Você está na página 1de 7

INSTITUTO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO ERNESTO ALVES

DIDÁTICA DA MATEMÁTICA - 300ª – PROF JULIANE SANTOS


Educação Infantil: como favorecer o letramento matemático com atividades
lúdicas e investigações. Professores devem proporcionar experiências significativas,
que explorem a Matemática presente no cotidiano das crianças

“O que será que tem dentro desta caixa?” A pergunta da professora Suênia Silva Pereira, que
atua na creche municipal Felix Araújo, em Campina Grande (PB), fez as crianças do Maternal 2 –
entre três anos e meio e quatro anos – começarem a retirar bolas e brinquedos de vários
tamanhos, como carrinhos, de uma caixa. Em seguida, ela pediu que separassem os objetos por
tamanho. Em um lado da sala juntaram os maiores; em outro, os menores. “Foi uma atividade
rápida e de muita ludicidade. Na creche, não tem como ficar sem ver, escutar ou tocar os objetos.
Toda exploração é necessária para que eles aprendam e oralizem sobre cor, forma e dimensão e
comecem a contar e desenvolver noções matemáticas”, descreve a educadora.

Como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) da Educação Infantil apregoa, é a qualidade
das experiências nessa etapa que aproxima os pequenos do espírito científico e dos
conhecimentos matemáticos elencados pelo documento: “contagem, ordenação, relações entre
quantidades, dimensões, medidas, comparação de pesos e de comprimentos, avaliação de
distâncias, reconhecimento de formas geométricas, conhecimento e reconhecimento de numerais
cardinais e ordinais”. “O letramento matemático é o processo de favorecer o ingresso das crianças
nessa cultura numérica e da Matemática que existe na vida”, ressalta Ana Flávia Alonço Castanho,
pedagoga e docente na pós-graduação em Didática da Matemática no Instituto Vera Cruz, em São
Paulo (SP). Ela sugere práticas de uso da matemática no cotidiano, como medir objetos e partes do
corpo, e investir em atividades de construção e jogos matemáticos.

Para Fernando Barnabé, do Time de Autores dos planos de aula da NOVA ESCOLA,
especialista no uso de jogos, a experimentação é essencial para a aprendizagem. “Levantar
hipóteses, trabalhar o erro como parte do processo e pensar formas de registrar o número de
brinquedos na sala, por exemplo, são experiências significativas que, se vivenciadas na Educação
Infantil, pavimentam um caminho sólido para a Matemática dos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental”, afirma.
Segundo Ana Flávia, as questões precisam estar próximas da criança e devem permitir
investigar e construir conhecimento. A função do professor é problematizar e apoiar a turma sem
usar a lógica do certo ou errado, mas fazendo aproximações sucessivas com o tema, para que seja
possível avançar. “É importante criar essa atitude de pertencimento com relação à Matemática”,
destaca.

A experiência das crianças pequenas com a Matemática

“Tudo na vida tem Matemática. Para que ela induza a curiosidade e produza encantamento
nas crianças, é importante cuidar de como se explora as situações com elas”, resume Ana Flávia.
Ela  diz que é importante apresentar e equilibrar, em sala, dois conjuntos de conteúdos. Um é
composto por informações, ideias e dados sobre elementos matemáticos nas Ciências – algo que
ilumine os olhos das crianças e provoque interesse, como o peso ou o tamanho de uma baleia, por
exemplo. O outro reúne problemas que fazem sentido no cotidiano, como: quantos dias faltam
para o aniversário da colega? Como eu separo tintas e potes de água para todos na oficina de
artes? De que forma posso medir o tamanho da mesa ou desenhar uma régua para marcar a altura
de cada um da turma? Com esses desafios, as crianças constroem ferramentas para investigar
relações matemáticas na vida.

A professora Suênia, que já ministrou cursos de formação e oficinas de Matemática para


professores da Educação Infantil, conta que a base do planejamento é considerar a faixa etária e o
que a criança precisa aprender. Os professores podem recorrer à BNCC para verificar os objetivos
de aprendizagem e desenvolvimento e então pesquisar as melhores propostas e os recursos para
disponibilizar em sala, sempre pensando em promover interação e ludicidade. “Levando em conta
a capacidade cognitiva das crianças, o professor deve buscar a melhor estratégia entre jogos,
brincadeiras, músicas e experiências”, orienta. Ela também é autora de uma coleção de livros para
professores – EducAlegre Matemática – baseada no campo de experiência Espaços, tempos,
quantidades, relações e transformações, de acordo com o que a BNCC recomenda para crianças
bem pequenas (um ano e sete meses a três anos e 11 meses).
Em relação à sala de aula, os recursos e a ambientação também pedem um olhar intencional
do professor, pois oportunizam aprendizagens. “O uso do calendário é um clássico. A construção
de uma rotina e a sequência de eventos são atividades em que o pensamento matemático está
implícito, mas não é todo professor que entende isso”, nota Fernandp. Oferecer elementos de
contagem, como tampinhas e outros materiais de fácil acesso na sala, e explorar as formas
geométricas tridimensionais, sem se prender à nomenclatura, são outras sugestões. “É importante
deixar a criança mexer e experimentar. Aos poucos, ela vai perceber, sentindo, que a bola não tem
cantinho nenhum e, por outro lado, o cubo tem oito cantos.”

Atividades lúdicas para aproximação com o tema

Os registros, segundo o formador, dizem muito sobre como as crianças de quatro e cinco
anos enxergam uma questão. Vale a pena pedir que façam um desenho sobre um jogo para
verificar se entenderam ou não seu funcionamento ou descobrirem por si mesmas maneiras de
marcar a pontuação. Quando uma turma discute de maneira conjunta a representação de
informações e pensa formas de registro, ela está aprendendo. Fernando salienta que usar jogos de
Matemática nessa etapa trabalha o significado e a representação dos números, pois muitas
situações de jogo envolvem elementos numéricos e geométricos. E indica um curso da NOVA
ESCOLA, elaborado por ele e pelo professor Evandro Tortora, sobre jogos matemáticos na
Educação Infantil.
Parlendas e músicas, muito usadas nas brincadeiras de pátio, também são uma maneira
lúdica de a criança se apropriar da série numérica. Sabendo que aos dois e três anos ela descobre
o mundo pelo corpo, também é importante deixá-la fazer medições entrando em um balde ou
bacia, por exemplo, ou em espaços que possa explorar e, ao mesmo tempo, se sentir segura.

Ana Flávia explica que as construções são outro campo de conhecimento matemático, e vale
diversificar os materiais, disponibilizando bloquinhos plásticos, latas, embalagens e blocos de
madeira. Assim, os pequenos vão descobrindo os objetos e a ideia de base, o que funciona
embaixo e em cima para construir uma torre, por exemplo, e quais elementos rolam ou não.

Fuja desses erros!


Atenção para evitar os principais equívocos dos professores relacionados ao letramento
matemático na Educação Infantil

Adiantar a escolarização. Não trabalhe conteúdos que, segundo a BNCC, seriam


apresentados nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. “Existe uma ansiedade desnecessária para
antecipar. A escrita até acontece, mas a criança não tem maturidade para dar significado para
aquele três seguido do sete, compreendendo um 37 pelas regras do sistema decimal”, diz
Fernando.
Priorizar a grafia do número. Dedos, tracinhos, varetas, palitos de picolé, bolinhas coladas
em um cartaz – todas as formas de contagem e de registro numérico têm centenas de
possibilidades de representação. Crianças não alfabetizadas podem, sim, pensar sobre os
números. Mas não é porque ela sabe copiar um cinco que o conceito por trás dele está
consolidado. No extremo oposto, há professores que, com medo de expor as crianças pequenas,
tiram as referências numéricas da sala. “Como fazem parte do contexto, os números devem
aparecer no calendário mensal na parede, nos dados grandes e nos jogos”, ensina Ana Flávia. 
Achar que as crianças não entendem. Deixar de dizer que o elefante pode pesar uma
tonelada e isso são mil quilos, por considerar isso muito complicado para as crianças pequenas, só
limita suas possibilidades. “Elas crescem em um mundo complexo e aprendem interagindo com
adultos. Se relacionados a um assunto interessante, mesmo que pareçam pouco amigáveis, os
números maiores permitem dar vazão à exploração e a perguntas”, considera Ana Flávia. 
Reduzir tudo a figuras planas. Já há estudos no campo de ensino da Geometria que apontam
que se deve partir das três dimensões para o bidimensional. O mundo em que vivemos é
tridimensional, e é este que as crianças experienciam. “Em vez de reforçar só a figura plana,
classificando tudo em triângulo, quadrado e círculo, é melhor discutir qual a diferença entre a
caixa da pasta de dente e a latinha de refrigerante. É preferível priorizar a experiência como fator
transformador do que as nomenclaturas, pois se corre o risco de a criança chamar cubo de
quadrado”, reforça Fernando.
Propor as tradicionais folhas xerocadas. Vale fugir de atividades diretivas, as quais se espera
que todo mundo faça igual, como colorir o bichinho menor que aparece na ilustração. Essa ação
não estimula a investigação ou a experiência. “Recorrer a um ensino diretivo tem o efeito de fazer
as crianças se sentirem parte do grupo das que sabem ou das que não sabem. E criar essa
sensação de ‘eu não consigo’ é o oposto do que buscamos na Educação Infantil”, detalha Ana
Flávia.

Matemática muito próxima do cotidiano

Pesos e medidas fazem parte do projeto Identidade, que a professora Rosana Fátima Lima
conduz na sala multisseriada do CEMEI Andorinha, em Itatiba (SP). O objetivo é que sua turma de
16 crianças entre quatro e seis anos entenda o que é o peso. “Eu acho muito abstrato para elas
essa questão de subir na balança e aparecer um número. Queria que sentissem de verdade no que
consiste o peso”, conta.
Rosana levou para a sala pacotes de arroz (5 quilos) e de feijão (1 quil) e pediu para que eles
segurassem ambos. Depois, solicitou que cada um estimasse quanto era seu peso. Em seguida, fez
cada criança segurar a quantidade de quilos que estimou (usando os sacos). Na sequência, cada
criança subiu na balança e checou seu peso.

A professora fez uma lista de nomes e pesos e promoveu discussões que envolveram
comparações e a grandeza dos números. “O ideal seria ter duas balanças e pesar a criança em uma
e o peso equivalente em alimentos na outra, mas não foi possível. Mesmo assim, as crianças
acharam a experiência fantástica”, relata. Ela fotografou a atividade e escreveu um registro,
inserido no portfólio de cada um. “A [experiência da] balança é muito boa, pois devolve um
resultado de medida imediatamente”, avalia Ana Flávia. “A atividade é pertinente porque tem a
ver com a vida das crianças.”
Estímulos e desafios

Em Campina Grande, a professora Suênia costuma montar para as crianças pequenas um


circuito com fins matemáticos. “Organizamos obstáculos para subir, descer, passar por cima, por
baixo, entrar e sair da caixa”, aponta. A atividade serve para desenvolver noções de posição e de
localização e, claro, para brincar. “Em pouco tempo estão falando se estão embaixo ou em cima da
cadeira. Isso é vocabulário que levam para casa e para o meio social. Eles verbalizam, por exemplo,
‘agora estou alto’ e ‘agora estou baixinho’.”

Ana Flávia diz que o professor deve ficar atento para sustentar a troca de ideias entre as
crianças enquanto elas realizam uma atividade prática – por exemplo, arrumar uma toalha de
piquenique e colocar pratos e copos para todos os participantes. Perguntas estimulam as crianças
a fazer estimativas e pensar as estratégias de forma livre e prazerosa. “Nem que eles tenham de ir
e vir, e completar o que estava faltando, não tem problema, é tentativa e erro, e faz parte
aceitarem isso com naturalidade”, comenta a especialista.

Outra proposta interessante, de acordo com ela, é desafiá-las a medir uma mesa para
confeccionar uma toalha nova. “As crianças vão propor várias soluções, como medir com a palma
das mãos. São dez de um lado e 15 do outro, por exemplo”. Nessa hora, é essencial o professor
instigar: “Vejam o que o colega falou, vocês acham que essa informação é suficiente?”. “Desse
modo, é dada a oportunidade de investigar mais, deixando a criança construir sem fechar a
discussão”, aconselha Ana Flávia.
Pensamento estatístico desde a infância

Sair com as crianças da Educação Infantil para ir à feira é uma aventura, mas organizar esses
dados em um gráfico em conjunto com os pequenos é um passo mais sofisticado e ajuda a
pavimentar o pensamento estatístico. “É importante frisar que não dá para falar em letramento
estatístico nessa etapa, pois antes é preciso assimilar e acomodar esse pensamento que é
progressivo, assim como o matemático”, explica Gabriela Braz, psicóloga, professora e doutoranda
em Educação em Ciências.

Responsável pelo Programa de Apoio Tecnológico para uma Educação Lúdica e Interativa de
Estatística (ATELIE), da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), a especialista revela que em
todos os campos de experiência é possível trabalhar a Estatística. Para que as atividades sejam
lúdicas e motivadoras, é preciso que o professor conheça bem sua turma e inicie um ciclo
investigativo. A organização de dados pode começar com a cor preferida, a idade de cada um ou
gostos específicos. É possível construir gráficos com blocos de montar que permitam à criança
visualizar qual torre é maior e fazer comparações.

A premissa da Estatística é atribuir qualidade e quantidade a um dado. E a criança precisa de


suporte para desenvolver objetivos de aprendizagem da Educação Infantil, por isso é necessário o
apoio do professor. “Os bebês, de acordo com os objetos que vão manipulando, podem ser
estimulados à classificação, à noção de pareamento e a identificar características como cor e
formato. Isso é Estatística”, detalha Gabriela. Já as crianças maiores conseguem identificar e
selecionar fontes de informações para analisar fenômenos e ter noção de variáveis. Por exemplo:
“Não posso sair na chuva porque vou me molhar” e “Se eu me molhar, o que pode acontecer?”.
“Na Educação Infantil, é dada a oportunidade de observar, de manipular objetos, de prever
situações e de fazer comparações, e isso infere no pensamento estatístico, que ajuda na tomada
de decisão da criança.”

Como parece ainda mais complexa do que a Matemática, a Estatística exige dos professores
formação continuada. As estratégias para estimular o pensamento estatístico consideram sete
processos mentais básicos: correspondência, comparação, classificação, sequenciação, seriação,
inclusão e conservação. Todos eles auxiliam no desenvolvimento do senso numérico, contribuindo
para o letramento matemático. Quem quer saber mais sobre o assunto pode conferir as formações
presenciais e online promovidas pelo ATELIE. Gabriela também é autora do livro Conhecendo a
Estatística  (Estatística para Baixinhos – Livro 1, da editora Academy), que traz sugestões para
desenvolver conceitos e habilidades estatísticas com crianças a partir de quatro anos de idade.

Você também pode gostar