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BD Carvalho. VIII CIH.

1951 - 1958

UMBANDA ATRAVÉS DA HISTÓRIA: NASCIDA PARA NÃO SER


TOLERADA?
Doi: 10.4025/8cih.pphuem.3987

Bruna David de Carvalho, PUC/SP

Resumo

O campo religioso brasileiro é vasto, complexo e cheio de


nuances próprias: surge das influências de diferentes origens e com amplas
representações afro-diaspóricas acontecidas de maneira plural ao longo da
história do país. O nascimento e consolidação da Umbanda, além de
manifestação religiosa, cumpre um papel de destaque na transmissão de
conhecimentos por meio da oralidade - aspecto crucial de sua trajetória,
sempre permeada por intrincadas redes de relações sociais e políticas que
garantiram sua visibilidade. Desse modo, é fundamental analisá-la como
parte integrante das manifestações da cultura brasileira focando,
Palavras Chave: principalmente, seus aspectos religiosos. Em meio à propagação da
religiões afro brasileiras; Umbanda, é notável uma movimentação de agentes atuantes em diferentes
umbanda; representações áreas, especialmente religiosas e sociais, agindo de maneira explícita ao
religiosas; intolerância reprimir a vivência de seus praticantes, tanto de maneira subjetiva, quanto
religiosa. na experiência ritual. Portanto, além do desmembramento das perspectivas
históricas da trajetória umbandista, urge a interpretação dos aspectos
sociais que moldam as relações inter-religiosas e seus reflexos nos
comportamentos e na realidade dos fiéis, seja na esfera pública ou privada.
Para tal, é necessário estudar comportamentos que podem ser
considerados intolerantes ou repletos de preconceitos das mais variadas
origens ideológicas – como de classe social e etnia – buscando, então, um
maior entendimento sobre as experiências religiosas presentes na
sociedade brasileira e, mais especificamente, na prática da Umbanda.
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inclusive, separação entre Igreja e estado;


Introdução
tendo apenas como exceção apenas os
O período da abolição da cultos domésticos, de acordo com o
escravatura e proclamação da República artigo 5° da constituição, datada de 1824:
no Brasil foi marcado por mudanças A Religião Catholica Apostolica
sociais e grandes expectativas em relação Romana continuará a ser a Religião
ao porvir da realidade nacional; as formas do Imperio. Todas as outras
de trabalho estavam sendo reorganizadas, Religiões serão permitidas com seu
novas formas de sociabilidade emergiam culto domestico, ou particular em
a partir da liberdade constitucional negra casas para isso destinadas, sem
e, fórma alguma exterior do Templo.
(CONSTITUIÇÃO
[...] talvez nenhum assunto tenha FEDERAL,1824) 1
sido tão decisivo naquelas décadas
finais do Segundo Reinado quanto Com a proclamação da
o significado da liberdade dos República, o Brasil se torna por lei, um
negros. Este era um assunto estado laico. Porém, o Código Penal de
econômico, pois afinal dele 1890 traz, no artigo 156, a
dependia a autonomia ou não dos regulamentação contra o hipnotismo; e
negros em suas atividades mais especificamente, no artigo 157,
produtivas, assim como a
disponibilidade ou da força de Praticar o espiritismo, a magia e
trabalho dos ex-escravos para os seus sortilegios, usar de talismans e
senhores que se tornavam patrões. cartomancias para despertar
Este era um assunto político, pois sentimentos de odio ou amor,
afinal o governo podia agora inculcar cura de molestias curaveis
interferir mais decisivamente na ou incuraveis, emfim, para fascinar
organização das relações de e subjugar a credulidade publica.
trabalho. Insinuava-se aqui também (CODIGO PENAL, 1890)2
a questão social; afinal, eram agora
necessárias políticas públicas no Com a laicidade do estado
sentido de viabilizar ao negro garantida pela constituição, os costumes
liberto a obtenção de moradia, religiosos foram transferidos para a esfera
alimentação e instrução, todos social, garantindo maior possibilidade de
assuntos percebidos anteriormente organização de cultos com origens e
como parte das atribuições dos crenças diversas, principalmente aquelas
senhores. Este era um assunto que de origem branca e, portanto, como
envolvia tudo isso, se bem que isso defende Brigida Malandrino “o que
ainda não era tudo, e se bem que assistimos foi que essa possibilidade
vários itens dessa agenda não também foi negada à população africana
tenham jamais entrado realmente
em pauta (CHALHOUB apud
e afro descendente, caso desejassem
MALANDRINO, 2010, pag. 238) recuperar a sua tradição”
(MALANDRINO, 2010, pag. 293).
Um ponto controverso durante
Como já defendeu Lísias
toda a história brasileira, incluído na
Negrão, após a abolição da escravatura e
pauta da liberdade negra, que se tornou
mais latente com as mudanças sociais e
políticas ocorridas no fim do século XIX 1Texto integral de norma jurídica; disponível em:
é a religião com suas vivencias diversas. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituica
o/constituicao24.htm (acesso em setembro/2017)
Durante toda a história da
monarquia brasileira, com D. Pedro I e 2Texto integral de norma jurídica; disponível em:
http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublic
D. Pedro II, o catolicismo foi a religião
acoes.action?id=66049 (acesso em
oficial do império, não havendo, setembro/2017)

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Proclamação da República, “o medo da A essas novas formas de


revolta negra e do uso da sua feitiçaria religiosidade surgidas – além dos
contra o branco desapareceu” Calundus e da estruturação do
(NEGRÃO, 1996, pag. 47); sendo Candomblé, regionalizado na Bahia –
possível acompanhar o início de convencionou-se o uso do termo
movimentos de repressão por parte da “Macumba” ou “Macumba Urbana”,
Igreja Católica as religiosidades de origem com maior difusão na região sudeste
negras. Ainda segundo Negrão: brasileira, principalmente no Rio de
Janeiro. Muito menos que um culto
“O “alto” Espiritismo seria, organizado, pode ser considerada como
portanto, religião protegida pelo um elemento agregador de práticas
Estado, culto semelhante aos
oriundas de diversas origens como o
demais e livre, inspirado nos
nobres princípios da caridade, Candomblé, a Cabula – ritual bantú de
envolvendo pessoas instruídas de culto ao antepassados- rituais ameríndios
elevada condição social. O “baixo” e tradições do catolicismo popular, sem
Espiritismo seria a pratica de um suporte doutrinário consistente o
“sortilégio”, de feitiçaria e bastante para proporcionar formas de
curandeirismo enquadráveis no legitimação. Portanto, segundo Oliveira,
Código Penal, despido de
moralidade e motivado por É deste conjunto heterogêneo que
interesses escusos, envolvendo nascerá a Umbanda, a partir do
pessoas desclassificadas encontro de representantes da
socialmente e ignorantes. É obvio classe mais pobre com elementos
que as práticas mágico-religiosas de da classe média egressos do
origem negra enquadravam-se espiritismo kardecista. Foi este
dentro dessa última categoria” último grupo que se apropriou do
(NEGRÃO,1996, pag. 57) ritual da “Macumba”, impôs-lhe
uma nova estrutura e, articulando
Objetivos um novo discurso, deu início ao
processo de institucionalização.
Num primeiro momento, toda e (OLIVEIRA, 2003, pag. 34).
quaisquer manifestações africanas – Entretanto, deve ser levado em
religiosas ou não – eram nomeadas como consideração a crença, principalmente
“calundus” e podem ser analisados: vinda de adeptos da Umbanda, em um
De um estágio inicial, em que mito fundador. Segundo registros3, o
“fragmentos da cultura religiosa” médium Zélio de Moraes em 1908, na
foram retomados e postos em cidade de Niterói, foi encarregado por
pratica por pessoas carismáticas entidades espirituais de ser o propagador
que atuavam de forma da nova religião, para isso montando
relativamente individual e estrutura em sua própria residência, com
independente (em interações ajuda espiritual do “Caboclo das Sete
pessoais, visando principalmente a Encruzilhadas” que, segundo Cumino,
fins de cura e adivinhação), passou- iniciou o culto com a seguinte declaração:
se pela formação das primeiras
congregações religiosas de caráter Vim para fundar a Umbanda no
familiar ou doméstico, geralmente Brasil. Aqui, inicia-se um novo
dedicadas ao culto de uma só culto, em que os espíritos de
divindade, até se chegar à formação pretos-velhos e os índios nativos
de congregações extrafamiliares,
socialmente ainda mais complexas
nas suas estruturas hierárquicas e 3 Transcrições e discussões sobre este tópico
práticas rituais [...] (PARÉS, 2007, podem ser encontrados na obra de Leal de Souza
pag.118). (1933) e, mais recentemente, no trabalho de
Alexandre Cumino (2010).

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de nossa terra poderão trabalhar de Zélio de Moraes e o Caboclo da Sete


em benefício dos irmãos Encruzilhadas foram fundados terreiros
encarnados, qualquer que seja a em diversas localidades, entre os anos de
cor, raça, credo ou posição social. 1918 e 1935. De acordo com Oliveira
A prática da caridade, no sentido “Ao todo, foram criadas sete tendas por
do amor fraterno, será a
característica principal desse culto.”
orientação da entidade. Da mesma forma,
(CUMINO, 2014, p.49). os responsáveis pela direção das novas
tendas foram também indicados pelo
Nos primórdios da formação caboclo.” (OLIVEIRA, 2003, pag.38).
dos cultos umbandistas, inclusive no Ainda seguindo o mesmo raciocínio
primeiro terreiro de Umbanda “Tenda “Além destas, várias tendas foram
Espirita Nossa Senhora da Piedade”, fundadas sob orientação do Caboclo das
fundado por Zélio de Moraes, é notável a Sete Encruzilhadas em São Paulo,
participação de médiuns oriundos do Espirito Santo, Rio Grande do Sul e
espiritismo kardecista, pois segundo Belém do Pará” (TRINDADE apud
Oliveira, estavam “insatisfeitos com a OLIVEIRA, 2003, pag.38).
excessiva intelectualização do
Independente ser considerada
Kardecismo” (OLIVEIRA, 2003, pag.
como uma religião anunciada pela
35). Ou seja, espíritos considerados como
manifestação do Caboclo das Sete
provenientes do “baixo espiritismo” –
Encruzilhadas ou uma construção social
entende-se cultos de origens afro
conforme analisam diversos estudiosos
brasileiras, não necessariamente apenas se
das ciências humanas4, a sua propagação
referindo a Umbanda – eram dispensados
e manutenção é notoriamente ato de
dos trabalhos mediúnicos desenvolvidos
enfrentamento das condições sociais
em centros kardecistas.
vividas no Brasil, nos remetendo às
Como defende Ortiz, em Morte analises que caracterizam as
Branca do Feiticeiro Negro: manifestações religiosas como “[...] um
fenômeno complexo, construído
No melhor dos casos, quando um socialmente, que carrega em si uma
espirito de preto velho se
aproximava de um “bom” diretor
extrema variedade, vista na formação das
de sessão, ele é doutrinado para inúmeras culturas populares e nas suas
que possa continuar seu caminho expressões. A Umbanda é um fenômeno
na escala espiritual. Ele não pode de religiosidade popular”
ser confundido com um espirito de (MALANDRINO, 2010, pag. 325).
luz, como o é um espirito de Adotando a análise de Michael Lowe, é
médico, de padre, de freira, ou de possível, ainda, nos termos marxistas,
um sábio qualquer, posto que no analisar as religiões e, consequentemente
universo kardecista a cultura do a Umbanda como construção social
espirito corresponde à cultura de dialética, pois é a expressão da aflição das
sua “matéria”. Como poderia um camadas populares e em contrapartida,
analfabeto prescrever sabedoria?
Quem levaria a serio a ignorancia
protesto contra essa mesma aflição. Ou
de espirito de um antigo escravo? – seja, “[...] apreendia o caráter
este deve permanecer em seu contraditório da aflição religiosa: as vezes
“lugar” (ORTIZ, 1999, pag. 46). legitimação da sociedade existente, às
vezes protesto contra ela” (LOWY apud
Segundo a antropóloga Diana MALANDRINO, 2010, pag. 324).
Brown, empenhada em acompanhar o Portanto, conforme definiu Brigida
movimento umbandista no Brasil, os
primórdios do culto datam da década de
1920, porém esta analise pode ser 4Além de Diana Brown, podemos citar Roger
associada ao fato de que, sob a supervisão Bastide (1971), Lísias Negrão (1996) Vagner
Gonçalves da Silva (2005), entre outros.

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Malandrino “a fragmentação presente na Espirita de Umbanda no Brasil e como


religiosidade popular se caracteriza pelo consequência, a realização do Primeiro
seu caráter de reprodução social, como Congresso Nacional de Umbanda,
também pela sua dimensão contrária- a contando com a participação de
resistência” (MALANDRINO, 2010, pag. intelectuais, pensadores e pensadoras da
326). cosmologia de Umbanda, que
trabalharam em um “esforço
Resultados racionalizador do movimento
umbandista” (OLIVEIRA, 2003, pag. 41)
Os anos inicias da Umbanda, no qual, ainda segundo Oliveira,
entre 1908 e o início da década de 1930,
coincidiram com o transcorrer e os finais A nova religião era apresentada
do período conhecido como “República como totalmente inserida em um
Velha” no Brasil; e, como já dito modo de vida urbano e civilizado,
no qual o esforço racionalizador da
anteriormente, com o crescimento da
doutrina umbandista bania as
prática umbandista, começou a existir a práticas africanas, tendo em vista a
separação entre “alto” e “baixo” discrepância entre as práticas rituais
espiritismo, como define Lisias Negrão de matriz africana e a vida citadina
“[...] um que congregava brancos (OLIVEIRA,2003, pag. 40)
cultivados da mais “alta sociedade”, outro
dirigido por “pretos boçais” e “mulatos Em meados da década, no ano
pernósticos” exploradores de uma plebe de 1946, foi promulgada a quarta
multirracial sem qualificação” Constituição do Brasil republicano,
(NEGRÂO, 1996, pag.59). contendo dois artigos que garantiam a
liberdade religiosa; o artigo sexto no qual
Com o advento do Estado estava “sendo assegurado o livre exercício
Novo, a repressão acontecida durante a dos cultos religiosos e garantida, na
República Velha se mantém ou até forma da lei, a proteção aos locais de
mesmo se torna mais intensa, pois, culto e a suas liturgias”
No campo religioso, os cultos afro
(CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1946).5
brasileiros, em todo o Brasil, E, o artigo oitavo garantindo que
tiveram a primazia, talvez a ”ninguém será privado de direitos por
exclusividade, da ira do Estado motivo de crença religiosa ou de
Novo, ainda em nome do combate convicção filosófica ou política, salvo se
ao arcaísmo e a ignorância. O não as invocar para eximir-se de obrigação
tão moderno, mas certamente legal a todos imposta e recusar-se a
arbitrário e autoritário regime, cumprir prestação alternativa, fixada em
tanto por sua aliança com a lei. ” (CONSTITUIÇÃO
hierarquia católica, como pelos FEDERAL,1946) 6
seus compromissos com a
medicina institucional em que Após a promulgação da lei de
assentava sua política liberdade religiosa e maior organização
previdenciária, lançou-se parte dos seguidores da Umbanda, “ao
decididamente contra as formas longo dos anos 50 a Umbanda tornou-se
arcaicas e heterodoxas de práticas predominante dentro do campo religioso
curativas” (NEGRÂO, 1996, pag. mediúnico, com mais de dois terços
70).
Nos fins da década de 30 e
especial no decorrer da década de 1940, é 5Texto integral de norma jurídica; disponível em
possível acompanhar maior http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/Constituic
institucionalização e organização da ao/Constituicao46.htm (Acesso em
setembro/2017).
Umbanda, com a criação da União
6 Idem. (Acesso em setembro/2017).

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[...]das 1393 unidades religiosas (NEGRÃO, 1996, pag. 96).


registradas no país” (NEGRÃO, 1996,
De fato que as movimentações
pag. 85). Ao mesmo tempo desse visível
contrarias a Umbanda se tornam menos
crescimento, a Igreja Católica se mostra
intensas, contando a religião de certo
beligerante; ainda como defende Negrão:
prestigio social e apoio político claro;
substituiu a policía no combate a exatamente por isso, porém,
ela (a Umbanda), usando para isso
todos os recursos que sua pretensa os envolvimentos políticos que a
autoridade lhe conferia, inclusive comprometeram eleitoralmente
ameaçando com violencia com o governo, se de um lado a
simbólica da excomunhão. A promoveram, de outro lado
proverbial tolerância do granjearam-lhe violenta campanha
catolicismo brasileiro foi contraria [...] Com intenção de
substituída por atitude de combate-lo (o governo), combatia-
enfrentamento, assumindo a se a Umbanda [...] (NEGRÃO,
campanha caráter de guerra santa” 1996, pags.112-113).
(NEGRÃO,1996, pag.85). Entretanto, mesmo que
A institucionalidade umbandista comportamentos beligerantes pudessem
se mostra cada vez mais organizada, com ser encontrados na mídia brasileira, ao
a realização de congressos, criação de mesmo tempo, surgiam materiais
federações e organizações de cunhos midiáticos de enaltecimentos da religião,
regionais; movimentações que intentavam bem como maior divulgação de seus
uma maior legitimação religiosa em face eventos oficiais e ainda além, elementos
aos ataques sofridos. Portanto, as da cosmologia umbandista eram
federações e seus representantes utilizados em letras de músicas, ou
começaram a “incorporar as críticas que enredos de filmes “resultado dos
eram dirigidas a Umbanda. Procurando movimentos de renovação cultural e de
fugir de seus estigmas de origem, conscientização política, de aliança com
tentaram extirpar de seus rituais tudo membros da classe média, acadêmicos e
aquilo que pudesse ser percebido como artistas, entre outros fatores[...]” (SILVA,
primitivo, bárbaro ou evidentemente 2007, pag.24).
negro” (NEGRÃO, 1996, pag. 86), Em toda a história do Brasil, o
através da utilização de conceitos espiritas campo religioso pode ser classificado
de origem kardecistas e ainda além, como diversificado e cheio de nuances e,
passando por uma “cristianização” com a obviamente, não foram apenas as
apropriação de dogmas católicos. matrizes afro-brasileiras que abarcaram o
No campo religioso, após o nascimento e a transformação de cultos e
Concilio Vaticano II, a repressão a religiões; no seio das religiões
Umbanda deixa de ter espaço; a Igreja protestantes, pentecostais, também
Católica se antes assumidamente podem ser acompanhadas mudanças;
beligerante, neste momento se mostra no suas movimentações e mudanças pode
caminho da tolerância. E em relação ao ser acompanhada por todo o século XX,
golpe de estado acontecido no Brasil porem, de acordo com o sociólogo
perpetrado por militares, também já não Ricardo Mariano:
há movimentações de perseguição a Por mais que demonizassem as
expressões religiosas visto que “[...]havia religiões afro-brasileiras e espiritas,
a necessidade de alguma manipulação das as lideranças dessas igrejas
massas populares; não havendo como pentecostais não as atacavam
encontrá-las junto aos sindicatos e direta, publica, sistemática e até
partidos por ele reprimidos, o regime se fisicamente como veio a ocorrer a
aproxima das religiões populares” partir dos anos de 1980. Seu papel

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nesse sentido constituiu, católico em relação à outras


sobretudo, em pavimentar o manifestações religiosas, o que garantiu
terreno para a posterior momentânea trégua da sociedade em
radicalização empreendida pela relação à Umbanda, inclusive podendo
Universal do Reino de Deus, que ser acompanhada sua expansão em alguns
não só tornou a demonização aos
cultos afro-brasileiros um de seus
nichos políticos e sociais.
principais pilares doutrinários Com a expansão do
como partiu para o confronto pentecostalismo nas ultimas décadas do
direto contra eles, elevando a século XX, as novas igrejas foram
hostilidade a esses grupos denominadas como “neopentecostais”,
religiosos a um patamar inédito na
segundo a explicação de Silva:
história do pentecostalismo
brasileiro. (MARIANO, 2007, p. [...] Pelo acréscimo do prefixo
135). latino “neo” pretendeu-se
Portanto, por mais que a expressar algumas ênfases que as
igrejas identificadas nessa fase
Umbanda e seus adeptos começassem a
assumiram em relação ao campo
gozar de certo prestigio e o culto do qual, em geral, faziam parte:
começasse a ser visto como religião [...]ênfase na teologia da
legitimada, segundo Vagner Gonçalves da prosperidade, utilização da mídia
Silva “não se tinha notícia da formação para o trabalho do proselitismo em
de agentes antagônicos tão empenhados massa e de propaganda religiosa
na tentativa de sua desqualificação” [...] e centralidade da teologia da
(SILVA, 2007, pag.24) como as novas batalha espiritual contra as outras
denominações de origem protestante denominações religiosas, sobretudo
categorizadas como “neopentecostais”. as afro-brasileiras e o espiritismo.
(SILVA,2007, págs. 192-193)
Considerações finais Portanto, devem ser analisados
os comportamentos beligerantes dessas
Ao longo do nascimento e denominações pentecostais como centrais
expansão da Umbanda, é possível em sua participação no campo religioso
acompanhar as movimentações contrárias brasileiro; com ações que culminaram em
as suas vivencias, num primeiro ataques físicos a terreiros e indivíduos
momento por agentes estatais aliados a seguidores de religiões afro brasileiras,
agentes sociais, amparados pela não apenas se restringindo a Umbanda.7
legislação; após a promulgação da lei de
liberdade religiosa, as religiões no Brasil Outro ponto que deve ser
foram transferidas exclusivamente para a levado em consideração são os
esfera social, sem interferência aberta da
legislação ou de agentes oficiais, o que 7 O Caso de Mãe Gilda, no Rio de Janeiro, teve
não garantiu que a manifestação do culto grande repercussão. Para maiores informações
umbandista estivesse legitimada ou sobre o caso, vide o trabalho de Vagner
assegurada de ataques de outras religiões. Gonçalves da Silva (2007). Outro caso, mais
recente, com grande difusão foi o da jovem que
A priori o comportamento beligerante levou uma pedrada enquanto estava paramentada
estava a cargo da Igreja Católica, com a com roupas de culto. História completa
intenção de manter a hegemonia religiosa disponível em:
na crença dos brasileiros e ainda, manter http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/0
seu poder de influencias sociais e 6/1642819-apos-sair-de-culto-de-candomble-
menina-de-11-anos-leva-pedrada-no-rio.shtml
políticas. Com as mudanças (acesso em setembro/2017). Além destes
institucionais, implantadas principalmente exemplos, é possível acompanhar através da mídia
após o Concilio Vaticano II, a tolerância alguns exemplos de comportamentos beligerantes
passa a ser base do comportamento em relação às religiões afro-brasileiras nas últimas
décadas.

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comportamentos intolerantes em relação entidades que são estereótipos de


à subjetividade umbandista. Como analisa indivíduos considerados como fora dos
Mariano: padrões sociais e, portanto,
marginalizados: abrindo espaço para as
as entidades afro-brasileiras- em tentativas de marginalização da Umbanda
especial exus e pombagiras – bem e seus viveres, sendo considerada por
como os transes, os ebós, os
despachos, o uso de charutos e
diversas camadas sociais, inadequada para
bebidas alcoólicas e o sacrifício os padrões tradicionalistas brasileiros.
ritual de animais foram, ao longo
de boa parte da história brasileira, Referências
identificados com a magia negra, a
feitiçaria e com a intervenção CUMINO, Alexandre. Umbanda não é macumba:
maléfica de espíritos demoníacos Umbanda é religião e tem fundamento. São Paulo:
Madras, 2014.
sobre as pessoas. Heranças do
passado escravista e da satanização MALANDRINO, Brigida. “Há sempre confiança
católica contra os grupos afro, suas de se estar ligado a alguém”: dimensões utópicas
entidades, suas crenças e práticas das expressões da religiosidade bantú no Brasil.
religiosas, tais estigmas e São Paulo, 2010. 433 f. Tese (doutorado em
ciências da religião) – Pontifícia Universidade
preconceitos continuam vivos e Católica, 2010.
fortes na mentalidade tupiniquim.
(MARIANO, 2007, pag. 139-140). MARIANO, Ricardo. Pentecostais em ação: a
demonização dos cultos afro-brasileiros. In:
E portanto, como já dito SILVA, Vagner Gonçalves da (org.). Intolerância
anteriormente, numa tentativa de maior Religiosa: Impactos do neopentecostalismo no
campo religioso afro-brasileiro. São Paulo:
legitimação social os intelectuais
Editora da Universidade de São Paulo. 2007, p.
umbandistas nas organizações de 119-147.
federações e congressos trouxeram à tona
NEGRÃO, Lísias Nogueira. Entre a cruz e a
tentativas de embranquecimento do encruzilhada: formação do campo umbandista em
culto. Contudo, desde o início destas São Paulo. São Paulo: EDUSP,1996.
organizações e tentativas de mudanças
OLIVEIRA, José Henrique Motta. Das
rituais “o movimento federativo macumbas à Umbanda: a construção de uma
demonstrava já seu caráter cupulista, sem religião brasileira (1908-1941). Rio de Janeiro,
penetração real no universo dos 2003. 57 f. Trabalho de conclusão de curso
terreiros” (NEGRÃO, 1996, pag. 95). (Graduação em História) – Centro Universitário
Moacyr Sreder Bastos, 2003.
Sendo então que a rotina dos
ORTIZ, Renato. A morte branca do feiticeiro
terreiros de Umbanda, tenham eles o negro. 2.ed.São Paulo: Brasiliense, 1999.
culto “embranquecido” ou tenham eles
PARÉS, Luís Nicolau. A formação do
maior influência de cultos de origem Candomblé: história e ritual da nação jejê na
negra, é a resistência; física, pois Bahia. 2.ed. Campinas: Editora da UNICAMP,
organizam defesas a casos de violência 2007.
explicita contra terreiros, e também SILVA, Vagner Gonçalves da. Prefacio ou
organizam formas de proteção aos notícias de uma guerra nada particular: os ataques
indivíduos por também estarem expostos neopentecostais às religiões afro-brasileiras e aos
a comportamentos beligerantes fora dos símbolos da herança africana no Brasil. In:
ambientes de pratica religiosa. SILVA, Vagner Gonçalves da (org.). Intolerância
Religiosa: Impactos do neopentecostalismo no
A Umbanda e os umbandistas campo religioso afro-brasileiro. São Paulo:
resistem ainda em sua subjetividade; uma Editora da Universidade de São Paulo. 2007, p.9-
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vez que contam com a manifestação de

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