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12° Congresso Brasileiro de Polímeros (12°CBPol)

CARACTERIZAÇÃO MECÂNICA E MORFOLÓGICA DE BLENDAS DE


POLIETILENO E POLIPROPILENO A PARTIR DE MATERIAIS PÓS-CONSUMO.
Flávia Oliveira Monteiro da Silva Abreu¹, Antonio do Vale Guerreiro Neto²*, Eugênio Peixoto Júnior²,
Bruno Bezerra de Almeida², Jorge André Costa dos Santos², Wanderley Ferreira de Amorim Júnior³,
Jullienne Martins do Nascimento³.

¹ Universidade Estadual do Ceará – Ceará


² Centro de Ciências Tecnológicas - Universidade de Fortaleza – Ceará *(guerreironeto@edu.unifor.br)
³ Universidade Federal de Campina Grande - Paraíba

Resumo: A alta reciclabilidade de materiais plásticos impulsiona cada vez mais a formação de produtos a base de
materiais reciclados, que tem se tornado uma alternativa eco sustentável e de baixo custo. Tampas e rótulos de garrafas
PET, feitos de Polipropileno (PP) e Polietileno (PE), apesar de seu potencial para reciclagem, atualmente são resíduos
do processo de reciclagem de garrafas PET no estado do Ceará. Com o objetivo de reaproveitar o PP e PE presentes nas
garrafas PET, realizou-se uma blenda de PP/PE e caracterizaram-se as propriedades mecânicas e a morfologia usando
microscopia de forca atômica (AFM), buscando adequar o material em aplicações comerciais. A amostra do material
apresentou resistência ao impacto de 18,9 ± 1,9 J/m e dureza de 57,6 ± 2,5 kg/mm², valores inferiores aos valores
reportados na literatura para o PP, indicando que a blenda constitui-se predominantemente de PE. A morfologia
apresentou lamelas sobrepostas em conformação zig-zag devido à cristalização do PE adicionada de PP, com formação
de regiões heterogêneas devido à compatibilidade parcial destes dois componentes.

Palavras-chave: Reciclagem, Polímeros, Polipropileno, Impacto, Dureza, Força atômica.

Introdução
Atualmente há uma grande preocupação com a reciclagem devido à necessidade de preservação do meio
ambiente, associado à necessidade de reduzir o custo das matérias primas em processos de produção industrial. [1] A
nova concepção para a sustentabilidade planetária demanda a coleta e o tratamento de resíduos, o que impulsiona a
reutilização e a reciclagem destes resíduos. [2] No Brasil, dados do último censo de reciclagem da ABIPET indicam que
foram consumidas 515.000 toneladas de garrafas PET em 2011 e 57,1% das embalagens pós-consumo foram recicladas
[3], devido principalmente a atividade de catadores que realizam a coleta, classificação, separação e preparação dos
recicláveis para a comercialização. [2]
Enquanto que no Brasil tem-se o segundo maior índice de reciclagem de PET do mundo, outros polímeros
recicláveis como as poliolefinas, polietileno (PE) e polipropileno (PP) não tem valores expressivos de reciclagem,
devido, entre outros fatores, à falta de demanda de empresas recicladoras e devido à dificuldade de
identificação/separação destes polímeros frente aos demais tipos, uma vez que são usadas em inúmeras aplicações tais
como frascos pequenos para material de limpeza, embalagens pequenas, fitilho, pá de lixo, lixeiros pequenos, dentre
outros.
No próprio ciclo de reciclagem da garrafa PET, tem-se a presença de PP e PE nos rótulos e nas tampas de
garrafas de refrigerante, que têm sido descartados como resíduo no estado do Ceará. Enquanto que as poliolefinas
apresentam cadeias hidrocarbônicas alifáticas, o PET é um poliéster que apresenta anéis aromáticos na cadeia estrutural,
e por consequência, as poliolefinas tem temperatura de fusão de 120-165 °C, enquanto que o poliéster tem temperatura
de fusão de 240-265 °C. Com isso, têm-se restrições operacionais para a reciclagem, pois é necessário reprocessar os
materiais no estado fundido, em mistura heterogênea, requerendo o uso de temperaturas elevadas para garantir a fusão
de todos os componentes, o que pode causar a degradação principalmente do PE. [1]
Porém, como o PE e o PP são poliolefinas, estes apresentam ponto de fusão mais próximo, o que possibilita à
reciclagem conjunta destes dois materiais através da formação de blendas de PE/PP, sem degradação significativa de
suas propriedades. A formação de blendas de PE/PP oriundas de tampas e rótulos de garrafas PET pode produzir um
material com propriedades adequadas para varias aplicações comerciais. Com isso, poderia resultar na redução
significativa da produção de resíduos sólidos, diminuindo assim o impacto ambiental e contribuindo no
desenvolvimento sustentável de plásticos. Neste trabalho, foram produzidas a partir de resíduos plásticos, blendas de
PP/PE e avaliou-se o comportamento mecânico do material quanto a sua dureza, resistência ao impacto e avaliou-se a
sua morfologia e compatibilidade da blenda a partir de microscopia de força atômica.

Parte Experimental

Preparação das Blendas de PP/PE


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Os resíduos de PP e PE oriundos das garrafas PET foram obtidos conforme linha de beneficiamento proposta em
trabalhos anteriores [1,4]. Os resíduos de PP e PE foram beneficiados e transformados em flakes, que passaram por um
aglutinador de 50 cv de potência a 1750 rpm para retirada da umidade, a fim de evitar maiores vapores na extrusão.
Posteriormente, o mesmo foi processado em uma extrusora mono rosca tipo cascata NZ PHILPOLYMER LDA-SJP, sob
temperatura de 200ºC.[1,4] E, em seguida, injetado em uma injetora HATIAN modelo SA2500 para avaliação da
dureza, resistência ao impacto e análise morfológica.
Caracterização Mecânica
Foi realizado o ensaio de resistência ao impacto a 23ºC em uma máquina RESIL 5,5 da CEAST de pêndulo 2,5J,
segundo a norma ASTM D 256, no qual se analisaram onze corpos de prova. Determinou-se a dureza Shore D dos
materiais através de um durômetro FIXO-TEST, no qual foram avaliados em cinco corpos de prova.
Caracterização Morfológica
A amostra teve a morfologia e rugosidade avaliada em um microscópio de força atômica (AFM) 5500 da AGILENT
TECNOLOGIES operando no modo de não contato. Utilizou-se de ponteira de não contato de alta frequência, com
frequência de ressonância de 300Khz. O tratamento de imagens foi realizado no software Gwyddion 2.7.
Resultados e Discussão
Nesse trabalho foram discutidas as propriedades mecânicas e morfológicas das blendas de PP/PE, oriundas de
resíduos do processo de reciclagem de garrafas PET. Avaliou-se a dureza, a resistência ao impacto e a morfologia das
blendas de PP/PE.
Na análise morfológica, foi utilizada a microscopia de força atômica (AFM), que tem sido utilizada largamente no
estudo de polímeros devido a sua capacidade de fornecer informações que não eram possíveis de se obter com o uso da
microscopia eletrônica de varredura. Nesta técnica, é possível realizar análise micrométrica e nanométrica usando
cantilever em aplicações topográficas com alta resolução a dimensões reduzidas e não topográficas (sensores com
mecanismo de transdução mecânica) [5]. Entre as principais vantagens, tem-se a dispensa do uso de vácuo e de
recobrimento com ouro da amostra, e ainda, a técnica permite realizar medidas diretas de altura e rugosidade, além de,
para estruturas ordenadas, a obtenção de imagens com resolução atômica. [6]
Na microscopia de força atômica é possível analisar com detalhes a superfície do material em escala nanométrica, e
extrair informações pertinentes como a rugosidades e demais imperfeições. A Figura I ilustra a morfologia das blendas
de PP/PE nos modos de topografia, deflexão e fricção.
Na figura I, a imagem superior à esquerda representa a topografia da amostra. Observa-se que as regiões mais claras
são os picos (regiões mais altas) e as regiões mais escuras são os vales. Na imagem superior direita, observa-se a
topografia em 3D, onde é constatada a orientação dos grãos e o alinhamento das lamelas no sentido diagonal. Na
imagem inferior esquerda, mostra a deflexão da amostra, onde é possível ver as lamelas sobrepostas em uma orientação
zig-zag. Já na imagem inferior direita, temos o modo de imagem em fricção, onde é possível visualizar um contraste de
cores diferente do visto na topografia, devido à diferença de atrito que ocorre entre a ponta da sonda com o material em
questão. Quando o contraste de cores deste modo de imagem não coincide com as variações de altura da topografia,
significa que a amostra é heterogênea, devido à compatibilidade parcial do PE com PP.

Figura I: Morfologia da blenda PP/PE nos modos de topografia, deflexão e fricção. E uma imagem 3D no modo
topografia no canto superior direito.
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Na tabela I, constam informações sobre a altura máxima, rugosidade média e a rugosidade máxima em diferentes
regiões da amostra. É possível observar que os valores são divergentes e em função da região analisada, devido à
heterogeneidade da blenda de PP/PE. Na figura II, observa-se o perfil da rugosidade da amostra em uma região padrão,
onde é possível perceber as oscilações de pico e vale características devido à sobreposição das lamelas, com variação
total pico-vale de 0,6 µm (600 nm). Em determinados pontos, a superfície possui regiões com grandes vales, devido à
cristalização parcial da amostra.

Tabela I: Rugosidade e altura em escala nanométrica da blenda de PP/PE.


Rugosidade média (nm) Rugosidade máxima (nm) Altura máxima (nm)
Região 1 75 226 414
Região 2 46 146 321
Região 3 71 288 442

Figura II: Perfil de rugosidade média da superfície da blenda de PP/PE.

As propriedades físicas e mecânicas da blenda constam na tabela II. A dureza da blenda de PP/PE apresentou um
valor médio de 57,8, ou seja, um pouco acima do valor esperado para o PE. Observa-se que a densidade da blenda
apresentou valores mais próximos do PE, indicando que o PP encontra-se em menor quantidade na blenda. A resistência
ao impacto do material ficou abaixo do valor encontrado para o PP. Uma vez que o material é composto de resíduos
pós-consumo, é esperado que houvesse deterioração de suas propriedades mecânicas. Como o PP apresenta um
grupamento carbônico adicional na unidade repetitiva do mero, e no empacotamento forma lamelas que correspondem à
fração cristalina do PP, o que lhe proporciona maior resistência mecânica, rigidez e dureza. Já o PEBD é um polímero
com maior fração de amorfo, o que lhe confere maior flexibilidade e menor resistência à tração. Quando o PP é
misturado com PE, durante o processamento, o PEBD pode vir a dificultar a cristalização do PP, resultando em menores
valores de cristalinidade e com isso o material apresenta uma menor resistência ao impacto.
No entanto, pode-se considerar este resultado satisfatório para diversas aplicações comerciais, onde é possível utilizar
as blendas de PP/PE na fabricação de produtos que não exijam resistência igual ao PP, como, fitilho, revestimento de
fios elétricos, pá de lixo, cestos de lixo pequeno, dentre outros.

Tabela II: Classificação mecânica das blendas PP/PE, Polietileno de Baixa Densidade Comercial e Polipropileno
Comercial.
Densidade Resistência ao Impacto 23ºC (J/m) Dureza Shore D
(g/cm³) (kg/mm²)
Blendas PP/PE 0,925 18,9 ± 1,9 57,8 ± 2,5
Polietileno de Baixa 0,912-0,925 Não quebra 40-50
Densidade Comercial [7]
Polipropileno Comercial [8] 0,905 35 72
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Conclusão

As blendas PP/PE desenvolvidas neste estudo a partir de resíduos de tampas e rótulos de garrafas PET apresentaram
superfície com topografia variada, onde se observou alinhamento das lamelas cristalinas no sentido diagonal, formando
um zig-zag. A morfologia ainda apontou uma superfície heterogênea, no qual existem fases diferentes, devido à
compatibilidade parcial do PP no PE. Quanto às propriedades mecânicas e físicas, nos resultados de dureza e densidade,
foi possível observar que a blenda é predominantemente de PE, devido a proximidade dos valores das propriedades da
blenda comparada ao PEBD comercial. Em relação ao ensaio de impacto, verificamos que a blenda PP/PE apresentou
propriedades mecânicas significativamente inferiores ao PP virgem. Isto se deve ao fato do material ser reciclado, que é
comum ocorrer perda de propriedades mecânicas, especialmente quanto à tenacidade e ductilidade. E ainda, devido às
diferenças estruturais do PP e PE, pode ocorrer que a adição de PP pode vir a dificultar na cristalização do PE,
resultando em regiões amorfas, gerando imperfeições na estrutura lamelar da blenda. No entanto, pode-se considerar
que a blenda PP/PE apresentou um conjunto de propriedades satisfatório para diversas aplicações comerciais, onde é
possível utiliza-las para a fabricação de produtos que não exijam resistência igual ao PP, como, fitilho, revestimento de
fios elétricos, pá de lixo, cestos de lixo pequeno, dentre outros.

Agradecimentos
Agradecemos a recicladora São José pela disponibilização das blendas de PP/PE, a Universidade de Fortaleza pela
disponibilização das máquinas para realização dos ensaios e ao Kalisbenio, um funcionário da Universidade de
Fortaleza, que nos prestou auxílio em grande parte dos ensaios e experimentos.

Referências

[1] J. V. B. G. Filho. Beneficiamento do resíduo de polipropileno e polietileno gerado na reciclagem de garrafas PET.
Monografia de conclusão do curso de Engenharia Mecânica. Unifor. 2012.
[2] M. Zanin; S. D. Mancini. Resíduos Plásticos e Reciclagem – Aspectos gerais e tecnologia, EduESCar, Ed.; São
Carlos, 2004;
[3] Fichas técnicas – PET. Disponível em: <http://www.cempre.org.br/ft_pet.php>.
[4] J. V. B. G. Filho; F. O. M. S. Abreu; P. H. M. A. Alves. Beneficiamento de resíduos de Polipropileno e Polietileno,
proveniente da reciclagem de garrafas PET. XVIII Encontro de Iniciação à Pesquisa. Universidade de Fortaleza. 2012.

[5] A. P. F. AntonioI; Y. Hideko. Microscopia de força atômica aplicada em imunoensaios. Quím. Nova. Universidade
Estadual Paulista. Araraquara. 2006. vol.29.
[6] R. B. Filho; L. H. C. Mattoso. Estudo de Polímeros por Microscopia de Força Atômica. São Carlos-SP, 2003.
[7] M. B. C. Fernanda; L. M. Ivana; C. S. M. Luiz. Polietileno: Principais Tipos, Propriedades e Aplicações, Polímeros:
Ciência e Tecnologia. Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Vol. 13. 2003
[8] F. O. M. S. Abreu. Estudo da Compatibilidade de Blendas de Polipropileno com Borrachas Termoplásticas, tese de
Mestrado em Eng Minas, Metalúrgica e Materiais. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 2004.

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