistentes. mento temporário de joelho já fragilizado por um
traumatismo anterior, mas que não se associou,
Patologia degenerativa do joelho de acordo com os exames complementares então
efetuados, a alterações esqueléticas de natureza
CASO 1 traumática. Atendendo ao facto de não ter havido
Examinando de 46 anos de idade, eletricis- sequelas específicas resultantes do acidente em
ta, vítima de acidente de trabalho, com queda e avaliação, admitimos não haver lugar à valoração
embate do joelho esquerdo no solo, que moti- de danos permanentes. Neste contexto, os ele-
vou a interrupção da sua atividade profissional. mentos facultados permitem admitir que o quadro
Dos registos clínicos obtidos após o traumatismo clínico atual seja resultado da normal e esperada
constava entorse do joelho, com dor, edema e evolução das sequelas preexistentes. Este caso em
ligeiro derrame articular, pelo que foi tratado com concreto realça a importância da análise, sempre
anti-inflamatórios, gelo e repouso. Os exames que possível, da informação sobre as lesões e
complementares de diagnóstico efetuados não sequelas decorrentes de acidentes anteriores.
revelaram quaisquer outras lesões. Decorridos
cinco meses do traumatismo, o examinando teve CASO 2
alta dos serviços clínicos da seguradora, com a Examinanda, de 57 anos de idade, emprega-
indicação de retomar na íntegra a sua atividade da de limpeza, que sofreu acidente de trabalho,
profissional. Nos antecedentes pessoais havia envolvendo queda e embate do joelho direito no
referência a um acidente de trabalho anterior solo. Na sequência do evento recebeu assistência
ocorrido dois anos antes, com traumatismo do médica no mesmo dia e realizou tratamentos de
mesmo joelho, com “provável lesão meniscal”, fisioterapia e infiltrações locais. Dois meses após o
pelo que recebeu tratamento cirúrgico. traumatismo efetuou uma ressonância magnética
CAPÍTULO 3. APLICAÇÃO E DISCUSSÃO DE CASOS PRÁTICOS 111

ao joelho direito que evidenciou «um aumento de degenerativa no joelho direito aquando do evento
sinal da morfologia linear a nível do corno posterior traumático em consideração. Tais lesões de origem
do menisco interno, parecendo envolver ambas as degenerativa podem ter sido consequência de
superfícies articulares do menisco e admitindo-se processos degenerativos articulares relacionados
estarmos perante uma rutura (…) importante rutura com a sua idade relativamente avançada ou com
do menisco externo, com perda de substância en- episódios traumáticos anteriores, nomeadamente
volvendo praticamente toda a extensão do menisco com a queda sofrida cerca de 20 anos antes.
(…) derrame articular de volume moderado (…) Apesar da sinistrada ter manifestado dificuldade
discreta bursite retropatelar e dos gémeos, bem em quantificar o agravamento da sintomatologia
como significativa bursite do tendão do músculo no joelho direito, reconhece-se que o episódio
poplíteo (…) significativa gonartrose tricomparti- traumático tenha agravado o seu estado patoló-
mental, com evidência de osteofitose marginal e gico preexistente. Nesta conformidade e uma vez
de redução de espessura das cartilagens articulares que o exame pericial foi requerido no âmbito da
(…) áreas suscetíveis de traduzir lesões osteocon- avaliação em Direito do Trabalho, será de imputar
drais no côndilo femoral externo». Dos antece- todas as alterações a nível do joelho direito ao
dentes pessoais patológicos relevantes é de referir traumatismo em consideração. Foi proposta uma
queda (acidente em lazer) cerca de 20 anos antes, incapacidade permanente parcial, atendendo à
de que resultou traumatismo do joelho direito e amiotrofia da coxa direita, à marcha claudicante
que motivou tratamento cirúrgico não especifica- e à limitação funcional do joelho.
do a um dos meniscos. Na sequência do evento
em análise interrompeu a atividade profissional Patologia degenerativa do tornozelo
durante cerca de quatro meses. À data do exame
pericial, efetuado um ano após o traumatismo, Examinanda de 45 anos de idade, emprega-
referia agravamento dos fenómenos dolorosos no da de limpeza, sofreu acidente de trabalho (que-
joelho direito que se intensificavam com os movi- da) de que resultou fratura do maléolo interno
mentos, dificuldade a subir e descer escadas, em do tornozelo direito. Fez imobilização gessada e
carregar pesos e ajoelhar-se para limpar o chão. foi acompanhada nos serviços clínicos da segu-
Objetivamente apresentava marcha claudicante radora, onde cumpriu programa de fisioterapia.
com apoio de uma canadiana à esquerda para Constata-se nos seus antecedentes pessoais uma
melhor equilíbrio na marcha, hipotrofia muscular da fratura do mesmo tornozelo cerca de 10 anos
coxa direita de 1.5 cm relativamente ao perímetro antes do evento traumático descrito. Dez dias
do membro contralateral, palpação dolorosa do após o acidente efetuou uma tomografia axial
joelho e limitação ativa acentuada da extensão e computorizada (TAC) ao tornozelo direito que re-
da flexão do joelho. velou “fractura do maléolo peroneal com diástase
Proposta de avaliação - Face às alterações da entrelinha perónio-astragalina (…) pequenas
evidenciadas na ressonância magnética, admi- calcificações na extremidade do maléolo, suges-
te-se que a sinistrada já apresentava patologia tivas de sequela de ruptura do ligamento lateral
112 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

externo, na face interna do astrágalo (sugestiva diferença entre a IPP anterior e a que for calcula-
de antiga lesão ligamentar interna) e esporões da como se tudo resultasse do traumatismo. No
sub e retro-calcaneanos”. Na avaliação pericial segundo caso, em que as lesões preexistentes
efetuada apresentava limitação das mobilidades resultaram de outra etiologia que não acidente de
do tornozelo e edema crónico do tornozelo. trabalho, o cálculo da IPP imputável ao traumatis-
Proposta de avaliação – Se as lesões preexis- mo em análise deverá ser efetuado relativamente
tentes tivessem resultado de acidente de trabalho à capacidade integral da examinanda.
anterior e os seus danos fossem devidamente
descritos e avaliados, saberíamos qual o prejuízo Afetação da função visual
funcional resultante do acidente de trabalho ante-
rior e que poderia ser facilmente comparável com CASO 1
a incapacidade funcional atual que a examinanda Examinando de 45 anos de idade, estuca-
apresenta. Em nossa opinião, seria fundamental dor, sofreu acidente de trabalho, de que resultou
que no presente caso se efetuasse uma pesquisa queimadura grave do olho direito e consequente
dos registos clínicos anteriores ao traumatismo, perda de função – amaurose direita e conjuntivite
quer através da médica de família ou de servi- crónica. Dos seus antecedentes pessoais realça-se
ços clínicos da seguradora onde eventualmente a perda de visão do olho esquerdo por acidente
a examinanda tivesse sido assistida pelas lesões não coberto por qualquer seguradora.
preexistentes. Deste modo, considerando as lesões Proposta de avaliação – No caso em apreço
estabelecidas anteriormente ao traumatismo em constata-se a existência de um estado anterior
questão, duas situações poderiam estar presentes: em que, apesar do traumatismo não ter afetado
a mesma estrutura anatómica, afetou a mesma
a) ou teria havido um acidente de trabalho função (função visual). Esse estado mórbido pre-
anterior seguido de uma avaliação pericial cedente (cegueira unilateral) não foi alvo de re-
em sede de Direito do Trabalho; paração pericial, motivo pelo qual o cálculo da
b) ou tratar-se-ia de sequelas decorridas de sua incapacidade global imputável ao evento em
qualquer outro tipo de acidente ou pato- análise será aqui efetuado relativamente à capaci-
logia em que não foi efetuada qualquer dade integral do indivíduo (100%). Deste modo,
avaliação pericial ou foi avaliada num propõe-se a valoração da IPP fixável em 95%,
outro ramo do Direito. tendo em conta o coeficiente de desvalorização
relativo à cegueira e enquadrável no Capítulo V,
Na primeira situação, em que há uma ante- nº 2.7 da TNI (Anexo I, Dec. Lei nº 352/07, de 23
rior avaliação em Direito do Trabalho, o primeiro de Outubro).
coeficiente deverá ser calculado por referência No presente caso, supondo que as sequelas
à capacidade anterior da examinanda (princípio resultantes do anterior acidente haviam sido já
da capacidade restante), sendo a incapacidade avaliadas em sede de Direito do Trabalho, o cálculo
imputável ao traumatismo em apreço obtida pela do coeficiente global de incapacidade relativo ao
CAPÍTULO 3. APLICAÇÃO E DISCUSSÃO DE CASOS PRÁTICOS 113

segundo acidente deverá ser obtido pelo princípio Na consulta que teve lugar cerca de seis meses
da capacidade restante, calculando-se o coefi- antes do acidente (última consulta realizada), apre-
ciente atual por referência à capacidade anterior sentava uma acuidade visual no OD de 9/10 com
do indivíduo. Em outras palavras, considerando o correção e no OE de 1/10 com correção.
mesmo indivíduo, com uma IPP anterior de 25% Proposta de avaliação - Trata-se de um tra-
referente à cegueira unilateral, propõe-se uma IPP balhador que apresentava já uma predisposição
imputável ao segundo acidente de 71%, obtida patológica para a ocorrência de deslocamentos
pelo princípio da capacidade restante. O valor da retina, dada a sua elevada miopia e que na
de incapacidade obtido neste segundo caso é sequência do acidente de trabalho sofreu um
obviamente inferior ao calculado como se tudo descolamento da retina no OD. Após resolução
resultasse do traumatismo em apreço, já que na do evento traumático apresentava uma acuidade
presente situação o indivíduo havia sido reparado visual no OD de 5/10 e no OE de 2/10. Os autores
e indemnizado pela perda de visão à esquerda. entendem que, apesar de ter sido considerada
como consequência do acidente, na avaliação da
CASO 2 diminuição da acuidade visual no OD devem ser,
Examinando, de 38 anos de idade, pedreiro, de igual modo, tidos em consideração os ante-
que na sequência de acidente de trabalho sofreu cedentes pessoais patológicos do sinistrado, uma
rasgadura da retina periférica no olho direito com vez que foram os antecedentes agravados pelas
subsequente hemovítreo e diminuição súbita da consequências do traumatismo. Em cumprimento
acuidade visual. Recebeu assistência médica e do já exposto anteriormente e atendendo a que
realizou tratamento da lesão com fotocoagulação o acidente afetou a função visual do sinistrado e
retiniana no olho direito após resolução parcial do que o seu estado patológico anterior não havia
hemovítreo. Foi reobservado cerca de vinte dias sido alvo de reparação neste âmbito, o cálculo
depois do evento traumático por descolamento da da incapacidade permanente parcial resultante do
retina daquele olho com envolvimento macular e acidente em análise deverá ser calculado como
defeito retiniano na periferia. Submetido a trata- se tudo dele resultasse, de acordo com o nº2 do
mento cirúrgico teve uma evolução pós-operatória art.º11 da LAT. Assim, face à situação atual do
favorável. Após a data de alta dos tratamentos, sinistrado propõe-se uma IPP de 18% [de acordo
apresentava uma acuidade visual no olho direito com o Capítulo V, nº2.2 alínea d) da TNI], corres-
(OD) de 5/10 com correção e o olho esquerdo pondente a uma acuidade visual no OD de 5/10
(OE) apresentava 2/10 com correção. Previamente e no OE de 2/10.
ao traumatismo o sinistrado já era seguido em
consulta de Oftalmologia por ser portador de de- CASO EXEMPLO
feito refrativo bilateral com alta miopia bilateral, Perda de segmentos do mesmo membro
astigmatismo moderado e ambliopia no OE (olho
com maior grau de miopia e acuidade visual muito Examinando de 47 anos de idade, ser-
reduzida comparativamente com o contralateral). ralheiro, que sofreu acidente de trabalho do
114 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

qual resultou amputação subtrocantérica da Lesão Capacidade IPP


Isolada Restante Resultante
coxa direita, sendo-lhe atribuído um coefi-

}
0,25 1 0,25
ciente de desvalorização de 65%. No entanto,
0,40 0,75 0,30
existem nos seus antecedentes pessoais três + 0,82
0,60 0,45 0,27
acidentes de trabalho sucessivos, tendo no 0,65 0,18 0,117
+
primeiro acidente sido indemnizado após a 0,937
atribuição de uma IPP de 25% por amputação 93,7 % - 82% = 11,7%
transtársica (Chopart) à direita. No segundo
acidente, do qual resultou amputação pela
articulação tibiotársica desse mesmo membro, Figura I – Cálculo da IPP
foi-lhe atribuída uma IPP de 40%, enquan-
to no terceiro acidente sofrido, tenha sido Deste modo, considerando o presente caso,
proposta uma IPP de 60% pela amputação a incapacidade obtida como se tudo resultasse do
traumática da perna direita. último acidente sofrido seria de 93.7%, enquan-
Proposta de avaliação – Ocorrem casos to a incapacidade anterior obtida seria de 82%.
como este referido que exigem uma avaliação A diferença entre ambas as incapacidades seria
complexa, dado envolverem uma sequência de 11.7%, a qual corresponderá ao valor da IPP
de acidentes sucessivos no mesmo indivíduo. imputável ao quarto acidente neste indivíduo. Este
A questão que mais frequentemente se coloca valor aparenta ser ínfimo, porém compreensível
nestas situações relaciona-se com a estima- e razoável, uma vez que o indivíduo havia já re-
tiva do valor de incapacidade permanente cebido pensão três vezes por amputação desse
imputável apenas a um determinado evento. membro a vários níveis, sendo que da última vez
Neste caso, como deverá o perito médico es- havia resultado uma amputação da perna.
timar a taxa global de incapacidade do quarto
acidente sofrido? Em nossa opinião, deverá
seguir-se o princípio da capacidade restan- 2. CASOS PRÁTICOS NO ÂMBITO
te, ou seja, calculando-se o primeiro coefi- DA AVALIAÇÃO DO DANO CORPORAL
ciente por referência à capacidade anterior e EM DIREITO CIVIL
os demais à capacidade restante e fazendo-
-se a dedução sucessiva dos coeficientes já Patologia degenerativa
tomados em conta. A reparação deverá ser da coluna vertebral cervical
apenas a correspondente à diferença entre a
incapacidade anterior (obtida pela soma dos Examinanda de 45 anos de idade, vítima
coeficientes referentes aos três primeiros aci- de acidente de viação com colisão frontal, de
dentes através do uso da regra da capacidade que resultou traumatismo cervical e torácico. Na
restante) e a que for calculada como se tudo sequência deste evento, foi assistida numa uni-
fosse imputado ao acidente em apreço. dade hospitalar onde teve alta no mesmo dia,
CAPÍTULO 3. APLICAÇÃO E DISCUSSÃO DE CASOS PRÁTICOS 115

com imobilização do pescoço com colar cervical. Pierre Lucas defende que quando há dúvidas
Posteriormente, já nos serviços clínicos da segu- em afirmar que tal patologia latente pudesse
radora, efetuou estudo radiográfico dinâmico da vir algum dia a manifestar-se na ausência do
coluna cervical, o qual não revelou alterações, pelo traumatismo, o mais correto será considerar o
que lhe foi indicada a remoção do colar cervical. traumatismo como fator desencadeante e va-
Por persistência de cervicalgias efetuou RMN que lorar como se tudo resultasse do traumatismo.
evidenciou alterações degenerativas. Das infor- Além disso, refere que numa situação de ace-
mações clínicas facultadas constam relatórios de leração, deverá ser indemnizável a antecipação
exames radiográficos da coluna vertebral, efetua- desse compromisso funcional ou sintomático.
dos cerca de um ano antes e dois meses após o Por outras palavras, o facto de um trauma-
traumatismo e onde se assinala que a examinanda tismo gerar uma expressão clínica precoce de
apresentava alterações degenerativas (espondilo- um estado anterior, justifica uma incapacidade
se) incipientes nos segmentos vertebrais cervical permanente de modo a compensar a vítima que
e lombar. Por outro lado, o exame neurológico poderia, durante tempo indeterminado, viver
efetuado não revelou alterações significativas. Foi sem esse sofrimento físico.
negada pela examinanda qualquer sintomatologia Assim, atendendo ao mecanismo e à violên-
dolorosa cervical previamente ao traumatismo. cia do traumatismo descrito, à sede das lesões
Proposta de avaliação – Face ao caso descrito iniciais bem como às alterações degenerativas
admitiu-se que as alterações evidenciadas nos exa- incipientes evidenciadas à data do evento e ao
mes imagiológicos não tiveram origem no evento facto de a examinanda negar qualquer sintoma-
traumático sofrido pela examinanda, uma vez que tologia cervical prévia (especialmente havendo
o tempo necessário para o seu aparecimento é registos anteriores do médico de família que
manifestamente superior ao tempo decorrido. evidenciem a inexistência de queixas prévias),
A existência de alterações degenerativas cervicais torna-se legítimo aceitar que após o acidente
a partir de determinada idade torna-se frequente se tenha desencadeado ou acelerado a sintoma-
e, na maioria dos casos, sendo elas assintomáticas, tologia dolorosa a nível da coluna cervical. Não
é lícito questionar-se sobre a responsabilidade do seria razoável imputar ao traumatismo um efeito
traumatismo no agravamento dessas alterações desencadeante ou mesmo agravante quando
ou mesmo no desencadeamento ou aceleração o estado mórbido anterior estivesse em grau
da sua expressão clínica. muito avançado de evolução, ou seja, terminal.
Colocam-se várias questões no caso em Pelas razões atrás mencionadas, estes achados
concreto: será que o traumatismo desencadeou não devem ser imputados na sua totalidade ao
alterações nas lesões degenerativas existentes? traumatismo (uma vez que já existiam à data do
Será que estas alterações viriam algum dia a acidente em apreço), sendo, no entanto, pos-
manifestar-se na ausência do traumatismo? sível admitir-se um nexo de causalidade parcial
Ou será que o traumatismo apenas antecipou entre o traumatismo e o dano (sintomatologia
uma patologia com uma evolução inevitável? dolorosa referida).
116 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

Patologia degenerativa designadamente hérnia discal, tendo sido subme-


da coluna vertebral lombar tida a tratamento cirúrgico cerca de cinco meses
antes do traumatismo, após o que terá constatado
Examinanda de 48 anos de idade, gerente de melhoria sintomática da coluna vertebral lombar
empresa de construção civil, que sofreu acidente de e do membro inferior direito. Por outro lado, foi
viação, consistindo em colisão traseira de veículo possível observar nos exames imagiológicos rea-
ligeiro de passageiros no veículo da mesma catego- lizados um mês após o traumatismo, fenómenos
ria que conduzia. Do evento resultou traumatismo degenerativos naquele segmento vertebral bem
dos membros superiores e inferiores e da coluna como a nível cervical. Estas alterações não tive-
vertebral cervical e lombar, tendo recebido assis- ram origem no evento traumático, uma vez que
tência médica e sido medicada. Cerca de um mês o tempo necessário para o seu aparecimento é
após o evento e por persistência de dores cervicais manifestamente superior ao tempo decorrido.
e lombares, realizou TAC dos segmentos verte- Neste contexto, e tendo em conta a sede das le-
brais cervical e lombar que revelou discartroses sões iniciais (contusão da coluna cervical e lombar)
cervicais, com prolapsos discais posteriores, mais bem como o facto da examinanda ter informa-
expressivos em C5-C6 com obliteração do espa- do que após a intervenção cirúrgica apresentava
ço subaracnoideu adjacente, sem aparente efeito uma melhoria sintomática das queixas lombares
medular compressivo; laminectomia de L4, osteo- (especialmente havendo registos clínicos que o
fitose marginal e protusão discal difusa a contatar confirmam) e que estas vieram a agravar-se logo
as emergências radiculares de L5; discartrose em após o traumatismo, é possível aceitar-se que
L5-S1, com protusão discal posterior contatando desse evento tenha resultado um agravamento
as emergências radiculares de S1 e eventual efeito do quadro sintomatológico a nível lombar e um
compressivo à direita; hérnia retromarginal anterior desencadeamento da sintomatologia cervical.
na plataforma vertebral superior de L4, sem sinais De facto estamos perante uma sinistrada que
de compromisso radicular. Como antecedentes pes- apresenta patologia degenerativa subaguda ou
soais relevantes assinala-se anterior intervenção crónica, que se caracteriza por um quadro clínico
cirúrgica a uma hérnia discal lombar que provo- de instauração insidiosa de queixas dolorosas,
cava dor e parestesias no membro inferior direito podendo, no entanto, iniciar-se de forma aguda,
e da qual resultou melhoria sintomática. À data principalmente após um processo dinâmico, como
da avaliação pericial referia fenómenos dolorosos é o caso do traumatismo, o que deverá ser alvo
permanentes a nível da coluna cervical e lombar de reparação. Naturalmente que nestas situações
bem como parestesias do membro inferior direito de agravamento bem como de desencadeamento
que dificultam significativamente o exercício da ou mesmo de antecipação da sintomatologia, o
atividade profissional e a realização das atividades intervalo temporal para o seu aparecimento de-
da vida diária. verá ser pequeno ou mesmo inexistente, o que
Proposta de avaliação – A examinanda refe- se verificou no caso referido. Assim essa acele-
riu antecedentes de patologia da coluna lombar, ração pós-traumática deverá ser reconhecida na
CAPÍTULO 3. APLICAÇÃO E DISCUSSÃO DE CASOS PRÁTICOS 117

avaliação pericial. Alguns autores afirmam que prévia (tendinite do bicípite) ao acidente em apre-
ao não haver qualquer evidência científica atual ço, tendo a RMN do ombro direito realizada no
que permita predizer o momento em que deter- decurso do traumatismo evidenciado caracterís-
minada patologia se irá manifestar, o desenca- ticas a favor de uma rutura não recente da coifa
deamento de uma patologia latente deverá ser de rotadores (degenerescência gorda, múltiplas
alvo de reparação, através da atribuição de um ruturas tendinosas e retração musculotendinosa).
valor de incapacidade permanente, de modo a A esta informação acresce a profissão da vítima,
compensar a vítima pela expressão clínica precoce suscetível de poder desenvolver rupturas da coi-
da sua doença. fa. Porém, no presente caso, não deixamos de
valorar o eventual agravamento clínico com in-
capacidade funcional, até porque nos registos do
Patologia degenerativa do ombro médico assistente era referido que a examinanda
à data do acidente em apreço não apresenta-
Examinanda de 52 anos de idade, traba- va queixas a nível do ombro. As lesões crónicas
lhadora agrícola, vítima de acidente de viação, podem apresentar uma evolução assintomática
envolvendo colisão entre o veículo de duas rodas durante um longo período de tempo, podendo
que conduzia e um veículo ligeiro de quatro ro- ser desencadeadas por um cofator (ex. trauma-
das. Na sequência do evento, terá sofrido queda tismo) e manifestarem-se subitamente (Castro,
com embate do hemicorpo direito no solo. Face 2005). Apesar de aceitarmos que o traumatismo
à tendinite do bicípite à direita evidenciada numa possa ter contribuído para um agravamento do
ecografia realizada quatro anos antes realça-se estado anterior não sabemos em que proporção.
a existência de estado patológico de que a exa- Não poderemos afirmar se essa proporção foi de
minanda era portadora previamente à data da 25%, 50%, 75% ou outra percentagem. Face
ocorrência do traumatismo. Duas semanas após ao exposto e aos elementos disponíveis, é de
o traumatismo em apreço efetuou uma RMN ao se admitir um nexo de causalidade parcial entre
ombro direito no qual era patente uma rutura o traumatismo e o dano, sendo de considerar
completa dos tendões supra e infraespinhosos a valoração de um DFP pelo desencadeamento
e subescapular, com retração musculotendinosa da omalgia com limitação funcional clinicamente
e atrofia muscular com infiltração lipomatosa. objetivável e implicando terapêutica ocasional.
Saliente-se que em relatório clínico do médico
assistente constava que a examinanda à data do
acidente apresentava-se sem queixas do ombro Patologia degenerativa do joelho
direito e fazia a vida normal, mantendo a força
normal e a mobilidade sem alterações. Examinando de 23 anos de idade, carpintei-
Proposta de avaliação – Pelos registos clíni- ro, vítima de acidente desportivo, quando prati-
cos facultados pela médica assistente, verificou-se cava futebol. Assinala-se nos seus antecedentes
que a examinanda era já portadora de patologia pessoais um outro acidente desportivo ocorrido
118 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

três anos antes, de que resultou rutura do li- esse estado anterior provocou sobre as sequelas
gamento cruzado anterior e lesão do menisco observadas. Há uma combinação de sequelas
interno no joelho esquerdo, tendo sido subme- decorrentes de lesões diferentes, suscetíveis de
tido a ligamentoplastia e meniscectomia parcial criar uma situação evolutiva, por exemplo, uma
(das quais poderá ter resultado uma instabilidade artrose. Poderia descrever-se o estado anterior
anteroposterior). Como consequência do trauma- (eventualmente estável) e o estado atual de modo
tismo em avaliação, resultou uma entorse desse a perspetivar-se a incapacidade correspondente
mesmo joelho, com rutura meniscal bilateral. Ao a cada uma das situações e assim conhecer-se o
exame objetivo, apresentava uma marcha normal, agravamento funcional a nível do joelho. É nesta
amiotrofia da coxa e perna de dois centímetros conformidade que concordamos com o facto de
e sinais de instabilidade residual anteroposterior ter sido proposto um défice funcional perma-
no joelho. nente pelas sequelas meniscais decorrentes da
Proposta de avaliação – A situação descrita meniscectomia bilateral.
retrata o caso de joelho submetido anteriormente
a ligamentoplastia e meniscectomia parcial que
não retrocede ao seu estado inicial, uma vez que Fratura e/ou refratura
é submetido a uma meniscectomia bilateral. Da de um mesmo membro
informação facultada foi possível assinalar que as
sequelas em causa não podem ser na sua totali- CASO 1
dade imputáveis ao acidente em apreço, sendo Examinando que sofreu um acidente em
de admitir um nexo de causalidade parcial entre 1992, de que resultou fratura exposta de grau
o traumatismo em análise e as sequelas observa- II da perna esquerda, nível C, tipo 3, a qual foi
das a nível do joelho esquerdo. O caso realça a tratada cirurgicamente (encavilhamento), sem
importância de se solicitarem os registos clínicos complicações pós-operatórias. Após consoli-
anteriores ao traumatismo de modo a averiguar dação das lesões foi realizada uma avaliação
se o examinando apresentava já uma instabili- pericial do dano corporal em Direito Civil, tendo-
dade ântero-posterior do joelho decorrente do -se observado, no membro inferior esquerdo,
primeiro acidente. as seguintes sequelas: discreta claudicação da
De facto, admite-se que do traumatismo marcha, amiotrofia de dois centímetros na coxa
possa ter resultado um agravamento do quadro e um centímetro e meio na perna; ressalto arti-
sintomático a nível do joelho (o qual, já fragi- cular no joelho; rigidez discreta da tibiotársica
lizado por ter sido submetido anteriormente a e acentuada da subastragalina e sinais radioló-
intervenção cirúrgica, viria a sofrer contusão no gicos de artrose a nível do joelho e tornozelo
segundo traumatismo). Apesar de se aceitar que esquerdos. Foi-lhe atribuída uma incapacidade
o estado anterior possa ter contribuído para o permanente geral de 15%, considerando-se que
quadro sequelar, não é possível determinar-se, as sequelas eram compatíveis com a sua profissão
com segurança, a responsabilidade relativa que habitual (pedreiro), embora à custa de esforços
CAPÍTULO 3. APLICAÇÃO E DISCUSSÃO DE CASOS PRÁTICOS 119

acrescidos. Quanto ao traumatismo em avalia- podendo haver comparação com as sequelas ob-
ção, ocorrido em 2004, verificou-se que resultou servadas após o segundo traumatismo.
fratura distal dos ossos da perna esquerda, pelo Na valoração da repercussão permanente
que foi submetido a tratamento cirúrgico. Após para a atividade profissional deve ser defendi-
o tratamento cirúrgico inicial, a situação evoluiu da a ideia da capacidade restante na valoração
desfavoravelmente com pseudoartrose, havendo do estado anterior, pelo que, no caso em con-
necessidade de posteriores intervenções cirúrgi- creto, poderia referir-se o seguinte: As sequelas
cas que culminaram em artrodese do tornozelo anatomofuncionais resultantes são impeditivas
esquerdo. À data da avaliação pericial, o exa- do exercício da atividade profissional habitual à
minando apresentava amiotrofia da coxa e da data do evento (pedreiro), considerando que as
perna de quatro centímetros, edema residual do sequelas que já apresentava anteriormente ao
tornozelo e anquilose da articulação tibiotársica. traumatismo exigiam esforços suplementares no
Proposta de avaliação – Neste contexto e face exercício da sua profissão.
ao exposto, nem todas as sequelas e/ou limitações
funcionais do membro inferior esquerdo podem
ser inteiramente imputáveis ao evento traumático CASO 2
em apreço, tendo em conta o estado anterior Examinando com 47 anos de idade, que
supramencionado. O traumatismo agravou um sofreu acidente de viação em 2008, do qual re-
estado anterior, pelo que o agravamento deverá sultou fratura supracondiliana do fémur direito.
refletir-se na diferença entre a situação anterior e À entrada na unidade hospitalar apresentava úl-
a atual. Porém, como interpretar a incapacidade ceras varicosas em ambos os membros inferiores.
anterior de 15% para valorizar o estado anterior? Foi efetuada osteossíntese distal do fémur com
Somente como valor indicativo, uma vez que tal placa e parafusos e imobilização com tala gessa-
atribuição se regeu por uma tabela distinta da da posterior. Posteriormente foi orientado para
atual. Deste modo, com base nos registos referen- tratamentos de fisioterapia. Radiografia efetuada
tes às sequelas resultantes do acidente anterior, cerca de sete meses após o evento traumático evi-
deverá efetuar-se uma estimativa do DFP relativo denciou osteoporose grave, consolidação viciosa
a esse estado anterior. A diferença calculada entre do fémur e da tíbia direitos, bem como sinais de
o DFP preexistente e o atual corresponderá ao dé- artrose do joelho. O caso descrito exigiu, porém,
fice imputável ao traumatismo em consideração. algumas considerações adicionais quanto ao es-
O caso descrito realça a importância da análise, tabelecimento do nexo de causalidade entre o
sempre que possível, da informação das lesões traumatismo e o quadro sequelar apresentado
e sequelas decorrentes de acidentes anteriores. pelo examinado à data da avaliação pericial, uma
Quando os danos decorrentes de um acidente vez que na documentação clínica disponibilizada,
de viação anterior se encontrarem devidamente bem como na informação prestada pelo sinistrado,
descritos e avaliados, saberemos qual o prejuízo este era, à data do evento em consideração, já
funcional resultante do primeiro traumatismo, portador de um estado patológico resultante de
120 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

dois traumatismos anteriores no membro inferior um joelho em varo, uma rigidez da flexão ativa
direito. Com efeito, em 1995 havia sofrido uma do joelho (90º), uma anquilose da tibiotársica e
fratura do calcâneo direito na sequência de queda, alterações tróficas acentuadas semelhantes às do
sendo tratado conservadoramente. Em 2002, so- membro contralateral. O estudo radiológico dos
freu fratura cominutiva complexa dos pratos da tí- membros inferiores efetuado à data da avaliação
bia direita na sequência de um acidente de viação, pericial evidenciou uma consolidação do fémur
tendo sido submetido a tratamento cirúrgico. Na direito sem significativo desalinhamento ósseo,
documentação clínica referente às consultas sub- material de osteossíntese com placa e parafusos
sequentes a este acidente de 2002, há referência a no fémur, alterações estruturais da epífise na re-
um quadro sequelar resultante no membro inferior gião metafisária proximal da tíbia homolateral,
direito, designadamente uma cicatriz viciosa na com grande deformação sobretudo do prato tibial
perna, uma pseudartrose proximal da tíbia com lateral, alterações degenerativas do joelho direito,
desvio em varo, um encurtamento do membro com irregularidade e esclerose das superfícies
de 2 cm comparativamente com o contralateral, articulares e encurtamento do membro inferior
uma amiotrofia generalizada não quantificada e direito que se quantificou em cerca de 43mm,
uma limitação funcional do joelho igualmente não sendo este encurtamento de 8mm a nível do fé-
quantificada. No seguimento destes traumatismos mur e de 35mm na tíbia.
anteriores, o examinando não realizou qualquer Proposta de avaliação – Reconhece-se que o
avaliação pericial, nem tão-pouco foi seguido em traumatismo ocorrido em 2008 tenha agravado o
serviços médicos de companhias de seguros. Na quadro anatomofuncional daquele membro. Com
perícia médico-legal efetuada na sequência do efeito, a situação de agravamento que deverá
acidente sofrido em 2008, o sinistrado reconhece ser imputada ao evento traumático em apreço,
que já não fazia corrida nem marcha rápida à data traduzir-se-á na diferença entre o estado patoló-
do traumatismo em apreço, sentindo, no entanto, gico preexistente e aquele atualmente apresen-
um agravamento da sua claudicação, dificuldades tado pelo sinistrado. Contudo, apenas é possível
acrescidas na marcha em pisos irregulares e no efetuar-se uma estimativa do valor de défice fun-
descer e subir escadas, exigindo o apoio de um cional correspondente à situação de agravamento,
corrimão e fenómenos dolorosos acrescidos no uma vez que, para um maior rigor médico-legal,
joelho direito e na coluna lombar. Objetivamente, seria necessária uma avaliação pericial referente
apresentava uma marcha moderadamente claudi- à situação patológica preexistente de modo a
cante, com recurso a palmilha compensatória no diferenciar o valor de défice funcional atual.
pé direito, duas cicatrizes lineares, de característi- Apesar de já mencionado, importa realçar
cas cirúrgicas (uma localizada na coxa e outra na que o Rx extralongo (métrico) dos membros infe-
perna), um encurtamento aparente do membro riores evidencia uma consolidação da fratura do
inferior direito de cerca de 4cm comparativamente fémur direito sem significativo desalinhamento
com o membro contralateral, uma amiotrofia de ósseo, enquanto, a um nível mais distal, foram
4cm e 3cm na coxa e na perna, respetivamente, observadas alterações estruturais com grande
CAPÍTULO 3. APLICAÇÃO E DISCUSSÃO DE CASOS PRÁTICOS 121

deformidade dos pratos tibiais à direita, muito traumatismo ocorrendo, deste modo, um agra-
possivelmente relacionadas com sequelas do aci- vamento da dismetria, que consequentemente
dente sofrido em 2002, do qual resultou fratura implicará uma alteração da espessura da palmilha
cominutiva complexa a esse nível. Além do ex- compensatória que o examinado possuía no pé di-
posto, o estudo imagiológico por nós solicitado reito ou a implantação de uma ortótese plantar, de
permitiu quantificar a dismetria dos membros modo a equilibrar toda a biomecânica do corpo.
inferiores que o examinado apresentava clinica- Nesta conformidade e com base nos ele-
mente à data da avaliação pericial. Este exame mentos clínicos disponíveis, reconheceu-se existir
métrico evidenciou uma dismetria estrutural de nexo de causalidade entre o traumatismo e um
43 mm do membro inferior direito, à custa de ligeiro agravamento funcional do membro infe-
apenas 8 mm de encurtamento a nível do fémur rior direito. Assim, poderia propor-se um défice
e 35 mm a nível da tíbia, esta última correspon- funcional permanente de 3 pontos, de acordo e
dendo à localização atingida no acidente ocorri- por analogia com os códigos da Tabela referen-
do em 2002. Apesar da magnitude da dismetria tes à gonalgia direita por agravamento de pa-
nos membros inferiores com significado clínico tologia prévia (Mf1310) e ao encurtamento de
permanecer controversa na literatura científica, 8mm do membro inferior num indivíduo que já
o encurtamento estrutural de 8mm do membro apresentava um encurtamento prévio de 35mm
inferior direito admitido como sendo resultante do (publicado como Mc0625). Assumiríamos, porém,
evento traumático em apreço, não é, regra geral, uma desvalorização de 2 pontos pela gonalgia e
alvo de reparação, uma vez que de acordo com de 1 ponto pelo encurtamento, apesar do men-
a TIC a dismetria é apenas valorizável quando cionado código apresentar como intervalo de
de valor superior a 1cm. Esta orientação tabelar desvalorização 2 a 3 pontos para as dismetrias
pode de alguma forma ser justificada pelo facto superiores a 1cm e inferiores a 3cm. A alusão a
de que indivíduos com dismetrias inferiores a 1cm este caso visa igualmente reforçar o que a dou-
exercem geralmente uma compensação funcional trina médico-legal defende no que se refere ao
através do seu lado de maior comprimento, o su- carácter apenas orientativo das tabelas. Deve
ficiente para não acarretar alterações do padrão ter-se sempre presente que as tabelas não im-
da marcha e consequente repercussão funcional. põem rigidez tabelar e que permitem variações
Esta adaptação é usualmente obtida com uma fundamentadas, atendendo sobretudo ao nível
báscula da bacia, uma flexão da anca e do joelho da adaptação individual anterior à ocorrência do
no lado de maior comprimento ou até com uma acidente, garantindo a reprodutibilidade e quan-
flexão plantar da tibiotársica do lado encurtado. tificando o atingimento na integridade físico-psí-
Note-se, porém, que no caso em apreço esta quica clinicamente constatável. Acresce que, como
assimetria não é passível de atenuação apenas instrumentos médicos que são, as tabelas deverão
com uma adaptação funcional, uma vez que o ser utilizadas por médicos com suficiente espaço
examinado era já portador de um encurtamento de liberdade para lhes permitir uma ponderação
radiológico de 35mm da tíbia direita à data do adequada à realidade do examinado. As tabelas
122 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

de incapacidades não excluem, na sua essência, seja necessário. A nosso ver, é esta evidência de
a personalização, dado que no relatório pericial razoabilidade que distingue um verdadeiro perito
deve constar a repercussão das sequelas nas médico-legal. Não está em causa a valoração de
atividades diárias do sinistrado. Elas pretendem tais danos, antes e apenas verificar de que forma
uniformizar as decisões judiciais no que respeita devem ser valorados.
à reparação pecuniária das sequelas resultantes Ainda no caso descrito e no que se refere ao
de um evento traumático, entre outros objetivos. Dano Estético Permanente, deverá ser conside-
Não obstante o exposto, as tabelas apenas pos- rada a cicatriz cirúrgica na coxa, além do ligeiro
suem carácter indicativo, reconhecendo-se que agravamento da claudicação. Quanto à necessi-
o perito médico possa desviar-se dos valores de dade de ajudas técnicas reconhece-se que possa
incapacidade previstos nas mesmas, desde que exigir o uso de uma palmilha compensatória no
devidamente fundamentado à luz dos princípios pé direito mais espessa do que aquela que even-
gerais delineados com a criação das referidas ta- tualmente utilizava antes do evento traumático
belas e do exame pericial efetuado (artigo 2, nº3, sofrido em 2008.
do Decreto-Lei nº352/2007 de 23/10). Tendo em
conta os critérios e valores orientadores definidos
no Anexo II do Decreto-Lei nº352/2007 de 23/10, CASO 3
bem como a especificidade do caso em apreço, Examinando de 33 anos de idade, vítima
reconhece-se ser possível que o agravamento em de acidente de viação de que resultou fratura
8mm do encurtamento do membro inferior direito da metáfise distal do rádio e cúbito esquerdos
seja alvo de reparação a título de défice funcional e do terço proximal do escafoide cárpico sem
permanente, com o valor de 1 ponto. Com efeito, desvio. Por consolidação viciosa do rádio dis-
os valores definidos na tabela representaram uma tal com angulação dorsal e pseudartrose da
linha orientadora para o coeficiente de desvalo- estilóide cubital foi submetido a tratamento
rização proposto nesta situação. cirúrgico com posterior reabilitação funcional.
Algo que merece ainda a nossa reflexão crí- À data do exame médico-legal, referia dor
tica é a tendência de alguns peritos médicos para no punho esquerdo com o esforço e a mo-
se transformarem em meros aplicadores de regras, bilização e apresentava objetivamente uma
tabelas e leis. Não nos parece ser boa prática a discreta limitação do movimento de flexão do
mera asserção tabelar utilizada na maioria das punho. O estudo radiológico obtido à data da
perícias médico-legais, até porque números tabe- avaliação pericial evidenciava sequelas de pro-
lados não são sinónimos de uma justa reparação. cesso traumático da junção diáfiso-metafisária
Enquanto peritos médicos, temos o dever de estar distal do rádio, totalmente consolidada (…)
atentos e considerar a pessoa humana no seu material de osteossíntese no escafoide cárpico,
todo. Apesar de sermos defensores das tabelas, em relação com provável fractura do mesmo,
devemos conceder-nos a liberdade de questionar, já consolidada. Por outro lado, releva-se dos
rebater e poder divergir do que propõem, caso seus antecedentes pessoais uma queda cerca
CAPÍTULO 3. APLICAÇÃO E DISCUSSÃO DE CASOS PRÁTICOS 123

de nove meses antes, de que resultou fratura CASO 4


do mesmo punho e motivou tratamento con- Examinando de 51 anos de idade, agricultor,
servador. O examinando, porém, refere que sofreu acidente de viação em 2009, de que resul-
desse traumatismo não resultaram quaisquer tou fratura basicervical (pertrocantérica) do fémur
sequelas. Na informação clínica disponibilizada esquerdo. Foi submetido, nesse mesmo dia, a uma
referente a esse evento anterior, apenas consta intervenção cirúrgica – com remoção de placa e
que cerca de seis meses antes do traumatis- parafusos (EMOS) da diáfise do fémur esquerdo
mo em apreço, o examinando apresentava a (uma vez que já havia sido operado por fratura
fratura radiologicamente consolidada e limi- da diáfise femoral em 2004) e osteossíntese com
tação da flexão (não quantificada) do punho. DHS e parafusos, não tendo sido possível remo-
Por abandono da consulta não existiam mais ver 2 roscas de parafusos migradas no interior
registos clínicos. da diáfise femoral. Quatro meses decorridos do
Proposta de avaliação – Teria sido impor- acidente, o estudo radiológico revelou fratura
tante que os danos decorrentes do primeiro com alinhamento aceitável e boa evolução da
evento traumático estivessem devidamente consolidação, embora com fragilidade do terço
descritos, ou seja, com quantificação da re- superior do fémur devido à EMOS. Em 2011, após
ferida limitação na flexão do punho, pois sabe- sentir uma dor súbita, foi-lhe diagnosticada fratu-
ríamos qual o prejuízo funcional decorrente da ra justa placa do DHS (reconhecida como recaída
queda que seria convertido em défice funcional do acidente sofrido em 2009), pelo que foi efe-
permanente e posteriormente comparável com tuada remoção da placa e colocada uma outra
o défice funcional correspondente ao estado de maiores dimensões. Dos seus antecedentes
atual do sinistrado. E se, porventura, tal tives- pessoais consta que em 1999, na sequência de um
se ocorrido, a diferença obtida entre ambos acidente de motorizada, sofreu uma fratura du-
os défices funcionais refletiria a situação de pla/bifocal e multiesquirolosa do terço médio da
agravamento imputável ao acidente em análise. diáfise femoral esquerda, tratada cirurgicamente
No caso em concreto, tal não será possível, (osteossíntese com placa DCP); em 2004, na se-
pelo que, a nosso ver, parece razoável pro- quência de acidente de trabalho, sofreu refratura
por-se um défice funcional permanente, com do terço proximal da diáfise femoral esquerda,
base na informação prestada pelo examinado tratada cirurgicamente (osteossíntese com placa
quanto à inexistência de sequelas resultantes AO e parafusos). Do acidente sofrido em 1999,
do evento traumático anterior, bem como ao consta na informação clínica disponibilizada que
quadro sequelar expectável para o tipo de le- resultou como sequela uma hipotrofia da coxa
sões decorrentes do acidente de viação sofrido. esquerda de 2.5 cm, tendo-lhe sido atribuída uma
Deste modo, foi proposto um défice funcional IPP de 10%. Ao exame médico-legal efetuado com
permanente de 2 pontos, correspondente ao vista a avaliar eventuais sequelas resultantes do
punho esquerdo doloroso com ligeira limitação acidente ocorrido em 2009, o examinando refe-
da flexão. ria ligeira claudicação da marcha (sem recurso a
124 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

ajudas técnicas) em virtude da dor na anca esquer- 20%. Nesta conformidade, a perda funcional da
da, dificuldade em pisos irregulares e inclinados, articulação coxofemoral esquerda foi considerada
em subir e descer escadas, dor na anca esquerda como totalmente resultante do traumatismo em
com o esforço e após períodos prolongados em análise. Atendendo à limitação em termos funcio-
ortostatismo e dificuldade na realização das ati- nais decorrente do acidente, reconheceu-se que
vidades agrícolas, designadamente no carregar as sequelas eram compatíveis com o exercício da
pesos, subir e descer escadas e na realização de atividade agrícola do examinado, mas implicavam
tarefas em cima de escadotes. Objetivamente, esforços acrescidos. Porém, é importante acres-
apresentava rigidez da articulação coxofemoral centar que o sinistrado já apresentava anteriores
esquerda (adução 10°, abdução 30°, rotações 20°) esforços suplementares para o exercício da sua
e amiotrofia de 2.5 cm da coxa. Radiologicamente profissão, até porque esses haviam sido valorados
apresentava material cirúrgico do fémur esquerdo quantitativamente em sede de Direito do Trabalho,
com bom calo ósseo e encavilhamento a nível do aquando da avaliação do acidente ocorrido em
colo do fémur. 1999. Com efeito, é possível reconhecer-se um
Proposta de avaliação – Tal como já men- acréscimo não quantificável desses esforços.
cionado anteriormente, seria importante a exis-
tência de informação clínica no que se refere às
mobilidades que o sinistrado possuía ao nível do Afetação do membro contralateral
membro inferior esquerdo, antes do traumatis-
mo ocorrido em 2009 ou, ainda melhor, seria Examinando de 45 anos de idade, proprietá-
a possibilidade de aceder ao relatório pericial rio de uma fábrica de pedra que ao ser atingido
efetuado na sequência do acidente sofrido em por um projétil de arma de fogo, num acidente de
1999, onde constasse a descrição dos danos va- caça, sofreu extenso esfacelo da mão esquerda
loráveis. Não obstante o referido, constatou-se com múltiplas fraturas expostas, designadamente
que as anteriores fraturas sofridas foram ao nível das primeiras falanges dos 3°, 4° e 5° dedos e do
dos terços proximal e médio da diáfise femoral, 2° e do 3° metacarpo. Foi submetido a osteoraxis
o que nos permite admitir que tais lesões não e fixação externa da mão e, posteriormente, a
seriam passíveis de provocar a rigidez da articula- osteotomia de consolidação viciosa do 1° meta-
ção coxofemoral esquerda evidenciada à data da carpo e à libertação de aderências dos tendões
avaliação pericial, tendo com maior probabilidade extensores. Como consequência do traumatismo
resultado da fratura pertrocantérica decorrente sofrido, à data da avaliação pericial, o examinado
do acidente em apreço. Por outro lado, o facto referiu dificuldade na preensão dos talheres com
da IPP anteriormente atribuída ser de 10%, pode a mão esquerda, não conseguir fazer a preensão
estar relacionado com a amiotrofia da coxa es- de objetos pesados com a mão esquerda, não
querda de 2.5 cm, uma vez que de acordo com a conseguir abotoar uma camisa ou umas calças
T.N.I., o intervalo de valoração de uma hipotrofia sem ajuda de terceira pessoa, necessidade de
da coxa superior a 2 cm encontra-se entre 5% e contratar um funcionário para efetuar trabalhos
CAPÍTULO 3. APLICAÇÃO E DISCUSSÃO DE CASOS PRÁTICOS 125

agrícolas no domicílio, como, por exemplo, se- da mão direita e, na sequência do traumatismo,
gurar na enxada e ter deixado de caçar, uma vez sofreu múltiplas fracturas expostas da mão con-
que lhe foi removida a licença de uso e porte de tralateral, as quais determinaram consideráveis
arma. Acresce que a nível profissional, teve de limitações funcionais para a função de manipu-
contratar um funcionário para executar tarefas lação e de preensão de objetos.
que exigissem destreza das mãos, dada a sua Atendendo ao quadro sequelar resultante
impossibilidade em realizar movimentos finos a nível da mão esquerda, reconhece-se que a
com as ferramentas (ex. apertar parafusos), bem sua repercussão em termos funcionais poderá
como um outro, para a condução de veículos na ser valorada, por analogia, na amputação me-
categoria dos pesados, uma vez que a sua carta tacarpofalângica com conservação do polegar,
de condução para esses veículos lhe foi retirada. prevista na TIC com um intervalo de desvalori-
A situação descrita retrata um examinado que se zação entre 15 a 17 pontos. Porém, novamente
mantinha destro, apesar de ter sido vítima de um se coloca a questão, se será justa uma mesma
acidente de trabalho do qual havia resultado a valoração neste indivíduo e em um outro que não
amputação dos quatro primeiros dedos da mão apresentasse este estado patológico anterior. Em
direita. O estudo radiográfico efetuado à mão nossa opinião e conforme já exposto anteriormen-
esquerda revelou diversas densidades metálicas te, este indivíduo deverá ser valorado de forma
«chumbos» dispersas sobre a zona do carpo, distinta. E, porque a avaliação pericial deve ser
dorso da mão e 4ª e 5ª articulações metacarpo- personalizada, sugere-se um aumento do valor do
falângicas, fenómenos de artrose radiocárpica e défice funcional permanente, desviando-nos deste
entre os ossos do carpo e consolidação viciosa modo do intervalo de desvalorização tabelado.
de diversas falanges da mão. Objetivamente, Não seria justo imputar todo o estado patológico
além das múltiplas cicatrizes a nível da mão es- anterior do indivíduo (amputação de quatro dedos
querda, apresentava limitação das mobilidades da mão direita) ao evento traumático em apre-
das articulações metacarpofalângicas do 2° ao ço, porém, não seria igualmente justo valorar da
5° dedos (dorsiflexão 10° e flexão palmar 20°), mesma forma este indivíduo comparativamente
anquilose da articulação interfalângica proximal com um outro cuja mão contralateral não apre-
do 2° dedo e das articulações interfalângicas dos sentasse qualquer disfunção. Relembre-se que as
3°, 4° e 5° dedos em posição anatómica funcio- mãos, tal como os pés, são estruturas sinérgicas
nal e em posição de flexo a 20° das articulações entre si para a manipulação e preensão dos ob-
interfalângicas proximal do 4° dedo e distal do jetos. O traumatismo não deverá ser totalmente
5° dedo que impossibilita o movimento de pinça responsabilizado pelo estado atual do indivíduo,
e o encerramento da mão. devendo procurar-se uma solução intermédia,
Proposta de avaliação – Face ao exposto, razoável e justa.
o evento traumático terá agravado o estado pa- Ainda no que se refere à valoração do défice
tológico anterior do examinando. Na verdade, funcional, quando a título de dano temporário,
o examinando já não apresentava quatro dedos deverá proceder-se tendo em conta a capacidade
126 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

funcional residual do indivíduo, ou seja, aproxi- evento traumático, por apresentar agudização
mando-nos das regras definidas no âmbito do da sua doença.
Direito do Trabalho. Com efeito, é nosso enten- Proposta de avaliação - Conforme já men-
dimento assumir-se um défice funcional tempo- cionado anteriormente, sendo a fibromialgia uma
rário total durante todo o período em que efeti- doença em que está presente uma perturbação
vamente o indivíduo não apresentava suficiente do sono e que é agravada pelo stress, é possível
autonomia para a realização das suas atividades que o traumatismo em apreço tenha despoleta-
da vida diária, designadamente, higiene pessoal do uma crise. No entanto, o agravamento será
e alimentação. É esta evidência de razoabilidade temporário até ao adequado controlo da situação
que nos parece ser a mais justa e compreensível (com adaptação da medicação, o que foi feito)
possível, de modo a não valorar excessivamente e não é permanente. Não é possível estimar-se
as repercussões funcionais do dano sofrido pelo o período até à estabilização do quadro clínico,
ofendido, nem tão-pouco imputar ao responsável devendo efetuar-se uma reanálise para avaliar a
pelo dano, todo o estado patológico que a vítima evolução da crise despoletada. Acrescenta-se que
apresente. um mês após o evento em análise, foi efetuado
exame pericial à examinada e a mesma referia que
as dores por toda a extensão da coluna e ombros
Fibromialgia eram contínuas, se mantinham desde o aciden-
te com a mesma intensidade e haviam exigido
Examinanda de 60 anos de idade, engenheira uma intensificação na dosagem da medicação.
electrónica, que, na sequência de um acidente de Apesar de ter retomado a atividade profissional,
viação - colisão, na qual seguia como condutora a persistência de dores generalizadas na coluna
de um dos veículos ligeiros intervenientes, sofreu vertebral provocava dificuldade nas deslocações
traumatismo da coluna cervical. Na sequência do que a sua profissão impunha. Foi requerido novo
evento recebeu assistência médica no mesmo dia, exame pericial, quatro meses após o evento trau-
com queixas álgicas a nível da coluna. Dois dias mático e nesse segundo momento, a examinada
após o traumatismo, foi observada em Consulta apresentava-se mais calma, referindo alívio da
de Reumatologia, onde já era seguida previamente sintomatologia anteriormente manifestada. Em
ao acidente, com o diagnóstico de fibromialgia. cumprimento do exposto, reconhece-se que o
Nesta consulta, foi aumentada a dose da me- acidente de viação possa ter agravado de for-
dicação, designadamente da Sertralina® e do ma temporária a sintomatologia dolorosa da
Sedoxil® que já tomava anteriormente. Contudo, fibromialgia preexistente, com necessidade de
da documentação clínica facultada consta que na intensificação da medicação sem, contudo, ter
última consulta de Reumatologia, ocorrida uma determinado o aparecimento de consequências
semana antes do traumatismo, a examinanda se a título permanente. Foi possível admitir-se um
encontrava clinicamente estável, tendo solicita- nexo de causalidade parcial entre o traumatismo
do uma consulta de urgência dois dias após o e o desencadeamento de uma crise fibromiálgica,
CAPÍTULO 3. APLICAÇÃO E DISCUSSÃO DE CASOS PRÁTICOS 127

determinando uma cura médico-legal fixável em proceder-se a uma reparação justa para ambas as
120 dias após o traumatismo, tendo em conta a partes intervenientes. Tendo em conta a consulta
data do segundo exame pericial realizado. da TIC, a surdez unilateral conferia um DFP fixável
em 15 pontos enquanto a perda total da função
auditiva correspondia a um valor de 60 pontos.
Afetação da função auditiva Deste modo e de acordo com o anteriormente
mencionado, poderia propor-se um DFP de 45
Examinando de 49 anos de idade, músico, pontos correspondendo à reparação da situação
portador de surdez congénita à direita, que na de agravamento da função auditiva e imputável
sequência de agressão sofreu traumatismo direto à agressão descrita. Tal como já mencionado em
no ouvido esquerdo, com consequente surdez à casos precedentes, na valoração da repercussão
esquerda. para a atividade profissional é necessário demons-
Proposta de avaliação - No caso em concreto, trar a diferença da situação atual com a anterior,
o traumatismo agravou o estado anterior, dado sendo que no caso em concreto, poderia referir-se
que, apesar de não ter sido afetada a mesma o seguinte: As sequelas anatomofuncionais são
estrutura anatómica (ouvido direito versus ouvido impeditivas do exercício da atividade profissional
esquerdo), foi afetada a mesma função, nomeada- que exercia (músico), considerando que as seque-
mente a função auditiva. Será correto proceder-se las que já apresentava anteriormente à agressão,
à reparação da perda total da função? Não será exigiam esforços acrescidos no exercício da sua
obviamente justo para o autor da agressão ter profissão.
de indemnizar em montante superior ao neces- Um exemplo semelhante, por vezes apresen-
sário noutra pessoa sem essa patologia anterior. tado a este propósito, tem sido o caso da perda
Mas menos correto seria se a vítima que vivia de olho, num indivíduo que só dispõe de visão
com uma surdez unilateral, ficasse sem qualquer monocular. O que está em causa nestes casos é
função auditiva e fosse apenas indemnizada pela a perda total da função sensorial.
surdez unilateral decorrente da agressão. A perda
auditiva unilateral acarreta normalmente prejuízos
que podem ir muito além da incapacidade de Epilepsia
ganho, porém, como facilmente se percebe, a
perda auditiva completa (bilateral) constitui uma CASO 1
mutilação grave e ainda maior das funções sociais Examinando de 49 anos de idade, que sofreu
e pessoais. A incapacidade atribuída para a surdez acidente de viação do qual resultou traumatismo
unilateral assume-se como uma compensação me- cranioencefálico (com perda de conhecimento)
nor e não consegue obviamente suprir as perdas e toracoabdominal. Nos seus antecedentes pes-
pessoais e familiares decorrentes de uma surdez soais destaca-se a epilepsia, motivo pelo que se
completa. Assim, poderá procurar-se uma solução encontrava medicado com Tegretol® 200 mg (1
intermédia entre estes dois extremos, de modo a comp./dia) previamente ao acidente, tendo após
128 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

o traumatismo em apreço sido duplicada a dose epilético apresentado. Perante um agravamento


da medicação antiepiléptica. Não havia registo sem retrocesso ao seu estado anterior, deverá ser
de quaisquer outras informações. considerada a atribuição de um DFP, tendo em
Proposta de avaliação – Apesar de se tra- consideração a frequência das crises, apesar do
tar de um evento raro, devemos averiguar, no tratamento regular, a repercussão nas atividades
caso em concreto, o possível agravamento da diárias, a eventual interdição de determinadas
epilepsia preexistente. Naturalmente que nesta atividades e ainda as necessidades futuras envol-
situação em que o traumatismo pode agravar um vendo um tratamento de manutenção.
estado mórbido anterior não pode aceitar-se um
longo período de latência entre o traumatismo CASO 2
e o eventual agravamento. Face ao descrito nos Examinando de 12 anos de idade, estudante
antecedentes pessoais, seria necessário apurar do 5ºano de escolaridade, sofreu acidente de
um eventual aumento da frequência das crises ou viação em 2004, com atropelamento por veícu-
uma alteração da sua sintomatologia (com crises lo ligeiro de passageiros, seguido de projeção
generalizadas, generalização secundária a crises no solo. Do acidente resultou traumatismo cra-
focais ou estado do mal epilético). Relembre-se nioencefálico com perda de consciência, trau-
que na evolução da epilepsia ocorre, regra geral, matismo torácico e do membro inferior direito.
uma diminuição da frequência das crises, sendo Na sequência do acidente foi imediatamente
incomum o seu aumento espontâneo. De acor- assistido no local e posteriormente no serviço
do com a literatura disponível e atrás citada, um de urgência hospitalar, com escala de Glasgow
traumatismo craniano pode alterar a evolução de 7, episódio de vómito e uma ferida inciso-
de uma epilepsia preexistente, aumentando a -contusa no couro cabeludo. Após realização de
frequência das crises ou desencadeando o apa- diversos exames imagiológicos formularam-se
recimento de outros tipos de crise. Deverá ser os diagnósticos de contusão do córtex cerebral
analisada a concordância entre as manifestações difusa sem indicação cirúrgica, insuficiência pul-
epiléticas, as anomalias eletroencefalográficas e o monar e contusão do couro cabeludo. Internado
exame clínico. Deverão ainda ser excluídas outras na Unidade de Cuidados Intensivos, em suporte
etiologias, igualmente suscetíveis por si só de ventilatório e terapêutica anti-edematosa. Foi
provocarem o agravamento das crises epiléticas, extubado decorridos dois dias e internado no
nomeadamente o alcoolismo, a lesão cerebral não Serviço de Neurocirurgia, sem défices focais evi-
traumática ou determinados medicamentos, tais dentes. Cerca de 3 semanas após o acidente,
como, antidepressivos, neurolépticos e corticoste- a TAC cranioencefálica evidenciou uma atrofia
roides. Se, após a exclusão de todas as restantes cerebral e cerebelosa difusa em grau moderado
etiologias possíveis, o agravamento da epilepsia a grave, aumento do volume do IV ventrículo
preexistente puder ser demonstrado após o trau- e do espaço subaracnoideu da fossa posterior
matismo, dever-se-á estabelecer um nexo de cau- e aumento moderado do sistema ventricular
salidade parcial entre o traumatismo e o quadro supratentorial e dos sulcos corticais. Realizou
CAPÍTULO 3. APLICAÇÃO E DISCUSSÃO DE CASOS PRÁTICOS 129

tratamento fisiátrico por dificuldades na coorde- Proposta de avaliação - O exame neuroló-


nação neuromotora e ataxia. Foi medicado com gico evidenciou um défice mnésico e cognitivo
antiepiléptico como medida profilática em virtu- em relação provável com o traumatismo sofrido
de dos seus antecedentes de epilepsia. Acresce com alterações da coordenação cinética e da
que do 5º ao 9º ano de escolaridade necessitou marcha e modificação dos padrões do EEG que
de apoio extracurricular e frequentou programa configura uma situação de agravamento/reativa-
escolar adaptado, por dificuldades mnésicas e ção de patologia epiléptica (veja-se os critérios
de concentração. de imputabilidade descritos no agravamento ou
Dos seus antecedentes patológicos pessoais desencadeamento de uma epilepsia preexistente).
revela-se, em 1998, seguimento na Consulta de Assim e pelos motivos já expostos anteriormente,
Neurologia, por doença neurológica caracte- foi valorado a título de défice funcional perma-
rizada por lapsos de consciência, de carácter nente o facto de o traumatismo ter reativado ou
benigno, sem alterações na aprendizagem, no desencadeado uma patologia epiléptica preexis-
comportamento ou no sistema psicomotor, com tente que, no caso em concreto, foi fixável em 10
remissão sintomática completa. Em 1999, apre- pontos, de acordo com uma epilepsia focal passí-
sentou crises de «ausências», pelo que efetuou vel de controlo medicamentoso. A esta valoração
EEG que evidenciou um traçado com ritmo de foram acrescidas as sequelas decorrentes do TCE
base lentificado e atividade paroxística genera- grave com repercussão cognitiva e mnésica, além
lizada, tendo sido medicado com valproato de do comprometimento da função cerebelosa que
sódio (antiepilético). Assintomático durante cerca condicionou uma perturbação da marcha e ins-
de 8 anos e sem atividade patológica no EEG tabilidade postural. Considerando ainda a perda
desde 2000, foi efetuada redução progressiva funcional decorrente destas sequelas, propôs-se
com posterior suspensão da medicação. Dois um regular acompanhamento do foro psiquiátrico
anos após o traumatismo em apreço, mantinha e neurológico.
tratamento com antiepiléticos (prescritos após o
acidente sofrido em 2004) e foi constatada difi-
culdade na coordenação motora e na aprendiza- Patologia coronária
gem. Realizou novo EEG que revelou traçado bem
estruturado com atividade paroxística frontal es- Examinando de 62 anos de idade, vítima de
querda. A avaliação psicológica demonstrou um agressão na cabeça e tórax, após o que teve perda
QI muito inferior à média e grandes dificuldades de consciência. No subcapítulo dos antecedentes
de atenção e concentração. O examinando referia pessoais consta episódio de EAM, sem registo da
diminuição do aproveitamento escolar e maior data em que tal ocorreu.
irritabilidade. Durante o período de 2008 a 2010 Proposta de avaliação – No caso do sur-
apresentou diversos episódios de «ausência», gimento de um segundo EAM ou do apareci-
com boa resposta ao ácido valpróico, pelo que mento de um EAM tendo como antecedentes
manteve o tratamento medicamentoso. fatores de risco coronários, por exemplo, seria
130 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

crucial uma anamnese detalhada ao examinan- Diabetes Mellitus


do, avaliando-se o intervalo temporal entre o
traumatismo e o EAM. Não podemos esque- CASO 1
cer que a coexistência de um EAM e de um Examinanda de 81 anos de idade, vítima de
traumatismo torácico não é por si só suficiente queda, de que resultou um traumatismo craniano
para o estabelecimento de um nexo de cau- e toracoabdominal. Nos seus antecedentes pes-
salidade direto, mesmo que se verifique uma soais revela-se a preexistência de DM tipo II, tendo
concordância topográfica entre ambos. Supondo iniciado tratamento insulínico após o traumatismo
que o EAM tenha ocorrido após a agressão, o em apreço. Não havia registo de quaisquer outras
nosso parecer técnico-científico deverá basear- informações.
-se em critérios de imputabilidade, sendo os Proposta de avaliação – Seria importan-
mais proeminentes a natureza do traumatismo, te proceder-se a uma avaliação mais exaustiva
o intervalo temporal e a eventual existência no que se refere ao carácter evolutivo da DM
de um estado anterior latente ou conhecido. preexistente, ao eventual desencadeamento de
No episódio coronário precoce, que surge nos uma complicação ou mesmo à aceleração de um
primeiros três dias após o traumatismo, poderá processo evolutivo de angiopatia ou neuropatia
ser estabelecida uma relação causal total, após diabética. Conforme já atrás aludido, qualquer
a exclusão de fatores de risco cardiovasculares. traumatismo, mesmo que ligeiro, é suscetível de
Se o episódio coronário surgir decorridas uma provocar um desequilíbrio endócrino num diabé-
ou várias semanas após o evento traumático, a tico, independentemente do tipo e gravidade do
imputabilidade ir-se-á atenuando com o decorrer distúrbio metabólico preexistente, sendo possível
do tempo, sendo que a partir do 30º dia, se deste modo o agravamento da DM não insulino-
considera uma exclusão total da imputabilidade dependente em DM insulinodependente, o que
(Segal, 1990; Salle, 1992). Através da entrevis- comporta um maior risco de crises hipoglicémicas.
ta efetuada ao examinando deverão ser pes- O traumatismo pode acelerar a evolução natural
quisados eventuais fatores de risco, tais como, da doença, sendo importante fazer-se a distinção
tabagismo, sinais de aterosclerose, diabetes, entre o agravamento definitivo da DM e aque-
hipertensão arterial e obesidade. A questão da le meramente transitório, quase constante. Nos
imputabilidade será muito diferente consoante casos em que o traumatismo agrava uma DM
exista ou não um estado anterior. Num indivíduo não se poderá aceitar um período assintomático
já de alguma idade, como no caso descrito, com pós-traumático longo. Por outro lado, seria difí-
um estado anterior conhecido ou portador de cil imputar ao traumatismo um efeito agravante
uma predisposição ou risco acrescido, por vezes, quando a DM preexistente se encontra mal con-
com demonstração objetiva de lesões antigas na trolada ou em grau de evolução muito avançado,
coronariografia efetuada no decurso do trau- com complicações diabéticas patentes. Porém, é
matismo, um nexo de causalidade dificilmente necessário não esquecer que indivíduos diabé-
será estabelecido. ticos não insulinodependentes são geralmente
CAPÍTULO 3. APLICAÇÃO E DISCUSSÃO DE CASOS PRÁTICOS 131

pouco controlados, quer a nível glicémico quer de pseudoquisto pancreático. A TAC efetuada re-
vascular e que, em 10% a 20% dos casos, a sua velou um pâncreas atrófico, com múltiplas calci-
evolução progride espontaneamente no sentido ficações ao longo do corpo e região cefálica. No
da insulinodependência (Nys e Thervet, 1991). pós-operatório verificou-se ainda uma dificuldade
Face ao exposto, facilmente se depreende que no controlo das glicémias capilares, com valores a
o estudo do nexo de causalidade entre um trau- oscilarem os 260 e 479 mg/dl, motivo pelo qual foi
matismo e o agravamento da DM envolve grande observado pela especialidade de Endocrinologia
complexidade, sendo necessária uma detalhada que sugeriu a colocação de uma bomba perfusora
avaliação individual do caso, já que na prática de insulina durante o internamento. Após a alta
forense se torna extremamente difícil quantificar hospitalar teve necessidade de fazer tratamento
o seu agravamento. De qualquer modo, no caso diário de insulina que ainda mantém para controlo
enumerado, seria vantajosa a análise das medi- glicémico. Contudo, é de realçar que este indivíduo
ções periódicas da HbA1c, inclusive à data do apresentava à data da referida intervenção cirúrgica
traumatismo e anteriormente a este. O parecer da uma diabetes mellitus tipo 2 tratada com antidia-
especialidade de endocrinologia torna-se essencial béticos orais e diagnosticada há cerca de 15 anos
nesta situação, com o objetivo de averiguar se as após tratamento cirúrgico pancreático por quistos.
alterações evidenciadas a nível do metabolismo Proposta de avaliação - De referir que na
glucídico guardam alguma relação com o evento informação clínica facultada pela médica assis-
traumático. Supondo que os elementos disponíveis tente da examinanda, se apurou que os valores
não permitissem retirar conclusões relativamente de glicémia capilar, nos meses que antecederam a
à relação causal entre o agravamento do distúrbio referida cirurgia, estavam controlados, flutuando
endócrino e o traumatismo, ou seja, não permi- entre os 78 e 95 mg/dl. Consultado o processo
tissem estabelecer ou afastar com segurança o clínico da doente, verificaram níveis mais eleva-
nexo de causalidade entre ambos, seria aceitável dos de HbA1c dois meses após a nefrolitotomia
assumir-se um nexo de causalidade hipotético, complicada. Na verdade, cerca de um mês antes
sendo fundamental a sua referência no relatório da cirurgia descrita, a doente apresentava valores
médico-legal e fundamentação dos argumentos de HbA1c de 6% enquanto dois meses após a
a favor e contra o seu estabelecimento. referida intervenção, os valores oscilavam entre os
10 e 12%. Estes níveis elevados da hemoglobina
CASO 2 mantiveram-se durante o ano seguinte, em que
Examinanda de 65 anos de idade que, na foi submetida a exame pericial. De acordo com a
sequência de uma nefrolitotomia percutânea, so- literatura científica, a determinação da hemoglobi-
freu uma perfuração de ansa do intestino delgado na glicosilada tem sido considerada um excelente
complicada de abcesso intra-abdominal, infeção argumento para o conhecimento de um estado
da ferida operatória e infeção respiratória. No pós- glucídico anterior, uma vez que a sua determi-
-operatório foi detetada a presença de amilase no nação reflete geralmente o equilíbrio médio das
líquido drenado, tendo sido excluído o diagnóstico glicémias nas seis semanas precedentes.
132 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

Face ao exposto, é de se reconhecer que na ser de 14 mL/min, o examinado apresentava uma


sequência do evento em apreço, a examinanda boa diurese e não manifestava sinais ou sintomas
passou a necessitar da administração diária de de sobrecarga de volume ou sintomas urémicos.
insulina para controlo do seu distúrbio glucídico, Além disso, os sete controlos analíticos efetuados
que até então era suficientemente controlado com durante esse mês (Abril), revelaram valores de
o uso de antidiabéticos orais. De facto, verificou- hemoglobina oscilando entre os 9.8 e 8.1 g/dl.
-se uma mudança em termos das suas exigências Quatro dias decorridos do traumatismo (em Julho
terapêuticas, apesar de o pâncreas já apresentar de 2010), o examinado foi admitido no serviço de
um aspeto atrófico, de alguma forma preditivo urgência hospitalar por quadro de anemia agu-
de uma futura dependência de insulina. Contudo, dizada e com queixas de anorexia. O valor de
esta progressão para uma diabetes insulinodepen- hemoglobina era de 8.9 g/dl, vindo a decrescer
dente é variável, não podendo ser rigorosamente e a atingir valores de 7.2 g/dl cerca de 13 dias
calculado em que momento tal se desencadearia. após o acidente, data em que foi internado por
Por este motivo e de forma a compensar esta agravamento da anemia e foi transfundido com
antecipação do início do tratamento insulínico duas unidades de glóbulos vermelhos. Durante
ou aceleração do processo evolutivo no que se o internamento iniciou programa regular de he-
refere ao distúrbio glucídico preexistente, deverá modiálise.
ser ponderada a atribuição de um défice funcional Proposta de avaliação – Merece o caso que
permanente. se teçam algumas considerações quanto ao nexo
de causalidade existente entre o traumatismo so-
frido e o alegado agravamento da função renal.
Descompensação de uma insuficiência renal Importa mencionar que embora o examinado
fosse portador de um marcado compromisso
Examinando de 71 anos de idade, sofreu renal antes do traumatismo sofrido, com taxas
acidente de viação em Julho de 2010, de que de filtração glomerular diminutas e valores de
resultaram múltiplas escoriações dispersas pelo creatinina elevados, flutuando entre 7.1 e 9.55 mg/
corpo e uma fratura impactada da cavidade gle- dl, algumas semanas/dias antes do traumatismo
nóide à esquerda, parcialmente articular, que foi não foram descritos quaisquer sinais ou sintomas
tratada conservadoramente. Dos seus anteceden- de sobrecarga de volume ou sintomas urémicos
tes pessoais, salienta-se que o examinado era antes do evento traumático que levassem de for-
seguido na Consulta de Nefrologia desde 2004, ma perentória ao início do tratamento substitutivo
por insuficiência renal crónica secundária a ne- da função renal por hemodiálise. Acresce que o
fropatia diabética, tendo sido internado em Abril médico nefrologista que seguia o examinado em
de 2010 por agravamento progressivo da sua fun- consulta previamente ao traumatismo conside-
ção renal, sem fator desencadeante. Apesar do ra igualmente ter surgido um agravamento da
marcado compromisso renal, do agravamento de sua anemia na sequência do traumatismo e que
retenção azotada e da taxa de filtração glomerular tal despoletou que o tratamento substitutivo da
CAPÍTULO 3. APLICAÇÃO E DISCUSSÃO DE CASOS PRÁTICOS 133

função renal se tenha iniciado mais cedo do que Esses mesmos estudos reconhecem que em alguns
o previsto. doentes com uma taxa de filtração glomerular
A estes argumentos favoráveis ao estabeleci- superior a 7.0 mL/min e sob um tratamento clínico
mento de uma relação causal entre o acidente em cuidadoso, o tratamento por hemodiálise pode
análise e a antecipação do início da hemodiálise, ser adiado. Foram encontrados resultados clínicos
adicionam-se dados recentes da literatura cientí- favoráveis semelhantes em doentes nos quais a
fica defendendo que o início da diálise depende, hemodiálise se iniciou precocemente e naqueles
regra geral, de uma combinação de sintomas do em que o tratamento com diálise foi instituído de
doente, de comorbilidades e de parâmetros la- forma eletiva. Estes estudos obviamente diferem
boratoriais, e que as indicações absolutas para a dos previamente publicados e que consideravam
diálise incluem a sobrecarga de volume grave re- que o início precoce da diálise dependia da taxa
fratária aos diuréticos, a hipercaliémia e/ou acido- de filtração glomerular e conduzia a uma melhoria
se grave, a encefalopatia sem outra explicação e a da sobrevida.
pericardite ou outra serosite. Outras indicações da O ratio de progressão de uma doença renal
diálise incluem a urémia sintomática (por exemplo, crónica não pode ser previsível e não há dados
anorexia, náuseas, vómitos, prurido, dificuldade científicos que permitam predizer em que data o
de manter a atenção e a concentração) e a mal- programa de hemodiálise teria início se o evento
nutrição proteico-calórica. Não se usa nenhum traumático não tivesse ocorrido. Não obstante o
valor absoluto da creatinina ou da ureia sérica, da exposto, torna-se complexo assumir com grande
clearance da creatinina ou da taxa de filtragem rigor médico-legal um nexo de causalidade certo
glomerular como ponto de corte absoluto para com o caso em concreto, dada a magnitude da
a necessidade de diálise, embora a maioria dos doença renal que o sinistrado apresentava à data
indivíduos experimente, ou rapidamente desen- do traumatismo sofrido. Note-se, porém, idêntica
volva, sintomas e complicações, quando a taxa dificuldade em excluir com total segurança uma
de filtração glomerular for inferior a 10 mL/min. eventual influência/descompensação do trauma-
Novos estudos concluíram que em doentes tismo sobre a função renal do examinado.
com doença renal crónica, o início antecipado da Embora tenham sido enunciados argumen-
diálise não acarreta efeito significativo na taxa de tos a favor e contra o estabelecimento da impu-
mortalidade, uma vez que não existe uma relação tabilidade médica entre o acidente sofrido em
estatisticamente significativa entre a função renal Julho de 2010 e a antecipação do tratamento de
no momento de início do tratamento substitutivo hemodiálise, reconhece-se, ainda que de forma
da função renal e a subsequente mortalidade. hipotética, o estabelecimento do seu nexo cau-
A Sociedade Canadiana de Nefrologia recomenda sal, em virtude do agravamento da anemia e da
que o início da diálise deverá ter lugar quando a ausência de sintomas urémicos descritos antes
taxa de filtração glomerular é inferior a 12 mL/min, do traumatismo em apreço. Na verdade, justo
com a condição de poder ser diferida se não existir será, numa situação de aceleração de um estado
evidência sintomática de urémia ou malnutrição. patológico anterior, o examinado ser reparado a
134 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

título de défice funcional permanente, por essa Agravamento de síndrome demencial


antecipação do seu compromisso sintomático
ou funcional, de modo a compensar o examina- Examinanda de 69 anos de idade, vítima
do que poderia, durante tempo indeterminado, de acidente de viação - colisão frontal entre um
viver sem esse sofrimento físico e psíquico. De veículo ligeiro de passageiros e veículo da mesma
acordo com a TIC, a insuficiência renal prevê categoria onde seguia no lugar de passageira
um coeficiente de desvalorização mínimo de 5 da frente no qual, apesar de estar com cinto de
a 15 pontos. Esta orientação tabelar levou a segurança, embateu com a cabeça no pára-brisas
propor-se, por analogia, um défice funcional da viatura. Do acidente resultou traumatismo cra-
permanente da integridade físico-psíquica de nioencefálico com perda fugaz da consciência,
2 pontos (inferior ao previsto na tabela para pelo que foi internada em unidade hospitalar.
a insuficiência renal), no que se refere a uma Cerca de dois dias após o traumatismo, iniciou
descompensação da função renal com conse- quadro de desorientação temporo-espacial, rea-
quente antecipação do início da hemodiálise. A lizando TAC cranioencefálica que revelou uma
nosso ver, parece-nos razoável esta atribuição, hemorragia subdural interhemisférica posterior
uma vez que o examinado era já portador de e no sulco tentorial esquerdo. Uma semana após
uma disfunção renal grave e a sua evolução ex- o referido acidente, a TAC de controlo revela-
pectável seria a hemodiálise. Do que vem sendo va hematoma subdural agudo falcinotentorial à
exposto, resulta o nosso entendimento de que, esquerda e foco de contusão hemorrágico no
no plano médico-legal, o importante não é a parênquima temporoccipital interno. Após vinte e
asserção tabelar conclusiva constante da perícia, três dias de internamento, regressou ao domicílio
mas sobretudo os elementos factuais e a forma e, após 3 a 4 dias, foi readmitida num serviço
como deverá ser valorado o dano decorrente do hospitalar com desvio da comissura labial e he-
evento traumático. A tabela de incapacidades miparésia esquerda. Aí realizou uma nova TAC
não tem carácter vinculativo, o que permite ao que evidenciou três acidentes vasculares cerebrais
perito médico uma atitude autocrítica, podendo (AVC) isquémicos em territórios e com tempos
aumentar ou diminuir o valor da incapacidade, de evolução distintos. O mais agudo traduzido
desde que fundamente a sua decisão. A este pela perda de diferenciação cortico-subcortical
respeito, o perito médico deve esforçar-se por frontoinsular direita, ocupando a repercussão
ser simultaneamente justo e imparcial na avalia- parenquimatosa atingida parte do território da
ção de um sinistrado, não se limitando apenas artéria cerebral média direita. Outro AVC recente,
ao enquadramento numérico nas tabelas, que apesar de evidenciar maior tempo de evolução,
carecem sempre de actualizações. Continua a ocupava o território temporoccipital parasagital
ser nossa tarefa evitar, sempre que possível, o esquerdo no território da artéria cerebral posterior
afastamento dos coeficientes de desvalorização ipsilateral. O enfarte caracterizado como mais
previstos, de modo a proceder-se a uma maior antigo localizava-se a nível temporoccipital direito
uniformização da avaliação pericial. irrigado pela artéria cerebral posterior direita.
CAPÍTULO 3. APLICAÇÃO E DISCUSSÃO DE CASOS PRÁTICOS 135

Todos os enfartes apresentavam sinais de origem e com tempos de evolução distintos aponta para
embolígena. O ecodoppler dos vasos do pescoço uma origem embólica, que muito possivelmente
realizado evidenciou permeabilidade dos eixos ca- e atendendo aos fatores predisponentes da exa-
rotídeos apesar da infiltração ateromatosa difusa minada, podem ser de origem cardíaca. A fibri-
ligeira a esse nível. Com um quadro de desorien- lhação auricular é considerada um importante
tação temporoespacial, manteve-se internada e fator predisponente, uma vez que não ocorre um
ao regressar ao domicílio, esteve dependente de esvaziamento completo das aurículas em cada
ajuda complementar de terceira pessoa, durante batimento cardíaco, pelo que o sangue retido
cerca de dois meses, para a realização da higiene no interior destas cavidades cardíacas tende a
pessoal, das tarefas domésticas e na confeção estagnar e coagular. Consequentemente formam-
das refeições. O seu comportamento era descrito -se coágulos sanguíneos que ao desprenderem-se
como desadequado, imprevisível, com períodos e atingirem o ventrículo esquerdo, penetram na
de desorientação e esquecimento marcado. Após corrente sanguínea e podem vir a obstruir e causar
esse período, a examinada não manifestava au- embolia numa artéria de menor calibre, como é o
tonomia suficiente para residir sozinha, uma vez caso das artérias cerebrais. No caso em concreto,
que apresentava frequentes lapsos de memória, será de excluir uma fonte artéria-artéria, já que
esquecendo-se inclusive de desligar o fogão e de o ecodoppler não demonstrou qualquer possível
tratar das lides domésticas consideradas essen- fonte da parede arterial (frequente em situações
ciais. Face ao exposto, a examinada foi institucio- de aterosclerose).
nalizada num Centro de Dia e passou a coabitar Por outro lado, face à natureza e à magnitu-
no domicílio do filho. Com base em informação de do TCE sofrido, com foco de contusão hemor-
médica disponibilizada, bem como na informa- rágico no parênquima encefálico, bem como ao
ção prestada pelo filho da examinada, esta, à stress emocional e à perturbação hemodinâmica
data do evento em consideração, era já seguida que inevitavelmente se reconhece existir nestes
clinicamente por patologia valvular cardíaca e casos, é de admitir que os fatores de risco embolí-
fibrilhação auricular. A sinistrada foi igualmente genos da qual a examinada era portadora poderão
caracterizada, pelo filho, como sendo totalmente ter sido alvo de descompensação hemodinâmica
independente para as atividades básicas da vida com o evento traumático e serem passíveis de
diária e orientada temporoespacialmente previa- originar êmbolos e consequentemente os AVC
mente ao acidente. isquémicos descritos na TAC realizada um mês
Na sequência do acima descrito e face aos após o acidente. O desenvolvimento de coleções
antecedentes pessoais da examinada, nomeada- sanguíneas no espaço subdural (hematoma sub-
mente patologia valvular cardíaca e fibrilhação dural) está cronologicamente adequado com o
auricular, reconhece-se o seu maior risco embó- traumatismo sofrido pela sinistrada. Reconhece-se
lico comparativamente com a população geral. que numa fase hiperaguda de um AVC isquémi-
Note-se que o facto dos AVC isquémicos descritos co, a TAC pode não evidenciar alterações ima-
serem múltiplos, em vários territórios vasculares giológicas manifestas considerando-se o enfarte
136 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

cerebral isodenso, isto é, sem distinção entre o estrutural precipitada pela oclusão vascular.
parênquima cerebral “normal” e o enfartado. No Desta forma, pode considerar-se que o trau-
entanto, tais alterações expressam-se na imagem matismo perturbou um equilíbrio neurovascular
por TAC quando apresentam tempos de evolução precário concorrendo, deste modo, para a sua
superiores a 24 horas. Isto permite alguma dife- descompensação e favorecendo o aparecimento
renciação temporal dos AVC estabilizados bem do enfarte cerebral. Parece razoável admitir-se
como perspetivar alguma cronologia no que se o estabelecimento de um nexo de causalidade
refere à sua formação. Importa mencionar que o parcial entre o traumatismo e o compromisso
traumatismo cerebral é um fator de perturbação cognitivo apresentado e enquadrável numa sín-
da homeostasia interna passível de condicionar e drome demencial. Isto porque embora o evento
precipitar distúrbios à distância, nomeadamente, traumático possa apenas ter desencadeado uma
a nível gastrintestinal e cardíaco. Por outro lado, condição patológica numa sinistrada com fatores
o envolvimento cardíaco neste processo será mais predisponentes para o seu aparecimento, não
notório caso haja patologia da estrutura ou da se pode predizer cientificamente quando é que
função, o que se constata no caso em apreço. eventualmente viria a sofrer um AVC isquémico
Note-se que a flutuação da tensão arterial/fre- com a mesma intensidade se o acidente não
quência cardíaca pode condicionar fatores de tivesse ocorrido, ou mesmo até se algum dia
embolização mais “eficazes” e dinâmicos. viria a desenvolver sem esse evento traumático.
Proposta de avaliação – A nosso ver, al- Sem contradizer tal posicionamento, será justo
gumas apreciações deverão ser tecidas no que que a examinada seja valorada em termos de
concerne ao nexo causal entre o traumatismo défice funcional permanente, no que se refere
sofrido e o compromisso cognitivo evidenciado ao compromisso cognitivo em multidomínios
pela sinistrada. Neste caso, existe à partida um enquadrável num síndrome demencial, com
estado patológico anterior, ao qual se associam descompensação ou agravamento sintomático
frequentemente complicações neurológicas is- pós-traumático. Nesta conformidade e uma vez
quémicas. Pode argumentar-se que a patologia que as sequelas decorrentes afetavam a autono-
anterior não está bem estudada mas, neste caso, mia e independência da examinada foi efetuada
a informação clínica e imagiológica subsequen- uma proposta de défice funcional permanente
te ao traumatismo contribuiu para orientar a de 75 pontos, de acordo com o código Na0403
presunção em favor da sua causalidade. Os ar- da TIC. No caso em apreciação foi prevista de
gumentos enunciados, bem como o facto da igual modo a necessidade de ajuda (por vigi-
TAC subsequente ao traumatismo não revelar lância e por incitação) de terceira pessoa para a
lesões ou sequelas isquémicas bilaterais, con- realização das atividades básicas da vida diária,
trariamente à que é efetuada cerca de um mês bem como a necessidade de um regular acom-
após o evento em apreço, leva-nos a reconhecer panhamento médico para estimulação cogniti-
que o compromisso cognitivo apresentado pela va com vista a influenciar positivamente o seu
sinistrada seja, na verdade, resultante da lesão prognóstico.
Capítulo IV
JURISPRUDÊNCIA
(Página deixada propositadamente em branco)
CAPÍTULO 4. JURISPRUDÊNCIA 139

Por força da complexidade de que se reveste de um descolamento da retina do olho esquer-


muitas vezes o estabelecimento do nexo de causa- do. Deste modo, a ação de recurso apresentada
lidade, torna-se relevante analisar a jurisprudência pretendia saber se na fixação da incapacidade
sobre esta matéria. atribuída ao sinistrado teriam sido considerados
os antecedentes patológicos de que o sinistrado
já padecia. A Companhia de Seguros entendia
• ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL que o caso era subsumível ao disposto no nº3
DE JUSTIÇA, PROC. 117/05.5TUBRG.P1.S1, do art.11º da LAT e tal implicaria que o grau de
DE 02-06-2010 incapacidade imputável ao acidente não pudesse
ser superior a 45%, uma vez que o sinistrado já
Comecemos por referir uma ação de recur- se encontrava cego do olho direito e com a capa-
so apresentada no Supremo Tribunal de Justiça cidade visual do olho esquerdo reduzida a 3/10.
(STJ) por uma Companhia de Seguros, no que No nosso entender, as alegações da segura-
se refere a um sinistrado que exercia funções de dora não têm fundamento, uma vez que a situação
puncionador (guilhotina) que foi vítima de aci- em apreço não se enquadra no âmbito da pre-
dente de trabalho em 2004, com atingimento visão contida no nº3 do art.11º da LAT, mas sim
na região ocular esquerda por uma bola de bor- na do seu nº23. Efetivamente, como disse Carlos
racha. Deste acidente terá resultado uma atrofia Alegre (2009), a lesão ou doença contemplada
do nervo ótico, uma maculopatia traumática e um no nº3 é, apenas, a resultante de um acidente
agravamento da miopia grave de que já padecia, de trabalho anterior, de que haja resultado uma
causando-lhe um descolamento da retina e uma incapacidade permanente, já quantificada e fixa-
hipovisão acentuada do olho esquerdo. O Tribunal da. No mesmo sentido, também Cruz de Carvalho
de Trabalho considerou que tais lesões e sequelas (1980) dizia que “[a] referência no nº3 apenas à
determinavam a atribuição de uma incapacidade incapacidade permanente anterior, e porque tal
permanente parcial de 95% e uma incapacidade conceito apenas é usado em matéria de acidentes
permanente absoluta para o trabalho habitual do de trabalho, leva ao entendimento de que apenas
sinistrado. Perante a conclusão do Tribunal de se aplica quando a incapacidade é derivada de
Trabalho, a Companhia de Seguros apresentou acidente” e conforme jurisprudência há muito
uma ação de recurso questionando a incapaci-
dade permanente de que o sinistrado terá ficado 3
O nº2 do art.11º da LAT estipula que “quando a lesão
afetado em consequência das lesões sofridas no ou doença consecutiva ao acidente for agravada por lesão ou
doença anterior, ou quando esta for agravada pelo acidente, a
acidente, alegando que o mesmo à data do aci- incapacidade avaliar-se-á como se tudo dele resultasse, a não
dente era já cego do olho direito e sofria de miopia ser que pela lesão ou doença anterior o sinistrado já esteja
a receber pensão ou tenha recebido um capital de remição
no olho esquerdo, com uma acuidade visual de nos termos da presente lei”. Por outro lado, no seu nº3 lê-se
3/10, pelo que tinha uma tendência natural para que “no caso de o sinistrado estar afetado de incapacidade
permanente anterior ao acidente, a reparação é apenas a cor-
descolamentos espontâneos da retina. Acrescenta
respondente à diferença entre a incapacidade anterior e a que
que seis anos antes do traumatismo havia registos for calculada como se tudo fosse imputado ao acidente”.
140 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

fixada pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA), É certo, como diz a Seguradora, que o si-
no sentido de só ter aplicação aos casos em que nistrado já se encontrava cego do olho direito e
pela incapacidade anterior já o sinistrado esteja que essa lesão era, obviamente, insuscetível de
a receber uma indemnização. Foi nessa linha de ser agravada pelo acidente. Sucede, porém, que
pensamento e de interpretação que se pronunciou as funções relacionadas com o sistema visual se
o STJ a propósito do nº3 da Base VIII da Lei n.º devem resumir a uma só, a função visual, que,
2127, de 03-08-1965, cujo teor foi textualmente tendo embora vários componentes, não deve
reproduzido no nº3 do art.11º da LAT, exceto no ser subdividida (vide Instruções específicas do
que toca à palavra “vítima” que foi substituída Capítulo V – Oftalmologia – TNI, aprovada pelo
pela palavra “sinistrado” e decidiu que “a des- Decreto-Lei n.º341/93, de 30/09, em vigor à data
valorização a que se refere o nº3 da Base VIII do acidente). E, por isso, considera-se que as le-
da Lei n.º2127 é a desvalorização anterior que sões de que o sinistrado era portador antes do
tenha sido reconhecida judicialmente. O preceito acidente foram, na sua globalidade, agravadas
legal ao referir-se à incapacidade permanente tem por este.
em vista a incapacidade permanente derivada Do que vem sendo exposto, os autores ade-
do acidente. A incapacidade permanente é uma rem inteiramente ao entendimento perfilhado
expressão técnica, com um significado específico no acórdão citado. O dano deverá ser visto não
no direito em que se insere, derivada do acidente tanto como a lesão ou a perturbação corporal
e reconhecida em processo próprio.” provocada pelo evento, mas antes a redução
Neste sentido e não estando provado, nem na capacidade de trabalho ou ganho resultante
tendo sido alegado, que as lesões oftalmológicas daquela lesão, perturbação ou doença. Não se
de que o sinistrado já era portador antes do visa, assim, a reconstituição da situação em que
acidente tivessem resultado de anterior acidente o ofendido estaria sem a lesão (artigos 483.° e
de trabalho, temos de concluir que o disposto 562.° do Código Civil) mas apenas a reintegra-
no nº3 do art.º11 da LAT não tem aplicação ção da capacidade de ganho anterior, ou seja,
ao caso em apreço. Aplicável ao caso é, antes, os prejuízos indemnizáveis são os que importam
o disposto no nº2 do citado art.º11, uma vez uma diminuição da capacidade de trabalho do
que as lesões oftalmológicas de que o autor já sinistrado, aqueles danos previstos na Tabela
era portador antes do acidente, consideradas Nacional de Incapacidades.
na sua globalidade, foram por este agravadas,
sendo que sobre a Companhia de Seguros im-
pendia o correspondente ónus de provar que • ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO
o sinistrado já tivesse recebido ou estivesse a PORTO, Proc. 118/10.1TTLMG.P1 DE 18-02-2013
receber qualquer reparação à conta das ditas
lesões preexistentes, por se tratar de factos im- A acrescer ao anteriormente referido, um
peditivos do direito à reparação invocado pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto (TRP)
sinistrado. conclui que «se o sinistrado padece de lesão ou
CAPÍTULO 4. JURISPRUDÊNCIA 141

doença anterior ao acidente, se deste resulta in- que a situação clínica do sinistrado tinha sofrido
capacidade (IPP) para o trabalho e agravamento agravamento em virtude do acidente de trabalho
daquela e se, em resultado dessa doença, o si- ocorrido, agravamento que justificou a atribuição
nistrado fica, após o acidente, afetado de IPATH, daquela IPP. No entanto, determinou-se que a
tudo, incluindo esta incapacidade, deverá ser IPATH de que o sinistrado padecia não tinha
avaliado como se tivesse resultado do acidente”. origem nas lesões provocadas pelo acidente
Nesta decisão, apreciou-se o caso de um em causa, mas antes na doença preexistente.
sinistrado, pedreiro, vítima de acidente de traba- Nessa medida, o tribunal ficou convencido de
lho em Fevereiro de 2010, quando puxava uma que o nexo causal entre as lesões e o acidente
viga de cimento com cerca de 6 metros e sentiu em discussão existia apenas no que concerne
uma dor intensa nas costas. No dia seguinte à fixação de 15% de IPP, mas sem IPATH. Foi
ao evento, foi assistido no hospital e foi feita apresentada ação de recurso pelo sinistrado que
analgesia. Acompanhado nos Serviços Clínicos alegava que em virtude do acidente sofreu le-
da Seguradora e cerca de um mês decorrido do sões que lhe determinaram uma incapacidade
acidente, realizou uma Ressonância magnética impeditiva do exercício do seu trabalho habi-
que revelou que “(…) em L5-S1 observa-se de- tual e que pretendia que lhe fosse reconhecida.
sidratação do disco intervertebral, com redução Referia sentir dores intensas que motivavam a
da distância intersomática em menos de 50%. toma diária de analgésicos e apresentava como
O disco apresenta hérnia extrusa paramediana sequelas alterações neurológicas em ambos os
direita com migração caudal. A raiz de S1 direita membros inferiores, com especial incidência do
encontra-se empurrada contra o maciço articular membro inferior direito. Além disso, constatou-se
posterior, podendo aqui estar comprometida”. que a Companhia de Seguros não alegou que
Foi submetido a uma avaliação pela especialidade o sinistrado havia ocultado o facto de padecer
de Ortopedia em Setembro desse ano, do qual de alguma doença anterior, nem tão-pouco que
constava “a hérnia discal compressiva terá que recebesse alguma pensão ou tivesse recebido
ser aceite como pós-traumática. Não há outra capital de remição por força da patologia pree-
explicação”. Da matéria dada como provada no xistente. De igual modo, em processo judicial
processo judicial, constava que o sinistrado à deu-se como provado que, apesar de padecer
data do evento era portador de patologia a nível dessa doença, o sinistrado exercia a sua profissão
da coluna lombar que se traduzia por alterações de pedreiro, ou seja, não se encontrava incapaz
degenerativas e canal estreito lombar. Perante a para exercer a sua atividade profissional, quando
informação disponibilizada, a junta médica decla- foi vítima do acidente de trabalho em referência.
rou que o sinistrado sofria de uma incapacidade Por último, e pedra basilar da ação de recurso,
permanente parcial de 15%, em consequência decorreu inequivocamente dos autos que, por
do acidente descrito. Tendo por base o auto de força do acidente de trabalho que o sinistrado
junta médica bem como os elementos clínicos, sofreu, o mesmo passou a sofrer de uma IPP
havia sido determinado pelo Tribunal de Trabalho de 15%, e viu agravar-se a sua situação clínica,
142 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

decorrendo desse agravamento uma incapacida- Face à alteração introduzida na Base VIII,
de permanente para o exercício da sua profissão do nº1 da Lei nº 2127, de 03/08/1965 4 pela Lei
habitual. Ora, face aos n os 1 e 2 do art.º11 da 100/97 de 13/095, uma interpretação possível
atual LAT, constata-se que a incapacidade de que seria a de que a responsabilidade pela reparação
o sinistrado padece deve ser avaliada como se integral não fosse afastada mesmo que a predis-
resultasse do acidente de trabalho, não poden- posição patológica tivesse sido a causa única da
do haver lugar a uma separação entre uma IPP lesão. Ou seja, de harmonia com a Lei nº 2127,
decorrente do acidente de trabalho e uma IPATH se a predisposição patológica fosse a causa única
decorrente de doença preexistente. É que, como da lesão ou doença excluída ficaria a reparação
é evidente, o sinistrado não sofria de qualquer integral. Ora, tendo a Lei 100/97, no art.9º, nº1,
IPATH antes do traumatismo, sendo que a mes- redação que foi mantida pela atual LAT, revogado
ma surgiu exclusivamente por força do agrava- tal limitação, torna-se discutível se mesmo que a
mento da sua situação clínica. Face aos factos predisposição patológica haja sido a causa única
dados como provados, não é possível a distinção da lesão ou doença, ainda assim se mantém o
entre as duas situações. O atual estado clínico direito à reparação integral. De facto, da reda-
do sinistrado não teve uma origem exclusiva no ção do nº1 do art.9º da Lei 100/97 foi retirada
acidente de trabalho que o mesmo sofreu mas a referência à causa única. Na opinião de Carlos
antes numa série de outras patologias de que o Alegre (2009), desde a Lei 100/97, a exclusão
mesmo padece e que se encontram devidamente do direito à reparação integral apenas ocorrerá
descritas nos diversos registos clínicos. Nada nos quando, existindo a predisposição patológica,
autos excluía a possibilidade de terem ocorrido esta tenha sido ocultada. Considera que “cabe
ou concorrido outras causas para o agravamento à entidade responsável demonstrar que aquele
da doença e a consequente IPATH, assim como [o trabalhador] não só conhecia [a predisposição
nada resulta no sentido contrário de que esse patológica], de forma clara e inequívoca, como
agravamento e a IPATH são consequência exclu- a ocultou da entidade empregadora, no momen-
siva do acidente de trabalho. Note-se que à data to em que celebrou o contrato de trabalho ou
do acidente de trabalho, o sinistrado exercia a equivalente, ou no momento em que dela teve
sua atividade profissional. conhecimento”.
Ora, como diz Carlos Alegre (2009), a predis-
posição patológica “não é, em si, uma doença ou
patogenia: é, antes, uma causa patente ou oculta 4
A Base VIII, no nº1 da Lei nº2127, de 3 de Agosto de
que prepara o organismo para, num prazo mais 1965: “A predisposição patológica da vítima de um acidente
não exclui o direito à reparação integral, salvo quando tiver
ou menos longo e segundo graus de várias inten-
sido causa única da lesão ou doença ou tiver sido dolosamen-
sidades, poder vir a sofrer determinadas doenças. te ocultada”.
O acidente de trabalho funciona, nesta situação, 5
O art.9º, no nº1 da Lei 100/97 de 13 de Setembro: “A
predisposição patológica do sinistrado num acidente não
como agente ou causa próxima desencadeadora
exclui o direito à reparação integral, salvo quando tiver sido
da doença ou lesão”. ocultada».
CAPÍTULO 4. JURISPRUDÊNCIA 143

Por outro lado, a situação configurada no doença preexistente. Verifica-se que a doença
nº2 do art.11º da LAT impõe que em tais situa-
6
anterior, determinante da IPATH, foi agravada
ções de agravamento (seja da lesão consecutiva pelo acidente, devendo a incapacidade (seja na
ao acidente, seja da lesão anterior ao acidente), parte decorrente apenas da doença anterior, seja
a incapacidade será avaliada globalmente como na parte decorrente do seu agravamento, deter-
se toda ela fosse resultante do acidente, o que, minado pelo acidente) ser avaliada como se tudo
aliás, bem se compreende considerando desde decorresse do acidente, já que não foi alegado,
logo a dificuldade em se estabelecer a fronteira nem se provou, que o sinistrado, em virtude dessa
entre o que é, ou não, imputável, e respetiva doença preexistente, se encontre a receber pensão
medida, exclusivamente à doença anterior e ao ou tenha ocultado a sua existência. Assim sendo,
acidente. Acresce que é à entidade responsável conclui-se que o sinistrado se encontre afetado
pela reparação que incumbe a ónus de alegação de IPATH, com uma IPP de 15% para o exercício
e prova de que o sinistrado aufere, pela doença de outra profissão compatível com o seu quadro
ou lesão anterior ao acidente, uma pensão ou sequelar.
capital de remição. Aliás, os Acórdãos do STJ, de 10-12-2008,
Ou seja, quer na situação prevista no nº1, in Colectânea de Jurisprudência do STJ, 3.º294,
quer nas referidas no nº2, do art.º11, a menos do TRP, de 19-04-2010, do Tribunal da Relação
que se verifiquem as exceções neles referidas, de Coimbra, de 01-06-2006, decidiram que, não
não há que estabelecer qualquer distinção na se evidenciando a causa de exclusão prevista no
incapacidade. nº1, se o acidente de trabalho sofrido pelo tra-
Ora considerando o acima exposto, há que balhador agravar doença degenerativa existente,
concluir que não existe fundamento para excluir a nos termos do nº2 do art.º9 da anterior LAT, a
IPATH da reparação devida pelo acidente de traba- incapacidade avaliar-se-á como se tudo do aci-
lho, não procedendo o argumento defendido pela dente resultasse.
Companhia de Seguros, de que o “acidente serviu
apenas para agravar as lesões que o sinistrado
apresenta, não estando, todavia, na sua origem”. • ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO
Com efeito, a IPATH decorre de patologia preexis- PORTO, PROC. 0712131, DE 22-10-2007
tente que foi agravada pelo acidente de trabalho
em causa, sendo que não resulta o argumento Dentro da predisposição patológica, cita-se
de que essa IPATH é imputável exclusivamente à o caso de uma sinistrada, de 46 anos de idade,
exercendo funções de empapeladora e que, ao
serviço da sua entidade patronal, em 2004, quan-
6
O art.11º, no nº2 da LAT: “Quando a lesão ou doença
consecutiva ao acidente for agravada por lesão ou doença ante- do procedia ao levantamento de um bidão, com
rior, ou quando esta for agravada pelo acidente, a incapacidade cerca de 35Kg, sofreu uma forte dor no ombro
avaliar-se-á como se tudo dele resultasse, a não ser que pela
direito. Detetada a rutura da coifa no ombro, foi
lesão ou doença anterior o sinistrado já esteja a receber pensão
ou tenha recebido um capital de remição nos termos da lei». reconhecida, a título de dano permanente, uma
144 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

rigidez do ombro direito após esforço, valorada para que haja causa adequada, não é de modo
com uma IPP de 4%. Porém, a companhia de nenhum necessário que o facto, só por si, sem a
seguros contestou a decisão proferida e recorreu colaboração de outros, tenha produzido o dano.
ao TRP, alegando, em resumo, que a lesão apre- Essencial é que o facto seja condição do dano, mas
sentada pela sinistrada tinha origem em factos nada obsta a que, como frequentemente sucede,
muito anteriores à data do acidente, uma vez ele seja apenas uma das condições desse dano”.
que, 20 dias antes, a sinistrada já apresentava Na verdade, se o agente produziu a causa donde
queixas dolorosas naquele ombro e diariamente resultou o dano, sem dúvida que a sua conduta
procedia ao levantamento desse bidão, nas exatas é adequada ao resultado, mesmo que, concomi-
circunstâncias em que, no dia do acidente, o fez, tantemente com a sua conduta haja a ação de
pelo que não se pode classificar tal ato como terceiros a concorrer para esse resultado ou, pelo
uma circunstância anormal, inesperada ou súbi- menos, a não o evitar. Já que a Seguradora não
ta. O objeto do recurso apresentado limitou-se demonstrou que o “quadro doloroso do ombro
a apreciar se os factos constituíam ou não um direito” tenha persistido durante aqueles 20 dias
acidente de trabalho indemnizável. A condição da que antecederam o alegado traumatismo ou que
subitaneidade é típica do acidente contrastando a sinistrada o tenha ocultado à sua entidade em-
com a evolução lenta, geralmente característi- pregadora, é perfeitamente legítimo concluir-se
ca de uma doença. Não obstante, Carlos Alegre que o esforço físico despendido pela sinistrada
(2009) afirma “existirem zonas cinzentas em que para levantar o bidão de 35 Kg, tenha sido causa
a subitaneidade se esbate perante uma evolução adequada da rutura da coifa de rotadores no
lenta, como é o caso da ação contínua de um ombro direito, quer por ação direta (em média,
instrumento de trabalho ou do agravamento de a partir dos 40 anos de idade os tendões tendem
uma predisposição patológica ou das afeções a perder robustez), quer por desencadeamento/
patogénicas contraídas em virtude do trabalho agravamento de uma predisposição patológica
[…]. O agravamento de um estado patológico já (uma vez que a sinistrada cerca de 20 dias antes
existente ou de uma predisposição patológica, por do evento traumático referia um quadro doloroso
efeito do trabalho, é uma das zonas cinzentas da no ombro direito).
acutilância da característica da subitaneidade”. Ora, competia à Seguradora provar que a
No caso em apreço, temos por verificados os rutura da coifa do ombro direito fora causada por
elementos espacial e temporal (local e tempo de qualquer outro evento que não o levantamento
trabalho), bem como “uma forte dor no ombro do bidão de 35 Kg de peso, isto é, a prova de
direito” e “rutura da coifa desse mesmo ombro”. que o facto considerado traumático era de todo
E tal “dor” surgiu quando a sinistrada procedia ao indiferente à produção da lesão constatada, no
levantamento de um bidão de 35 Kg. A este pro- local e tempo de trabalho. Ou, no mínimo, a de-
pósito, menciona-se Antunes Varela (1989) que es- monstração, através de factos, de que não existia
creve que “do conceito de causalidade adequada imediação entre o levantamento do bidão e a
pode extrair-se, desde logo, como corolário, que rutura da coifa do ombro direito. Com efeito, não
CAPÍTULO 4. JURISPRUDÊNCIA 145

tendo a Seguradora produzido tais provas, a ação a decisão tomada, a Seguradora interpôs recurso
de recurso por si apresentada foi considerada no STJ, alegando que a morte do atleta havia
improcedente. resultado dos factos naturais descritos no relató-
rio da autópsia, sem a ocorrência de uma causa
externa, não podendo, deste modo, integrar o
• ACÓRDÃO Nº 383/04.3TTGML.L1.S1 DO conceito de acidente de trabalho. Alegava que a
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, DE 30-06-2011 morte foi devida a uma arritmia cardíaca, a qual,
por sua vez, foi consequência da miocardiopatia
Sobre uma questão semelhante se pronun- hipertrófica, que é uma doença cardíaca genética.
ciou um outro Acórdão do STJ, em que se apreciou Considerava ainda não haver sido identificado um
o caso de um atleta, com a atividade de jogador único facto ou circunstância, relativos ao trabalho
profissional de futebol, na categoria sénior, que desenvolvido pelo atleta no dia da sua morte, que
em Janeiro de 2004, no desenrolar de um jogo fosse distinto, anormal ou imprevisto por compa-
de futebol, no qual já jogava há cerca de 30 mi- ração com as circunstâncias em que exerceu a sua
nutos, após ter-lhe sido mostrado cartão amarelo, atividade ao longo do seu percurso profissional
se inclinou subitamente para a frente e, num ato de vários anos. Aliás, ao efetuar esforço físico no
contínuo, caiu inanimado no relvado, com perda âmbito da sua atividade profissional, estava a agir
de conhecimento e paragem cardiorrespiratória. dentro da normalidade e da previsibilidade do seu
Assistido no relvado, foram efetuadas manobras trabalho. Com efeito, afirmava não ter havido
de reanimação e foi transferido para uma unidade nenhum acontecimento súbito e exterior à vítima
hospitalar, onde veio a falecer, logo à entrada. que tenha sido causa do seu estado patológico e
Face aos dados necrópsicos obtidos e aos exames da sua morte. Ainda que se pudesse considerar
histológicos efetuados admitiu-se que a morte a atividade profissional – o esforço físico – que
do sinistrado havia sido devida a uma arritmia o atleta exercia continuamente, pelo menos, ao
cardíaca (fibrilação ventricular) provavelmente em longo de nove anos, como “acontecimento exte-
consequência de miocardiopatia hipertrófica. Os rior”, questionava o motivo por que esse “acon-
exames toxicológicos foram negativos. A miocar- tecimento exterior” contínuo nunca antes havia
diopatia hipertrófica de que o sinistrado sofria provocado a arritmia. E ainda que se pudesse
apenas teria sido detetada no exame post mortem, considerar o esforço físico como acontecimento
não obstante os exames médicos e clínicos a que exterior, como é que essa atividade contínua as-
foi regularmente submetido no decurso da sua sumia a característica da subitaneidade – algo que
atividade profissional. Neste sentido, foi proferida atua num espaço de tempo muito breve – que é
uma sentença que decidiu condenar a Companhia essencial do acidente de trabalho? Ainda assim,
de Seguros ao pagamento de pensões anuais aos alegava que se se entender afirmar que “a lesão
progenitores do trabalhador que careciam men- (arritmia cardíaca) que causou a morte ao sinistra-
salmente de quantias pecuniárias que o filho lhes do se despoletou por causa do esforço físico que
prestava para o seu sustento. Inconformada com o sinistrado desempenhava no momento”, então é
146 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

de se reconhecer como uma doença profissional. hipertrófica. Isto porque, na verdade, um indiví-
A questão central da ação do recurso traduziu- duo portador de uma miocardiopatia hipertrófica
-se no entendimento da Seguradora de que não não deverá ser admitido como profissional de
existia uma relação causal entre a atividade la- futebol, uma vez que o esforço físico que lhe é
boral e a morte do atleta. Sustentava não existir exigido é potenciador do desenvolvimento de
qualquer causa externa (à vítima), na medida em arritmias cardíacas que podem provocar a morte.
que a morte foi provocada pela doença e, deste Contudo, a referida doença não teria sido dete-
modo, não era possível considerar a existência tada ao sinistrado, apesar de o mesmo ter sido
de um acidente de trabalho. submetido aos exames médicos pertinentes, por
parte da entidade empregadora.
Ora, a causa adequada à morte do atleta – a Perante a faticidade descrita, o STJ consi-
arritmia cardíaca – ocorreu porque o trabalhador derou como acidente de trabalho a morte súbita
se encontrava em pleno esforço físico no desenvol- do atleta, por se ter apurado que foi precipitada
vimento da sua atividade de futebolista e deu-se pelo esforço físico (causa exógena) que a sua
por provado ter sido esse esforço a precipitar o atividade enquanto futebolista profissional lhe
desenvolvimento da arritmia cardíaca, situação exigiu, esforço que, em si próprio, é potenciador
esta que lhe provocou a morte, ainda que prova- do surgimento de arritmia cardíaca, lesão que
velmente em consequência de uma miocardiopatia lhe terá provocado a morte. E, ainda que aque-
hipertrófica, considerada frequentemente uma la arritmia possa ter sido consequência de uma
doença cardíaca de origem genética. Como de- miocardiopatia hipertrófica, ficou provado que o
corre do disposto no art.º11 da atual LAT, quando esforço físico despendido pelo sinistrado na sua
a lesão consecutiva ao acidente for agravada por atividade profissional foi determinante na lesão
lesão ou doença anterior, a reparação avaliar-se-á que lhe provocou a morte, ou seja, a relação de
como se tudo dele resultasse. trabalho foi determinante no resultado verifica-
Por outro lado, a lesão que provocou a mor- do – a morte do sinistrado – que assim merece
te do sinistrado ocorreu no tempo e no local de a proteção do regime jurídico dos acidentes de
trabalho, pelo que presume-se consequência do trabalho. Deste modo, aquele STJ concluiu o se-
acidente, face à presunção consignada no art.º10 guinte: “Existe uma relação direta entre a lesão
da atual LAT, na medida em que a seguradora que provocou a morte do sinistrado (arritmia) e
não conseguiu demonstrar que não foi por causa o desenvolvimento da sua atividade como fu-
do esforço físico do atleta/sinistrado, no exercício tebolista profissional, já que foi o esforço físico
da sua atividade profissional, que ocorreu a lesão (causa exógena) que despendia na altura que foi
que lhe provocou a morte. precipitante da lesão que lhe causou a morte”.
É certo que o esforço físico era inerente à Estamos no caso vertente perante um aci-
sua atividade profissional e esse esforço só deveria dente, na aceção anteriormente descrita, pelo
ocorrer se o sinistrado não tivesse a doença de que facto de o sinistrado ser portador de doença ante-
veio a verificar-se que padecia – miocardiopatia rior, a miocardiopatia hipertrófica, que se agravou
CAPÍTULO 4. JURISPRUDÊNCIA 147

devido ao exercício físico que o mesmo estaria a desconhecia se o sinistrado havia sofrido, ou não,
desenvolver e, ao potenciar a arritmia cardíaca outras arritmias e nem se sabia se as condições
que veio a precipitar a sua morte. Verificou-se a externas haviam sido, ou não, semelhantes às
morte do sinistrado, que teve como causa externa verificadas quando ocorreu o acidente, sendo que,
um esforço físico desenvolvido em determinado em todo o caso, os acidentes não ocorrem em
condicionalismo, independentemente da maior condicionalismos predefinidos. São, por natureza,
ou menor visibilidade desse esforço e sem que inesperados. Aliás, a argumentação seria reversí-
tenha a menor relevância que em anteriores e vel, uma vez que também se poderia alegar que
semelhantes situações nada lhe tenha aconteci- o sinistrado ao longo da sua existência apenas
do e que a outros colegas de profissão também terá dedicado à prática da atividade física uma
nada tenha acontecido quando desenvolviam a parcela de tempo diminuta, apesar de ser atleta
mesma atividade. Note-se que apesar do facto profissional, passando o restante tempo sem su-
da miocardiopatia hipertrófica ser uma doença jeição a esforço físico e não foi fora da atividade
cardíaca de origem natural, que pode causar a física que a morte o acometeu.
arritmia cardíaca e esta a morte, não se pode O evento que determinou a morte do si-
concluir que no caso em concreto a morte não nistrado reveste, pois, as necessárias caracte-
tenha sido devida à arritmia cardíaca potencia- rísticas de um acontecimento súbito, inespe-
da pelo exercício físico que o sinistrado estaria rado e exterior à vítima, ocorrido no local, no
a desenvolver. Neste sentido, nem vale esgrimir tempo e por causa do trabalho, produzindo
argumentos no sentido de saber se “potenciar” agravamento de anterior doença e foi causa
e “precipitar” será diferente de “causar”, porque adequada da sua morte, pelo que integra um
a prova é inequívoca no sentido de que o esforço verdadeiro acidente de trabalho. Não podia
físico (causa externa) que o sinistrado naquele dia de todo ser considerada doença profissional,
estava a desenvolver teve como resultado fazer aliás, como havia sido alegado pela Seguradora,
evoluir uma doença cardíaca, até então não de- uma vez que atento o disposto no art.º94 da
clarada, para a morte da vítima. A miocardiopatia LAT, se consideram doenças profissionais as
hipertrófica, até então desconhecida, favoreceu, lesões, perturbações funcionais ou doenças
decerto, o aparecimento da arritmia e o desen- que sejam «consequência necessária e direta
lace da morte, mas a causa próxima residiu no da atividade exercida pelos trabalhadores e não
exercício físico, que no condicionalismo em que representem normal desgaste do organismo».
se verificou, precipitou o resultado morte. É que no caso a doença detetada no sinistrado,
A razão pela qual a contínua atividade pro- a miocardiopatia hipertrófica, não foi determi-
fissional do atleta não lhe causou arritmias e a nada pela atividade física exercida por aquele,
morte ao longo dos anos em que jogou, e só a sendo antes preexistente a essa atividade e
causou quando participava num jogo apenas há foi apenas agravada por esta, pelo que tem
cerca de 30 minutos, não é de todo preponde- inteira aplicação o disposto no nº2 do art.º11
rante para a decisão requerida, uma vez que se da atual LAT, segundo o qual quando a doença
148 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

anterior for agravada pelo acidente, a incapa- • ACÓRDÃO Nº 159/10.9TTEVR.E1


cidade avaliar-se-á como se tudo dele resul- DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA,
tasse. Ou seja, uma doença anterior agravada DE 10-12-2008
por acidente passa a integrar as consequências
do mesmo acidente e não a constituir doença Os beneficiários legais (viúva e filho) de um
profissional. trabalhador agrícola que faleceu quando estava ao
serviço alegaram que a sua morte foi decorrente
Apesar de existirem aspetos em que a lei de um acidente de trabalho, uma vez que a vítima
facilita a tarefa do sinistrado ou dos seus bene- se encontrava a descarregar palha do atrelado de
ficiários legais, criando presunções a seu favor um trator agrícola, tendo perdido o equilíbrio e
(como a que se verifica no nº1 do artigo 10.º sofrido queda no solo, que lhe provocou subse-
da LAT) e libertando o sinistrado ou os seus quentemente a morte. Além do mais, alegaram
beneficiários da prova do nexo de causalidade que a queda em altura de cerca de 3 metros terá
entre o evento (acidente) e as lesões, outros ocorrido dado não estarem reunidas as condições
porém, não o libertam do ónus de provar a de segurança mínimas (conforme comprovado
verificação do próprio evento causador da lesão. pelo relatório da inspeção do trabalho).
Por exemplo, verificando-se que a morte de No entendimento da Seguradora, o trabalha-
um sinistrado tenha tido origem apenas numa dor sofreu um enfarte agudo do miocárdio que
causa endógena (enfarte agudo do miocárdio), lhe provocou a morte, e daí a razão de ter caído
e não em qualquer fator que se prendesse com no solo. Na verdade, atente-se que o resultado da
o local e tempo de trabalho, não é possível afir- autópsia concluiu por um enfarte agudo do mio-
mar-se que essa morte tenha sido consequência cárdio associado a uma obstrução completa do
de um acidente de trabalho indemnizável à luz ramo descendente anterior da artéria coronária.
da LAT. Recorde-se que o nexo de causalidade Por outro lado, preexistiam no sinistrado extensas
nos acidentes de trabalho desdobra-se em duas cicatrizes das paredes anteriores e posteriores
condições: (i) existência de um nexo de causa- dos ventrículos (que denotavam a ocorrência de
-efeito entre o evento lesivo (acidente) e a lesão anteriores enfartes mesmo sem terem sido diag-
corporal, perturbação funcional ou doença; (ii) nosticados no período ante mortem), marcada
que a lesão corporal, perturbação funcional ou esclerose coronária e um peso excessivo do co-
doença, dê causa à incapacidade, permanente ração (580 gramas). Com estas características, é
ou temporária, para trabalhar, ou à morte. E de indubitável que o estado patológico anterior do
acordo com a regra geral constante do artigo trabalhador era predisponente à ocorrência de
342.º, n.º1, do Código Civil, cabe ao trabalhador, um enfarte do miocárdio.
ou ao beneficiário legal, a prova dos elementos Contudo, o saber-se se a vítima tinha ou
que integram o conceito de acidente de tra- não anteriormente ao “acidente” qualquer “fator
balho, incluindo a verificação do acidente e o de risco” para a saúde em nada afeta o facto,
elemento causal. essencial, de apurar qual a causa da morte: se
CAPÍTULO 4. JURISPRUDÊNCIA 149

devido a enfarte agudo do miocárdio, a queda houvesse risco de queda, de nada relevaria se a
do trator ou a qualquer outra. Na verdade, o causa da morte nada teve a ver com esse risco de
trabalhador já apresentava um grande risco de vir queda e não foi esta que provocou a morte, mas
a sofrer um enfarte, independentemente de no sim um diferente facto. Ou seja, concluindo-se
concreto momento se encontrar ou não a realizar pela inexistência de acidente de trabalho, irreleva-
esforço físico. -se para os fins em análise a eventual inexistência
Ora entendeu o tribunal que se a morte do de regras de segurança no local.
trabalhador foi consequência direta e necessária Relembre-se que a predisposição patológi-
do enfarte agudo do miocárdio não é possível ca não exclui o direito à reparação desde que
estabelecer-se qualquer nexo de causalidade entre se tenha verificado um acidente de trabalho:
a referida morte e a queda. Ou seja, verificando-se caso o evento ocorrido não possa qualificar-se
que a morte do trabalhador teve origem apenas como acidente de trabalho, não pode invocar-se
numa causa endógena e não em qualquer fator a existência de uma predisposição patológica para
que se prendesse com o local e tempo de tra- sustentar a reparação dos danos. Dito de outra
balho, o enfarte podia ter ocorrido a qualquer forma, apenas pode dar-se relevância à predispo-
momento, independentemente de o trabalhador sição patológica para os efeitos da LAT quando
se encontrar no local e no tempo de trabalho e a se verifica um acidente de trabalho, o que vale
realizar esforço físico. Apesar de existirem fatores por dizer, quando exista uma «causa próxima
que podem desencadear um enfarte, como é o desencadeadora da lesão e o sinistrado sofre
caso de esforço físico, no caso em análise não se sequelas desta que não sofreria se não fosse a
pôde provar se houve um concreto fator, e qual, causa patente ou oculta em que se consubstancia
que tenha desencadeado o mesmo. Recorde-se a predisposição patológica». Em conformidade
que nos termos do preceito legal, o trabalhador com esta proposição, não se pode no caso em
ou os beneficiários legais não têm que provar o concreto e para efeitos de reparação de acidentes
nexo de causalidade entre o evento traumático de trabalho prevista na LAT, invocar-se a existência
(acidente) e as lesões. Porém, o preceito não li- de uma predisposição patológica do trabalhador
berta o trabalhador ou os beneficiários legais do para sofrer enfarte do miocárdio, uma vez que se
ónus da prova quanto ao próprio evento (acidente) concluiu pela inexistência de acidente de trabalho.
causador das lesões (artº.342 do Código Civil).
O sentido útil da presunção estabelecida é tão só
o de libertar o sinistrado ou os seus beneficiários • ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE
da prova do nexo de causalidade entre o evento e JUSTIÇA, PROC. 03S3405, DE 28-01-2004
as lesões, não os ilibando de provar a verificação
do próprio evento causador das lesões. De igual modo, refira-se o caso de um em-
Ainda que inexistisse plano de segurança pregado de mesa que padecia de angina de peito
(conforme consta do relatório da inspeção do e patologia aórtica e, quando desempenhava
trabalho designada para vistoriar o local) e que uma das suas funções profissionais (após servir
150 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

o almoço a cerca de mil convidados) sofreu uma Recorde-se que para que um evento possa
paragem cardiorrespiratória irreversível que lhe integrar-se no conceito legal de acidente de tra-
determinou a morte. Não ficou provado que a balho é necessário, além do mais, por um lado,
atividade e esforço desenvolvidos pelo empre- que seja adequado a produzir determinada lesão
gado tenham estado na origem da paragem car- corporal, perturbação funcional ou doença, e,
diorrespiratória que o vitimou. Não ficou igual- por outro, que a ocorrência desse mesmo evento
mente demonstrado que as circunstâncias em tenha, efetivamente, atuado como condição de
que o empregado desempenhava o seu trabalho verificação da concreta ofensa à integridade física,
tenham funcionado como fator exógeno sem o à plenitude da capacidade funcional, ou à saúde.
qual o empregado, ainda que portador de um
estado patológico anterior, poderia viver, como
um indivíduo normal, durante tempo indetermi- • ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE
nado. A este propósito, ficou apenas provado LISBOA, PROC. 5705/2007-4, DE 10-10-2007
que o “sinistrado” desenvolveu intensa atividade
no serviço de mesa prestado, manifestamente O presente acórdão refere-se a um caso
insuficiente para afirmar qualquer relação entre de enfarte agudo do miocárdio sofrido por um
tal atividade e a paragem cardiorrespiratória. O trabalhador no local e tempo de trabalho e que
certificado de óbito atestava que a morte do lhe provocou a morte. Até prova em contrário,
sinistrado havia sido devida a enfarte agudo do presume-se que o enfarte seja consequência de
miocárdio. Ficou provado que a lesão (paragem acidente de trabalho. Esta presunção seria, no
cardiorrespiratória) que determinou a morte do entanto, refutada se a entidade empregadora
empregado resultou exclusivamente de afeções provasse que não ocorreu qualquer evento sú-
mórbidas preexistentes (angina de peito e pato- bito, de natureza exógena, no local e tempo de
logia aórtica), o que exclui a possibilidade de a trabalho e que a vítima sofria de aterosclerose
relacionar com qualquer outro evento ocorrido coronária que lhe determinou o referido enfarte
no local e tempo de trabalho. Mais uma vez, não do miocárdio. E se, porventura, os beneficiários da
ficou demonstrada a existência de uma causa vítima conseguissem demonstrar que o trabalho
próxima (um eventual acidente) desencadeado- na empresa e as condições em que era prestado
ra da lesão (a paragem cardíaca). Assim, e em esse trabalho, causavam à vítima stress profissio-
suma, verificando-se que a morte do empregado nal e que este determinou o aparecimento e o
teve uma origem unicamente endógena e não desenvolvimento da aterosclerose coronária que
estando demonstrada, ainda que por presunção, lhe causou o enfarte do miocárdio, nunca se po-
a verificação de qualquer evento de natureza deria concluir pela existência de um acidente de
externa ocorrido no local e tempo de trabalho trabalho, mas sim pela existência de uma doença
que estivesse na sua origem, não pode acolher- profissional.
-se que a morte tenha sido consequência de um
acidente de trabalho indemnizável à luz da LAT.
CAPÍTULO 4. JURISPRUDÊNCIA 151

• ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL de trabalho, à luz da definição contida na atual


DE JUSTIÇA, PROC. 1899/08 - 4.ª SECÇÃO, LAT. Relembre-se que o n.º1 do art.11º da LAT
DE 10-12-2008 contempla os casos em que há uma anormalida-
de no organismo humano que torna o indivíduo
No exercício da atividade profissional, um propenso a contrair determinadas doenças, lesões
sinistrado veio a falecer após despiste da viatura ou perturbações funcionais, sob a influência de
que conduzia. Os achados autóticos revelaram a uma causa fortuita adequada a desencadear tais
inexistência de lesões traumáticas adequadas a efeitos. Contudo, apenas pode dar-se relevância
produzir a morte, tendo esta sido devida a uma à predisposição patológica quando efetivamente
tromboembolia pulmonar. Perante a asserção se verifica um acidente de trabalho.
contida no relatório de autópsia médico-legal
de que a tromboembolia pulmonar “terá sido”
a causa do despiste do veículo que o sinistrado • ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE
conduzia ao serviço do seu empregador, afasta-se JUSTIÇA, PROC. 08S2466, DE 19-11-2008
a consideração daquela perturbação funcional
ser consequência do despiste (não se dispondo Sem contradizer tal posicionamento, veja-se
de elementos científicos suscetíveis de permitir um outro acórdão do STJ, relativo a um sinis-
a afirmação de que, a ter ocorrido um estado trado, vítima de acidente de trabalho, quando
emocional provocado pelo acidente, tal estado trabalhava em cima do telhado de um imóvel,
fosse suscetível de potenciar ou favorecer o apa- cuja chaminé se desmoronou e caiu parcialmente
recimento da tromboembolia pulmonar). Nesta sobre aquele, que, por sua vez, e por via disso,
conformidade, mostrou-se refutada, por prova em veio a cair, ficando com um pé entre uma parte
contrário, a presunção estabelecida no n.º1, do dos destroços da chaminé desmoronada e o ma-
art.10º da LAT de que a lesão, perturbação ou
7
deiramento do telhado. Em resultado da queda,
doença for reconhecida a seguir a um acidente sofreu fratura da coluna lombar, com diástase
presume-se consequência deste. dos topos ósseos e secção medular, traumatismo
Neste sentido, não foi possível concluir-se torácico com fratura de três costelas e fratura do
pela verificação do nexo de causalidade entre o colo do fémur esquerdo, vindo a falecer nesse
acidente e a perturbação funcional que afetou o mesmo dia. Na autópsia médico-legal realizada
sinistrado e determinou a sua morte, não podendo no dia seguinte veio-se a apurar que o sinistra-
qualificar-se o acidente de viação como acidente do apresentava, para além das lesões indicadas,
patologia cardíaca aguda (hipertrofia ventricular
7
O nº1 do art.10º da LAT dispõe que “a lesão constatada esquerda com alteração do miocárdio confirmada
no local e no tempo de trabalho ou nas circunstâncias previs-
tas no art.9º presume-se consequência de acidente de traba- histologicamente), não sendo, por isso, possível
lho”. Por outro lado, no seu nº2 pode ler-se que “se a lesão afirmar, com segurança, qual a causa da morte.
não tiver manifestação imediatamente a seguir ao acidente,
Foi intentada uma ação com vista a demonstrar
compete ao sinistrado ou aos beneficiários legais provar que
foi consequência dele”. o nexo de causalidade entre as lesões sofridas
152 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

e a morte do sinistrado. As lesões traumáticas experiência comum, causa suficiente da morte.


indiscutivelmente denotam poder ser devidas à As lesões traumáticas podem ou não ter contri-
queda do telhado, conforme informação reco- buído para a morte, mas não é possível afirmar-se
lhida. Porém, não foi possível excluir haver uma se o sinistrado faleceu ou não em consequência
doença natural de origem cardíaca, que poderá das lesões cardíacas e igualmente não se pode
também ter originado a morte ou a queda. Em excluir, também, se a morte tenha ocorrido pelos
audiência de julgamento, os peritos médicos que dois motivos, pelo que não foi possível, com o
subscreveram o relatório de autópsia confirmaram necessário rigor, dizer qual a causa de morte do
o seu teor e reafirmaram que o sinistrado podia sinistrado. Como se sabe, a questão do nexo de
ou não ter sofrido, também, um colapso cardíaco, causalidade desdobra-se em duas condições: uma,
embora não fossem visíveis sinais do mesmo e relativa ao nexo causa-efeito entre o acidente e
que, a ter ocorrido tal colapso, o mesmo podia ter a lesão corporal, perturbação ou doença; outra,
ocorrido sem mais ou ter resultado de um susto, que a lesão corporal, perturbação ou doença,
provocado, designadamente, pela visão da queda seja a causa de incapacidade para o trabalho ou
da chaminé ou pela derrocada da mesma sobre morte. E tomando, de seguida, posição sobre o
o corpo do sinistrado. Mais afirmaram os peritos assunto, o acórdão aqui mencionado perfilha o
médicos que, não sendo tais lesões traumáticas entendimento de que o nexo causal entre as lesões
sofridas, em si e, por regra, letais, e não podendo e a morte ou incapacidade não surge abrangido
afirmar-se que o sinistrado tenha ou não falecido pelas presunções legais em vigor, pelo que cabe
em resultado de lesões cardíacas, não é possível ao sinistrado ou respetivos beneficiários o ónus
excluir-se que a morte tenha resultado pelos dois de provar. Assim, não tendo os beneficiários le-
motivos (as lesões traumáticas e o colapso cardía- gais feito prova do nexo de causalidade entre as
co). O facto do exame histopatológico autótico lesões apresentadas pelo sinistrado e a morte e,
não identificar sinais de enfarte recente e apenas não beneficiando, ainda, de qualquer presunção
revelar que o sinistrado sofria de uma patologia legal nesse sentido, reconheceu-se que por falta
cardíaca aguda não é determinante na aferição de um dos pressupostos essenciais, a morte do
das causas da morte, porquanto nos casos de sinistrado não pode ser considerada acidente de
morte súbita de origem cardíaca podem não che- trabalho e, como tal, não foi indemnizável.
gar a ocorrer lesões macro ou microscopicamente
visíveis no coração, sendo que o colapso cardíaco,
em casos de patologia do tipo da que padecia o • ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE
sinistrado, pode ter resultado de patologia an- JUSTIÇA, PROC. 1367/02, DE 05-02-2003
terior ou mesmo derivar de um susto (in casu,
por exemplo, de a vítima ter visto a chaminé cair Indivíduo que sofreu um acidente vascular
na sua direção ou por ter ficado parcialmente cerebral (AVC) no trajeto que efetuava para o seu
debaixo da mesma). As lesões traumáticas de- local de trabalho, após ter saído da viatura que
correntes do acidente não são, de acordo com a conduzia, numa interrupção forçada e justificada
CAPÍTULO 4. JURISPRUDÊNCIA 153

desse trajeto, ditada por um embate traseiro de aludido embate entre os dois veículos, nomeada-
um veículo no seu. O sinistrado intentou uma ação mente que se tratou de um AVC exclusivamente
por acidente de trabalho contra a Companhia de devido a uma doença ou predisposição patológica
Seguros que contestou e não aceitou qualificar o de que o sinistrado já sofresse. É certo que o si-
AVC sofrido como acidente de trabalho, alegando nistrado já sofria de tensão arterial elevada, mas
que nada teve a ver com o acidente de viação não é menos verdade que está assente também
ocorrido, tratando-se de uma doença natural. que ele tinha sido medicado para tal patologia,
Na verdade, previamente ao acidente, o sinis- mostrando-se aparentemente estável. Sendo que,
trado já estaria medicado para uma hipertensão como se sabe, vários fatores, incluindo os de or-
arterial que geralmente se encontrava controlada. dem emocional podem determinar a eclosão de
Embora não se tenha provado que o embate em um AVC. Ora, resulta do disposto no n.º1 do art.
causa lhe provocou uma perturbação emocional º11º da LAT que o simples facto de o sinistrado
e lhe determinou uma alteração imediata da ten- sofrer de hipertensão arterial não afasta, por si
são arterial, razão por que teria sido acometido só, a tutela reparadora. Na verdade, dispõe-se
pelo AVC, nem que este tenha ocorrido 5 ou 10 aí que “a predisposição patológica do sinistrado
minutos depois de ocorrido o embate, o certo é num acidente não exclui o direito à reparação
que resultou apurado que o sinistrado sofreu o integral, salvo quando tiver sido ocultada”. Sendo
AVC no trajeto que efetuava para o seu local de de referir que, no caso, não veio provado e nem
trabalho, após ter saído da viatura que conduzia, sequer foi alegado que o sinistrado tenha ocultado
na sequência do embate traseiro sofrido. Este AVC a sua situação de hipertensão arterial. E, assim,
ditou o seu transporte, do local onde ocorreu o concluiu-se pela verificação do nexo causal, em-
embate para o hospital, onde ficou internado. Não bora presumido, entre o acidente de trabalho (o
foi demonstrado qualquer facto, acontecimen- embate) e a lesão (AVC) sofrida.
to ou atuação imputável ao sinistrado, ocorrido
entre o momento do embate e a ocorrência do
AVC, com virtualidade para afastar a aplicação do • ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE
regime legal consagrado nos termos do nº 1 do JUSTIÇA, PROC. 02S3304, DE 04-06-2003
art.º9 e no nº1 do art.º10 da LAT. Neste quadro
apurado, entendeu-se que era de concluir pela Muito a propósito do estabelecimento do
verificação da presunção do nexo causal em apre- nexo de causalidade entre as lesões sofridas num
ço, isto porque é lícito assentar que a lesão (AVC) acidente e a morte do sinistrado, há que referir
sofrida pelo sinistrado foi reconhecida, no local um outro acórdão do STJ relativo a um sinistrado
do mencionado embate e a seguir à ocorrência que, no trajeto para o local de trabalho, sofreu
deste. Com efeito tinham a entidade patronal um acidente de viação caracterizado como aci-
ou a Seguradora que alegar e provar (o que não dente de trabalho e do qual resultou traumatismo
fizeram) factos de que se pudesse concluir que craniano sem perda de conhecimento, traumatis-
o AVC não resultou, direta ou indiretamente, do mo da região glútea esquerda e traumatismo da
154 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

coxa esquerda. Era entendimento da Seguradora glútea e coxa esquerda contribuíram para a
que não existia nexo de causalidade entre as le- septicémia.
sões sofridas no acidente e a morte do sinistrado, A este propósito relembra-se que a questão
uma vez que a morte havia sido consequência do nexo de causalidade nos acidentes de trabalho
necessária e direta de uma septicémia surgida 25 se desdobra em duas condições: a primeira é a
dias decorridos do acidente. Acrescentou ainda de que tem de haver um nexo de causa-efeito
que, previamente ao acidente, o sinistrado era entre o evento lesivo (acidente) e a lesão corpo-
toxicodependente, portador de patologia crónica ral, perturbação funcional ou doença. Este nexo
(Hepatites B e C) e ectasia vascular (dilatação de presume-se legalmente sempre que a lesão for
veias) no braço direito com abcesso devida ao reconhecida a seguir a um acidente; se o não for
uso de estupefacientes. ou a lesão tiver manifestação posterior, compete à
Porém foi dado como provado que o si- vítima ou aos seus beneficiários legais provar que
nistrado esteve de baixa médica nos 10 dias foi consequência daquele. A segunda condição é
seguintes ao acidente e por persistência de do- a de que a lesão corporal, perturbação funcional
res intensas na região lombar e coxa esquer- ou doença dê, ela própria, causa à morte ou a
das, recorreu nos dias seguintes e por diversas uma incapacidade para o trabalho. A divergên-
ocasiões a unidades hospitalares que lhe pres- cia entre as partes residiu na primeira condição:
creviam injeções intramusculares. Cerca de 20 no momento do estabelecimento de um nexo
dias após o traumatismo, sem alívio sintomático causa-efeito entre o evento lesivo (acidente) e a
e com atingimento da marcha, realizou uma doença (septicémia) que por sua vez determinou
TAC à bacia que evidenciou laceração do glúteo a morte do sinistrado.
esquerdo e hematoma pós-traumático, moti- Apesar de o sinistrado ser portador de he-
vo pelo qual foi internado. No internamento, patites B e C e de um abcesso no braço direito,
constatou-se um agravamento do seu quadro na verdade não ficou demonstrada qualquer re-
clínico, com patomorfismo de choque séptico lação (de causalidade necessária ou mesmo de
(febre, hipotensão, flutter auricular, insuficiência mera influência) entre o seu estado patológico
renal e hepática e deterioração da consciência). preexistente e a infeção de que resultou a sep-
Apresentava tumefação da região glútea e coxa ticémia, ou sequer que tenham de algum modo
esquerda, traduzida imagiologicamente por fas- contribuído para a mesma. Em face destes factos e
ceíte com abcesso. Submetido a intervenção da sequência cronológica dos acontecimentos, da
cirúrgica, verificou-se grande quantidade de ma- qual decorre que o estado de saúde do sinistrado
terial purulento, sangue e tecidos necrosados na se foi agravando praticamente sem intercorrências
zona traumatizada. No período pós-operatório até à sua morte, com dores na área traumatiza-
houve um agravamento do seu estado clínico, da (que sucessivamente se intensificaram), sendo
com septicémia e atingimento das suas funções também nessa área traumatizada que teve lugar
vitais que resultaram na morte do sinistrado. a intervenção cirúrgica a que foi submetido an-
Indubitavelmente os focos infeciosos na região tes do seu falecimento. A par desta sequência
CAPÍTULO 4. JURISPRUDÊNCIA 155

temporal, ficou concretamente provado que os a contribuição de uma qualquer predisposição


focos infeciosos na região glútea e coxa esquer- patológica (que de todo o modo teria que ser
da contribuíram para a septicémia. É certo que dolosamente ocultada para se excluir o direito à
não ficou demonstrada a causalidade direta e reparação), ou afirmar-se sequer a contribuição
necessária entre as lesões sofridas no acidente, os de uma lesão ou doença anteriores ao acidente.
focos infeciosos na região glútea e coxa esquerda E não pode por isso mesmo concluir-se que as
e a septicémia. Mas é também certo que, face à lesões sofridas no acidente tenham sido agravadas
expressão utilizada pelo legislador (“…produza por doença anterior.
direta ou indiretamente…”), deve considerar-se
que a lesão corporal, perturbação funcional ou
doença podem ser físicas ou psíquicas, manifes- • ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE
tar-se imediatamente a seguir ao evento lesivo LISBOA, PROC. 291/11, DE 23-10-2013
ou evidenciar-se algum tempo depois ou, até,
muito tempo depois. Abrange tanto a ideia da Sobre uma outra questão, neste âmbito, se
causalidade direta como indireta, ou seja, tanto pronunciou um acórdão do Tribunal da Relação
existe quando o facto traduz ele próprio o dano, de Lisboa, onde se pode ler no seu sumário que
como quando apenas desencadeia ou propor- «a lesão sofrida pela trabalhadora no trajecto que
ciona um outro facto que leva à verificação do normalmente utiliza para chegar ao emprego,
dano. Necessário é que exista um nexo de causa- quando sofreu uma tontura e se estatelou no
-efeito entre o ato lesivo e a lesão, perturbação chão, presume-se consequência desse acidente
ou doença. No caso vertente, apesar de a lesão, de trabalho».
a doença e a morte não se terem verificado ime- Nesta decisão, apreciou-se o caso de
diatamente a seguir ao acidente, é de afirmar a uma sinistrada, auxiliar da ação médica, que,
verificação de uma cadeia sucessiva de causali- na ida para o trabalho, sofreu queda no tra-
dade relevante entre o traumatismo na coxa e na jeto, em consequência da qual sofreu fratura
região glútea esquerdas que o acidente provocou, da tacícula radial direita implicando que fosse
a subsequente doença e a morte do sinistrado. assistida numa unidade hospitalar no próprio
Perante o modo como o nexo de causalidade se dia. Posteriormente passou a ser seguida pelos
mostra regulado, verificou-se o elemento causal serviços clínicos da Seguradora, onde realizou
caracterizador do acidente de trabalho através de tratamento cirúrgico e, ainda, tratamentos de
uma relação de causalidade indireta entre as le- medicina física e reabilitação. Em consequência
sões sofridas no acidente e a morte do sinistrado. direta e «necessária» do traumatismo sofrido,
Quanto ao estado patológico anterior do sinis- a sinistrada ficou com uma cicatriz no cotovelo
trado, apesar de ter ficado provado que existia, direito e, ainda, com limitações na mobilidade
nenhuma relação ficou demonstrada entre esse do membro superior direito, particularmente
estado preexistente e a septicémia, nem mesmo na extensão e na flexão do cotovelo. Em docu-
ao nível da concausalidade. Não se pode afirmar mentação clínica da Seguradora encontrava-se
156 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

referido que, à data do acidente, a sinistrada A doutrina e a jurisprudência fazem referên-


sofria de Síndrome Vertiginoso, encontrando-se cia a um acontecimento externo na definição de
medicada com Betaserc (antivertiginoso). Com acidente de trabalho com vista a excluir do âmbito
efeito, a Seguradora contestou a obrigação de dos acidentes de trabalho as situações em que a
indemnizar alegando que a queda e consequen- lesão que provocou a incapacidade ou a morte
tes lesões sofridas tiveram origem na patologia não se relaciona com a atividade desenvolvida
de que a sinistrada sofria. No entendimento da sob a autoridade de outrem, ou seja, os casos em
Seguradora, a sinistrada terá caído em conse- que o dano decorre de uma realidade que apenas
quência direta e necessária de uma tontura que diz respeito ao trabalhador (causa endógena) e
terá sofrido quando fazia o seu trajeto para o lo- que em nada se relaciona com a atividade laboral
cal de trabalho. Efetivamente tinha a Seguradora desenvolvida.
que provar - o que não fez - que o evento que
despoletou a queda teve origem na patologia
de que a sinistrada sofria, ou seja, no alegado • ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE
síndrome vertiginoso. LISBOA, PROC. 128/8.9TBHRT.L1-4, DE 19-10-2011
Saliente-se que ainda que se tivesse provado
que a sinistrada sofresse síndrome vertiginoso, tal O presente acórdão refere-se a caso de
facto não afastaria, por si só, a tutela reparadora, funcionária de agência de viagens, encontrada
tal como resulta do nº1 do art.11º da LAT que dis- caída no local de trabalho. Os achados necróp-
põe que «a predisposição patológica do sinistrado sicos concluíram que a morte foi devida a asfixia
num acidente não exclui o direito à reparação provocada por uma pastilha elástica encontrada
integral, salvo quando tiver sido ocultada». Este na orofaringe. Questionou-se se o facto de àquela
número trata assim da situação do sinistrado que hora a mesma se encontrar a trabalhar poderá
por força de uma predisposição patológica vier a ter potenciado o risco de morte. A vítima exe-
sofrer sequelas do acidente que não ocorreriam cutava tarefas de processamento de documen-
se não fosse aquela predisposição. tos e organizava o trabalho realizado durante o
Na presente condição, a causa do evento dia, o que fazia frequentemente após o horário
foi a tontura e a causa da lesão a queda. Foi a normal de trabalho. Em nossa opinião inexiste
queda que traumatizou o cotovelo direito, me- uma relação entre a morte da funcionária e as
diante a fratura da tacícula radial, traumatismo funções que exercia para a sua entidade patronal.
que veio a causar, após realização de tratamentos O mero facto de a mesma ter sido encontrada no
e cirurgia, limitações na mobilidade do braço di- local de trabalho, não permite concluir ter tido
reito da trabalhadora, particularmente na flexão/ a mesma um acidente de trabalho. A simples
extensão do cotovelo, de forma permanente. Em constatação da morte da trabalhadora no local e
cumprimento do exposto, veio a presumir-se o tempo de trabalho não faz presumir a existência
nexo de causalidade entre o evento súbito e a de um acidente de trabalho, não dispensando
lesão sofrida. o beneficiário da sua prova efetiva. No caso em
CAPÍTULO 4. JURISPRUDÊNCIA 157

concreto, está em causa saber-se se a lesão que qualquer relação com a atividade profissional
provocou a morte da trabalhadora foi devida ao desempenhada pela trabalhadora, não corres-
trabalho que desenvolvia. Ora, perante o conceito pondendo por isso a qualquer risco potenciado
legal estabelecido no já referido nº1 do art.9º da pelo seu trabalho ou pelas condições do mesmo.
LAT, para que um determinado evento possa ser
considerado acidente de trabalho, tem, antes de
mais, de se tratar de um acidente, ou seja, de um • ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO
acontecimento ou evento de carácter súbito, na DE LISBOA, PROC. 282/09.2TTSNT.L1-4,
medida em que inesperado enquanto no exercício DE 12-10-2011
da sua atividade profissional ou por causa dela.
A referência a este acontecimento externo tem Trata-se do caso de um sinistrado, serra-
apenas em vista excluir do âmbito dos acidentes lheiro, que no vestiário do seu local de trabalho,
de trabalho situações em que a lesão que provo- quando estava a mudar de roupa para iniciar a
cou a incapacidade ou a morte não se relaciona sua atividade, sofreu uma lombalgia em virtude
com a atividade desenvolvida sob a autoridade do movimento efetuado. Na sequência da súbita
de outrem, ou seja, nas situações em que o dano dor a nível lombar, o sinistrado recebeu imediata
decorre de uma realidade que apenas diz respeito assistência médica e foi imobilizado. Ora, perante
ao trabalhador, a denominada causa endógena, o ocorrido, afigura-se-nos que ficou apurado o
e nada tem a ver com a atividade desenvolvida. evento que causou a lesão ao sinistrado. Esse
Os sobreditos preceitos legais demonstram a exis- evento consistiu no movimento que o sinistrado
tência de nexo de causalidade entre o acidente e efetuou ao mudar de roupa. E, uma vez que o dito
a lesão, dispensando o beneficiário da sua prova acontecimento se verificou no tempo e no local
efetiva, mas já não o liberta de provar a verificação de trabalho e provocou ao dito sinistrado lesões
do próprio evento. que lhe causaram incapacidade para o trabalho,
Afigura-se-nos que a causa adequada à mostraram-se preenchidos os requisitos previstos
morte da trabalhadora, que foi a asfixia, ocor- na LAT, no que se refere ao conceito de acidente
reu porque esta mastigava uma pastilha elástica de trabalho.
que engoliu inadvertidamente, pelo que não foi
algo exterior à vítima com ligações ao trabalho
prestado que lhe provocou a morte. Na verda- • ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO
de, a ação da vítima - mascar a pastilha - em DE COIMBRA, PROC. 512/08.8TTLRA.C1,
nada se relaciona com o trabalho desenvolvido DE 09-01-2012
ou por causa deste, mas apenas uma relação no
que se refere aos elementos espaciotemporais do Ainda neste seguimento, lê-se no sumário
trabalho. Como se refere na sentença proferida, de um outro acórdão que «provando-se que uma
trata-se de um ato voluntário da mesma - mas- sinistrada, no exercício das suas funções de cozi-
car a pastilha - imputável à vida corrente, e sem nheira, sofreu de prolapso uterino imediatamente
158 CARINA OLIVEIRA, DUARTE NUNO VIEIRA & FRANCISCO CORTE-REAL

depois de um esforço a pegar num tacho grande não apresentava anteriormente ao acidente qual-
cheio de carne, deve presumir-se que a lesão foi quer sintoma da sua existência. A nosso ver, o
consequência do evento». evento exterior, súbito e danoso foi provado.
O caso reporta-se a uma sinistrada, de 49 Na verdade, o esforço que necessariamente a
anos de idade, que quando pegava num ta- trabalhadora produziu ao pegar no dito tacho,
cho grande cheio de carne que se encontrava seguido de dor, pode ser entendido como um
em cima do fogão para o colocar em cima da evento súbito e danoso. Não se provou que o
bancada, sentiu de imediato uma fina dor na prolapso uterino fosse devido a doença natural
região hipogástrica e «qualquer coisa a sair da ou que já apresentava antes essa patologia, daí
vagina», tratando-se de um prolapso uterino que a sentença proferida entendeu assumir o
que determinou como sequela, uma histerec- prolapso uterino como consequência do alegado
tomia total. Inevitavelmente a seguinte ques- evento e, assim sendo, suscetível de reparação
tão foi colocada: «Como consequência direta indemnizatória.
e necessária do esforço descrito, a cozinheira
sofreu um prolapso uterino?». A seguradora re- Aliás, na maioria dos casos em que se levan-
presentante da entidade patronal não preten- ta a questão da predisposição patológica, é difícil
dia aceitar a caracterização do acidente como delimitar a sua fronteira, predizer se o estado
de trabalho, alegando que a sequela em causa patológico verificado após um traumatismo se
havia resultado de uma doença natural de que manifestaria com a mesma gravidade (ou até
a sinistrada já era portadora à data do alegado mesmo, se se viria a manifestar) sem esse evento
acidente, eximindo-se do pagamento de qual- traumático. Na dúvida, entende-se que deverá
quer indemnização. No entanto, esta sinistrada ser reconhecido o nexo de causalidade entre o
era seguida há cerca de 20 anos por médico estado patológico resultante e o traumatismo.
ginecologista/obstetra que declarou que na sua
última observação, que havia ocorrido há menos
de um ano, a mesma não apresentava quaisquer • ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE
vestígios da existência de um prolapso uterino, COIMBRA, PROC. 478/06, DE 01-06-2006
sendo que tal (em qualquer grau) é facilmente
detetável em exame médico. Considerou que o A este propósito, veja-se um outro acórdão
esforço laboral da sinistrada possa ter causado referente a um sinistrado, vítima de acidente de
o prolapso. O perito médico que subscreveu o trabalho, quando ao proceder juntamente com
relatório do exame médico-legal afirmou ser de três colegas à mudança de uma máquina po-
admitir o nexo causal, baseado nas informações lidora deslocando-a para outras instalações da
clínicas e nas queixas apresentadas pela traba- empresa, esta terá tombado, caindo sobre ele.
lhadora. Um prolapso uterino pode ser causado, Os demais trabalhadores que procediam à mudan-
em grande parte, por um esforço, sendo que de ça da máquina com o sinistrado aperceberam-se da
acordo com a informação clínica, a sinistrada instabilidade da máquina e avisaram de imediato
CAPÍTULO 4. JURISPRUDÊNCIA 159

o sinistrado, que não reagiu atempadamente. decisão, foram mantidos os pressupostos relati-
O sinistrado acabou por ser entalado e esmaga- vos à predisposição patológica.
do pela máquina. Em consequência do acidente,
sofreu múltiplas lesões que foram causa direta e • ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE
«necessária» da sua morte. Contudo, a entida- JUSTIÇA, PROC. 99S173, DE 07-10-1999
de patronal argumenta que, sendo o sinistrado
portador de diabetes mellitus insulinodependente Sobre uma questão semelhante se pronun-
em estádio avançado e encontrando-se à hora do ciou um outro acórdão referente a um sinistrado,
acidente em jejum, tinha todas as condições para vítima de acidente de trabalho, quando puxava
que lhe ocorresse uma crise de hipoglicémia, com uma palete contendo circuitos de impressos, com
os sintomas inerentes de fraqueza e diminuição cerca de 100 Kgs, tentando alinhá-los com ou-
do tempo de reação, considerando a tarefa em tros. Ao fazer força no arrastamento sentiu uma
que se ocupava. Esta entidade concluiu que por forte dor na virilha do lado esquerdo que o obri-
ser “patente” a predisposição patológica do sinis- gou a parar de imediato, tendo posteriormente
trado para a ocorrência do acidente, deverá ser constatado a presença de uma hérnia inguinal
excluído o direito à reparação integral do mesmo, esquerda. Em sua defesa, a Seguradora contestou,
nos termos da LAT. não aceitando o nexo de causalidade entre as
Analisados os argumentos da entidade lesões apresentadas e o acidente. Foi proferida a
patronal, não lhes foi reconhecida qualquer ra- sentença, considerando que o evento ocorreu no
zão. Nos termos da LAT e como já mencionado lugar e tempo de trabalho e não foi feita prova
anteriormente, «a predisposição patológica do de que a hérnia não foi ocasionada pelo esforço
sinistrado num acidente não exclui o direito à que o sinistrado fez quando arrastava a palete
reparação integral, salvo quando tiver sido ocul- sendo de presumir o nexo de causalidade entre
tada». A este respeito, entendeu-se que não a lesão e o acidente.
havendo sido alegada sequer a ocultação da Na verdade, a deficiência estrutural congé-
eventual predisposição patológica do sinistra- nita da parede de que padecia o sinistrado não
do não é possível, nos termos da LAT, excluir o se apresenta como causa única da lesão inguinal
direito à sua reparação integral. Na verdade, a que aquele sofreu, sendo de considerar o esfor-
regra geral pretende que a predisposição pato- ço muscular desenvolvido para arrastar a palete,
lógica não exonere a entidade responsável da como precipitante de uma situação preexistente
sua obrigação de indemnizar integralmente o e, portanto, também causal da lesão sofrida pelo
dano resultante, salvo se ela foi ocultada pelo mesmo, ou seja, do aparecimento da hérnia.
trabalhador. Este Acordão considerou que à en- A predisposição patológica não é causa ex-
tidade responsável competia demonstrar que o clusiva da lesão manifestada após o acidente,
sinistrado não só conhecia a sua predisposição pelo que não há lugar à exclusão do direito à
patológica, de forma clara e inequívoca, como a reparação integral do acidente de trabalho em
havia ocultado da entidade empregadora. Nesta apreciação.
Capítulo V
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
(Página deixada propositadamente em branco.)
CAPÍTULO 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 163

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ACÓ R DÃOS:

Acórdão do STJ_117/05.5TUBRG.P1.S1 de 02-06-2010


Acórdão do STJ, proc. 117/05.5TUBRG.P1.S1, de 02-06-2010
Acórdão do STJ, proc. 117/05.5TUBRG.P1.S1, de 02-06-2010
Acórdão do TRP 118/10.1TTLMG.P1 de 18-02-2013
Acórdão do TRP, proc. 0712131, de 22-10-2007
Acórdão nº 383/04.3TTGML.L1.S1 do STJ, de 30-06-2011
Acórdão nº 159/10.9TTEVR.E1 do Tribunal da Relação de
Évora, de 10-12-2008
Acórdão do STJ, proc. 03S3405, de 28-01-2004
Acórdão do TRL, proc. 5705/2007-4, de 10-10-2007
Acórdão do STJ n.º 1899/08 - 4.ª Secção, de 10-12-2008
Acórdão do STJ, proc. 08S2466, de 19-11-2008
Acórdão do STJ, proc. 1367/02, de 05-02-2003
Acórdão do STJ, proc. 02S3304, de 04-06-2003
Acórdão do TRL, proc. 291/11, de 23-10-2013
Acórdão do TRL, proc. 128/8.9TBHRT.L1-4, de 19-10-2011
Acórdão do TRL, proc. 282/09.2TTSNT.L1-4, de 12-10-2011
Acórdão do TRC, proc.512/08.8TTLRA.C1, de 09-01-2012
Acórdão do TRC, proc. 478/06, de 01-06-2006
Acórdão do STJ, proc. 99S173, de 07-10-1999
(Página deixada propositadamente em branco.)
Carina Oliveira
Licenciada em Medicina e Mestre em Medicina Legal e Ciências Forenses, pela
Universidade de Coimbra. Pós-Graduação em Medicina Legal, Social e do Trabalho;
Curso Superior de Medicina Legal; Pós-Graduação em Avaliação do Dano Corporal
Pós-Traumático. Executive Master em Gestão na Saúde na Católica Porto Business
School. Doutoranda do programa Avances e Novas Estratexias en Ciencias Forenses
na Universidade de Santiago de Compostela. Médica Especialista em Medicina Legal
pela Ordem dos Médicos. Assistente Convidada de Medicina Legal e Forense e Direito
Médico na FMUC. Docente do Curso de Pós-Graduação em Avaliação do Dano Corporal
Pós-Traumático e do Mestrado em Medicina Legal e Ciências Forenses na FMUC.
Elemento da Comissão Organizadora e Científica de diversos Congressos nacionais e
internacionais na área da Medicina Legal. Membro Integrado do Centro de Ciências
Forenses da Fundação para a Ciência e Tecnologia. Integra o Corpo Redatorial da
Revista Portuguesa de Avaliação do Dano Corporal − APADAC.

Duarte Nuno Vieira


Professor Catedrático e Diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de
Coimbra. Presidente do Conselho Europeu de Medicina Legal, do Conselho Forense
Consultivo do Procurador do Tribunal Penal Internacional, da Associação Portuguesa
de Avaliação do Dano Corporal e Vice-Presidente da Confederação Europeia de
Especialistas em Avaliação e Reparação do Dano Corporal. Presidiu à Academia
Internacional de Medicina Legal, Associação Internacional de Ciências Forenses,
Associação Mundial de Médicos de Polícia, Academia Mediterrânea de Ciências
Forenses e Associação Latino-Americana de Direito Médico. Tem exercido funções
como Consultor Forense Temporário no âmbito do Alto Comissariado dos Direitos
Humanos das Nações Unidas, Consultor Forense do Comité Internacional de Cruz
Vermelha e perito forense do Conselho Internacional de Reabilitação de Vítimas de
Tortura. Foi Diretor do Instituto de Medicina Legal de Coimbra e Presidente do Instituto
Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses e do Conselho Médico-Legal.

Francisco Corte-Real
Licenciado, Mestre e Doutorado em Medicina (Medicina Legal), pela Universidade
de Coimbra. Especialista e Assistente Graduado em Medicina Legal. Especialista
universitário em Avaliação do Dano Corporal, pela Universidade de Santiago de
Compostela. Professor Associado com Agregação e Sub-diretor da Faculdade de
Medicina da Universidade de Coimbra. Membro da Direcção da Competência em
Avaliação do Dano Corporal da Ordem dos Médicos. Foi Presidente do Colégio da
Especialidade de Medicina Legal da Ordem dos Médicos. Desempenhou funções
de Diretor da Delegação do Centro e Vice-Presidente do Conselho Diretivo do
Instituto Nacional de Medicina Legal, bem como membro do Conselho Médico-
‑Legal. Foi Presidente da Associação Portuguesa de Avaliação do Dano Corporal,
Presidente da Sociedade Portuguesa de Genética Humana, Deputy do European
Council of Legal Medicine, Sócio-Fundador do Centro de Estudos de Pós-Graduação
em Medicina Legal e membro da Direção do Centro de Ciências Forenses.
OBRA PUBLICADA
COM O APOIO

CIÊNCIAS
DA SAÚDE

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