Você está na página 1de 11

Quando Ruge, após a proibição de publicar os Anais alemães, foi para e lá fundou os

Anais franco-alemães, foi, sobretudo, Marx quem mais colaborou com essa revista. Nela
apareceram, em 1844, o ensaio acerca da como a questão judaica e a Introdução à crítica da
filosofia do direito hegeliana, assim uma troca de correspondência entre Marx, Ruge, Bakunin
e Feuerbach. Logo depois Marx rompeu com Ruge. Os juízos extremamente mordazes de Ruge
sobre a pessoa de Marx, e os não menos deprecativo de Marx sobre Ruge, em nada alteraram
o fato de que lhes era inteiramente comum o princípio da crítica a Hegel. A diferença, contudo,
consiste em que Marx excedia de longe, em rigor científico e energia, o talento jornalístico de
Ruge, que ele, entre os jovens hegelianos, não somente era o mais radical, mas também era
em geral aquele que, em Penetração conceitual erudição mais poderia competir com o próprio
Hegel. A frase retórica, que em Ruge pertence à substancia de seus escritos, é em Marx
somente um meio finalidade e não enfraquece o caráter penetrante de suas análises críticas. O
quanto ele foi formado por Hegel mostram menos seus primeiros escritos influenciados por
Feuerbach, mas que se referem imediatamente a Hegel, do que, ao contrário, O capital, cujas
análises, apesar de seu afastamento de Hegel, não são concebíveis sem a incorporação da
maneira como este autor traz o fenômeno ao conceito.

Quando o velho Marx chega a fixar o acontecer próprio da história nas transformações
ocorridas nas relações materiais de produção e ver nas lutas econômicas de classe o único
motivo para o movimento de toda a história, acredita ele ter ajustado contas com sua “antiga
consciência filosófica, porém, no fundo, continuou a subsistir, com a passagem para a crítica da
economia a discussão originária com Hegel. Sua primeira e, ao mesmo tempo, definitiva critica
a Hegel se põe como uma antítese à consumação hegeliana. A questão, que Marx movimenta
na sua tese, é a que se refere a possibilidade de um recomeço após aquele fim.

À tese de 1840-41 sobre Epicuro e Demócrito contém uma discussão indireta com a
situação criada por Hegel. Epicuro e Demócrito são considerados em relação a filosofia dos
gregos, consumada por Platão e Aristóteles, e de fato, em analogia com a resolução da filosofia
hegeliana por seus epígonos materialistas e ateus. As afirmações introdutórias a respeito do
relacionamento da filosofia grega clássica com as seitas filosóficas posteriores contêm
simultaneamente uma alusão ao relacionamento do próprio Marx com Hegel.

A filosofia grega parece encontrar o que uma boa tragédia não deve,
a saber, uma conclusão débil, Com Aristóteles, o Alexandre
macedônio da filosofia grega, parece cessar a história objetiva da
filosofia na Grécia [...] epicuristas, estoicos e céticos são considerados
quase como um suplemento inoportuno, que não guardam relação
alguma com suas potentes premissas.
Mas é um erro pensar que a filosofia grega tenha simplesmente se esgotado, enquanto
a história mostra que o assim chamado produto da decomposição da filosofia grega tornou-se
o protótipo do espírito romano, cuja particularidade plena de caráter e intensidade é
indiscutível. E se com isso a filosofia clássica chegou ao seu fim, não se parece a morte de um
herói com “o estouro de um sapo inflado”, mas sim com o pôr do sol que promete um novo
dia.

Além disso, não é um fenômeno estranho que, após os filósofos


platônicos e aristotélicos e seus sistemas que se estendem à
totalidade, apareçam novos sistemas, que não se apoiam nestas ricas
figuras do espírito, mas sim que, retrocedendo, voltam-se para as
escolas mais simples — no que concerne à física, aos filósofos da
natureza, no que diz respeito à ética, a escolas socrática?

Necessita-se, portanto, talvez após o término de filosofia clássica alemã, de uma


semelhante concentração e simplificação da filosofia tal como antes, quando ela passou de
Atenas para Roma? Mas como ainda é possível, após Hegel, obter um ponto de vista espiritual,
que nem o copie nem seja arbitrário? Somente através de uma discussão profunda com a
filosofia que em Hegel se tornou total mediante uma “suspensão” (Aufhebung), que ao mesmo
tempo é sua "realização”, A filosofia encontra-se sempre em uma tal "encruzilhada”, quando
seu princípio abstrato desdobrou-se em uma forma totalmente concreta, tal como em
Aristóteles e em Hegel. Com isso se quebra à possibilidade de um progresso linear, pois ela
percorre em si mesma um círculo completo. Duas totalidades opõem-se: uma filosofia que, em
si mesma, se tornou (total e - a ela oposta — um mundo efetivo e aparente de uma completa
não filosofia. Pois a reconciliação hegeliana com a efetividade não era nela, mas antes
somente com ela, no elemento do conceituar. A filosofia tem “de se voltar para fora” e
praticar-se no mundo, Como filosofia do Estado, torna-se política filosófica, A filosofia, que em
Hegel se torna mundo da inteligência, volta-se imediatamente para o mundo efetivamente
existente e contra filosofia, Esse comportamento ambíguo é a consequência da divisão do
mundo inteiro de teoria e práxis em duas totalidades contrárias, E porque são duas totalidades
que se defrontam, à desunião da nova filosofia que se tem de determinar novamente também
é total. À universalidade objetiva da filosofia consumada se quebra, primeiramente, nas
formas de consciência meramente subjetivas de uma filosofia privada nascida dela mesma.
Essa tempestade, na qual tudo se torna vacilante, efetua-se, com necessidade histórica, nessas
encruzilhadas de uma filosofia concentrada em si mesma. Quem não reconhece esta
necessidade teria que negar, se for coerente, que o homem possa ainda viver de modo
espiritual e de acordo com uma filosofia que se tornou total. Somente assim pode-se
compreender par que, depois de Aristóteles, “puderam chegar i luz do dia" Zenão, Epicuro e
Sexto Empírico, e após Hegel, “a maior parte dos sem fundamento e pobres ensaios dos novos
filósofos.

Diferentemente dos outros novos hegelianos que queriam apenas em parte


transformar Hegel, Marx obteve da história a visão de que tratava de se reformar a filosofia
como tal. “Os ânimos medíocres” — e ele visa com isso filósofos como Ruge — “têm, em tais
épocas, a visão inversa que possuem todos os generais, Eles acreditam poder reparar os danos
mediante uma diminuição da força de combate, por uma dispersão e um acordo de paz com as
necessidades reais, enquanto Temístocles” - isto é, o próprio Marx — “quando Atenas” — isto
é, a própria filosofia – “foi ameaçada de devastação, induziu os atenienses à abandonar tudo e
dirigir-se ao mar, a um outro elemento” — quer dizer, ao elemento da práxis política e
econômica, que tem de ser compreendido agora como “o que é” — “uma nova Atenas” — isto
é, “fundar” um modo completamente novo de filosofia, que no sentido até agora vigente nem
mesmo seria considerada filosofia. Também não se poderia esquecer que a época que se
segue a tais catástrofes é uma época de ferro.

|-..] feliz, se caracterizada como uma luta de titãs, lamentável,


quando se parece com os séculos de grandes épocas artísticas que
ficaram para trás, pois essas se ocupam em [...] copiar em gesso e
cobre o que surgiu do mármore Carrara: Épocas titânicas são essas
que seguem uma filosofia em si mesma total é a suas formas de
desenvolvimento subjetivas, pois a discórdia que constitui sua
unidade é gigantesca, Assim Roma seguiu as filosofias estoica, cética
e epicurista. São épocas infelizes e férreas, pois seus deuses estão
mortos e a nova deusa ainda tem a figura obscura do destino, da
pura luz ou das puras trevas. Ainda carece das cores do dia. Mas o
núcleo da infelicidade reside no fato de que a alma da época [...] em
si satisfatória [..] não pode reconhecer nenhuma efetividade que sem
ela estivesse pronta. A felicidade dentro de tal infelicidade é,
portanto, a forma subjetiva [...], na qual a filosofia como consciência
subjetiva se relaciona à efetividade, Assim, por exemplo, a filosofia
epicurista e a estoica constituam a felicidade de seu tempo; assim a
mariposa noturna, quando se pôs o sol universal, procurou o
lamparina do particular.

A afirmação segundo a qual a nova deusa tem a figura obscura de um destino incerto
da pura luz ou das puras trevas remete à imagem hegeliana do filosofar no crepúsculo cinzento
de um mundo que te tornou concluso, Isso significa para Marx: agora, após o
desmoronamento da filosofia que em Hegel havia se concluído, que ainda não se pode com
certeza ver se esse crepúsculo é um crepúsculo noturno, anterior a entrada de uma noite
tenebrosa, ou um crepúsculo matutino, anterior ao nascimento de um novo dia.
O envelhecimento do mundo efetivo coincide para Hegel com um rejuvenescimento
último da filosofia, e em Marx, que antecipa o futuro, coincide a filosofia concluída com o
rejuvenescimento do mundo real e em oposição à velha filosofia. Por meio da realização da
razão no mundo efetivo, a filosofia como tal se supera, adentra na práxis da não filosofia
existente, quer dizer, a Filosofia tornou-se marxismo, em uma teoria imediatamente prática.

O mundo ter se tornado filosófico em Hegel exige igualmente, em Marx, a filosofia


tornar-se completamente mundo. O sistema de Hegel é agora compreendido como uma
totalidade abstrata, que tem no seu reverso uma completa falta de razão, seu acabamento e
autossuficiência quebraram-se, a “luz interior” da filosofia de Hegel torna-se “chama
devoradora” que ameaça o exterior, e a liberação do mundo em relação a não filosofia e, ao
mesmo tempo, sua libertação da filosofia. Porque essa nova espécie de filosofia, em
perspectiva teórica, não vai além do sistema de Hegel, mas permanece prisioneira dele,
porque o próprio Marx ainda é hegeliano o novo filosofar somente se sabe, em primeiro lugar,
em contradição com o sistema acabado, e não compreende ainda que sua dissolução da
filosofia hegeliana constitui sua própria realização, Pois o princípio de Hegel, a unidade da
razão é da efetividade e a efetividade mesma como unidade de essência « existência, é
também o princípio de Marx. Ele está, por isso, obrigado a atacar em duas frentes: contra o
mundo efetivo e contra a filosofia existente, justamente porque ele quer reunir a ambos em
uma totalidade abrangente de teoria e práxis. Sua teoria pode tornar-se prática, porém apenas
como crítica do existente, como diferenciação crítica entre efetividade e ideia, entre essência e
existência. Como uma tal crítica, a teoria prepara o caminhe para a transformação prática. Mas
por outro lado, a maneira determinada que toma essa "reviravolta" pode encadear-se
retrospectivamente com o caráter histórico-universal da filosofia hegeliana. “Nós vemos aqui o
Curriculum vitae de uma filosofia trazido à sua mais simples expressão, ao seu ponto subjetivo,
assim como se pode deduzir a história de vida de um herói a partir de sua morte."

Porque Marx compreendeu à nova situação de maneira tão radical que, a partir da
crítica da Filosofia do direito hegeliana, converteu-se em autor de O capital, podia também
compreender a acomodação de Hegel a efetividade política melhor do que Ruge.

Que um filósofo cometa esta ou aquela inconsequência, a partir


desta ou daquela acomodação, é imaginável; ele mesmo pode ter
consciência disso. Contudo; o que ele não tem consciência é do fato
de a possibilidade desta aparente acomodação ter sua raiz mais
intima em uma insuficiência ou uma versão insuficiente de seu
próprio princípio. Tivesse, portanto, um filósofo efetivamente se
acomodando, então seus discípulos teriam de esclarecer, a partir de
sua consciência Íntima e essencial, aquilo que tivesse par ele mesmo
a forma de uma consciência exotérica.

Porque a filosofia de Hegel não abarca, simultaneamente, o mundo da teoria e da


práxis, da essência e da existência, tem ela necessariamente de se equiparar ao subsistente e
acomodar-se a ele, pois o conteúdo concreto inteiro daquilo que será concebido já lhe é
sempre dado de antemão, por meio disso que - no sentido do subsistente –

A dialética de teoria e práxis fundamenta não apenas a crítica marxista da filosofia


idealista do espírito, mas também a crítica da filosofia materialista de Feuerbach, Nas onze
Teses sobre Fenerbach (1845), Marx caracteriza como a falta principal do materialismo até
agora existente que ele compreendia a efetividade sensível apenas sob a forma da "intuição”
(theoria) e, consequentemente, como um “objeto” que existe de modo acabado, mas não
como produto da atividade das sentidos humanos ou como práxis."" Inversamente, o
idealismo, por partir do sujeito, deu validez à atividade produtiva desse último, mas apenas
abstratamente, como posição espiritual. Tanto esse espiritualismo quanto aquele materialismo
não concebem a atividade *revolucionária”, isto é prático-crítica, a única que cria o mundo do
homem, O fundamento histórico para Feuerbach se limitar a um materialismo meramente
intuitivo reside nas barreiras erigidas pela sociedade burguesa tardia, que, como sociedade de
indivíduos usufruidores, não sabe que tudo que consome é produção histórico da atividade
humana comum, que mesmo uma maçã é o resultado do comércio e de trocas mundiais, mas
que de nenhum modo está ao alcance imediato da mão. No interior dessa limitação,
Feuerbach tem por certo o grande mérito de ter dissolvido e mundo religioso em seu
fundamento mundano, mas sem questioná-lo teórica ou praticamente. Fenerbach também
“interpretou" o mundo alienado do homem de outro modo, & saber, humanamente, mas cabe
agora “transformá-lo” por meio da crítica teorética e da revolução prática. Contudo, a vontade
de transformar o mundo não significa para Marx nenhuma ação tão somente direta, mas sim,
ao mesmo tempo, um critica dá interpretação do mundo até agora em vigor, uma
transformação do ser e da consciência, portanto, por exemplo, da "economia política" como
economia efetiva e teoria econômica, por esta ser consciência daquela.

O marxismo vulgar, seguindo o precedente de Engels, simplificou esta conexão


dialética da teoria com a práxis ao insistir em uma “base” abstrata-material, cuja relação com a
“superestrutura” teorética podia-se facilmente inverter, tal como M. Weber havia
demonstrado. ” Se, ao contrário, nos atermos a concepção originária de Marx, pode-se assim
conceber também a “teoria" de Hegel como prática. Pois a razão profunda pela qual Hegel
pode afirmar o conteúdo de seu conceituar, sem querer transformá-lo através de "critica”, não
reside no simples “interpretar”, mas antes naquilo que se pretende do ponto de vista prático.
O conceber de Hegel queria reconciliar-se com a efetividade. Mas Hegel poderia se reconciliar
com as contradições empíricas do mundo subsistente, porque ele, como último filósofo
cristão, ainda estava no mundo como se dele não fosse. Em contrapartida, a crítica radical de
Marx ao subsistente, não é motivada por uma mera “vontade de transformação”, mas antes
tem sua raiz em uma Insurreição prometeica contra à ordem cristã da criação. Somente o
ateísmo do homem que crê em si mesmo tem de cuidar da criação do mundo. Esse motivo
ateísta do “materialismo” de Marx já está expresso na temática de sua dissertação a respeito
de dois antigos ateístas e materialistas. Epicuro é para ele o grande Iluminista grego, o
primeiro entre os mortais que se atreveu a desafiar os deuses do céu. A filosofia da
“autoconsciência” humana reconhece Prometeu como o mais nobre mártir do calendário
filosófico contra todos os deuses celestes e terrenos. A destruição da religião cristã é o
pressuposto para à construção de um mundo no qual o homem seja senhor de si mesmo,

A crítica marxista do Estado prussiano e da filosofia do Estado de Hegel começa com a


afirmação de que a crítica da religião — essa “pressuposição de toda crítica”, ou seja, do
mundo - está essencialmente concluída.

É, portanto, tarefa da história estabelecer a verdade deste mundo,


uma vez desaparecida a transcendência da verdade, É, em primeiro
lugar, tarefa da filosofia, que se põe a serviço da história, após ter-se
desmascarado a figura sagrada da auto alienação humana,
desmascarar a auto alienação nas suas figuras não sagradas. A crítica
do céu transforma-se, com isso, na crítica da terra, a crítica da
religião na crítica do direito, a crítica da teologia na crítica da política.

A filosofia e a crítica da economia estão simultaneamente a serviço da história, e,


portanto, pode-se compreender coma sendo "histórica” a peculiaridade do materialismo de
Marx. Seus trabalhos históricos a respeito das luras de classe na Franca, da guerra civil
francesa, do 18 Brumário é da burguesia alemã não são peças acessórias de analises político-
econômicas, mas sim um componente essencial de sua concepção fundamental da
historicidade do mundo humano em geral, Apesar da pressuposição de que a teoria filosófica
está a serviço da práxis histórica, a crítica de Marx não se dirige, como seria de se esperar,
imediatamente à efetividade política, mas sim à filosofia do Estado hegeliana, ao invés do
“original”, remete-se a uma “cópia". O motivo para essa virada Aparentemente “idealista”
reside, por sua vez, na efetividade histórica, pois a existência política alemã dos anos 1840 é
um "anacronismo" do mundo europeu moderno iniciado com a Revolução Francesa. A história
alemã daquele momento não reparara no que havia acontecido em 1789 na França.

Nós partilhamos a restauração dos povos modernos sem haver


Participado de suas revoluções. Fomos restaurados, em primeiro
lugar, porque ouros Povos se atreveram a fazer uma revolução e, em
segundo lugar, porque outros povos sofreram uma contrarrevolução,
em um caso, porque nossos senhores tiveram medo e, em outro
caso, porque nossos senhores não temeram. Nós, com nossos
pastores à frente, somente nos encontramos em companhia da
liberdade uma vez, no dia de seu sepultamento.
A Alemanha vivenciou somente um ato radical de libertação: a guerra dos
camponeses que fracassou com a Reforma, pois nesta o passado revolucionário da Alemanha
se manifestou “teoricamente”, isto é, religiosamente, Mas hoje, “quando a própria teologia
fracassou”, "o elemento menos livre da história alemã, nosso status quo, fracassará na
filosofia”, a saber, na práxis histórica marxista da teoria filosófica, Contudo, em pensamento os
alemães já possuíam de antemão a sua história futura, mais especificamente na Filosofia do
direito, de Hegel, cujo princípio ultrapassava a vigente situação alemã.

Nós somos filósofos contemporâneos do presente, sem que sejamos


seus contemporâneos históricos. A filosofia alemã é o prolongamento
ideal da história alemã [...] o que nos povos progressistas constitui a
destruição prática das condições do Estado moderno é na Alemanha,
onde essas condições nem chegaram a existir, uma desintegração
crítica do reflexo filosófico des535 mesmas condições. A filosofia
alemã do Direito e do Estado é a única história alemã que está al parí
com o presente oficial moderno, O povo alemão precisa concordar
essa sua história sonhada com suas condições subsistentes, e,
todavia, não apenas com essas condições subsistentes, mas ao
Mesmo tempo submeter à crítica sua continuação abstrata, Seu
futuro não pode restringir-se nem à negação imediata de suas
condições jurídicas e estatais, nem à execução ideal imediata de tais
condições, pois ele já possui a negação imediata dessas condições
reais em suas condições Ideais, e na visão dos povos vizinhos a
execução imediata de suas condições ideais já sobreviveu.

Em que medida Marx seja um hegeliano ou Hegel “marxista” com essa crítica mostram
as exposições de Hegel sobre o diferente relacionamento da filosofia à efetividade na França e
na Alemanha: ele afirma que na Alemanha o princípio da liberdade somente existe como
conceito, enquanto na França alcançou existência política. "O que na Alemanha surge da
efetividade aparece como um ato de violência de circunstâncias extremas e da reação a isso."
Os franceses têm o “sentido da efetividade, do agir, do levar as coisas ao seu termo, Nós
temos a cabeça cheia de rumores de toda a espécie [...], por isso as cabeças alemãs preferem
ficar quietas, vestidas com seus gorros de dormir atuando em si mesmas".

A conclusão que tirou dessa distinção foi a seguinte: a de conceber concretamente


ambas às formas, em cada caso unilaterais, da liberdade teórica e pratica, a partir da “unidade
do pensar e do ser” como à ideia fundamental da filosofia. Mas de fato, com essa intrusão
especulativa, não se colocou, todavia, acima da efetividade determinada, mas sim ao lado da
teoria alemã.

Com respeito a relação da filosofia com a efetividade, Marx adotou uma postura
bifronte: contra a exigência prática de uma negação simples da filosofia e, ao mesmo tempo,
contra à mera critica teórica dos partidos políticos. Alguns creem que a filosofia alemã não faz
parte da efetividade e gostariam de superar a filosofia, sem realizá-la; outros acham que seria
possível realizar a filosofia sem superá-la. A crítica verdadeira precisa efetuar ambas. Ela é uma
análise crítica do Estado moderno e, ao mesmo tempo, uma dissolução da consciência política
até então vigente, cuja expressão última e mais universal é a Filosofia do direito, de Hegel.

Somente na Alemanha foi possível a filosofia especulativa do direito,


esse pensamento abstrato e exaltado do Estado moderno, cuja
efetividade permanece ainda atém [...), também inversamente, à
figura de pensamento alemã do Estado moderno, que faz abstração
do homem efetivo, somente era possível na medida em que o Estado
moderno abstrai do homem efetivo ou satisfaz o homem inteiro de
um modo apenas imaginário. Na política, os alemães pensaram o que
outros povos fizeram. A Alemanha foi sua consciência teórica. A
abstração e arrogância de seu pensamento seguem sempre o mesmo
passo que a unilateralidade e o rebaixamento de sua efetividade.
Quando, polis, o status quo da estrutura política alemã expressa o
acabamento do ancien régime (Antigo Regime) |...). o status quo do
saber alemão do Estado expressa à não realização do Estado
moderno.
A partir desse significado prático da teoria hegeliana para a história alemã,
fundamenta-se o interesse preferencial de Marx pela crítica teórica da filosofia do direito."

A unidade dialética no julgamento de Marx acerca da filosofia alemã e da efetividade


distingue-o não apenas dos velhos, mas também dos jovens hegelianos, aos quais falta o ponto
de vista prático ou material para a com preensão da história efetiva do mundo, No esboço para
um prefácio a Ideologia alemã, Marx zomba das “fantasias inocentes” dos jovens hegelianos,
cujas fraseologias revolucionárias foram recebidas com respeito e espanto pelo público
alemão. Desmascarar “essas ovelhas que se fazem passar por lobos" e por isso foram tomadas,
e mostrar como a fanfarronice desses últimos filósofos espelhava a mesquinhez da condição
alemã, era o objetivo da Ideologia alemã,
“Como os ideólogos alemães anunciam”, começa a seção sobre Feuerbach,

[-..} nos últimos anos 2 Alemanha atravessou uma revolução sem


paralelo. O processo de decomposição do sistema de Hegel, iniciado
com Strauβ, desenvolveu-se até alcançar uma efervescência mundial,
na qual todas as "potências do passado” foram envolvidas. No caos
universal formaram-se poderosos impérios, para logo perecerem
novamente, momentaneamente surgem heróis, para serem
imediatamente lançados de volta às trevas por rivais mais ousados e
poderosos. Trata-se de uma revolução em vista da qual a francesa foi
uma brincadeira de crianças, uma luta universal perante a qual os
combates dos diádocos parecem mesquinharias. Os princípios
deslocados, os heróis do pensamento precipitam-se uns contra os
outros com rapidez inaudita, e em três anos, de 1842-1845, solo da
Alemanha foi mais revirado do que em três séculos.
Mas, na verdade, não se trata de nenhuma revolução, somente do "processo de
apodrecimento do espírito absoluto”, Os diferentes filósofos “industriais", que até agora
viveram da propagação do espírito de Hegel, lançaram-se a novas alianças; dissiparam a
herança que lhes cabia numa concorrência reciproca.

A princípio foi conduzida de modo bastante burguês e convencional,


Mais tarde, quando o mercado alemão estava abarrotado e, apesar
de todos os esforços, as mercadorias não encontravam nenhum
apelo no mercado mundial, o negócio, de acordo com a maneira
habitual dos alemães, se corrompem mediante uma produção fabril
medíocre e adulterada, uma redução de qualidade, uma sofisticação
da matéria-prima, falsificação dos rótulos, compras simuladas, letras
de câmbio sem cobertura e um sistema de crédito carente de
qualquer base real. À concorrência se converte numa luta
encarniçada, que nós recomendamos agora como se fosse uma
revolução histórico-mundial e causa dos mais poderosos resultados e
ganhos. Para apreciar corretamente esta gritaria filosófica de feira
livre, que desperta um sentimento nacional benfazejo no peito do
honrado cidadão alemão, para tornar explicita a pequenez, à
estreiteza mental local do completo movimento jovem hegeliano,
sobretudo o contraste tragicómico Entre os resultados efetivos
desses heróis e as ilusões a respeito desses resultados, é necessário
considerar o espetáculo inteiro de um ponto vista exterior à
Alemanha.
Diferentemente da crítica francesa, a alemã jamais abandonou, mesmo em seus
esforços mais radicais, o terreno da filosofia.

Longe de investigar seus pressupostos geral-filosóficos, toda as


questões surgem sobre o terreno de um sistema filosófico
determinado: o hegeliano. Não somente em suas respostas, mas já
nas próprias questões há uma mistificação. Essa dependência de
Hegel é o motivo pelo qual nenhum desses novos críticos ensaiou
uma crítica abrangente do sistema de Hegel, ainda que cada um
deles afirme ter ido além. A polémica deles contra Hegel, e de uns
contra os outros, restringe-se ao fato de que cada um extrai um
aspecto do sistema hegeliano e o dirige não só contra o sistema
inteiro, mas também contra os aspectos isolados por outros. No
começo, tomavam-se categorias hegelianas puras e não falsificadas,
tais como a de substância e a de autoconsciência, mais tarde,
profanaram-se essas categorias por meio de nomes mundanos, tais
como o de espécie, o único, o homem etc.
O rendimento efetivo da crítica alemã restringe-se à crítica da teologia e da religião,
sob as quais foram submetidas representações morais, jurídicas e políticas. Enquanto os jovens
hegelianos tudo "criticavam” ao explicá-lo simplesmente como “teológico”, os velhos
hegelianos tudo “compreenderam’, tão logo pudessem reconduzir esse tudo às categorias
hegelianas. Ambos os partidos estão de acordo quanto à crença no predomínio do conceito
universal, que apenas disputam em virtude de uns o entenderem como usurpação, e os
outros, em contrapartida, o considerarem como legitimo. Os velhos hegelianos querem
conservar a antiga consciência, os jovens hegelianos querem revoluciona-la, é ambos a igual
distância do ser histórico efetivo - preferiram insistir em uma consciência “humana”
(Feuerbach), “critica” (Bauer) ou também “egoísta” (Stirner).

Essa exigência em transformar a consciência ultrapassa é exigência


em interpretar o vigente de outro modo, quer dizer, de reconhecê-lo
por melo de uma outra interpretação. À despeito de sua fraseologia
pretensamente "capaz de comover o mundo”, os ideólogos jovens
hegelianos são os mais conservadores. Os mais jovens deles
encontraram a expressão correta para designar sua atividade,
quando afirmam que somente disputam contra “fraseologias”. Eles
esquecem somente que a essas fraseologias eles contrapõem apenas
fraseologias e que não lutam de nenhum modo contra o mundo
subsistente e eletivo quando combatem somente as fraseologias
acerca desse mundo. Os únicos resultados que essa crítica filosófica
pode trazer foram alguns esclarecimentos – ainda que unilaterais —
histórico-religiosos a respeito do cristianismo; todas as suas outras
afirmações são apenas adornos ulteriores de sus pretensão em ter
fornecido descobertas de alcance histórico-universal com esses
esclarecimentos insignificantes. A nenhum desses filósofos ocorreu
perguntar sobre à conexão da Filosofia alemã com a realidade alemã,
da conexão de sua crítica com seu próprio entorno material.
Os limites de suas teorias encontravam-se na práxis histórica, mas dentro dessa
limitação eles iam tão longe quanto era possível, sem cessar de continuar à existir na
autoconsciência filosófica.

Em contrapartida a toda essa ideologia alemã, Marx desenvolveu sua concepção


materialista da história, que desde então determinou o modo de pensar dos não marxistas ¢
dos antimarxistas, mais do que quisessem admitir. Em relação ao mundo espiritual de Hegel,
não constitui nenhuma diferença de princípio a "história do espirito” pós-Hegel ser baseada
numa interpretação material das relações econômicas de produção, ou em geral
sociologicamente ou na “efetividade histórico-social", ou ainda a circunstância de que se
interprete a história materialmente segundo o fio condutor das classes ou raças. Todos eles
queriam, assim como Marx, compreender o "processo efetivo de vida" e o “modo determinado
de viver", que não é livre de pressupostos, mas, ao contrário, também a pressuposição
constitui o seu modo de pensar.

O modo de refletir não é livre de pressupostos. Ele parte das


pressuposições efetivas, não as abandona em nenhum instante. Seus
pressupostos não são os seres humanos em algum fantástico modo
acabado e fixo, mas sim no seu efetivo [.] processos de
desenvolvimento sob determinadas condições. Tão logo esse
processo de vida ativo é exposto, a história cessa de ser uma coleção
de faros mortos, assim como ainda o é nos abstratos empiristas, u
uma ação imaginada de sujeitos também imaginados, tal coma nos
idealistas.
Marx considera como único incondicionado justamente esse caráter condicionado de
toda existência histórica, Com isso a metafisica da história do espírito de Hegel é finalizada do
modo meios extremo possível e temporalizada a serviço da história.

A partir desse ponto de vista histórico, Para Marx, toda história anterior desloca-se
para o papel de mera "pré-história” perante uma total transformação das relações de
produção subsistentes, entendidas como o modo e & maneira como 0s homens produzem sua
vida física e espiritual. À esse "ponto nodal” na história da filosofia corresponde, na história do
mundo, um ponto de intersecção entre o futuro e o passado. À radicalidade dessa pretensão,
somente pode-se medir com Marx o programa inverso de Stirner, cujo livro divide toda a
história do mundo em duas partes, intituladas: “o homem” e “eu”.

Você também pode gostar