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Ambiente alfabetizador: oque é e

como construí-lo em sua sala de aula


Elementos visuais como alfabeto ilustrado e painel de numerais auxiliam as
crianças a identificar, de forma autônoma, as pistas que precisam para
aprender a ler eescrever
Ingrid Yurie

Foto: Lana Pinho/NOVA


ESCOLA

Muito além de decoração, o ambiente alfabetizador é um meio de


pesquisapara os estudantes e contribui para o processo de aprendizagem.
Quando não sabemos como escrever uma palavra, recorremos a uma pesquisa na
internet ou a um dicionário. É de maneira similar que um ambiente alfabetizador funciona
para quem está aprendendo a ler e escrever. Ao dar suporte para que as crianças façam
suas pesquisas pelas paredes da sala e em outros materiais, elas podem, de maneira
autônoma, investigar e descobrir a grafia de uma palavra. Mais do que isso, aprendem a
aprender.
Tal espaço se materializa em, por exemplo, expor o alfabeto, os numerais, a
lista de nomes da turma e suas produções na sala de aula. Também em
disponibilizar jogos matemáticos, livros, revistas e gibis para as crianças
interagirem.
“[O ambiente alfabetizador] oportuniza a imersão na cultura escrita por meio da
triangulação entre textos reais, curiosidade das crianças e ação docente. É um apoio visual
para a criação de contextos em que a criança possa aprender significados, convenções e
funções da língua escrita”, define Patrícia Camini, professora da Faculdade de Educação
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenadora do LÁPIS -
Laboratório de Alfabetização da UFRGS.
A concepção surge com a difusão do construtivismo pedagógico na
alfabetização, sobretudo após a publicação da obra Psicogênese da língua escrita
(Editora Penso), lançada no Brasil em 1985, de Emília Ferreiro e Ana Teberosky,
expoentes do campo.
“No mesmo período, o conceito ganhou força aliado às discussões sobre
letramento, que também surgiam, destacando a importância da aprendizagemda leitura e da
escrita por meio de experiências reais em práticas sociais”, explica Patrícia.
Nesse escopo, outros nomes de destaque são Antoni Zabala, Magda Soares e a
equipe do Centro de Estudos em Educação e Linguagem (CEEL) da Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE), que também versam sobre os recursos que favorecem a
alfabetização.
Mas esse espaço educador não funciona sozinho. “Depende do planejamento de
como os espaços e os recursos serão utilizados na alfabetização, organizando as
crianças, os conhecimentos e as interações”, afirma Patrícia. Por isso, é fundamental
que os materiais estejam acessíveis a todas as crianças, de preferência na altura de seus
olhos, e que a configuração da sala contribua para as interações entre os estudantes e
deles com o espaço.
“A zona de ação docente na sala de aula afeta quem interage mais ou menos
durante as aulas com o que está sendo trabalhado. Por isso, é preciso planejar o espaço
pensando que a circulação da professora e dos alunos precisa ser facilitada para que a
interação possa favorecer a inclusão de toda a turma”, orienta Patrícia.
Elementos mínimos que toda sala precisa ter
Confira os materiais básicos que apoiam a alfabetização e comoconstruí-los com
poucos recursos.

Alfabeto
Disponibilize o alfabeto na sala de aula em um lugar onde todas as crianças
consigam enxergá-lo. O ideal é que ele seja apresentado em suas quatro formas, junto a
uma imagem de referência para cada letra. Dessa forma, ele fornece a primeira pista para
os estudantes compreenderem as letras. Também é interessante deixar uma cópia
doalfabeto na mesa de cada criança. O uso de letras móveis, feitas de EVA, por exemplo,
também enriquece o trabalho.
Como adaptar: Reserve um pequeno espaço do quadro para deixar o alfabeto
escrito a giz e construa com as crianças as letras móveis feitas de massinha de farinha e
cola, que endurece depois de um tempo.

Numerais
Monte um painel com os numerais de zero a 30, junto com a escrita por extenso
de cada um. Conforme a turma avança, acrescente mais números. Um pequeno quadro que
identifique as quatro operações básicas também pode apoiar os estudantes.
Como adaptar: Use um espaço do quadro para escrever os números ou crie
com a turma um conjunto de números usando tampas de garrafa, cola quente e os
numerais presentes em revistas, jornais e panfletos de mercado.

Nomes
Colocar na porta de entrada da sala uma lista nominal, em ordem alfabética e
numérica, costuma ganhar a atenção da turma e valorizar sua presença no espaço.
Também é interessante oferecer crachás de identificação para cada criança e um crachá
de mesa, para que eles leiam o próprio nome e os dos colegas.
Como adaptar: Usando papel e lápis, faça a escrita mediada da lista nominal e dos
crachás junto com as crianças. Essa também pode ser uma oportunidade de apresentá-las
umas às outras no começo do ano.
Como o ambiente alfabetizador acontece na prática

Foto: Lana
Pinho/NOVA ESCOLA

Manter os recursos acessíveis às crianças e à altura de seus olhos é chave parao


ambiente alfabetizador funcionar.
Quando os estudantes do 1° ano do Ensino Fundamental chegam na EMEF
Professora Sylvia Martins Pires, em São Paulo (SP), e entram na sala da professora
Samantha Cortez Almeida, eles se deparam com o primeiro desafio de leitura da aula:
encontrar seu nome completo no crachá que identifica o lugar onde vão se sentar e que
muda todos os dias. “Eles também usam um crachá no peito, e aos poucos vou os
ajudando a comparar os dois e reconhecero próprio nome”, conta a educadora.
A lista nominal que fica na porta de entrada também ajuda os estudantes a
aprender as ordens alfabética e numérica. “Sempre temos conversas sobre quem é o
primeiro, o segundo, o último da chamada e por que o nome de tal pessoa vem depois
de outra”, relata.
Nas paredes, há um calendário interativo que os estudantes ajudam a preencher
todos os dias e um outro que marca as estações do ano. Em um canto da sala, há cartazes
dos numerais de zero a 30, com a escrita por extenso, e formas geométricas que servem
para aguçar a curiosidade das crianças. “Receitas, contas de luz e materiais concretos
podem fazer sentido para a turma utilizar no dia a dia.
Em outro canto da sala da professora Samantha, há livros, revistas, histórias em
quadrinhos (HQs) e letras móveis que as crianças podem manusear livremente e levar
para casa. Há ainda um alfabeto em suas quatro formas (maiúsculas, minúsculas,
cursiva e bastão), associado a imagens, e um alfabeto móvel, que é especialmente
interessante para a turma testar a escrita das palavras mais livremente do que no
caderno.
“Lembro de um menino que queria escrever ‘gelatina’ e não sabia se era com G
de ‘girafa’ ou J de ‘jacaré’. Pedi para ele olhar o alfabeto e tentar identificar, e ele
conseguiu. Também teve uma menina que queria escrever ‘papelão’ e não sabia por
onde começar. Perguntei para ela se não tinha alguma pista pela sala, porque nós já
tínhamos trabalhado a palavra ‘pato’. Ela procurou pela sala e conseguiu escrever a
palavra”, conta Samantha, que, nestes primeiros três meses de trabalho, já conta com
mais da metade de sua turma lendo.
Para Daniela, ensinar as crianças a se apropriar desses materiais é essencial
para que eles não se tornem apenas enfeites na sala. “Elas precisam vivenciar esses
recursos e inclusive criá-los junto com a professora. Podem trazer uma receita de casa,
por exemplo, e trabalhar as palavras desse texto, ou criar jogos e ilustrar palavras que
fazem parte do repertório delas. Esse ambiente precisa valorizar a produção da turma
e refletir a diversidade
cultural e de objetivos pedagógicos”, diz.
Ao longo do ano, conforme os estudantes avançam, a professora renova o
acervo literário e os elementos das paredes. Assim, o alfabeto dá lugar à lista de palavras
que as crianças vão produzindo no dia a dia.

Lana Pinho/NOVA
ESCOLA

As letras móveis dão mais liberdade para testar a escrita de palavras do que
ostradicionais lápis e papel.
Já as salas de aula da EM Dom Orione contam com cartazes e placas com o
alfabeto, as sílabas simples, numerais e as quatro operações básicas, bem como
alfabetos e sílabas móveis e materiais dourados. Os jogos matemáticos e de
alfabetização, todos feitos de materiais recicláveis, ficam disponíveis em diferentes
ambientes da unidade.
Por toda a escola, há placas com frases motivadoras e que também expressam a
proposta da escola de promover um ambiente de respeito e gentileza.
Também há murais de Literatura, que incentivam o uso da biblioteca e a leitura,e
outros feitos pelas próprias crianças nas aulas de Arte.
“O ambiente alfabetizador é muito visual. É para despertar a curiosidade e o
interesse das crianças, para que elas se aproximem e tentem ler e interpretar as imagens
e palavras que veem. É muito perceptível o quanto isso contribui para a alfabetização
delas”, explica Danusa Campos Carvalhais Reis, diretora daunidade.
Na escola, há também o Jornal Orione, que estimula a participação de todos os
estudantes, da Educação Infantil à Educação de Jovens e Adultos (EJA), em sua escrita e
leitura. Todas as edições ficam expostas pelas paredes da unidade. “O jornal da escola
é um recurso especialmente propício para esse ambiente alfabetizador porque traz as
notícias da escola e da comunidade, que reflete os interesses das crianças e de suas
famílias, e evidencia a função social, o sentido de aprender a ler e a escrever. É
realmente motivador poder compartilhar umaprodução sua ou ler a dos colegas”, afirma
Daniela.

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