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DOS DILEMAS DO FENÔMENO DA GLOBALIZAÇÃO NA ESFERA NACIONAL E

TRANSNACIONAL - E O ACESSO À JUSTIÇA INTERNACIONAL COMO DIREITO HUMANO


FUNDAMENTAL

OF THE DILEMMAS OF THE PHENOMENON OF GLOBALISATION IN THE SPHERE OF


NATIONAL AND TRANSNATIONAL-AND ACCESS TO INTERNATIONAL JUSTICE AS A
FUNDAMENTAL HUMAN RIGHT

MARCIA DOS SANTOS EIRAS


ZORAIDE SABAINI DOS SANTOS AMARO

RESUMO
Nas reflexões que se seguem, em suas linhas gerais, procura-se analisar, no processo de Globalização, como
resultam as relações jurídicas entre os agentes locais, regionais, nacionais e transnacionais contemporâneos.
De materiais teóricos doutrinários convincentes e coerentes colhem-se argumentos que permitem questionar
se os mecanismos específicos que caracterizam o funcionamento da globalização são aplicáveis nas mesmas
condições nas sociedades que apresentam fortes diferenças como é o caso das sociedades do Norte e do Sul.
Por ser a globalização um fenômeno social que se manifesta em todo o planeta - as múltiplas dimensões
culturais, políticas, sociais, éticas, tecnocientíficas, incluídos os progressos da informática, da biotecnologia,
bem como o aprofundamento dos problemas sócio-ambientais e da economia mundial, sobre o qual se
assentam as relações civis mercantis e jurídicas, de forma sucinta, será abordado o sistema de proteção social
na direção a integrar o compromisso da aplicação das normas de direitos humanos e acesso à justiça.

PALAVRAS-CHAVES: GLOBALIZAÇÃO; DIREITOS HUMANOS; JUSTIÇA INTERNACIONAL

ABSTRACT
In the following reflections, overall, there is an attempt to analyze, in the process of globalization, how the
judicial relations amongst the local, regional, national and transnational contemporaneous agents result. From
convincing and coherent doctrinal theoretical material, on may gather arguments that allow one to question if
the specific mechanisms that characterize the functioning of globalization are applicable in the same
conditions in the societies that present strong differences as is the case in the societies from North and from
South. For being the globalization a social phenomenon that manifests itself all around the globe – the
multiple cultural, political, social, ethical, techno-scientific dimensions, including the progresses of computer
engineering, biotechnology, as well as the increase of socio-environmental and world economics problems,
over which lay civil, mercantile and judicial relations, in a succinct manner, the system of social protection in
the direction of integrating the compromise of the application of the laws of human rights and access to
justice will be addressed.
KEYWORDS: GLOBALIZATION; HUMAN RIGHTS; INTERNATIONAL JUSTICE.

Pode-se dizer que a chegada do Estado Moderno[1] se deu em conformidade com um processo de
descobertas técnico-científicas que se iniciou no século XIX e alcançou, depois da Segunda Guerra Mundial,
níveis de desenvolvimento sem precedentes na História. Com efeito, os reflexos da modernidade estenderam-
se manifestamente rumo a uma transformação sócio-político-econômica, de maneira expansionista,
desconhecendo fronteiras territoriais: intra e internacionais.
Em verdade, o impulso dado no desenvolvimento revolucionário técnico-científico ganhou eficácia e
prevalência na conjuntura globalizadora. As gigantescas associações de capital [os grupos hegemônicos],
através da conquista do mercado mundial e da exploração da força de trabalho, vão impondo seu domínio,
qual seja, movimentar, com muita celeridade, capitais de um ponto ao outro do planeta com a finalidade de
desenvolver atividades comprometidas com a obtenção de largas margens de lucros a prazo curto.[2]
No fenômeno da globalização, que compreende um processo de integração mundial, a obra do
capitalismo hegemônico é propulsora de um movimento transnacional incessante de bens, serviços, capitais e
pessoas potencializados pelas tecnologias da informação e da comunicação. Os representantes dos interesses
dos grandes oligopólios transnacionais que ditam políticas estruturais econômicas e sociais pressionam, com
todos os meios disponíveis, para que o poder da regulação dos Estados nacionais desapareça.[3] Os
indivíduos, as organizações sociais e as comunidades se veem forçados [por novos modelos associativos
impostos] a estabelecer contatos cada vez mais próximos.
Assim, nota-se que para a coletividade contemporânea as dificuldades oriundas da globalização são
consideráveis, porque esta não se resume a esse novo modo de produção capitalista organizado de grandeza
universal; a globalização constitui um processo que vem se desenvolvendo desde o passado remoto da
humanidade. Decorre, além da conseqüente busca da integração dos mercados, também da universalização
dos padrões culturais e da necessidade de equacionamento dos problemas que afetam a totalidade do planeta,
como a degradação do meio ambiente, a explosão demográfica, a corrente armamentista, o desrespeito aos
direitos humanos, as alterações no papel político do Estado e outros.

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 261
É certo que para alguns analistas não economicistas da globalização, entender e buscar explicar a
globalização por outras manifestações que não sejam as dominantes, ou seja, a mercantilização, a
mobilização e distribuição de recursos [financeiros e humanos] é uma forma de deslocar ideológica e
teoricamente a questão. Para outros, a globalização pode ser tratada não de forma abstrata, como fenômeno
inexorável e cego feito à revelia dos sujeitos, ao contrário, pode ser captada através de comportamentos de
pessoas e de grupos, pela maneira como reagem, internalizam e concretizam no seu presente seus projetos de
vida, seus cotidianos e suas expectativas.[4] Para alguns críticos, a globalização consiste “num processo que
não é apenas econômico, mas que apresenta também uma dimensão social, política, ambiental, cultural e
jurídica”,[5] marcante, no dia-a-dia dos povos, que impele os Estados à busca de ordenamentos jurídicos que
os façam conviver em harmonia.
Embora a literatura científica contenha distintos enfoques e exaustivas visões sobre a Globalização,
o que se propõe é de forma sucinta [numa perspectiva jus-sociológica] fazer uma abordagem conceitual e
verificar como ficam os direitos humanos com o fenômeno da globalização econômica e o sistema de
proteção social na direção a integrar o compromisso da aplicação das normas de direitos humanos e acesso à
justiça.

2 DOS DILEMAS DA GLOBALIZAÇÃO ECONÔMICA - DIREITOS HUMANOS E O ACESSO À


JUSTIÇA INTERNACIONAL

Ao analisar a globalização da economia mundial e a relação com o direito e a justiça, a questão


sugere considerar alguns pontos da História. Lília Gonçalves Magalhães Tavolaro comenta que

foi somente a partir dos processos desencadeados na passagem da Idade Média para a Idade Moderna que foi
possível se pensar numa “história universal”. Através dos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, os
ideólogos da Revolução Francesa se empenharam na realização de um projeto que buscava uma alternativa a uma
situação em que particularidades hereditárias privilegiavam alguns indivíduos em detrimento de outros e na
constituição de um elo a partir do qual as pessoas mais distantes, espalhadas em amplos territórios, pertencentes a
culturas diversas se sentissem politicamente responsáveis umas pelas outras. [6]

Foi esse o contexto que levou Immanuel Kant a elaborar uma concepção que somente a
constituição de uma sociedade jurídica capaz de abranger a humanidade como um todo poderia garantir aos
homens o exercício de sua autonomia e de sua liberdade, sem que eles se submetessem a um estado
constante de guerra.[7]
Entretanto, a mesma modernidade que se consolidava através de um processo de transformações
econômicas, políticas e sócio-culturais de caráter expansionista e abrangente, foi também aquela que assistiu
ao surgimento das mais surpreendentes manifestações particularistas e restringentes.[8] A eclosão de duas
guerras mundiais - tendo sido uma delas marcada por um dos maiores genocídios da história humana –
parecia ter relegado aos imaginários de liberdade, igualdade e fraternidade que estavam no alicerce do
universalismo moderno, um status simplesmente utópico.[9]
Mas, após a Segunda Guerra Mundial desencadeou-se uma série de transformações econômicas
que, gradativamente, vem ampliando a tendência de aplicação das altas tecnologias informacionais em
organizações enxutas e flexíveis possibilitando aos conglomerados de empresas multinacionais, que dominam
a pesquisa tecnológica de ponta, a imposição de uma maior interdependência econômica de abrangência
mundial.
Desta forma, a literatura pós-moderna considera que a globalização pode ser vista com “um
processo histórico, simultaneamente social, econômico, político e cultural, no qual se movimentam
indivíduos, povos e governos, sociedades e culturas, línguas e religiões, nações e continentes, formas de
espaços e possibilidades dos tempos”.[10]
A globalização é um fenômeno caracterizado pela integração econômica internacional que cada vez
mais tem levado à crescente interação entre o direito e a economia. Há várias formas de pensar a relação
entre o direito e a economia no contexto desse novo modelo econômico. José Eduardo Faria defende que à
medida que avança o processo de transnacionalização dos mercados de insumo, produção, capitais, finanças
e consumo, a sociedade contemporânea já não pode mais ser vista como uma simples pluralidade de cidadãos
livres, independentes e atomizados, encarados exclusivamente a partir de sua individualidade.[11]
Impende notar que a globalização, apesar de constituir um fenômeno relativamente recente que
ocorre em escala mundial, a exemplo da União Européia [EU]; da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico
(APEC); do Tratado de Livre Comércio da América do Norte [NAFTA - North American Free Trade
Agreement]; da Associação de Nações do Sudoeste Asiático [ASEAN] e do Mercado Comum do Sul
[MERCOSUL], dentre outros, vem se realizando através de formação de blocos regionais ou sub-regionais
de Estados, sobretudo como mecanismos de amparo contra os aspectos negativos nesse processo, e, ainda
como uma estratégia concebida para viabilizar a obtenção de melhores condições de participação no
intercâmbio mundial para maximizar o aumento das economias de escala; minimizar os custos sociais e
econômicos e propiciar uma defesa minimamente eficaz contra a especulação financeira e os fluxos de
capitais não-produtivos.[12]
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 262
O processo de mundialização da economia busca um enfoque maior nas relações de produção e
comércio internacional obedecendo à lógica capitalista, isto é, a integração de todos os recantos do mundo,
tomando todos os espaços, formando o conjunto global das grandes corporações internacionais. Nos países
inferiormente desenvolvidos, impõe-se a idéia de que a integração aos mercados internacionais se daria pelo
desenvolvimento industrial com vistas à exportação de seus produtos, bem como integrar-se a este grande
mercado. Adotando esta lógica, empresas globais, sejam estas nacionais ou internacionais, ocupam os
espaços e locais mais favoráveis com vistas à maior produtividade e competitividade.[13]
Ian Clark compreende a “globalização” como um fenômeno em constante tensão com o fenômeno
paralelo da “fragmentação” [ou localização]. São expressões relativas a processos diversos que, no seu
entendimento, compreendem transformações no âmbito político, social, econômico, tecnológico e cultural.
Este autor considera que seria equivocado conceber a globalização como algo ditado apenas pelo
desenvolvimento tecnológico e pelas forças do mercado, sem a presença do Estado. Para Clark, assim como
para Paul Hirst e para Andrew Hurrel os Estados e os Governos, especialmente das grandes potências, não
são testemunhas passivas da globalização, são antes os seus agentes promocionais podendo recorrer, quando
necessário, inclusive ao uso de força para garantir a efetivação das medidas globalizantes. [14]
Octávio Ianni argumenta que a globalização em curso, ao tempo em que integra e articula,
desagrega e tensiona, reproduzindo e acentuando desigualdades e antagonismos nos quais se polarizam
grupos, classes, etnias e minorias e outros setores da sociedade nacional e da coletividade global. Nesta
visão, Ianni reforça a idéia de que ao mesmo tempo em que a globalização vem impulsionar a
homogeneização, equalização ou integração, vêm provocar fragmentações, rupturas contradições. Passam a
se multiplicar os desencontros de todos os tipos, no plano local, nacional e mundial, envolvendo relações,
processos e estruturas sociais, econômicas, políticas e culturais.[15]
As conseqüências oriundas deste processo da globalização são muitas onde as coisas, gentes e idéias
se embrenham em descompasso com os espaços e tempos instituídos pela eletrônica, onde o passado e o
presente se embaralham. Tem-se o confronto do novo e do velho, do arcaico e do moderno, procurando
estabelecer novidades e inovações, modernidades e pós-modernidades. Ao impregnar modos, de ser, de agir,
de pensar, de imaginar, seguindo a mesma racionalização que prioriza o tempo, o ritmo, a velocidade e a
produtividade, vem lançar a subordinação do indivíduo à máquina, ao sistema, às estruturas de dominação e
apropriação prevalecentes promovendo a alienação do indivíduo.[16]
Nota-se que as análises dominantes sobre globalização têm enfatizado os seus aspectos da economia
[análise dos mercados, do comércio, do capital financeiro], não obstante, o processo da globalização
permite, pela sua amplitude, múltiplas interpretações, nem sempre convergente. Pode-se dizer que respostas
aos desafios desse fenômeno, têm sido “dados” da geografia [espaço e tempo redefinidos]; da sociologia
política [atores, práticas sociais e conflitos socioambientais]; da antropologia [a relação entre tradição e
modernidade, etnia, multiculturalismo, cultura local e global]; da ciência política [análise dos novos conflitos
internacionais, a crise da soberania dos Estados nacionais]; do direito [a redefinição de bens comuns, de
propriedade, das responsabilidades públicas e privadas em matéria ambiental].
Ainda, para estudar os fatos derivados, como a migração, a relação entre a população e a
degradação ambiental, as modificações ecossistêmicas, entraram em cena, dentre outras, áreas temáticas
como a demografia e a ecologia. No entanto, não se credita todas essas novas orientações teóricas ao
fenômeno da globalização, as raízes dessa crítica se localizam no debate filosófico que vem ocorrendo desde
o século passado sobre a modernidade e suas crises. Se adotado isto como limite zero da questão, então a
globalização é um momento de aprofundamento dessa modernidade tardia, conforme a discussão feita por
Habermas, Harvey, Giddens, Castells e Wallerstein, entre muitos outros.[17] Diante disso, em que pesem o
idealismo e entusiasmo de todos os que se “debatem” em buscar respostas aos desafios do fenômeno
“globalização” [em todas as esferas] não por acaso, insere-se a seguir uma abreviada abordagem à Teoria da
Modernidade de Habermas.

3.1 Sobre o Projeto da Modernidade e o Estado em Jürgen Habermas

É interessante, a propósito, ressalvar que as considerações que seguem não se tratam de distanciar
do tema proposto, mas conferir embasamento à referência feita de que “a globalização é um momento de
aprofundamento dessa modernidade tardia”. Cabe, aqui, incluir, com base no discurso de Bárbara Freitag,
que a Teoria da Modernidade de Habermas foi apresentada como uma teoria capaz de explicar processos
históricos ocorridos nos últimos três séculos e de diagnosticar as estruturas e patologias das sociedades
contemporâneas e buscar soluções para a sua supressão.
A teoria da modernidade habermasiana procura explicar a gênese da moderna sociedade ocidental.
Neste sentido, a Teoria da Modernidade faz parte de uma proposição evolutiva mais ampla, preocupada em
reconstruir os processos de formação, os princípios de organização e as crises pelas quais passam as
formações societárias no decorrer do tempo.[18] A Teoria da Modernidade de Habermas refere-se, pois, a
uma série de transformações ocorridas no passado mais recente das formações societárias. No contexto da

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modernidade, Habermas inclui as sociedades de classe do capitalismo [liberal e “tardio”] e as sociedades de
classe do socialismo de estado. Assim Habermas afirma:

Ninguém me convence de que o socialismo de estado seja, do ponto de vista da evolução social, 'mais avançado' ou
'progressista' que o capitalismo tardio. Ambas as formações societárias não são senão variantes de uma mesma
formação societária... Temos tanto no leste quanto no oeste modernas sociedades de classe diferenciadas em Estado
e Economia.[19]

Para Habermas o projeto da modernidade ainda não acabou ele foi desviado de sua rota, por isso
ninguém está autorizado a afirmar que o projeto tenha sido concluído, que tenha chegado o fim da
modernidade. O que se esgotou foram as utopias emancipatórias centradas na esfera da produção e do
trabalho. Na visão de Habermas, este desvio que a modernidade sofreu pode ser corrigido resgatando a
política na sociedade, através do agir comunicativo, por meio de um diálogo intersubjetivo. Dessa maneira,
podem-se questionar novos valores e novas normas sociais a que foram submetidas à técnica, à ciência e à
sociedade e, recuperar o quadro institucional da sociedade que a ideologia do capitalismo tardio corroeu.[20]
Tem-se como exemplo a União Européia, pela desnacionalização das economias, a alta
competitividade do comércio e a volatilidade do capital financeiro, os Estados europeus, de certa forma,
foram “forçados” a buscar uma alternativa conjunta. A estratégia comunitária de redução da soberania estatal
em prol de instituições supranacionais não foi uma escolha aleatória para agradar a teóricos, mas sim uma
questão de sobrevivência do padrão social europeu.
O pensamento de Habermas oferece contribuições essenciais para a compreensão da atual dinâmica
jurídica mundial. A globalização é definida por ele como uma modificação estrutural do sistema econômico
mundial[21] e afirma que os problemas econômicos das sociedades de bem estar social surgem com a
globalização, a qual limita a atuação dos Estados nacionais de tal forma que ele já não dá mais conta de
enfrentar as conseqüências sociais e políticas que dela advêm:

No âmbito de uma economia globalizada, os Estados nacionais só podem melhorar a capacidade competitiva
internacional das suas ‘posições’ trilhando o caminho de uma autolimitação da capacidade de realização estatal; isto
justifica políticas de ‘desconstrução’ que danificam a coesão social e que põem à prova a estabilidade democrática da
sociedade.[22]

O autor aponta que a Globalização destrói aquele Estado social que tinha conseguido manter os
custos sociais dentro de um limite plausível. Outra conseqüência da globalização é que ela esmorece a força
de integração das formas de vida nacionais tradicionais. O alicerce comparativamente homogêneo da
solidariedade civil está abalado, já que o fluxo migratório acaba por constituir Estados multiculturais. “Para
um Estado nacional que se encontra limitado na sua capacidade de ação e inseguro no que toca à sua
identidade coletiva, torna-se ainda mais difícil cumprir com a necessidade de legitimação”.[23]
Não obstante, Habermas concorda que não se nota um enfraquecimento do Estado no que tange à
garantia estatal do direito à propriedade e das condições de competição, e que, por outro lado, há riscos que
ultrapassam fronteiras, como os que advêm de questões ecológicas, da criminalidade organizada e do tráfico
de drogas e de armas.[24] O recurso, contudo, não é fechar-se “contra a ‘maré’ invasora que vem de fora.
Sob as condições cambiantes da constelação pós-nacional, o Estado nacional não pode recuperar a sua força
anterior com base em uma política de fechamento”.[25]
Habermas recomenda uma estratégia baseada na criação de uma política transnacional de melhoria e
conservação das redes globais. Ressalta que a globalização pressiona o Estado nacional a se unir
internamente para a pluralidade de modos de vida estrangeiros ou de novas culturas. Ao mesmo tempo, ela
restringe de tal modo o âmbito de ação dos governos nacionais, que o Estado soberano também tem de se
abrir para fora diante de administrações internacionais.[26] Habermas ponta que a forma de continuar
preenchendo as funções sociais do Estado é passar de um Estado nacional para organismos políticos que
assumam de algum modo essa economia transnacionalizada e que essas fusões políticas são condições
necessárias para uma recuperação da política frente à economia globalizada. Os desafios da globalização
poderão ser enfrentados, de modo razoável, se na sociedade se conseguir desenvolver novas formas de
autocondução democrática dentro da constelação pós-nacional.[27]
Segundo Habermas, o Estado nacional está perdendo sua força e a tendência é que haja uniões
políticas de Estados. É o que ele denomina de constelação pós-nacional para que os Estados e as
administrações supranacionais se compreendam como membros de uma comunidade que são obrigados a
levar em conta, reciprocamente, os interesses uns dos outros e a defender os interesses universais. Assevera
que é necessária uma consciência de pertença conjunta que tornará possível para os ‘confederados
associados livremente’ identificarem-se ‘reciprocamente’ como cidadãos.[28]
Habermas ressalta que tal união não pode constituir-se num Estado mundial, pois devem ser
consideradas as peculiaridades dos Estados outrora soberanos. Ele diz não ser ocasional que na comunidade
cosmopolita a moldura normativa constitua-se apenas de “direitos humanos” [normas jurídicas com conteúdo
exclusivamente moral]. Reafirma que “enquanto a solidariedade civil se enraíza em uma identidade coletiva
particular respectiva, a solidariedade cosmopolita deve apoiar-se apenas no universalismo moral expresso nos

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direitos humanos”.[29]

3.2 A Globalização e Defesa dos Direitos Humanos

No plano internacional diferentemente das relações de direito interno, que são marcadas pela idéia
de verticalidade, não há, pelo menos em tese, uma hierarquia entre os seus membros. No nível interno, as
normas compõem uma estrutura piramidal na qual a Constituição ocupa o topo da pirâmide e deflue daí as
demais normas. Nas relações internacionais não existe essa estrutura. Em decorrência da estrutura horizontal
e descentralizada da sociedade internacional é que os Estados só obedecem àquelas normas com as quais
haja previamente concordado, prevalecendo o princípio da isonomia entre os Estados. Diante disso é possível
concluir pela a ausência de um poder mundial, capaz de sobrepor um país ao outro obrigando este último a
determinado comportamento em função da vontade do primeiro.
Nota-se, contudo, que a partir da noção de propriedade tornou-se necessária a presença de normas
de comportamento. Karl Marx e Friedrich Engels, v.g. entenderam o aparecimento dessas normas como
conseqüência da dominação do homem pelo homem. Na história da humanidade sempre foi uma luta de
classes: livres e escravos; nobres e servos; mestres e artesãos e tantas outras, o que leva à conclusão de que
os fenômenos são produtos das relações econômicas entre os homens.[30] Atualmente, as decisões estatais
estão internacionalmente de tal forma envolvidas que os mercados se massificaram; grandes potências
financeiras extrapolaram fronteiras; os conflitos internacionais recrudesceram e o século XXI é um novo
marco na história da humanidade.
No que diz respeito aos direitos humanos, esta questão reúne um enfoque de legítimo interesse
internacional. A universalização dos direitos humanos fez com que os Estados consentissem em submeter ao
controle da comunidade internacional o que até então era de seu domínio reservado. A institucionalização
internacional dos direitos humanos enfrenta, hoje, apesar dos avanços obtidos, importantes dois desafios.
Segundo a melhor doutrina, existe um contraste entre a proliferação das normas internacionais de direitos
humanos e a criação de instituições destinadas a garantir-lhes eficácia.
Os Estados relutam em oferecer às organizações internacionais instrumentos necessários para lidar
com a nova complexidade que surgiu. Verifica-se um descompasso entre as novas responsabilidades que as
normas jurídicas delegam à comunidade internacional e a ausência de mecanismos capazes de assegurar a sua
efetivação.[31] Por isso a exigibilidade [inclusive enquanto justicialidade – a possibilidade de exigir direitos
face ao Poder Judiciário] é, hoje, um imperativo na teoria e na prática dos direitos humanos, posto que as
declarações de direitos, as Constituições e as leis, de um modo geral deixam de possuir qualquer significação
prática, se não tiverem a possibilidade de efetiva aplicação. Para se bem compreender a realização dos
direitos humanos, numa perspectiva indivisível é fundamental superar algumas idéias limitadas a respeito da
teoria dos direitos humanos.
Segundo uma visão tradicional, apenas os direitos humanos civis e políticos são considerados
direitos humanos por excelência e, por isso, merecem mecanismos claramente definidos para sua realização
prática. Enquanto isso, os direitos humanos econômicos sociais e culturais seriam realizáveis, apenas
progressivamente, razão pela qual não mereciam mecanismos para a sua realização imediata. Não se pode
entender como direitos aqueles que sejam definidos como tendo aplicabilidade “progressiva”. Bobbio
questiona, “um direito cujo reconhecimento e cuja efetiva proteção são adiados ‘sine die’, além de confiados
à vontade de sujeitos cuja obrigação de executar o ‘programa’ é apenas uma obrigação moral ou, no
máximo, política, pode ainda ser chamado corretamente de direito? A figura do direito tem como correlato a
figura da obrigação”.[32]
Isso denota, em primeiro lugar, dar – hoje - uma maior atenção aos direitos humanos econômicos,
sociais e culturais, em virtude do descompasso em relação às possibilidades de validação dos direitos
humanos civis e políticos. É bem verdade que para muitos, poderá essa afirmação soar parcial, na medida em
que atribuiria maior relevância aos direitos humanos econômicos, sociais e culturais; poderá ecoar até mesmo
inconseqüente com a defesa da indivisibilidade dos direitos humanos. Entretanto, superar idéias limitadas
significa também que a maior dificuldade de realização dos direitos humanos econômicos sociais e culturais
[em função das crises econômicas, dos poucos mecanismos de validação, no plano nacional e internacional
dos processos de globalização e outros, não deve constituir elemento inibidor à sua realização, mas antes um
desafio a ser superado. Destarte, trabalhar com a idéia de estabelecer metas concretas para a superação de
situações violatórias aos direitos pode ser um caminho eficaz, desde que não entendido no sentido
limitado.[33]
A superação dessas violações determina, portanto, que haja uma verdadeira vontade por parte de
Estado/Governo de alcançar um determinado padrão de respeito aos direitos humanos. Nesse sentido,
diversos países, com elevado grau de concentração de renda vêm estabelecendo planos econômico-sociais
que busquem ao menos minorar a situação de penúria em que vive a maioria das suas populações. Afinal, o
déficit de direitos na maioria das sociedades do mundo é enorme, e urge que eles virem realidade. Os
programas relacionados a direitos humanos econômicos, sociais e culturais, portanto, devem ser norteados

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no sentido da distribuição da riqueza e da ampliação das oportunidades.[34]
Deve-se constar que conforme reconhecido pela Declaração da ONU sobre o Direito ao
Desenvolvimento de 1996, as violações maciças e flagrantes dos direitos humanos são resultado do
colonialismo; neocolonialismo ‘aparthed’; de todas as formas de racismo e discriminação racial; dominação
estrangeira e ocupação; agressão e ameaças contra a soberania nacional, à unidade nacional e à integridade
territorial e de ameaças de guerra; processos sociais que devem ser superados como condição para a busca
da paz[35].
Levando em consideração a grande distância entre a concretização dos direitos humanos civis
políticos e dos direitos humanos econômicos, sociais e culturais é essencial que sejam pensadas
possibilidades práticas de realização dessa última categoria de direitos, seja enquanto justicialidade seja por
via das políticas públicas. O direito internacional de direitos humanos enuncia as obrigações que os Estados
são obrigados a respeitar. Ao tornarem-se partes em tratados internacionais, os Estados assumem obrigações
e deveres de acordo com o direito internacional e, comprometem-se a respeitar, proteger e realizar os
direitos humanos.
4 O ACESSO À JUSTIÇA COMO GARANTIA CLASSIFICADA DENTRE OS DIREITOS
FUNDAMENTAIS DO HOMEM E OS TRATADOS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO DOS
DIREITOS HUMANOS

É notório que diante desse novo modo de produção capitalista, para dirimir as controvérsias e
interesses egoístas gerados, pela globalização, sobre os atores sociais inseridos nas estruturas econômicas e
políticas fortemente globalizadas [empresas transnacionais, Estados nacionais, ONG’s, trabalhadores
empregados qualificados, prestadores de serviços culturais, esportivos, midiáticos e tantos outros] emerge o
direito em íntima relação com a economia. Acresce-se que as cortes constitucionais e tribunais internacionais
são instituídos como salvaguardas importantes de direitos, liberdades e garantias reconhecidas nos Estados-
membros, sobretudo daquelas decorrentes dos princípios gerais de igualdade, unidade, liberdade e
solidariedade. De forma que, “como a dignidade do homem merece tutela que transcende as fronteiras que o
cercam, os Estados assumem reciprocamente o desafio de proteger um “standard” mínimo e indelével de
direitos próprios ao ser humano dentro do sistema de controle coletivo e subsidiário”.[36]
Os direitos e garantias fundamentais de acesso à justiça resultam de longa evolução histórica dos
direitos humanos, consagrados definitivamente na Declaração Universal de 1948 que inspirou a criação de
sistemas protetivos internacionais. O precursor Cohen-JONATHAN menciona que: “Se o respeito dos
Direitos do Homem se constitui uma obrigação do Direito Internacional, resulta que os internacionais podem
recorrer do direito interno ao Direito Internacional, eventualmente perante as instâncias internacionais”.[37]
Salienta, contudo, que necessita de muito cuidado ao tratar essa matéria, vez que pode conduzir a um “abuso
ou desvio de poder”, tendo em vista que a obrigação internacional que conduz a “idéia” de responsabilidade
significa que um Estado pode exigir satisfações àquele que praticou o ilícito.
O reconhecimento hodierno do acesso direto dos indivíduos à Justiça Internacional revela grande
discussão, especialmente após a adoção desse mecanismo pela Corte Européia de Direitos Humanos. O
movimento pelo acesso à Justiça - aspecto central do moderno Estado Social - figura a concretização da
capacidade jurídico-processual dos indivíduos nos procedimentos perante os tribunais internacionais que
buscam determinar a responsabilidade internacional dos Estados-partes por violação dos direitos protegidos.
O acesso direto dos indivíduos à jurisdição internacional revela a mais alta e ímpar revolução jurídica que
permite uma ou mais pessoas “sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de
religião, de opinião política, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra
situação”[38] vindicar seus direitos contra as manifestações do poder arbitrário.
Pode-se verificar que a Organização dos Estados Americanos [OEA] criou e desenvolveu um
sistema de proteção dos direitos humanos, composto por dois órgãos de fiscalização, a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, organismos
internacionais que promovem os direitos humanos, através de uma série de funções que vão além da
adjudicação de casos individuais. A Corte, estabelecida pela Convenção Americana de Direitos Humanos, é
um órgão unicamente judicial que tem dentre as funções a atribuição de receber e processar petições
individuais de alegações e violações dos direitos humanos assegurados no sistema interamericano, de
resolver disputas individuais encaminhadas pela Comissão [jurisdição contenciosa], bem como tem o poder
de emitir Opiniões Consultivas, a partir da requisição dos Estados-membros da OEA, da Comissão e de
outros órgãos da OEA[39].
A legitimidade para provocar a jurisdição da Corte Interamericana está reservada aos Estados
Partes da Convenção e à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos, consoante o art. 61 do Pacto de
São José da Costa Rica. A falta da legitimidade do homem é tributada à concepção clássica - gradualmente
vencida na seara dos Direitos do Homem - de que as relações do Direito Internacional se desenvolvem
exclusivamente entre Estados Soberanos. O indivíduo é a verdadeira parte no processo perante o tribunal,
ainda que lhe seja cerceada a postulação direta e se encontre dependente do patrocínio oblíquo pela

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Comissão. Hoje, ultrapassada a inauguração do litígio, ele participa ativamente da condução do feito e de sua
dilação probatória, mediante a conquista do “locus standi in judicio”, a partir da entrada em vigor do novo
Regulamento da Corte em Junho de 2001.
Para os indivíduos que têm os seus direitos humanos infringidos nas Américas, peticionar para a
Comissão é freqüentemente o meio mais efetivo de buscar remédio no plano internacional, como se pode
notar segundo relato de Celso Mello que em 1988, no caso Velásquez, afirmou a Corte Interamericana de
Direitos do Homem:

Um ato atentatório aos direitos do homem – e que, inicialmente, não seria imputável a um Estado e, por exemplo,
se ele é obra de um particular ou se seu autor não é identificado – pode, entretanto, acarretar a Responsabilidade
Internacional deste Estado, não em razão do próprio fato, mas em razão da falta e diligência do Estado para
prevenir a violação dos direitos do Homem ou para tratar nos termos exigidos pela Convenção.
As conseqüências da violação dão ao indivíduo o direito de recorrer à proteção internacional seja a órgãos como a
Comissão Européia [o próprio indivíduo recorre a ele, o que foi aceito pela maioria dos estados] ou a Comissão
Interamericana. Posteriormente o caso pode ser ainda levado à corte Européia ou à corte Interamericana. A corte
Européia, em princípio, constata uma violação a Convenção e cabe ao Estado tirar as conseqüências gerais ou
particulares da sentença. Cabem ao Estado os meios para cumprir a decisão. Ela pode em um segundo tempo em
virtude do art. 50 decidir que seja dada diretamente à vítima uma indenização [...]. No continente americano a
convenção atribui à Corte Interamericana o poder de ordenar que se garanta o direito da parte prejudicada. No
âmbito da ONU, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos [1966] institui um Comitê de Direitos
Humanos, que é complementado por um Protocolo Facultativo. O citado Comitê não é um tribunal, mas ele
constata a responsabilidade do Estado. O Instituto do Direito Internacional, em resolução tomada em 1989, afirma
que os direitos do homem são a expressão direta da dignidade da pessoa humana e que os estados têm a
obrigação de respeitá-los. Esta dignidade está proclamada na carta da ONU e na Declaração Universal dos
Direitos do Homem. O Instituto de Direito Internacional considera que a obrigação de respeitar os Direitos do
Homem é uma obrigação erga omnes. Cohen-JONATHAN fala em uma ação pública e lembra que o art. 1º das
citadas convenções de 1949 estabelece: As Altas Partes contratantes comprometem-se a respeitar e a fazer
respeitar a presente Convenção em todas as circunstâncias. [40]

Isto se revela de forma clara que o direito de acesso à justiça tem sido agasalhado nos catálogos de
direitos fundamentais, em acepção bastante ampla e não como mero pedido de tutela ao Poder Judiciário,
assim reconhecido pelas constituições e por declarações de direitos nacionais e internacionais, posto que “o
Estado deva respeitar os direitos e a dignidade de seus cidadãos e não pode, em nome de alegados interesses
coletivos - econômicos, de segurança ou outros - ultrapassar a fronteira que lhe é imposta pela própria
anterioridade dos direitos do homem [...]”.[41] Nesse sentido, assevera Cappelletti e Garth que o acesso à
justiça deve ser considerado como o mais básico dos direitos humanos do sistema jurídico moderno e
igualitário que pretende garantir e não apenas proclamar o direito de todas as pessoas. [42]
Considerando, portanto, que o direito internacional e o direito interno se integram na proteção dos
direitos do homem, é praticamente consensual a idéia de que o sistema de proteção internacional dos direitos
humanos é adicional e subsidiário. Neste sentido, pressupõe a doutrina que a justiça internacional é questão
que concretiza e reflete a dinâmica integrada do sistema de amparo aos direitos humanos pelo quais os atos
internos do Estado estão sujeitos à supervisão e ao controle dos órgãos internacionais de proteção,[43]
quando a atuação do Estado se mostra omissa ou falha na tarefa de garantia desses mesmos direitos.
Nesse contexto de transformações, especialmente nas comunidades políticas ou comerciais
associadas como é o caso europeu e, ainda muito precariamente do Mercosul, ocorre, em maior ou menor
grau, decisivas questões político-jurídicas que concernem ao todo social. No veloz e intenso fenômeno da
Globalização tendo em vista os problemas primados da competitividade e da produtividade levadas ao
extremo, do individualismo sem freios e da disseminação dos valores de mercado em todas as esferas, a
proteção jurídica internacional para solução de conflitos pode ser acionada, [em conformidade com as
respectivas competências, jurisdições e legislações pertinentes e dos Estados-Partes].
O amparo jurídico internacional pode ser invocado não só pelos Estados-Membros e instituições
comunitárias, como por todos os sujeitos de direito que estejam legitimados para agir, sejam as grandes
potências que movimentam imensos fluxos de dinheiro pelo mundo, seja o contingente de “indivíduos nus”
[privados de todos os recursos expressivos, apenas restando a venda de sua força de trabalho como
mercadoria] posto no mundo pelo lado perverso da modernidade capitalista, porque destituídos de condições
de vida e de trabalho estão a vagar, por espaços hostis, em busca desesperada de alguma dignidade.[44] Com
efeito, o acesso à justiça tornou-se um princípio constitucional, ampliado a sua legitimidade a ser
reconhecido, muitas vezes, em ações relativas à violação aos direitos e garantias dos indivíduos, como da
coletividade.
Note-se que o acesso à justiça não significa somente possibilidade de ingresso aos tribunais, mas
viabilizar alcance à ordem jurídica justa e obter a adequada e efetiva tutela jurisdicional na solução dos
litígios. Do ponto de vista prático, pode-se apropriar como exemplo, situando particularmente o Brasil
dentre outros países, que a atuação da atividade jurisdicional, num primeiro momento, denota ser uma
pregação jurídico-político-filosófica sedutora, não só pela veemência das garantias constitucionais de uma
tutela justa, efetiva e de duração razoável, como também pelos argumentos de fazer valer os princípios da
dignidade, igualdade e liberdade da pessoa humana. Entretanto, lucidamente são debatidos alguns paradoxos,
não só pela maioria dos entraves e óbices ao acesso à justiça que derivam do impacto político, econômico e
sócio-cultural caracterizado pela intensificação das relações sociais em escala mundial e os obstáculos e
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 267
limitações ao seu pleno exercício, mas também o ingresso em juízo e a excessiva duração do processo que,
desde o iluminismo europeu[45], vem demarcada pelo notório esforço em tornar o processo menos
complicado, mais racional e célere.
Assim, verifica-se que diante de um “abuso ou desvio de poder”, ou em função das crises
econômicas, o Direito Internacional de Direitos Humanos enuncia obrigações aos Estados que ao se
tornarem partes em tratados internacionais devem respeitar- proteger e realizar os direitos humanos. Diante
disso, contra as manifestações do poder arbitrário, uma ou mais pessoas sem distinção alguma, tem
assegurado o direito de acesso à justiça às cortes constitucionais e tribunais internacionais para salvaguardar
os direitos violados, sobretudo no que diz respeito à dignidade da pessoa humana, dentre outros, os
decorrentes dos princípios gerais de igualdade, unidade, liberdade e solidariedade.

REFERÊNCIAS

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* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 268
[1] Segundo Habermas, “o Estado Moderno é um termo legal que se refere ao mesmo tempo á ‘Staatsgewalt’, um ramo executivo que
garante a soberania interna e externa, à ‘Staatsgebiet’, um território claramente delimitado à ‘Staatsvolk’, a totalidade dos cidadãos.
(...) [O] núcleo institucional desse Estado Moderno é formado por um aparato administrativo legalmente constituído e altamente
diferenciado, que monopoliza os meios legítimos de violência e obedece a uma peculiar divisão de trabalho com uma sociedade de
mercado emancipada para o desempenho de funções econômicas. (...) [O fato de ser soberano] significa que a autoridade política
mantém tanto a lei e a ordem dentro das fronteiras de seu território quanto a integridade dessas fronteiras frente ao cenário externo...”
HABERMAS, Jürgen. O Estado Nação Europeu frente aos desafios da Globalização. Novos Estudos CEBRAP, nº 43, 1995, p. 88.
[2] ANTUNES Ruy Barbedo. Globalização e Direitos Humanos. Revista do Direito, Pelotas, 2(1): 5-19, Jan.-Dez./2001. Disponível em
< https://www.ucpel.tche.br/ojs/index.php/Direito/article/viewFile/215/186 009> Acesso em 15 set.2009.
[3] Bacelar destaca que existe uma pressão muito forte para reduzir o papel dos Estados periféricos.. BACELAR, Tânia. Como as
grandes tendências da conjuntura atual rebatem trabalho das Organizações não Governamentais – ONGs. In: Políticas Públicas
Debate, v. 7. Recife: Centro Josué de Castro de Estudos e Pesquisas. 1997, p. 30.
[4] FLORIANI, Dimas. Conhecimento, meio ambiente & globalização. Curitiba: Juruá, 2004, p. 57-58.
[5] Como ficou registrado na a 54ª Sessão da Comissão dos Direitos Humanos da ONU. LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo.
Globalização, regionalização e soberania. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2004, p. 52.
[6] Idem, ibidem, TAVOLARO, 2005, p. 25.
[7] Idem, ibidem, p. 25.
[8] Idem, ibidem, p. 27.
[9] Idem, ibidem, p. 40.
[10] IANNI, Otávio. A era do globalismo. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999, p. 183-193.
[11] FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada, São Paulo: Malheiros, 1999, p. 185.
[12] Idem, ibidem, p. 293.
[13]ALBERTI, Edison Antonio, REIS, Janete Teresinha, BEZZI, Meri Lourdes. Considerações sobre a estruturação da nova ordem
mundial: a globalização. Geografia – Londrina -Volume12 – Número 2–jul./dez. 2003. Disponível em: <http://www2.uel.br>.
Acesso em 14 set. 2009.
[14] CLARK Ian. Globalizzazione e frammentazione: le relazioni internazionali nel XX secolo. Trad. Giancarlo Gasperoni. Bologna:
Mulino, 2001. In FEITOSA, Maria Luiza P. de Alencar Mayer. Globalização alguns aspectos conceituais e analíticos. Grifo no
original. Verba Juris –Ano 3, n. 3, jan./dez. 2004.
[15] ALBERTI, op. cit., 2003.
[16] Idem, ibidem, 2003.
[17] FLORIANI, op. cit., 2004, p. 52-53.
[18] Segundo Bárbara Freitag, “Essa nova teoria evolutiva procura evitar as falhas das antigas teorias da evolução (de Comte,
Spencer, Darwin), [...] compreendendo os processos de transformação das formações societárias como processos coletivos de
aprendizagem. À semelhança da descentração que caracteriza segundo Piaget, o aprendizado da criança, as sociedades teriam a
capacidade de "aprendizado", superando princípios de organização mais simples e menos eficazes em favor de princípios novos mais
universais, mediante sucessivas descentrações. A superação do centramento no princípio do parentesco permite assumir a perspectiva
do Estado centralizado; a descentração desse princípio torna possível assumir a perspectiva do mercado (internacional), organizado
em torno da relação trabalho e capital. A divisão local e internacional do trabalho impõe novas descentrações, que resultam no
planejamento dos processos societários”. (...) A "modernidade!" refere-se às formações societárias do "nosso tempo", dos "tempos
modernos". O início da "modernidade" está marcado por três eventos históricos ocorridos na Europa e cujos efeitos se propagaram
pelo mundo: a Reforma Protestante, o Iluminismo ("die Aufkärung) e a Revolução Francesa. Em outras palavras, a "modernidade" se
situa no tempo. Ela abrange, historicamente, as transformações societárias ocorridas nos séculos 18, 19 e 20, [sic] no "Ocidente".
Neste sentido, ela também se situa no espaço: seu berço indubitavelmente é a Europa. Seus efeitos propagam-se posteriormente pelo
hemisfério norte, especialmente pelos países do Atlântico Norte. Habermas inclui no contexto da modernidade as sociedades de classe
do capitalismo [liberal e "tardio", isto é, "Spãtkapitalismus"] e as sociedades de classe do socialismo de estado. FREITAG, Bárbara.
Habermas e a teoria da modernidade. Disponível em: <http://www.cadernocrh.ufba.br>, Cad. CRH., Salvador, n.22. p. 138-163,
jan/jun. 1995. Acesso em: 05 abr. 2010.
[19] Idem, ibidem.
[20] HABERMAS, Jürgen. Ciência e técnica enquanto ideologia. In: Os Pensadores. São Paulo, Ed. Abril, 1980, p. 322.
[21] HABERMAS, Jürgen. A Constelação Pós-nacional. Tradução de Márcio Seligmann-Silva. São Paulo: Littera Mundi, 2001, p.
68.
[22] Idem, ibidem., p. 67.
[23] Idem, ibidem, p. 102. O Autor considera, ainda, que não são apenas os países clássicos de imigração, como os EUA, e os antigos
países colonialistas, como a Inglaterra e a França, que são tocados por essa corrente. Apesar das rígidas regulamentações da
imigração (e, no nosso caso, inconstitucionais) que trancavam o forte da Europa, todas as nações européias encontram-se entrementes
a caminho da sociedade multicultural. É evidente que essa pluralização das formas de vida não se dá sem atritos. Por um lado o
Estado constitucional democrático está normativamente mais bem armado do que outras ordens. Rev. Disc. Jur. Campo Mourão, v. 3,
n. 1, p. 50-84, jan./jul. 2007.
[24] HABERMAS, op. cit. 2001, p. 87.
[25] Idem, ibidem, p. 103.
[26] Idem, ibidem, p. 107.
[27] Idem, ibidem, p.112.
[28] Idem, ibidem, p. 27. Grifo no original.
[29] Idem, ibidem, p. 137.
[30] MARX Karl. Manifesto Comunista. Trad. Edson da silva Coelho. 2 ed. São Paulo: Versus, 1979, p. 13-14.
[31] PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos, globalização econômica e integração regional: desafios do direito constitucional
internacional. São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 649.
[32]BOBBIO, Norberto. Direitos do homem e sociedade, in a era dos direitos, Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 72-80.
[33] PIOVESAN, op. cit., 2002, p. 658-659.
[34] Idem, ibidem, p. 660.
[35] Idem, ibidem, p. 661.
[36] ANDRADE, Enéas Setúbal. Notas introdutórias à Corte Interamericana dos Direitos do Homem, 2006. Disponível em:<.
http://jus2.uol.com.br>. Acesso em: 11 set. 2009.
[37] Idem, ibidem, p. 817-818.
[38] MAZZUOLI, Valério de Oliveira. [Org.] Coletânea de Direito Internacional, Constituição Federal. 7. ed. rev., ampl. e atual.
São Paulo : Revista dos Tribunais, 2009, p. 775.
[39] PIOVESAN, op. cit., 2002, p.673.
[40] MELLO, op. cit., 2000, p. 817-819.
[41] CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Tratado de Direito Internacional de Direitos Humanos, Porto Alegre, ed. Sérgio
Fabris, 1997.
[42] CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988. p. 11-13.
[43] CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. A interação entre o direito internacional e o direito interno na proteção dos direitos
humanos. Arquivos do Ministério da Justiça, Brasília, vol. 46, n. 182, p. 52-53. In PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o
direito constitucional internacional. São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 276.
[44] TAVOLARO, Lília Gonçalves Magalhães. Dilemas da globalização na Europa unificada. São Paulo: Annablume; Fapesp,
2005, p.17.
[45] Outro fator significativo do desenvolvimento político a partir das idéias iluministas que desaguou na codificação do Direito foi
que a tarefa do Estado passa a ser concebida como a busca de um bem comum aos cidadãos. [...] Toda essa efervescência trouxe, com
a codificação, os rudimentos mais próximos do moderno direito processual civil, com as primeiras preocupações de aproximação do
direito aos jurisdicionados, celeridade e descomplicação dos procedimentos. Chegou-se, inclusive, nessa tentativa de aproximação
com os jurisdicionados, a prescindir, a princípio, da presença do advogado nas lides forenses, o que acabou por ser logo revisto pelos
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 269
codificadores. Tem-se, portanto, que a revolução no pensamento humano trazida pelo Iluminismo e seus próceres está diretamente
relacionada ao avanço do pensamento humano também nos sistemas jurídicos nacionais, materializada nos Códigos nacionais, numa
legislação única e organizada para cada Estado Nacional. TEIXEIRA, Fabrizio Morelo. Iluminismo, Direito Natural e os Códigos
Modernos. 03.12.2007. Disponível em: < http://www.felsberg.com.br/>. Acesso em 15 set., 2009.

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 270

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