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255- 274
RESUMO
Este artigo discute o trabalho como princípio educativo e a atualidade da educação poli-
técnica perante o projeto hegemônico neoliberal e pós-moderno. Neste cenário, a ofensiva
do capital na busca frenética pela redução de custos e o aumento da competitividade em-
presarial têm significado, para os trabalhadores, precarização do trabalho e das relações de
emprego. No âmbito da educação, as propostas vinculadas ao discurso pós-moderno, irmão
siamês das proposições neoliberais, deve ser entendido no quadro de luta intensa do capital
por sua perpetuação, esvaziando a função social da educação e reforçando a mercantiliza-
ção do processo escolar. Dessa forma, a classe dominante providencia para que os traba-
lhadores tenham acesso apenas ao conhecimento necessário que o possibilitem produzir,
mas não desvendar o mundo em que vive. Diante desta constatação, o presente artigo tem
como objetivo apontar as principais características da educação politécnica e discutir sua
atualidade diante do projeto hegemônico neoliberal e pós-moderno. Por fim, reiteramos a
necessidade urgente de novas estratégias de luta, na qual persistem os desafios de mudan-
ças estruturais na sociedade, tendo como intento superar a lacuna histórica produzida entre
trabalho manual e trabalho intelectual, com vistas à criação de uma sociedade emancipada,
onde será possível a existência de uma educação integral, segundo a concepção marxiana.
104
Dr. em Educação. Professor do PPGE da Universidade Federal de Rondônia. E-mail: marcooliveiragomes@yahoo.com.br
105
Dr. em Educação. Professor do PPGE da Universidade Federal de Rondônia. E-mail: maciel_ac@hotmail.com
106
Drª. em Educação. Professora do PPGE da Universidade Federal de Rondônia. E-mail: 6rosangela@gmail.com.br
107
PPGE/ Universidade Federal de Rondônia. E-mail: geferrazo@hotmail.com.
ABSTRACT
This article discusses the work as an educational principle and actuality of polytechnic edu-
cation to the neoliberal hegemonic project and post-modern. In this scenario, the offensive
of capital in the frantic search for reducing costs and increasing business competitiveness,
meaning workers have precarious work and employment relations. In education proposals
linked to the postmodern discourse, Siamese twin of neoliberal propositions must be un-
derstood in the context of intense struggle of capital for its perpetuation, emptying the so-
cial function of education and reinforcing the commodification of school process. Thus, the
ruling class provides for workers to have access to only the necessary knowledge to enable
the produce, but not solve the world lives. Given this finding, the present article aims to
point out the main characteristics of polytechnic education and discuss its relevance in the
face of neoliberal hegemonic project and post-modern. Finally, we reiterate the urgent need
for new strategies of struggle, where there are still challenges to structural changes in socie-
ty, with the intent to overcome the historical gap produced between manual and intellectual
labor, with a view to creating an emancipated society, which will possible existence of an
integral education, according to the Marxist conception.
nunca, para legitimar o sistema de domi- crescente processo de precarização das con-
nação do capital sobre o trabalho, da acu- dições laborais. Em outras palavras, a lógica
mulação interminável de lucros que atende do processo capitalista dirige-se com o claro
aos interesses da burguesia. Trata-se de um objetivo de garantir a conversão da força de
processo de reestruturação produtiva e da trabalho em trabalho real sob condições que
flexibilização do trabalhado decorrentes da maximizassem sua acumulação.
intensificação do processo de internaciona-
São as melhores máquinas e os melhores
lização econômica e das mudanças marca-
procedimentos técnicos que garantem aos
das pela microeletrônica e seus desdobra- capitalistas a ‘conversão, sempre renovada,
de uma parte da classe operária em parce-
mentos em termos de informatização, auto-
la elevada de braços parcialmente ocupados
matização, robotização do sistema produti- ou totalmente desocupados’. O exército in-
dustrial de reserva obtém-se, com a ajuda
vo; mudanças no campo da microbiologia,
de um processo bem simples, da aplicação
e suas aplicações no campo da engenharia de métodos que, deixando o trabalho mais
produtivo, diminuem sua demanda. O que
genética, biotecnologia etc.
chamamos hoje de novas tecnologias repre-
As transformações ocorridas no âm- sentam, a partir desse ponto de vista, um
progresso muito importante para o capital.
bito da produção reduzem o número de
As tecnologias da informação e da comunica-
trabalhadores necessários à produção ma- ção (o computador, o satélite, etc.) permitem
às empresas reduzir a demanda por trabalho
terial, gerando uma massa de excluídos e
(o montante da força de trabalho que elas
condições objetivas de exploração maiores devem comprar no ‘mercado de trabalho’)
e também transferi-la para países em que o
do que as que estão nos postos de trabalho custo da força de trabalho é com produtivi-
sob real ameaça de desemprego. dade mais ou menos igual, objetivamente
mais barata. (CHENAIS, 2008, p.31).
Escapa aos limites desse artigo a enu- nários dormindo ao relento’, disse Regina.
O alojamento foi fechado e os bolivianos,
meração dos casos de exploração presen- com ajuda da prefeitura de Pradópolis, en-
tes na sociedade contemporânea, mas não caminhados a um hotel na vizinha Jaboti-
cabal (SP).
deixa de ser irônico o fato de a notícia de
trabalho escravo ser publicada no Caderno
Essa breve citação é evocada aqui
de Negócios do jornal Estado de São Pau-
tão somente para ressaltar um caso que
lo, em 06 de março de 20122.
ilustra bem como o capital dispõe de
Representantes do Ministério Público do Tra- meios para comprar a força de trabalho
balho (MPT) e auditores fiscais do Ministério em condições favoráveis em diferentes
do Trabalho encontraram hoje um grupo de
oito bolivianos em condições degradantes circunstâncias. O propósito do capital é
na fábrica Biodiesel Brasil, em Pradópolis, criar ou recriar condições efetivas nas
interior de São Paulo. Eles trabalhavam no
processo de decantação do óleo de cozinha quais toda “oferta de emprego” seja acei-
que a fábrica utiliza na produção do combus- ta, e que a submissão volte a ser total.
tível e apontaram, como o responsável pela
empresa, Miguel Joaquim Dabdoub, um dos O capitalismo não produz somente a mi-
pioneiros da produção de biodiesel em esca- séria física do trabalhador, mas também
la industrial no Brasil e professor da Universi-
dade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto, sua escravidão que, em alguns casos, não
interior paulista. se trata de retórica. A degradação provo-
Dabdoub admitiu ter iniciado o projeto da
unidade e ter trazido os bolivianos para cada pelas relações capitalistas materia-
trabalhar na construção e no começo da liza-se no roubo do tempo necessário à
operação da fábrica. Mas, segundo ele,
a unidade foi vendida para uma empresa educação e desenvolvimento intelectual,
chamada Energea, há seis meses. ‘Eu te- bem como na própria miséria de milhões
nho documentos que comprovam o negó-
cio e não posso mais responder por eles de seres humanos.
(bolivianos)’, disse. A Agência Estado não Nesse sentido, paradoxalmente, a
conseguiu localizar os representantes da
Energea. mesma sociedade – que tanto prega a in-
Os bolivianos relataram que não recebem dividualidade e a liberdade –, padroniza e
salário há dois meses, que não receberam
décimo-terceiro salário de 2011 e ainda que esvazia os indivíduos de forma brutal. Da
a companhia não depositaria o FGTS e não mesma forma que instrumentos extrema-
concederia férias aos funcionários. Além dis-
so, dois bolivianos teriam relatado a reten- mente eficientes, do ponto de vista técnico,
ção de documentos, o que impossibilitaria o para a produção e a difusão do conheci-
retorno deles ao País de origem.
Segundo a procuradora do MPT de Ribei- mento, produzem um brutal empobreci-
rão Preto Regina Duarte, os bolivianos dis- mento da cultura. E como se tudo isso não
seram ainda que trabalham das 7h às 22h,
de segunda-feira a sábado, e das 7h às 12h bastasse, transforma-os em seres descartá-
aos domingos. ‘O pior foi o alojamento dos veis prontos para se venderem a qualquer
funcionários, um galpão improvisado, com
ratos, sem comida e com um dos funcio- preço no mercado.
vos que não eliminam as tensões de uma te que reitera o fim das lutas sociais conti-
sociedade dividida em classes antagônicas, nua vivo, da mesma forma que a defesa de
que os intelectuais da ordem negam a todo estratégias que contribuem para o esvazia-
o momento. mento daquilo que é a função essencial da
Evidentemente, numa sociedade or- escola: a transmissão-assimilação do saber
ganizada pelos ditames das relações capi- sistematizado.
talistas de produção, em que tudo se trans- O acesso ao conhecimento em nossa
forma em mercadoria, a educação escolar sociedade ocorre de maneira desigual e se-
envereda por formações utilitárias, curtas, letiva, com a aparência, entretanto, sedutora
diretamente utilizáveis e rentáveis ao capi- de respeito às diferenças culturais, pelo feti-
tal. Nesse sentido, os ideólogos da burgue- chismo da democratização do acesso ao co-
sia defendem sempre a redução das despe- nhecimento pelos diferentes tipos de cursos
sas com a educação, apontando o mercado oferecidos pelo mercado da educação e pela
como agente regulador e “democrático”. subordinação dos objetivos da educação es-
Em outras palavras, tanto a quantidade colar a uma lógica de constante esforço in-
como a qualidade da mão de obra forma- dividual, para se adaptar às transformações
da é determinada pelos interesses de curto das condições de vida e de trabalho.
prazo do capital. Isso posto, a nova promessa da escola
Nesse cenário, o discurso da emprega- integradora modificou-se de tal forma que
bilidade e flexibilidade das relações de tra- se tornou, desta vez, muito mais excludente.
balho ganhou espaço. Dentro da lógica ne-
[...] Passou-se de uma lógica da integração
oliberal, tais conceitos expressam o caráter
em função de necessidades e demandas
limitado da promessa integradora. Afinal, já de caráter coletivo (a economia nacional,
a competitividade das empresas, a riqueza
que não há espaço para todos no mercado,
social etc.) para uma lógica econômica es-
cabe a cada indivíduo adquirir no próprio tritamente privada e guiada pela ênfase nas
capacidades e competências que cada pes-
mercado a sua formação. Dito de outra for-
soa deve adquirir no mercado educacional
ma, a posse do conhecimento para colocar- para atingir uma melhor posição no mer-
cado de trabalho. Morta definitivamente
se à disposição do mercado cabe a cada um
a promessa do pleno emprego, restará ao
obter. No plano econômico, a integração de indivíduo (e não ao Estado, às instâncias de
planejamento ou às empresas) definir suas
indivíduos será facilitada, ainda segundo a
próprias ações, suas próprias escolhas que
lógica dominante, se o Estado flexibilizar as permitam (ou não) conquistar uma posição
mais competitiva no mercado de trabalho.
relações de trabalho, reduzindo os encargos
A desintegração da promessa integradora
sociais e permitindo a “livre negociação”. deixará lugar à difusão de uma nova pro-
messa, agora sim, de caráter estritamente
Colocando em foco o quadro educa- privado: a promessa da empregabilidade.
cional, percebe-se que o discurso dominan- (GENTILI, 2004, p. 49).
Na linha das considerações acima in- Não vamos, nesse momento, apro-
dicadas, cabe observar que o discurso pós- fundar essa reflexão. Apenas registramos
moderno, irmão siamês das proposições ne- que a questão do conhecimento objetivo é
oliberais, deve ser entendido no quadro de uma questão ideológica, isto é, diz respei-
luta intensa do capital por sua perpetuação. to ao caráter do conhecimento. vejamos os
Nesse cenário, foi proclamado o “fim da apontamentos de Saviani:
história” ou o triunfo final do capitalismo,
[...] Com efeito, se existem interesses
bem como o fim de todas as “verdades”.
que se opõem à objetividade do conheci-
Isso posto, cabe-nos apresentar al- mento, há interesses que não só opõem
como exigem essa objetividade. É neste
guns elementos que estão presentes no dis-
sentido que podemos afirmar que, na
curso pós- moderno: atual etapa da história, os interesses
da burguesia tendem cada vez mais a se
opor à objetividade do conhecimento,
4. Rejeição categórica do conheci- encontrando cada vez mais dificuldades
de justificar racionalmente, ao passo
mento “totalizante” e de valores que os interesses proletários exigem a
“universais” – incluindo as con- objetividade e tendem cada vez mais a
se expressar objetiva e racionalmente.
cepções ocidentais de “racionali- É fácil compreender isso uma vez que a
dade”, ideias gerais de igualdade burguesia, beneficiária das condições de
exploração, não tem interesse algum em
e a concepção marxista de eman- desvendá-las, ao passo que o proletaria-
cipação humana geral. do que sofre com a exploração tem todo
o interesse em desvendar os mecanismos
5. Exaltação das “diferenças”: iden- dessa situação, que é objetiva. (2003, p.
tidades particulares, tais como 57) (o grifo é nosso).
meios necessários para sua sobrevivência. que tenha como finalidade não somente a
Segundo Saviani, ao contrário dos animais, emancipação política, mas a emancipação
que se adaptam à realidade natural tendo do homem.
a sua existência garantida naturalmente, o Aqui aparece de maneira muito cla-
homem precisa adaptar a natureza às suas ra a função que a sociedade civil ocupa na
necessidades e, com isso, produzir conti- construção da hegemonia: é o espaço, para
nuamente sua própria existência. Por isso além do Estado, onde se confrontam os di-
podemos afirmar que o trabalho define a ferentes projetos de sociedade, incluindo a
essência humana. (2003, p.12). educação, até prevalecer um que estabeleça
Isso posto, fica claro que o próprio a direção geral da economia, na política e
processo de produção do conhecimento na cultura. Dito de outra forma, enquanto o
deriva da atividade humana fundante do Estado (sociedade política), que representa
ser social. vale enfatizar que, para Marx, em última instância a burguesia, exerce o
o trabalho não possuía centralidade apenas domínio do capital, ou mais precisamente,
no aspecto ontológico. Na sua forma con- uma democracia nos moldes do liberalis-
creta, na sociedade capitalista, ele também mo burguês, é no âmbito da sociedade civil
possui uma centralidade política no sentido que as classes fundamentais buscam exer-
que cabe ao proletariado, a classe destituí- cer sua hegemonia, ganhar aliados para
da da posse dos meios de produção, a tare- suas posições mediante direção política e
fa de liderar a revolução que emancipará o consenso.
trabalho do julgo do capital. Nesse sentido, Gramsci não
considera a sociedade civil apenas como
Dentre todas as classes que hoje se opõem
espaço das iniciativas do mercado, mas
à burguesia, somente o proletariado é uma
classe realmente revolucionária. As outras também a manifestação das forças
classes se vão arruinando e perecem com o
ideológicas. Historicamente, não faltam
desenvolvimento da grande indústria; o pro-
letariado, ao contrário, é o seu produto mais exemplos que demonstram com clareza que
autêntico. (MARX; ENGELS, 1998, p.17).
em todos os momentos em que a
hegemonia burguesa esteve ameaçada,
Desse modo, a tarefa histórica da presenciamos o rompimento das regras do
classe operária implica tarefas políticas, jogo da democracia liberal.
isto é, a organização dos trabalhadores
No entanto, é evidente que o proces-
como classe com vistas ao enfrentamento
so de formação de uma nova cultura não
contra o poder do Estado burguês, com o
se fará do nada, mas sim a partir da ação
objetivo de destruí-lo. Em outras pala-
consciente e planejada de apropriação ne-
vras, trata-se de um projeto revolucionário
cessária do patrimônio cultural da humani-
dade. Dessa forma, é importante ressaltar
que não se trata de um processo apenas no sentam indicativos concretos por onde o
plano da consciência, mas de fundamentar sistema pode começar a construir-se. Nessa
em ações concretas com vistas à transfor- perspectiva, um dos pontos fundamentais
mação da realidade. é, justamente, a negativa de reconhecer a
educação como um fato restrito ao mundo
Qualquer movimento político, de fato, que
escolar e compreender a atividade escolar
pretenda construir uma hegemonia na socie-
dade, precisa não apenas criticar e se separar como um fenômeno autossuficiente e inde-
do projeto global vigente, mas deve principal-
pendente das relações materiais.
mente apresentar propostas superiores e mais
abrangentes de sociedade. Sua ação política Nesse sentido, evocamos uma pas-
concreta, juntamente com o trabalho de des-
sagem do Manifesto, que apresenta uma
construção das bases hegemônicas do grupo
no poder, deve vir acompanhada pela apresen- proposta no âmbito da educação articula-
tação duma reinterpretação mais convincente
da com a perspectiva de classe: “Educação
da realidade. (SEMERARO, 1999, p.82).
pública gratuita para todas as crianças.
Abolição do trabalho infantil nas fábricas
Nasce aqui a função educativa de
na sua forma atual. Combinação da educa-
elevação moral e intelectual dos trabalha-
ção com a produção material etc.” (1998,
dores. Portanto, é no interior da sociedade
p.31). Como se vê, a inserção de Marx e
civil, como aponta Semeraro, no sentido
Engels na luta dos trabalhadores não foi
gramsciano, que aqueles que vivem da ven-
alheia à questão da educação. Com efeito,
da de sua força de trabalho são chamados
a proposição presente no texto aponta para
a desenvolver suas convicções e a lutar por
o estabelecimento de bases de um sistema
um novo projeto hegemônico enraizado na
novo que permita unificar o trabalho ma-
gestão democrática e popular do poder.
nual ao intelectual.
Diante dessas circunstâncias, encon-
Trata-se um movimento em direção a
tra-se a necessidade de procurarmos apro-
uma educação escolar que efetive a sociali-
fundar a discussão do trabalho como princí-
zação do conhecimento. Vejamos o enten-
pio educativo, que busca na transformação
dimento de Marx sobre a educação (2004,
radical da sociedade sua última finalidade.
p.68):
Mas, qual o significado da educação para
Marx e Engels? Ora, sabemos que Marx e Por educação entendemos três coi-
Engels em nenhum momento escreveram sas:
especificamente sobre o tema da educação.
Suas referências sobre o tema aparecem ao 2. Educação intelectual.
longo de sua produção. No entanto, se não 3. Educação corporal, tal como a
constituem um sistema educacional, apre- que se consegue com os exercí-
cios de ginástica e militares.
to, tanto para fundamentar a concepção mos delinear uma concepção metodológica
metodológica e o planejamento de ensino dialética do processo educativo.
-aprendizagem como a ação docente-dis- Psistrak demonstra isso ao explicitar
cente. Essa perspectiva parte do princípio que:
O objetivo fundamental da escola é, por-
do conhecimento como fruto do trabalho
tanto, estudar a realidade atual, penetrá-la,
humano no processo histórico de transfor- viver nela. Isso não quer dizer, certamente,
que a escola não deva estudar as ruínas do
mação do mundo e da sociedade, ou seja,
passado: não, deve estudá-las, e assim será
o desenvolvimento científico subordina-se feito, mas com a compreensão de que são
apenas ruínas do passado e de que seu es-
ao regime social e às relações materiais so-
tudo deve ser iluminado à luz da realidade
cialmente hegemônicas. atual, no sentido já indicado, à luz da luta tra-
vada contra o passado e da transformação da
vida que deve levar à sua liquidação. (2011,
Os pressupostos de que partimos não são
p.26).
pressupostos arbitrários, dogmas, mas
pressupostos reais, de que só se pode abs-
trair na imaginação. São os indivíduos re-
Eis um exemplo importante que nos
ais, sua ação e suas condições materiais de
vida, tanto aquelas por eles já encontradas é dado de uma proposição que procura pro-
como as produzidas por sua própria ação.
porcionar material para a luta dos trabalha-
Esses pressupostos são, portanto, cons-
tatáveis por via puramente empírica. [...] dores. Dessa forma, em lugar de aguardar
Pode-se distinguir os homens dos animais
que as contradições do capitalismo o tornem
pela consciência, pela religião ou pelo que
se queira. Mas eles mesmos começam a se insuportável, é fundamental que os educa-
distinguir dos animais tão logo começam a
dores, identificados com uma perspectiva
produzir seus meios de vida, passo que é
condicionado por sua organização corporal. revolucionária, se inclinem sobre as con-
Ao produzir seus meios de vida, os homens
tradições inerentes à sociedade dividida em
produzem, indiretamente, sua própria vida
material. (MARX; ENGELS, 2007, p.86-87). classes e que as explorem uma a uma.
Defendemos a proposição de que a
A partir da perspectiva do materialis- união “trabalho-ensino” representa uma
mo histórico e dialético, a prática do funda- trincheira a ser conquistada por aqueles
mento do conhecimento, o homem só conhe- que se colocam no campo de combate ao
ce o que é objeto ou fruto de sua atividade e capitalismo.
só o conhece porque atua praticamente. No
A escola não é o feudo da classe dominante;
entanto, não qualquer prática, mas essen-
ela é terreno de luta entre a classe dominan-
cialmente o trabalho. Em outras palavras, o te e a classe explorada; ela é o terreno em
que se defrontem as forças do progresso e as
que desejamos explicitar é que o processo
forças conservadoras. O que lá se passa refle-
de produção do conhecimento é o desdobra- te a exploração e a luta contra a exploração.
A escola é, simultaneamente, reprodução
mento da atividade humana fundante do ser
das estruturas existentes, correia de trans-
social. A partir dessa epistemologia, pode- missão da ideologia oficial, domesticação –
mas também ameaça à ordem estabelecida de uma concreta socialização dos meios de
e possibilidade de libertação. O seu aspecto
reprodutivo não a reduz a zero: pelo contrá- produção. No campo da educação escolar,
rio, marca o tipo de combate a ser travado, trata-se de confrontar todas as astúcias da
a possibilidade desse combate que já foi de-
sencadeado e que é preciso continuar, que ideologia hegemônica que contribuem para
institui a possibilidade objetiva de luta. (SNY- lançar os trabalhadores na miséria material
DERS, 2005, p. 102-103).
e miséria intelectual. O capitalismo gene-
raliza a impossibilidade de uma civilização
Em outras palavras, é plenamente
que emancipe todos os homens.
possível explorar as contradições presentes
Para que o conhecimento socialmen-
no modo de produção capitalista buscan-
te produzido pela humanidade possa ser di-
do ampliar a estratégia de sua superação.
fundido, é necessário que a grande parcela
É por este motivo central que a proposição
da população mundial saia da condição de
de uma Pedagogia Histórico Crítica se faz
absoluto analfabetismo e torne-se capaz de
necessária como instrumento de luta no
assimilar informações imediatamente apli-
campo da educação escolar. Pelo que foi
cáveis, sem a necessidade de grandes alte-
dito até aqui, parece-nos notório que essa
rações no cotidiano dos indivíduos.
concepção toma por princípio a constitui-
Dessa forma, temos que organizar
ção de um projeto que auxilie na tarefa his-
estratégias de luta a partir das condições
tórica de superação do capital.
objetivas e disponíveis da produção ma-
terial da escola, forjando instrumentos de
CONSIDERAÇÕES PROVISÓRIAS
superação dos limites da educação escolar
Entendemos que a materialidade so-
existente. Trata-se de ampliar as trinchei-
cial das relações capitalistas é “totalizan-
ras dentro da sociedade civil com vistas à
te” em formas e graus sem precedentes.
redefinição da política educacional e reor-
Sua lógica transforma tudo em mercadoria,
ganização do sistema de ensino no Brasil.
incluindo os trabalhadores. Entender esse
O desafio está em identificar os proble-
sistema requer exatamente o tipo de conhe-
mas autênticos, aos quais os modismos in-
cimento “totalizante” que a produção de
telectuais correntes oferecem soluções (?)
Marx e Engels oferece e os pós-modernis-
fáceis – ou simplesmente não oferecem
tas rejeitam.
nada de concreto – , e, ao fazer isso, con-
A estratégia de luta de todos os in-
testar os limites que elas impõem à ação e
telectuais e educadores que estejam com-
à resistência.
prometidos com a superação da ordem
capitalista deve ser a de potencializar as
Recebido em: Agosto de 2013
contradições dessa sociedade, na direção
Aceito em: Novembro de 2013