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PARTE UM
Um Começo Feliz (Idade 0 a 5 anos)
Na manhã de 24 de julho de 1991, num hospital londrino, eu nasci. Respirei
o primeiro sopro de vida ao vir ao mundo, pesando apenas dois quilos e
meio. Meus pais devem ter se enchido de orgulho e felicidade nesse dia.
Eles tinham acabado de testemunhar o nascimento de seu primeiro filho, e
me deram o nome Elliot Oliver Robertson Rodger.
Fui filho de pais jovens. Meu pai, Peter Rodger, tinha apenas 26 anos
quando engravidou minha mãe, Chin, que tinha 30 anos. Peter tem
descendência britânica, pertencendo à prestigiosa família Rodger; uma
família que já integrou as classes altas e ricas antes de perder toda sua
fortuna durante a Grande Depressão. O pai de meu pai, George Rodger, era
um renomado fotojornalista que tirou várias fotografias famosas durante a
Segunda Guerra Mundial, muito embora não tenha conseguido readquirir
a fortuna perdida da família. Minha mãe tem descendência chinesa. Ela
nasceu na Malásia e se mudou para a Inglaterra ainda jovem para trabalhar
como enfermeira em vários sets de filmagens, onde se tornou amiga de
pessoas muito importantes na indústria do cinema, incluindo George Lucas
e Steven Spielberg. Ela até saiu um tempo com George Lucas.
Minha mãe e meu pai estavam casados por poucos anos quando minha mãe
ficou grávida de mim. Na verdade, sua gravidez foi um acidente. Ela estava
tomando pílulas para prevenir a gravidez, mas enquanto visitava meu pai
em um de seus sets de filmagem ela adoeceu e a medicação que tomou
para essa doença frustrou o efeito dos anticoncepcionais, e assim o amor
deles durante esse período resultou em minha vida.
Poucos meses depois de meu nascimento eu tirei minhas primeiras férias.
Meus pais me levaram em um barco para a França. Eu já era um viajante! É
claro, não tenho memórias dessa viagem. Minha mãe disse que eu chorei
bastante.
Na época em que nasci minha mãe e meu pai estavam morando numa casa
em Londres, mas logo depois de meu nascimento eles decidiram se mudar
para o interior. Mudamos para uma grande casa de tijolos à vista no
condado de Sussex, com vastos campos em volta. A casa tinha até um
nome: A Velha Reitoria. Foi onde eu passei minha tenra infância, os cinco
primeiros anos de minha vida, e foi maravilhoso. As memórias que eu tenho
desse período são apenas memórias de felicidade e diversão.
Meu pai era um fotógrafo profissional na época, prestes a se tornar um
diretor. Minha mãe deixou sua carreira de enfermeira para ficar em casa e
me cuidar. Minha vó por parte de mãe, a quem eu chamaria de Ah Mah, se
mudou para junto de nós para ajudar minha mãe. Eu passaria bastante
tempo com Ah Mah durante esses anos.
Era um tempo de descoberta, excitação, e diversão. Eu tinha a recém
entrado nesse novo mundo e desconhecia totalmente a dor que ele me
traria mais tarde. Eu gostava da vida com uma alegria inocente. Consigo
lembrar-me de brincar no campo e ir para longas caminhadas com Ah Mah
para colher frutas. Ela sempre me alertava para não tocar nas urtigas que
às vezes cresciam em nossos descampados, mas minha curiosidade levava
a melhor sobre mim, e eu fiquei ardido algumas vezes. Tinha um balanço
no fundo de nosso quintal, no qual passei muitos momentos inesquecíveis.
O primeiro aniversário que me lembro foi o meu terceiro. Meus pais fizeram
uma festa para mim ao ar livre. Meu bolo de aniversário era um helicóptero.
Lembro-me de um dos amigos dos meus pais cortando o primeiro pedaço e
dando para meu amigo. Eu fiz birra porque estava esperando ganhar o
primeiro pedaço... era o meu aniversário, afinal. Meu pai me comprou um
trator de brinquedo que dava para andar, e eu passei todo o tempo depois
disso brincando.
Algum tempo depois de meu terceiro aniversário, todos nós fomos de férias
para a Malásia, o país natal de minha mãe. Tenho apenas vislumbres de
memória dessas férias. Eu gostei muito. Visitamos alguns parentes de
minha mãe.
Havia um lugar especial que meu pai me levava com frequência. Ficava no
topo de uma cadeia de montanhas escarpadas que eu denominava de
“Montanhas Londrinas”, porque eu achava que Londres ficava do outro
lado. Nós íamos para lá soltar pipas. Consigo me lembrar dessas
experiências vividamente. As montanhas eram cheias de grama alta como
palha, e o tempo estava sempre com vento – perfeito para soltar pipa.
Era um tempo de total felicidade e alegria para mim. Meu pai me ensinou a
como soltar pipa sozinho. O vento era tão forte que eu tinha medo que
pudesse alçar meu frágil e pequeno corpo e levá-lo entre as nuvens. Uma
vez que eu peguei a prática, foi emocionante. Nós soltávamos pipas juntos
e corríamos contra o vento. Eu nunca me esqueceria desse lugar.
Ainda um viajante do mundo, eu fui numa viagem para a Espanha com meus
pais e com os pais dos meus amigos Patrick e Lupe. Era o quarto país que
eu tinha visto em tão pouca idade. Ficamos numa excêntrica casa em
formato de castelo que acredito ser propriedade de um amigo nosso. A casa
tinha uma torre que eu estava extremamente curioso para conhecer. Em
dado momento, meus pais e seus amigos se aventuraram a subir até o topo,
mas me deixaram embaixo porque eu era muito novo. Eu fiquei muito
desapontado. Enquanto eles subiam a torre, saí para olhar os cactos que
cercavam a casa. Esses cactos também despertaram a minha curiosidade, e
de maneira tola eu encostei num cacto. Acabei ficando com espinhos de
cactos em toda minha mão, e levou bastante tempo para minha mãe
removê-los.
Logo depois de minha viagem para a Espanha, nós embarcamos em outra
viagem para a Grécia. Ficamos num hotel perto da praia. Era muito quente
lá. O tempo era uma novidade para mim, que estava acostumado ao clima
britânico.
A viagem para a Grécia foi significativa porque durante esse tempo meu pai
recebeu a notícia da morte de meu avô George Rodger. Ele morreu de
causas naturais quando eu tinha quatro anos, ele oitenta e sete. Era a
primeira experiência de morte que eu tive de um parente próximo, e a
primeira vez que vi meu pai chorar. Aos quatro anos eu não conseguia
imaginar meu pai chorando, e então quando o vi chorar nesse dia, eu sabia
o quanto ele estava abalado. Foi um dia muito triste para todos nós.
Voamos imediatamente de volta para casa.
Eu acredito que foi depois de meu quarto aniversário que meu pai teve a
decisão de se mudar para os Estados Unidos. Como ele estava se tornando
um diretor, ele achava que Los Angeles lhe traria mais oportunidades.
Fizemos uma curta viagem para a Califórnia para termos uma primeira
impressão. Eu não me lembro muito dessa viagem, mas me lembro de ter
me divertido. Com apenas quatro anos, eu, Elliot Rodger, já tinha estado
em seis países diferentes. Quem mais pode dizer isso? Reino Unido, França,
Espanha, Grécia, Malásia, e Estados Unidos.
Foi também nessa época que minha mãe ficou grávida de novo. Eu ia ter
um irmão. Meus pais decidiram ter outro bebê, essa gravidez tinha sido
planejada, para que eu pudesse ter um irmão para crescer ao meu lado.
Depois nós descobrimos que seria uma menina.
Antes de meu quinto aniversário minha mãe entrou em trabalho de parto
para ter o bebê. Consigo lembrar dessa noite vividamente. Eu estava muito
mal nessa noite, um péssimo presságio. Fiquei em casa com Ah Mah
assistindo filmes enquanto minha mãe e meu pai foram para o hospital. Eu
estava sofrendo por antecipação o tempo inteiro. E assim meus pais vieram
tarde da noite e com eles trouxeram um pequeno bebê de cabelos pretos
embrulhado como num pacote. Eu tinha uma irmãzinha, e eles a chamaram
de Georgia.
E lá estava eu, um menino de cinco anos que vivia uma vida feliz e alegre
prestes a embarcar numa nova jornada; a jornada de crescer nos Estados
Unidos da América. Eu sentia uma onda de entusiasmo com essa
perspectiva. Agora eu me considerava uma “Criança Americana”, como
dizia a meus pais. Estava acostumado a todos os programas da TV
americana, e comecei a utilizar um sotaque americano. Eu olhava
esperançoso para minha nova vida.
Logo fui matriculado na escola. Meu pai fez uma extensa pesquisa escolar
depois de nossa chegada e encontrou uma pequena escola particular na
Avenida Shoup, chamada Pinecrest. Eu faria o jardim de infância ali.
Pinecrest... Minha mente de 5 anos na época não conseguia imaginar o
quão significativo esse lugar acabaria se tornando para mim. Uma grande
virada em minha vida tomaria lugar ali, uma trágica virada para pior. Mas
isso viria depois, num capítulo mais sombrio de minha história, quando eu
entrei na pré-adolescência. Por enquanto, eu era um aluno do jardim de
infância que estava vivendo a vida ao máximo.
O jardim de infância na Pinecrest não foi muito bom. Eu tinha uma
professora muito desagradável que ficava impaciente com o meu atraso
nos trabalhos escolares, pois havia perdido alguns meses de aula devido à
mudança. Na hora do recreio essa professora me deixava na sala de aula
para fazer trabalho extra para recuperar o atraso. Meus pais não gostavam
dessa professora, e um de seus amigos recomendaram outra escola para
mim, uma escola privada bem perto chamada Escola da Fazenda; recebia
esse nome por causa da fazenda que havia agregada a ela. Depois de poucas
semanas na Pinecrest, meus pais me tiraram dela, e eu não retornaria até
ir lá seis anos mais tarde para fazer o secundário.
Meu primeiro dia na Escola da Fazenda se mostrou um bom começo. Eu
tinha duas professoras, e elas se empenharam em me apresentar às outras
crianças. Havia um garoto em particular chamado Joey que elas escolheram
para me mostrar o lugar. Ele foi legal comigo no início, mas logo se tornaria
um desgraçado sujo com quem eu sempre brigava. Ele então se tornou meu
maior inimigo na escola.
O primeiro amigo de verdade que fiz nos Estados Unidos foi uma menina
chamada Maddy Humphreys. Isso não é irônico? O primeiro amigo que eu
fiz nos Estados Unidos foi uma menina! Ela foi a primeira e última amiga
que eu teria. Maddy e eu começamos a brincar juntos na Escola da Fazenda,
e por ocasião meus pais se tornariam muito amigos dos pais dela. O pai da
Maddy é o famoso músico Paul Humpreys, e sua mãe se chama Maureen,
embora a chamássemos de Mo. Eles tinham uma bela casa em Hidden Hills.
Nossas famílias se encontravam com frequência em churrascos e jantares.
Eu era um menino de 5 anos brincando com uma menina da minha idade
como qualquer outro menino faria. Estava curtindo a vida num mundo que
eu amava. Eu era feliz, mas completamente inconsciente do fato de que
meu futuro nesse mundo se transformaria apenas em escuridão e miséria
por causa das meninas. Essa menina que era minha amiga, Maddy
Humpreys, acabaria por representar tudo o que odeio e desprezo; tudo que
vai contra mim, e tudo o que eu sou contra. Eu brincava inocentemente
com essa menina, do jeito que todas as crianças brincam. Nós até
tomávamos banho juntos; seria a única vez na vida que eu veria uma garota
da minha idade pelada. Quando eu penso sobre as experiências que tive
durante a nossa amizade, isso faz-me refletir com assombro para o fato de
que todas as crianças, meninos e meninas, começam iguais. Todos nós
começamos inocentes, e todos começamos juntos. Apenas mediante as
experiências e circunstâncias do crescimento é que nos separamos,
formamos alianças, e vemos uns aos outros como inimigos. É assim que as
guerras começam, e é assim que a verdadeira natureza da humanidade vem
à tona. Nessa fase de minha vida, é claro, minha guerra ainda não tinha
começado, e não começaria por um bom tempo. Estava aproveitando
minha vida sem me preocupar com o mundo, sem saber que toda minha
alegria estava destinada a desaparecer.
6 Anos
Minha parte preferida do dia durante esse jubiloso período de minha vida
eram nossos passeios de tarde para o parque. Especificamente, o Parque
Serrania. Esse parque era bonito e verde, com caminhos de concreto
repontando nos gramados e um divertido parquinho destinado para nós,
crianças, brincarmos. Eu sempre brincava nos escorregadores e às vezes ia
no balanço, embora meu pai tivesse que me empurrar. Lembro-me de ficar
com ciúmes de outros meninos que conseguiam se balançar sozinhos,
meninos ainda mais novos do que eu. Era a segunda vez que eu percebia
minha falta de capacidade física. A primeira vez que tive essa noção de
minhas deficiências foram naqueles desastrosos jogos de futebol em
Dorsett House.
Um dia meu pai veio me ensinar a como me balançar sozinho, e depois de
alguma prática, eu consegui. Depois disso, eu sempre esvoaçava para trás
e para frente naquele balanço do parquinho do Parque Serrania até a hora
do crepúsculo.
Eu era muito pequeno e abaixo da estatura para minha idade. Nunca dei
muita importância a isso em minha infância, mas esse fato mudou
radicalmente no dia em que minha família viajou para os Estúdios da
Universal. Na época eu amava dinossauros. Era fascinado por eles. Eu tinha
recentemente assistido ao filme Jurassic Park, e quando descobri que havia
uma atração temática do Jurassic Park nos Estúdios da Universal, mal pude
esperar para ir. Entramos na fila e esperamos por uma hora. Chegados na
cancela, o pessoal do parque me apresentou a uma régua de medição, e eu
estava abaixo do exigido. Eu via outros garotos da minha idade sendo
admitidos para o passeio, mas eu fui proibido porque era muito baixo! O
passeio que eu estava tão empolgado para desfrutar no parque temático
foi cancelado para mim. Imediatamente tive uma crise de choro e minha
mãe teve que me consolar.
Ser proibido de entrar em um simples parque de diversões devido à minha
altura pode parecer apenas uma pequena injustiça, mas foi grande para
mim naquela época. Mal eu sabia, essa injustiça era na verdade muito
pequena comparada a todas as outras coisas de que eu seria impedido no
futuro por causa de minha altura.
Resolvemos tentar o passeio do E.T., no qual fui admitido. Tive uma
experiência miserável nesse passeio, entretanto, porque a atmosfera
sombria e as estátuas alienígenas mecânicas que se sucediam na área das
filas me assustaram de verdade. Quando chegamos ao passeio
propriamente dito eu estava chorando de medo, mas depois me acalmei
assim que ele se mostrou tranquilo e relaxante chegando mais para o final.
A vida era boa na Casa Redonda, mas logo tive que testemunhar minha mãe
e meu pai discutindo muito. Eu era muito jovem naquela época para
entender sobre o que eles estavam discutindo, mas sabia que eles não
estavam se entendendo. Isso realmente não me importava muito, porque
todos os outros aspectos da minha vida eram maravilhosos.
Eu me encontrava para brincar com James Ellis toda semana. Às vezes ele
me surpreenderia com uma visita depois da escola, como morávamos
muito próximos. Eu ia para a casa de Philip Bloeser algumas vezes também,
e conheci seu irmão mais novo, Jeffrey. A mãe de Bloeser também ficou
amiga da minha. Eles moravam numa bela casa acima da nossa subindo a
estrada, com um deque que proporcionava uma visão extraordinária das
montanhas de Topanga.
7 Anos
Minha última memória de meus pais estando ainda juntos foi em meu
sétimo aniversário, e eu sempre a estimaria. Não demos uma festa para
meu sétimo aniversário, foi mais como um pequeno encontro para almoço.
Maddy e os Humpreys eram nossos únicos convidados. Foi celebrado no
Gladstones, meu restaurante preferido na época. Aconteceu em Pacific
Palisades, bem em frente à praia. Eu tive meu prato predileto, lagosta.
Era um dia muito feliz para todos nós. Eu pintaria o sete. Era um grande
número para minha pequena mente. Tinha passado sete anos nesse mundo
fascinante, e minha vida tivera um bom começo. Eu tinha pais amorosos,
eu tinha amigos para brincar, eu me divertia na escola, e eu tinha todos os
brinquedos que um pequeno garoto poderia desejar. Um estranho olharia
para esse menino de sete anos e imaginaria que ele teria uma grande vida
pela frente, que não havia nada com que se preocupar. De fato, não deveria
haver nada com que se preocupar... Mas eu era apenas uma criança. Eu
ainda tinha alguns anos para aproveitar uma vida de alegria inocente antes
que descobrisse realmente como era conturbado e cruel esse “mundo
fascinante.”
Meus pais pareciam felizes nesse dia. Eu me lembro deles rindo e se
divertindo. Seria a última vez que me lembro deles estando felizes juntos.
Talvez não estivessem realmente, talvez eles estivessem apenas colocando
uma máscara para que eu pudesse aproveitar meu aniversário. Eu não
conseguia nem imaginar a possibilidade de meus pais se separarem.
Apesar da tristeza inicial que senti de ter minha família pela metade, a
situação de minha nova vida não era tão ruim. Era praticamente a mesma
vida, mas eu morava com minha mãe numa casa e com meu pai em outra.
A nova casa de minha mãe era pequena e vermelha, localizada numa
entrada íngreme no Bulevar do Cânion de Topanga. Eu a chamaria de “Casa
Vermelha.” Era a menor casa que eu já tinha morado até então. Só tinha
dois quartos, e eu tinha que dividir um quarto com minha irmã Georgia. Nós
tínhamos um beliche, e eu dormia em cima. Fiquei bastante incomodado
com essa mudança no começo, estando acostumado a ter meu próprio
quarto e a morar em casas maiores. A natureza gentil e amorosa de minha
mãe, no entanto, compensava isso, e ela transformava a casa em um
ambiente divertido no qual eu gostava de viver.
Depois de passar a primeira semana na casa da mãe, o pai veio para pegar
eu e minha irmã para o final de semana. Georgia tinha ficado bastante
apegada à mãe depois dessa semana, e ela chorou quando saímos de carro.
Eu também fiquei um pouco angustiado de ter que ir de uma casa para
outra toda semana, mas logo acabei me acostumando.
A Casa Redonda era muito diferente sem minha mãe nela. Quando
entramos, senti uma onda de tristeza me invadir enquanto lembrava de
minha vida quando minha mãe e meu pai estavam juntos. A casa estava
cheia de memórias; memórias alegres e divertidas que estavam perdidas no
passado. Com minha mãe ausente, havia uma sensação de desolação e
perda no lugar. O pai fazia o possível para nos animar. Eu poderia dizer que
ele também estava muito abatido pelos eventos recentes.
Meu pai logo alugou um dos quartos da Casa Redonda para seu bom amigo
Dan Perelli, um de seus primeiros amigos na América. Dan morava perto de
nossa casa em Woodland Hills até que se complicou com problemas
financeiros, o que assumo como sendo a razão pela qual ele começou a
alugar um quarto de meu pai. Eu sempre o chamava de “Tio Dan.” Desse
ponto em diante, tio Dan ficaria como nosso inquilino por alguns anos.
A permanência de meu pai na Casa Redonda foi bastante breve. Ele sofreu
alguns reveses financeiros temporários com o divórcio, então decidiu se
mudar para uma casa menor no Velho Cânion de Topanga. Foi uma
mudança bastante abrupta, e eu nunca mais veria a Casa Redonda de novo.
Um dia, depois de pegar eu e minha irmã da casa da minha mãe, ele nos
levou para a casa nova e foi assim.
Era uma pequena casa de dois andares em uma parte mais rústica das
montanhas de Topanga. A parte de cima tinha apenas um quarto e
banheiro, e foi alugada para o tio Dan. Por toda a volta do lado de fora da
casa havia colinas muito pequenas e trilhas para caminhadas que levavam
às montanhas. Por cima dessas colinas havia uma rocha enorme e
imponente chamada "Big Rock." A primeira vez que vi “Big Rock” eu disse a
mim mesmo que um dia eu a escalaria até o topo!
Peguei simpatia a esse novo ambiente, e toda vez que visitava o pai nos
finais de semana, eu sempre ficava lá fora, explorando e me aventurando.
Sempre havia novos lugares para se descobrir nessa região isolada. Eu não
me aventurava muito longe na região selvagem, entretanto, por causa do
perigo de coiotes e onças-pardas.
Minha segunda série passou voando. Eu não me lembro muito dela, mas foi
bastante diversão. Durante o recreio e no almoço, eu brincava bastante
com Shane e Tommy. Jogávamos Pokémon em nossos Gameboys, e às
vezes nos encontrávamos para jogar com o Nintendo 64, jogos tais como
Banjo Kazooie, Super Mario 64, e Donkey Kong 64.
Eu falhei em meu objetivo de nunca mais ter que trocar meu cartão, o que
realmente me desapontou. Passei a maior parte do ano sem trocar meu
cartão, mas bem quando o ano estava acabando, fui pego conversando na
aula com um amigo chamado Danny Dayani, que estava sentado perto de
mim, e tive que mudar meu cartão para amarelo. Culpei o Danny por isso,
porque ele sempre estava falando em sala de aula, mas ainda assim tive
que mudar meu cartão.
Depois de um rápido e fantástico ano, o verão chegou de repente, e com
ele meu oitavo aniversário. Meu oitavo aniversário foi pacato, porém
agradável. Eu me lembro de minha mãe ter convidado alguns amigos da
minha turma da segunda série e que tínhamos um bolo. Durante o final de
semana na casa de meu pai, todos nós fomos ao restaurante Typhoon em
Santa Mônica para celebrá-lo. Era um restaurante chique ao lado de um
pequeno aeroporto, e eles tinham muitos pratos exóticos que eu
experimentei.
8 Anos
Como agora eu tinha oito anos, meu pai decidiu que eu era velho o bastante
para escalar a “Big Rock.” Sempre que estava na casa do meu pai eu via a
“Big Rock” despontando ao longe e ficava com vontade de escalá-la. Eu já
tinha conquistado todas as outras montanhas da região... a “Big Rock” era
a única que faltava. E assim eu saí com meu pai e alguns de seus amigos
para finalmente subir até o topo. O mais longe que tinha escalado nessa
rocha foi até a metade com Christine. Havia uma subida muito íngreme que
não conseguia escalar sem alguma ajuda. A segunda metade da jornada foi
um grande desafio, mas foi tão empolgante! Eu estava muito nervoso com
a altura que escalamos. A melhor parte, é claro, foi subir ao topo, e o
sentimento de conquista. Finalmente eu consegui! Olhando para baixo, eu
pude ver a vastidão da região do Velho Cânion de Topanga, e a casa do pai
parecia minúscula lá embaixo. Eu estava com muito medo de me aventurar
perto do precipício e tive uma sensação de pavor com a perspectiva de cair
de tal altura. A descida foi ainda mais desafiadora, mas me sentia tão
orgulhoso de mim mesmo por ter escalado aquela montanha que não foi
tão assustador quanto pensei que seria.
Esse período de minha vida, junto com minha tenra infância na Inglaterra,
foi um dos melhores. A vida era boa e a vida satisfatória. Quando crianças,
provar nosso valor e obter aceitação entre nossos pares era alcançado de
maneira justa, pelo quão bom éramos nos jogos que disputávamos ou pelo
tamanho de nossa coleção de cartas Pokémon. Ninguém recebia vantagens
injustas. Isso era perfeito, e é assim que a vida deveria ser.
E.... cara, eu tinha muita diversão. A família de James teve que se mudar
para outra casa em Palisades, e a mãe sempre nos levava lá. Ela ficou muito
amiga dos pais de James, Kim e Arte. James e eu competíamos em nossos
Gameboys, trocávamos cartas Pokémon, caminhávamos até o centro
recreativo no final da rua para brincar na piscina e depois para jantar íamos
todos ao restaurante Mott's no centro de Palisades.
Eu tinha bastante orgulho de minha coleção de cartas Pokémon. Tinha
conseguido algumas “brilhantes” nos últimos meses e gostava de mostrá-
las para os outros garotos. As cartas brilhantes vinham aleatoriamente em
deques de cartas que nossos pais compravam para nós. A carta que eu mais
cobiçava era a do Charizard, e numa manhã quando minha mãe abriu um
deque para mim e eu olhei para as novas cartas... lá estava. Era o melhor
dia de todos, e me senti invadido de excitação. Pulei de cima a baixo por
todos os cantos da Casa Vermelha, e mal podia esperar para mostrá-la para
James, que já tinha uma do Charizard.
Por sermos amigos de James Ellis e irmos muito à casa dele, conhecemos a
família Lemelson, que era amiga da família de Kim e Arte. A família
Lemelson é uma família muito rica que vinha ajudando financeiramente a
família de James há algum tempo. Rob Lemelson é filho de Jerome
Lemelson, o inventor do Código de Barras, e seu patrimônio líquido está na
casa das centenas de milhões. O filho de Rob, Noah, é de nosso tempo e
grande amigo de James, e por isso eu me tornei amigo dele também,
embora nunca seríamos íntimos. Às vezes todos nós íamos para a casa dos
Lemelson, também em Palisades, e nós três brincávamos juntos.
No Halloween fomos na casa dos Lemelson para Doces ou Travessuras e a
partir de então, tornou-se uma tradição sair com eles para Doces ou
Travessuras. De novo eu me vesti como um dinossauro, porque não
conseguia pensar em ser outra coisa. Eu queria me vestir como Ash
Ketchum, do Pokémon, mas nenhuma loja tinha a fantasia em estoque.
Palisades era cheia de famílias ricas, então os doces que eles nos davam
eram em quantidades muito maiores, obviamente. Eu me lembro de
competir com James e Noah para ver quem conseguiria mais doces no final.
Depois disso jantaríamos na casa de Rob, e então despejaríamos nossos
doces em montes no chão para examinar o que tínhamos conseguido. Essa
era minha parte favorita.
Depois do período de férias minha cuidadora Christine teve que voltar para
a Alemanha, o que me entristeceu profundamente. Christine seria para
sempre minha cuidadora preferida, e eu fiquei de péssimo humor no dia
em que ela partiu.
Alguns meses na quarta série, foi decidido por meus pais mudar o roteiro
de minha vida e da minha irmã mais uma vez. Dessa vez, estaríamos
alternando entre a casa do pai e a casa da mãe cada semana. Uma semana
seria passada na casa da mãe, e a seguinte na casa do pai. Essa era uma
divisão justa. No início eu não estava muito certo disso, porque nunca gostei
de qualquer mudança em minha vida, mas constatei que era um melhor
ajuste. Isso me permitiu passar os finais de semana na casa de minha mãe,
durante a semana dela, o que me deixou bastante animado. Eu só passava
os finais de semana na casa do pai antes disso.
Na semana do pai eu era cuidado principalmente por nossas duas novas
cuidadoras, Rosa e Amparro. Elas eram de origem sul-americana e não
falavam muito inglês, no entanto eram muito gentis.
Comecei a ter brigas intensas com Soumaya. Odiava as regras que ela
impunha para mim, as quais eu acreditava que ela não tinha direito para
impor, uma vez que ela não era minha mãe. Odiava como ela me forçava a
tomar leite toda manhã e uma sopa insossa no jantar. Eu me neguei tantas
vezes a tomar essa sopa que ela a utilizava como meio de punição. Sempre
que fazia alguma coisa errada ela me forçava a tomar sopa. Uma vez eu
tinha um encontro para brincar com Philip na casa do pai, e quando gritei
com minha irmã porque ela estava nos incomodando, Soumaya me puniu
me mandando para o quarto de castigo por uma hora, o que me embaraçou
na frente de Philip. Depois desse incidente eu nunca mais tive um encontro
para brincar na casa do pai.
Esse conflito com Soumaya desencadeou uma tendência em que eu
adoraria estar na casa da mãe e temeria as semanas que teria de passar na
casa do pai. Não fossem apenas os conflitos com Soumaya, o pai raramente
estava lá, pois estava sempre fora da cidade a trabalho. Depois de passar
uma boa semana na casa da mãe, chorava quando chegava o domingo e
tinha que ir para a casa do pai na segunda. Então eu passaria a semana
inteira pensando em voltar para a casa da mãe. Lembro-me daquelas
segundas-feiras quando minha mãe me deixava na escola no primeiro dia
da semana com o pai... eu me sentia tão triste que chorava quando via o
carro da minha mãe indo embora. É claro, disfarçava as lágrimas para evitar
a vergonha na escola, mas me sentia desolado pelo restante do dia.
Eu sempre tinha uma experiência encantadora na semana com a mãe. Ela
sempre arranjava alguém para brincar comigo, porque ela sabia que eu era
muito tímido para ter a iniciativa por conta própria. Ela sempre fazia tudo
ficar divertido. Aos finais de semana após o jantar nós tínhamos a “hora do
doce”, quando ela trazia uma caixa de doces para eu e minha irmã
escolhermos.
Eu tinha vários encontros para brincar com Philip, e por causa dele eu
também brincava com seu irmão Jeffrey, que era dois anos mais novo do
que a gente. Enquanto Philip era calmo e maduro, Jeffrey era
completamente o oposto. Jeffrey Bloeser era agitado e indomável, o que
frequentemente trazia bastante divertimento em meus encontros com
Philip.
Minha mãe uma vez fez uma festa em sua casa e convidou todos os amigos
de nossa família. James Ellis compareceu, assim como Philip e Jeffrey. Era a
primeira vez que eu via todos eles juntos, e isso proporcionou uma
experiência interessante. Fiquei um pouco com ciúmes, entretanto, quando
Philip e Jeffrey pareciam respeitar e prestar mais atenção em James do que
a mim. Quando estávamos jogando no meu Nintendo 64 e eu competindo
contra o James, eles torceram pelo James, o que me deixou muito
chateado.
PARTE TRÊS
O Último Período de Contentamento (Idade 9 a 13 anos)
A quarta séria terminou e quando o verão começou eu fiz um voto de me
moldar como a criança mais descolada que poderia ser até que a quinta
série chegasse. Eu previ a aprovação que os outros garotos legais teriam de
mim assim que eu me revelasse semelhante a eles, e estava ansioso por
isso.
Fiquei muito empolgado com meu novo hobby, e compartilhei-o com James
Ellis e Philip Bloeser, meus dois melhores amigos. Eu queria que eles
também se interessassem em skate. Foi complicado meter James nisso, mas
logo ele comprou seu próprio skate e começamos a andar de skate juntos
pela vizinhança.
Na semana da mãe eu passava cada vez mais praticando skate e tinha vários
encontros com James onde saímos para andar juntos. Também nos
divertíamos muito disputando jogos de Nintendo 64, como Donkey Kong
64, Banjo Kazooie, Banjo Tooei, James Bond Goldeneye, e muitos outros.
Ele também me deixou interessado em colecionar Beanie Babies. Primeiro
eu pensei que uma coisa dessas fosse idiota e de menina, mas nós os
usávamos para alimentar nossa imaginação e simular batalhas e guerras
entre eles. Era nosso hobby secreto que não fazíamos questão de contar a
ninguém.
Fiquei aliviado quando o acampamento de verão acabou, e logo depois de
acabar veio meu décimo aniversário. Eu estava nesse mundo há uma
década, e que década... cheia de descobertas, diversão, e felizes aventuras.
Eu não diria o mesmo para a década que estaria por vir.
Não deram uma festa para meu décimo aniversário, mas acredito que o
tenha celebrado durante a semana da mãe. Saímos com James e sua família
para um restaurante em Palisades.
10 Anos
Eu estava ansioso para tingir meu cabelo todo de loiro, após o fracasso
desastroso da minha tentativa anterior. Dessa vez, Soumaya me levou para
o salão certo, e eles cortaram um pouco meu cabelo e o tingiram todo de
loiro. Quando me olhei no espelho senti um nível grandioso de satisfação.
Fui para a casa de James logo após ter recebido minha nova cor de cabelo,
e a expressão de surpresa em seu rosto quando ele me viu pela primeira
vez fez-me dar uma boa gargalhada.
Algumas semanas depois, meu cabelo começou a crescer e o cabelo preto
aparecia nas raízes, mas a mistura caiu bem para mim, e se tornaria meu
estilo de cabelo pelo restante do ano.
A mãe levou eu e minha irmã para umas pequenas férias pelo fim do verão.
Pegamos a autoestrada 101 para Ventura, onde nos hospedamos no
Holiday Inn (que agora foi substituído pelo Crowne Plaza). Achei o hotel
confortável e luxuoso. Estava localizado bem no Passeio de Ventura, um
bonito caminho de passeio ao longo da praia que levava para um extenso
cais.
Nessa fase, eu estava muito entusiasmado com meu novo interesse em
skate, e levei meu skate junto comigo. Adorei andar com meu novo skate
por todo o Passeio de Ventura. Nessa viagem minha mãe me levou para
minha primeira pista de skate, que era chamada de SkateStreet. Era
gigantesca, e fiquei impressionado com todas aquelas rampas de tamanho
colossal. Participei de uma aula para iniciantes e o instrutor me ensinou o
básico para andar nessas rampas. Fiquei absolutamente apavorado no
começo, mas no final da aula consegui subir e descer na menor delas, e isso
foi magnífico.
Quando voltamos para o hotel tivemos um ótimo serviço de quarto com
jantar, e depois nós três assistimos ao filme “Procurando Nemo” na
televisão do hotel. Essa foi uma viagem encantadora.
Antes da quinta série começar eu fui com meu pai e Soumaya para uma
festa com jantar na casa de seus amigos. Esqueci quem eram esses amigos,
mas era uma casa formidável em Beverly Hills. Havia muitos convidados, e
fiz o que geralmente fazia em jantares assim.... sentava-me em volta
comendo petiscos e conversava com minha irmã, às vezes indo até o pai e
pedindo um gole de vinho.
Durante a festa eu me peguei conversando com meu pai, Soumaya, e um
dos convidados da festa, um homem espalhafatoso de meia-idade cujo
nome não consigo lembrar. O pai e Soumaya estavam falando em como eu
recém havia completado dez anos, e discutindo sobre a vida e o que o
futuro me reservava. Esse homem com quem estávamos conversando... ele
me bateu nas costas e disse que eu tinha uma grande vida pela frente. Com
um sorriso no rosto, ele me disse que “nos próximos dez anos, você terá
uma bela fase... uma bela fase.” Eu não tinha ideia do que ele queria dizer
com isso. Eu nem pensava no meu futuro naquela época; eu vivia o
momento.
Hoje eu sei o que ele queria dizer. A infância é divertida, mas quando um
garoto chega na puberdade um mundo inteiramente novo se abre... um
mundo inteiramente novo com novos prazeres, tais como sexo e amor. Os
outros garotos experimentarão isso, mas eu não, me dói dizer. Essa é a base
de minha trágica vida. Eu não teria uma bela fase nos próximos dez anos.
Os prazeres do sexo e do amor seriam negados a mim. Os outros garotos
experimentarão isso, mas eu não. Em vez disso, eu experimentaria miséria,
rejeição, solidão, e dor.
Naquele dado momento eu não dei muita atenção ao comentário do
homem. Eu nem me lembro quem ele era. Mas depois de que esses dez
anos se passaram e tendo experimentado o que experimentei, não consigo
deixar de pensar naquele momento. Se apenas eu soubesse o que me
aguardava, bem ali naquele momento.
Logo depois de começar meu ano na quinta série minha mãe decidiu se
mudar da Casa Vermelha para uma casa menor em Woodland Hills. Essa
nova casa estava localizada no Bulevar do Cânion de Topanga, próxima da
rua Dumetz. A casa do pai ficava logo no topo do morro, então era
praticamente uma caminhada até sua casa.
Eu sentiria falta da Casa Vermelha, apesar de ser pequena e pelo fato de ter
que dividir um quarto com minha irmã. Tive muitos momentos bons nela.
Essa nova casa era mais conveniente. Ainda era uma casa de dois quartos,
mas um dos quartos era grande o suficiente para ser dividido em dois, e
então com uma parede construída no meio, minha irmã e eu ficamos cada
um com nosso próprio quarto.
À medida que eu ficava cada vez melhor no skate minha mãe se esforçava
para me levar a uma pista de skate toda semana. Agora andar de skate não
era apenas um esporte que estava fazendo para imitar os caras legais. Eu
estava verdadeiramente interessado no esporte. Eu até mesmo sonhava e
tinha esperanças de me tornar um skatista profissional. Esse se tornou o
meu objetivo de vida. Eu gostava muito de andar de skate. Imaginava-me
fazendo manobras absurdas na frente de uma multidão vibrante,
exatamente como eu via Tony Hawk fazendo em alguns vídeos. Eu
imaginava a admiração em seus rostos, e isso era maravilhoso.
A pista de skate que minha mãe me levava era a Northridge Skatepark, e
ela fazia isso toda sexta-feira. A Northridge Skatepark era uma pista de
skate ao ar livre de grandes dimensões com rampas de madeira nobre.
Primeiro jantávamos no Shopping Northridge, e depois eu comparecia para
a sessão das sete às dez da noite na pista de skate. Geralmente eu ia
sozinho, mas depois de algumas semanas fiz alguns conhecidos lá, e eles
me conheciam também. Tornou-se uma tradição de sexta-feira durante a
semana da mãe.
No sábado que se seguia James geralmente vinha pousar na minha casa.
Disputávamos jogos de Nintendo 64 como Tony Hawk’s Pro Skater e Donkey
Kong noite adentro, e então no domingo de manhã a mãe nos levava para
o Skatelab, uma pista de skate coberta no Vale Simi. James também tinha
ficado realmente interessado em skate, ou assim parecia. Eu sempre fui
melhor nisso do que ele, e gostava que fosse assim.
Era assim que acontecia todo fim de semana durante a semana da mãe, e
eu me divertia muito com essa vida.
Eu estava tão interessado em skate que levei meu skate para o Halloween
na noite de Doces ou Travessuras. Minha fantasia, é claro, era de eu mesmo
como skatista. Fomos para a casa dos Lemelson ter um grande jantar e
então saímos para recolher nossos doces. Era complicado segurar uma
sacola cheia de doces e andar de skate ao mesmo tempo, mas eu me diverti.
Lembro-me de alguns adolescentes me vendo em cima do skate e dizendo:
“Por que eu não pensei nisso.” Aha, isso era gratificante.
Quando voltei para a escola após as férias de inverno eu percebi que todos
os caras legais tinham um novo interesse: Hacky Sack. É um esporte simples
que consiste em dar balõezinhos com uma bolinha quantas vezes você
conseguir sem deixar cair no chão. Todos eles tinham bolinhas de Hacky, e
passavam o recreio e almoço chutando-as entre si, uma vez que o skate
tinha sido proibido na área escolar. Eu não tinha uma bolinha de Hacky, e
decidi que precisava fazer alguma coisa em relação a isso. A mãe me levou
para a loja Pac Sun onde comprei uma bolinha de Hacky com um padrão
laranja e verde. Quando chegamos em casa do shopping eu comecei a
praticar. Lembro-me de ser difícil no começo, mas passei as tardes
seguintes me concentrando em ficar bom nisso. Passei muitas horas noite
adentro praticando em meu quintal.
Uma vez que conseguia jogar Hacky Sack adequadamente, fiz um alvoroço
enorme com o fato de que agora estava interessado nisso. Eu ia ao grupo
dos caras legais e mostrava minhas habilidades, e praticava a cada minuto
que passava lá fora durante o horário escolar.
A pracinha de cima tinha sido reconstruída depois das férias, e lá havia um
novo parque para brincar. Sempre amei coisas novas, e o novo parque era
bastante convidativo. No exato primeiro dia em que fomos permitidos a
brincar nele, eu brinquei de pega-pega com Philip Bloeser, Addison
Altendorf, Bryce Jacobs, e alguns mais.
A família do James se mudou para uma nova casa em Malibu. A casa era
propriedade da família Lemelson, e eles estavam parando nela
temporariamente. A mãe nos levou lá algumas vezes onde me aventurei
pela região selvagem que circundava a casa. Costumávamos ir a uma
pequena praça no centro de Malibu. Havia um parque lá, com algumas lojas
e restaurantes em volta.
11 Anos
A viagem para França e Inglaterra veio logo após meu aniversário. Tínhamos
falado sobre ela por algum tempo na casa do pai e eu estava realmente
empolgado para ir. Viajamos no Virgin Atlantic de Primeira Classe. Eu estava
extremamente entusiasmado com isso porque sempre amei o luxo e
opulência.
Paramos na Inglaterra por alguns dias para dar um olá para vovó Jinx. Os
primos não estavam lá, já estavam na França, então foi um pouco
entediante. Quando chegamos na França, a sensação de maravilha e
curiosidade me sobrepujou como sempre acontecia quando eu visitava um
país estrangeiro. A última vez que estivera na França eu tinha apenas
algumas semanas de vida. Essa era a primeira vez que eu era capaz de
experimentar verdadeiramente o país. A França era um mundo totalmente
diferente, e era um mundo que eu gostava. A cultura francesa é tão exótica
e refinada comparada à cultura norte-americana.
Depois de reservarmos alguns quartos de uma pequena pousada próxima
da cidade de Toulouse, nos encontramos com Jonny e os primos na casa da
tia Jenny. A tia Jenny é irmã do meu pai, e a última vez que a vi tinha sido
quando eu morava na Inglaterra, antes de se mudar para a América. Ela
tinha alguns gatinhos em sua casa que eu adorava brincar.
George e eu imediatamente retomamos a amizade iniciada na primavera.
Havia uma extensa área de floresta circundando a casa. George me disse
que havia muitos javalis selvagens na floresta, então nós saímos para “caçar
javalis selvagens.” Era apenas uma brincadeira, e nunca acabamos vendo
qualquer javali, mas o suspense da possibilidade de encontrar um era o que
fazia a coisa divertida.
Ficamos em Toulouse por cerca de uma semana, então nos despedimos dos
parentes e partimos para fazer um passeio pelo país. Percorremos várias
cidades turísticas e ficamos em hotéis com formato de castelo. Isso poderia
ter sido uma grande experiência para mim, mas os conflitos com Soumaya
azedaram o passeio. Aconteceram alguns incidentes nos quais ela me
castigou fazendo-me permanecer dentro do meu quarto de hotel enquanto
ela, o pai, e Georgia, todos saíam para jantar num restaurante. Eu a odiei
por isso.
Na volta paramos na casa da vó Jinx na Inglaterra por uma semana. Dessa
vez os primos estavam lá, e foi bastante divertido. Todos dormimos no
mesmo quarto, então foi como ter uma grande noite do pijama. Um dia nós
saímos numa viagem para um museu, onde eu tive um desentendimento
com Soumaya. Ela gritou comigo na frente de George e ameaçou me
castigar. Isso foi tão vergonhoso que me senti com um ânimo miserável pelo
resto do dia. Eu sempre amei viajar, mas aprendi que viajar com Soumaya
simplesmente arruinava toda a experiência. E essa não seria a última vez
que eu seria forçado a viajar com Soumaya, para minha maior desolação.
A viagem durou três semanas, o tempo perfeito para umas férias, na minha
opinião. Aproveitei bastante, descontando as vezes em que Soumaya
arruinou-a.
Era bom estar em casa depois de umas longas férias culturais. Na casa do
pai, minha cuidadora Tracy entrou em desavença com o pai, e foi obrigada
a ir embora. Fiquei triste em vê-la partir. Ela sempre foi alguém muito
divertida e agradável de se estar por perto. Depois que a Tracy nos deixou,
eu e Georgia não teríamos mais nenhuma cuidadora. Estávamos ficando
muito crescidos para isso. Eu já não era mais uma criancinha... ter
cuidadoras se tornou coisa do passado. De agora em diante, se o pai e
Soumaya tinham que ir a um jantar-baile, eles apenas contratavam uma
cuidadora para nos cuidar, e logo eu seria grande o suficiente para ficar
sozinho em casa.
Cortei o cabelo, mas dessa vez decidi não pintar de loiro. O cabelo preto
sempre crescia de qualquer jeito, então o visual totalmente loiro durava
apenas algumas semanas. Ter cabelo loiro parecia ter perdido o barato,
então simplesmente não me preocupei mais com isso.
Todo meu mundo tinha mudado. A coisa “legal” a fazer agora era ser
popular com as meninas. Eu não sabia como me virar com isso. Skate, isso
eu conseguia me virar... vestir-me bem, isso era simples... mas atrair a
atenção das meninas? Como na terra eu conseguiria fazer isso? Eu não
conseguia entender afinal o que havia de tão especial nisso, mas todo
mundo parecia dar muita importância. Isso me fez ainda mais tímido, e
fiquei conhecido como “a nova criança tímida.”
Felizmente algumas crianças começaram a se aproximar de mim, e assim
eu tive algumas chances de me integrar dentro de algumas semanas. O
primeiro garoto a falar comigo foi Brice Miller. Ele me perguntou se eu tinha
algum amigo na escola, porque ele sempre me via sozinho. Admiti que não
tinha nenhum amigo, e ele se ofereceu para ser meu primeiro amigo. Fiquei
muito agradecido por isso.
Mais uma vez, usei o skate como uma forma de melhorar minha posição,
dizendo aos skatistas que sabia andar de skate e que conseguia dar algumas
manobras. Isso fez com que eles me tratassem mais cordialmente. Eu até
falei com Robert Morgan algumas vezes, a quem odiava e ao mesmo tempo
reverenciava por ser tão popular. Sempre que uma dita criança popular
trocava uma palavra comigo ou me apertava o cinco eu sentia imensa
satisfação.
Meu pai deduziu uma parcela da pensão alimentícia que vinha pagando à
minha mãe, o que a forçou a se mudar de casa. Nos mudamos para uma
pequena casa azul na Avenida Glade no Parque Canoga. Eu não gostava do
Parque Canoga nem um pouco. Era uma área feia e de classe baixa ao norte
de Woodland Hills, e achei humilhante termos de morar lá durante a
semana da mãe.
A casa tinha algumas vantagens. Tinha quatro quartos e uma sala de estar
maior do que a antiga casa da mãe. Meu novo quarto era bem maior do que
o antigo. E é claro, minha mãe sempre dava seu próprio jeito de fazer tudo
melhor. Eu ainda gostaria mais de meu tempo na casa pequena da mãe do
que meu tempo na casa grande do pai em Woodland Hills.
Junto com essa mudança, veio uma nova modificação em nosso
cronograma de guarda compartilhada. Meus pais decidiram que ficaríamos
mais na casa da nossa mãe, em vez de trocar uma semana por semana. A
mãe nos teria todos os dias da semana e iríamos para a casa do pai nos fins
de semana quando ele estivesse na cidade.
Continuei muito tímido durante a sexta série, e sempre seria rotulado como
uma criança quieta. Eu não conseguia estabelecer amigos com os quais
pudesse me encontrar, então os únicos encontros que tinha eram com os
velhos amigos da escola de Topanga. Isso preenchia o vazio social e eu me
contentava com isso.
Eu tentava dar o máximo para melhorar minha situação social durante o
período escolar. Algumas meninas continuavam a prestar atenção em mim,
dizendo “oi” quando eu passava por elas e ocasionalmente me abraçando,
mas me sentia amargurado com o fato de não poder realmente sair com
elas como os garotos populares faziam.
Para não ser visto como um completo solitário na escola, acabei fazendo
amizade com um cara chamado Connor Hanrahan. Connor não era popular,
porque as meninas não gostavam dele. Apesar disso, ele era um dos
babacas mais pomposos da escola, ainda mais do que qualquer um dos
garotos mais populares. Ele era um autêntico valentão. Comecei a andar
com ele durante o recreio e almoço, e fazíamos algumas brincadeiras um
com o outro e dávamos algumas boas risadas, mas ele sempre me levava
junto e agia de modo bruto. Eu era tão tímido diante dele que nem me
importava. Eu apenas queria alguém para não ficar sozinho.
Quando eu estava fora um dia depois da escola a minha mãe me viu com
Connor quando veio me buscar. Ela estava preocupada por eu não ter feito
amigos novos em Pinecrest, e suponho que ela ficou aliviada por ver-me
com um “amigo.” Ela convidou Connor para vir junto até minha casa, o que
ele concordou. Eu estava um pouco hesitante de convidar alguém de
Pinecrest para a casa da minha mãe, porque era localizada no Parque
Canoga, uma área pobre, e a maioria das crianças de Pinecrest era de classe
média-alta que não veriam com bons olhos eu morar lá. Mas eu não podia
voltar atrás uma vez que minha mãe já tinha convidado Connor. Ele veio
junto e tudo se passou bem, jogamos videogame por algumas horas. Mas
depois desse encontro, ele sempre tiraria sarro de mim por viver numa casa
“pobre.” Ele também diria a outras crianças de Pinecrest sobre isso. Isso me
enfureceu sem precedentes, e eu acabaria proclamando que meu pai
morava numa prestigiosa casa de três andares nos altos de Woodland Hills.
Tornei-me veementemente obcecado em provar a Connor e a qualquer um
que eu não era pobre. Cheguei ao ponto de trazer fotos da casa do meu pai
para a escola. Até mesmo considerei a hipótese de convidar alguns colegas
para a casa do pai, mas me lembrei do meu voto de nunca fazer isso devido
à possibilidade de acontecer outro incidente envolvendo Soumaya, como
aquele que ocorreu anos atrás.
12 Anos
Pelo resto do verão, retomei minha rotina de relaxar e ter encontros para
brincar. Eu tentava esquecer tanto quanto podia o que havia acontecido no
acampamento de verão.
John Jo veio até minha casa, onde dormiu pela primeira vez. Jogamos alguns
videogames, e então ele me disse que queria me levar a um lugar chamado
Planet Cyber, um cybercafé que tinha tudo dos melhores jogos online para
PC. Eu não sabia nada sobre o local, mas ficava apenas descendo a rua da
casa da minha mãe. Fui lá com ele, ansioso por experimentar algo novo.
Essa foi minha primeira experiência com jogos online. Jogar videogame com
pessoas pela internet evocou um nível totalmente novo de fascinação em
mim. Conversar com pessoas pelo AIM era novo e divertido, mas isso... isso
era tremendo. Eu sempre amei jogar na modalidade de vários jogadores no
videogame quando estava com amigos. Com jogos online, eu podia fazer
isso sempre que quisesse. Eu era principiante nesses jogos novos no PC,
mas peguei o jeito em apenas poucas horas jogando com John Jo. Os jogos
que praticamos foram Day of Defeat e Counter Strike.
O aniversário de minha irmã Georgia foi em novembro, e nesse dia meu pai
alugou uma limusine para pegar Georgia e suas amigas na casa da minha
mãe. Charlie e Elijah vieram, embora John Jo estivesse ausente nesse dia.
Quando a limusine retornou, todos nós celebramos o aniversário de
Georgia em casa juntos. Apresentei meu pai a meus amigos. Foi uma
experiência muito feliz.
Uma vez quando John Jo, Charlie e Elijah vieram para uma de nossas
tradicionais noites de sexta-feira, nós encontramos Armando e seu irmão
mais novo Gus. Eu não os via desde a Escola Primária de Topanga. Tivemos
um ótimo encontro andando de skate com eles no estacionamento da igreja
perto da casa da mãe, e na área em volta. Depois disso fizemos algumas
competições de videogame no Planet Cyber.
Minha mãe me levou para ver “O Senhor dos Anéis – O Retorno do Rei” no
cinema. Eu já tinha visto os dois filmes anteriores, mas não era um grande
fã da série até que assisti esse último no cinema. Ter assistido esse filme no
cinema foi uma experiência épica, algo de que nunca me esquecerei.
Embora não fosse tão empolgante quanto ir à pré-estreia tapete vermelho
das séries de Star Wars, não ficava muito longe.
Depois do cinema eu e minha mãe jantamos no TGI Friday’s. Quando
chegamos em casa, enquanto estava me aprontando para dormir, escutei
uma batida na porta. Era o Elijah perguntando se eu queria ir com ele para
o Planet Cyber, o que eu fiz por algumas horas.
Esse dia marcou a última vez que eu iria ao cinema com minha mãe, sem
contar as pré-estreias. Nessa fase, eu sempre gostava quando meus pais me
levavam ao cinema. A tela grande e o alto som ambiente me submergiam
dentro do filme, e eu gostava daquela sensação de torpor que sentia
quando saía de uma sala de cinema para voltar ao mundo real. Era sempre
uma experiência marcante.
Bem rápido, o cinema passaria de um lugar de prazer para um lugar de
desgosto. Uma vez que a puberdade chegasse, eu ficaria com ciúmes de
todos aqueles casais adolescentes ou aqueles grupos de garotos e garotas
que iam juntos ao cinema. Esse dia que assisti ao filme final do “Senhor dos
Anéis” foi a última vez que curti o cinema em paz, sem medo da humilhação.
A sétima série passou como um sopro. Minha vida na escola era uma
continuação da sexta série. Eu me misturava com conhecidos aqui e ali e
me comportava amigavelmente com todos. A diferença é que eu estava
tendo tanta diversão fora da escola com meus amigos no Planet Cyber que
eu realmente não me importava em ser popular na escola ou receber a
atenção das meninas. Estava curtindo meu último ano de infância. Os doze
foi um dos melhores anos da minha vida, e o último ano que fui feliz. Fico
agradecido de dizer ao menos que fiz o melhor que pude nele.
Eu não me importava com meu futuro, ou com o fato de que a puberdade
estava logo ali. Eu, na verdade, sabia muito pouco sobre o que era a
puberdade. Com a puberdade, todo meu mundo mudaria, e toda minha
vida despencaria em total desespero. Fico imaginando como eu teria lidado
com essas coisas se eu soubesse... se estivesse preparado...
13 Anos
Aproveitei o restante do verão tanto quanto possível. Na primeira sessão
no Planet Cyber após retorno das férias eu encontrei John Jo. Eles tinham a
nova expansão do Warcraft 3 disponível para jogar, e nós a testamos.
Passei uma noite com Charlie e Elijah, em que eles me apresentaram seu
amigo Julian Ritz-Barr. Julian ia na escola de Topanga conosco, mas ele
estudava duas séries abaixo, então eu nunca soube dele antes disso. Achei
ele bem legal, mas um pouco estúpido. Competimos juntos no Planet Cyber.
Continuei vendo ele e Charlie e Elijah mais vezes depois disso.
Coincidentemente, os pais de Julian eram amigos de Rob Lemelson, e eu
não sabia disso naquela época. Alguns anos depois, eu cruzaria com Julian
novamente numa das festas dos Lemelson, onde o invejaria por ser tão
confiante com todos.
A oitava série começou com uma nota bastante suave. Nos primeiros meses
eu continuei com a vida que vinha tendo, e as coisas pareciam normais. As
pessoas com quem eu mais me encontrava na escola eram Alfred Graham,
Gavin Dowd, e Brice Miller. Alfred estava ficando bom no skate, e começava
a ficar popular com os skatistas. Uma vez ele trouxe o skate na aula e
conseguiu dar um “kickflip”, a manobra que eu nunca consegui dominar no
passado. Fiquei secretamente com ciúmes, embora insistisse com todo
mundo que eu não estava mais interessado em skate.
Comecei a prestar mais atenção nas crianças das séries inferiores,
especialmente da sétima série. Havia uma que veio da escola de Topanga,
o irmão mais velho de uma das amigas de Georgia. Seu nome era Neil Davis.
Eu observava os caras legais da sétima série... De certa forma eles
aparentemente imitavam os caras populares da minha série. Eram todos
idênticos, embora os da sétima série parecessem mais perversos. Notei que
Neil Davis estava começando a ficar amigo deles, até mesmo das meninas
bonitas. Gradualmente eu começaria a desenvolver uma forte inveja dele.
Outro era Lucky Radley, o menino preto com que brinquei na vizinhança do
pai. Ele transferiu-se para Pinecrest naquele mesmo ano, e imediatamente
se tornou popular com as meninas bonitas de sua turma. Eu o odiei por isso.
As coisas estavam ficando mais intensas a cada ano que ficávamos mais
velhos, e eu não queria crescer. Eu queria viver a vida a que estava
acostumado. Eu queria viver num mundo justo, e tentava não aceitar que
isso logo chegaria ao fim.
Os jogos que eu gostava de jogar no Planet Cyber eram muito pesados para
rodar no computador da minha mãe, então o Planet Cyber era o único lugar
onde podia jogá-los. Isso foi até eu pedir ao meu pai que me comprasse o
Warcraft 3 para instalar em seu poderoso laptop. Consegui a expansão
Frozen Throne no pacote e, uma vez instalado, pude reproduzi-lo em seu
laptop sempre que ele me permitia. Achei muito legal jogar online em
minha própria casa. A casa do pai ficou muito mais divertida depois disso,
embora odiasse quando Soumaya definia limites para meu tempo de jogo.
Quando o pai convidava os Bubenheims, Alex às vezes trazia seus amigos
Gary e Antje Twinn. Eles tinham um filho chamado Vincent, que tinha a
mesma idade da minha irmã e era um grande amigo de Lukas. Vincent era
um pequeno menino de bom coração e um pouco gordinho. Eu lhe mostrei
Warcraft 3 no computador do meu pai. Ele estava muito interessado no
jogo, e ficaria me olhando a jogar por horas. Ele realmente me estimava. A
gente se deu muito bem.
Um dia eu estava pesquisando coisas na internet sobre Warcraft 3. Foi
quando descobri sobre um novo e revolucionário Warcraft que estava para
ser lançado, chamado World of Warcraft. Eu não pensei muito nele nesse
dia, ignorante ao efeito que ele teria em minha vida posteriormente.
Meu pai e minha mãe voltaram a mudar nossa rotina para uma semana em
cada casa. O pai queria ficar mais tempo conosco, e foi pactuado que esse
seria o jeito. Eu fiquei brabo por causa disso, porque estava satisfeito do
jeito que as coisas estavam. Se voltasse a ser uma semana em cada casa, eu
teria que passar na casa do pai mesmo quando ele não estivesse lá, e eu
odiava isso. Eu não sei como isso permitiria que o pai ficasse mais tempo
conosco, já que ele sempre saía para trabalhar fora de qualquer maneira.
Mas enfim, eu não tinha escolha, e a nova configuração foi feita. É assim
que permaneceria desse ponto em diante... Minha configuração de vida
não mudaria até que eu completasse 18 anos e Soumaya me desse um
chute na bunda.
Convidei Charlie uma vez, e ele veio com Stephen, um velho amigo de
Topanga que eu não via por algum tempo. Descobri que os dois já tinham
suas próprias contas WoW, e fomos ao Planet Cyber para jogarmos juntos.
Criei um novo personagem em seu servidor só para jogar com eles, embora
posteriormente fosse descartar esse personagem.
Eu vi Charlie apenas algumas vezes depois disso. Elijah estava ocupado com
alguns problemas na vida e parou de vir junto. John Jo simplesmente sumiu
de minha vida nessa época, por nenhuma razão em particular. Não consigo
lembrar da exata última vez em que o vi, mas foi por volta dessa época.
Fomos para a casa do pai para o domingo de Páscoa. Ele nos levou para uma
festa organizada por alguns de seus novos amigos, os Thompsons. Além dos
Bubenheims, os Thompsons se tornaram convidados frequentes dos
jantares na casa do meu pai. A família consistia em John Thompson, um
produtor de filmes bem-sucedido, e sua mulher Tatiana. Tinham três filhos:
Isabella, a filha mais velha, que era dois anos mais nova do que eu, e os
gêmeos Josh e Alessandra tinham a mesma idade da minha irmã.
No primeiro dia que eu e minha irmã os conhecemos, e eu acredito que foi
naquele domingo de Páscoa, nós brincamos com eles maravilhosamente
em seu quintal. Todavia, depois que eles vieram mais algumas vezes, eu
comecei a ter sentimentos desagradáveis de ansiedade e medo em volta
das duas meninas, principalmente porque eu pensava que todas as meninas
me odiavam. A maneira como fui tratado pelas meninas na minha escola
compromete grande parte de meu ressentimento contra todas elas durante
essa época. Esse ressentimento ficaria apenas maior quanto mais eu seria
tratado inamistosamente pelo gênero feminino.
A mãe nos levou para a pré-estreia de Star Wars, Episódio 3: A Vingança dos
Sith. Como um grande fã de Star Wars, esse foi um grande dia para mim. O
Episódio 3 completaria toda a saga de Star Wars. Esse era um lançamento
de primeira mão. Poder vê-lo antes de qualquer um me fazia sentir especial.
Eu realmente gostava do personagem Anakin Skywalker, e fiquei
maravilhado em ver sua épica transformação para Darth Vader na grande
tela de alta definição.
Finalmente tendo algo do que me gabar, no dia seguinte eu disse para todo
mundo na escola que eu tinha ido para a pré-estreia porque minha mãe era
amiga do George Lucas. O problema era que a maioria dos alunos da oitava
série achavam que Star Wars era um interesse “nerd”, e realmente não se
importaram. Fiquei frustrado e desapontado com sua reação.
Apenas uma semana de minhas férias de verão, minha mãe me disse que o
pai e Soumaya estavam indo para o Marrocos, e eu seria obrigado a ir junto.
As notícias me chatearam tremendamente. Então eu perguntei quanto
tempo duraria a viagem, e fui informado de que seriam oito semanas. OITO
SEMANAS?! Eu não conseguia acreditar no que estava ouvindo. Fiz uma
grande reclamação.
Por algum motivo, eu nunca fui muito entusiasmado com o Marrocos. O
país é muito atrasado, e isso me fazia sentir desconfortável. Eles não têm
os últimos videogames. E ser forçado a ficar lá oito semanas? Isso tomaria
todas as férias de verão e ainda as duas primeiras semanas do ensino
médio. Era ainda mais comprida do que a última vez que fomos, e aquela
eu já pensei que era muito comprida. Eu não poderia jogar WoW nem um
pouco por dois meses inteiros. A perspectiva disso me desolava. Implorei
para minha mãe não me deixar ir, mas o pai e Soumaya insistiram em levar
eu e Georgia, e minha mãe provavelmente estava cuidando de ter dois
meses sem os filhos para cuidar. A decisão estava tomada, os planos
estavam feitos. Eles já tinham comprado uma passagem aérea para mim.
Eu iria para o Marrocos. Aposto que todos sabiam que eu protestaria em ir,
e foi por isso que me avisaram de última hora.
O último dia da semana da mãe foi o dia anterior ao que partiríamos. A mãe
levou eu e minha irmã para um churrasco na casa de seus amigos Alan e
Rebecca. Eu estava triste o dia inteiro. Eu não fiz nada no churrasco a não
ser me balançar miseravelmente em seu balanço. Quando voltamos para
casa eu joguei WoW pela última vez. Aproveitei as últimas horas que tinha.
Minha mãe me deixou ficar jogando até a meia noite. Adquiri uma peça de
armadura formidável para meu personagem. Eu não queria parar de jogar.
Quando chegamos na casa do pai no dia seguinte, ouvi notícias ainda mais
desalentadoras. O pai tinha que trabalhar nas primeiras semanas do verão,
então ele se encontraria conosco no meio da viagem. Seria apenas Soumaya
nos levando para o Marrocos! Eu sempre detestei viajar com Soumaya. Ela
tornava tudo tão difícil. O bebê Jazz viria junto conosco, é claro, e o estresse
de ficar cuidando de um recém-nascido durante a viagem colocava
Soumaya num péssimo humor. Eu não estava nem um pouco contente.
Como eu previa, a viagem foi um desastre. O bebê Jazz chorou um monte
durante a viagem, e Soumaya não estava em seus melhores dias. Não
pegamos Primeira Classe, e tivemos de fazer três escalas; uma em Michigan,
outra em Paris, e ainda outra em Casablanca, antes de pegar um pequeno
avião para Tanger. Foi uma viagem miserável, o completo oposto da
diversão que tive na viagem do ano anterior para a Malásia.
Pegamos um táxi para a casa da Khadija logo quando chegamos. Khadija foi
para a sua casa no Marrocos poucos dias antes de nós, e já estava
habitando-a. Depois de descarregarmos as coisas na casa da Khadija,
caminhamos até a grande casa do pai de Soumaya onde eu encontrei
Ayman de novo. Eu me lembrava de brincar com Ayman na minha última
viagem para o Marrocos... Ele tinha crescido bastante desde aquela vez.
Para meu desgosto, ele era mais alto e mais forte do que eu, apesar de ser
dois anos mais novo. Eu sempre fui baixo e fisicamente fraco... era como
tinha sido toda minha vida. Nós imediatamente nos tornamos amigos de
novo depois de conversarmos um pouco, e eu brinquei de esconde-esconde
com ele e seus dois irmãos mais novos.
Eu não gostava ter de estar no Marrocos por todo o verão, mas tentava
extrair o melhor disso. Ayman fazia o tempo que eu passava lá mais
divertido. Frequentemente nós saíamos sozinhos para explorar a cidade de
Tanger. Ayman sabia onde ficava tudo, e Soumaya confiava nele para me
mostrar as cercanias. A Georgia às vezes vinha conosco. Tivemos alguns
bons momentos juntos, e nos demos muito bem.
Os Thompsons se juntaram a nós em Marrocos poucas semanas depois de
chegarmos. Georgia ficou feliz que Alessandra, Josh, e Isabella estavam lá
para brincar com ela. Eu não fiquei feliz. Eu tinha tanto medo de meninas
nessa época que mantinha distância de Alessandra e Isabella. Entretanto,
não queria admitir a Ayman que eu tinha medo de meninas, o que seria
vergonhoso, por isso apenas lhe disse que achava que elas eram demais
imaturas. Ele não entendeu isso, porque eu também era bastante imaturo.
Para o meu décimo quarto aniversário, a Soumaya organizou uma pequena
festa na casa de seu pai. A maioria dos convidados era de seus amigos
marroquinos, e alguns deles nem sabiam que a festa era por causa de meu
aniversário. Eu fiquei um pouco incomodado por isso. Eles encomendaram
um bolo para mim, e quando foi trazido todo mundo se juntou para me
desejar um feliz aniversário. Essa seria a última vez que eu passaria meu
aniversário com mais gente do que apenas minha família. Eu estava
surpreso de que já tinha quatorze anos. Quatorze soava como um grande
número. Eu não me sentia com quatorze anos. Eu ainda me sentia uma
criança, e sob toda aparência, eu era.
O pai não pôde comparecer ao meu aniversário. Fiquei um pouco chateado
por isso. Ele veio alguns dias depois. Quando chegou, passeamos por Tanger
e algumas outras regiões como uma família. Khadija e Ayman às vezes
vinham com a gente. O pai de Soumaya comprou uma casa na praia, e
geralmente íamos lá para passeios na praia. Eu peguei um vírus ao me
banhar no oceano um dia, o que me deixou tremendamente mal. Passei
uma semana das férias na cama, agoniando e vomitando. Nunca estivera
tão mal antes na minha vida. Sempre que pensaria no Marrocos no futuro,
eu me lembraria dessa experiência repugnante.
Certa vez, em direção ao final da viagem, quando eu dormia com Ayman na
casa do pai de Soumaya, ele me mostrou alguns vídeos pornográficos
europeus de madrugada. Pude observar o ato sexual com muitos mais
detalhes do que naquele vislumbre que tivera no Planet Cyber. Eu não
queria olhar, mas minha curiosidade levou a melhor sobre mim. Ver um
vídeo de seres humanos fazendo essas coisas estranhas e indizíveis me
revoltou. Eu não conseguia entender o que estava vendo. E, no entanto,
percebi que estava ficando excitado. Eu sentia vontade de fazer essas
coisas, fazer sexo com as garotas peladas que via no vídeo. Era um
sentimento engraçado que percorria todo meu corpo. Eu pude sentir meu
pênis ficando duro. Foi quando percebi que estava finalmente entrando na
puberdade. Deus me livre.
A viagem foi muito longa e, no final, senti-me deprimido e com saudades
de casa. Tudo o que eu queria era voltar para casa e jogar WoW, mas tive
que aceitar que, assim que chegasse em casa, teria que começar o ensino
médio imediatamente. Todavia, eu supunha que jogar WoW de novo
compensaria isso. E com certeza seria melhor do que ficar no Marrocos por
mais tempo. Eu estava ficando farto dele.
14 Anos
Senti uma onda de alívio quando voltamos para os Estados Unidos. Tivemos
de viajar separados do pai novamente porque ele tinha uma agenda de voo
diferente, mas a volta não foi tão ruim porque eu estava pensando em jogar
WoW de novo.
Tive apenas um dia livre antes de começar a escola. Quando cheguei na casa
da mãe eu dei-lhe um forte abraço... Era o maior tempo que eu havia ficado
longe da mãe. Depois disso, imediatamente perguntei se eu podia ir para
seu computador jogar meu jogo. Loguei meu personagem, que estava
exatamente do mesmo jeito que o deixei dois meses atrás. Disse “oi” para
todos meus amigos online e tentei me inteirar de tudo.
O temido dia chegou muito rápido. Era preciso começar o ensino médio. As
aulas já tinham começado desde que estava no Marrocos, então eu seria a
“criança nova” mais uma vez. Isso tornou as coisas muito piores. Meu pai
me levou no primeiro dia. Quando cheguei, fiquei intimidado por todos
aqueles caras grandes do ensino médio, e chorei dentro do carro por alguns
minutos, dizendo ao meu pai que eu estava muito assustado para sair.
Eu tinha que sair, e assim eu fiz. Fomos até a sala principal onde me
precipitei até Brice Miller. Nos cumprimentamos antes de eu me juntar à
primeira aula do dia. Alfred Graham estava na sala, e ele me ajudou a me
acomodar.
Na hora do lanche Alfred me mostrou toda a escola. Comecei a me sentir
mais confortável. Ele me apresentou a outros caras novos também. No
pátio, conheci Pascal e sua roda de amigos. Imediatamente senti aversão
deles. Pascal era convencido e popular, então me senti intimidado. Ele era
o equivalente a Robert Morgan, só que na Crespi. Ao conhecer mais
algumas pessoas, precipitei-me até Keaton Webber! Eu não esperava
encontrar mais ninguém conhecido na Crespi. Isso realmente me encheu de
surpresa. Eu não via Keaton desde que ele havia deixado a escola de
Topanga no final da quarta série. Keaton ainda era um idiota arrogante
como sempre fora em Topanga, e tinha seu próprio círculo de amigos
skatistas, tais como Andy Moussa e Aaron Amman.
Como esperava, falhei em fazer novos amigos. Eu estava tão fatigado da
brutalidade do mundo que simplesmente não me importava mais. Na
primeira semana, tive minha primeira experiência de bullying de verdade,
não apenas uma provocação como tivera em Pinecrest. Alguns caras do
segundo ano me enxergavam como um alvo porque eu parecia ter dez anos
e era fisicamente fraco. Eles jogavam comida em mim na hora do lanche e
depois da escola. Isso me enfurecia, mas eu tinha muito medo de fazer
qualquer coisa. Que tipo de pessoas terríveis e perversas zombariam de um
aluno mais novo que a recém havia entrado no ensino médio? Era o que eu
pensava.
Minha mãe me informou que estava pouco antes no telefone com Arte Ellis,
e ele contou-lhe que James agora jogava World of Warcraft. Fiquei muito
contente em ouvir isso. Agora eu podia dividir meu maior interesse no
mundo com meu melhor amigo... meu único amigo. Então eu fui para a casa
do James para dormir lá, o que não tinha feito há um bom tempo. Ele me
mostrou seu personagem de WoW, que estava apenas no nível 20. Não
estávamos no mesmo servidor, então não podíamos jogar juntos. A única
maneira era um de nós dois começar do zero, mas estávamos muito
vidrados em nossos personagens para fazer isso. Levei isso numa boa.
James ficou realmente fascinado com meu personagem de nível 60, e a
maior parte do tempo ele apenas me via jogando. Também jogamos
bastante Halo 2 juntos.
Partilhar desses interesses em comum com James me fez lembrar dos bons
e velhos tempos em que éramos crianças; quando ambos estávamos
interessados em skate, e antes disso, em Pokémon. Essa nostálgica
experiência proporcionou uma pequena trégua dos sofrimentos na escola.
A mãe mudou-se para uma casa nova com piscina que ela conseguiu alugar
por um preço razoável. Ela pegou eu e minha irmã da casa do pai para nos
levar lá como uma surpresa. Estava localizada perto da antiga casa azul, mas
numa área melhor. Foi num dia que eu tinha um evento de WoW de tarde
e estava muito preocupado se chegaria a tempo ou não, então, quando
chegamos à casa nova, nem olhei em volta e imediatamente liguei meu
laptop para jogar WoW. Eu estava obcecado dessa maneira.
Depois de ter sido vítima de bullying na oitava série e primeiro ano, tornei-
me mais envergonhado e tímido do que nunca em minha vida. Eu me sentia
muito diminuído, fraco, e sobretudo, sem valor. Eu chorava sozinho na
escola todos os dias.
O último dia no primeiro ano foi o pior. Eu estava tendo educação física no
ginásio, e um de meus colegas imbecis chamado Jesse estava garganteando
sobre ter feito sexo com sua namorada. De maneira desafiadora eu lhe
disse que não acreditava, então ele emitiu um grunhido que lembrava o que
parecia ser ele e sua namorada fazendo sexo. Eu podia ouvir uma menina
dizendo o nome dele repetidamente enquanto ofegava freneticamente. Ele
sorriu para mim presunçosamente. Eu me senti muito inferior a ele e o
odiei. Foi nesse momento que fui chamado na diretoria. Quando cheguei
lá, minha mãe estava me esperando para me levar para casa. Chorei muito
quando contei a ela sobre o que tinha acontecido. Esse foi o último dia em
que pisei na Escola de Segundo Grau Carmelita Crespi.
Era o fim da Crespi. Eu pensei que finalmente poderia relaxar. Mal eu sabia
que o pior ainda estava por vir.
15 Anos
Tóxico é a palavra que descreve meu primeiro dia do 2º Ano na Taft. Foi um
pesadelo tóxico. Cada segundo foi uma agonia. Continuei a implorar a meus
pais para não me deixarem ir, mas estava fora de cogitação. Meu pai me
levou lá, e eu não queria sair de seu carro. Ele quase teve que me arrastar
para fora. De alguma forma encontrei força para colocar um pé na frente
do outro e caminhar em direção àquela fachada feia e terrível do colégio.
A primeira semana na Taft foi um inferno. Sofri bullying várias vezes, muito
embora não conhecesse ninguém lá. Depois de estar tão acostumado a usar
camisa polo e calças cáqui como uniforme nas escolas privadas, eu
continuei a vestir-me assim depois de deixar a Crespi. Eu nem pensava em
como eu parecia um nerd. Eu estava muito retraído, como uma tartaruga
escondida dentro de seu casco. Ainda estava no processo de entrada na
puberdade, então ainda parecia e falava como uma criança de dez anos.
Um indivíduo assim atraía atenção zero das meninas, é claro, mas atraía os
fazedores de bullying como abelhas para o favo de mel.
Eu estava completamente sozinho. Ninguém me conhecia ou me dava uma
mão para me ajudar. Eu era uma pequena criança inocente e com medo
presa numa selva cheia de predadores maliciosos, e nenhuma misericórdia
me era concedida. Alguns garotos me empurravam aleatoriamente contra
os armários enquanto passavam por mim no corredor. Um cara alto e de
cabelos loiros me chamou de “perdedor” bem na frente de suas amigas. É
claro, ele tinha meninas ao seu lado. Meninas bonitas. E elas não pareciam
se importar que ele era um filho da puta. Na verdade, aposto que elas
gostavam dele por isso. É assim que são as meninas, era o que eu estava
começando a perceber. Isso foi o que realmente abriu meus olhos para
quão brutal era o mundo. Os homens mais pervertidos e maus estão no
topo, e as meninas são atraídas por esses homens. Os seus atos de maldade
são premiados pelas meninas; enquanto os homens bons e decentes são
alvos de deboche. Isso é absurdo, doentio, e errado em todos os sentidos.
Por causa disso eu odiava muito mais as meninas do que aqueles que faziam
bullying comigo. A pura crueldade do mundo ao meu redor era tão intensa
que nunca vou me recuperar das cicatrizes mentais. Qualquer experiência
que eu tive antes jamais me traumatizou tanto quanto isso.
A carreira de meu pai como diretor não havia sido tão exitosa como nos
anos anteriores. Ele decidiu loucamente investir todo seu dinheiro em seu
primeiro longa-metragem, um documentário chamado “Oh Meu Deus”. No
filme, ele entrevistaria várias pessoas para descobrir suas opiniões sobre
religião e Deus. Para fazê-lo, ele saiu para viajar por todos os cantos do
mundo por alguns meses. Apesar disso, o sistema de uma semana em cada
casa permaneceu, e durante a semana do pai eu tinha que ficar em sua casa
somente com Soumaya. Isso frustrou-me tremendamente, porque sempre
foi um sofrimento morar com ela, e ela restringia meu tempo de WoW.
Entretanto, estava esperançoso sobre o filme do pai. Ele vinha falando que
ficaria rico com ele, e eu alimentei essa esperança. Como eu era inocente...
o filme apenas faria com que ele entrasse em falência no futuro.
Ainda por cima, eu tive de lidar com outra mudança na casa do pai que me
enraiveceu sem tamanho. Tive de deixar meu amado, grande, e luxuoso
quarto do andar de baixo. Tudo porque o bebê Jazz tinha uma nova babá.
Mais uma vez, a existência de Jazz fez com que eu perdesse meu quarto na
casa do pai. Dessa vez, o pai fez meu quarto em seu novo escritório. Ele
repartiu seu velho escritório em dois quartos, ficando um para mim e outro
para a babá. Meu novo quarto era muito menor, e não tinha banheiro
conjugado. O meu quarto no primeiro andar era a melhor parte de ficar na
casa do pai, e estava perdido. Eu comecei a realmente odiar ir lá.
O pai veio pouco antes das férias de verão, para então partir de novo. Uma
nova expansão para World of Warcraft, chamada Cruzada Argêntea, foi
lançada no começo de janeiro. Fiquei extremamente empolgado por essa
expansão. Ela trazia novos recursos ao jogo, novas áreas para explorar, e
elevava o nível de capitão para 70. Era como um jogo totalmente renovado
de WoW. Eu pedi para meu pai me comprar de presente de Natal. Ainda
consigo me lembrar da grande expectativa que senti quando o instalei em
meu laptop.
Tinha conflitos acalorados com Soumaya durante cada semana que estava
na casa do pai. Tudo o que eu queria fazer era jogar WoW, e Soumaya
restringia severamente meu tempo de jogo. Em virtude de que meu novo
quarto era logo em frente ao dela, ela sabia o que eu estava fazendo a cada
segundo. Ela estava fungando em meu pescoço a todo o tempo. Ela me
mandava fazer atividades domésticas pela casa. Eu rejeitava fazer as tarefas
domésticas, especialmente porque tínhamos uma empregada que
supostamente tinha sido contratada para fazer isso. Se eu fazia cena em
não fazer o trabalho, ela tirava meu laptop por um dia ou dois. Essa era a
coisa mais terrível que ela podia fazer contra mim, retirar minha única fonte
de alegria restante no mundo. Às vezes ela fazia isso mesmo quando o pai
estava em casa, e o pai não levantava um dedo para impedi-la.
16 Anos
À medida que o fim do verão se aproximava, eu me tornava cada vez mais
deprimido. Minha vida tinha ficado muito solitária, e jogar WoW pouco
compensava isso. Minha mãe percebeu isso e propôs que eu me
encontrasse com Philip de novo. Ela ligou para a mãe do Philip, Kathy, para
marcar um encontro. E assim Philip veio duas vezes durante o verão. Gostei
bastante de vê-lo novamente... fazia dois anos desde a última vez que nos
falamos. Embora ele não tivesse interesse em meus videogames, ele gostou
de brincar na piscina da minha mãe.
Eu também tive um encontro com Jeffrey. Philip e sua família saíram de
férias para Catalina, e Jefrrey quis ficar em casa. Eu fui pousar na sua casa
com ele sozinho lá. Jeffrey tinha mudado bastante. Agora ele tinha quatorze
anos, e me disse que tinha uma namorada. Eu fiquei chocado, admirado, e
com inveja. Imaginei como um pirralho imaturo como Jeffrey conseguia ter
uma namorada com essa idade. Eu tinha uma terrível suspeita de que ele já
tivesse transado com ela, e tentei não pensar nisso. Fiquei profundamente
invejoso, mas em respeito a nossa antiga amizade e aos bons tempos que
passamos juntos no passado, escondi essa inveja bastante bem.
Halo 3 saiu em novembro. Levei minha mãe para comprá-lo para mim no
mesmo dia em que foi lançado. Eu me diverti muito jogando enquanto
bebia o refresco “Mountain Dew” com sabor especial que foi lançado junto
com o jogo; se chamava Mountain Dew Game Fuel. O jogo definitivamente
atendeu às expectativas e, para minha surpresa, me vi jogando mais do que
WoW nas primeiras semanas.
O pai sofreu um duro revés financeiro por causa de seu filme. Poderiam as
coisas ficarem ainda piores para mim? Como resultado, meu pai cortou
abruptamente todos os proventos da pensão alimentícia que vinha
pagando para minha mãe. Minha mãe foi forçada a encontrar um trabalho
com melhor remuneração para compensar isso, e teve de se mudar de sua
casa para um condomínio ali perto.
Felizmente, Rob Lemelson ofereceu-lhe um trabalho em sua companhia de
produção, a Elemental Productions. Esse novo trabalho permitiu que minha
mãe recebesse dinheiro suficiente para ter uma vida confortável. Não
víamos muito os Lemelsons desde aquela última vez em que saímos para
Doces ou Travessuras anos atrás. Era bom reatar o contato com eles
novamente.
Senti falta da mãe morando numa casa de fato, mas pelo menos o novo
lugar era um condomínio com mais luxos do que o apartamento que uma
vez já tínhamos morado. O apartamento tinha três quartos, e o meu tinha
banheiro conjugado. A parte ruim desse condomínio era que ele era
localizado no Parque Canoga, uma área de classe baixa. Eu detestava falar
para as pessoas que minha mãe morava no Parque Canoga. Era altamente
vergonhoso para mim. Porém, infelizmente, naquela fase solitária e
deprimente da minha vida, não havia realmente ninguém para contar, e eu
pouco me importava com o que as pessoas pensavam de mim de qualquer
maneira. Eu era um recluso completo, preso em meu próprio mundinho.
Para meu desgosto, meu pai decidiu começar a andar de moto. Ele
apareceu um dia em casa em cima de uma barulhenta Harley Davidson, e
eu fiquei absolutamente perplexo. Supus que fosse devido a uma crise de
meia-idade que ele estava passando. Uma moto.... é sério? Alex Bubenheim
seguiu o seu exemplo. Ele e Alex então saíam com suas motos a toda hora.
Ele insistia em me levar de moto sempre que saíamos, em vez de ir de carro.
Isso seria muito embaraçador para mim, e me recusava terminantemente a
sair de moto.
Fui com minha mãe para a pré-estreia tapete vermelho de “Indiana Jones e
o Reino da Caveira de Cristal.” Era minha quarta pré-estreia. Ir a pré-estreias
sempre foi uma experiência estimulante para mim. Entretanto, o filme foi
uma grande decepção, eu preferia muito mais os filmes antigos do Indiana
Jones. No dia seguinte, contei para algumas das minhas professoras que eu
estava nessa pré-estreia, e elas ficaram muito surpresas. Aposto que fui o
primeiro garoto daquela escola a fazer essas coisas prestigiosas.
Soumaya e Jazz retornaram do Marrocos. Eu estava contente em ver meu
irmãozinho de novo, mas não muito feliz em ver Soumaya. As coisas eram
muito melhores na casa do pai quando ela não estava. Logo depois que ela
veio começamos a ter várias discussões de novo, o que me envergonhava
na frente do Max.
Não havia nada que eu podia fazer para mudar a situação de minha vida
infeliz. Eu me sentia totalmente impotente. O único jeito que eu podia lidar
com isso era continuar afogando todos os meus problemas dentro de meus
jogos online. Eu jogava WoW muito mesmo, evoluí dois personagens para
o nível 70. Na casa da minha mãe, às vezes eu jogava quatorze horas num
dia. James, Steve, e Mark seguidamente brincavam de que eles nunca me
viam off-line. Eu era conhecido como o cara que “estava sempre no WoW.”
Meu laptop estava ficando cada vez mais lento. Eu não tinha um laptop
potente, mas era o único que tinha para jogar WoW. Isso era realmente
frustrante, porque eventualmente ele ficava tão lerdo que arruinava o meu
ganho de experiência. Continuei amolando minha mãe e meu pai para que
me dessem um laptop mais rápido que fosse mais eficiente para jogos.
Para meu décimo sétimo aniversário meus pais concordaram em dividir os
gastos para me comprar um novo laptop. Minha mãe me levou para a Best
Buy para escolhê-lo, e eu encontrei um perfeito. Era um laptop escuro
maior e altamente eficiente, projetado para jogos. Depois de comprarmos,
fomos jantar no restaurante japonês Kabuki, no Bulevar Ventura, o mesmo
restaurante que minha mãe me levou depois de minha formatura na quinta
série.
17 Anos
O pai me disse que o Max me convidou para visitá-lo na França por três
semanas. Eu teria que viajar para lá sozinho, e Max me pegaria no aeroporto
perto de sua cidade natal, Montpellier. A princípio eu estava muito nervoso
por isso, e quase neguei o convite. O pai falou comigo sobre isso, dizendo
que eu era sortudo de ter uma oportunidade como essa. Eu realmente
sentia saudades de Max, e queria vê-lo de novo, então subitamente tomei
a decisão de ir.
Parti no início de agosto. Era minha primeira vez viajando sozinho, e eu não
sabia o que esperar. Meu pai me deu autorização para ter assistência de
viagem supervisionada para me ajudar no caminho, caso contrário eu me
perderia no aeroporto. No caminho para lá, fiz uma conexão em Frankfurt,
Alemanha, para trocar de avião. A Alemanha é outro país que eu posso
adicionar à minha lista de países em que estive. Quando cheguei no
aeroporto na França esperei por algumas horas até que finalmente Max
apareceu. Fiquei muito feliz em vê-lo. Mal podia acreditar que estava na
França de novo.
Eu e Max ficamos na casa de sua vó em Montpellier. Montpellier era uma
cidade maravilhosa, com uma vibe romântica e cosmopolita. Foi uma pena
que eu estava muito preso em meu próprio mundo para realmente apreciá-
la na época.
Max me apresentou à sua vida na França. Conheci alguns de seus amigos e
fomos em bares juntos. Na França é legalmente permitido beber aos
dezesseis anos, então pude beber no bar. Foi surreal! Por aquelas três
semanas, eu tive o gosto mais doce do que a vida podia ser para um jovem
comum. A experiência de sair com um grupo de jovens, tanto rapazes
quanto meninas, e curtir a vida, era uma coisa que eu nunca tinha feito
antes. Isso realmente colocou meu mundo de ponta cabeça, nesse curto
espaço de tempo. Então é isso que todo mundo experimenta, eu pensei com
inveja. Tive uma sensação de graça e felicidade que não sentia desde a
infância, quando a vida era boa.
Nessa viagem, visitamos a cidade de Arles, onde ficamos no hotel da família
do Max. O Max me contou sobre todas as experiências sexuais que tivera.
Eu nunca soube que ele tinha uma vida sexual ativa. Quanto mais ele falava
sobre isso, mais eu ficava com ciúmes. Eu me questionava o porquê de ele
poder desfrutar de uma vida fantástica, enquanto eu tinha que sofrer tanto
com a solidão e humilhação. Ele me apresentou umas meninas com quem
ele tinha feito sexo no passado, e todas elas eram bonitas. Além do mais,
sua família era extremamente rica e eles tinham uma mansão suntuosa no
interior. Onde existe justiça? Eu pensei. Por que não fui eu que nasci com
essa vida? Eu invejava o Max. A sua vida era o paraíso na terra. Apesar de
invejar Max, eu não conseguia odiá-lo, pelo menos naquela época. Ele foi o
único cara legal que uma vez já se aproximou de mim. Ele me convidou para
visitar a sua casa, e me tratou como um amigo. Por causa disso, eu sempre
terei um profundo respeito por Max Bonon.
James, Steve, e Mark eram a coisa mais próxima que eu tinha de um grupo
de amigos. Eu jogava com eles online quase todo o dia. Participávamos de
muitas aventuras de WoW como um grupo, e ainda assim.... eu me sentia
o excluído do grupo. Steve e Mark apenas me consideravam como um
amigo de jogo, nunca como um amigo de verdade. Descobri que os três
tinham vários encontros de WoW na casa de um deles, mas eles nunca me
convidavam. Às vezes, quando estava jogando com eles online, eu
descobria que eles estavam todos juntos na vida real, e eu era o único
deixado para trás. Sempre que faziam isso, eu dava indiretas para eles no
meio do jogo, mas eles nem se importavam. Até mesmo no mundo de
Warcraft eu era um excluído, sozinho e rejeitado.
O filme do meu pai foi lançado, mas não se deu muito bem. Ele só conseguiu
exibi-lo em alguns cinemas especiais e ninguém se interessou em vê-lo. Ele
estupidamente investiu todo seu dinheiro nesse filme, sem receber
nenhum retorno. Isso fez com que caísse numa crise financeira na qual
ficaria estagnado por muito tempo. Fiquei aborrecido por ele continuar a
deixar bem claro para nós que estava passando por uma “crise financeira.”
Ele falava isso o tempo inteiro, e era vergonhoso.
Que amarga coincidência, bem no momento em que minha vida
despencava ainda mais na agonia, meu pai era assolado com sua crise
financeira. Bem no momento em que eu mais precisava do apoio do meu
pai, ele perdia todos os seus ativos. Era como se um ser maléfico tivesse me
amaldiçoado com a má sorte. Eu realmente não tinha sorte. O universo não
era gentil comigo.
Quando voltei para os Estados Unidos eu me sentia tão aliviado que esqueci
meus problemas por alguns dias e relaxei. Era bom estar de volta para casa.
É onde fica minha luta, bem aqui nos Estados Unidos, e em nenhum outro
lugar.
A sensação de alívio logo passou. Minha vida solitária como um pária da
sociedade recomeçou.
Passei mais alguns dias me acalmando. Então comecei a sentir algo que
havia me abandonado desde há muito tempo: Esperança.
Sem esperança, eu simplesmente não conseguiria chegar mais longe. Eu
precisava ter esperança. Esperança para o futuro, esperança de uma vida
melhor. Ao sentir isso, percebi que talvez seria possível para mim ter as
coisas que desejava; ter uma ótima vida social novamente, ter uma
namorada, fazer sexo, ter todos os prazeres pelos quais ansiava
desesperadamente por tanto tempo. Foi revigorante.
No 4 de Julho, fomos para uma grande festa na casa dos Lemelsons. Lá, tive
uma acalorada discussão com James sobre minha revelação e meus
objetivos. Ele parecia muito satisfeito que eu tinha encontrado um novo
entusiasmo pela vida. Ele admitiu que estava ficando muito preocupado
comigo, pelo rumo que eu estava indo. James estava numa situação similar
à minha. Ele era virgem como eu, nunca se relacionando muito com
meninas em sua vida. Nós dois falamos por horas sobre nossos problemas
e nossas esperanças de superá-los. Era muito bom ter um amigo como
James ao meu lado, que me entendia e que se parecia comigo.
Fiz uma nova conta no Facebook (que ainda uso hoje em dia) num esforço
de melhorar minha vida social. Estando tão perdido dentro de meu próprio
mundo pelos últimos quatro anos, eu não conhecia muito sobre esses novos
sites de mídia social como o Facebook e Myspace. A última vez em que
estive interessado nessas coisas foi quando fiz uma conta AIM, mas
ninguém usava mais.
Uma vez que tinha criado minha conta, era possível me reconectar com
alguns amigos da escola de Topanga. Conversei com Philip pelo Facebook,
e fizemos planos de nos encontrarmos no verão depois de mais de dois anos
sem nos vermos.
Também tentei me reconectar com meus velhos amigos Charlie e John Jo,
relembrando de todas as grandes experiências que tive com eles. Procurei
falar com eles por telefone algumas vezes, mas eles não pareciam
interessados em se encontrar, e consequentemente eu abandonei o
esforço.
Encontrei-me com Philip Bloeser depois de não o ver por dois anos. A última
vez que o vira foi durante o verão em que completei 16 anos. Minha mãe
me deixou em sua casa, e eu não fiquei surpreso em ver que ele continuava
a mesma pessoa; maduro, reservado, um pouco estranho, e propenso a
ataques repentinos de energia pura. Jeffrey também estava lá, e ele ainda
era tão arredio e turbulento como sempre, embora tivesse mudado
bastante na aparência, não sendo mais a criancinha que eu estava
acostumado a ver.
Philip já tinha sua carteira de motorista, então nós dois entramos em seu
carro para encontrar Addison Altendorf, que tinha se mudado para os
Estados Unidos de novo e estava morando com sua mãe num apartamento
em Malibu. Philip e Addison sempre tinham sido grandes amigos um do
outro, e os dois iam a todos os lugares juntos. Eu não tinha visto Addison
desde a escola de Topanga. Num primeiro momento, eu não sabia como
agir com ele. Era como conhecer uma nova pessoa. Ele tinha mudado
tremendamente. Com seu bigode e corte de cabelo, ele parecia mais velho
do que realmente era, cultivando uma personalidade refinada e sofisticada
e usando um blazer elegante.
Ao passar um tempo com Addison naquele dia, comecei a gostar de
conversar com ele sobre política e o mundo. Ele era muito inteligente e mais
informado do que outras pessoas da nossa idade.
Comprei meu primeiro bilhete de loteria quando fui ao shopping com minha
mãe um dia. Paramos numa loja da Ralph onde notei a máquina da loteria.
Eu não sabia nada sobre loteria, então perguntei à minha mãe sobre isso.
Ela me disse como funcionava e me ensinou como comprar um bilhete.
Cada bilhete provia uma chance ínfima de ganhar milhões de dólares, e o
prêmio principal podia acumular para centenas de milhões. Eu não podia
acreditar. Eu não sabia que uma coisa dessas existia! Depois de comprar
meu bilhete, fiquei empolgado com a perspectiva de ter a chance de me
tornar um multimilionário. Esse bilhete, é lógico, não foi contemplado. E
nenhum dos bilhetes que compraria depois, mas eles me deram esperança.
Eu nunca pensei nem me importei com meu dinheiro antes de fazer 18
anos, porque ainda vivia como uma criança, com meus pais administrando
o dinheiro e me dando as coisas de que eu precisava. Contudo, quanto mais
eu crescia, mais eu percebia o quanto o dinheiro era importante, e mais
obcecado eu ficaria em ser rico. Essa obsessão, que mal estava criando
raízes na época, desencadeou um longo relacionamento com a loteria que
só terminaria em decepção e desespero.
Uma noite, na casa do pai, estávamos assistindo ao filme Alpha Dog depois
do jantar. Este filme retrata um monte de adolescentes e jovens festejando
e fazendo sexo com lindas meninas, vivendo a vida que eu desejei por tanto
tempo. O protagonista era um adolescente de quinze anos que fazia sexo
com duas meninas gostosas numa piscina. Eu fiquei com tanto ciúme que
me deliciei com sua morte no final. Eu me lembro de ter pensado que seria
melhor viver a sua vida do que a minha, mesmo que ele tivesse morrido. Ele
tinha sexo e eu não tinha. O filme me afetou emocionalmente em grande
escala, e eu pensaria nele por algum tempo depois disso.
Soumaya voltou do Marrocos, e ela estava muito braba com a forma que
eu me comportei enquanto estive lá. Ela verdadeiramente me chutou para
fora da casa do pai, e porque eu era maior, ela podia fazer isso. O pai não
fez nada para impedi-la, sendo o homem fraco que é. Foi sempre assim. O
pai sempre deu a Soumaya o livre poder de mando para que ela impusesse
as suas regras dentro de casa. Ele lhe dava o poder absoluto.
Esse ato oficialmente terminou com o sistema de uma semana em cada
casa, e a casa da mãe se tornou minha moradia permanente.
Soumaya não apenas me expulsou da casa do pai, mas ela me proibiu até
mesmo de fazer simples visitas. E ainda assim, o pai não fazia nada sobre
isso. O pai vivia dizendo que a casa era tanto dela quando dele, e que por
isso ela tinha o direito de me mandar embora. Não! Eu sou o filho mais
velho! A casa deveria ser MINHA e não dela! Isso fez com que qualquer
respeito que eu ainda tinha por meu pai desaparecesse completamente. É
como uma traição, colocar sua segunda mulher na frente de seu filho mais
velho. Que tipo de pai faria isso? A vagabunda deve ser realmente boa de
cama, eu pensei. Que homem fraco.
Todo dia, eu tentava fazer algum esforço para encontrar meios de melhorar
minha vida. Eu sentia que ficar dentro de meu quarto era perda de tempo.
Eu sabia o que queria, mas não fazia ideia de como conseguir.
Frequentemente eu saía para caminhar pela vizinhança da minha mãe na
esperança desesperada de que alguém fizesse amizade comigo ou que uma
menina conversasse comigo. Nada do tipo nunca aconteceu.
Às vezes eu subia todo o caminho até Overlook, já que o apartamento da
minha mãe ficava bem próximo do outro lado; e às vezes eu caminhava até
o complexo varejista de Calabasas, onde ia até a Barnes&Noble, ler livros,
sempre com a esperança de que alguns jovens como eu iriam se aproximar
e fazer amizade, mas isso nunca acontecia.
Mantinha-me esperando, esperando e esperando. A esperança era o que
me mantinha vivo.
Minha mãe ficou muito braba que eu larguei os estudos na Pierce, muito
embora eu tenha lhe explicado exaustivamente os motivos. Foi quando ela
começou a me pressionar para arranjar um emprego. Conseguir um
emprego era uma coisa que eu nunca tinha pensado antes na minha vida, e
logo percebi que quanto mais velho eu ficasse, mais isso seria esperado de
mim se eu não quisesse ir na faculdade. Para acalmar minha mãe, comecei
a procurar empregos na internet todo dia, mas não conseguia encontrar
nenhum onde eu me encaixasse.
Fui com minha mãe à festa anual de Natal na casa dos Lemelson. Passei a
maior parte do tempo com James, discutindo com ele mais sobre meus
ideais. Também jogamos bastante videogame com Noah e seus amigos.
Noah era realmente interessado em jogos da Nintendo, tendo vários deles.
Jogar com eles me lembrou de um tempo, muito distante no passado, em
que jogava Nintendo 64 quando criança, vivendo alegremente em um
mundo que eu pensava que fosse bom. Eu queria ser uma criança de novo,
para ficar num lugar iluminado longe da cruel realidade desse mundo
sombrio. Eu sempre entesouraria com apreço essas memórias.
Tive que ir às compras de Natal, e decidi fazer isso no complexo varejista de
Calabasas. Eu sempre ia para lá de qualquer jeito. Caminhando por lá, me
deparei com Maddy, que estava acompanhada de seu namorado. Por
alguma razão estranha, eu nunca tinha sentido qualquer atração por
Maddy, não obstante ao fato de que ela era uma garota loira, e eu sou
obcecado por garotas loiras. Talvez fosse porque éramos amigos quando
crianças, eu não sei. Por não me sentir atraído por ela, não sentia tanto
ciúmes quanto alguém poderia imaginar que eu sentiria em tal situação. Eu
ainda era muito deslocado. Eu apenas disse “oi” para ela e rapidamente fui
embora.
Na véspera do Ano Novo de 2010, o dia que marcava o fim de uma década,
eu fiquei muito doente e tive que ficar de cama por toda a tarde assim como
no dia seguinte. Minha mãe ia para a casa de uma de suas amigas, mas ficou
com pena de mim e permaneceu em casa. Passei todo o tempo deitado na
cama, refletindo sobre minha vida. Eu não sabia o que era pior, a dor física
que sentia pela doença, ou a dor emocional e raiva que tinha do mundo. Eu
diria que esta última.
Quando o mal-estar passou na tarde do outro dia, pensei em como isso me
fez desperdiçar meu feriado de Ano Novo no meu quarto, mas depois
pensei que teria feito a mesma coisa de qualquer maneira, estando doente
ou não, porque não tinha amigos com quem comemorar o Ano Novo.
Olhei o perfil de Addison no Facebook com uma de minhas contas falsas e
vi que ele foi para uma grande festa de Ano Novo numa mansão com seus
amigos populares de Malibu. Ele postou várias fotos dele posando com
várias meninas. Eu o odiei muito quando vi isso. O nível de ódio que eu
sentia era absurdo. Ele estava fazendo tudo o que eu queria fazer! Por que
ele e não eu? Eu amaldiçoei o mundo. O que foi visto nunca pode passar
despercebido, e nunca será esquecido, nem mesmo perdoado.
Minha esperança de que um dia teria uma namorada bonita e viveria a vida
que eu desejava lentamente desvaneceu. Voltei ao mesmo lugar miserável
e sombrio que estava no ano passado; sozinho, indesejado, miserável, e
bulindo de raiva pelo mundo. Eu continuava a divagar sobre como alguns
garotos facilmente conseguiam namoradas logo depois de atingir a
puberdade. Eu não conseguia imaginar como eles faziam isso, e os odiava e
os desprezava por isso.
Eu continuava a pensar sobre Leo Bubenheim, e como ele beijou a menina
Nicole na Cantina Sagebrush com apenas doze anos. Doze anos! Ele era
capaz de ter uma experiência íntima com uma menina quando tinha apenas
doze anos; e lá estava eu com dezoito anos, ainda um boca virgem. Minha
raiva de Leo se tornou uma obsessão. Eu continuava pedindo à minha irmã
mais informações sobre ele, mas ela se recusava a contar qualquer coisa.
Eu me perguntava estarrecidamente se ele já tinha perdido a virgindade, e
era o mais provável. Ele era uma criança popular, e as meninas o desejavam.
Leo estava vivendo felizmente a sua vida paradisíaca com a presunção de
que fosse importante para o mundo, enquanto eu tinha que afundar na
miséria e solidão.
A vida é injusta. Uns podem aceitar esse fato, admitindo a sua derrota;
outros podem aproveitar sua força para lutar contra ela. Meu destino era
lutar contra a injustiça do mundo.
Em meu último dia trabalhando para Karl, decidi parar na casa do pai para
tomar um refresco. Eu estava bastante sedento pelo passeio de bicicleta.
Entrei em casa sem bater na porta porque eu acreditava que tinha esse
direito. Como filho mais velho, a casa deveria ser minha depois de meu pai.
Soumaya ficou indignada em me ver, e ficou braba porque eu não tinha
batido na porta. Para me ensinar uma lição, ela me mandou voltar lá fora e
bater na porta. Eu dispensei, dizendo que ela não tinha mais o direito de
ficar me mandando. Então me servi um copo de água. Soumaya bateu o
copo de água da minha mão e ele se quebrou no chão. O pai gritou com
raiva descendo as escadas de seu escritório para saber o que estava
acontecendo. Nós três tivemos uma ferrenha discussão, e é claro que o pai
ficou do lado da Soumaya. Os dois me mandaram embora de casa dizendo
que eu não era para voltar mais. Senti-me traído e humilhado enquanto
furiosamente fazia meu caminho de volta para a casa da mãe. A partir
daquele momento odiei a ambos, e não voltei a vê-los por muitos meses.
Por esses meses, meu pai estava morto para mim. Minha mãe era tudo que
me restava neste mundo sombrio.
Naquela mesma semana, tive um encontro determinante com Philip e
Addison, onde minha rivalidade nociva com Addison Altendorf atingiu um
ponto de ebulição. Saímos para um passeio no Observatório Griffith Park,
como geralmente fazíamos quando nos reuníamos. Dessa vez, minha
discussão com Addison foi muito intensa. Tentei ultrajá-lo tanto quanto
podia, numa tentativa mesquinha de me vingar de todos os insultos e
imprecações que ele dirigiu a mim. Passamos toda a tarde brigando um
contra o outro, para desgosto do pobre Philip, que teve de aturar isso. No
final da noite, Addison disse uma coisa para mim que foi tão ofensiva que
me atormentaria para sempre, pois soou verdadeira: “Nenhuma menina
neste mundo jamais irá querer transar com você.”
Eu já sentia que nenhuma menina no mundo gostaria de transar comigo. Eu
era um boca virgem, além do mais. Essa era a verdadeira razão pela qual eu
sofria. Mas ouvir isso de outra pessoa, alguém como Addison, realmente
fez com que atingisse o âmago de minha psique e emoções.
Toda aquela noite foi uma experiência muito vil e perversa. Decidi não ver
Philip e Addison por muito tempo.
Em virtude de que eu não estava mais vendo Philip e Addison, James foi
mais uma vez meu único amigo. Eu conversava com ele constantemente
pelo Skype. Às vezes eu ia até a sua casa, onde saíamos para nossas
tradicionais caminhadas pelo centro de Palisades. James ainda jogava
WoW, e estava tentando me fazer voltar. Eu fiquei bastante tentado.
Depois de tudo o que eu tinha passado nos últimos meses, sentia a urgência
de me afundar mais uma vez naquele vazio. Encarar o mundo era difícil e
me custava muito, principalmente porque eu não via resultados. Eu ainda
me encontrava na mesma posição em que sempre estivera: Sozinho,
indesejado, e miserável.
Descobri que minha mãe estava na verdade namorando com Jack, o homem
rico que era dono da casa na praia em Malibu. Eu sempre imaginei que ele
fosse apenas um amigo. Minha mãe e minha irmã nunca me contavam
sobre os parceiros com quem namoravam. Elas sempre mantinham isso no
mais alto sigilo. Eu ainda não tinha conhecido Jack. Seu patrimônio líquido
superava os 500 milhões de dólares, e ele tinha outras mansões em Bel Air
e em Beverly Hills.
Quando fiquei sabendo disso, comecei a alimentar a esperança de que
minha mãe ia se casar com esse homem, e que eu faria parte de uma família
rica. Isso definitivamente seria uma saída para minha vida miserável e
insignificante. O dinheiro resolveria tudo. Comecei a pedir frequentemente
à minha mãe que arranjasse casamento com esse homem, ou com qualquer
homem rico. Ela sempre recusava veementemente, e pedia que eu parasse
de falar sobre isso. Ela disse que nunca queria se casar de novo depois da
experiência que teve com meu pai. Eu lhe disse que ela deveria sacrificar
seu bem-estar para a minha felicidade, mas isso apenas a ofendeu ainda
mais.
Minha renovada esperança me deu consolo por alguns dias, mas não
duraria. Moorpark logo se tornou um lugar de solidão e desespero, assim
como em qualquer outro lugar onde tentei prosperar. A gota d’água foi
quando vi um casal bem aparentado caminhando pela área onde eu
sonhava em caminhar com uma namorada. Ver um outro cara fazer isso,
com uma menina bonita que deveria ser minha, era um inferno. Eu
constantemente me perguntava o que eu fazia de errado na vida, para ser
incapaz de ter uma namorada bonita.
Não era melhor dentro de sala de aula. Havia um atleta desagradável com
um corte de cabelo raspado que estava tendo aulas com sua linda
namorada. Eles sempre sentavam perto um do outro, conversando e se
tocando com afeto. Todo dia eu tinha que assistir a isso, e meu ciúme
crescia e crescia. Eu constantemente olhava para eles com puro ódio. O que
eu faço de errado que ele faz certo? Eu gritei para o universo no caminho
de casa. Por que ele merece o amor de uma menina bonita, e eu não? Por
que as meninas me odeiam tanto? Perguntas e mais perguntas. Tudo o que
eu podia era questionar por que eu sofria tanta injustiça na vida.
Minha mãe uma vez me disse que eu deveria ser escritor, porque eu teria
algum talento para a escrita. Isso soava estranho. A minha vida inteira eu
nunca tive talento para nada. Eu era muito fraco fisicamente para praticar
esportes com outros garotos quando criança; eu nunca me tornei um
profissional do skate, não importando o quanto treinasse; e eu nunca fui
muito habilidoso nos videogames... até mesmo em World of Warcraft.
Steve e Mark conseguiam jogar com seus personagens com mais destreza
do que eu jamais consegui, e eles começaram a jogar muito depois de mim.
No fundo, eu sempre soube que eu não tinha talentos, e eu sempre tentava
não pensar muito nisso.
De fato, era estranho ouvir minha mãe dizendo que eu poderia ser um
escritor, mas isso me deu uma ideia. Comecei a imaginar se eu pudesse de
verdade ser um escritor. Eu poderia escrever um romance de fantasia épica
que se tornaria um filme, e assim eu ficaria rico. Ser rico me faria atraente
o suficiente para ter uma bonita namorada. Não era impossível, e trabalhar
para isso me daria uma razão para viver. Refleti sobre isso em minha mente
por um tempo.
Fomos para a casa na praia do Jack em Malibu para passar algumas noites
de novo. Minha mãe me ligou para me contar os planos enquanto eu estava
na faculdade. Tinha sido um dia solitário e deprimente, e fiquei feliz por
poder ter um pouco de descanso na linda casa de praia. Fui para lá dirigindo
imediatamente após a aula em Moorpark.
A mãe tinha alguns de seus amigos junto, e ela comprou uma variedade de
quitutes deliciosos. Depois de me empanturrar com porções de todos os
pratos e beber várias taças de vinho, fiz uma longa e tranquila caminhada
pela praia, desejando ter uma namorada para caminhar ao meu lado. Antes
de dormir, pensei mais na possibilidade de ficar rico. Se eu fosse milionário
e tivesse uma casa como aquela em que estava passando a noite, eu
poderia ter qualquer garota que quisesse. Estar numa posição dessas
compensaria toda a miséria que eu teria enfrentado no passado... e
compensar isso era o objetivo mais importante da minha vida. Meu único
objetivo era me sentir satisfeito com a vida que levava.
Eu não conseguia mais ficar vendo aquele maldito casal na minha sala de
aula. Nunca entendia o que aquela menina bonita via em seu namorado
brutamontes. Aquele cara podia curtir a sua vida universitária com sua
bonita namorada ao seu lado, enquanto eu estava sozinho. Isso me fazia
sentir muito inferior. Eu tinha de vê-los juntos, todo o santo dia. A tortura
era insuportável. Quando cheguei da faculdade um dia, decidi furiosamente
largar a aula.
Eu não pensei em como minha mãe reagiria comigo se eu largasse a
faculdade. Sabia que ela ficaria muito desapontada, e não podia permitir
que ela ficasse desapontada comigo. Eu estava contando com ela para tudo.
O que ela me deu, ela poderia facilmente tirar. Entrei em pânico e resolvi
arrumar um emprego para acalmá-la.
Meu décimo nono aniversário foi sorumbático, e fez-me sentir ainda mais
derrotado. Dezenove anos e ainda virgem, eu proferi miseravelmente nesse
dia. Meu pai nem se dignou a dar um telefonema. Em vez disso, ele me
mandou uma carta desejando um feliz aniversário e dizendo que queria que
eu me desculpasse com Soumaya, o que evidentemente me recusei a fazer.
O laptop que ganhei com dezessete anos havia sido infectado por vírus,
então minha mãe me comprou um novo, ainda melhor, para o meu décimo
nono aniversário. Escolhi um que pudesse suportar jogos muito bem,
porque tinha recentemente tomado a decisão de recomeçar a jogar World
of Warcraft. Eu não conseguia aguentar mais a angústia da minha vida, e
precisava de uma trégua, não importando o dispêndio de tempo e o pouco
saudável que fosse para mim jogar WoW.
19 Anos
Ao configurar meu novo laptop, imediatamente instalei meus CD’s de
WoW. Loguei na minha conta e dei uma conferida em todos os meus
personagens que não tinha mexido por um ano e meio. Bem quando loguei
em meu personagem principal, fui contatado por James, e ele me convidou
para me juntar em um grupo online com ele, Steve, e Mark. Todos eles me
deram uma calorosa boas vindas de volta ao jogo.
E lá eu estava, mais uma vez preso no vazio sem esperança; na exata
posição que estava com quatorze, quinze, dezesseis e dezessete anos.
Apesar de todos os esforços que fiz para melhorar minha vida aos meus
dezoito anos, não tinha nada para mostrar. Sem amigos, sem meninas, sem
vida.
Comecei a ir mais seguido para a casa do James, uma vez que agora eu era
habilitado a dirigir até sua casa e assim podíamos jogar WoW juntos de
novo. Ver meu amigo James era sempre aprazível de alguma forma. Ele era
meu companheiro de virgindade, pois ele também não atraía a atenção das
meninas, e tenho certeza que ele sofria com isso, mas não tanto quanto eu.
Eu ficava muito perplexo pelo fato de que ele não sentia nenhuma raiva das
meninas por negarem sexo a ele. Ele deveria estar tão brabo quanto eu.
Cogitei que ele não tivesse um desejo sexual muito alto, ou ele era apenas
uma pessoa fraca de um modo geral.
Ficar brabo com as injustiças que alguém sofre é um signo de força. É sinal
de que alguém tem a força de vontade para lutar contra essas injustiças, em
vez de baixar a cabeça e aceitar isso como seu destino. Ambos meus amigos
James e Philip pareciam ser o tipo fraco e que aceita as coisas; ao passo que
eu sou o lutador. Ninguém pode me ofender, e eventualmente terei minha
vingança contra todos aqueles que me insultaram, não importa quanto
tempo demore.
Pelo resto do verão, relaxei e joguei WoW com James, Steve, e Mark; como
nos velhos tempos. Eu também comecei a ler uma nova série de livros
chamada As Crônicas de Gelo e Fogo, escrita por George R.R. Martin. Essa
série de fantasia medieval era espetacular. O primeiro livro da série era A
Guerra dos Tronos, e depois que li o primeiro capítulo eu simplesmente não
podia parar de ler. Era nada comparado ao que eu já tinha lido antes, com
uma vasta gama de personagens complexos, alguns dos quais eu me
identificava. Descobri que seria adaptado para uma série da HBO, e fiquei
muito ansioso por ela.
Mergulhar em histórias fantásticas como as de WoW e Guerra dos Tronos
não fazia com que eu esquecesse de todos os meus problemas na vida, mas
elas me davam uma temporária e agradável sensação de fuga, o que eu
precisava de tempos em tempos. A vida seria impossível de lidar sem esses
refúgios temporários.
Com pouco tempo fui a um desses jantares na casa do pai. Foi uma
experiência estranha, ter um jantar com os dois depois de toda aquela
tensão. Não tocamos naqueles assuntos e falamos sobre coisas agradáveis.
Era bom ver meu irmão Jazz de novo. Fiquei chocado em como ele tinha
crescido nos últimos meses. Ele não era mais um bebê, mas um menino de
cinco anos quase a completar seis. Eu já podia ter longas conversas com ele.
Ele era um menino bastante sociável, e também muito agitado... e isso
começou a me preocupar. Logo ele poderia se tornar em uma daquelas
pessoas que eu desprezava e odiava tanto. Senti um pouco de inveja que
meu irmão de cinco anos era tão bem versado no trato social com essa
pouca idade. Eu sempre sofri com timidez e ansiedade social, mas Jazz não
parecia ter esse problema.
Tratei de esquecer essa preocupação. Ele era meu irmão, e realmente se
parecia comigo. Ele era uma das poucas pessoas que me tratavam da
maneira que eu queria ser tratado, com respeito e adoração. Gostava de
passar meu tempo com ele.
Conforme eu ficava mais acostumado a dirigir meu próprio carro,
frequentemente saía para o que eu chamava de “passeios noturnos” pela
vizinhança de minha mãe. Eles quase substituíram as longas caminhadas
que eu costumava fazer de tarde. Ficar dentro do meu quarto apenas
aumentava minha depressão. Era sufocante. Para amenizar esse sufoco,
frequentemente eu ia para meu carro de noite, ligava o rádio, e saía
dirigindo sem nenhum destino específico. A música “Two Is Better Than
One” sempre tocava no rádio quando saía para meus passeios noturnos. Ela
me fazia sentir muito triste, embora fosse tranquilizante ao mesmo tempo.
Essa música sempre me fará lembrar da solidão que sentia nesses passeios.
Logo aprendi pelo modo mais difícil a não sair para esses passeios noturnos
nas sextas e sábados. Era quando os adolescentes estavam na rua e
circulando. Mesmo no bairro residencial e pacífico em que minha mãe
morava, com frequência eu via bandos de adolescentes vagando pelas ruas.
Eles eram do ensino médio, mais novos do que eu; a maioria skatistas
marginais ou jogadores de futebol americano com suas bonitas namoradas
ao lado. A visão deles me enfurecia sem tamanho. Fazia-me lembrar da vida
que eu estava perdendo. Provavelmente eles estivessem indo para uma
festa na piscina, onde ficariam bêbados e transariam e fariam todas as
coisas divertidas que eu nunca tinha a chance de fazer. Que se danem
todos!
No dia de Natal o pai deu uma grande festa em sua casa. Eu fui convidado,
já que tinha voltado a falar com eles. Ganhei algumas camisetas novas para
o Natal, então decidi usar uma para a ocasião. Eu não tinha visto nenhum
dos amigos do pai por um bom tempo, e era agradável de se reunir com
eles novamente. Os Bubenheims não estavam lá; o pai tinha recentemente
brigado com Alex, terminando abruptamente com sua amizade. Acredito
que assim era melhor. Se Leo estivesse na festa, eu provavelmente teria
entrado numa luta violenta com ele. Meu ódio de Leo era tão grande que
eu desejava me bater contra ele. Queria feri-lo. Não poderia deixar ele se
safar depois dos insultos que ele dirigiu a mim no passado.
Alguns amigos da família felicitaram a minha presença, e isso me fez sentir
um pouco melhor comigo mesmo. É algo peculiar como um simples sorriso
ou um aperto de mão podia mudar completamente como eu me sentia em
relação ao mundo por alguns momentos.
Meu pai me deu um livro chamado O Segredo depois que eu jantei em sua
casa em fevereiro. Ele disse que ele iria me ajudar a desenvolver uma
atitude positiva. O livro explicava os fundamentos de um conceito
conhecido como a Lei da Atração. Eu nunca tinha ouvido ou lido sobre uma
coisa dessas antes, e fiquei intrigado. A teoria afirmava que os pensamentos
de uma pessoa estão conectados a uma força universal que pode moldar a
realidade no futuro. Sendo alguém que sempre gostei de fantasia e magia,
e que sempre desejei que tais coisas fossem reais, fui tomado por uma onda
temporária de entusiasmo com esse livro. A perspectiva de que eu poderia
modificar meu futuro apenas visualizando em minha mente a vida que
queria me encheu com uma onda de esperança de que a minha vida podia
ser feliz. A ideia era ridícula, é claro, mas o mundo já é um lugar tão ridículo
que não custava tentar. Além do mais, estava tão desesperado por algo
para viver que eu queria acreditar na Lei da Atração, mesmo que ela se
provasse para mim como irreal.
Assim que terminei de ler, dirigi até Point Dume, em Malibu, e escalei os
penhascos até ver o precipício. Era um dia ventoso, e abaixo de mim o
oceano se agitava. Quando a noite caiu, olhei para as estrelas e proclamei
ao universo tudo o que eu queria em minha vida. Proclamei como eu queria
ser milionário, para então ter uma vida luxuosa e finalmente conseguir
atrair as garotas que tanto desejava. Eu queria compensar os anos de
juventude perdida na solidão sombria, e com isso, me vingar de todos
aqueles que se achavam melhores do que eu, tornando-me melhor do que
eles simplesmente por meio do acúmulo de riquezas. Eu acreditava que a
única maneira de conseguir essa riqueza naquela época era ganhando na
loteria, e era isso que eu me visualizava fazendo.
Em seguida, desci o penhasco em Point Dume e caminhei ao longo do
oceano de Malibu, assim como fizera alguns meses antes na casa de praia.
Vi um casal caminhando à minha frente pelo litoral; o homem parecia ter
quando menos vinte e quando muito trinta anos, e a menina que estava
caminhando ao seu lado parecia uma modelo. Presumi que ele fosse muito
rico e possuísse uma bela casa em Malibu. Os dois estavam andando de
mãos dadas, e vi ele subitamente colocar a mão na bunda dela bem naquela
hora. Ele estava vivendo a vida. Ele estava no paraíso. Eu estava com
ciúmes, mas considerando que aquele homem era mais velho do que eu,
isso também me deu um sopro de esperança, especialmente depois de
minha proclamação ao universo no penhasco. Se me tornasse um
multimilionário, eu também poderia andar na praia com uma namorada
bonita, e minha vida então seria completa. Era isso o que eu queria. Era isso
o que eu desejava para meu futuro. Como sempre acreditei, eu sou
destinado para a grandeza. Tornar-me um multimilionário com pouca idade
era o que eu merecia.
Minha fé logo foi quebrada, pois comprei alguns bilhetes da loteria Mega-
Millions e me imaginei sendo o vencedor. Eu normalmente fazia isso
meditando no telhado do apartamento da minha mãe bem na hora do
sorteio. Uma parte de mim sabia que era impossível querer que o universo
me fizesse o ganhador apenas desejando isso em um telhado, mas eu
estava tão desesperado que queria acreditar que podia. Eu queria acreditar
que tinha o PODER para fazer isso. Depois de não conseguir ganhar porque
o prêmio acumulado foi para outra pessoa qualquer, perdi toda a fé nesse
livro, e quase rasguei ele no meio por causa da frustração.
Ponderei se havia outra maneira de fazer milhões de dólares na minha
idade, mas nenhuma ideia me ocorreu. Percebi que minha vida miserável e
solitária de virgem continuaria, e minha última esperança era dar uma
chance para Santa Bárbara.
Ainda estava fazendo aulas de caratê com James e Rob Lemelson toda
semana. A maioria das vezes Rob não podia ir porque estava ocupado com
alguma coisa, então era praticamente apenas eu e James indo juntos. Era
uma tradição aprazível na sexta-feira à noite que já durava muitos meses, e
eu aproveitava a chance que ela me dava de sair com James e ter alguma
forma de interação social. Ultimamente, no entanto, as coisas estavam
começando a ficar tensas.
Eu ficava constantemente irritado por não estar melhorando meus
movimentos de caratê na aula, e aquele garotinho ainda me tratava com
desrespeito porque eu ainda era faixa branca e ele era faixa marrom. Eu
também ficava frustrado que James era muito mais forte do que eu
fisicamente, e muito mais habilidoso no caratê. Durante as sessões de
sparring, às vezes a profunda raiva acumulada dentro de mim por uma vida
de injustiças vinha à tona, e eu usava essa raiva para me dar vantagem
quando lutava contra James e outros alunos. O professor de caratê não
gostava disso, e eu era criticado. Descobri que a raiva me deixava eufórico
quando a utilizava para lutar e a aproveitava de uma forma agridoce.
Depois de nossa aula de caratê, quando eu e James íamos jantar em um
restaurante em Palisades, por vezes eu ficava com muita raiva quando via
um grupo de adolescentes, ou um casal adolescente. Constantemente eu
falava a James com raiva veemente sobre minha inveja e ódio dessas
pessoas. Eu lhe contava em como desejava fazer todas elas sofrerem.
Tínhamos várias conversas sobre o que faríamos se tivéssemos todo o
poder do mundo, e eu lhe contava sobre todos os tormentosos atos de
vingança que eu aplicaria contra todos aqueles que me insultaram ou que
tinham uma vida melhor do que a minha. Eu pensei que James fosse
concordar comigo, uma vez que ele também era virgem e não tinha
meninas em sua vida, mas algumas das coisas que disse começaram a lhe
perturbar. Uma noite, ele me disse, e com bastante cansaço, que já bastava.
Ele não queria mais ouvir aquilo. Foi na mesma noite em que decidi sair da
aula de caratê.
Não falei mais com James até que nós dois comparecemos à festa de
aniversário de Rob Lemelson no final da primavera. Foi celebrada em um
restaurante de alto padrão em Los Angeles, e a família dos Lemelsons
alugou uma sala reservada com sete mesas para o evento. A comida era
tremendamente saborosa, e o vinho era requintado. A safra era de 1985, e
provavelmente cada garrafa custasse mais do que mil dólares.
Eu estava sentado perto de James na “mesa dos adolescentes”, e nessa
mesa estava ninguém menos do que Julian Ritz-Barr! Não o via desde o
tempo em que andava com Charlie, John Jo, e Elijah... Isso fora há sete anos.
O idiota nem se lembrava quem eu era. Descobri que seu pai e Rob eram
bons amigos. Quando mencionei ele anteriormente na história, disse sobre
como eu o odiava, e esta foi a noite onde tudo começou. Havia algumas
meninas em nossa mesa, filhas dos amigos de Rob. Uma delas era bonita,
eu acho que era filha de Pietro Scalia, um renomado editor de filmes; ela
tinha olhos muito sexy, e era alta... Sempre tive uma queda por garotas
altas, e essa era quase mais alta do que eu. Tinha de sofrer vendo Julian
falando meloso com todas as meninas. Ele agia de modo tão confiante, e a
maneira que a menina bonita olhava para ele com aqueles olhos sexy... era
um olhar que nenhuma menina jamais lançou para mim. Posso dizer que
ela estava atraída por ele.
Eu ficava mais raivoso a cada segundo que tinha que sofrer esse tormento.
As meninas me tratavam como se eu fosse invisível, mas todas prestavam
atenção em Julian. O que piorava ainda mais a situação era que Julian era
um ano mais novo do que eu, e agia como um boca aberta, e mesmo assim
as meninas gostavam dele! Quanto mais eu ficava com raiva, mais vinho eu
bebia. James provavelmente se preocupou em como eu estava ficando com
raiva, porque tentou introduzir conversas fiadas para me distrair de Julian.
Era difícil aguentar para não me levantar e derramar todo meu vinho sobre
a cabeça estúpida de Julian. Talvez eu teria feito isso... se o bolo de
aniversário não tivesse sido servido tão logo. Todo mundo se levantou para
cantar parabéns para Rob, e então o jantar foi encerrado. Alguns dos
convidados foram embora, assim James e eu nos transferimos para uma
outra mesa. Quando a festa terminou, eu tinha consumido oito taças de
vinho safra 1985. Eu não podia beber, mas ninguém pareceu notar. Saí
literalmente cambaleando do restaurante.
Vi James depois de algumas semanas, e essa seria a última vez que o veria
por bastante tempo. Foi em outro jantar que Rob deu em sua casa em
Palisades, no entanto sem nenhuma razão especial. Dessa vez, outra pessoa
que era alvo de meu ciúme extremo estava lá; seu nome era Roy, um rapaz
da Indonésia que era filho de um empregado da casa de Rob. Ele era quatro
anos mais novo do que eu e James, e tinha prazer em gargantear seu
sucesso com as meninas. James não parecia se importar, para minha
ultrajada surpresa. Eu, por outro lado, mal podia tolerar aquele pequeno
verme.
Durante o jantar, James e eu frequentemente saíamos para ter conversas
sobre nossas fantasias. Sabiamente eu me continha a ser muito extremista
no que dizia, então conseguimos sair com alguns cenários bem
interessantes. Por exemplo, discutimos sobre o que faríamos se
descobríssemos que tínhamos certos poderes mágicos, e isso evoluía para
criarmos nossas próprias histórias da glória que atingiríamos em tal
condição. Eu falava em como usaria meus poderes para ordenar o mundo e
deixar tudo correto, e James tinha ideias similares. Parecia que estávamos
nos acertando muito bem, mas depois dessa noite James se recusaria a falar
comigo por vários meses.
PARTE SEIS
Santa Bárbara: Fim de Jogo (Idade 19 a 22 anos)
Num sábado, 4 de junho de 2011, eu carreguei os meus pertences mais
importantes para dentro do meu carro, me despedi da minha mãe, e saí
dirigindo para encarar meu destino na bela cidade litorânea de Santa
Bárbara. Estava chovendo quando cheguei nas proximidades, e tive uma
sensação de mau agouro ao entrar em Isla Vista, meu novo lar. Meu pai
estava me esperando do lado de fora do prédio; ele tinha vindo para me
ajudar com a mudança.
Caminhamos até o escritório de locação onde nos deram meu novo molho
de chaves, e então um dos funcionários me levou até o apartamento em
que eu ficaria por um mês. Fui apresentado a dois novos colegas de
apartamento que ficariam ali por apenas mais uma semana. Um deles se
chamava Artem, um estudante russo quieto que foi para a UCSB; e o outro,
cujo nome eu não me lembro, era um cara alto loiro, estilo surfista, que foi
para a SBCC. Fiquei incomodado em como ele era alto e bem aparentado,
embora não demonstrasse esse incômodo.
Depois de descarregar todas as minhas trouxas, o pai e eu fomos para um
rápido almoço antes de me despedir dele. E foi assim. Pela primeira vez em
minha vida, eu estava vivendo de forma independente, a quilômetros de
distância de meus pais, em uma nova cidade. Senti uma súbita ansiedade,
medo e tremores; mas também senti uma esperança de que minha vida
poderia mudar para melhor. Troquei algumas conversas com meus colegas
de apartamento, e eles pareceram bastante legais. Era difícil de acreditar
que eu estava morando num apartamento com dois estudantes
universitários que nem conhecia até aquele dia, especialmente para alguém
como eu, que sempre tinha tido uma interação social mínima com outras
pessoas jovens. Isso parecia tão estranho e peculiar. Eu estava incerto do
que esperar, e a ansiedade que sentia dessa incerteza era esmagadora, mas
sabia que tinha que encarar. Sabia que era a maior mudança de minha vida.
Minha vida estava finalmente mudando, e eu tinha que dar o melhor para
que fosse uma mudança positiva.
Logo a primeira noite já foi traumática e me deu uma prova muito ruim de
tudo que viria. Pela minha janela escutei um monte de estudantes fazendo
festa lá fora, e pensei, com uma grande dose de medo, em como um dia eu
seria capaz de me juntar em sua fuzarca. Essa era a razão pela qual eu
estava ali, afinal. Eu não me imaginava capaz disso. Tarde da noite, escutei
um homem e uma menina fazendo sexo no apartamento acima do meu.
Apenas saber que outros jovens conseguiam desfrutar dos prazeres do sexo
enquanto eu não tinha nada disso sempre me encheu de raiva invejosa,
assim como um ódio amargo pelo mundo; mas seria preciso escutar eles
fazendo isso? Assim era ainda mais traumatizante. Eu havia me preparado
para isso, todavia. Tinha feito muitas pesquisas sobre a vida universitária na
cidade de Isla Vista, e sabia que os estudantes faziam muito sexo lá. Tinha
uma leve suspeita de que eventualmente eu pudesse escutar ou até mesmo
ver as pessoas fazendo essas coisas se morasse naquele ambiente. Droga,
a razão para eu ter mudado para lá era porque era um lugar sexualmente
ativo. Eu também queria ser sexualmente ativo. No entanto, quando
escutei aquele casal fazendo sexo acima de mim, não podia deixar de me
sentir vil e miserável com isso. Tentei me acalmar e me convencer de que
em breve estaria fazendo exatamente a mesma coisa. Como eu estava
errado.
Depois de alguns dias decidi largar minha aula de história. Eu não conseguia
aguentar ver aqueles imbecis populares conversando com todas as meninas
bonitas da sala. As meninas realmente gostavam deles! Eu deveria ser a
pessoa a quem elas prestassem atenção, mas elas me tratavam como se eu
fosse invisível. Eu não queria me torturar por mais tempo. Senti culpa ao
fazer isso, porque tinha feito um juramento de dar o melhor de mim em
Santa Bárbara. Estando livre dessa aula, tive uma sensação de alívio. Ainda
estava matriculado na cadeira de geografia, e era apenas pela temporada
de verão. Tinha muito tempo para compensar isso.
Meu pai veio até Santa Bárbara para se encontrar comigo alguns dias
depois. Fomos almoçar em um restaurante no Centro Comercial Camino
Real, um lugar onde eu tinha o costume de frequentar. Quando sentamos
em nossa mesa, vi um jovem casal sentado a poucas mesas da fila. A visão
deles me enfureceu, especialmente porque era um mexicano pardo se
encontrando com uma menina loira. Considerei isso como um grande
insulto à minha dignidade. Como podia um mexicano inferior ser capaz de
se encontrar com uma menina loira, enquanto eu ainda sofria sozinho
sendo virgem? Fiquei com vergonha de estar numa posição inferior dessas
na frente de meu pai. Quando vi os dois se beijarem, eu mal podia controlar
minha raiva. Levantei abruptamente da cadeira, e estava prestes a ir lá e
despejar meu copo de refrigerante sobre suas cabeças. Provavelmente teria
feito isso, se o pai não estivesse ali. Eu estava fervendo de raiva invejosa, e
meu pai estava ali para observar tudo. Foi tão humilhante. Eu não era o filho
do jeito que queria ser para meu pai. Eu é que deveria estar com aquela
loira, fazendo meu pai se sentir orgulhoso. Em vez disso, meu pai tinha de
assistir-me sofrer numa situação patética daquelas. A vida é muito cruel
comigo. Quando me despedi de meu pai antes de ele ir para casa, sentia-
me absolutamente miserável. Então voltei para meu quarto e fiquei
chateado por horas.
20 Anos
Permaneci em minha cidade de casa por uma semana. Um dos meus
presentes de aniversário foi um cartão de vale-presente na Nordstrom. Eu
gastei-o num par de camisas polo novas que me fizeram sentir um pouco
mais confiante. Comprar roupas novas sempre me dava um impulso
temporário de confiança, e eu recorria a isso como um viciado em drogas.
Antes de voltar para Santa Bárbara, me reuni com Philip e Addison depois
de um longo período sem vê-los. Nos encontramos no complexo varejista
de Calabasas, então fomos no carro de Philip para algumas aventuras em
Malibu. Acabamos parando no Starbucks e tendo algumas conversas
reveladoras. Addison tinha mudado e amadurecido tremendamente, e não
estava mais saindo com os estudantes populares de Malibu. Isso não
alterou meu ressentimento dele, e eu continuava a confrontá-lo o tempo
inteiro sobre a maneira desrespeitosa que ele me tratara há mais de um
ano. Depois de muita discussão, concordamos em resolver nosso conflito.
Isso não significava que eu tinha esquecido todas as injúrias que ele dirigiu
a mim no passado. Eu nunca esqueço. Eu nunca perdoo. Um dia mostrarei
a ele como eu sou superior.
No dia seguinte a ter visto Philip e Addison, fui para a casa de James. Ele
não tinha estado lá por eras, e revivemos nossas tradicionais caminhadas
perto do centro de Palisades, como nos velhos tempos. Parecia estranho e
nostálgico experienciar isso depois de tanto tempo, especialmente depois
de ter passado por tantas mudanças em Santa Bárbara. Contei a James
sobre meu tormento de ser virgem aos vinte anos, e sobre minha
desesperada esperança de que as coisas melhorassem quando eu
começasse o semestre de outono em minha nova universidade. Falei de
todas as meninas loiras bonitas que via caminhando pela universidade, e
meu desejo profundo de que um dia eu teria uma delas como minha
namorada. James simpatizou comigo, porque ele também estava passando
por problemas semelhantes na vida. Ele parecia satisfeito de que eu
finalmente estava dando alguns passos para conseguir mudanças em minha
vida.
Num dos finais de semana que fui para casa em agosto, minha mãe estava
de saída do condomínio Versailles, e se mudou para o Summit Townhomes,
próximo da Warner Center. Foi uma decisão abrupta se mudar para lá.
Ajudei-a a empacotar tudo e assisti os caras da mudança levando todas suas
coisas para o novo lugar. O Summit era muito mais bonito do que o antigo
apartamento; diria isso dele. Era uma casa geminada com um quarto no
andar de cima que eu ocuparia sempre que voltasse para casa.
Fiquei contente que ela se mudou para um lugar melhor, mas teria ficado
muito mais se ela se casasse com um homem rico e se mudasse para sua
mansão. Muito embora não estivesse mais se encontrando com Jack, ela
saía com outros homens de classe alta. Ela tinha um modo especial de
cativá-los. Continuei a atazaná-la para que se casasse para que assim eu
pudesse fazer parte de uma família de classe alta e aproveitar todos os
benefícios que viriam atrelados, mas ela sempre se recusava, alegando que
nunca queria se casar de novo devido às experiências desagradáveis tidas
com meu pai. Eu disse-lhe que ela deveria sofrer com eventuais aspectos
negativos do casamento apenas para o meu bem, porque isso salvaria
minha vida completamente, mas ela ainda assim se recusava.
Fui para a casa de James durante minha visita de final de semana. Nós
conversávamos bastante online, e quando lhe disse que estava na cidade,
ele pareceu ansioso para me ver. Eu também estava ansioso para vê-lo,
porque ele era meu amigo mais chegado e eu tinha muito o que contar para
ele. Dirigi até sua casa no Cânion de Topanga sem saber que seria a última
vez que o visitaria.
Fizemos o que costumeiramente fazíamos. Caminhamos pelas falésias de
Palisades onde discutimos sobre nossos sonhos e esperanças. Então fomos
ao centro de Palisades para jantar. Dessa vez escolhemos comer no Panda
Express. Enquanto estávamos jantando, alguns jovens do ensino médio
entraram. James os viu primeiro, e bem quando os viu ele disse estas
palavras: “Estamos fodidos.” James sabia que eu teria problemas com eles.
Eram caras populares que tinham um bando de meninas bonitas junto com
eles. Um deles se sentou com duas meninas, colocando sua perna em cima
de outra cadeira com um sorriso malicioso no rosto. Eu fiquei lívido de raiva,
e queria derramar meu copo em cima de sua cabeça. James sabia
exatamente o que eu estava planejando; ele já tinha passado por incidentes
similares comigo antes. Ele fez um grande esforço para tentar me dissuadir
de agir com minha raiva, pontuando que havia um segurança ali perto. Eu
fiz a única outra coisa que poderia fazer; embrulhei meu jantar e saí do
restaurante, fugindo na derrota e envergonhado. James logo me seguiu, e
decidimos acabar o jantar em sua casa.
Uma aura sombria e sinistra pousou sobre nossa amizade nesse dia.
Quando voltamos para a casa de James, eu ainda estava fervendo de raiva.
Eu não entendia por que James não ficava brabo como eu. A visão a que
testemunhamos era difícil de assistir. Ver outro macho tendo sucesso com
as fêmeas é tortura para machos como nós que não temos sucesso com as
fêmeas. Eu estava com tanta raiva que disse a James todos os atos de
vingança que queria executar naqueles caras populares. Contei-lhe sobre
meu desejo de esfolá-los vivos, arrancar a pele de suas carnes e fazê-los
gritar em agonia como punição por viverem uma vida melhor do que a
minha. James ficou profundamente perturbado por minha raiva. Eu queria
que ele não ficasse perturbado. Eu queria que ele pudesse ser um amigo
que sentia o mesmo que eu sobre o mundo. Mas ele não era esse tipo de
pessoa. Ele era um fraco.
Quando me acalmei, tivemos uma longa conversa em seu quarto, e acabei
chorando em sua frente e explicando como me sentia sem esperança em
relação à vida. Logo depois disso deixei sua casa, para nunca mais retornar.
Ele nunca mais me convidou depois desse incidente, e nossa amizade
lentamente virou pó.
Durante os últimos dias em que tive de aturar morar com aqueles dois
colegas bárbaros, muitas vezes eu saía em Isla Vista com a esperança de
encontrar uma menina para poder trazê-la junto para o apartamento. Eu
queria provar para eles que as meninas gostavam de mim, ver a expressão
em seus rostos quando vissem uma menina do meu lado. Mas é claro, eu
não tinha como provar isso, porque as meninas efetivamente não gostavam
de mim. Toda vez que tentava sair para conhecer uma menina, eu acabava
voltando sozinho e com raiva para casa. Numa dessas noites, cruzei o
caminho de um cara que estava caminhando com duas meninas bonitas. Eu
fiquei com tanta inveja que gritei com eles, e depois os segui por alguns
minutos. Elas apenas riram de mim, e uma das meninas beijou o cara na
boca. Assumi que aquela fosse a sua namorada. Foi uma das piores
experiências de tortura com meninas que eu tive de passar, e será uma
cicatriz em minha memória para sempre, para me lembrar de que as
meninas pensam que eu não tenho valor comparado a outros homens. Corri
para casa com lágrimas escorrendo pelas bochechas, esperando que meus
terríveis colegas de apartamento não estivessem lá para verem a minha
vergonha.
Meu dia normal era o seguinte: Eu acordava sozinho em minha cama, sem
nenhuma menina ao meu lado, fazia alguns minutos de exercícios antes de
tomar banho e ficar pronto para a faculdade; então eu dirigia até o
Starbucks para tomar café e sentia inveja sempre que via um casal jovem
lá; então eu ia para minhas duas aulas onde ninguém dizia uma só palavra
para mim, tendo de encarar o tormento de ver outros caras conversando
com as meninas que eu gostava; e então eu voltava para casa sozinho, abria
a porta de meu quarto solitário, e me sentia absolutamente miserável. A
solidão era sufocante. Eu mal podia respirar. Se apenas uma menina bonita
me desse uma chance e tentasse me conhecer, tudo seria diferente, mas as
meninas continuavam a me tratar com desdém.
A solidão estava me torturando tão intensamente que até mesmo abri
minha conta do WoW e joguei constantemente pelo mês de setembro.
James ainda jogava WoW, e nós dois jogamos juntos online por alguns dias,
mas ele me tratava muito friamente o tempo inteiro. Pude sentir que o tipo
de amizade que tínhamos por tantos anos não existia mais. Aquele último
incidente em Palisades abalou nossa amizade profundamente, e estava no
processo de desaparecer por completo. Na época, me senti ofendido com a
atitude dele em relação a mim, então o ofendi também. Isso gerou uma
longa discussão entre nós que resultou em James se recusando a falar
comigo online. Alguns dias depois disso, desativei minha conta novamente.
Visitei minha casa no Dia de Ação de Graças e fui com minha mãe à casa de
Rob Lemelson para uma pequena confraternização desse dia. James estava
lá... e a última vez que falei com ele era quando tivemos nossa discussão
online. A única pessoa que tinha sido meu amigo diante de todos meus
problemas não queria nem falar comigo no Dia de Ação de Graças. Tentei
perguntar-lhe por que ele estava exagerando sobre uma discussão que
tivemos dois meses antes, mas ele apenas me olhou friamente e me disse
para "manter a distância." Fiquei muito ofendido.
Depois de algumas horas, o jantar de Ação de Graças foi servido. Para meu
profundo incômodo, Julian Ritz-Barr e seu irmão igualmente idiota, Leon
Ritz-Barr, também vieram para o jantar. Lembrei-me da imensa inveja que
senti de Julian meses antes, e tentei ignorá-lo o máximo possível, o que se
provou difícil, pois ele falava em voz alta o tempo todo.
Sentei-me ao lado de James para o jantar e, depois de sentarmos um ao
lado do outro nos estranhando por alguns momentos, ele decidiu se acercar
de mim novamente. Enquanto conversávamos sobre nossas vidas, um
pequeno pavio de nossa velha amizade se acendeu como a fraca chama de
uma vela. Foi bom, pelo breve momento que durou. Conversamos sobre
nossos cenários de fantasia habituais e brincamos sobre como os irmãos
Ritz-Barr estavam sendo estúpidos e desagradáveis.
No mesmo final de semana em que fui para casa, encontrei-me com Philip
e Addison. Fomos nós três para um restaurante em L.A., e depois para o
Observatório Griffith Park, como nos velhos tempos. A última vez que estive
lá com os dois foi na lamentável noite em que Addison me disse que
“nenhuma menina jamais irá querer transar comigo.” Suas palavras estão
ainda gravadas em minha memória, e ir para o Griffith Park me lembrou
daquela noite. Tiramos fotos posando em vários pontos do observatório,
algumas das quais foram postadas no Facebook, e depois fomos ao
complexo varejista de Calabasas para passar algum tempo na
Barnes&Noble, onde tive conversas perspicazes com Addison. Apesar de
nossas hostilidades passadas, eu considerava Addison como uma das
pessoas mais interessantes que conhecia.
Voltei para Santa Bárbara para mais poucas semanas para terminar minhas
duas cadeiras. Na aula de história, eu continuava me sentindo fraco e
inferior ao observar aquele atleta alto e loiro constantemente conversando
com duas meninas bonitas. Não havia como não prestar atenção neles; eles
ficavam no meio da sala. Eu odiava muito essa aula, então decidi parar de
frequentá-la até a prova final. Depois de fazer as provas finais, fiquei feliz
por ter terminado essas aulas terrivelmente frustrantes da faculdade.
Foi bem como eu temia. Meu primeiro semestre na cidade universitária de
Santa Bárbara foi um desastre absoluto e brutal. Eu nem mesmo tinha o
número de uma menina gravado em meu celular. Eu vou ser virgem para
sempre? Era o que eu pensava incessantemente enquanto dirigia embora
da faculdade depois de fazer as provas finais. Eu sentia como se toda minha
vida houvesse sucumbido. Se eu não conseguisse viver agradavelmente
num lugar tão bonito e promissor como Santa Bárbara, então estaria fadado
à miséria e à insatisfação perpétuas. Sabia que preferia morrer a sofrer tal
destino e sabia que, se fosse o caso, faria tudo o que pudesse para me
vingar antes de morrer. Eu não queria chegar a esse ponto! Uma parte de
mim ainda se agarrava à esperança. Eu não queria desistir tão cedo.
Ao fazer a longa viagem de belas paisagens de volta à minha cidade de casa
para as férias, fiz um voto de que tentaria uma nova chance quando
começasse meu novo semestre na primavera, e usaria o tempo que tinha
durante as férias de inverno para me preparar para seu recomeço tanto
quanto podia.
Minha mãe disse que tinha planos para que eu, minha irmã, e ela fôssemos
para a Inglaterra por uma semana. Depois de ouvir isso, eu disse que não
queria ir junto. Eu me sentia tão insatisfeito e derrotado, e não queria me
mostrar dessa forma para meus parentes na Inglaterra. Não havia nada em
mim de que eles pudessem se orgulhar. Eu tinha vergonha de ter que
encontrá-los do jeito que estava. Depois de alguma implicância, concordei
em ir. Achei que, no mínimo, isso me daria um respiro de toda a dor que a
sociedade me infligia, assim como acontecia em nossas antigas visitas à casa
de praia de Jack em Malibu.
Passei uma semana na casa de minha mãe antes de voltar para Santa
Bárbara para dar à minha vida lá uma nova tentativa. Nessa semana, mais
uma vez me encontrei com Philip e Addison. Esse passeio foi muito mais
longo do que o anterior. Decidi usar a mesma camiseta da Hugo Boss que
usei no Ano Novo. Primeiro subimos até o panorama famoso de Hollywood
e vimos o glorioso pôr do sol. Depois visitamos o museu Getty para admirar
os bonitos cenários e a arquitetura. Enquanto estávamos lá, escutei Philip
dizendo a Addison que algumas meninas estavam de olho nele. Sentindo
inveja, perguntei a Philip se algumas daquelas meninas tinham ficado de
olho em mim, e ele teve a audácia de dizer que não, nenhuma delas. Eu me
senti tão aquebrantado que deixei os dois para ir chorar sozinho,
arruinando toda a experiência no museu. Como podiam as meninas
olharem para Addison mas não para mim? Eu me perguntava
repetidamente enquanto tentava disfarçar minhas lágrimas das pessoas
que passavam por mim. Percorri o espaço até a beirada do grande terraço
do museu, olhando as luzes da cidade de Los Angeles, bem como para as
estrelas acima. Naquele momento, caí em uma espécie de transe embutido
de desespero, contemplando minha razão de existir neste universo e o que
estava reservado para o meu futuro. Foi uma experiência aziaga e surreal.
Eu me acalmei enquanto deixávamos o museu e os tratei cordialmente. Não
queria estragar a noite por causa de meus problemas emocionais. Demos
algumas voltas por Hollywood, e por ali vi muitos jovens com seus
charmosos grupos de amigos. Essa visão me enfureceu pelo resto da noite.
Decidimos jantar num restaurante no Bulevar Sunset. No restaurante havia
três meninas do estilo modelo que sentavam-se a poucas mesas abaixo de
nós. Seus corpos eram tão sensuais e tentadores que Philip precisou ir ao
banheiro se masturbar. Eu estava com vontade de fazer o mesmo, mas não
queria parecer um idiota na frente de Addison.
Quando cheguei em casa, comecei a chorar por causa de todas as emoções
que passara naquela noite. Minha mãe me escutou e demonstrou alguma
preocupação, como sempre fazia. Ela estava acostumada a me ouvir chorar
daquele jeito, mas nunca conseguia compreender porque eu me sentia tão
miserável. Eu sempre tinha que explicar para ela – que eu era um solitário
e miserável virgem indesejado a quem as meninas tratavam com desprezo
- mas ela nunca conseguia entender o quanto isso era grave para mim.
Afinal, como ela poderia entender? Ela também era uma menina.
Quando larguei minhas aulas na faculdade, cruzei uma linha que sabia que
existia, mas nunca pensei que um dia cruzaria. Ela terminava com toda
esperança que eu tinha de viver uma vida desejável em Santa Bárbara. Eu
percebi que seria virgem para sempre, condenado a sofrer rejeição e
humilhação pelas mãos das meninas porque elas não gostavam de mim,
porque sua atração sexual era degenerada. Elas eram atraídas pelo tipo
errado de homem. Eu sempre divagava que preferiria morrer a sofrer uma
existência dessas, e sabia que se chegasse a tanto, eu executaria minha
vingança sobre o mundo da maneira mais catastrófica possível. Então ao
menos eu morreria sabendo que bati de volta nas injustiças que foram
cometidas contra mim.
Desde quando minha vida teve uma reviravolta muito sombria aos meus
dezessete anos, eu frequentemente tinha fantasias de como seria
malevolamente satisfatório punir todos os caras legais e jovens casais pelo
crime de terem uma vida melhor do que a minha. Eu sonhava em como
seria doce torturar ou matar cada casalzinho que visse pela frente. No
entanto, como eu disse anteriormente nesta história, nunca pensei que
realmente sucumbiria para esses desejos drásticos. Eu tinha uma esperança
dentro de mim de que eu poderia um dia ter uma vida feliz.
Foi somente quando me mudei para Santa Bárbara que comecei a
considerar a possibilidade de perpetrar um ato violento de vingança como
solução final para rebater todas as injustiças que tive de encarar nas mãos
das meninas e da sociedade. Saí com um nome para isso depois de ver todos
aqueles bonitos casais caminhando pela universidade e pela cidade de Isla
Vista. Chamei-o de Dia da Retribuição. Seria o dia em que eu executaria
minha retribuição final e vingança contra toda a escória de hedonistas que
usufruíam vidas de prazeres imerecidos. Se eu não pudesse ter, então eu
destruiria isso. Eu destruirei todas as meninas porque eu nunca consigo tê-
las. Farei todas sofrerem por me rejeitarem. Eu me armarei com armas
mortais e travarei uma guerra contra todas as meninas e homens por quem
elas são atraídas. E eu as chacinarei como as bestas que são. Se elas não
me aceitam em seu meio, então elas são meus inimigos. Elas nunca me
mostraram misericórdia, então em troca eu também não mostrarei isso a
elas. Essa perspectiva será muito doce, e a justiça será finalmente servida.
E é claro, eu teria que me sacrificar nesse ato para evitar ir para a prisão.
Foi quando eu percebi que essa linha existia, e uma vez que a cruzasse, eu
teria que executar o Dia da Retribuição. Isso permaneceu estagnado no
fundo da minha mente desde então, até que cheguei nesse ponto. Depois
de abandonar minhas aulas de primavera na Universidade de Santa
Bárbara, eu sabia que o Dia da Retribuição era algo muito possível. Eu até
escrevi sobre isso em meu diário, mas depois arranquei as páginas com
medo de que alguém pudesse lê-las. Um tremor percorria meu corpo, ao
perceber como meu mundo tinha se tornado conturbado, a tal ponto de
recorrer a fazer algo que considerava impensável alguns anos atrás. Eu não
queria fazer isso. Eu queria viver. Pensar no Dia da Retribuição me fazia
sentir preso numa armadilha. Eu queria uma escapatória.
O convite para o show privado da Katy Perry foi na verdade feito para Rob
Lemelson, como o show era realizado para pessoas extremamente ricas que
eram clientes da Net Jets, uma empresa privada de jatos. Rob não tinha
interesse nessas coisas, então ele deu os ingressos para minha mãe. Eu
estava ansioso para ir, porque amava participar de eventos exclusivos; isso
me fazia sentir especial. Na maior parte do tempo antes do show começar,
eu apenas passei comendo nas mesas do buffet enquanto todos esperavam
a apresentação da Katy Perry. Havia música animada tocando o tempo
todo, e muitas famílias ricas com seus filhos compareceram. Cada família
ali devia ter um patrimônio líquido de pelo menos vinte milhões de dólares
para poder alugar jatos particulares. Tentei fingir que fazia parte de uma
família rica. Eu deveria ser. Essa era a vida que eu deveria viver. EU SERIA!
Se ao menos minha mãe tivesse se casado com um homem rico em vez de
ser egoísta. Se ao menos minha aberração de pai tivesse tomado decisões
melhores com sua carreira de diretor, em vez de desperdiçar seu dinheiro
naquele documentário estúpido.
Eu não podia deixar de sentir uma forma amarga de inveja de todas aquelas
crianças ricas no show. Elas cresceram em mansões luxuosas, no meio de
opulência excessiva, e nunca teriam que se preocupar com nada em suas
vidas prazerosas e hedonistas. Eu teria grande prazer em ver todas aquelas
famílias sendo queimadas vivas. Vê-las realmente solidificava em minha
mente a importância da riqueza. A riqueza é um dos fatores de definição
mais importantes de autoestima e superioridade. Eu odiava e invejava
todas aquelas crianças por terem nascido no seio da riqueza, enquanto eu
tinha que batalhar para obter riqueza por meios próprios. Eu tinha que ser
implacável e fazer o que fosse preciso para possuir tal riqueza. Afinal, essa
era minha única esperança para conseguir arranjar uma namorada e viver
a vida de gratificação que desejava.
Quando retornei a Santa Bárbara, me dei conta de que não tinha mais
nenhuma obrigação. Ao abandonar minhas cadeiras na faculdade, eu tinha
todo o tempo do mundo. Eu queria fazer uso desse tempo o máximo
possível. Entusiasmado, tentei encontrar meios de descobrir uma ideia para
ganhar milhões de dólares. Alguns poderiam dizer que isso era loucura, mas
já tinha sido feito antes! Muitas pessoas tinham sido exitosas em sair com
uma ideia e ganharam milhões, até mesmo bilhões, do dia para a noite. Eu
era uma pessoa magnífica e extraordinária destinada para grandes feitos.
Se outras pessoas puderam fazer, por que não eu? Era meu destino, todo o
meu propósito neste mundo.
Pela semana seguinte ou por aí, passei meu tempo refletindo em meu
quarto, tentando sair com ideias para ficar rico. Eu também poderia
inventar alguma coisa, começar um grande negócio, ou voltar à minha ideia
original que tinha de escrever um livro de fantasia épica que depois seria
gravado num filme. Isso me fez lembrar da razão pela qual eu tinha
desistido da ideia pela primeira vez... a grande quantidade de tempo que
levaria para alcançar o sucesso numa perspectiva dessas. Eu estava tão
desesperado que precisava fazer alguma coisa bem naquele momento. Era
uma questão de vida ou morte. Se não conseguisse, então eu não tinha
nada por que viver.
Depois de muitas profundas reflexões, não consegui sair com nada. Será
que eu estava condenado a falhar em tudo? Comecei a ficar sem
esperanças, até que vi o prêmio corrente da loteria Megamillions. Estava
bastante acumulado no mês de março. Eu havia economizado bastante
dinheiro naquela época, então tinha o suficiente para gastar em bilhetes de
loteria, desde que não ficasse abaixo de 5.000 dólares, que queria manter
como minha economia mínima para o caso de uma emergência ou caso
tivesse que realizar o Dia da Retribuição. Acontece que eu tinha bem mais
de 6.000 dólares economizados na época, de todos os depósitos, dinheiro
de Natal e dinheiro de aniversário que meus pais e avós estavam me
enviando. Pela primeira vez desde que me mudara para Santa Bárbara,
comecei a ter um sério interesse em jogar na loteria de novo.
Eu acreditava que era o meu destino ganhar na loteria Megamillions,
particularmente o prêmio principal. As pessoas ganhavam na loteria a cada
mês, então por que não eu? Eu era para viver uma vida de significado e
extravagância. Era para eu ganhar essa bolada. Era o destino. Nas primeiras
combinações que joguei, gastei de $50 a $100 em bilhetes, mas para minha
profunda frustração mesmo assim eu não ganhei, e o prêmio continuou a
se acumular. Isso apenas aumentou minha esperança. Comecei a visualizar
uma vida perfeita e totalmente nova depois que eu ganhasse. Eu me
imaginava comprando uma bonita e opulenta mansão com um panorama
exuberante, e adquirindo uma coleção de carros conversíveis que usaria
especificamente para atrair meninas bonitas para minha vida. Planejava
voltar para a faculdade quando estivesse atulhado com todo esse dinheiro
e sobrepujar todos os demais estudantes, finalmente realizando meu sonho
de ser o cara mais popular do colégio. Enquanto meditava isso no meu
quarto eu imaginava o êxtase que sentiria quando dezenas de meninas
bonitas olhariam para mim com admiração ao me verem chegando na
faculdade com minha Lamborghini. Uma experiência dessas compensaria
tudo. Eu precisava ganhar o prêmio.
Quando o prêmio acumulou em mais de 200 milhões de dólares eu gastei
mais de minhas economias em bilhetes de loteria, mas ainda não ganhei.
Eu sabia que quanto mais eu gastasse em bilhetes, maiores eram as minhas
chances de ganhar. Eu estava tão desesperado em viver uma vida
satisfatória que gastei $400 em bilhetes quando o prêmio acumulou em 290
milhões de dólares. Perdendo todas as apostas, gastei $500 em bilhetes
quando o prêmio bateu em 363 milhões de dólares, e ainda assim não
ganhei... e então o prêmio alcançou um número que eu nunca imaginei que
poderia... 656 milhões de dólares. Fiquei maravilhado e cheio de um
entusiasmo febril de esperança e desejo. Esse era o maior prêmio da loteria
na história. Eu sabia que estava destinado para grandes coisas. Só podia ser
isso! Eu estava destinado a ser o ganhador do maior prêmio de loteria
registrado na história. Sabia perfeitamente que esse prêmio fora reservado
para mim. Quem mais mereceria uma vitória dessas? Eu tinha passado por
tanta rejeição, humilhação, sofrimento, e injustiça na vida, que esse prêmio
só podia ser meu, e seria minha salvação. Com todo meu corpo cheio de
esperança febril, gastei $700 em bilhetes de loteria para esse sorteio.
Quando gastei esse dinheiro, imaginei o sexo maravilhoso que teria com
uma namorada modelo uma vez que fosse um homem rico.
Depois do último e derradeiro sorteio, esperei três dias para conferir o
resultado. Estava muito nervoso para o que veria. O resultado determinaria
o destino de toda minha vida. Por esses três dias, refleti sozinho em meu
quarto, tentando me convencer de que eu era o ganhador. Segurava todos
os bilhetes na minha mão, cogitando animadamente qual deles seria o
bilhete vencedor. Houve muitas vezes durante esse período em que eu
estava prestes a verificar o resultado, mas fechei a aba na internet no último
segundo com medo do que poderia ver. A perspectiva de descobrir que
havia perdido era devastadora. No quarto dia eu decidi dar um fim nisso de
uma vez. O resultado já estava decidido, e o tempo que eu levaria para
conferir não alteraria nada. Era a hora da verdade. Meu coração estava
batendo rapidamente quando abri a página do site Megamillions. O que vi
destruiu completamente minhas esperanças. Todo meu corpo tremia de
agonia insuportável. Eu não ganhei. Três pessoas dividiram o prêmio.
Nenhuma dessas pessoas era eu. Não conseguia acreditar no que estava
vendo. Eu estava certo de que seria o ganhador. Era o meu destino... Só que
não, o mundo continuava a não me dar justiça ou salvação de nenhum jeito.
Mergulhei numa das piores depressões de minha vida. Era férias de
primavera, e enquanto outros jovens de minha idade estavam saindo de
férias com seus amigos, eu estava me sentindo miserável e sozinho em meu
quarto porque havia falhado em ganhar o prêmio da loteria que me
permitiria estar acima de TODOS! Eu estava tão deprimido que mesmo
quando minha mãe veio para Santa Bárbara com minha irmã e seus amigos
para uma visita de um dia, eu me recusei a vê-las.
Pelo mês seguinte mal saí de meu quarto. Eu estava totalmente no fim de
minhas esperanças. Minha vida acabou, eu pensei. Sem essa riqueza, o que
me reservava o futuro? Eu ainda não conseguia acreditar que não era o
ganhador. Continuava a pensar na vida abençoada que estaria vivendo se
tivesse ganho. Estava certo de minha vitória, desde o momento do sorteio.
Em vez disso, se transformou numa derrota avassaladora, assim como tudo
em minha vida. Tudo que eu havia tentado no passado, desde a infância,
deu errado. Era muito difícil me sentir bem depois disso. Passava todo o
meu tempo divagando sem rumo, sem fazer nada com meu tempo, exceto
a refletir sobre meu destino. Eu não queria pensar em mais nada. Eu mal
conseguia respirar por causa da solidão sufocante. Toda minha energia
havia se esgotado.
Minha mãe e minha irmã vieram para Santa Bárbara para o meu vigésimo
primeiro aniversário. Eu não queria que elas viessem, mas elas vieram de
qualquer jeito. Acho que minha mãe sentiu pena de mim, que eu passaria
sozinho o meu aniversário. E era verdade, eu ficaria sozinho. Não é uma
coisa triste de se contemplar? Passar sozinho meu vigésimo primeiro
aniversário. Outros homens dão grandes festas para seus amigos e
namoradas para marcar a passagem do limite da idade legal para poder
ingerir álcool. Eu li relatos na internet de como essas festas eram animadas
para outros homens que chegavam nessa idade. Eu não tinha ninguém para
comemorar o meu aniversário. Sem ter amigos, as únicas pessoas que me
desejavam feliz aniversário eram os familiares mais próximos.
Quando minha mãe e minha irmã chegaram em Santa Bárbara, elas
propuseram ir para um restaurante na rua State, mas essa perspectiva me
preocupou. A rua State era cheia de casais jovens caminhando de braços
dados ao saírem para seus encontros. Eu já estava atormentado pelo fato
de que agora eu era um virgem de vinte e um anos. Eu não queria me
torturar ainda mais. Procurei na internet por um restaurante mais quieto
para irmos, um lugar onde jovens casais muito provavelmente nem
conhecessem. Encontrei um restaurante japonês reservado em Montecito,
chamado Sakana. Sugeri essa opção para minha mãe, e dado que fosse meu
aniversário, era meu privilégio poder escolher o lugar.
Encontrei as duas fora do restaurante procurando um lugar para sentar. Eu
estava sério e deprimido. Fazer vinte e um anos como um virgem sem nunca
ter beijado era de fato um dia sombrio. Como isso era patético, ainda ser
virgem com vinte e um anos enquanto meninos já faziam sexo aos
quatorze? A injustiça da vida neste mundo é incrivelmente terrível!
O restaurante Sakana se mostrou uma boa escolha. Eles serviram a melhor
comida japonesa que eu já havia provado em minha vida. Eles tinham
muitos pratos criativos para experimentar, e eu pedi tantos que a conta
passou de 200 dólares. Devorei todos avidamente, compensando minhas
tristezas com comida. Minha mãe também amou o restaurante. Ela já tinha
ido a todos os melhores restaurantes japoneses de L.A. com seus vários
namorados ricos, mas confessou que o Sakana era o melhor. Desde então,
virou uma tradição comermos ali sempre que minha mãe viesse me visitar.
Depois do jantar nós fomos para o Starbucks em Montecito, onde baixei a
refeição requintada tomando um ótimo café quente. Eu nunca tinha
explorado muito Montecito, e achei um lugar bonito e adorável. Ele me
fazia lembrar de Calabasas, embora muito mais calmo e austero. Pretendia
passar muito mais tempo lá no futuro.
21 Anos
Em agosto continuei alimentando a fé de que estava destinado a ganhar o
prêmio da Megamillions. Era o futuro que estava reservado para mim; uma
coroação perfeita e feliz para a trágica vida que havia tido no passado. Eu
mal podia esperar para esfregar meu status de homem rico bem na cara de
todas as pessoas que me olhavam de cima para baixo, e de todas as meninas
que achavam que eu não tinha valor. Eu imaginava que quando tivesse
dinheiro então finalmente todas as meninas bonitas me dariam valor.
Passei todo o mês refletindo no meu quarto ou circulando pelo parque,
visualizando o resultado final da minha vitória. Pelo poder da lei da atração,
que eu tinha estudado com tanto afinco no livro que encontrei, estava certo
de que seria o ganhador. Eu esperava por isso com profunda ansiedade.
Esse seria o último mês que passaria no apartamento onde estava alocado.
Estava pronto para me mudar para um quarto no condomínio principal do
Capri Apartamentos pelo próximo ano de faculdade. O conflito entre eu e
Spencer tinha atenuado no verão. Ele trazia algumas meninas para o
apartamento, mas eram todas feias, então eu tentava não ficar com inveja.
Eu ainda o odiava pelo fato de que ele podia observar como minha vida era
solitária e miserável. Havia passado um ano inteiro em Isla Vista, Santa
Bárbara, e não tinha trazido nenhuma menina para o apartamento. A raiva
pura e o ódio que sentia por esse fato eram suficientes, mas ter alguém
como Spencer em meu ambiente para me julgar era como jogar sal na
ferida. Fazia planos de ir atrás de Spencer assim que me tornasse rico e
arrogantemente mostraria minha nova vida para ele. Essa seria a única
forma de me vingar. Eu queria mostrar ao Spencer, eu queria mostrar para
todo o MUNDO, que eu tinha valor.
Eu não pensava muito em minha mudança iminente para o novo quarto,
nem em como seriam meus novos colegas de apartamento. Acreditava
piamente de que ganharia na loteria quando lá estivesse. Então eu voltaria
para a casa da minha mãe, mostraria meu bilhete premiado, e compraria
uma mansão para começar uma nova vida de bênçãos celestes. Muitos
podem dizer que eu estava me iludindo, mas meu desespero pela felicidade
era tão grande que eu queria acreditar que isso era verdade. Eu queria
acreditar que eu tinha o PODER para invocar isso para dentro de minha
realidade. Eu desejei poder e significado durante toda a minha vida, então
nada me impediria de encontrar maneiras para alcançá-los.
Minha situação era de fato terrível. Eu não conseguia sair de casa sem ver
um jovem casal andando em algum lugar. Em todos os lugares que eu ia,
estava sempre sozinho, enquanto outros jovens tinham amigos e
namoradas. Eu tinha vergonha de me mostrar ao mundo. Mesmo que
usasse roupas caras de grife, qual era o propósito se as meninas ainda assim
não eram atraídas por mim? Ninguém respeita um homem que é incapaz
de conquistar uma menina. Um homem vestindo calções e uma camiseta
vagabunda seria visto pela sociedade como superior a mim se entrasse
numa loja acompanhado de uma menina bonita ao seu lado e eu entrasse
sozinho. Um homem acompanhado de uma menina bonita ao seu lado
mostra ao mundo que ele vale alguma coisa, porque obviamente essa
menina bonita vê algum valor nele. Se um homem está sempre sozinho, as
pessoas têm a impressão de que as meninas são repelidas por ele, e que,
portanto, ele é um perdedor desprezível.
Percebi que ganhar na loteria era minha única escapatória, e ficava
bastante frustrado quando via o prêmio da Megamillions voltando à estaca
zero. No final de novembro o prêmio estava muito perto de ficar alto o
bastante, mas então caiu ao prêmio mínimo de novo. Foi por volta desse
período que descobri sobre a loteria Powerball. A Powerball não tinha vindo
ainda para a Califórnia, por isso eu não sabia nada dela até então. Fiz uma
pesquisa no site e vi que o prêmio superava os 500 milhões de dólares!
Não existia a loteria Powerball na Califórnia, então para comprar um bilhete
eu teria que dirigir até o Arizona.
Mais cedo nesse dia, ao dirigir por Isla Vista, vi aquele tipo particular de
casal jovem que se destaca dos demais somente porque a menina é
simplesmente perfeita. Ela era alta, loira e sexy. Ela me superava em altura,
e seu namorado é lógico que também era mais alto do que ela. Ambos
estavam em roupas de banho, a menina com seu biquíni mostrando para
todo mundo seu corpo sensual de causar uma ereção. Seus cabelos loiros
estavam molhados de tomar banho no oceano, e isso apenas a fazia mais
estonteante. Os dois estavam de mãos dadas, e era nítido que estavam
apaixonados. Eu vi o rapaz colocando sua mão na bunda da menina, e
quando ele fez isso a menina olhou para ele e sorriu com prazer. Esse cara
estava no céu. Eu apenas consigo imaginar como deve ser bom fazer sexo
com uma menina dessas. Eu tinha que testemunhar tudo que queria mas
não podia ter. Isso me fazia sentir mal de angústia.
Imediatamente pensei naquele casal e em como era impossível para mim
ter a mesma experiência que aquele cara. Impossível, do jeito que estava
naquele momento. Mas seria possível conseguir uma namorada alta, loira
e sexy se eu fosse multimilionário! Ah sim, isso seria muito possível. Tornar-
me um multimilionário seria a ÚNICA forma de ter uma experiência dessas,
e ganhar na loteria era a ÚNICA forma de me tornar um multimilionário na
minha idade. Quando olhei para o prêmio do Powerball em mais de 500
milhões de dólares, eu sabia que TINHA de ser eu o ganhador.
Era meia-noite quando tive essa revelação, e o sorteio seria no dia seguinte.
O único jeito de conseguir um bilhete antes do sorteio era se eu saísse para
o Arizona bem naquele momento. E então foi isso exatamente o que fiz.
Rapidamente procurei pela melhor rota no Google Maps, coloquei um
pouco de comida na minha mochila, e me mandei.
O sol se levantava no horizonte quando cruzei o longo trecho do deserto
divisa entre Palm Springs e a fronteira do Arizona. Foi um dos mais belos
cenários que eu já vi em minha vida. Ao ver o sol despontando nas fímbrias
do deserto e irradiando as nuvens com seu brilho laranja eu proclamei que
aquele nascer do sol era também o renascer do meu destino. Eu estava indo
na direção de meu destino para alcançar o prêmio recorde de mais de 500
milhões de dólares da Powerball!
Enquanto dirigia, eu pensava em cada evento de minha vida que havia me
levado para aquela insólita jornada. Considerava essa jornada como o
ponto final do trágico sofrimento e privação sexual que tive de passar por
tanto tempo. O prêmio da Powerball estava destinado para ser meu. Uma
vez que o ganhasse, eu poderia ter minha bonita namorada loira, eu poderia
mostrar ao mundo que as meninas me davam valor, eu poderia mostrar ao
mundo como eu era superior. E é claro, eu poderia viver acima de todos
aqueles que fizeram coisas erradas contra mim, para esfregar em seus
rostos uma forma de branda vingança. Esse era meu último propósito na
vida, minha razão para viver.
Eu não ganhei. Era quase o mesmo cenário que sofri em março, exceto que
esse era duas vezes mais desolador. Quando finalmente cheguei em casa
da longa viagem, imediatamente fui para a cama depois de tanto tempo
sem dormir. Foi muito difícil permanecer desperto na estrada, mas eu
consegui fazer isso devido à extrema importância da jornada. O sorteio da
Powerball aconteceu quando eu estava dormindo, e meu último
pensamento antes de cair no sono foi de que quando acordasse eu seria
multimilionário, e minha vida estaria salva. Dormi por bastante tempo, e
quando acordei já era a manhã do dia posterior ao sorteio. Eu estava cheio
de ansiedade. Estava tão confiante e certo de que ganharia antes do sorteio
acontecer, mas quando esse tempo passou, eu temi pelo resultado. Temi
que poderia não ser o ganhador. Passei os três dias seguintes em meu
quarto, tentando reunir coragem suficiente para conferir os números
vencedores que determinariam o meu destino. Depois de perceber quanto
tempo eu estava desperdiçando, visitei a página do Powerball para ver o
resultado. No primeiro segundo de visualização eu peguei um ligeiro
vislumbre da página antes de fechá-la com medo e pânico. Nesse vislumbre
eu vi que havia três apostas vencedoras, e uma delas no estado do Arizona!
Meu coração começou a bater acelerado. Só pode ser eu! Eu pensei, com
esperança e entusiasmo percorrendo todo meu corpo.
Havia um ganhador no Arizona, e eu havia comprado meu bilhete no
Arizona. Depois daquela longa e emotiva jornada, dirigindo em direção ao
sol nascente no meio do deserto, lutando contra o sono apenas para chegar
a tempo, visualizando todo meu futuro diante de mim, com uma bonita
namorada loira e filhos que eu teria com ela... Depois de tudo isso, quem
mais poderia ser o ganhador a não ser eu? Era para ser eu. Era o meu fado,
o destino. Peguei meus bilhetes, tendo comprado cinquenta, e os examinei
para encontrar o que correspondia aos números vencedores. Sentia-me
tonto e extasiado ao fazê-lo, tão certo de que minha vitória seria
confirmada. Quando peguei minha última paca de bilhetes, não encontrei
nenhum que casava. Nos primeiros momentos, eu não conseguia acreditar
que isso estava acontecendo. Eu conferi todos os meus bilhetes de novo e
de novo, e ainda, nada. Eu não ganhei.
Sentei muito quieto e imóvel na cadeira de minha escrivaninha por um
longo tempo, com toda a emoção varrida de mim. Eu não reagia com raiva
ou angústia. Apenas fiquei lá sentado, frio e morto, mentalmente tentando
contemplar o que eu tinha feito. Eu tinha dirigido até o estado do Arizona
apenas para comprar bilhetes de loteria, porque estava desesperado por
uma vida feliz em que as meninas seriam atraídas por mim; eu estava tão
certo que ganharia, construindo toda aquela expectativa, apenas para vê-
la se despedaçar bem naquele momento.
Então eu saí dirigindo de meu apartamento e fui para o Parque Girsh. Eu
tinha que estar num lugar pacífico. Pelo caminho eu via casais andando
pelas ruas de Isla Vista, de mãos dadas; eu via grupos de jovens caminhando
juntos, rindo e desfrutando de suas companhias. Sentia-me completamente
morto por dentro, e o tormento destroçou todo o meu corpo, quando
percebi que agora não tinha chance de estar acima deles. Eu perdi.
Quando cheguei no parque eu fiquei dentro do carro por horas, chorando,
chorando e chorando. Eu gemia de agonia. Minhas lágrimas escorriam pelo
meu rosto e manchavam minha gola. Eu não aguentava mais. Sentindo que
precisava desabafar com alguém, liguei para as únicas pessoas que eu tinha
na vida: meus pais. Liguei para os dois, primeiro para minha mãe e depois
para meu pai, e contei a ambos como eu estava sofrendo em minha solidão,
e com a convicção absoluta de que eu jamais teria uma vida feliz. Eu disse
que eles deveriam ter vergonha de mim, porque eu tinha vinte e um anos e
era um virgem que não conseguia arranjar uma namorada ou fazer amigos.
Eu era o filho que nenhum pai gostaria de ter. Meu choro com meus pais
no telefone os preocupou muito, e eles marcaram uma consulta com meu
psiquiatra, Dr. Charles Sophy, quando voltei para casa nas férias de inverno.
Como diz a frase que cunhei: Se não posso me juntar a eles, então me
elevarei acima deles; e se não posso me elevar acima deles, então os
destruirei. Eu havia tentado me juntar e ser aceito entre as pessoas
populares durante toda a minha vida, mas não adiantava. Elas sempre me
tratavam como um pária. As meninas sempre me consideraram indigno de
seu amor e sexo. Tentei superar isso obtendo riqueza ainda jovem,
tentando ter ideias inovadoras, pensando em escrever um romance de
fantasia épica e, finalmente, tentando ganhar na loteria. Nessa altura, a
perspectiva de superar isso parecia sem esperanças. A solução final para
triunfar acima de meus inimigos era destruí-los, levar a cabo o Dia da
Retribuição, executar minha derradeira e devastadora vingança contra
todas as pessoas jovens e populares que nunca me aceitavam, e contra
todas as meninas por sempre me rejeitarem e privarem-me de seu amor e
sexo.
Nesse ponto, ocorreu-me em cheio de que a possibilidade de ter que
recorrer a essa Retribuição era mais real do que nunca. Sem a esperança de
ser rico ainda jovem, eu não tinha razão para viver. Eu seria um virgem
excluído para sempre. Percebi que tinha que começar a planejar e me
preparar para o Dia da Retribuição, ainda que não fizesse a mínima ideia de
que dia seria.
Meu primeiro ato de preparação foi comprar minha primeira arma de fogo.
Fiz isso rapidamente e apressado em uma loja de armas local chamada
Goleta Gun & Supply. Eu já tinha pesquisado algumas pistolas, e decidi
adquirir uma Glock 34 semiautomática, uma arma eficiente e altamente
precisa. Assinei todos os papéis e me disseram que meu dia de retirada seria
em meados de dezembro. Isso caiu bem, porque era até quando eu estava
planejando ficar em Santa Bárbara. Depois de pegar a pistola, eu a trouxe
para meu quarto e tive uma sensação nova de poder. Agora eu estava
armado. Quem é o macho Alfa agora, suas putinhas? Eu pensei em todas as
meninas que me olharam com desprezo no passado. Rapidamente admirei
minha nova arma antes de trancá-la na maleta e me preparar para voltar
para minha cidade de casa nas férias de inverno.
Eu não participei da festa natalina dos Lemelsons nesse ano e nunca mais.
A única pessoa com quem eu ficava nessas festas era James, mas agora
James não era mais meu amigo. Seria muito estranho estar lá com James,
sabendo que tínhamos sido velhos amigos do primário, agora evitando um
ao outro. Seria uma experiência boba e amarga, e eu já tinha passado por
angústia suficiente nos últimos meses.
Poucos dias antes do Natal eu fui com minha mãe e minha irmã em outra
viagem para a Inglaterra. Ela tinha me avisado um mês antes sobre isso. A
princípio eu não queria ir, sabendo que me sentiria miserável sem ter uma
namorada para experienciar a viagem comigo, além da vergonha de ter que
aparecer mais uma vez para meus parentes de uma forma que me deixava
insatisfeito. Um ano tinha se passado desde a última viagem e eu estava
exatamente na mesma situação de vida. Eu não tinha nada para meus avós
sentirem-se orgulhosos de mim. Sem namorada, sem projetos para o
futuro, nada de minha vida para falar.
A única coisa que me persuadiu a ir foi o fato de que minha mãe planejava
nos levar na Classe Alta do Virgin Atlantic, a melhor classe que as linhas
aéreas ofereciam para viajar. Eu nunca tinha viajado na Primeira Classe por
tanto tempo, e simplesmente não podia recusar uma oferta dessas. Sempre
tive um pendão para o luxo, a opulência, e prestígio; e viajar na Primeira
Classe do Virgin Atlantic me daria essa experiência, nem que fosse apenas
uma vez. Depois de toda angústia que havia passado, eu sentia que
precisava um pouco de descanso ao embarcar nessa luxuosa viagem.
Apenas por um breve período de minha vida, uma vez que especulava que
minha vida poderia muito bem estar terminando, eu decidi tentar fazer o
melhor para esquecer tudo e me satisfazer de todas as formas possíveis
nesta viagem à Inglaterra.
Antes de embarcarmos, passamos algum tempo na área exclusiva da
Primeira Classe do aeroporto LAX. Havia um buffet com todos os tipos de
iguarias para eu beliscar, e servi minha cota de salmão defumado
acompanhado de champanhe. Enquanto ali estava, tive uma discussão com
minha mãe sobre se ainda havia esperança na minha vida, e o que eu podia
fazer para ter as coisas que queria na vida.
Como portadores de passagens de Primeira Classe, seguimos direto para a
frente da fila ao embarcarmos no avião e fiquei muito satisfeito ao passar
por todas as outras pessoas que voavam no modo econômico, dando a
todos os passageiros mais jovens um sorrisinho arrogante sempre que eles
olhavam para mim. Assim que me acomodei em minha grande e luxuosa
poltrona-cama na cabine da Primeira Classe, tomei ainda mais champanhe,
seguido de um requintado jantar com filé mignon e batatas assadas e um
pouco de vinho tinto para ajudar a engolir tudo. Pedi taça após taça de
vinho tinto durante toda a viagem, e fiquei bastante bêbado enquanto
assistia a alguns filmes, sendo um deles o novo filme da Era do Gelo que
achei bastante engraçado.
Quando chegamos, fomos conduzidos em uma limusine ao nosso hotel em
Colchester. Dessa vez, ficamos no Hotel Holiday, que era bem parecido com
o hotel da última viagem. Nossos parentes, até mesmo Ah Mah, que
raramente saía de casa na velhice, vieram ao nosso hotel para nos receber.
Depois fomos para a casa deles, onde tia Min preparou um bom jantar para
todos. Eu me sentia tão surpreso por estar de volta à Inglaterra novamente.
Fazia um ano desde a última viagem, mas sentia como se nada tivesse
mudado. Nada melhorou na minha vida, isso é certo. Eu estava exatamente
na mesma posição do ano anterior, e na mesma posição de um ano antes
disso... e assim regressivamente. Agora eu era virgem aos vinte e um anos
e ainda sofria as mesmas injustiças do mundo. Tentava não pensar nisso
para o bem da viagem, mas a angústia era demais.
Nosso hotel servia o mesmo tipo de café da manhã requintado que o hotel
onde nos hospedamos no último ano, e mais uma vez eu me refestelei nas
incontáveis linguiças de porco, croissants, presunto, bacon e todas as outras
delícias servidas no buffet; todas as manhãs. Nessa viagem fiquei a maior
parte do tempo no hotel, relaxando e tentando criar um ambiente de paz e
serenidade.
Quando minha família saiu para um passeio em Londres eu me recusei a ir
junto. Não fazia sentido. Eu apenas me sentiria miserável enquanto outros
homens estariam caminhando com suas namoradas. Eu disse a todos que
não sairia por nenhuma noite em Londres a menos que tivesse uma bonita
namorada ao meu lado. Enquanto eles estavam em Londres, eu fiquei na
casa dos meus parentes com minha vó Ah Mah. Ela preparou-me um jantar
delicioso, bem como fazia quando eu era uma criança morando na Velha
Reitoria na Inglaterra. Bebi uma garrafa inteira de vinho nessa noite, e
estava bastante bêbado quando eles voltaram de Londres.
Conseguimos visitar a vó Jinx durante essa viagem. Antes de voltarmos para
a América, o tio Andrew nos levou até Smarden, no Kent, para visitar a casa
dela. Eu não estava na casa da vó Jinx desde os dez anos de idade, e ela
parecia exatamente a mesma. A vó Jinx me perguntou várias questões
sobre minha vida, como ela sempre fazia. Eu tive que fingir com desfaçatez
que tudo estava indo bem, e me doía não ter nada do que me vangloriar.
Eu odiava ser o neto vergonhoso. Aposto que o primo George estava
vivendo melhor do que eu. Com certeza ele tinha muito a dizer que fizesse
a vó Jinx orgulhosa.
De mais a mais, foi uma viagem relaxante, tranquila, e luxuosa. Eu não me
arrependi de ter ido junto. Do jeito que minha vida estava, eu precisava de
uma coisa assim para preenchê-la com uma de minhas últimas satisfações.
Na volta para casa, passamos algum tempo na área privada da Primeira
Classe no Aeroporto Heathrow, e esse espaço era ainda mais
impressionante do que aquele do LAX. Eles tinham todos os tipos de
comidas requintadas, e um bar inteiro cheio de todas as bebidas que se
pudesse imaginar. No voo de volta eu bebi várias taças de vinho tinto de
novo antes de cair em um sono tranquilamente embriagado. Quando
estávamos quase pousando em L.A. nosso avião pairou pela cidade por um
tempo, esperando o tráfego na pista lá embaixo limpar. Enquanto o avião
pairava nas nuvens eu filmei alguns vídeos de toda a cidade de Los Angeles.
Foi uma grande experiência, ver uma cidade daquelas de cima. Tudo parecia
muito pequeno, e as pessoas e os carros pareciam pequenos insetos. Por
um curto tempo eu fantasiei em ser um deus enquanto olhava sobre tudo
abaixo. Eu imaginei ter o poder para destruir tudo abaixo com poderes
sobrenaturais explosivos. Parecia um ótimo cenário, digno de ser discutido
com James Ellis, se ele ainda fosse meu amigo.
Nos últimos meses da primavera eu fui muito para casa porque a solidão
em Santa Bárbara era demais sufocante. Ir para casa visitar meus pais
sempre era um refúgio emocional para mim. Nessas viagens para casa, eu
passava bastante tempo com meu irmãozinho Jazz. Meu pai me deixava
dirigir sua Mercedes enquanto eu estava na cidade, e às vezes eu pegava o
Jazz para dar voltas com ele. Nessas voltas, comecei a me acertar muito
bem com o garoto. Íamos para lugares como a Barnes&Noble, para
parquinhos, e para cafés locais onde eu o alimentava com café e pastéis. Os
parques em que o levava eram o Parque Serrania e do centro recreativo de
Woodland Hills. Eu gostava de vê-lo brincar nos parques, porque eram os
mesmos parques que eu brinquei quando tinha sua idade... Quando minha
vida era feliz. Enquanto o observava, eu sonhava com a vida feliz que eu
tinha, antes de todo meu mundo afundar na escuridão.
Eu percebia como meu irmão Jazz era diferente de mim na mesma idade.
Enquanto eu era tímido, baixo, e fisicamente fraco, Jazz era alto para sua
idade e muito sociável. Ele não tinha problemas em se juntar com outros
meninos do parque e ficar amigo deles na mesma hora. Comecei a ter uma
inveja amarga dele, embora escondesse muito bem. Meu pequeno irmão
tinha todo o potencial para se desenvolver e ser uma criança popular e viver
a vida que eu nunca fui capaz de viver. Amaldiçoei o mundo por dar ao meu
pequeno irmão Jazz muito mais vantagens do que a mim. Tentei não deixar
que isso arruinasse minha relação com ele. Meu irmão realmente me
admirava. Ele era uma das poucas pessoas que me tratava com adoração, e
isso me fazia sentir pelo menos uma pequena pontada de autoestima. Era
bastante surpreendente que ele me respeitasse tanto, já que eu não tinha
nada em minha vida para me gabar. Uma vez ele me perguntou se eu tinha
uma namorada, e eu lhe disse raivosamente que não era de sua conta. Eu
não queria admitir para ele que as meninas achavam que eu era um
perdedor. Se ele descobrisse isso, ele me respeitaria menos. Para elevar o
alto conceito que ele tinha de mim, frequentemente eu adoçava todas as
minhas realizações, dizendo que eu era um skatista muito habilidoso e um
grande jogador de videogame.
As pessoas terem um alto conceito de mim é o que eu sempre quis na vida.
Sempre foi para mim da maior importância. É por isso que minha vida tem
sido tão miserável, porque ninguém tem um alto conceito de mim. Meu
irmãozinho Jazz era o único que tinha uma opinião dessas, e é por isso que
eu gostava de passar tanto tempo com ele, apesar de ter inveja de suas
vantagens sociais.
Eu não tinha mais nada pelo que viver além da vingança. As meninas devem
ser punidas pelo crime de rejeitarem um cavalheiro magnífico como eu.
Todos aqueles caras populares devem ser punidos por desfrutarem de vidas
abençoadas e fazerem sexo com todas as meninas enquanto eu tenho que
sofrer com minha virgindade solitária. Já era quase junho, e eu estava
morando em Santa Bárbara há dois anos. Dois anos inteiros. Eu morava
numa cidade universitária cheia de jovens estudantes universitárias que
faziam festa e transavam a toda hora, mas eu não conseguia experimentar
nada disso. Ninguém me convidava para as festas, e todas as vezes que eu
saía sozinho em Isla Vista, nenhuma menina loira mostrava o mínimo
interesse de fazer sexo comigo. Nenhuma menina. Esses são crimes que não
podem passar sem retribuição. Quanto mais eu pensava nas injustiças que
eram cometidas contra mim, mais ansioso eu ficava para me vingar. Era
tudo o que me restava. Eu não queria morrer, mas eu sabia que tinha que
me matar depois de aplicar minha vingança para evitar ser capturado e
preso.
Por um tempo, eu estava decidindo se exigiria minha Retribuição em Isla
Vista ou no campus de Santa Bárbara. Em ambos lugares eu havia sofrido
imensamente na mão de todo mundo lá. Tinha visto jovens casais atraentes
circulando nesses dois lugares, e por isso eram meus alvos. Eu queria matar
tantos casais atraentes quanto fosse possível.
Depois de pensar bastante, cheguei à conclusão de que o Dia da Retribuição
se daria em Isla Vista. Nos finais de semana à noite as ruas de Isla Vista estão
sempre cheias de jovens casais e caras populares indo para suas festas. Que
lugar melhor poderia existir para aplicar minha Retribuição para meus
inimigos? Toda vez que caminhei por Isla Vista, tentando conhecer meninas
ou me juntar a caras legais, eu apenas fui tratado com desdém, como se eu
fosse um rato inferior. No Dia da Retribuição, o jogo se inverterá. Eu serei
um Deus, e eles serão todos animais para o abate. Eles são animais... Eles
se comportam como animais, então eu posso abatê-los como os animais
que são.
Cheguei ao ponto em que tinha que escolher uma data para o Dia da
Retribuição. Inicialmente considerei fazer no Halloween de 2013. É quando
toda a cidade explode numa festa barulhenta. Haveria literalmente
milhares de pessoas aglomeradas que eu poderia matar com facilidade, e o
objetivo era matar todos em Isla Vista, destruir totalmente aquela cidade
desgraçada. Entretanto, depois de ver alguns vídeos do Halloween de anos
anteriores no Youtube, notei que havia muitos policiais no entorno. Seria
muito arriscado. Um disparo efetuado por um policial poderia estragar
tudo. O Dia da Retribuição deveria ser executado numa festa normal de fim
de semana, então determinei que seria em algum dia de novembro de
2013.
Esse objetivo me daria cinco meses para planejamento e preparação. Mais
cinco meses de vida, mas eu nem podia chamar isso de vida. Uma sensação
de tontura e ansiedade avassaladoras tomou conta de mim. Eu morreria
mesmo. Eu não conseguia acreditar nisso. No entanto eu percebi que minha
vida já tinha acabado de qualquer jeito. Eu nunca perderia minha
virgindade; eu nunca experienciaria amor e sexo; eu jamais teria filhos. Esse
ato final de Retribuição era a única coisa que me restava fazer. Foi muito
difícil aceitar os termos desse triste fato. Senti-me muito encurralado e
perdido.
Uma vez ao visitar minha casa, meus pais, junto com meu psiquiatra Dr.
Charles Sophy, arranjaram um conselheiro para me encontrar com
frequência e me ajudar com minha vida. Seu nome era Gavin Linderman,
um jovem de vinte e cinco anos. Ele era parecido com Tony, meu antigo
conselheiro do centro regional quando eu tinha dezenove anos, exceto pelo
fato de que Gavin era muito mais novo e agia mais como um amigo que
podia me levar para conhecer lugares. Toda vez que eu voltava para visitar
meus pais eu me encontrava com Gavin. Geralmente nos encontrávamos
em algum restaurante, ou íamos dar uma caminhada. Eu lhe contei todos
os meus problemas com meninas e todas as dificuldades que tinha que
passar em Santa Bárbara. Sendo ele mesmo familiar a Isla Vista, já que
passara muito tempo lá quando era mais jovem, ele me confirmou que, de
fato, as meninas de Isla Vista preferiam homens altos, musculosos, e
arruaceiros do tipo atleta.
Gavin era a única pessoa com quem eu interagia na época, sem contar os
encontros esporádicos com Philip e Addison. Ele era um jovem bem
aparentado, com uma mandíbula esculpida e o cabelo loiro dourado.
Sempre que saíamos para algum restaurante, ou para qualquer outro lugar
que tivesse meninas, eu ficava extremamente ciumento quando via que as
meninas ficavam de olho nele em vez de mim. Tinha uma menina em um
restaurante de Santa Mônica que ficou encarando-o durante todo o tempo
em que estávamos sentados lá. Nenhuma menina jamais fez isso comigo.
Isso apenas me deixou mais consciente de que as meninas não me
consideravam fisicamente atraente. Meu ódio pelo gênero feminino não
poderia ficar maior. Já era demais.
No Dia dos Pais, fui com minha família para o Resort Four Seasons em
Westlake Village. O Four Seasons servia seu almoço anual do Dia dos Pais.
O lugar era muito bonito e opulento, e havia comida saborosa de todos os
tipos para escolher. Eu sempre procurava por eventos como esse. Desde
que eu não tinha acesso ao sexo, a comida era meu único vício. Em como
todos os buffets que eu participava, me estufei tremendamente, tentando
experimentar um pouco de tudo o que eles ofereciam. Havia linguiça de
porco, bacon, salmão defumado, sushi, filé mignon, frango assado, batatas
assadas... E eu sentia prazer em comer até quanto aguentava. Servi o prato
três vezes e devorei todos. Enquanto comia minha refeição saborosa, dei
uma olhada no cenário em volta; a arquitetura perfeitamente construída
do salão, as lindas flores nos jardins, o luxuoso mobiliário e decoração, as
fontes em cascata. Isso realmente me fez sentir bem, uma pausa bem-vinda
de todo o meu sofrimento em Santa Bárbara. Pausas como essas me
deixavam mais consciente de que há tantas coisas boas e belas neste
mundo para desfrutar. Se meu status de vida fosse melhor, eu poderia
pensar que esse mundo era um lugar magnífico, e quem sabe aproveitasse
a vida. Se estivesse satisfeito com as circunstâncias de minha vida, então eu
seria capaz de curtir ao máximo esse mundo bonito. Mas eu não consigo
ficar satisfeito se sou virgem e as meninas me rejeitam. É como uma
tragédia.
Dei-me conta que ainda não queria desistir da vida nesse mundo. Eu queria
ter uma vida feliz, uma vida na qual eu pudesse ter uma namorada bonita
e experienciar esse mundo fantástico com ela. Decidi que como meus
planos para o Dia da Retribuição não se dariam mais em novembro, eu
poderia usar o tempo disponível no verão para dar uma outra chance à vida;
uma última chance antes do fim, um último esforço para atingir a felicidade.
Esse último esforço desesperado para mais uma vez tentar viver uma vida
universitária agradável em Isla Vista chegou a um ponto culminante e
devastador na noite de sábado, 20 de julho, a poucos dias de meu vigésimo
segundo aniversário.
Foi o dia em que decidi sair em Isla Vista numa tentativa de perder minha
virgindade antes de fazer vinte e dois anos. Essa seria a única coisa que
poderia ter me salvado. Eu estava dando ao gênero feminino uma última
chance para proporcionar-me os prazeres que eu merecia delas.
Eu estava muito nervoso para sair sóbrio, então comprei uma garrafa de
vodca e tomei alguns copos para reunir coragem para sair numa hora
daquelas. Bebi demais, pois quando cheguei à rua Del Playa, minha cabeça
estava anuviada pela embriaguez. A princípio, isso me ajudou
imensamente. Vi muita gente de boa aparência socializando em grupos por
todo o lugar, e se eu não estivesse bêbado isso teria me intimidado demais.
Eu estava tão bêbado que entrei numa festa da pesada que estava
acontecendo numa casa em Del Playa. Eles tinham um DJ tocando música
incomodativa de Hip Hop que todos os jovens gostam nos dias de hoje, e
havia uma mesa de ping pong armada onde muitos caras populares
jogavam “cerveja pong”, um jogo rude para se embebedar.
Havia cerca de cem pessoas na festa, e todo mundo estava socializando
dentro de uma roda de amigos, exceto eu. Perambulei lá dentro com a
minha confiança de bêbado por alguns momentos, peguei a cerveja que
eles tinham, e tentei agir como alguém normal que vai em festas. Logo
fiquei frustrado que ninguém estava prestando atenção em mim,
especialmente as meninas. Vi meninas conversando com outros caras que
pareciam imbecis falantes, mas nenhuma delas demonstrava interesse em
mim. Minha frustração crescia na mesma proporção de minha raiva. Eu
sempre tive a sensação de que as meninas brancas davam pouca atenção
para mim porque eu era meio asiático, mas então eu vi uma menina branca
conversando com um asiático puro na festa. Eu nunca tive esse tipo de
atenção de uma menina branca! E as meninas brancas são as únicas que me
atraem, especialmente as loiras. Como podia um asiático feio atrair a
atenção de uma menina branca, enquanto um europeu bonito como eu
nunca tinha essa mesma atenção delas? Eu pensei com raiva. Olhei para os
dois por um tempo, então decidi que já tinha sido demais ultrajado. Fui na
direção deles e empurrei o asiático para o lado, tentando agir de maneira
valente e arrogante tanto com o menino quanto com a menina. Meu estado
embriagado levou a melhor sobre mim, e eu quase caí no chão depois de
alguns minutos de discussão. Eles disseram alguma coisa de que eu estava
muito bêbado e precisava tomar um pouco de água, então eu raivosamente
os deixei e fui para o pátio da frente, onde o principal da festa estava
acontecendo. A raiva fumegou dentro de mim quando percebi que havia
acabado de fugir daquele confronto, então voltei para a casa e mandei o
asiático à merda antes de sair novamente.
Permaneci estranhamente no pátio da frente por um tempo, percebendo
como eu parecia patético estando sozinho enquanto todo mundo fazia
festa à minha volta. Para me acalmar, subi em um tabique de madeira que
cercava a rua e me joguei em uma das cadeiras que havia ali. Isla Vista
estava em seu estado mais selvagem naquela hora, e vi muitos caras
andando por ali com meninas loiras em seus braços. Isso me encheu de
raiva, como sempre acontecia. Eu deveria ser um daqueles caras, mas
nenhuma menina loira me dava essa chance. Olhei para eles e, em meu
descaso embriagado, estendi meu braço e fingi atirar em todos, rindo
copiosamente enquanto o fazia. Casualmente alguns arruaceiros também
subiram o cercado. Eram todos uns desordeiros barulhentos que eu sempre
desprezei. Duas meninas bonitas vieram conversar com eles, mas nenhuma
comigo. Todos eles começaram a socializar bem ao meu lado, e nenhuma
das meninas prestou atenção em mim. Levantei de minha cadeira e tentei
agir de maneira agressiva e arrogante, dirigindo palavrões a todos. Eles
apenas deram risada e começaram a me xingar de volta. Foi a gota d’água,
eu já tinha recebido demais insultos naquela noite. Uma raiva negra cheia
de ódio sobrepujou todo meu ser, e tentei empurrá-los todos para baixo do
cercado de aproximadamente três metros de altura. Meu alvo principal era
as meninas. Eu queria puni-las por falarem com aqueles imbecis em vez de
comigo. Foi uma das coisas mais estúpidas e inconsequentes que já fiz, e
quase arrisquei tudo ao fazê-lo, mas estava tão bêbado e com raiva que não
me importei. Falhei na tentativa de empurrar qualquer um deles para baixo,
então os caras começaram a me empurrar, o que resultou que eu fui o único
a me estatelar na calçada. Ao cair no chão escutei um estalo no tornozelo,
seguido de uma dor lancinante. Levantei lentamente e percebi que nem
conseguia caminhar mais. Eu só conseguia mancar, e assim eu fui. Tentei
sair dali o mais rápido possível.
Conforme eu mancava algumas quadras pela rua Del Playa com minha
perna quebrada, fui me dar conta de que alguém havia roubado meus
óculos da Gucci que minha mãe tinha me dado. Eu amava esses óculos, e
precisava recuperá-los. Dei meia volta subitamente e fui mancando de volta
para a festa. A essa altura, eu estava tão bêbado que esqueci onde era a
festa e acabei entrando no jardim da frente da casa ao lado, exigindo saber
quem tinha pego meus óculos escuros. As pessoas dessa casa deviam ser
amigas daquelas com quem briguei anteriormente, pois me receberam com
cruel hostilidade. Eles me chamaram de nomes como "viado" e "xoxota",
coisas típicas que esses desgraçados diriam. Um grupo inteiro desses
retardados detestáveis apareceu e me arrastou para a entrada da garagem,
me empurrando e me batendo. Eu queria lutar e matar todos eles. Consegui
dar um soco naquele que estava à minha frente, mas isso só fez com que
eles me batessem ainda mais. Caí no chão e eles começaram a me chutar e
dar socos em meu rosto. Por acaso, algumas pessoas que passavam na rua
terminaram com a briga. Encontrei forças para me levantar e cambalear
embora.
Foi a primeira vez na minha vida que fui realmente espancado fisicamente
a ponto de meu rosto ficar com hematomas. Eu já tinha sofrido bastante
bullying em minha vida, mas na maioria não era físico. Eu nunca tinha sido
espancado e humilhado dessa forma. Todo mundo em Isla Vista viu o que
aconteceu, e isso foi verdadeiramente terrível.
A pior parte de toda essa provação não foi levar uma surra, ah, com certeza.
Foi o fato de que ninguém mostrou preocupação comigo. Houve somente
um grupo que ajudou a me levar até o fim da rua Del Playa, mas depois
disso eles me abandonaram. Nenhuma menina se ofereceu para me ajudar
enquanto eu mancava de volta para casa com uma perna quebrada, surrado
e sangrando. Se as meninas sentissem atração por mim, elas teriam se
oferecido para me levar até meu quarto e cuidariam de mim. Elas até
mesmo se ofereceriam para dormir comigo para me fazer sentir melhor. Só
que não, nenhuma menina demonstrou a mínima preocupação comigo.
Elas não se importaram. Ninguém se importou comigo. Eu estava sozinho.
Quando cheguei no meu quarto, estava tão traumatizado que liguei para as
únicas pessoas que conhecia nesse mundo, meus pais e minha irmã. Sim,
eu também liguei para minha irmã, alguém com quem eu nunca me dava
muito bem. Fiquei de mau humor por um longo tempo, e então levei a mão
ao pescoço para tatear meu colar de ouro, mas não senti nada. No meio da
briga, um daqueles marginais tinha arrancado meu colar especial de ouro
que minha vó Ah Mah tinha me presenteado! Esse colar era um dos itens
mais especiais que eu tinha, e agora um daqueles marginais desgraçados o
venderia para comprar drogas. Desabei em angústia e lamentei em agonia,
chorando e chorando até desmaiar na minha cama, sozinho.
Quando acordei na manhã seguinte minha perna estava com dor terrível.
Estava roxa e inchada, e eu nem conseguia pisar no chão. Tive que me
rastejar. Estando totalmente sóbrio, minha ansiedade voltou. Ficou muito
claro para mim o que tinha acontecido. Eu sentia raiva de tudo, mas
também estava com medo de que pudesse estar metido em problemas. Eu
havia tentado empurrar meninas pelo cercado e ameacei de morte todas
aquelas pessoas, o que poderia vir a me complicar. Teria de inventar uma
história bastante alterada para explicar à polícia, que inevitavelmente me
interrogaria assim que eu chegasse ao hospital e relatasse meu ferimento.
Meu pai foi até Santa Bárbara para me levar no hospital. Dois policiais
realmente me interrogaram, e eu disse que aqueles caras deliberadamente
me empurraram para baixo do cercado depois que eu agi “afoito” contra
eles. Nem mencionei as meninas. Expressei aos policiais o meu desejo de
que eles fossem punidos por isso. Os policiais foram então interrogá-los, e
eles deram sua própria versão da história. Como não havia provas, o caso
foi sumariamente encerrado.
O médico do hospital me engessou temporariamente e me deu muletas.
Não fossem todas as coisas do mundo que me faziam sentir inferior, agora
eu era um aleijado. Sentia-me quebrado e derrotado. Para meu pavor, o
médico disse que eu teria que usar muletas pelos próximos seis meses e
teria que fazer cirurgia.
A perna que quebrou foi a esquerda, então eu ainda podia dirigir. Logo após
o incidente dirigi de volta para casa para passar o resto do verão me
recuperando. Foi uma viagem melancólica. Eu nunca tinha me sentido tão
derrotado e injustiçado em minha vida. Eu tinha saído para uma festa em
Isla Vista, na expectativa que voltaria para meu quarto triunfante com uma
menina em meus braços, mas em vez disso eu voltei mancando com uma
perna quebrada e a esperança igualmente.
Meu vigésimo segundo aniversário foi uma experiência miserável. Eu estava
sentado em um canto da casa da minha mãe, olhando para minha perna
quebrada, e me sentindo tão patético por ser um aleijado, quanto por ser
virgem aos vinte e dois anos. Minha mãe me comprou um novo colar de
ouro para substituir aquele que tinham roubado de mim, porque ela sabia
o quanto isso havia me machucado.
22 Anos
A experiência absolutamente injusta de ter sido espancado e humilhado na
frente de todo mundo em Isla Vista, e a subsequente falta de consideração
com meu bem-estar, foi a gota d’água. Na verdade, dei a todos uma última
chance de me aceitarem, de me darem uma razão para não odiá-los, mas
eles devolveram isso bem na minha cara de forma devastadora. Eu já tinha
dado ao mundo muitas chances. Era a hora da Retribuição.
Fui para a cirurgia no início de agosto. Depois de visitar o ortopedista local,
ele recomendou que eu teria de colocar pinos no tornozelo em vez de
esperar que se recuperasse naturalmente. Decidi aceitar o procedimento
apenas para me ver livre das muletas mais rapidamente. Minha mãe me
levou para o hospital cedo da manhã, e eu estava morrendo de medo. Eu
nunca tinha passado por uma coisa dessas na minha vida. Eles me deram
uma anestesia geral, e quando acordei minha perna queimava de dor, ainda
que a medicação que eles injetaram em mim depois ajudou a amenizá-la.
Um novo objeto fora posto em minha perna. Eu nem queria pensar em
como estava a aparência disso. Disseram-me que tinham parafusado uma
placa de titânio para segurar o osso quebrado no lugar, o que necessitou de
seis pinos. Permaneci em repouso no hospital por algumas horas antes de
que me fosse permitido ir para casa, sob as instruções de que deveria
manter minha perna elevada durante todo o tempo na próxima semana.
Logo depois de minha cirurgia minha mãe e minha irmã viajaram de férias
para o Havaí. Elas tinham planejado essa viagem há bastante tempo, e é
claro que me recusei a acompanhá-las como elas tinham sugerido alguns
meses atrás. Minha mãe não queria que eu ficasse completamente sozinho
em sua casa no estado em que eu me encontrava. Cuidar da casa numa
condição dessas seria difícil, e não haveria ninguém para pedir socorro em
caso de uma emergência. Pedi para o pai se eu podia ficar em sua casa, mas
Soumaya estava com alguns de seus parentes pousando lá no verão, então
ela recusou que eu ficasse lá porque seria “muito trabalho para ela”, apesar
da casa do pai ter seis quartos e muito espaço de sobra para eu ocupar. O
pai, é claro, aceitou as regras de Soumaya como sempre fazia. Meu respeito
por meu pai já estava tão baixo que não havia como decrescer em meu
conceito por causa disso.
Devido a essa pequena dificuldade, minha mãe alugou um quarto de hotel
no Extended Stay America, em Woodland Hills. Fiquei contente com isso. O
hotel era bastante confortável, e minha mãe me provisionou com um
estoque de comida pela semana que eu passaria nele. Isso proporcionou-
me um ótimo ambiente para que me recuperasse das terríveis experiências
que tinha recentemente enfrentado. A única coisa que eu não gostei desse
hotel é que ele era localizado bem em frente da escola Taft, então sempre
que olhava pela janela eu via o lugar que tinha me causado grande
sofrimento num passado distante. Eu pensei no bullying que me fizeram na
Taft, e de certa forma minha experiência lá foi semelhante a que tinha se
passado comigo naquela noite fatídica em Isla Vista. Eu era humilhado pelos
marginais, e as meninas adoravam me ver sendo humilhado. De fato, era
um cenário bastante parecido.
Apenas agora é que estou pronto e posso dar o troco na crueldade das
meninas. Quando eu era um menino fraco e tímido na Taft, sentia-me
impotente e assustado, tendo que me esconder numa vida de videogames.
Todo o sofrimento, solidão, rejeição, e humilhação que passei desde então
me fortaleceu. O ódio que se espalhou dentro de mim por todos esses anos
até chegar nesse ponto me fortaleceu de uma maneira sombria e
conturbada. Agora eu estava armado, possuía grande inteligência e
conhecimento filosófico, com a força de vontade para executar o ato mais
catastrófico de vingança que o mundo já viu.
Quando minha mãe voltou do Havaí eu fui ficar em sua casa pelo mês
seguinte, até que minha perna estivesse boa para tirar as muletas. Eu não
queria voltar para Santa Bárbara usando muletas, seria demais humilhante,
e eu já tinha sido bastante humilhado lá.
Na primeira semana após a cirurgia senti dores intensas na perna, embora
essa dor intensa não fosse nada comparada ao ódio que queimava em meu
coração. Durante esse período eu mal podia levantar da cama, porque
sempre que o fazia, o sangue corria para minha perna e atiçava a dor. Por
todo o tempo em que estive no hotel eu fiquei na cama como um vegetal.
Depois dessa semana inicial a dor diminuiu e pude me mover com mais
facilidade com minhas muletas. Costumava dar voltas pelo quintal de minha
mãe como um meio de dispersar minha raiva, às vezes brandindo minhas
muletas no ar como se elas fossem espadas, retalhando todos os inimigos
que me injustiçaram na vida.
O mês que passei na casa da mãe foi bastante relaxante, e tentei dar o
melhor de mim para me acalmar enquanto o tempo passava. Passei muito
tempo assistindo filmes, lendo, meditando, e refletindo na vida. Ficava
sempre em casa, pois dispensava sair à rua para ser visto como um aleijado.
Eu já me sentia muito inseguro pelo simples fato de ser um virgem solitário.
Ser visto como um aleijado era pôr sal na ferida.
Gavin veio me visitar, e dessa vez nos sentamos na sala de jantar de minha
mãe para termos outra importante conversa sobre minha vida e para onde
eu estava indo. Ele novamente me aconselhou a sair de Isla Vista, mas eu
não quis escutá-lo. Eu havia me mudado para Isla Vista com o objetivo de
perder minha virgindade e ter a vida que desejava. Se eu era incapaz de tê-
la, eu a destruiria. Eu jamais bateria em retirada.
Meus pais conseguiram uma consulta com meu psiquiatra, o Dr. Charles
Sophy. Saí com minha mãe para encontrar meu pai do lado de fora da casa
do Dr. Sophy em Beverly Hills e, quando chegamos lá, ficamos surpresos ao
ver que Soumaya também tinha vindo para a consulta. Isso expôs um
conflito, porque Soumaya e minha mãe tinham recentemente discutido
devido a Soumaya recusar-se a me deixar ficar na casa do pai durante sua
viagem para o Havaí. Durante mais da metade da consulta o médico passou
resolvendo esse pequeno conflito, em vez de abordar os problemas pelos
quais eu estava passando. Quando eles finalmente chegaram em minha
situação, o Dr. Sophy acabou me dando a mesma recomendação inútil que
todos os demais psiquiatras, psicólogos, e conselheiros já tinham me dado
no passado. Eu não sei porque meus pais gastavam dinheiro em terapia,
pois isso nunca me ajudou a enfrentar esse mundo injusto e cruel. O médico
terminou a consulta prescrevendo um medicamento controverso,
Risperidona. Depois de pesquisar sobre esse medicamento, descobri que
era algo absolutamente errado para eu tomar. Recusei-me a tomar, e
depois disso nunca mais vi o Dr. Sophy.
No fim do mês minha mãe convidou Maddy e Mo Humpreys para um jantar.
A mãe tinha recentemente se reconectado com seu velho amigo Mo.
Maddy estava recém formada na USC, uma universidade conhecida por sua
abundância de estudantes mimadas e promíscuas que faziam festa a toda
hora, muito parecida com a UCSB. Eu costumava chamar a USC de
“Universidade das Putinhas Mimadas”, assim como chamava a UCSB de
“Universidade de Pirralhos Mimados da Califórnia.” Nomes brilhantes e
muito adequados! Antes da Maddy chegar eu dei uma olhada no seu
Facebook e vi que ela representava a exata imagem de tudo o que eu odiava
nas meninas. Ela era uma patricinha popular da USC que fazia festa com
suas amiguinhas gostosas e loiras. Todas elas pareciam belas putinhas, e
meu ódio por todas crescia a cada imagem que visualizava em seu perfil.
Elas eram o tipo de gente popular que tinham vidas prazerosas e me
olhariam de cima para baixo como se eu fosse um lixo, nunca me aceitando
em seu meio. Elas eram meus inimigos. Elas representavam tudo o que
havia de errado no mundo. A Maddy foi meu primeiro amigo na América.
Quando criança, eu brincava com ela como um igual. Agora ela era meu
inimigo. Eu teria grande prazer em torturar e esfolá-la assim como cada um
de seus amigos perversos e detestáveis. Quando ela e sua mãe chegaram
para jantar conosco, tive que manter a calma enquanto mancava para fora
do meu quarto de muletas para cumprimentá-las.
Esse mês relaxante na casa da mãe foi como a calmaria que precede a
tempestade. Quando voltasse para Santa Bárbara, totalmente
restabelecido, o sombrio capítulo final de minha vida começaria. Eu temia
pelo que resultaria disso.
Fiz minha aziaga viagem de volta para Santa Bárbara, e enquanto dirigia
pensava em todas as injustiças que tive de suportar nos dois últimos anos
que havia passado lá. Injustiças que nunca foram engolidas. Agora era a
hora de corrigi-las. Agora era a hora da Retribuição.
Quando cheguei em meu apartamento vi que meus colegas Chris e Jon
tinham se mudado. Uma pena, pois eles eram os colegas mais agradáveis
que eu poderia desejar. Eu temia como seriam meus novos colegas, e me
disseram que eles chegariam dentro de poucas semanas. Tinha o
apartamento todo para mim enquanto isso, o que me caiu bem. Neguei-me
a sair do meu quarto até que pudesse ao menos tirar o gesso. Passava meu
tempo fazendo a mesma coisa que fazia na casa da mãe, assistindo muitos
filmes e refletindo pelos cantos sobre meu futuro.
Ao voltar para casa, fui ver meu ortopedista pela última vez e ele me disse
que finalmente eu podia andar sem gesso na perna, embora precisasse da
bengala por mais algumas semanas. Fiquei contente com isso, pois não me
importava muito com a bengala. Tinha uma peculiar elegância.
Também fui me encontrar com o amigo de meu pai, Dale Launer, naquele
fim de semana. Dale Launer é um roteirista e produtor bem-sucedido de
Hollywood que possui uma bela casa em Palisades. Dale e meu pai são
amigos de longa data. Quando eu era criança, às vezes o pai me levava em
jantares em sua casa. Eu não via Dale desde que era criança, mas nos
últimos meses comecei a conversar por e-mail com ele depois que ele
descobriu que eu estava tendo problemas com meninas. Ele queria me
ajudar a superar meus problemas porque ele mesmo se dizia um expert em
meninas. Ele até me mostrou fotos de todas as meninas bonitas com quem
tinha se relacionado na vida, e havia muitas. Esse homem realmente vivia.
Alguns homens que têm sucesso com as meninas me ofereceram ajuda e
conselhos nesse departamento no passado, mas nada mudou. Suponho que
queiram me ajudar porque é um estímulo para seus já elevados egos e
também porque sentem pena de mim. As pessoas sentem pena de mim.
Minha vida é tão patética, e odeio o mundo por me forçar a sofrer. Eu tenho
pena de mim mesmo.
Na verdade, não há nada que homens como Dale possam fazer para me
ajudar a atrair meninas e perder minha virgindade. Eles não têm o poder de
controlar a mente das meninas para que se sintam atraídas por mim. É um
defeito das meninas não sentirem nenhuma atração sexual por mim. Minha
breve amizade com Dale, no entanto, desencadearia algumas conversas por
e-mail mais interessantes, nas quais confidenciei a ele como acho que as
meninas são cruéis por natureza. Ele apenas se divertiu com isso. É claro
que ele acharia engraçado, as meninas nunca são cruéis com ele. Elas lhe
dão sexo e amor por toda sua vida.
Eu tive uma discussão com Soumaya quando estava visitando a casa do pai.
Tudo começou com ela se gabando de que meu irmão Jazz tinha
recentemente sido contratado por um agente para fazer um comercial na
televisão. Ela disse que quando ele tivesse minha idade ele seria um grande
ator. Eu falei sobre como o Jazz já era tão socialmente experiente para sua
idade, e como eu sempre o invejei por isso. Ela me disse que ele nunca teria
problemas em arranjar meninas, e que perderia a virgindade ainda
adolescente. Eu tive que sentar lá e ouvir a cadela me dizer que meu
irmãozinho cresceria aproveitando a vida que eu sempre desejei ter, mas
que se perdeu. É bastante injusto como certos caras são capazes de terem
vidas prazerosas enquanto eu nunca tenho uma prova disso, e agora estava
sendo confirmado para mim de que meu irmãozinho se tornaria um deles.
Ele se tornaria um cara popular que pegaria todas as meninas. As meninas
o amariam. Ele seria um de meus inimigos.
Esse foi o dia em que decidi que teria de matá-lo no Dia da Retribuição. Eu
não permitiria que o menino me superasse em tudo, que vivesse uma vida
que eu sempre quis. Não era justo ele ter a chance de ter uma vida
prazerosa enquanto a mim ela tinha sido negada. Seria uma coisa difícil de
fazer, porque eu realmente tinha criado um vínculo com meu irmãozinho
no ano anterior, e ele me respeitava e se espelhava em mim. Contudo, eu
teria de fazer. Se eu não podia ter uma vida prazerosa, então ele também
não! Eu não o deixarei degredar meu legado à vergonha.
Para matar Jazz, eu teria de matar Soumaya também, mas essa seria fácil.
Era só pensar em todas as coisas dolorosas que ela disse para mim no
passado para eu cravar minha faca em seu pescoço. Mas e se o pai estivesse
em casa para me deter? Eu teria de matá-lo também? Isso seria demais para
mim. Eu me lembro, quando eu era criança, eu tinha pesadelos em que meu
pai morria, então acordava chorando por minha mãe, e ela me acalmava
dizendo que tinha sido apenas um sonho. Como minha vida podia ter
chegado ao ponto em que pensava em matar meu próprio pai? Isso revirava
meu estômago.
Cheguei à conclusão de que deveria marcar o Dia da Retribuição para
quando meu pai estivesse fora do país, numa de suas viagens a negócios.
Seria muito arriscado precisar matá-lo, eu poderia hesitar no último
segundo. Quando pensava nisso, eu realmente ficava mal. Sentia um
calafrio percorrendo minha espinha. Todo meu mundo tinha se tornado
muito conturbado e errado. Eu não queria chegar a esse ponto. Eu
desesperadamente queria uma escapatória.
Para fazer-me sentir mais confiante, minha mãe me deu um carro melhor
para dirigir em Santa Bárbara, um BMW 3 Series Coupe. Eu sempre quis
isso, já que me importava muito com minha aparência. Eu vinha pedindo
para meus pais um carro de alto padrão desde que descobri que havia uma
hierarquia entre carros, e que alguns estudantes da minha faculdade
dirigiam carros melhores do que outros. Agora eu era um dos estudantes
com um carro melhor, de alto padrão.
Ter um carro melhor do que a maioria dos estudantes da minha idade
realmente fez-me sentir mais confiante. A mãe deveria ter me comprado
esse carro logo que me mudei para Santa Bárbara. Ele me fez sentir melhor
quando tinha que sair por lá. Isso conferiu, junto com minha perna
recuperada, uma última pontada de esperança durante os meses finais de
2013.
Visitei a casa da minha mãe várias vezes no outono. Para minha raiva
extrema, descobri que minha irmã agora tinha um namorado, e que tinha
perdido sua virgindade. Ela tinha “namorado” alguns meninos no passado,
mas nunca havia chegado a tão sério expediente como com esse. Ele era
um mestiço mexicano chamado Samuel, e eu imediatamente adquiri uma
intensa antipatia por ele logo na primeira vez em que fomos apresentados.
Ele parecia o típico vagabundo desleixado por quem a maioria das meninas
se sente sexualmente atraída. Georgia o convidava para a casa da minha
mãe o tempo inteiro, e irritava-me vê-lo à espreita, comendo e bebendo, e
fazendo uso dos ambientes da casa. Ele estava se aproveitando da minha
mãe, e ela nem percebia.
Eu finalmente passei a odiá-lo depois que escutei-o fazendo sexo com
minha irmã. Eu cheguei em casa um dia, minha mãe estava no trabalho, e
escutei os sons de Samuel penetrando seu pênis na vagina da minha irmã
mesmo com a porta de seu quarto fechada, além dos gemidos que ela dava.
Eu parei ali e escutei tudo. Então minha irmã, que era quatro anos mais
nova do que eu, conseguiu perder a virgindade antes de mim. Isso me fez
lembrar de como eu era patético, com vinte e dois anos de idade ainda
virgem. Eu odiei também o seu namorado. Minha irmã disse que ele tinha
saído com outras meninas antes dela, e eu tinha certeza que ele perdeu sua
virgindade muito precocemente. Isso é como uma injustiça. O vagabundo
nem tinha um carro, e conseguia arrumar namorada, enquanto eu dirigia
um BMW e não chamava a atenção de nenhuma menina.
Minha irmã até me mostrou uma foto de uma de suas ex-namoradas, uma
linda menina de pele clara. Minha raiva dele só se intensificou depois disso.
Recusei-me a dirigir-lhe a palavra sempre que chegava, e constantemente
eu pedia à minha mãe que o banisse de sua casa, mas ela se negava a
atender minhas demandas. O que era pior, ela constantemente falava dele
com admiração. Ele muito me lembrava Leo Bubenheim, um típico idiota
que era capaz de desfrutar uma vida sexual plena com tão pouca idade. Um
inimigo que agora havia se infiltrado na casa da minha mãe, o único lugar
do mundo inteiro em que eu sempre busquei refúgio das injustiças. As
coisas estavam ficando muito fora do controle.
A vó Jinx veio visitar a casa do pai no final de outubro. Na última vez em que
a visitara, ela resolveu um conflito intenso entre eu, meu pai, e Soumaya. E
de certa forma, essa recente visita fazia um paralelo com a última, pois eu
também estava tendo conflitos com Soumaya dessa vez, só que não ao
mesmo extremo.
Fui até a casa do pai para ver minha vó. Ela sugeriu que eu a levasse para
tomar um café, e eu sabia o lugar perfeito. Levei-a para a Barnes&Noble em
Calabasas, um lugar de grande relevância em meu passado. Estando lá,
mostrei-lhe todos os cantos em que havia passado nos últimos anos.
Depois, antes de me despedir, um sentimento de tristeza tomou conta de
mim, pois sabia que provavelmente seria a despedida final.
Na véspera do meu último dia em Santa Bárbara, antes de voltar para casa
nas férias de inverno, fui ao campo de golfe Sandpiper, na Goleta, para
assistir ao pôr do sol. Era meu lugar costumeiro para ver o pôr do sol, e
naquela tarde o formato das nuvens no horizonte o fez excepcionalmente
belo. Eu me deleitei com seu esplendor enquanto lá estava, imaginando
com desespero como um mundo tão bonito podia ser tão cruel. E então,
um insulto final apareceu junto, como se o mundo estivesse dando um
último golpe rancoroso em mim. Um jovem casal veio e ficou ao meu lado,
se beijando enquanto assistiam ao mesmo pôr do sol. Havia muitas outras
pessoas lá também, pois era um pôr do sol único. Todos devem ter tido
pensamentos de admiração pelo casal, e pensamentos de desprezo em
relação a mim porque eu estava sozinho e largado. Eu tenho vivido um tipo
de vida antinatural, desprovida de amor, sexo, e prazeres. Contemplar o pôr
do sol era um dos poucos prazeres que me restavam, e agora isso também
havia sido tirado de mim. Como eu poderia admirar o pôr do sol de agora
em diante, sabendo que outros homens podiam fazer o mesmo com suas
bonitas namoradas a seu lado? Não havia mais vida para eu viver.
Nos primeiros meses de 2014, que eram os últimos da minha vida, eu tentei
aproveitar ao máximo cada dia. Não houve um só dia em que fiquei no meu
quarto. Toda manhã, saía com o BMW para fazer aventuras pelas cercanias
de Santa Bárbara e Montecito, e não retornava até tarde da noite. Eu fazia
escaladas nas montanhas de Montecito, caminhava sem rumo em parques
bonitos, passeava pela praia, tomava café em vários cafés, e admirava o pôr
do sol em diferentes lugares de contemplação, ficando ali até que as
estrelas se acendessem no céu da noite. Entretanto, toda vez que fazia isso
não havia como escapar da visão de jovens casais fazendo exatamente a
mesma coisa juntos. Isso me deixava ainda mais ansioso pela chegada do
Dia da Retribuição. Minha vida era um inferno, e esse inferno precisava
acabar.
Eu tinha economizado dinheiro extra suficiente para viver indulgentemente
antes de morrer. Mesmo assim não gastei tudo, pois ainda precisava de
suprimentos vitais para meus planos. Em primeiro lugar, eu precisava
comprar uma terceira pistola, para o caso de uma delas travar. Eu precisava
de duas pistolas em funcionamento ao mesmo tempo, pois era assim que
eu planejava cometer suicídio; com dois tiros simultâneos na cabeça.
Também precisava comprar carregadores e munição, bem como facas e
alforges para meu equipamento.
Ao voltar para Santa Bárbara assegurei a mim mesmo que agora sim. O dia
24 de maio de 2014 seria a data final. Não havia como adiar mais, não havia
como retroceder. Se não fizesse isso, teria um futuro repleto de solidão e
rejeição pela frente, desprovido de sexo, amor e diversão. Eu tenho que
fazer isso. É a única coisa que posso fazer. No dia 24 de maio o semestre de
primavera na SBCC terminará e todos os alunos voltarão para suas cidades
de origem, o que significa menos inimigos para matar em Isla Vista. Claro, a
UCSB ainda estaria em aula, mas quero matar os alunos da UCSB e da SBCC.
O Dia da Retribuição é meu único propósito neste mundo, e estou pronto.
Depois de apenas uma semana que coloquei aqueles vídeos no Youtube,
escutei uma batida na porta de meu apartamento. Ao abri-la deparei-me
com sete oficiais da polícia perguntando por mim. Logo que vi aqueles
policiais, o maior medo que já senti em minha vida tomou conta de mim.
Tive o medo impressionante e arrebatador de que alguém tinha descoberto
o que eu planejava fazer e havia me denunciado por isso. Se fosse o caso, a
polícia devassaria meu quarto, encontraria minhas pistolas e armas, além
desses escritos sobre o que eu planejava fazer com elas. Seria colocado na
cadeia, impossibilitado da chance de fazer vingança a meus inimigos. Eu não
conseguia imaginar um inferno pior do que esse. Felizmente, não era o
caso, mas foi quase.
Aparentemente, alguém havia visto meus vídeos e passou a suspeitar de
mim. Eles ligaram para algum órgão de saúde, que por sua vez chamou a
polícia para dar uma verificada em mim. A polícia disse que foi minha mãe
que ligou para eles, mas minha mãe me disse que foi o órgão de saúde.
Minha mãe tinha assistido aos vídeos e ficou muito perturbada com eles.
Acho que nunca saberei a verdade sobre quem realmente chamou a polícia.
A polícia me interrogou por alguns minutos, perguntando se eu tinha
pensamentos suicidas. Com muito tato eu disse a eles que isso era um
grande mal entendido, e então eles finalmente me deixaram. Se tivessem
pedido para vasculhar meu quarto... Isso teria posto um fim em tudo. Por
alguns segundos terríveis eu pensei que isso aconteceria. Quando eles
saíram, a maior onda de alívio percorreu meu corpo. Foi muito assustador.
Foi tudo por causa dos vídeos. Eu devo ter expressado muita raiva neles.
Imediatamente tirei a maioria deles do Youtube, e planejei colocar de novo
poucos dias antes do Dia da Retribuição. Esse incidente me fez perceber
que eu precisava ser extremamente cauteloso. Eu não podia deixar mais
ninguém ficar suspeitando de mim. Bastava uma pessoa chamar a polícia e
dizer que achava que eu cometeria um tiroteio, e a polícia estaria bem na
minha porta novamente, exigindo revistar meu quarto. Nos dias seguintes
eu fiquei com muito medo de que eles pudessem aparecer a qualquer
momento. Mantive uma das minhas pistolas com alguns pentes carregados
perto de mim para o caso de algo assim acontecer. Se eles aparecessem, eu
tentaria matá-los rapidamente e escaparia pela janela dos fundos. Eu teria
então que executar meus planos de forma precipitada, com a polícia em
meu encalço. Isso arruinaria tudo. Felizmente, todas as suspeitas foram
mitigadas quando retirei os vídeos do Youtube, e a polícia nunca mais
apareceu.
EPÍLOGO
E é assim que minha trágica vida chega ao fim. Quem poderia ter imaginado
que minha vida chegaria a esse ponto? Eu não. Houve um tempo em que
eu achava que este mundo era um lugar bom e feliz. Quando criança, todo
meu mundo era inocente. Deixou de ser quando entrei na puberdade e
comecei a desejar meninas, então toda minha vida se transformou num
inferno. Eu desejava as meninas, mas elas nunca me desejavam. Há uma
coisa muito errada nisso. É uma injustiça que não pode ficar impune. Não
havia como ter uma vida feliz dentro de um cenário desses.
Não apenas tive que desperdiçar toda minha juventude sofrendo na solidão
e com desejos insatisfeitos, senão ainda tive que viver com o conhecimento
de que outros caras da minha idade conseguiam ter todas as experiências
pelas quais eu tanto ansiava. Isso é absolutamente injusto. Além disso, tive
que sofrer a vergonha de ser menos respeitado por outros caras pois
sabiam que eu não conseguia conquistar nenhuma menina. Todo mundo
sabia que eu era virgem. Todo mundo sabia como eu era indesejável para
as meninas, e eu odiava todo mundo por saberem disso. Eu queria que as
pessoas pensassem que as meninas me amavam. Eu queria me sentir
valoroso. Não existe orgulho em viver como um solitário, um pária excluído.
Eu não chamaria isso de vida.
Eu não fui feito para viver uma vida patética e miserável. Este mundo não
me pertence. Eu não vou me curvar e aceitar um destino insignificante. Se
a humanidade é incapaz de reconhecer meu valor, então eu os destruirei.
Eu sou melhor do que todo mundo. Eu sou um Deus. Exarar minha
Retribuição é minha forma de provar meu verdadeiro valor ao mundo.
Por que as coisas tiveram que chegar a esse ponto? Tenho certeza que essa
é a pergunta que todo mundo estará se perguntando depois que o Dia da
Retribuição chegar ao fim. Eles estarão perguntando por quê? De fato, por
quê? Essa é a pergunta que eu tenho feito para todo mundo durante todos
meus anos de sofrimento. Por que eles fizeram essas coisas comigo? Por
que eu fui condenado a viver uma vida de miséria e desprezo enquanto
outros homens puderam experienciar os prazeres do amor e do sexo com
as meninas? Por que as coisas tiveram de ser assim? Eu é que pergunto para
todos vocês.
Tudo o que eu sempre quis foi poder amar as meninas, e em troca ser
amado por elas. Porém seu comportamento comigo só alimentou meu
ódio, e com razão! Eu sou a vítima nessa história. Eu sou o cara legal. A
humanidade foi quem me bateu primeiro por me condenar a tanto
sofrimento. Eu não pedi por isso. Eu não queria isso. Não fui eu que comecei
essa guerra... Não fui eu que bati por primeiro... Mas terminarei batendo
de volta. Eu punirei todo mundo. E como será bonito. Finalmente, depois
de muito tempo, eu posso mostrar ao mundo meu verdadeiro valor.