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INTRODUÇÃO

Humanidade... Todo meu sofrimento nesse mundo está nas mãos da


humanidade, especialmente das meninas. Fez-me perceber como é brutal
e conturbada a humanidade como espécie. Tudo o que eu sempre quis foi
me encaixar e ter uma vida feliz entre a humanidade, mas eu fui expulso e
rejeitado, forçado a aguentar uma existência de solidão e insignificância,
tudo porque as fêmeas da espécie humana são incapazes de enxergar valor
em mim.
Essa é a história de como eu, Elliot Rodger, vim a ser. Essa é a história de
minha vida inteira. É uma sombria história de tristeza, raiva, e ódio. É uma
história de uma guerra contra cruéis injustiças. Nessa história magnífica,
vou desvendar cada simples detalhe de minha vida, cada experiência
significativa que eu guardo de minha memória superior, e também como
essas experiências moldaram minha visão do mundo. Essa tragédia não
precisava ter acontecido. Eu não queria que as coisas tivessem chegado a
esse ponto, mas a humanidade forçou minha mão, e essa história explicará
como. Minha vida não começou sombria ou conturbada. Eu era uma criança
feliz e abençoada, curtindo minha vida ao máximo em um mundo que eu
pensava que era bom e puro...

PARTE UM
Um Começo Feliz (Idade 0 a 5 anos)
Na manhã de 24 de julho de 1991, num hospital londrino, eu nasci. Respirei
o primeiro sopro de vida ao vir ao mundo, pesando apenas dois quilos e
meio. Meus pais devem ter se enchido de orgulho e felicidade nesse dia.
Eles tinham acabado de testemunhar o nascimento de seu primeiro filho, e
me deram o nome Elliot Oliver Robertson Rodger.
Fui filho de pais jovens. Meu pai, Peter Rodger, tinha apenas 26 anos
quando engravidou minha mãe, Chin, que tinha 30 anos. Peter tem
descendência britânica, pertencendo à prestigiosa família Rodger; uma
família que já integrou as classes altas e ricas antes de perder toda sua
fortuna durante a Grande Depressão. O pai de meu pai, George Rodger, era
um renomado fotojornalista que tirou várias fotografias famosas durante a
Segunda Guerra Mundial, muito embora não tenha conseguido readquirir
a fortuna perdida da família. Minha mãe tem descendência chinesa. Ela
nasceu na Malásia e se mudou para a Inglaterra ainda jovem para trabalhar
como enfermeira em vários sets de filmagens, onde se tornou amiga de
pessoas muito importantes na indústria do cinema, incluindo George Lucas
e Steven Spielberg. Ela até saiu um tempo com George Lucas.
Minha mãe e meu pai estavam casados por poucos anos quando minha mãe
ficou grávida de mim. Na verdade, sua gravidez foi um acidente. Ela estava
tomando pílulas para prevenir a gravidez, mas enquanto visitava meu pai
em um de seus sets de filmagem ela adoeceu e a medicação que tomou
para essa doença frustrou o efeito dos anticoncepcionais, e assim o amor
deles durante esse período resultou em minha vida.
Poucos meses depois de meu nascimento eu tirei minhas primeiras férias.
Meus pais me levaram em um barco para a França. Eu já era um viajante! É
claro, não tenho memórias dessa viagem. Minha mãe disse que eu chorei
bastante.
Na época em que nasci minha mãe e meu pai estavam morando numa casa
em Londres, mas logo depois de meu nascimento eles decidiram se mudar
para o interior. Mudamos para uma grande casa de tijolos à vista no
condado de Sussex, com vastos campos em volta. A casa tinha até um
nome: A Velha Reitoria. Foi onde eu passei minha tenra infância, os cinco
primeiros anos de minha vida, e foi maravilhoso. As memórias que eu tenho
desse período são apenas memórias de felicidade e diversão.
Meu pai era um fotógrafo profissional na época, prestes a se tornar um
diretor. Minha mãe deixou sua carreira de enfermeira para ficar em casa e
me cuidar. Minha vó por parte de mãe, a quem eu chamaria de Ah Mah, se
mudou para junto de nós para ajudar minha mãe. Eu passaria bastante
tempo com Ah Mah durante esses anos.
Era um tempo de descoberta, excitação, e diversão. Eu tinha a recém
entrado nesse novo mundo e desconhecia totalmente a dor que ele me
traria mais tarde. Eu gostava da vida com uma alegria inocente. Consigo
lembrar-me de brincar no campo e ir para longas caminhadas com Ah Mah
para colher frutas. Ela sempre me alertava para não tocar nas urtigas que
às vezes cresciam em nossos descampados, mas minha curiosidade levava
a melhor sobre mim, e eu fiquei ardido algumas vezes. Tinha um balanço
no fundo de nosso quintal, no qual passei muitos momentos inesquecíveis.
O primeiro aniversário que me lembro foi o meu terceiro. Meus pais fizeram
uma festa para mim ao ar livre. Meu bolo de aniversário era um helicóptero.
Lembro-me de um dos amigos dos meus pais cortando o primeiro pedaço e
dando para meu amigo. Eu fiz birra porque estava esperando ganhar o
primeiro pedaço... era o meu aniversário, afinal. Meu pai me comprou um
trator de brinquedo que dava para andar, e eu passei todo o tempo depois
disso brincando.
Algum tempo depois de meu terceiro aniversário, todos nós fomos de férias
para a Malásia, o país natal de minha mãe. Tenho apenas vislumbres de
memória dessas férias. Eu gostei muito. Visitamos alguns parentes de
minha mãe.

Entrando para a pré-escola, fui matriculado na Dorsett House, uma


renomada escola privada só para meninos do interior, perto de onde
morávamos. Fui forçado a usar um uniforme que odiei porque tinha de
vestir meias desconfortáveis que subiam até meu joelho. Estava muito
nervoso e chorei em meu primeiro dia lá. Consigo lembrar pelo nome dois
amigos que fiz, George e David. Eu sempre brincava na caixa de areia com
eles.
Eu não gostava muito da escola Dorsett House. Achava as regras muito
rígidas. A parte que eu menos gostava eram os períodos de futebol. Eu
nunca entendia o jogo e nunca conseguia competir com os outros garotos
dentro de campo, então eu sempre ficava como goleiro e desejava ser o
“goleiro reserva.” Minha parte favorita era brincar na floresta depois do
almoço. Havia uma estrutura especial para a escalada que eu aproveitava
bastante.
Minha turma da pré-escola foi uma vez para uma excursão ao parque, onde
tive a infelicidade de me perder. Enquanto minha turma estava almoçando,
aventurei-me para outra área do parque e, quando voltei, minha turma
havia partido. Lembro de ter entrado em pânico e perguntado a estranhos
por ajuda. Foi uma experiência assustadora para mim. Acabei sendo
conduzido de volta à minha turma pelos estranhos com que conversei.
Lembro-me de um incidente divertido de quando estávamos tirando fotos
da turma. Eles nos obrigaram a sentar de pernas cruzadas, o que eu odiei
fazer, então recusei-me absolutamente a sentar daquela maneira para a
foto. Os professores acabaram aceitando, e assim a foto foi tirada comigo
sendo o único que estava sentado diferente.
O período de férias era a melhor parte do ano para mim. Deve-se fazer
muito frio na Inglaterra, mas eu não me lembro do frio. Eu apenas me
lembro de quanta diversão eu tinha. Ficava cheio de alegria quando
começava a nevar lá fora – eu adorava brincar na neve. Meu pai me ajudou
a construir um boneco de neve uma vez. Começávamos com pequenas
bolas de neve, e as dispúnhamos por cima das outras até formarmos o
corpo, e então o decorávamos.
No Natal, meus pais sempre faziam festas e confraternizações. O melhor
amigo de meu pai, Christopher Bess, que também era meu padrinho, vinha
em nossa casa frequentemente. Costumávamos ir à casa dos pais do meu
pai em Smarden, no Kent. Eu chamava minha vó por parte de pai de vovó
Jinx. As lembranças de meu vô, George Rodger, são parcas; ele tinha ficado
muito doente nessa época. O irmão do meu pai, tio Jonny, tinha um filho
um ano mais novo do que eu, que se chamava George, como meu vô. Eu
sempre jogava com o primo George no jardim da vó Jinx. Nós dois nos
dávamos super bem.
Certa vez, na véspera do Ano-Novo, nossos vizinhos fizeram uma fogueira
no terreno ao lado de nossa casa. Eu fiquei fascinado em ver como o fogo
era grande. Eu nunca tinha visto algo parecido, e isso impressionou minha
pequena mente. Era também a primeira vez que eu via fogos de artifício.
Meu pai me deu uma daquelas varetas de aniversários, que ficam faiscando,
com a qual eu fiquei encantado.

Havia um lugar especial que meu pai me levava com frequência. Ficava no
topo de uma cadeia de montanhas escarpadas que eu denominava de
“Montanhas Londrinas”, porque eu achava que Londres ficava do outro
lado. Nós íamos para lá soltar pipas. Consigo me lembrar dessas
experiências vividamente. As montanhas eram cheias de grama alta como
palha, e o tempo estava sempre com vento – perfeito para soltar pipa.
Era um tempo de total felicidade e alegria para mim. Meu pai me ensinou a
como soltar pipa sozinho. O vento era tão forte que eu tinha medo que
pudesse alçar meu frágil e pequeno corpo e levá-lo entre as nuvens. Uma
vez que eu peguei a prática, foi emocionante. Nós soltávamos pipas juntos
e corríamos contra o vento. Eu nunca me esqueceria desse lugar.

Meu filme favorito da infância era “Em Busca do Vale Encantado.” Eu


costumava olhar esse filme várias vezes com Ah Mah. Era sobre um bebê
dinossauro chamado Littlefoot que tinha recentemente perdido sua mãe e
estava se aventurando por um mundo perigoso para encontrar o “Vale
Encantado”, uma terra de prosperidade e paz. Eu me lembro do sentimento
de total tristeza que senti durante a cena quando sua mãe morreu, assim
como das triunfantes e felizes emoções que tomaram conta de mim quando
ele finalmente encontrou o Vale Encantado, depois de passar todas
dificuldades para chegar lá. Eu vi esse filme tantas vezes que simplesmente
pensar nele me traz de volta todas essas emoções. Esse filme representou
uma grande parte de minha infância.

Ainda um viajante do mundo, eu fui numa viagem para a Espanha com meus
pais e com os pais dos meus amigos Patrick e Lupe. Era o quarto país que
eu tinha visto em tão pouca idade. Ficamos numa excêntrica casa em
formato de castelo que acredito ser propriedade de um amigo nosso. A casa
tinha uma torre que eu estava extremamente curioso para conhecer. Em
dado momento, meus pais e seus amigos se aventuraram a subir até o topo,
mas me deixaram embaixo porque eu era muito novo. Eu fiquei muito
desapontado. Enquanto eles subiam a torre, saí para olhar os cactos que
cercavam a casa. Esses cactos também despertaram a minha curiosidade, e
de maneira tola eu encostei num cacto. Acabei ficando com espinhos de
cactos em toda minha mão, e levou bastante tempo para minha mãe
removê-los.
Logo depois de minha viagem para a Espanha, nós embarcamos em outra
viagem para a Grécia. Ficamos num hotel perto da praia. Era muito quente
lá. O tempo era uma novidade para mim, que estava acostumado ao clima
britânico.
A viagem para a Grécia foi significativa porque durante esse tempo meu pai
recebeu a notícia da morte de meu avô George Rodger. Ele morreu de
causas naturais quando eu tinha quatro anos, ele oitenta e sete. Era a
primeira experiência de morte que eu tive de um parente próximo, e a
primeira vez que vi meu pai chorar. Aos quatro anos eu não conseguia
imaginar meu pai chorando, e então quando o vi chorar nesse dia, eu sabia
o quanto ele estava abalado. Foi um dia muito triste para todos nós.
Voamos imediatamente de volta para casa.

Eu acredito que foi depois de meu quarto aniversário que meu pai teve a
decisão de se mudar para os Estados Unidos. Como ele estava se tornando
um diretor, ele achava que Los Angeles lhe traria mais oportunidades.
Fizemos uma curta viagem para a Califórnia para termos uma primeira
impressão. Eu não me lembro muito dessa viagem, mas me lembro de ter
me divertido. Com apenas quatro anos, eu, Elliot Rodger, já tinha estado
em seis países diferentes. Quem mais pode dizer isso? Reino Unido, França,
Espanha, Grécia, Malásia, e Estados Unidos.
Foi também nessa época que minha mãe ficou grávida de novo. Eu ia ter
um irmão. Meus pais decidiram ter outro bebê, essa gravidez tinha sido
planejada, para que eu pudesse ter um irmão para crescer ao meu lado.
Depois nós descobrimos que seria uma menina.
Antes de meu quinto aniversário minha mãe entrou em trabalho de parto
para ter o bebê. Consigo lembrar dessa noite vividamente. Eu estava muito
mal nessa noite, um péssimo presságio. Fiquei em casa com Ah Mah
assistindo filmes enquanto minha mãe e meu pai foram para o hospital. Eu
estava sofrendo por antecipação o tempo inteiro. E assim meus pais vieram
tarde da noite e com eles trouxeram um pequeno bebê de cabelos pretos
embrulhado como num pacote. Eu tinha uma irmãzinha, e eles a chamaram
de Georgia.

Eu não tenho lembranças do que aconteceu no meu quinto aniversário.


Pouco tempo depois dele, estávamos fazendo planos de nos mudarmos
permanentemente para os Estados Unidos. As notícias me empolgaram,
mas eu fiquei triste com a perspectiva de deixar minha vida na Inglaterra
para trás. Meu pai fez uma curta viagem aos EUA para prospectar casas. Eu
me lembro de falar com ele pelo telefone enquanto ele estava lá. Ele me
contou que havia encontrado uma bela casa para onde nos mudaríamos. Eu
lhe perguntei se havia piscina e ele disse que tinha. Essas notícias me
fizeram muito feliz.
E então chegou a hora. Começamos a empacotar tudo da Velha Reitoria.
Em meu último dia na escola Dorsett House minha professora estava dando
balas para todos nós quando minha mãe chegou para me levar mais cedo.
Eu me despedi de todos os amigos que tinha lá. Foi a última vez que os vi.
Meu pai tinha recebido a oferta de comprar a Velha Reitoria por cerca de
400.000 libras esterlinas (nós estávamos apenas alugando naquela época),
mas ele recusou, uma decisão de que se arrependeria mais tarde, porque
teria sido um ótimo investimento.
Eu chorei quando partimos da Velha Reitoria. Todas as experiências que eu
havia tido lá; brincando no campo, empurrando meu trator de brinquedo,
cuidando do jardim, indo em passeios com Ah Mah, me balançando no
balanço; todas essas experiências se foram. Eu estava para começar uma
nova vida. Embarcamos no avião e partimos rumo América.
PARTE DOIS
Crescendo na América (Idade 5 a 9 anos)
A viagem de avião foi como um hiato entre dois mundos. Eu estava prestes
a entrar em um mundo totalmente novo. Mas nada disso entrava na minha
pequena cabeça de cinco anos naquela época. Dormi a maior parte da
viagem até lá e me lembro de olhar pela janela para a vasta extensão de
nuvens abaixo de nós. Eu imaginava como poderia ser descer até lá e correr
por cima como se fossem uma faixa de terra, sem pensar no fato de que eu
cairia bem pelo meio delas!
Quando chegamos na América, eu estava muito cansado. Pegamos nossas
bagagens e as colocamos em um SUV novo que meu pai alugou. A imagem
de nós saindo do aeroporto ainda é fresca em minha memória.
Frequentemente penso nessa imagem como sendo meu primeiro passo de
uma nova vida nos EUA.
Eu estava tão sonolento quando chegamos em nossa nova casa que nem
mesmo me importei em dar uma olhada nela. A casa estava parcialmente
mobiliada, tínhamos já um sofá e uma televisão. A primeira coisa que
fizemos foi assistir um filme.
Pela manhã eu estava cheio de energia. Subi as escadas ansiosamente para
procurar meu novo quarto. Olhei todos os quartos antes de escolher aquele
que eu queria que fosse meu. Quando eu disse minha decisão para minha
mãe, ela disse que o quarto que eu escolhi era para ser o quarto da minha
irmã Georgia. Fiquei um pouco chateado, mas acabei me acomodando no
quarto ao lado.
A casa era bastante grande, com paredes brancas e com um bonito jardim
nos fundos que levava a uma área fechada com piscina. Era localizada numa
parte nobre de Woodland Hills. O bairro de Woodland Hills tem grande
significância em minha vida. Seria o bairro onde eu cresceria. Uma grande
porção de todas minhas experiências, sejam boas ou más, tomariam lugar
nesse bairro. Consigo recordar a primeira vez que balbuciei o nome com
meus lábios... Woodland Hills... meu novo lar.

Pouco depois de nos instalarmos em nossa nova adorável casa, fomos


importunados por um problema típico da Califórnia: um terremoto. Minha
mãe levantou-me no meio da noite e todos nós nos escondemos debaixo
da mesa da cozinha. O terremoto na verdade acabou sendo muito pequeno,
com tremores subsequentes ainda mais fracos, mas mesmo assim eu ainda
estava com medo. Nunca tendo experimentado um terremoto antes, a
única noção que eu tinha de terremotos eram aqueles de rachar a terra que
eu tinha visto no filme “Em Busca do Vale Encantado.” Depois dessa
experiência comecei a ver os terremotos como algo comum, meras
perturbações.

E lá estava eu, um menino de cinco anos que vivia uma vida feliz e alegre
prestes a embarcar numa nova jornada; a jornada de crescer nos Estados
Unidos da América. Eu sentia uma onda de entusiasmo com essa
perspectiva. Agora eu me considerava uma “Criança Americana”, como
dizia a meus pais. Estava acostumado a todos os programas da TV
americana, e comecei a utilizar um sotaque americano. Eu olhava
esperançoso para minha nova vida.
Logo fui matriculado na escola. Meu pai fez uma extensa pesquisa escolar
depois de nossa chegada e encontrou uma pequena escola particular na
Avenida Shoup, chamada Pinecrest. Eu faria o jardim de infância ali.
Pinecrest... Minha mente de 5 anos na época não conseguia imaginar o
quão significativo esse lugar acabaria se tornando para mim. Uma grande
virada em minha vida tomaria lugar ali, uma trágica virada para pior. Mas
isso viria depois, num capítulo mais sombrio de minha história, quando eu
entrei na pré-adolescência. Por enquanto, eu era um aluno do jardim de
infância que estava vivendo a vida ao máximo.
O jardim de infância na Pinecrest não foi muito bom. Eu tinha uma
professora muito desagradável que ficava impaciente com o meu atraso
nos trabalhos escolares, pois havia perdido alguns meses de aula devido à
mudança. Na hora do recreio essa professora me deixava na sala de aula
para fazer trabalho extra para recuperar o atraso. Meus pais não gostavam
dessa professora, e um de seus amigos recomendaram outra escola para
mim, uma escola privada bem perto chamada Escola da Fazenda; recebia
esse nome por causa da fazenda que havia agregada a ela. Depois de poucas
semanas na Pinecrest, meus pais me tiraram dela, e eu não retornaria até
ir lá seis anos mais tarde para fazer o secundário.
Meu primeiro dia na Escola da Fazenda se mostrou um bom começo. Eu
tinha duas professoras, e elas se empenharam em me apresentar às outras
crianças. Havia um garoto em particular chamado Joey que elas escolheram
para me mostrar o lugar. Ele foi legal comigo no início, mas logo se tornaria
um desgraçado sujo com quem eu sempre brigava. Ele então se tornou meu
maior inimigo na escola.
O primeiro amigo de verdade que fiz nos Estados Unidos foi uma menina
chamada Maddy Humphreys. Isso não é irônico? O primeiro amigo que eu
fiz nos Estados Unidos foi uma menina! Ela foi a primeira e última amiga
que eu teria. Maddy e eu começamos a brincar juntos na Escola da Fazenda,
e por ocasião meus pais se tornariam muito amigos dos pais dela. O pai da
Maddy é o famoso músico Paul Humpreys, e sua mãe se chama Maureen,
embora a chamássemos de Mo. Eles tinham uma bela casa em Hidden Hills.
Nossas famílias se encontravam com frequência em churrascos e jantares.
Eu era um menino de 5 anos brincando com uma menina da minha idade
como qualquer outro menino faria. Estava curtindo a vida num mundo que
eu amava. Eu era feliz, mas completamente inconsciente do fato de que
meu futuro nesse mundo se transformaria apenas em escuridão e miséria
por causa das meninas. Essa menina que era minha amiga, Maddy
Humpreys, acabaria por representar tudo o que odeio e desprezo; tudo que
vai contra mim, e tudo o que eu sou contra. Eu brincava inocentemente
com essa menina, do jeito que todas as crianças brincam. Nós até
tomávamos banho juntos; seria a única vez na vida que eu veria uma garota
da minha idade pelada. Quando eu penso sobre as experiências que tive
durante a nossa amizade, isso faz-me refletir com assombro para o fato de
que todas as crianças, meninos e meninas, começam iguais. Todos nós
começamos inocentes, e todos começamos juntos. Apenas mediante as
experiências e circunstâncias do crescimento é que nos separamos,
formamos alianças, e vemos uns aos outros como inimigos. É assim que as
guerras começam, e é assim que a verdadeira natureza da humanidade vem
à tona. Nessa fase de minha vida, é claro, minha guerra ainda não tinha
começado, e não começaria por um bom tempo. Estava aproveitando
minha vida sem me preocupar com o mundo, sem saber que toda minha
alegria estava destinada a desaparecer.

Meu ano no jardim de infância na Escola da Fazenda foi repleto de


empolgação e novas experiências, todas propícias para um menino em
crescimento. Eu tinha amigos, eu me encontrava para brincar, eu
socializava com os outros meninos da escola, apesar de entrar em muitos
conflitos com Joey. Só fiquei encrencado uma vez por causa de uma briga
com outro menino durante o recreio, quando fui mandado para a diretoria.
Nunca tendo me metido em encrenca na escola antes, lembro-me de ter
sido dominado pelo nervosismo e pelo medo, o que me fez chorar por uma
hora. Eu gostava especialmente da aula de artes e ofícios e adorava quando
nossa turma fazia visitas à fazenda da escola.
Depois de um ano escolar brilhante e alegre, era hora de se formar. Fiquei
cheio de orgulho ao usar meu chapéu de formatura na cerimônia. Eu
gostava muito dessa escola, e fiquei triste em deixá-la. O jardim de infância
tinha terminado e logo eu entraria para o ensino fundamental.
Meu sexto aniversário logo se seguiu. Meus pais organizaram uma festa
com o cenário da Disney numa sala de jogos onde minha mãe me levava
seguido. Eu convidei todo mundo da minha turma da Escola da Fazenda,
todos os meninos e meninas, exceto Joey. Eu excluí Joey deliberadamente
como um ato de vingança por ter sido mau comigo ao longo do ano, o que
me deu um sentimento de satisfação.
A festa foi divertida, e havia um homem vestido de Merlin para ciceronear
as festividades. Sentei-me na ponta da mesa durante o lanche do
aniversário usando um chapéu de feiticeiro. Quando meu bolo de
aniversário foi levado à minha frente, senti uma alegria sublime enquanto
respirava fundo e assoprava as velinhas. A vida era boa.

6 Anos
Minha parte preferida do dia durante esse jubiloso período de minha vida
eram nossos passeios de tarde para o parque. Especificamente, o Parque
Serrania. Esse parque era bonito e verde, com caminhos de concreto
repontando nos gramados e um divertido parquinho destinado para nós,
crianças, brincarmos. Eu sempre brincava nos escorregadores e às vezes ia
no balanço, embora meu pai tivesse que me empurrar. Lembro-me de ficar
com ciúmes de outros meninos que conseguiam se balançar sozinhos,
meninos ainda mais novos do que eu. Era a segunda vez que eu percebia
minha falta de capacidade física. A primeira vez que tive essa noção de
minhas deficiências foram naqueles desastrosos jogos de futebol em
Dorsett House.
Um dia meu pai veio me ensinar a como me balançar sozinho, e depois de
alguma prática, eu consegui. Depois disso, eu sempre esvoaçava para trás
e para frente naquele balanço do parquinho do Parque Serrania até a hora
do crepúsculo.
Eu era muito pequeno e abaixo da estatura para minha idade. Nunca dei
muita importância a isso em minha infância, mas esse fato mudou
radicalmente no dia em que minha família viajou para os Estúdios da
Universal. Na época eu amava dinossauros. Era fascinado por eles. Eu tinha
recentemente assistido ao filme Jurassic Park, e quando descobri que havia
uma atração temática do Jurassic Park nos Estúdios da Universal, mal pude
esperar para ir. Entramos na fila e esperamos por uma hora. Chegados na
cancela, o pessoal do parque me apresentou a uma régua de medição, e eu
estava abaixo do exigido. Eu via outros garotos da minha idade sendo
admitidos para o passeio, mas eu fui proibido porque era muito baixo! O
passeio que eu estava tão empolgado para desfrutar no parque temático
foi cancelado para mim. Imediatamente tive uma crise de choro e minha
mãe teve que me consolar.
Ser proibido de entrar em um simples parque de diversões devido à minha
altura pode parecer apenas uma pequena injustiça, mas foi grande para
mim naquela época. Mal eu sabia, essa injustiça era na verdade muito
pequena comparada a todas as outras coisas de que eu seria impedido no
futuro por causa de minha altura.
Resolvemos tentar o passeio do E.T., no qual fui admitido. Tive uma
experiência miserável nesse passeio, entretanto, porque a atmosfera
sombria e as estátuas alienígenas mecânicas que se sucediam na área das
filas me assustaram de verdade. Quando chegamos ao passeio
propriamente dito eu estava chorando de medo, mas depois me acalmei
assim que ele se mostrou tranquilo e relaxante chegando mais para o final.

Sempre gostei dos encontros de minha família com os Humphreys. Esses


encontros se tornaram recorrentes em minha vida. Maddy se tornou uma
amiga muito próxima de mim. Ela era o único amigo da Escola da Fazenda
que eu continuava a ver depois que me formei. Eles tinham um grande
quintal nos fundos, onde nós dois saíamos para brincar. Nós também
crescemos olhando “Em Busca do Vale Encantado”, e assistíamos às
continuações juntos sempre que uma nova era lançada.
Tinha vezes que eu ia em sua casa e ela tinha outras amigas lá, e eu também
brincava com elas. Eu não tinha problemas em interagir com meninas
naquela época, surpreendentemente. Aos seis anos eu brincava com
meninas, desconsiderando o terror e a miséria que o gênero feminino
infligiria a mim mais tarde em minha vida. Nos dias de hoje, essas meninas
me tratariam como a escória da terra; mas naquela época, éramos todos
iguais. Que amarga ironia.

Era hora de eu entrar para a primeira série. Meus pais me matricularam na


Escola Elementar Avenida Serrania, que era logo descendo a rua do Parque
Serrania. Eu não ficaria nessa escola por muito tempo, pois logo depois das
primeiras semanas na primeira série meus pais decidiram que iriam se
mudar para Topanga.
A maioria das crianças da Escola Avenida Serrania acabava indo para a
Escola Secundária Taft ali perto, um lugar que me causaria muito
sofrimento no futuro. Porventura algumas das crianças da minha turma em
Serrania acabariam se tornando aquelas que fariam bullying comigo na Taft.
No entanto eu não me lembro de nenhuma das crianças de minha turma lá,
então nunca saberei dar a resposta. É bastante perturbador pensar sobre
isso.
Gostei bastante do meu breve período em Serrania. Às vezes meus pais me
faziam ficar uma hora a mais depois da escola; acredito que era porque eles
imaginavam que isso me ajudaria a fazer amigos. Consigo lembrar desse
período pós aula como sendo uma experiência positiva. Sempre havia jogos
que eu jogava com outras crianças. E por isso fiquei um pouco frustrado
quando meus pais me disseram que eles me transfeririam para outra escola
estando há apenas poucas semanas na Serrania. Essa frustração logo
cessaria, pois os anos que eu passaria na Escola Fundamental de Topanga
seriam os melhores de minha vida. Seriam os últimos anos de uma criança
sem preocupações.

Comecei a primeira série na Escola Fundamental de Topanga algumas


semanas antes de nos prepararmos para mudar para Topanga. Topanga é
uma comunidade fechada entre montanhas circulando um cânion que
atravessa as montanhas de Santa Mônica, localizada entre o vale de San
Fernando e a Rodovia da Costa do Pacífico. Tínhamos passado por essa
comunidade poucas vezes, quando fazíamos viagens para a praia. Havia
uma certa beleza rudimentar insculpida nela.
No meu primeiro dia na Escola Topanga eu estava muito nervoso. Como era
cerca de um mês após o início do ano letivo na primeira série eu seria o
“novo aluno” da escola. Lembro-me do nervosismo tomando conta do meu
corpo enquanto minha mãe dirigia pela estrada íngreme que levava à escola
propriamente dita. Minha nova turma estava fazendo fila para começar o
dia enquanto caminhávamos para o pátio central. Minha professora, Sra.
Matsuyama, foi muito simpática e compreensiva. Minha mãe se despediu e
eu entrei na fila com os outros estudantes. A primeira criança que eu vi foi
um menino gordinho chamado Bryce Jacobs, que estava olhando para mim
de modo estranho.
Quando chegamos à sala de aula, a Sra. Matsuyama escolheu um dos
estudantes para me mostrar o espaço e me ajudar a me ajustar. Esse aluno
seria ninguém mais ninguém menos do que Philip Bloeser. Philip sempre foi
muito maduro para sua idade, e ele foi legal comigo no primeiro dia. Ele foi
meu primeiro amigo na Escola Topanga.
O dia acabou sendo de grande diversão. O período de aula não foi muito
chato, e fizemos algumas tarefas divertidas de artes e trabalhos. No recreio
e no almoço, havia dois parquinhos: o de cima e o de baixo. Os alunos da
primeira e segunda séries iam para o de baixo, e os da terceira, quarta, e
quinta, para o de cima. O parquinho de baixo era menor, mas tinha algumas
boas compensações, especialmente o morro inclinado ao lado dele, onde
eu gostava de correr para cima e para baixo “chutando poeira”, uma
brincadeira que eu inventei instantaneamente devido à sujeira semelhante
a poeira que tinha nesse morro. Quando minha mãe veio me buscar, lembro
que me divertia tanto que não queria ir embora! Era a primeira vez. No
passado, eu estava sempre ansioso para voltar para casa depois de passar
horas na escola.
O percurso de ida e volta da escola era longo, pelo menos para uma criança
de seis anos. Minha parte preferida da viagem era a descida de Topanga
para o Vale. A vista da ampla extensão do Vale era de tirar o fôlego quando
se descortinava diante de nós depois de passar a última montanha. Eu faria
aquela viagem pelas estradas sinuosas do Cânion de Topanga todos os dias
pelas próximas semanas, antes de nos mudarmos para a nova casa. Às vezes
minha mãe me pegava e às vezes minha babá. Não me lembro o nome dessa
babá, pois ela ficou conosco apenas por um breve período de tempo.

Eu amei a casa nova desde o primeiro momento em que coloquei os olhos


nela. Era uma bela casa redonda de madeira localizada na estrada do Vale
de View Drive, na melhor parte de Topanga. Tinha dois andares, uma piscina
e um lindo deque com vista para as montanhas deslumbrantes. Chamei-a
instantaneamente de “Casa Redonda.”
Eu estava triste por deixar nossa casa em Woodland Hills, nossa primeira
casa na América. Eu perderia os bons momentos que tive lá, brincando com
Maddy e meus outros amigos, tomando banho de piscina, assim como a
proximidade do Parque Serrania onde passava bastante tempo
aproveitando as elações de uma infância sem preocupações. Nossa nova
Casa Redonda em Topanga, todavia, seria uma substituta à altura.
Meu quarto na Casa Redonda era um pouco menor do que o antigo, mas
me lembro de ser bastante aconchegante. Logo depois que nos mudamos,
Ah Mah veio de visita da Inglaterra, e ela fez meus biscoitos de amendoim
preferidos. Tivemos alguns momentos muito felizes durante o início da
minha vida lá.
A nova carreira de diretor de meu pai também estava indo muito bem, e ele
saía bastante para dirigir comerciais para empresas de prestígio, deixando
minha mãe e a babá para cuidar de mim. A desvantagem disso foi a ausência
de meu pai em minha vida. Apesar disso, sempre olhava para ele como
sendo um homem poderoso e bem-sucedido.

A adaptação ao meu novo ambiente em Topanga foi bastante fácil para


mim, especialmente uma vez que a escola era muito divertida. Agora eu era
uma criança de Topanga. Durante o recreio, comecei a perceber que um
menino de cabelo loiro um pouco comprido também gostava de chutar
poeira. Antes de conhecê-lo, eu sempre mentalmente o apelidava de “Rei
Artur Criança”, devido à aparência de realeza que seu cabelo lhe brindava.
Era apenas uma questão de tempo até que nossas travessuras de chutar
poeira colidissem umas com as outras. Nós então nos juntamos e
começamos a brincar juntos, e este foi o começo de uma longa e
interessante amizade. O nome desse menino era James Ellis, e ele se
tornaria meu melhor amigo pelos próximos 14 anos da minha vida.
Às vezes nós dois nos juntávamos a Philip Bloeser e outros garotos, e
praticávamos recreações divertidas como handball, jogos de guerra, e pega-
pega.
Não muito depois, eu começaria a me encontrar frequentemente para
brincar com James Ellis. Sua casa ficava logo abaixo da minha descendo a
montanha. O pai do James se chamava Arte; e sua mãe, Kim, se tornou uma
das melhores amigas da minha mãe.
O Natal chegou depressa, e de presente eu ganhei meu primeiro console de
videogame, um Nintendo 64! Eu tinha pouco conhecimento sobre
videogames antes disso. Eu mal sabia o que era um videogame. Meu pai foi
quem me introduziu ao mundo do videogame. Para o Nintendo 64 meu pai
comprou os jogos Star Wars: Shadows of the Empire, e Turok: Dinosaur
Hunter. Fiquei fascinado com essa nova forma de entretenimento, e meu
pai e eu nos unimos muito durante nossas sessões de videogame.
É claro, enquanto jogava esses videogames, meu ego inocente e feliz não
sabia nada sobre o papel significativo que os jogos de RPG desempenhariam
durante grande parte da minha vida... e o santuário que esses jogos
eventualmente seriam para mim das crueldades deste mundo. Por
enquanto, eles eram apenas uma forma de entretenimento como qualquer
outro hobby.

A vida era boa na Casa Redonda, mas logo tive que testemunhar minha mãe
e meu pai discutindo muito. Eu era muito jovem naquela época para
entender sobre o que eles estavam discutindo, mas sabia que eles não
estavam se entendendo. Isso realmente não me importava muito, porque
todos os outros aspectos da minha vida eram maravilhosos.
Eu me encontrava para brincar com James Ellis toda semana. Às vezes ele
me surpreenderia com uma visita depois da escola, como morávamos
muito próximos. Eu ia para a casa de Philip Bloeser algumas vezes também,
e conheci seu irmão mais novo, Jeffrey. A mãe de Bloeser também ficou
amiga da minha. Eles moravam numa bela casa acima da nossa subindo a
estrada, com um deque que proporcionava uma visão extraordinária das
montanhas de Topanga.

Chegou ao ponto em que pensei na possibilidade de meus pais se


separarem... divorciarem... não mais viverem juntos. Essa perspectiva
deixava minha pequena mente perplexa. Um dia eu sentei com minha mãe
no deque lá fora e perguntei se ela e o pai iam de fato se separar. Ela me
disse que isso nunca aconteceria, e que eu não tinha nada com que me
preocupar. Fiquei aliviado com isso. Pouco eu sabia que tal coisa
aconteceria em questão de poucos meses.

O ano da primeira série terminou esplendidamente. Fiz alguns amigos


duradouros e me diverti muito na Escola Fundamental de Topanga. Eu
sempre me considerei um aluno bem comportado, então fiquei um pouco
desapontado com as poucas vezes que entrei em encrencas. Minha turma
tinha um sistema em que se você fizesse alguma coisa errada, eles
mudavam a cor de nosso cartão de verde para amarelo, e então para
vermelho se fizéssemos qualquer outra travessura. Eu pensei que nunca
teria que mudar meu cartão, mas tive que mudar para amarelo algumas
vezes por coisas pequenas. Quando a primeira série terminou, tive a
resolução de que na segunda série eu jamais seria forçado a mudar meu
cartão.
Depois de meu último dia de escola eu vislumbrava ansioso para o extenso
período de férias de verão, minha parte preferida do ano. Fiquei um tanto
desanimado quando meus pais me fizeram participar do acampamento de
verão. Meu pai tinha que viajar bastante para trabalhar e minha mãe
precisava de um tempo para cuidar da bebê Georgia. O acampamento de
verão não foi tão ruim, tive alguma diversão. Ele era constituído por
crianças da primeira à quarta séries e nós jogávamos vários jogos e
assistíamos filmes.

7 Anos
Minha última memória de meus pais estando ainda juntos foi em meu
sétimo aniversário, e eu sempre a estimaria. Não demos uma festa para
meu sétimo aniversário, foi mais como um pequeno encontro para almoço.
Maddy e os Humpreys eram nossos únicos convidados. Foi celebrado no
Gladstones, meu restaurante preferido na época. Aconteceu em Pacific
Palisades, bem em frente à praia. Eu tive meu prato predileto, lagosta.
Era um dia muito feliz para todos nós. Eu pintaria o sete. Era um grande
número para minha pequena mente. Tinha passado sete anos nesse mundo
fascinante, e minha vida tivera um bom começo. Eu tinha pais amorosos,
eu tinha amigos para brincar, eu me divertia na escola, e eu tinha todos os
brinquedos que um pequeno garoto poderia desejar. Um estranho olharia
para esse menino de sete anos e imaginaria que ele teria uma grande vida
pela frente, que não havia nada com que se preocupar. De fato, não deveria
haver nada com que se preocupar... Mas eu era apenas uma criança. Eu
ainda tinha alguns anos para aproveitar uma vida de alegria inocente antes
que descobrisse realmente como era conturbado e cruel esse “mundo
fascinante.”
Meus pais pareciam felizes nesse dia. Eu me lembro deles rindo e se
divertindo. Seria a última vez que me lembro deles estando felizes juntos.
Talvez não estivessem realmente, talvez eles estivessem apenas colocando
uma máscara para que eu pudesse aproveitar meu aniversário. Eu não
conseguia nem imaginar a possibilidade de meus pais se separarem.

Logo depois de meu sétimo aniversário, chegaram as notícias. Acredito que


tenha sido minha mãe que me contou que ela e meu pai estavam fazendo
o divórcio; minha mãe, que apenas alguns meses antes dissera que uma
coisa assim jamais aconteceria. Eu fiquei absolutamente chocado,
ultrajado, e acima de tudo, deprimido. Esse foi um grande evento que
mudou minha vida.
Meu pai ficaria na Casa Redonda, enquanto minha mãe se mudaria para
outra casa pequena em Topanga. Ficou combinado que eu e minha irmã
moraríamos com nossa mãe a maior parte do tempo, e iríamos para a casa
do pai aos finais de semana. Meu pai foi obrigado a pagar pensão
alimentícia para minha mãe para que ela pudesse tomar conta de nós.
Minha vida mudaria para sempre depois disso. A família na qual eu cresci
fora dividida, e dali por diante eu cresceria em duas casas diferentes. Eu me
lembro de chorar. Todos os momentos que passei com minha mãe e meu
pai como uma família se foram, apenas para permanecer na memória. Foi
um dia muito triste. Da mesma forma como se mudar para os EUA, era
como começar uma nova vida com uma nova rotina.

Apesar da tristeza inicial que senti de ter minha família pela metade, a
situação de minha nova vida não era tão ruim. Era praticamente a mesma
vida, mas eu morava com minha mãe numa casa e com meu pai em outra.
A nova casa de minha mãe era pequena e vermelha, localizada numa
entrada íngreme no Bulevar do Cânion de Topanga. Eu a chamaria de “Casa
Vermelha.” Era a menor casa que eu já tinha morado até então. Só tinha
dois quartos, e eu tinha que dividir um quarto com minha irmã Georgia. Nós
tínhamos um beliche, e eu dormia em cima. Fiquei bastante incomodado
com essa mudança no começo, estando acostumado a ter meu próprio
quarto e a morar em casas maiores. A natureza gentil e amorosa de minha
mãe, no entanto, compensava isso, e ela transformava a casa em um
ambiente divertido no qual eu gostava de viver.
Depois de passar a primeira semana na casa da mãe, o pai veio para pegar
eu e minha irmã para o final de semana. Georgia tinha ficado bastante
apegada à mãe depois dessa semana, e ela chorou quando saímos de carro.
Eu também fiquei um pouco angustiado de ter que ir de uma casa para
outra toda semana, mas logo acabei me acostumando.
A Casa Redonda era muito diferente sem minha mãe nela. Quando
entramos, senti uma onda de tristeza me invadir enquanto lembrava de
minha vida quando minha mãe e meu pai estavam juntos. A casa estava
cheia de memórias; memórias alegres e divertidas que estavam perdidas no
passado. Com minha mãe ausente, havia uma sensação de desolação e
perda no lugar. O pai fazia o possível para nos animar. Eu poderia dizer que
ele também estava muito abatido pelos eventos recentes.
Meu pai logo alugou um dos quartos da Casa Redonda para seu bom amigo
Dan Perelli, um de seus primeiros amigos na América. Dan morava perto de
nossa casa em Woodland Hills até que se complicou com problemas
financeiros, o que assumo como sendo a razão pela qual ele começou a
alugar um quarto de meu pai. Eu sempre o chamava de “Tio Dan.” Desse
ponto em diante, tio Dan ficaria como nosso inquilino por alguns anos.

O tempo de começar a segunda série chegou. Minha nova professora era


chamada Sra. Weisberg, e ela era muito legal. Os alunos de minha turma
eram na maioria os mesmos da turma da primeira série, como Shane e
Tommy.
Fiquei muito desapontado ao descobrir que James Ellis não retornaria para
cursar a segunda série na Escola Fundamental de Topanga. Na verdade, sua
família estava se mudando de Topanga para Pacific Palisades, onde
alugariam uma casa de seus amigos, os Lemelsons.

A permanência de meu pai na Casa Redonda foi bastante breve. Ele sofreu
alguns reveses financeiros temporários com o divórcio, então decidiu se
mudar para uma casa menor no Velho Cânion de Topanga. Foi uma
mudança bastante abrupta, e eu nunca mais veria a Casa Redonda de novo.
Um dia, depois de pegar eu e minha irmã da casa da minha mãe, ele nos
levou para a casa nova e foi assim.
Era uma pequena casa de dois andares em uma parte mais rústica das
montanhas de Topanga. A parte de cima tinha apenas um quarto e
banheiro, e foi alugada para o tio Dan. Por toda a volta do lado de fora da
casa havia colinas muito pequenas e trilhas para caminhadas que levavam
às montanhas. Por cima dessas colinas havia uma rocha enorme e
imponente chamada "Big Rock." A primeira vez que vi “Big Rock” eu disse a
mim mesmo que um dia eu a escalaria até o topo!
Peguei simpatia a esse novo ambiente, e toda vez que visitava o pai nos
finais de semana, eu sempre ficava lá fora, explorando e me aventurando.
Sempre havia novos lugares para se descobrir nessa região isolada. Eu não
me aventurava muito longe na região selvagem, entretanto, por causa do
perigo de coiotes e onças-pardas.

Depois de apenas alguns meses de meu sétimo aniversário, uma pessoa


nova e muito importante entraria em minha vida. Um dia, após o pai ter nos
pegado na escola e nos levado para sua casa, eu vi uma mulher de cabelo
preto e pele clara parada na cozinha, e ela se apresentou como Soumaya.
Ela seria minha madrasta. O pai disse que ela moraria conosco de agora em
diante. Primeiro eu pensei que ela fosse apenas outro amigo que estava
ficando temporariamente com meu pai, assim como tio Dan estava
fazendo. A ideia de meu pai ter uma namorada tão rapidamente depois de
divorciar-se de minha mãe não me ocorria. Eu não conseguia entender.
Logo em breve, contudo, percebi que Soumaya era, de fato, sua
“namorada”, e que eles estavam juntos exatamente como meu pai e minha
mãe. Era a primeira vez que eu aprendia o conceito de uma “namorada”, e
isso era difícil de assimilar. Antes disso, eu sempre achei que um homem e
uma mulher tinham que se casar antes de morarem juntos dessa maneira,
e que levaria bastante tempo para que uma união assim se concretizasse.
O pai ter encontrado uma nova namorada em tão pouco tempo me deixou
perplexo. Eu fiquei completamente surpreso.
Em virtude da aquisição de meu pai de uma nova namorada, minha
pequena cabeça teve a impressão de que meu pai era um homem a quem
as mulheres achavam atraentes, já que ele era capaz de encontrar uma
namorada num período tão curto de tempo após ter-se divorciado de
minha mãe. De maneira inconsciente eu o elevei a um melhor conceito por
causa disso. É muito interessante como esse fenômeno opera... aqueles
homens que conseguem encontrar parceiras facilmente acumulam mais
respeito de seus semelhantes, até mesmo crianças. Como é irônico o fato
de que meu pai, um desses homens que poderiam facilmente encontrar
uma namorada, teve um filho que lutaria toda sua vida para ter uma
namorada.
Logo fiquei acostumado com Soumaya fazendo parte da casa de meu pai.
Ela pertence à família Akaaboune, uma família bastante proeminente do
Marrocos. No início, como uma nova integrante da família, nós nos demos
super bem, e ela era bem divertida. Mas logo ela começaria a me disciplinar
de uma forma dura a que eu não estava acostumado. Eu sentia isso porque
ela não era minha mãe de verdade, ela não tinha o direito de me disciplinar
dessa forma, e então eu me revoltei. Foi aí que surgiram os primeiros
conflitos. Haveria muitos outros nos anos que se seguiriam.
Além da chegada de Soumaya eu tinha duas novas cuidadoras. A primeira
era uma mulher francesa chamada Celine, embora tenha ficado por um
período breve, de modo que eu não me lembro muito dela. Minha segunda
cuidadora era uma alemã chamada Christine. Christine ficaria conosco por
um ano, e eu passei a gostar muito dela. Ela sempre cuidava de mim durante
meu tempo na casa do pai, e toda vez que eu saía em minhas aventuras nas
montanhas ela sempre me acompanhava.

O Halloween desse ano marcou minha primeira saída para Doces ou


Travessuras. Minha mãe me levou para a casa de meu amigo Shane e nós
saímos pela vizinhança coletando doces. Ainda obcecado por dinossauros,
eu me vesti como um dinossauro para esse Halloween. Doces ou
Travessuras era uma coisa nova para mim, porque não era muito popular
na Inglaterra. Quando tudo tinha terminado, fiquei maravilhado que eu
tinha tantos doces.
Mesmo que James Ellis não fosse mais para a Escola Fundamental de
Topanga, ele ainda era meu melhor amigo, e eu o via bastante. A mãe nos
levava para a sua casa em Palisades quase toda semana, onde eu brincava
com James, e a Georgia brincava com Sage, a irmã de James. Ele me deixou
interessado por uma nova febre que cativou muitas crianças dessa era:
Pokémon.
Quando ganhei meu primeiro Gameboy, comecei a jogar Pokémon Red
Version e fiquei viciado instantaneamente. Daí eu comecei a juntar cartas
de Pokémon, e James e eu sempre as comparávamos e trocávamos. O
desenho do anime Pokémon se tornou meu programa favorito na televisão.
Era um hobby muito divertido e cativante, e todo menino na minha escola
tinha um deque de cartas Pokémon. Isso proporcionava algo para se ter,
algo para mostrar, algo para conversar. As melhores cartas eram as
“brilhantes”, e todo mundo as cobiçava.
A mãe ainda era amiga de George Lucas, então nós recebemos convites
para a pré-estreia tapete vermelho de Star Wars, Episódio 1. Eu sempre fui
e sempre serei um grande fã de Star Wars. Já tinha visto a trilogia original
várias vezes, e me considerei muito sortudo de poder ir à pré-estreia do
novo filme de Star Wars.
Foi uma experiência totalmente surpreendente. Fomos apenas eu e minha
mãe – Georgia era muito nova, então ela ficou em casa com uma babá. O
Episódio 1 é polemizado como sendo o mais fraco dos três lançamentos da
série, mas sendo uma criança eu o apreciei bastante. Depois disso, conheci
alguns dos atores e apertei a mão de Jake Lloyd, o ator que interpretou
Anakin Skywalker no filme.

Minha segunda série passou voando. Eu não me lembro muito dela, mas foi
bastante diversão. Durante o recreio e no almoço, eu brincava bastante
com Shane e Tommy. Jogávamos Pokémon em nossos Gameboys, e às
vezes nos encontrávamos para jogar com o Nintendo 64, jogos tais como
Banjo Kazooie, Super Mario 64, e Donkey Kong 64.
Eu falhei em meu objetivo de nunca mais ter que trocar meu cartão, o que
realmente me desapontou. Passei a maior parte do ano sem trocar meu
cartão, mas bem quando o ano estava acabando, fui pego conversando na
aula com um amigo chamado Danny Dayani, que estava sentado perto de
mim, e tive que mudar meu cartão para amarelo. Culpei o Danny por isso,
porque ele sempre estava falando em sala de aula, mas ainda assim tive
que mudar meu cartão.
Depois de um rápido e fantástico ano, o verão chegou de repente, e com
ele meu oitavo aniversário. Meu oitavo aniversário foi pacato, porém
agradável. Eu me lembro de minha mãe ter convidado alguns amigos da
minha turma da segunda série e que tínhamos um bolo. Durante o final de
semana na casa de meu pai, todos nós fomos ao restaurante Typhoon em
Santa Mônica para celebrá-lo. Era um restaurante chique ao lado de um
pequeno aeroporto, e eles tinham muitos pratos exóticos que eu
experimentei.

8 Anos
Como agora eu tinha oito anos, meu pai decidiu que eu era velho o bastante
para escalar a “Big Rock.” Sempre que estava na casa do meu pai eu via a
“Big Rock” despontando ao longe e ficava com vontade de escalá-la. Eu já
tinha conquistado todas as outras montanhas da região... a “Big Rock” era
a única que faltava. E assim eu saí com meu pai e alguns de seus amigos
para finalmente subir até o topo. O mais longe que tinha escalado nessa
rocha foi até a metade com Christine. Havia uma subida muito íngreme que
não conseguia escalar sem alguma ajuda. A segunda metade da jornada foi
um grande desafio, mas foi tão empolgante! Eu estava muito nervoso com
a altura que escalamos. A melhor parte, é claro, foi subir ao topo, e o
sentimento de conquista. Finalmente eu consegui! Olhando para baixo, eu
pude ver a vastidão da região do Velho Cânion de Topanga, e a casa do pai
parecia minúscula lá embaixo. Eu estava com muito medo de me aventurar
perto do precipício e tive uma sensação de pavor com a perspectiva de cair
de tal altura. A descida foi ainda mais desafiadora, mas me sentia tão
orgulhoso de mim mesmo por ter escalado aquela montanha que não foi
tão assustador quanto pensei que seria.

Eu estava muito animado para começar a terceira série. Como alunos da


terceira série, agora poderíamos brincar no parque de cima da escola de
Topanga, e eu me considerava uma das “crianças grandes.” A parte de cima
era extensa, com uma grande praça, mais quadras de handball, e quatro
quadras de basquete. Minha sala de aula estava localizada em um bangalô
adjacente à área superior, e minha professora se chamava Sra. Buntin. Ela
era uma professora nova; acredito que tivesse no máximo 20 anos. Estando
acostumado a professoras muito velhas, fiquei surpreso em como minha
nova professora parecia jovem.
Continuei a brincar com os mesmos amigos durante o recreio e almoço,
onde passávamos nosso tempo comparando e trocando cartas Pokémon.
No meio do ensino fundamental eu não interagia muito com meninas, mas
isso era normal. Eu estava na fase em que os meninos brincavam com os
meninos e as meninas brincavam com as meninas, completamente
separados uns dos outros. Meninas eram a última coisa que passava na
minha cabeça. Maddy ainda era a única amiga que eu tinha menina, e eu só
a via nas ocasiões em que nossas famílias se encontravam, o que se tornou
cada vez mais raro depois que os pais da Maddy se divorciaram e Paul
Humphreys voltou de mudança para a Inglaterra.
Era como se as meninas do colégio fossem parte de uma realidade
separada. Apesar de não ter com elas muito contato, elas me tratavam
cordialmente, assim como tratavam todos os outros garotos de minha
idade. Isso era bom, e eu estava contente com isso. Eu ainda não tinha
entrado na puberdade, então não tinha necessidade da aceitação feminina.
Com oito anos eu não tinha ideia da dor e da miséria que as meninas me
causariam quando a puberdade chegasse inevitavelmente e meus desejos
sexuais por garotas se desenvolvessem. Desejos sexuais que seriam
impiedosamente rejeitados. Alguns dos meninos da minha turma
cresceriam para serem abraçados pelas meninas, enquanto eu cresceria
para ser rejeitado por elas. Mas naquele momento, éramos apenas crianças
inocentes crescendo juntos. Toda inocência está destinada a ser destruída
e substituída pela crua brutalidade. Eu estava vivendo na ignorância,
inocente alegria. E eu era feliz assim.

Esse período de minha vida, junto com minha tenra infância na Inglaterra,
foi um dos melhores. A vida era boa e a vida satisfatória. Quando crianças,
provar nosso valor e obter aceitação entre nossos pares era alcançado de
maneira justa, pelo quão bom éramos nos jogos que disputávamos ou pelo
tamanho de nossa coleção de cartas Pokémon. Ninguém recebia vantagens
injustas. Isso era perfeito, e é assim que a vida deveria ser.
E.... cara, eu tinha muita diversão. A família de James teve que se mudar
para outra casa em Palisades, e a mãe sempre nos levava lá. Ela ficou muito
amiga dos pais de James, Kim e Arte. James e eu competíamos em nossos
Gameboys, trocávamos cartas Pokémon, caminhávamos até o centro
recreativo no final da rua para brincar na piscina e depois para jantar íamos
todos ao restaurante Mott's no centro de Palisades.
Eu tinha bastante orgulho de minha coleção de cartas Pokémon. Tinha
conseguido algumas “brilhantes” nos últimos meses e gostava de mostrá-
las para os outros garotos. As cartas brilhantes vinham aleatoriamente em
deques de cartas que nossos pais compravam para nós. A carta que eu mais
cobiçava era a do Charizard, e numa manhã quando minha mãe abriu um
deque para mim e eu olhei para as novas cartas... lá estava. Era o melhor
dia de todos, e me senti invadido de excitação. Pulei de cima a baixo por
todos os cantos da Casa Vermelha, e mal podia esperar para mostrá-la para
James, que já tinha uma do Charizard.
Por sermos amigos de James Ellis e irmos muito à casa dele, conhecemos a
família Lemelson, que era amiga da família de Kim e Arte. A família
Lemelson é uma família muito rica que vinha ajudando financeiramente a
família de James há algum tempo. Rob Lemelson é filho de Jerome
Lemelson, o inventor do Código de Barras, e seu patrimônio líquido está na
casa das centenas de milhões. O filho de Rob, Noah, é de nosso tempo e
grande amigo de James, e por isso eu me tornei amigo dele também,
embora nunca seríamos íntimos. Às vezes todos nós íamos para a casa dos
Lemelson, também em Palisades, e nós três brincávamos juntos.
No Halloween fomos na casa dos Lemelson para Doces ou Travessuras e a
partir de então, tornou-se uma tradição sair com eles para Doces ou
Travessuras. De novo eu me vesti como um dinossauro, porque não
conseguia pensar em ser outra coisa. Eu queria me vestir como Ash
Ketchum, do Pokémon, mas nenhuma loja tinha a fantasia em estoque.
Palisades era cheia de famílias ricas, então os doces que eles nos davam
eram em quantidades muito maiores, obviamente. Eu me lembro de
competir com James e Noah para ver quem conseguiria mais doces no final.
Depois disso jantaríamos na casa de Rob, e então despejaríamos nossos
doces em montes no chão para examinar o que tínhamos conseguido. Essa
era minha parte favorita.

No começo do ano na terceira série minha mãe costumava nos levar a um


festival perto do Bulevar do Cânion de Topanga, onde pequenos concertos
eram realizados e as pessoas preparavam banquetes. Uma amiga dela tinha
algo a ver com esses eventos, e eu brincava com o filho dessa amiga. Seu
nome era Riley Anapol, e ele era dois anos mais novo do que eu. Ele era da
primeira série. Também brincava com outras crianças mais novas, colegas
de Riley, e me divertia muito. Riley se tornou meu amigo por um tempo. A
importância disso é que Riley Anapol casualmente se tornaria alguém que
eu nutriria um grande ódio. Riley cresceria para conseguir muitas meninas,
enquanto eu cresceria para ser rejeitado pelas meninas. Mas naquela época
ele era um amigo, um parceiro, e brincávamos juntos como iguais. É
engraçado como o mundo funciona.

Quando chegaram as férias, meu pai anunciou que faríamos férias em


família no país natal de Soumaya, Marrocos, para conhecer sua família lá, e
que depois faríamos uma parada na Inglaterra. Eu não estava animado em
relação ao Marrocos, uma vez que não conhecia muito sobre o país a não
ser que ficava no norte da África, e também não estava muito animado com
o fato de que ficaríamos lá por seis semanas, o que significava que todas as
minhas férias de inverno seriam passadas em um país estrangeiro do qual
eu não sabia nada.
Mas é claro que eu não tinha escolha, e o Marrocos foi adicionado à lista de
tantos países que já tinha visitado tão precocemente. Eu ansiava visitar a
Inglaterra depois e ver a família lá.
O Marrocos pareceu muito estranho e desconhecido para mim, ainda mais
do que a Malásia, que era mais ocidentalizada. Achei muito retrógrado,
embora tivesse muita cultura e as pessoas fossem amigáveis. Lembro-me
que não gostei de muitas comidas, mas apreciei as pastelarias e as
sobremesas. Os pais de Soumaya eram divorciados, embora morassem
pertos um do outro em Kasbah, uma comunidade histórica localizada no
centro de Tanger. A mãe de Soumaya, Khadija, tinha uma casa pequena,
porém elegante, e seu pai, Abdesalem, tinha uma casa muito grande, quase
um castelo, que é famosa por ser um local onde uma cena de “James Bond:
Marcado para a Morte” foi filmada. Isso me encantou, porque eu era fã de
James Bond naquela época. No centro dessa casa havia um pátio aberto
onde eu sempre brincava com uma criança chamada Ayman, e seus dois
irmãos mais novos. Eles foram adotados pelo pai da Soumaya alguns anos
antes e moravam com ele.
Depois de uma longa estadia no Marrocos – muito longa em minha opinião
– fizemos nossa parada na Inglaterra para visitar parentes. Ficamos na casa
da vovó Jinx, e pude brincar com meu primo George por alguns dias. Em um
dos dias em que ficamos na Inglaterra, a irmã de minha mãe, tia Min, e
minha avó Ah Mah, vieram me visitar e me trouxeram muitos chocolates
ingleses que eu apreciei.
No fim das contas, foi uma boa viagem e fiquei contente em poder
experienciá-la, embora a duração da viagem tenha prejudicado meu
cronograma escolar, tendo perdido algumas semanas de aula.

Depois do período de férias minha cuidadora Christine teve que voltar para
a Alemanha, o que me entristeceu profundamente. Christine seria para
sempre minha cuidadora preferida, e eu fiquei de péssimo humor no dia
em que ela partiu.

O restante do ano na terceira série passou rápido. Continuei empenhado


com Pokémon, aumentando minha coleção de cartas e evoluindo no
Gameboy.
Eu tive um conflito com meu amigo Shane nessa época. Por causa de
algumas discussões que tivemos previamente, comecei a disputar com ele
um jogo em que ele sairia meu inimigo e rival na escola. Para mim, eu estava
apenas brincando com ele, mas ele levou a sério e o conflito aumentou
muito mais do que eu pensava. Uma vez entramos numa pequena luta
corporal na qual eu o acertei um soco no braço e fui mandado para a sala
da diretoria. Essa foi a maior confusão que arrumei na escola de Topanga.
Esse pequeno conflito com Shane perdurou pelo resto da terceira série, mas
posteriormente nos reconciliaríamos e brincaríamos novamente como
amigos na quarta série.

Antes do verão chegar, a carreira espontânea de meu pai como diretor


comercial decolou mais uma vez e ele se tornou muito bem-sucedido. Nessa
época provavelmente ele era o mais bem-sucedido do que jamais tinha
sido. Com esse sucesso, ele decidiu se mudar para uma casa maior e
melhor. Depois de fazer algumas pesquisas, nos mudamos para uma casa
em uma área nobre de West Hills, perto de Woodland Hills. Adorei esta casa
à primeira vista. Tinha cinco quartos, o que era espaço mais do que
suficiente para nossa família junto com o tio Dan, que ainda estava
morando conosco. Também tinha uma enorme piscina com spa, um grande
campo gramado para brincar, uma quadra de basquete e uma bela vista do
Vale. Eu era um garoto do Vale novamente.
Apesar da mudança de meu pai para uma casa muito maior e todos os
benefícios que vinham junto, eu ainda preferia meu tempo na casa da mãe,
simplesmente por causa de sua atitude gentil e divertida e da energia de
sua casa. Minha mãe se entregou a mim mais do que meu pai e Soumaya
jamais fizeram. Ela sabia do que eu gostava e do que não gostava, e fazia de
tudo para tornar minha vida agradável e prazerosa. Fiquei bastante
aborrecido com a recente decisão entre minha mãe e meu pai de prolongar
minha estadia na casa de meu pai em mais dois dias por semana. A partir
daí, eu e minha irmã só ficaríamos na casa da mãe de segunda a quinta, e
na quinta à noite íamos para a casa do pai até a segunda seguinte.

Meu nono aniversário se passou na casa do pai, e ele e Soumaya fizeram


uma festa para mim. Eles convidaram alguns amigos meus da escola de
Topanga, embora o único amigo que me lembro de estar lá seja o Philip e
seu irmão mais novo Jeffrey. James foi convidado, mas não pôde
comparecer. Eles também convidaram alguns amigos de Georgia, o que
realmente me incomodou, porque era o meu aniversário, e não o dela. Foi
uma festa bastante agitada e aconteceu nos fundos de casa. Meu pai
contratou um mágico para fazer truques para todos.
9 Anos
Meu nono ano foi muito interessante e enfrentei muitas mudanças tanto
emocionais quanto intelectuais. Foi o ano em que amadureci a ponto de
começar a observar o mundo mais conscientemente. Antes de completar
nove anos eu estava vivendo como uma criança despreocupada em um
mundo que imaginava ser apenas bom e puro. Desse ponto em diante eu
descobriria gradualmente o mundo e a sociedade. Enfrentaria problemas e
frustrações que jamais sequer havia imaginado antes. Mesmo assim, minha
vida ainda seria positiva e radiante, e eu a viveria ao máximo.

A primeira frustração do ano, e que permaneceria pelo resto da minha vida,


era o fato de que eu era muito pequeno para minha idade. Quando a quarta
série começou ficou muito claro que eu era a criança mais baixa da turma –
até as meninas eram mais altas. No passado eu raramente me importava
com isso, mas nessa época eu fiquei extremamente incomodado em como
todo mundo era mais alto do que eu, e em como os meninos mais altos
eram automaticamente mais respeitados. Isso instilou os primeiros
sentimentos de inferioridade em mim, e tais sentimentos apenas
cresceriam com o tempo.
Eu queria ser mais alto desesperadamente, e li que jogar basquete era bom
para o crescimento. Isso despertou meu breve interesse em basquete, e eu
jogaria todo tempo durante o recreio e almoço no parque de cima. A
maioria das quadras de basquete ficavam vazias, então eu jogava sozinho,
ou com qualquer um que se importasse em jogar comigo. No tempo em que
ficava na casa do pai, eu passava horas jogando basquete na quadra de
basquete do meu pai, fazendo arremesso após arremesso pela tarde, e
também me lembro de deitar no chão da quadra tentando alongar meu
corpo o máximo que podia entre os intervalos dos jogos.
Quando jogava basquete na escola alguns garotos se juntavam a mim, e
quando vinham eu via que eles eram muito melhores do que eu nesse
esporte. Eu invejava a capacidade que eles tinham de arremessar a bola o
dobro da distância que eu conseguia. Isso me fazia perceber que além de
ser baixo, eu era fisicamente mais fraco comparado a outros garotos da
minha idade. Até meninos mais novos do que eu eram mais fortes. Isso me
envergonhava sem tamanho.
Minha sala de aula da quarta série era localizada na área central da escola,
e minha professora se chamava Sra. Gill, que tinha um ajudante chamado
Sr. Devine. A quarta série foi um ano estranho devido aos problemas
emocionais que enfrentaria, e eu não tinha mais tanta diversão na escola
como nos anos anteriores. Na sala, eu sentava perto de Keaton Webber, e
entrei em alguns conflitos com ele. Não éramos propriamente inimigos,
mas eu não gostava dele nem um pouco e o considerava sempre como um
babaca.
Por natureza, eu sou uma pessoa bastante ciumenta, e com nove anos
minha natureza ciumenta veio à tona. Quando me encontrava para brincar
com James, às vezes ele também recebia outros amigos, e eu me sentia
chateado e com ciúmes quando ele prestava mais atenção a eles. Sentindo-
me de lado, eu encontrava um canto quieto e começava a chorar. Minha
mãe e Kim eram muito compreensivas, e faziam o melhor que podiam para
me consolar.
Nas raras ocasiões em que minha mãe convidava Maddy e Mo para jantar,
ou se íamos visitá-los na casa deles, Maddy costumava brincar com minha
irmãzinha Georgia em vez de mim, e isso também me deixava com ciúmes.
Eu me lembro de todas as vezes que chorei quando isso aconteceu.
Ciúmes e inveja... esses são dois sentimentos que dominariam toda minha
vida e me trariam imensa dor. Os sentimentos de ciúmes que sentia aos
nove anos eram frustrantes, mas não eram nada comparados a quanto eu
sentiria quando chegasse à puberdade e teria que ver as meninas
escolhendo outros garotos em vez de mim. Qualquer problema que tivesse
aos nove anos era nirvana comparado aquilo que estaria condenado a
enfrentar.

Alguns meses na quarta série, foi decidido por meus pais mudar o roteiro
de minha vida e da minha irmã mais uma vez. Dessa vez, estaríamos
alternando entre a casa do pai e a casa da mãe cada semana. Uma semana
seria passada na casa da mãe, e a seguinte na casa do pai. Essa era uma
divisão justa. No início eu não estava muito certo disso, porque nunca gostei
de qualquer mudança em minha vida, mas constatei que era um melhor
ajuste. Isso me permitiu passar os finais de semana na casa de minha mãe,
durante a semana dela, o que me deixou bastante animado. Eu só passava
os finais de semana na casa do pai antes disso.
Na semana do pai eu era cuidado principalmente por nossas duas novas
cuidadoras, Rosa e Amparro. Elas eram de origem sul-americana e não
falavam muito inglês, no entanto eram muito gentis.
Comecei a ter brigas intensas com Soumaya. Odiava as regras que ela
impunha para mim, as quais eu acreditava que ela não tinha direito para
impor, uma vez que ela não era minha mãe. Odiava como ela me forçava a
tomar leite toda manhã e uma sopa insossa no jantar. Eu me neguei tantas
vezes a tomar essa sopa que ela a utilizava como meio de punição. Sempre
que fazia alguma coisa errada ela me forçava a tomar sopa. Uma vez eu
tinha um encontro para brincar com Philip na casa do pai, e quando gritei
com minha irmã porque ela estava nos incomodando, Soumaya me puniu
me mandando para o quarto de castigo por uma hora, o que me embaraçou
na frente de Philip. Depois desse incidente eu nunca mais tive um encontro
para brincar na casa do pai.
Esse conflito com Soumaya desencadeou uma tendência em que eu
adoraria estar na casa da mãe e temeria as semanas que teria de passar na
casa do pai. Não fossem apenas os conflitos com Soumaya, o pai raramente
estava lá, pois estava sempre fora da cidade a trabalho. Depois de passar
uma boa semana na casa da mãe, chorava quando chegava o domingo e
tinha que ir para a casa do pai na segunda. Então eu passaria a semana
inteira pensando em voltar para a casa da mãe. Lembro-me daquelas
segundas-feiras quando minha mãe me deixava na escola no primeiro dia
da semana com o pai... eu me sentia tão triste que chorava quando via o
carro da minha mãe indo embora. É claro, disfarçava as lágrimas para evitar
a vergonha na escola, mas me sentia desolado pelo restante do dia.
Eu sempre tinha uma experiência encantadora na semana com a mãe. Ela
sempre arranjava alguém para brincar comigo, porque ela sabia que eu era
muito tímido para ter a iniciativa por conta própria. Ela sempre fazia tudo
ficar divertido. Aos finais de semana após o jantar nós tínhamos a “hora do
doce”, quando ela trazia uma caixa de doces para eu e minha irmã
escolhermos.
Eu tinha vários encontros para brincar com Philip, e por causa dele eu
também brincava com seu irmão Jeffrey, que era dois anos mais novo do
que a gente. Enquanto Philip era calmo e maduro, Jeffrey era
completamente o oposto. Jeffrey Bloeser era agitado e indomável, o que
frequentemente trazia bastante divertimento em meus encontros com
Philip.
Minha mãe uma vez fez uma festa em sua casa e convidou todos os amigos
de nossa família. James Ellis compareceu, assim como Philip e Jeffrey. Era a
primeira vez que eu via todos eles juntos, e isso proporcionou uma
experiência interessante. Fiquei um pouco com ciúmes, entretanto, quando
Philip e Jeffrey pareciam respeitar e prestar mais atenção em James do que
a mim. Quando estávamos jogando no meu Nintendo 64 e eu competindo
contra o James, eles torceram pelo James, o que me deixou muito
chateado.

Quando a quarta série se aproximava do final, com apenas nove anos eu


tive outra revelação sobre como o mundo funcionava. Percebi que existiam
hierarquias, que algumas pessoas eram melhores do que as outras. É claro
que inconscientemente eu soubesse disso no passado, mas foi nessa fase
de minha vida – com nove anos – que comecei a prestar atenção e
importância.
Comecei a perceber isso na escola. Na escola, sempre existem os “caras
legais” que parecem ser mais admiráveis do que qualquer um. A maneira
como se mostram, como se vestem, e agem, faz deles... mais legais. Esses
“caras legais”, como eu os chamo, incluíam Keaton Webber, Matt Bordier,
Michael Ray, Trevor Bourget, Zalman Katz, John Jo Glen, e alguns mais. Eles
eram legais, eram populares, e sempre pareciam como se estivessem às mil
maravilhas.
O ambiente pacífico e inocente da infância, onde todos andavam em pé de
igualdade, acabou. O tempo do jogo limpo estava chegando ao fim. A vida
é uma competição e uma luta e eu estava lentamente começando a
perceber isso.
Quando fiquei consciente dessa estrutura social comum em minha escola,
também comecei a me examinar e a me comparar com esses “caras legais.”
Percebi, com algum pavor, que eu não era nem um pouco “legal.” Eu tinha
um corte de cabelo idiota, eu vestia roupas comuns e antiquadas, e eu era
tímido e impopular. Sempre fui tido como o menino tímido no passado, mas
nunca realmente pensei que minha timidez me afetaria de uma forma
negativa, até esse ponto.
Essa revelação sobre o mundo, e sobre mim mesmo, realmente fez baixar
minha autoestima. Além disso havia o sentimento de que eu era diferente
por ter uma raça misturada. Eu sou meio branco e meio asiático, e isso me
fazia diferente das crianças normais totalmente brancas em cujo ambiente
eu tentava me encaixar.
Eu invejava os caras legais, e queria ser como eles. Fiquei um pouco
frustrado com meus pais por não terem me moldado como uma dessas
crianças no passado. Eles nunca fizeram um esforço para me vestir com
roupas estilosas ou fazer um corte de cabelo bonito. Eu tinha que fazer
todos os esforços para corrigir isso. Tinha que me adaptar.
Minha primeira atitude foi pedir a meus pais para me deixar tingir os
cabelos de loiro. Eu sempre invejei e admirei as pessoas de cabelos claros,
elas sempre aparentavam ser muito mais bonitas. Meus pais concordaram
em me deixar fazer, e o pai me levou a um salão de beleza em Mulholland
Drive, Woodland Hills. Ter escolhido esse salão de beleza foi uma péssima
decisão, porque eles só tingiram o topo de minha cabeça de loiro. Quando
eu perguntei indignado por que eles não haviam feito todo meu cabelo
loiro, eles disseram que eu era muito novo para um tingimento completo.
Eu fiquei furioso. Achei-me tão idiota com cabelo loiro em cima da cabeça
e preto nas laterais e na nuca. Tive medo de ir para a escola no dia seguinte
com esse novo e bizarro cabelo.
Quando cheguei na escola no outro dia eu estava intensamente nervoso.
Antes da aula começar, fiquei em um canto tentando nervosamente
descobrir como faria para revelar isso a todos. Trevor foi o primeiro a notar,
ele veio até mim e colocou a mão na minha cabeça, dizendo que era muito
"legal". Bem, isso era exatamente o que eu queria. Meu novo cabelo passou
a ser uma espécie de espetáculo e, por alguns dias, recebi um pouco da
atenção e admiração que tanto desejava.

Meu interesse em Pokémon desapareceu nessa época. Na terceira série


Pokémon era considerado “maneiro” e todo mundo estava jogando. Rumo
ao final da quarta série eu percebi que todo mundo estava largando mão
de Pokémon, e os únicos que ainda jogavam eram as crianças “nerds.”
Ouvia algumas crianças zoando sobre como os jogadores de Pokémon eram
tapados e decidi que era hora de parar.
Eu falei com James sobre isso. Ele ainda estava interessado em Pokémon,
então eu lhe dei minha carta do Charizard de presente, como um ato de
minha desistência do jogo. Pokémon proporcionou-me algumas
experiências memoráveis e realmente felizes, mas era hora de seguir em
frente.
Então comecei a notar que todos os caras legais eram interessados em
skate. Eu nunca tinha subido num skate antes, mas se quisesse ser legal, eu
teria que virar um skatista. Expressei isso a meus pais, e meu pai ficou feliz
de que eu estava demonstrando interesse por um esporte de ação. Ele me
levou na loja Val Surf no Bulevar Ventura para me comprar um skate novo
e eu fiquei fascinado com todas as diferentes opções. Escolhi um skate
vermelho da marca Val Surf e eles tiraram o shape da parede e montaram
na minha frente.
Fiquei maravilhado por ter esse novo skate e a chance que ele me dava em
ser uma criança legal. Era hora de começar a praticar. Achei bastante difícil
até mesmo ficar em cima dele no início, e passei muitas horas na rua
tentando pegar o jeito da coisa. E era isso, agora eu era um skatista, embora
não fosse bom o bastante para me mostrar como tal para as crianças da
escola. Esse foi o início de uma obsessão em copiar tudo o que os supostos
“caras legais” andavam fazendo.

PARTE TRÊS
O Último Período de Contentamento (Idade 9 a 13 anos)
A quarta séria terminou e quando o verão começou eu fiz um voto de me
moldar como a criança mais descolada que poderia ser até que a quinta
série chegasse. Eu previ a aprovação que os outros garotos legais teriam de
mim assim que eu me revelasse semelhante a eles, e estava ansioso por
isso.

Depois de cerca de um ano e meio morando na casa em Hatteras St., no


alto de West Hills, meu pai decidiu se mudar para uma casa ainda melhor.
Dessa vez, todos nós passamos um dia olhando casas disponíveis juntos em
família. Fomos com um agente imobiliário gabaritado e examinamos
algumas casas bonitas em Woodland Hills. Minha favorita foi uma casa de
três andares em Llano Drive, Woodland Hills Heights, a área mais
privilegiada de Woodland Hills que fazia divisa com Calabasas. Não tinha
piscina, mas tinha um quintal em declive quase três vezes maior do que o
nosso atual. A casa tinha seis quartos, e eu senti uma intensa afeição para
um em particular que tinha seu próprio banheiro e uma sacada separada.
Meu pai mostrou grande entusiasmo acerca da possibilidade de comprar
essa casa, e eu fiquei obcecado em conseguir que aquele quarto particular
fosse meu. Quando comentei sobre isso com meu pai e Soumaya, eles
disseram que o quarto provavelmente seria de Georgia porque ficava mais
perto do quarto principal. Disseram que eu ficaria com um quarto no andar
de baixo, sem meu próprio banheiro ou sacada. Fiquei furioso e tive um
grande ataque de choro.
Logo em seguida o pai veio com a decisão de comprar essa casa. Eu fiz um
grande te-déum sobre a possibilidade de não conseguir aquele quarto
maravilhoso que queria, e continuei reclamando com meu pai e Soumaya
sobre isso. Quando eles finalmente se mudaram e a primeira semana no pai
nessa nova casa começou, eu estava muito ansioso. Mas então, quando
entramos, papai e Soumaya me surpreenderam e revelaram que decidiram
me dar o quarto que eu queria. Fiquei tão feliz! Dancei e pulei de alegria por
toda a casa e depois fui para minha nova sacada e contemplei a bela vista
de Woodland Hills por uma hora.
Depois da mudança para essa nova casa o pai nunca mais se mudaria, e ele
ainda mora lá até o presente dia. Eu teria várias experiências importantes
lá pela década que se seguiria, tanto boas quanto terríveis.

Eu precisava de um skate para a casa da mãe também, então minha mãe


me levou para a Val Surf e comprou-me um skate Val Surf cinza. Eu usaria
esse skate muito mais do que o skate vermelho que tinha na casa do pai,
pois tinha todos os meus encontros para brincar durante a semana da mãe,
e minha mãe se esforçava mais para satisfazer meu novo interesse,
levando-me aos parques de skate todo fim de semana.

Fiquei muito empolgado com meu novo hobby, e compartilhei-o com James
Ellis e Philip Bloeser, meus dois melhores amigos. Eu queria que eles
também se interessassem em skate. Foi complicado meter James nisso, mas
logo ele comprou seu próprio skate e começamos a andar de skate juntos
pela vizinhança.

Como agora me considerava um skatista, eu queria me vestir com as roupas


que todos os skatistas descolados estavam usando. Minha mãe me levou
para a Val Surf de novo, dessa vez para comprar camisetas novas. Escolhi
algumas que tinham estampas de marcas de skate. Mais tarde naquele dia
coloquei uma de minhas novas camisetas e fiquei animado para começar a
andar por aí com ela. Eu me sentia descolado.
Na casa do pai, fui apresentado a uma nova cuidadora que ficaria morando
conosco. Rosa e Amparro voltaram para seus países de origem alguns
meses antes de nos mudarmos. Essa nova cuidadora era uma mulher afro-
americana chamada Tracy. Ela tinha uma personalidade bastante divertida
e eu sempre tinha um tempo agradável quando ela nos cuidava. Ela era
habilitada para dirigir, diferente de minhas cuidadoras anteriores, então
seria ela que sempre me buscaria na escola durante a semana na casa do
pai.
Tio Dan teve uma discussão com meu pai, e assim ele foi obrigado a se
mudar. Eu nunca mais o veria depois disso. Tracy viria, de certa forma, a
substituir o tio Dan como a inquilina que morava na casa do pai.

No início do verão meu pai me forçou a participar de um acampamento de


verão em uma escola primária perto de nossa nova casa. Essa escola era a
Escola Fundamental Bay Laurel, em Calabasas. Eu odiei a perspectiva e
protestei veementemente. A última coisa que eu queria era passar meu
cobiçado verão em uma escola onde não conhecia ninguém.
Eu estava começando a gostar muito mais de ir para a casa do pai depois de
me mudar para nossa incrível casa nova com meu novo quarto espetacular,
mas essa decisão do pai fez-me desgostar das minhas semanas lá
novamente. Na casa da mãe, eu fazia as coisas mais do meu jeito, e era
assim que eu queria viver.
Odiei ter que ir ao acampamento durante o verão, e estava me sentindo
péssimo no começo, mas depois de poucas semanas fiz amizade com dois
irmãos chamados Thomas e Tyler.

Na semana da mãe eu passava cada vez mais praticando skate e tinha vários
encontros com James onde saímos para andar juntos. Também nos
divertíamos muito disputando jogos de Nintendo 64, como Donkey Kong
64, Banjo Kazooie, Banjo Tooei, James Bond Goldeneye, e muitos outros.
Ele também me deixou interessado em colecionar Beanie Babies. Primeiro
eu pensei que uma coisa dessas fosse idiota e de menina, mas nós os
usávamos para alimentar nossa imaginação e simular batalhas e guerras
entre eles. Era nosso hobby secreto que não fazíamos questão de contar a
ninguém.
Fiquei aliviado quando o acampamento de verão acabou, e logo depois de
acabar veio meu décimo aniversário. Eu estava nesse mundo há uma
década, e que década... cheia de descobertas, diversão, e felizes aventuras.
Eu não diria o mesmo para a década que estaria por vir.
Não deram uma festa para meu décimo aniversário, mas acredito que o
tenha celebrado durante a semana da mãe. Saímos com James e sua família
para um restaurante em Palisades.

10 Anos
Eu estava ansioso para tingir meu cabelo todo de loiro, após o fracasso
desastroso da minha tentativa anterior. Dessa vez, Soumaya me levou para
o salão certo, e eles cortaram um pouco meu cabelo e o tingiram todo de
loiro. Quando me olhei no espelho senti um nível grandioso de satisfação.
Fui para a casa de James logo após ter recebido minha nova cor de cabelo,
e a expressão de surpresa em seu rosto quando ele me viu pela primeira
vez fez-me dar uma boa gargalhada.
Algumas semanas depois, meu cabelo começou a crescer e o cabelo preto
aparecia nas raízes, mas a mistura caiu bem para mim, e se tornaria meu
estilo de cabelo pelo restante do ano.

A mãe levou eu e minha irmã para umas pequenas férias pelo fim do verão.
Pegamos a autoestrada 101 para Ventura, onde nos hospedamos no
Holiday Inn (que agora foi substituído pelo Crowne Plaza). Achei o hotel
confortável e luxuoso. Estava localizado bem no Passeio de Ventura, um
bonito caminho de passeio ao longo da praia que levava para um extenso
cais.
Nessa fase, eu estava muito entusiasmado com meu novo interesse em
skate, e levei meu skate junto comigo. Adorei andar com meu novo skate
por todo o Passeio de Ventura. Nessa viagem minha mãe me levou para
minha primeira pista de skate, que era chamada de SkateStreet. Era
gigantesca, e fiquei impressionado com todas aquelas rampas de tamanho
colossal. Participei de uma aula para iniciantes e o instrutor me ensinou o
básico para andar nessas rampas. Fiquei absolutamente apavorado no
começo, mas no final da aula consegui subir e descer na menor delas, e isso
foi magnífico.
Quando voltamos para o hotel tivemos um ótimo serviço de quarto com
jantar, e depois nós três assistimos ao filme “Procurando Nemo” na
televisão do hotel. Essa foi uma viagem encantadora.

Antes da quinta série começar eu fui com meu pai e Soumaya para uma
festa com jantar na casa de seus amigos. Esqueci quem eram esses amigos,
mas era uma casa formidável em Beverly Hills. Havia muitos convidados, e
fiz o que geralmente fazia em jantares assim.... sentava-me em volta
comendo petiscos e conversava com minha irmã, às vezes indo até o pai e
pedindo um gole de vinho.
Durante a festa eu me peguei conversando com meu pai, Soumaya, e um
dos convidados da festa, um homem espalhafatoso de meia-idade cujo
nome não consigo lembrar. O pai e Soumaya estavam falando em como eu
recém havia completado dez anos, e discutindo sobre a vida e o que o
futuro me reservava. Esse homem com quem estávamos conversando... ele
me bateu nas costas e disse que eu tinha uma grande vida pela frente. Com
um sorriso no rosto, ele me disse que “nos próximos dez anos, você terá
uma bela fase... uma bela fase.” Eu não tinha ideia do que ele queria dizer
com isso. Eu nem pensava no meu futuro naquela época; eu vivia o
momento.
Hoje eu sei o que ele queria dizer. A infância é divertida, mas quando um
garoto chega na puberdade um mundo inteiramente novo se abre... um
mundo inteiramente novo com novos prazeres, tais como sexo e amor. Os
outros garotos experimentarão isso, mas eu não, me dói dizer. Essa é a base
de minha trágica vida. Eu não teria uma bela fase nos próximos dez anos.
Os prazeres do sexo e do amor seriam negados a mim. Os outros garotos
experimentarão isso, mas eu não. Em vez disso, eu experimentaria miséria,
rejeição, solidão, e dor.
Naquele dado momento eu não dei muita atenção ao comentário do
homem. Eu nem me lembro quem ele era. Mas depois de que esses dez
anos se passaram e tendo experimentado o que experimentei, não consigo
deixar de pensar naquele momento. Se apenas eu soubesse o que me
aguardava, bem ali naquele momento.

Era vez de começar a quinta série. Começou de maneira excelente. Minha


professora se chamava Sra. Damart, e ela sempre era muito gentil comigo.
Na primeira semana da quinta série eu estava na casa da mãe. Eu me
considerava como alguém muito “maneiro” agora. Tinha ficado melhor no
skate, tinha cabelos loiros, e me vestia como um skatista. Sentia uma
grande expectativa do que os caras legais pensariam de mim quando vissem
minha transformação.
Para minha decepção ninguém se importou. Eles estavam todos em seus
próprios mundos. Não me lembro de nenhuma criança mostrando
admiração por minha nova “condição.” Quando muito eu era olhado de
modo diferente do que era na quarta série, o que me deixava contente. Os
caras legais falavam mais comigo e eu comecei a me juntar a eles durante
o recreio e no almoço.
Quando a semana do pai chegou eu me senti frustrado porque não tinha
roupas tão legais lá, e demorou até que meu pai encontrasse tempo para
comprar algumas para mim. A mãe sempre me dava o que eu queria, bem
quando eu queria. Na casa da mãe, todas as minhas necessidades eram
atendidas com excelente precisão, enquanto na casa do pai sempre havia
um atraso porque o pai e Soumaya tinham menos tempo para mim e
prestavam menos atenção em mim.

Logo depois de começar meu ano na quinta série minha mãe decidiu se
mudar da Casa Vermelha para uma casa menor em Woodland Hills. Essa
nova casa estava localizada no Bulevar do Cânion de Topanga, próxima da
rua Dumetz. A casa do pai ficava logo no topo do morro, então era
praticamente uma caminhada até sua casa.
Eu sentiria falta da Casa Vermelha, apesar de ser pequena e pelo fato de ter
que dividir um quarto com minha irmã. Tive muitos momentos bons nela.
Essa nova casa era mais conveniente. Ainda era uma casa de dois quartos,
mas um dos quartos era grande o suficiente para ser dividido em dois, e
então com uma parede construída no meio, minha irmã e eu ficamos cada
um com nosso próprio quarto.

À medida que eu ficava cada vez melhor no skate minha mãe se esforçava
para me levar a uma pista de skate toda semana. Agora andar de skate não
era apenas um esporte que estava fazendo para imitar os caras legais. Eu
estava verdadeiramente interessado no esporte. Eu até mesmo sonhava e
tinha esperanças de me tornar um skatista profissional. Esse se tornou o
meu objetivo de vida. Eu gostava muito de andar de skate. Imaginava-me
fazendo manobras absurdas na frente de uma multidão vibrante,
exatamente como eu via Tony Hawk fazendo em alguns vídeos. Eu
imaginava a admiração em seus rostos, e isso era maravilhoso.
A pista de skate que minha mãe me levava era a Northridge Skatepark, e
ela fazia isso toda sexta-feira. A Northridge Skatepark era uma pista de
skate ao ar livre de grandes dimensões com rampas de madeira nobre.
Primeiro jantávamos no Shopping Northridge, e depois eu comparecia para
a sessão das sete às dez da noite na pista de skate. Geralmente eu ia
sozinho, mas depois de algumas semanas fiz alguns conhecidos lá, e eles
me conheciam também. Tornou-se uma tradição de sexta-feira durante a
semana da mãe.
No sábado que se seguia James geralmente vinha pousar na minha casa.
Disputávamos jogos de Nintendo 64 como Tony Hawk’s Pro Skater e Donkey
Kong noite adentro, e então no domingo de manhã a mãe nos levava para
o Skatelab, uma pista de skate coberta no Vale Simi. James também tinha
ficado realmente interessado em skate, ou assim parecia. Eu sempre fui
melhor nisso do que ele, e gostava que fosse assim.
Era assim que acontecia todo fim de semana durante a semana da mãe, e
eu me divertia muito com essa vida.

Eu estava tão interessado em skate que levei meu skate para o Halloween
na noite de Doces ou Travessuras. Minha fantasia, é claro, era de eu mesmo
como skatista. Fomos para a casa dos Lemelson ter um grande jantar e
então saímos para recolher nossos doces. Era complicado segurar uma
sacola cheia de doces e andar de skate ao mesmo tempo, mas eu me diverti.
Lembro-me de alguns adolescentes me vendo em cima do skate e dizendo:
“Por que eu não pensei nisso.” Aha, isso era gratificante.

No Natal minha mãe me comprou o novo Playstation 2. Eu estava


esperando-o por bastante tempo, e quando desembrulhei o presente e vi a
caixa, senti-me muito exaltado. Antes dele o único console de videogame
que eu jogava era o Nintendo 64 (e o Gameboy, se isso conta). O Playstation
2 era muito mais evoluído em termos gráficos, e isso maravilhou-me.
Quando a mãe me informou que teria de compartilhá-lo com minha irmã
Georgia e que eu não podia guardá-lo no meu quarto minha empolgação
passou para a indignação, e eu reclamei bastante. Depois de chorar um
pouco me acalmei e me conformei em dividi-lo com Georgia. Ela igual não
o usaria muito, disse a mim mesmo.
Mesmo depois de ganhar um Playstation 2 eu ainda jogava bastante com
meu Nintendo 64 porque amava os jogos que tinha dele, e tinha um apego
emocional por ele. O console de videogame Nintendo 64 foi o primeiro que
joguei, e ele sempre teria um lugar especial dentro de meu coração.

Um dia durante as férias de inverno na casa do pai, o pai e a Soumaya saíram


por algumas horas e deixaram eu e minha irmã com Tracy. Quando
voltaram, eles tinham um pequeno filhote, e anunciaram que era nosso
mais novo pet. Era principalmente um presente para Georgia. Georgia vinha
pedindo desesperadamente ao pai por um filhote desde o último ano, mas
eu não achava que ele de fato acataria. Fiquei muito chocado que agora
teríamos um cachorro. Eu sempre tinha medo de cachorros quando era
pequeno, e nunca imaginei tendo um como animal de estimação. Os únicos
animais de estimação que tivera anteriormente foram uma tartaruga e uma
iguana, e ambos morreram nem um ano depois de que foram adquiridos.
Para Georgia foi concedido o privilégio de escolher o nome do filhote, e ela
deu o nome de “Lucky.” Eu achei que esse era um nome bastante tosco e
estúpido.

Quando voltei para a escola após as férias de inverno eu percebi que todos
os caras legais tinham um novo interesse: Hacky Sack. É um esporte simples
que consiste em dar balõezinhos com uma bolinha quantas vezes você
conseguir sem deixar cair no chão. Todos eles tinham bolinhas de Hacky, e
passavam o recreio e almoço chutando-as entre si, uma vez que o skate
tinha sido proibido na área escolar. Eu não tinha uma bolinha de Hacky, e
decidi que precisava fazer alguma coisa em relação a isso. A mãe me levou
para a loja Pac Sun onde comprei uma bolinha de Hacky com um padrão
laranja e verde. Quando chegamos em casa do shopping eu comecei a
praticar. Lembro-me de ser difícil no começo, mas passei as tardes
seguintes me concentrando em ficar bom nisso. Passei muitas horas noite
adentro praticando em meu quintal.
Uma vez que conseguia jogar Hacky Sack adequadamente, fiz um alvoroço
enorme com o fato de que agora estava interessado nisso. Eu ia ao grupo
dos caras legais e mostrava minhas habilidades, e praticava a cada minuto
que passava lá fora durante o horário escolar.
A pracinha de cima tinha sido reconstruída depois das férias, e lá havia um
novo parque para brincar. Sempre amei coisas novas, e o novo parque era
bastante convidativo. No exato primeiro dia em que fomos permitidos a
brincar nele, eu brinquei de pega-pega com Philip Bloeser, Addison
Altendorf, Bryce Jacobs, e alguns mais.

Eu nunca fiquei realmente amigo dos chamados “caras legais.” Eu os via


mais como competidores do que como amigos. Durante o recreio e almoço
eu brincava principalmente com Philip e sua pequena panelinha que
consistia em Addison Altendorf, Kevin, e T. J. Tassone.
Fiz alguns amigos na quinta série em virtude do Hacky Sack, embora tenha
me esquecido de seus nomes. Jogava com eles no recreio e na hora do
almoço. Um dia, quando passei uma hora depois da escola na pracinha de
cima, eu estava jogando Hacky Sack com eles e chutei minha bolinha para
cima de um telhado. Não era minha única bolinha de Hacky Sack, graças a
Deus, mas eu gostava muito dela e fiquei triste por perdê-la. Eu me
pergunto se ainda hoje ela está lá em cima... Não, agora alguém já deve ter
levado embora.

Eu ainda me recusava a ter encontros para brincar com amigos quando


estava na casa do pai em virtude do incidente com Soumaya na quarta série.
Por causa disso, meu pai e Soumaya ficaram preocupados que eu não tinha
amigos.
Soumaya me forçou a ser amigo de algumas crianças da vizinhança que
moravam logo descendo a rua. Elas frequentemente saíam de casa para
andar de skate. Eu fiquei agastado... a ideia de ir em direção a uma trupe
de garotos que eu não conhecia e pedir para brincar com eles era
assustadora para mim. Eles eram skatistas “legais” e isso fazia a coisa ainda
mais intimidadora. É claro, eu queria ser amigo deles e me juntar em sua
diversão, mas tinha muito medo de eles me acharem estranho. Eu sempre
fui tímido por natureza.
Soumaya não entendia isso, e ela não me dava brecha no assunto. Ela me
mandou sair de casa e não me deixaria voltar até que eu tivesse me
apresentado para eles. Tentei fingir que estava brincando com eles, mas em
vez disso me escondi numa esquina silenciosa. Para minha surpresa, não sei
como, de alguma forma Soumaya sabia que eu estava fazendo isso e veio
me confrontar. Ela então pegou Tracy para me levar na força até onde as
crianças estavam brincando. Tracy foi até os garotos e perguntou se eu
podia brincar com eles. Senti-me embaraçado e tímido, mas eles me
aceitaram.
Eu sempre tinha a concepção subconsciente de que os caras legais eram
maus e agressivos por natureza, o que é uma verdade fática, e fiquei
chocado que esses garotos estavam sendo legais comigo e me deixando
brincar com eles. Depois de uma tarde andando de skate pelas ruas de
Woodland Hills eu me arrependi de não ter me tornado amigo deles mais
cedo. Eles frequentavam a Escola Fundamental de Woodland Hills, a escola
para a qual minha irmã logo iria.
Algumas semanas depois Soumaya me forçou a ser amigo de um outro
grupo de garotos de Woodland Hills. Esse segundo grupo morava perto de
minha casa, e eles não eram skatistas, embora gostassem de andar de
bicicleta e patinete. Um deles era um menino negro chamado Lucky Radley,
que eu pensei que era bem legal no início. Achei estranho o fato de ele ter
o mesmo nome de meu cachorro. Ele era um aluno da quarta série, e depois
viria a frequentar a mesma escola que eu no secundário, quando se tornaria
objeto de meu ciúme e ódio extremos. Olhando para trás, não consigo
acreditar que realmente brinquei com ele na vizinhança de meu pai como
se fosse meu amigo.

Na primavera o tio Jonny e os primos vieram para passear na casa do pai. O


primo George se instalou no meu quarto, e nós dois ficamos amigos
imediatamente. Eu não o via desde minha última viagem para a Inglaterra,
e naquela época éramos bem crianças. Gostei de ter um amigo para brincar
diariamente sem ter que marcar um encontro, e a semana em que eles
ficaram conosco foi muito divertida. Uma vez eu o levei para andar de
patinete e skate com as crianças da vizinhança, e também íamos muito à
praia.
De fato, foi uma grande semana, e fiquei triste em vê-los partir. Ansiei por
vê-lo novamente quando fôssemos sair de férias para a França e a Inglaterra
no próximo verão.

Após a partida de Jonny e os primos, a mãe de Soumaya, Khadija, veio para


ficar por alguns meses, e me fizeram dividir meu quarto com ela, porque o
pai tinha convertido dois de seus quartos de visita em seu escritório, e Tracy
estava ficando no quarto do primeiro andar. Eu tinha uma cama extra em
meu quarto, então penso que isso fazia sentido para eles. Fiquei um pouco
incomodado com isso no começo, mas me dei bem com Khadija, então logo
me conformei. Ela era como uma terceira vó para mim.

Minha mãe conseguiu ingressos para a pré-estreia tapete vermelho de Star


Wars, Episódio 2: Ataque dos Clones. Recebemos quatro ingressos. Georgia
já era grande para ir, e eu persuadi minha mãe para deixar eu dar o quarto
ingresso para James. Fiquei aturdido quando o filme terminou. Achei
absolutamente fenomenal. James e eu conversamos sobre o filme por
horas depois disso.
Minha vida na escola estava começando a ser medíocre novamente, e fiquei
frustrado em minha tentativa de parecer legal. Eu não tinha um grupo
regular de amigos com quem sempre pudesse brincar. Eu era um nômade,
mudando de grupo em grupo e tentando me encaixar em cada um, mas
nunca me integrando totalmente. Eu temia que os caras legais não me
aceitassem como um deles, e até mesmo a panelinha de Philip nunca me
considerou como um de seus amigos de carteirinha. Apesar de todas
minhas tentativas para ser legal, eu sentia como se as outras crianças não
me respeitavam muito. Eu ainda era um excluído, como sempre serei.
Minha vida social mudou um pouco quando a Sra. Damart anunciou que
teríamos novos arranjos de classes em sala de aula, e o processo de decidir
quem sentava aonde cabia a nós. Nossa turma consistia em mesas que
acomodavam cerca de cinco a seis pessoas e quando nosso nome era
chamado aleatoriamente, podíamos escolher qualquer lugar para sentar, o
que significava que todos tinham a chance de sentar com seu grupo de
amigos. Eu não tinha um grupo específico de amigos, então entrei num
estado de pânico.
Originalmente eu estava me sentando na mesa onde sentava a panelinha
de Philip, mas todos os seus nomes foram chamados antes do meu, e eu fui
excluído de sua mesa. Nessa altura, apenas escolhi sentar-me em qualquer
lugar, e assim acabei próximo de John Jo Glen. Matt Bordier e Danny Dayani
também estavam sentados em nossa mesa. Esses eram os caras que eu
considerava como legais, então estava contente de sentar com eles.
Eu nunca interagia muito com John Jo Glen no passado. Ele era um dos
maiores babacas da escola, parecido com Trevor e Keaton. Tivemos
algumas desavenças no início, mas logo começamos a socializar e eu falava
com ele sobre alguns novos jogos que eu tinha para o meu Playstation 2.
Ficamos amigos quando John Jo subitamente pediu se ele podia vir na
minha casa. Fiquei feliz que ele me pediu isso... seria o primeiro encontro
com um amigo que eu teria sem minha mãe precisar arranjar para mim. Isso
desencadearia uma divertida nova amizade que duraria bem depois da
quinta série. Sentar-me aleatoriamente perto de John Jo foi a melhor coisa
que me aconteceu na escola primária.

Apesar de meus esforços para ser considerado “legal” e de minha obsessão


para obter algum reconhecimento, a quinta série foi meu melhor ano
escolar no primário. Eu brinquei com mais pessoas do que tivera feito nos
anos anteriores, eu era menos tímido, eu não era um idiota, e havia tido um
período maravilhoso aprendendo a andar de skate e a jogar Hacky Sack. Foi
um ano memorável cheio de experiências aprazíveis.
Eu não queria que o ano na escola terminasse. Quando a quinta série
terminasse, eu teria que passar para o secundário, e essa perspectiva me
enchia de ansiedade. Minha pequena mente inocente sempre via o
secundário como uma coisa longe no futuro, quando eu crescesse. Mas eu
não queria crescer. Eu estava aproveitando minha vida como uma criança
bem naquele momento. Eu não pensava no futuro.
As crianças da minha turma faziam vários rumores da vida no secundário
que me enchiam de medo e provocavam um calafrio que percorria minha
espinha. Mesmo assistindo a filmes e programas de TV eu tinha um lampejo
daquilo que me aguardava como um aluno do secundário. Falavam de
meninas, e de como logo seria “legal” ser popular com as meninas. As
meninas eram criaturas totalmente estranhas para mim. Eu nunca interagia
com elas... não era o que se esperava de mim. No primário, os meninos
brincavam com os meninos e as meninas brincavam com as meninas. Era
assim que eu estava acostumado. Esse era meu mundo. Eu ouvia histórias
de que no secundário os garotos começavam a beijar as meninas! Essas
coisas me assustavam. Tentava ignorar isso o máximo que podia e
aproveitar minha vida no momento presente.

A minha escola organizou uma excursão de acampamento para toda a


turma da quinta série antes do dia de graduação. A princípio eu não queria
ir porque ficaria longe de meus pais por cinco dias, algo que não estava
acostumado. Nas raras ocasiões que eles tinham saído da cidade por alguns
dias e me deixado com a cuidadora, eu chorava de noite.
Minha professora Sra. Damart veio até mim uma manhã antes da aula
começar e me persuadiu a ir junto, dizendo que a excursão de graduação
era uma coisa que eu não gostaria de perder. Seria uma experiência única
na vida, e depois de alguma hesitação eu concordei em ir junto.
Esqueci-me exatamente onde era esse acampamento. Estava localizado
numa colônia de férias em algum lugar numa floresta ao norte de Los
Angeles. Era bastante fechado... uma pequena comunidade de cabanas e
barracas cercadas por uma região selvagem e trilhas para caminhadas. Para
minha viagem até lá, decidi ir de carro com meus amigos Bryce e Charlie em
vez de pegar um ônibus com todos os outros. Assim era muito mais
confortável, e fiquei grato por ter conseguido uma carona com eles.
Todos foram designados em grupos de cinco para dividir uma cabana ou
uma barraca. Primeiramente eu fui posto no grupo com Charlie, Bryce, e
outros dois... mas esse grupo recebeu uma barraca para dormir. Fiquei
desconcertado em como as barracas pareciam comuns e desconfortáveis.
Eu queria uma cabana. Então fui até minha professora e pedi para ser
transferido para um grupo que dormiria numa cabana. Ela me colocou num
grupo de alguns skatistas descolados, incluindo Michael, Sam, Trevor, Matt
e Stephen. Tive uma sensação de orgulho ao fazer parte desse grupo.
Durante o período do dia nessa excursão toda a turma da quinta série
participava de jogos, atividades ao ar livre, caminhadas na natureza, e
piqueniques. Era bastante divertido. O período da noite na cabana era
como ter uma noite do pijama com cinco pessoas, e era uma experiência
nova que me entusiasmava. Antes de dormir, Michael Ray pegou uma
revista que tinha fotos de bonitas modelos, e todos os meninos se reuniram
para olhá-la. Então... mesmo na tenra idade de dez anos, os meninos
começaram a se sentir atraídos pelo corpo feminino. Eu não entendia isso...
eu ainda não tinha chegado nessa fase. Fingi estar interessado apenas para
não parecer idiota. Todos esses garotos provavelmente perderam a
virgindade aos dezesseis anos. Que se danem.
A excursão terminou sendo bastante divertida porque eu não chorei nem
um pouco por estar longe de meus pais por tanto tempo.

E finalmente, era hora de me formar no primário. Antes da cerimônia, toda


a turma assistiu a um vídeo cheio de fotografias da vida escolar ao longo do
ano. Eu vi algumas imagens minhas nas fotografias e me senti satisfeito.
Minha vida na Escola Fundamental de Topanga era legal, cheia de
experiências memoráveis e tempos maravilhosos.
Eu usava uma bonita camisa e uma gravata para a cerimônia. Todos os
alunos da quinta série faziam uma fila e caminhavam como uma tripa até o
centro do auditório, cercados pela audiência dos pais e parentes de cada
lado. Quando eu vi meus pais, eles pareciam tão orgulhosos de mim. Cada
aluno tinha que caminhar até seu professor no palco e receber seu canudo
de graduação. Não era exigido que fizéssemos um discurso, para meu
alento. Eu ficaria muito nervoso para falar em frente de uma plateia. A
música tema da graduação era “Time of Your Life”, da banda Green Day,
uma de minhas bandas preferidas. Sempre que escutasse essa música de
novo eu pensaria nesse dia glorioso, e as memórias me fariam experimentar
uma sensação de extrema nostalgia. Pela tarde havia uma festa de
formatura no centro recreativo da comunidade do alto de Topanga, um
lugar magnífico que proporcionava uma visão de todo o Vale.
Depois disso minha mãe me levou para jantar num restaurante de sushi, o
Kabuki. Era apenas eu e ela. Quando nos sentamos no restaurante depois
de toda a agitação, parei um momento para refletir sobre o fato de que o
ensino primário havia acabado. Estava feito. Sentia-me muito realizado e
orgulhoso... estava feliz, as coisas eram boas. Mas ao lado dessa felicidade
havia um sentimento de tristeza que me fazia deixar todas aquelas
experiências para trás. Um capítulo inteiro de minha vida tinha passado, e
um novo estava começando. Esse dia foi um dia extraordinário. Um dia para
se lembrar, uma memória para prezar.

Nas primeiras semanas de verão a mãe arranjou encontros com vários


amigos e conhecidos que eu tinha feito na Escola Fundamental de Topanga,
incluindo Trevor Bourget, Matt Bordier, Charlie Converse, John Jo Glen e
Philip Bloeser. Era interessante ter Trevor e Matt comigo. Nunca pensei que
teria encontros com eles. Matt era um dos caras mais legais da escola; ele
era um skatista e um jogador de baseball que parecia angariar o respeito de
todo mundo. Eu o invejava no primário até mesmo quando éramos amigos,
e o invejaria profundamente e o detestaria depois mais na vida, quando
descobriria quanto sucesso ele teria com as meninas.
Mais uma vez, repito, que como crianças, todos nós brincávamos juntos
como iguais em um ambiente cordial. Apenas depois da puberdade é que a
verdadeira brutalidade da natureza humana mostrou a sua face. A vida se
tornaria uma luta amarga e injusta pelo próprio valor, tudo porque as
meninas escolheriam alguns garotos em detrimento de outros. Os garotos
que as meninas acham atraentes teriam vidas repletas de prazer ao mesmo
tempo em que dominariam os garotos que as meninas consideram
desprezíveis. Matt Bordier teria uma vida de prazer. As meninas se
atirariam em cima dele. E eu seria rejeitado e humilhado pelas meninas.
Naquele momento da vida, estávamos apenas brincando juntos como
crianças, inconscientes para o fato de que meu futuro seria negro e o dele
seria brilhante. A vida é como uma brincadeira cruel.
Minha mãe continuava a me levar para a Northridge Skatepark toda sexta-
feira, e eu também participei de um acampamento de skatistas na Pedlow
Skatepark por algumas semanas. Nesse acampamento encontrei uma das
crianças com quem brincava próximo da casa do pai.
Eu havia dado duro para tentar ficar melhor no skate, mas quando vi que
havia garotos muito mais novos do que eu que conseguiam realizar mais
manobras, percebi que havia fracassado. Nunca fui bom nos esportes ou
em qualquer atividade física, mas quando descobri o skate, eu pensei que
finalmente aqui estaria um esporte no qual eu poderia me destacar e até
mesmo me tornar um profissional. Eu jamais dominaria o “kickflip” ou o
“heelflip.” Tudo o que eu conseguia fazer era dar um “ollie” e descer
algumas rampas. Eu via meninos de oito anos na pista de skate que
conseguiam dar um “kickflip” com facilidade, e isso me deixava nervoso.
Por que tudo o que eu tento dá errado? Era o que eu perguntava a mim
mesmo. Meus sonhos de me tornar um skatista profissional estavam
acabados. Eu me senti muito derrotado.
Por causa disso, meu interesse em skate lentamente desapareceu durante
o verão. James tinha recentemente me dito que não estava mais
interessado no esporte, então eu não tinha mais ele para andar junto de
skate de qualquer maneira. Eu simplesmente decidi esquecer o assunto no
momento.

A família do James se mudou para uma nova casa em Malibu. A casa era
propriedade da família Lemelson, e eles estavam parando nela
temporariamente. A mãe nos levou lá algumas vezes onde me aventurei
pela região selvagem que circundava a casa. Costumávamos ir a uma
pequena praça no centro de Malibu. Havia um parque lá, com algumas lojas
e restaurantes em volta.

Era chegado meu décimo primeiro aniversário. Eu estava na casa da mãe e


decidi apenas ter um pequeno encontro com amigos em meu aniversário.
Convidei James, assim como outro garoto com quem fiz ligeira amizade no
centro recreativo de Woodland Hills. Minha mãe fez um bolinho, eu apaguei
as velhinhas, e foi isso. Eu fiz onze anos.

11 Anos
A viagem para França e Inglaterra veio logo após meu aniversário. Tínhamos
falado sobre ela por algum tempo na casa do pai e eu estava realmente
empolgado para ir. Viajamos no Virgin Atlantic de Primeira Classe. Eu estava
extremamente entusiasmado com isso porque sempre amei o luxo e
opulência.
Paramos na Inglaterra por alguns dias para dar um olá para vovó Jinx. Os
primos não estavam lá, já estavam na França, então foi um pouco
entediante. Quando chegamos na França, a sensação de maravilha e
curiosidade me sobrepujou como sempre acontecia quando eu visitava um
país estrangeiro. A última vez que estivera na França eu tinha apenas
algumas semanas de vida. Essa era a primeira vez que eu era capaz de
experimentar verdadeiramente o país. A França era um mundo totalmente
diferente, e era um mundo que eu gostava. A cultura francesa é tão exótica
e refinada comparada à cultura norte-americana.
Depois de reservarmos alguns quartos de uma pequena pousada próxima
da cidade de Toulouse, nos encontramos com Jonny e os primos na casa da
tia Jenny. A tia Jenny é irmã do meu pai, e a última vez que a vi tinha sido
quando eu morava na Inglaterra, antes de se mudar para a América. Ela
tinha alguns gatinhos em sua casa que eu adorava brincar.
George e eu imediatamente retomamos a amizade iniciada na primavera.
Havia uma extensa área de floresta circundando a casa. George me disse
que havia muitos javalis selvagens na floresta, então nós saímos para “caçar
javalis selvagens.” Era apenas uma brincadeira, e nunca acabamos vendo
qualquer javali, mas o suspense da possibilidade de encontrar um era o que
fazia a coisa divertida.
Ficamos em Toulouse por cerca de uma semana, então nos despedimos dos
parentes e partimos para fazer um passeio pelo país. Percorremos várias
cidades turísticas e ficamos em hotéis com formato de castelo. Isso poderia
ter sido uma grande experiência para mim, mas os conflitos com Soumaya
azedaram o passeio. Aconteceram alguns incidentes nos quais ela me
castigou fazendo-me permanecer dentro do meu quarto de hotel enquanto
ela, o pai, e Georgia, todos saíam para jantar num restaurante. Eu a odiei
por isso.
Na volta paramos na casa da vó Jinx na Inglaterra por uma semana. Dessa
vez os primos estavam lá, e foi bastante divertido. Todos dormimos no
mesmo quarto, então foi como ter uma grande noite do pijama. Um dia nós
saímos numa viagem para um museu, onde eu tive um desentendimento
com Soumaya. Ela gritou comigo na frente de George e ameaçou me
castigar. Isso foi tão vergonhoso que me senti com um ânimo miserável pelo
resto do dia. Eu sempre amei viajar, mas aprendi que viajar com Soumaya
simplesmente arruinava toda a experiência. E essa não seria a última vez
que eu seria forçado a viajar com Soumaya, para minha maior desolação.
A viagem durou três semanas, o tempo perfeito para umas férias, na minha
opinião. Aproveitei bastante, descontando as vezes em que Soumaya
arruinou-a.

Era bom estar em casa depois de umas longas férias culturais. Na casa do
pai, minha cuidadora Tracy entrou em desavença com o pai, e foi obrigada
a ir embora. Fiquei triste em vê-la partir. Ela sempre foi alguém muito
divertida e agradável de se estar por perto. Depois que a Tracy nos deixou,
eu e Georgia não teríamos mais nenhuma cuidadora. Estávamos ficando
muito crescidos para isso. Eu já não era mais uma criancinha... ter
cuidadoras se tornou coisa do passado. De agora em diante, se o pai e
Soumaya tinham que ir a um jantar-baile, eles apenas contratavam uma
cuidadora para nos cuidar, e logo eu seria grande o suficiente para ficar
sozinho em casa.

Cortei o cabelo, mas dessa vez decidi não pintar de loiro. O cabelo preto
sempre crescia de qualquer jeito, então o visual totalmente loiro durava
apenas algumas semanas. Ter cabelo loiro parecia ter perdido o barato,
então simplesmente não me preocupei mais com isso.

O verão era agradável e relaxante, mas logo se encaminhou para o fim. O


tempo do secundário era chegado. Meu medo desse dia assombrou o
âmago de minha mente por todo o verão. Eu estava matriculado na sexta
série na Escola Secundária de Pinecrest. Tinha sentimentos dúbios sobre ir
para essa escola porque não gostei da experiência que tive lá no jardim de
infância. O pai disse que era a melhor opção para mim, porque era uma
pequena escola privada. Eu não queria ir para uma grande escola como a
Escola Secundária de Hale... isso teria sido demais fustigante para mim.
No primeiro dia eu estava tremendo de ansiedade e medo. Eu não sabia o
que esperar. Transferir-me para o secundário era algo bastante importante
para mim, ainda mais do que começar as séries iniciais. Eu era mais velho e
me importava mais com o que os alunos pensariam de mim. Eu não era mais
uma criança inocente sem motivos para me preocupar. Eu tinha que me
preocupar com um monte de coisas, ah, e como eu tinha! Era uma escola
inteiramente nova cheia de pessoas que eu não conhecia. Eles todos tinham
ido para a escola juntos no primário, então a maioria já se conhecia. Isso
me fazia ainda mais nervoso. A única pessoa que eu conhecia que estava
indo para Pinecrest era uma criança nerd chamada Nate Grossman, com
quem eu não interagia muito em Topanga.
Eu também sentia um medo intenso de como seria a vida no secundário. Eu
não sabia como agir na frente de meninas, eu não sabia mais o que era legal,
e eu não tinha amigos lá. Eu simplesmente não sabia o que fazer. Sentia-me
como se estivesse entrando numa tempestade de neve sem usar um
casaco.
Meus pais me levaram até a escola para dizer adeus, e então era vez de
iniciar meu primeiro dia de aula. Agora eu tinha que participar de múltiplas
aulas com professores diferentes. Esse também era um conceito novo para
mim e me fez sentir extremamente desconfortável. Como era uma escola
privada, eu tinha que usar uniforme, algo que não tinha feito desde o tempo
da Dorsett House na Inglaterra. Mesmo assim achava isso uma boa coisa...
eu não precisava me preocupar com que roupa teria que vestir no meu
primeiro dia.
Logo nos primeiros dias eu me abriguei dentro de uma carapuça e não falei
com absolutamente ninguém. Eu observava, entretanto. Observava como
cada um agia, quem eram os “caras legais” de lá, como eles se pareciam...
e isso era tudo muito intimidador. Os desafios sociais que enfrentei na
quinta série foram intensificados na décima potência.
Constatei que havia dois grupos de crianças legais e populares. Havia os
skatistas, tais como Vinny Maggio, Ashton Moio, Darrel, Wes, e Alex Dib. E
havia também os caras que eram populares com as meninas, incluindo
Vincent, Robert Morgan, e Oren Aks. Todos eles pareciam muito confiantes
e agressivos. Eu me sentia intimidado por eles, e os odiava por isso. Eu os
odiava muito, porém tinha que melhorar minha convivência com eles. Eu
queria ser amigo deles.
Eu também observava as meninas. Eu era ainda muito pequeno para minha
idade, e a maioria das meninas eram mais altas do que eu. Eu ainda não
havia chegado na puberdade, mas começava a admirar a beleza feminina.
Havia um grupo de meninas bonitas e populares, e todas elas pareciam
estar como que se escorando em Robert Morgan. Eu ainda não desejava as
garotas sexualmente, mas mesmo assim sentia inveja de Robert por ser
capaz de atrair a atenção de todas as meninas populares. O que havia de
tão especial em Robert Morgan? Era o que constantemente me perguntava.
Eu achava todos os caras legais uns completos retardados mentais, mas
mesmo assim tentava fazer o melhor que podia para esconder meu
desprezo e parecer “legal” para eles. Eles eram idiotas detestáveis, e ainda
assim de algum jeito era para esses caras que todas as meninas se jogavam.
Isso me mostrou que o mundo é um lugar brutal, e os seres humanos são
nada mais do que animais selvagens. Tudo que meu pai havia me ensinado
estava se mostrando errado. Ele me ensinou a ser educado, um gentil
cavalheiro. Num mundo decente, isso seria o ideal. Mas os cavalheiros
polidos e gentis não vencem no mundo real. As meninas não se atiram para
os cavalheiros. Elas se atiram para os machos alfa. Elas se atiram para os
garotos que aparentam ter mais poder e status. E há uma luta implacável
para atingir esse patamar.
Isso era demais para eu dar conta. Eu ainda era uma pequena criança com
uma mente frágil. Pensar nessas coisas só acabava com minha inocência, e
acabou por destruí-la. Mas ainda não nessa fase. Subconscientemente eu
queria curtir minha infância tanto quanto fosse possível, então tentava não
pensar sobre essa nova revelação e aproveitar a vida a cada momento. Eu
pus tudo isso de lado, para ser sobrecarregado mais tarde.

Todo meu mundo tinha mudado. A coisa “legal” a fazer agora era ser
popular com as meninas. Eu não sabia como me virar com isso. Skate, isso
eu conseguia me virar... vestir-me bem, isso era simples... mas atrair a
atenção das meninas? Como na terra eu conseguiria fazer isso? Eu não
conseguia entender afinal o que havia de tão especial nisso, mas todo
mundo parecia dar muita importância. Isso me fez ainda mais tímido, e
fiquei conhecido como “a nova criança tímida.”
Felizmente algumas crianças começaram a se aproximar de mim, e assim
eu tive algumas chances de me integrar dentro de algumas semanas. O
primeiro garoto a falar comigo foi Brice Miller. Ele me perguntou se eu tinha
algum amigo na escola, porque ele sempre me via sozinho. Admiti que não
tinha nenhum amigo, e ele se ofereceu para ser meu primeiro amigo. Fiquei
muito agradecido por isso.
Mais uma vez, usei o skate como uma forma de melhorar minha posição,
dizendo aos skatistas que sabia andar de skate e que conseguia dar algumas
manobras. Isso fez com que eles me tratassem mais cordialmente. Eu até
falei com Robert Morgan algumas vezes, a quem odiava e ao mesmo tempo
reverenciava por ser tão popular. Sempre que uma dita criança popular
trocava uma palavra comigo ou me apertava o cinco eu sentia imensa
satisfação.

Inevitavelmente comecei a ser conhecido pelas meninas da minha escola; e


surpreendentemente elas me tratavam bem. Isso foi um grande alívio. O
secundário seria o último período de minha vida que eu não seria
completamente invisível para as meninas. Todas as meninas bonitas tinham
o hábito peculiar de abraçar os garotos que conheciam como uma forma de
saudação, e algumas delas chegaram a me abraçar. Eu não entendia o
porquê, mas era a melhor sensação de todas. Eu ficava cem vezes mais
satisfeito em receber um abraço de uma menina bonita do que apertar o
cinco de um garoto popular. Essa foi uma nova experiência que arrepiou
cada fibra de meu ser.
As meninas da 7ª e 8ª séries eram especialmente gentis comigo. Eu acho
que elas achavam que eu era “fofo” de um modo infantil. Isso fez com que
minha experiência inicial no secundário fosse muito melhor.

Decidi participar da escola de dança no começo de outubro. Uma escola de


dança era algo totalmente estranho para mim. As escolas primárias não
tinham isso, é claro, e eu apenas as conhecia assistindo aos típicos
programas da TV americana. Eu achava que era uma coisa que eu tinha que
fazer para ser legal. Estava muito nervoso, naturalmente, mas me esforcei
para embarcar nessa.
Quando cheguei lá, Robert Morgan me viu e perguntou se eu queria me
unir ao grupo dele. Fiquei grato por isso e acabei me divertindo. Fiquei
chocado que algumas meninas da 7ª e 8ª séries se ofereceram para dançar
comigo. Elas vieram até mim em um grupo e me ensinaram a "dança lenta."
Eu tinha que colocar minhas mãos em seus quadris, enquanto elas
colocavam suas mãos em meus ombros, e nos movíamos lentamente com
a música. Elas eram todas mais altas do que eu, e eu estava apavorado, mas
era tão... bom. Essa seria a única vez na minha vida que eu teria uma
experiência satisfatória com meninas. A única vez.
O Halloween desse ano marcou a última vez que eu sairia para Doces ou
Travessuras. Depois desse ano eu seria muito velho para isso. A mãe nos
levou para a casa dos Lemelson e decidi não usar nenhuma fantasia. Eu fui
como eu mesmo, ostentando meu casaco preto da Pinecrest. Como era a
minha última vez de Doces ou Travessuras, seria a última vez que eu teria
alguma diversão no Halloween. E quanta diversão eu tive. Era legal sair
pedindo doces com James e Noah, como fazíamos há vários anos.

Meu pai deduziu uma parcela da pensão alimentícia que vinha pagando à
minha mãe, o que a forçou a se mudar de casa. Nos mudamos para uma
pequena casa azul na Avenida Glade no Parque Canoga. Eu não gostava do
Parque Canoga nem um pouco. Era uma área feia e de classe baixa ao norte
de Woodland Hills, e achei humilhante termos de morar lá durante a
semana da mãe.
A casa tinha algumas vantagens. Tinha quatro quartos e uma sala de estar
maior do que a antiga casa da mãe. Meu novo quarto era bem maior do que
o antigo. E é claro, minha mãe sempre dava seu próprio jeito de fazer tudo
melhor. Eu ainda gostaria mais de meu tempo na casa pequena da mãe do
que meu tempo na casa grande do pai em Woodland Hills.
Junto com essa mudança, veio uma nova modificação em nosso
cronograma de guarda compartilhada. Meus pais decidiram que ficaríamos
mais na casa da nossa mãe, em vez de trocar uma semana por semana. A
mãe nos teria todos os dias da semana e iríamos para a casa do pai nos fins
de semana quando ele estivesse na cidade.

Por volta do mesmo período em que minha mãe se mudou, a família do


James também, para outra casa de propriedade dos Lemelson em Palisades.
Eles permaneceriam nessa casa apenas por um breve tempo, porque um
trágico evento logo se sucederia na família do James.
Certo dia na escola, estava sentado em minha classe, quando subitamente
fui chamado para a diretoria. Minha mãe estava lá esperando para me
pegar. Entrei no carro e nós três saímos da escola e estacionamos à margem
da Avenida Shoup. Ela nos deu as tristes notícias. A mãe de James, Kim Ellis,
havia a recém morrido de câncer de mama. Eu chorei um pouco. Kim era
uma pessoa de um coração gentil, e a mãe de meu melhor amigo. Ela vinha
sofrendo com o câncer de mama há vários anos, mas nunca pensei que ela
morreria disso. Imediatamente pensei em como James deveria estar se
sentindo. Ele tinha perdido sua própria mãe! Isso fez-me pensar em como
eu me sentiria devastado se a mesma coisa acontecesse com minha mãe,
apenas esse pensamento já me enchia de dor.
Haveria um encontro de amigos da família na casa de James naquela noite,
em homenagem a Kim. No caminho, pensei em como abordaria James
sobre o assunto. O tamanho da dor que ele devia estar sentindo... Eu não
conseguia nem imaginar. A última experiência semelhante foi a morte de
meu avô, e eu tinha apenas quatro anos na época. Quando chegamos,
procurei por James e o encontrei sentado em seu quarto. Eu gentilmente
lhe ofereci minhas mais profundas condolências por sua perda. Ele
permanecia muito forte, obviamente escondendo suas emoções. Ele
parecia muito triste, de um jeito extremamente estoico. Ele me disse que
aceitava totalmente o que havia acontecido, que sua mãe estava morta e
que era o fim. Isso foi tudo o que falamos sobre o assunto. Tentamos não
pensar nisso pelo resto da noite e, mais tarde, brinquei de pega-pega em
seu quintal com ele e alguns de seus amigos.

Continuei muito tímido durante a sexta série, e sempre seria rotulado como
uma criança quieta. Eu não conseguia estabelecer amigos com os quais
pudesse me encontrar, então os únicos encontros que tinha eram com os
velhos amigos da escola de Topanga. Isso preenchia o vazio social e eu me
contentava com isso.
Eu tentava dar o máximo para melhorar minha situação social durante o
período escolar. Algumas meninas continuavam a prestar atenção em mim,
dizendo “oi” quando eu passava por elas e ocasionalmente me abraçando,
mas me sentia amargurado com o fato de não poder realmente sair com
elas como os garotos populares faziam.
Para não ser visto como um completo solitário na escola, acabei fazendo
amizade com um cara chamado Connor Hanrahan. Connor não era popular,
porque as meninas não gostavam dele. Apesar disso, ele era um dos
babacas mais pomposos da escola, ainda mais do que qualquer um dos
garotos mais populares. Ele era um autêntico valentão. Comecei a andar
com ele durante o recreio e almoço, e fazíamos algumas brincadeiras um
com o outro e dávamos algumas boas risadas, mas ele sempre me levava
junto e agia de modo bruto. Eu era tão tímido diante dele que nem me
importava. Eu apenas queria alguém para não ficar sozinho.
Quando eu estava fora um dia depois da escola a minha mãe me viu com
Connor quando veio me buscar. Ela estava preocupada por eu não ter feito
amigos novos em Pinecrest, e suponho que ela ficou aliviada por ver-me
com um “amigo.” Ela convidou Connor para vir junto até minha casa, o que
ele concordou. Eu estava um pouco hesitante de convidar alguém de
Pinecrest para a casa da minha mãe, porque era localizada no Parque
Canoga, uma área pobre, e a maioria das crianças de Pinecrest era de classe
média-alta que não veriam com bons olhos eu morar lá. Mas eu não podia
voltar atrás uma vez que minha mãe já tinha convidado Connor. Ele veio
junto e tudo se passou bem, jogamos videogame por algumas horas. Mas
depois desse encontro, ele sempre tiraria sarro de mim por viver numa casa
“pobre.” Ele também diria a outras crianças de Pinecrest sobre isso. Isso me
enfureceu sem precedentes, e eu acabaria proclamando que meu pai
morava numa prestigiosa casa de três andares nos altos de Woodland Hills.
Tornei-me veementemente obcecado em provar a Connor e a qualquer um
que eu não era pobre. Cheguei ao ponto de trazer fotos da casa do meu pai
para a escola. Até mesmo considerei a hipótese de convidar alguns colegas
para a casa do pai, mas me lembrei do meu voto de nunca fazer isso devido
à possibilidade de acontecer outro incidente envolvendo Soumaya, como
aquele que ocorreu anos atrás.

Eu tinha onze anos quando comecei a usar a internet de modo regular. A


internet ainda hoje é considerada um fenômeno atual. Antes dos onze eu
mal sabia como pesquisar sites e usar e-mail, mas uma vez que estava
inserido completamente nela, ela realmente me fascinou.
A ferramenta popular de mídia social naquela época era o Messenger AOL,
ou “AIM.” Eu fiz minha primeira conta “AIM” no computador da mãe, e ela
me deixaria ter uma hora por dia para explorá-lo. Entrei em algumas salas
de bate-papo. A perspectiva de falar com estranhos em um computador era
nova e fascinante para mim.
Em direção ao final da sexta série eu ainda não tinha feito um grupo de
amigos que pudesse ver fora da escola. As únicas interações sociais que
tinha fora da escola eram encontros com os velhos amigos de Topanga, e
de vez em quando. Entrar em salas de bate-papo pelo AOL preencheu
temporariamente o vazio social por algumas semanas. Essa não seria
definitivamente a primeira vez que eu tentaria preencher esse vazio por
intermédio da internet.
Uma vez que me estabeleci nas salas de bate-papo eu fiz alguns amigos para
quem mandava mensagens instantâneas com frequência. A maioria deles
estava no secundário e alguns no ensino médio. Eu também falava com
algumas pessoas que conhecia de Pinecrest pelo AIM.
Um amigo que eu tinha conhecido numa sala de bate-papo de repente me
mandou por e-mail imagens de moças bonitas peladas, dizendo para “dar
uma olhada.” Quando olhei para as imagens, fiquei chocado para além das
palavras. Eu nunca tinha visto como eram bonitas moças peladas, e essa
visão me encheu de fortes e sobrepujantes sentimentos. Eu não sabia o que
estava acontecendo comigo. Seria o primeiro indício de desejo sexual em
meu corpo? Eu fiquei traumatizado. Minha infância estava desaparecendo.
Um medo sinistro tomou conta de mim, e eu parei de me comunicar com
essa pessoa.
Conforme a sexta série chegava a um desfecho, eu me sentia insatisfeito e
insignificante. Na verdade, um mundo totalmente novo se abriu diante de
mim e eu não tinha ideia de como prevalecer nele. Eu ainda queria viver
como uma criança.
Eu nunca estabeleci qualquer amizade verdadeira em Pinecrest, e o único
encontro que tive foi aquele com Conor que minha mãe arranjou, e que
veio a ser um desastre para mim. Tanto minha mãe quanto meu pai
mostravam preocupação de que eu não fazia amigos, mas em razão de eu
ainda ver alguns amigos de Topanga, eles não faziam muito caso com isso.
Considero a sexta série o melhor ano dos três que passaria no secundário.
As meninas prestavam atenção em mim. Elas sabiam quem eu era e eu não
tinha a sensação de ser totalmente invisível. Eu era extremamente tímido
com as meninas e mal conseguia conversar com elas, mas eu ainda interagia
com meninas mais durante esse ano do que em qualquer outro
subsequente. Os caras legais me tratavam bem, apesar de minha reputação
de “criança quieta.” Eu sempre me sentia um perdedor comparado a eles,
e eu os odiava por isso, embora ainda quisesse obter sua aprovação. Eu
queria ser um deles... Eu queria ser amigo deles.
O mais perto que cheguei a ser verdadeiramente um deles foi quando Vinny
e Robert me convidaram para suas festas de aniversário, que aconteceram
apenas algumas semanas antes do final do ano letivo. Ambas as festas se
deram na pista do Skatelab. Eu não tinha ido ao Skatelab por quase um ano,
e quando entrei, todas as memórias de ir lá com James vieram à minha
cabeça. Eu não tinha andado de skate por algum tempo, mas depois de
alguns minutos nas rampas minha habilidade retornou como mágica. Todos
eles ficaram bastante impressionados. Aposto que eles pensaram que eu
fosse um zero à esquerda nisso. Fiquei feliz em provar que eles estavam
errados.
De fato, a sexta série foi o pico de minha vida em Pinecrest. Depois disso só
desceria ladeira abaixo.

Minha mãe me comprou um videogame novinho em folha, o Xbox. Tinha


ouvido várias crianças falando na escola em como era bom o Xbox, então
fiquei realmente desejoso em ter um. Gostei do Xbox muito mais do que o
Playstation 2. Os gráficos eram melhores e os jogos faziam mais o meu tipo.
Com o Xbox eu ganhei o jogo Halo. No começo eu achei Halo muito difícil e
desisti depois de algumas tentativas. Eu não fazia ideia de que Halo logo se
tornaria uma das minhas séries de videogame favoritas que já joguei.
Fiquei extremamente feliz e aliviado quando o verão chegou. A escola
secundária era muito mais estressante do que o primário, tanto social
quanto academicamente. O verão proporcionaria umas tão merecidas
férias de tudo isso.
Comecei vendo alguns velhos amigos de Topanga mais frequentemente.
Entre eles estavam John Jo Glen e Charlie Converse. Charlie na verdade não
era um de meus melhores amigos na Escola Fundamental de Topanga. Eu
tinha alguns encontros com ele aqui e ali, mas não muitos. Foi só depois de
minha graduação na quinta série que nossa verdadeira amizade começou.
Ele sempre tivera uma personalidade encantadora e humilde, e era bem
quisto por todos em Topanga. Ele veio para a casa de minha mãe algumas
vezes depois de que eu ganhei o Xbox, onde ele tentava me ajudar a passar
a fase mais difícil de Halo. John Jo e Charlie eram amigos muito próximos
um do outro e eventualmente eu começaria a vê-los juntos.
John Jo me convidou para pousar no apartamento de seu pai em
Hollywood. Achei o apartamento dele muito sujo, mas me diverti tanto que
nem me importei. Ele morava bem do outro lado da rua do grande edifício
de Cientologia. Nós nos reunimos com um grupo de amigos dele e entramos
no pátio do prédio à noite para brincar de pega-pega. Essa foi a primeira
vez que estive fora me divertindo com um grupo de crianças de minha idade
sem a supervisão de um adulto. Foi muito divertido. Quando voltamos para
seu apartamento jogamos Conker’s Bad Fur Day no Nintendo 64. O
Nintendo 64 era um console bem antigo nessa época, especialmente depois
de que agora eu tinha um Xbox e um PS2, mas fiquei tão entretido com
Conker’s Bad Fur Day que pedi para minha mãe comprá-lo no dia seguinte.
James Ellis se mudou mais uma vez para outra casa em Palisades. Após a
morte de sua mãe, o pai de James, Arte, rapidamente tomou a decisão de
se mudar. Arte alugou uma pequena casa na rua Temecula, perto das
renomadas falésias de Palisades. Ali eles permaneceriam por bastante
tempo, e todas as maiores experiências que teria com James no futuro
aconteceriam lá.
Por enquanto eu não estava vendo muito o James. Lentamente nós fomos
nos afastando depois que perdemos o interesse comum em skate. Ainda
nos considerávamos como amigos, e ainda nos víamos ocasionalmente,
quase como uma cortesia. Porém nossa amizade ficaria dormente durante
nossos anos no secundário.
Eu estava curtindo um verão agradável, quando de repente minha mãe
disse que eu teria que ir ao acampamento de verão em Pinecrest. Essa foi
uma decisão tomada junto com meu pai, porque eles achavam que seria
saudável para mim. Eu não gostei nem um pouco. Foi uma decisão tomada
de última hora. Num momento eu estava relaxando e aproveitando minhas
férias de verão, para no seguinte minha mãe estar me acordando cedo para
me levar para meu primeiro dia de acampamento em Pinecrest. Felizmente,
o acampamento de verão duraria apenas quatro semanas.
O acampamento de verão em Pinecrest se localizava na unidade da Escola
Primária, e reconheci minha antiga sala do jardim de infância. Era uma
mistura de crianças do primário e do secundário, e fiz amizade com algumas
crianças que eram mais novas do que eu.
Nesse acampamento, um incidente ocorreria que me marcaria por toda
vida. A primeira vez que fui tratado mal por uma menina aconteceu nesse
acampamento. Eu estava inocentemente brincando com os amigos que
havia feito, e eles estavam fazendo cócegas em mim, algo que as pessoas
sempre faziam justamente porque eu sentia bastante cócegas.
Acidentalmente eu bati numa menina bonita da mesma idade e ela ficou
muito braba. Ela me amaldiçoou e me empurrou, me envergonhando na
frente de meus amigos. Eu não sabia quem era essa menina... Ela apenas
estava em Pinecrest para o acampamento de verão... mas ela era muito
bonita, e mais alta do que eu. Imediatamente congelei e entrei num estado
de choque. Um de meus amigos me perguntou se estava tudo bem comigo,
mas eu não respondi. Eu permaneci muito quieto pelo resto do dia.
Eu não conseguia acreditar no que tinha acontecido. Um tratamento injusto
de uma menina é dez vezes pior do que de um homem. Fez-me sentir como
se eu fosse um ratinho insignificante e desprezível. Senti-me tão pequeno
e vulnerável. Eu não conseguia acreditar que essa menina tinha sido tão
ruim comigo, e pensei que só podia ser assim porque ela me via como um
perdedor. Essa foi a primeira experiência da injustiça feminina que passei,
o que me traumatizou de maneira incalculável. Isso me fez ainda mais
nervoso perto de meninas, e eu seria extremamente cauteloso e enfastiado
delas desse dia em diante.
Antes do acampamento de verão acabar eu vi essa mesma menina
abraçada com Oren Aks algumas vezes. Oren Aks era um dos caras legais de
minha turma. Odiei Oren quando o vi com ela. Isso me fez sentir tão
inferior... que essa menina era ruim comigo e ainda por cima gostava do
Oren. Felizmente, Oren não voltaria para Pinecrest na sétima série, e eu
nunca mais o veria. Fico imaginando o que aconteceu com ele... aposto que
teve uma boa vida.

Fiquei aliviado quando o acampamento de verão terminou. Para mim essa


experiência com a menina injusta o havia arruinado. Que inferno, isso
arruinou parte de toda minha vida. Sempre que pensava em acampamento
de verão eu me lembrava dessa menina, e minhas emoções afloravam.
Meu décimo segundo aniversário veio na sequência. Decidi não fazer nada
para ele. A mãe levou eu e minha irmã para comemorá-lo num restaurante
japonês. Doze parecia para mim um número elevado naquela época. Mais
um ano e eu seria um adolescente. Era difícil de acreditar.

12 Anos
Pelo resto do verão, retomei minha rotina de relaxar e ter encontros para
brincar. Eu tentava esquecer tanto quanto podia o que havia acontecido no
acampamento de verão.
John Jo veio até minha casa, onde dormiu pela primeira vez. Jogamos alguns
videogames, e então ele me disse que queria me levar a um lugar chamado
Planet Cyber, um cybercafé que tinha tudo dos melhores jogos online para
PC. Eu não sabia nada sobre o local, mas ficava apenas descendo a rua da
casa da minha mãe. Fui lá com ele, ansioso por experimentar algo novo.
Essa foi minha primeira experiência com jogos online. Jogar videogame com
pessoas pela internet evocou um nível totalmente novo de fascinação em
mim. Conversar com pessoas pelo AIM era novo e divertido, mas isso... isso
era tremendo. Eu sempre amei jogar na modalidade de vários jogadores no
videogame quando estava com amigos. Com jogos online, eu podia fazer
isso sempre que quisesse. Eu era principiante nesses jogos novos no PC,
mas peguei o jeito em apenas poucas horas jogando com John Jo. Os jogos
que praticamos foram Day of Defeat e Counter Strike.

A mãe levou eu e Georgia para duas curtas viagens de férias na mesma


semana. Na primeira viagem fomos para Long Beach, onde ficamos no hotel
Hyatt. Ele fazia-me lembrar de nossa curta viagem para Ventura dois anos
antes. Visitamos o porto e o aquário. Nós três realmente nos unimos nessa
viagem.
Permanecemos alguns dias em casa antes de partir para a segunda viagem.
Nessa segunda viagem, fomos para Legoland e ficamos hospedados num
resort de lá. O resort era extremamente bonito, com uma grande piscina e
spa. Nos encontramos com a família de uma das amigas de Georgia e
exploramos toda a Legoland.

Quando voltamos de nossa viagem maravilhosa, John Jo pousou mais uma


vez na minha casa. Ele amava o fato de que eu morava perto do Planet
Cyber, então logo ele estaria me ligando toda semana, pedindo se podia vir.
Eu vi Charlie poucos dias depois. Charlie também era familiarizado ao Planet
Cyber, e quando nós dois fomos lá, ele me mostrou um jogo de RPG
chamado Diablo II. Eu não sabia o que fazer nesse jogo, ele era parecido a
um jogo de aventura como Banjo Kazooie e Donkey Kong, mas muito mais
evoluído, com a possibilidade de interação com outros jogadores online.
Era apenas uma questão de tempo até que eu começasse a convidar John
Jo e Charlie para pousar no mesmo dia. Quando nós três fomos para o
Planet Cyber como um grupo, eu tive uma completa euforia. Foi uma das
melhores experiências de minha vida.

Na casa do pai, o pai frequentemente convidava seu novo amigo Alexander


Bubenheim. Alex Bubenheim era um alemão barulhento que trabalhava
como compositor e morava no alto da comunidade de Topanga. Alex tinha
um filho chamado Lukas, que era alguns anos mais novo do que Georgia.
Lukas era um menininho bastante afeminado e imaturo, mas eu o achei
bastante divertido. Eles vinham quase toda semana que eu estava na casa
do pai, e se tornaram uma grande parte de minha vida lá.

A sétima série começou. Minhas cobiçadas férias de verão haviam


terminado. No primeiro dia, eu notei que algumas pessoas que havia
conhecido durante o acampamento de verão começaram a escola sendo
alunos da sexta série. Um deles era Patrick Dib, o irmão mais novo de Alex
Dib. Eu sempre via Patrick Dib como um fanfarrão grosseiro e desagradável.
Ele também era muito feio, e me incomodava que ele se comportasse como
se não fosse um imbecil sardento e gorducho.
Eu cumprimentei todo mundo que conhecia do ano passado, incluindo
Robert Morgan e seu círculo de crianças populares. Havia também um
grupo de crianças novas que se transferiram de Van Nuys. Eu logo os
conheceria. Entre eles estavam Alfred Graham, Anthony Glukov, Jonny
Noone, Derek Olsen, Garrett, Rafael e Edward. Eles já se conheciam e
sempre saíam juntos no início do ano, mas logo constatei que cada um deles
rapidamente se integrou nos círculos pré-estabelecidos de Pinecrest. Eu
tinha ciúmes de que Jonny Noone, um mexicano detestável, logo se tornou
popular com os skatistas por causa de sua atitude arrogante.
Alfred Graham, um menino pardo de quem eu seria meio amigo no decorrer
dos anos, era extremamente odiado por todos, principalmente por ser feio
e por ter um hábito de incomodar as pessoas intencionalmente. Ele se
tornaria amigo dos skatistas, contudo, em decorrência de seu interesse pelo
esporte.
Minha reputação de “criança tímida” continuava, e eu ainda não tinha feito
nenhum amigo chegado o suficiente para ver fora da escola. Eu socializava
com diferentes grupos nas horas de aula, então eu não era um completo
excluído na sétima série.

James Ellis começou o secundário na Escola Secundária de Paul Revere


como aluno da sexta série. Embora tivesse a minha idade, ele havia rodado
um ano no primário. Coincidentemente, ele foi para a mesma escola que
John Jo, Charlie, e outros amigos que eu tinha de Topanga.
Depois desse ponto eu deixaria de ver James Ellis por um tempo. Nossa
amizade ficou temporariamente suspensa e permaneceria assim por mais
um ano. A única vez que nos vimos nesse período foi quando tivemos um
encontro de família. A irmã de James, Sage, frequentemente vinha brincar
com Georgia, enquanto James não fazia questão de vir junto.

John Jo e Charlie começaram a aparecer toda sexta-feira. Isso logo se


tornaria uma tradição. As sextas-feiras eram sempre meus dias favoritos da
semana, e essa tradição fez-me sempre olhar para as sextas com intensa
expectativa. Eles eram deixados por seus pais logo depois da aula, e então
todos nós íamos para o Planet Cyber e jogávamos por horas.
Depois de algumas dessas noites de sexta-feira Charlie me apresentou para
seu amigo Elijah. Elijah estava ficando por uns tempos na casa de Charlie, e
os dois eram como irmãos. Eu imediatamente tive uma grande afeição por
Elijah, e ficamos amigos na mesma hora. Ele me ajudou a passar as fases
mais difíceis de Halo. Elijah então começaria a vir com Charlie e John Jo, e
nós quatro formamos um grupo fechado de amigos. Esse foi o único grupo
social verdadeiro que já tive, e seriam grandes tempos com eles.
Às vezes ficávamos no Planet Cyber até às 3h da manhã, o máximo que
fiquei fora sem a supervisão dos pais. Nós alternaríamos entre jogar Halo
na minha casa, jogar no Planet Cyber ou andar de skate pela vizinhança.
Voltei brevemente ao skate apenas pelo gosto de andar com esses amigos.
Na manhã de sábado que se seguia, acordávamos às 9h, tomávamos café
no Krispy Kreme e passávamos mais algumas horas no Planet Cyber antes
que meus amigos fossem buscados pelos pais. Então eu passava o fim de
semana na casa do pai, se o pai estivesse na cidade.

O aniversário de minha irmã Georgia foi em novembro, e nesse dia meu pai
alugou uma limusine para pegar Georgia e suas amigas na casa da minha
mãe. Charlie e Elijah vieram, embora John Jo estivesse ausente nesse dia.
Quando a limusine retornou, todos nós celebramos o aniversário de
Georgia em casa juntos. Apresentei meu pai a meus amigos. Foi uma
experiência muito feliz.

Quando as férias de verão finalmente chegaram, minha vó Ah Mah veio da


Inglaterra para nos visitar, e ficou no último quarto da casa da mãe. Ah Mah
é exatamente como minha mãe, ela sempre sabia do que eu gostava e dava
um jeito de conseguir para mim, só para colocar um sorriso no meu rosto.
Ela trouxe junto alguns dos meus chocolates preferidos da Inglaterra, além
de seus famosos biscoitos de amendoim que eu tanto gostava.
A mãe deu uma festa em sua casa, e um monte de amigos da família
compareceram, incluindo Maddy e sua mãe, James e sua família, Philip e
Jeffrey e sua família, mais um monte de velhos amigos da mãe que eu não
tinha visto por um longo tempo. Ah Mah, que é uma cozinheira profissional,
fez alguns de seus pratos especiais, e nós montamos um castelo inflável no
quintal. Eu convidei John Jo, Charlie, e Elijah, e nós fomos ao Planet Cyber
um pouco, depois voltamos para casa e nos divertimos no castelo inflável.
James nunca gostou do meu grupo de amigos... ele me disse que os achava
idiotas. Talvez ele estivesse certo sobre John Jo, mas Charlie e Elijah eram
sempre pessoas centradas. Tanto faz, eu nunca gostei também dos amigos
de James, então isso nos iguala, eu acho.
Foi uma festa e tanto. James e Maddy foram os últimos a irem embora. Eu
e minha irmã brincamos com eles por um tempo no castelo inflável. Isso se
mostrou uma experiência interessante e peculiar, brincar com James e
Maddy ao mesmo tempo, meus dois amigos mais antigos. Fazia muito
tempo que eu não via a Maddy, e seria a última vez que brincaríamos juntos
como amigos.
Antes que a noite tivesse acabado, nós tiramos uma foto todos juntos lá
fora em frente à porta de entrada da casa da minha mãe. James fez uma
cara engraçada na pose, enquanto eu estava atrás dele acenando
desajeitadamente. Até hoje minha mãe tem essa foto em um de seus
álbuns.

Uma vez quando John Jo, Charlie e Elijah vieram para uma de nossas
tradicionais noites de sexta-feira, nós encontramos Armando e seu irmão
mais novo Gus. Eu não os via desde a Escola Primária de Topanga. Tivemos
um ótimo encontro andando de skate com eles no estacionamento da igreja
perto da casa da mãe, e na área em volta. Depois disso fizemos algumas
competições de videogame no Planet Cyber.

Minha mãe me levou para ver “O Senhor dos Anéis – O Retorno do Rei” no
cinema. Eu já tinha visto os dois filmes anteriores, mas não era um grande
fã da série até que assisti esse último no cinema. Ter assistido esse filme no
cinema foi uma experiência épica, algo de que nunca me esquecerei.
Embora não fosse tão empolgante quanto ir à pré-estreia tapete vermelho
das séries de Star Wars, não ficava muito longe.
Depois do cinema eu e minha mãe jantamos no TGI Friday’s. Quando
chegamos em casa, enquanto estava me aprontando para dormir, escutei
uma batida na porta. Era o Elijah perguntando se eu queria ir com ele para
o Planet Cyber, o que eu fiz por algumas horas.
Esse dia marcou a última vez que eu iria ao cinema com minha mãe, sem
contar as pré-estreias. Nessa fase, eu sempre gostava quando meus pais me
levavam ao cinema. A tela grande e o alto som ambiente me submergiam
dentro do filme, e eu gostava daquela sensação de torpor que sentia
quando saía de uma sala de cinema para voltar ao mundo real. Era sempre
uma experiência marcante.
Bem rápido, o cinema passaria de um lugar de prazer para um lugar de
desgosto. Uma vez que a puberdade chegasse, eu ficaria com ciúmes de
todos aqueles casais adolescentes ou aqueles grupos de garotos e garotas
que iam juntos ao cinema. Esse dia que assisti ao filme final do “Senhor dos
Anéis” foi a última vez que curti o cinema em paz, sem medo da humilhação.

Além das sextas-feiras, eu sempre encontrava meu grupo de amigos no


Planet Cyber às quartas, porque eles cobravam apenas um dólar por hora
nas quartas. Geralmente minha mãe não me deixaria jogar videogame por
muito tempo num dia de semana, mas ela abria uma exceção nas quartas-
feiras.
Numa dessas quartas Charlie me mostrou o jogo Warcraft 3. Era como
nenhum outro jogo que eu tinha jogado antes. Ele permitia ao jogador
montar um exército e combater contra outros jogadores online. Depois da
primeira hora de Warcraft III, combatendo contra John Jo e Charlie, eu fui
cativado. O jogo era muito divertido. Eu não conseguia deixar de pensar
nele a cada segundo pelos próximos dois dias. Quando a sexta-feira chegou
nós jogamos pela maior parte do dia e avançado na noite.
Meu alegre interesse inicial pelo jogo Warcraft 3 tinha um viés ameaçador.
Era o início de uma longa relação com a franquia Warcraft. Em menos de
um ano a partir desse dia, eles lançariam seu jogo mais avançado, World of
Warcraft, um jogo onde eu encontraria santuário durante a maior parte de
meus anos de adolescente.

A sétima série passou como um sopro. Minha vida na escola era uma
continuação da sexta série. Eu me misturava com conhecidos aqui e ali e
me comportava amigavelmente com todos. A diferença é que eu estava
tendo tanta diversão fora da escola com meus amigos no Planet Cyber que
eu realmente não me importava em ser popular na escola ou receber a
atenção das meninas. Estava curtindo meu último ano de infância. Os doze
foi um dos melhores anos da minha vida, e o último ano que fui feliz. Fico
agradecido de dizer ao menos que fiz o melhor que pude nele.
Eu não me importava com meu futuro, ou com o fato de que a puberdade
estava logo ali. Eu, na verdade, sabia muito pouco sobre o que era a
puberdade. Com a puberdade, todo meu mundo mudaria, e toda minha
vida despencaria em total desespero. Fico imaginando como eu teria lidado
com essas coisas se eu soubesse... se estivesse preparado...

O verão foi muito aguardado. Eu estava vivendo a melhor fase da minha


vida, e uma vez que a escola tinha acabado eu não podia esperar para
aproveitar o verão relaxando e fazendo coisas legais. Estava aliviado que
nenhum de meus pais me fizeram participar do acampamento de verão. Eu
acho que já estava muito velho para isso. Esse verão era meu para
aproveitar do jeito que eu quisesse. Era como um tesouro cobiçado que só
se podia segurar por alguns momentos, mas momentos que seriam
guardados para sempre na memória. Era meu último verão antes da
puberdade. Meu último verão de inocência. Meu último verão de felicidade
verdadeira e satisfação com a vida.

Continuei com minhas tradicionais sextas-feiras com Charlie, John Jo, e


Elijah. Por causa de não haver mais aula eles às vezes vinham em outros
dias também. Eu consegui virar todo jogo de Halo no modo legendário com
a ajuda de Elijah, um feito impressionante.
Philip e Jeffrey também vinham bastante. Philip sempre foi o irmão maduro
e esperto, enquanto Jeffrey era o violento e engraçado. Ver os dois juntos
sempre criava uma mistura interessante e empolgante. A sua mãe, Kathy,
os trazia em dias de semana com bastante frequência. Tomávamos
bastante refrigerante, comíamos muitos doces, e brincávamos com os
skatistas e andadores de patinete do bairro de minha mãe. Eu os levei para
o Planet Cyber uma vez e mostrei-lhes alguns jogos de lá.
Nos finais de semana que passava com o pai nós geralmente fazíamos
alguma coisa com os Bubenheims. Eles moravam no alto da comunidade de
Topanga, onde frequentemente passávamos as tardes. Lá eu brincava com
Georgia e Lukas na piscina e, sendo um admirador das grandes paisagens,
passava bastante tempo olhando para o Vale. Ir para esse lugar sempre me
fazia lembrar da minha festa de formatura da quinta série, uma boa
lembrança.

Soumaya nos trouxe notícias extraordinárias. Numa tarde ensolarada na


casa do pai, eu e minha irmã fomos chamados para a sala de jantar para um
aviso especial. Não foi anunciado através de palavras, mas com Soumaya
indicando que sentia sua barriga. Ela estava grávida! Ela e meu pai teriam
seu primeiro filho juntos. Eu teria um irmãozinho.
Senti-me emocionado. Eu me lembro quando eu era um pouco mais novo
eu sempre pedia para o pai e Soumaya se eles teriam um bebê, e eles diziam
que queriam ter. Ainda estava surpreso quando foi realmente confirmado.
Era aquele sentimento caloroso que me tomava conta sempre que uma boa
mudança acontecia na minha vida. Eu não tinha ideia de como seria, mas
era uma ideia bem-vinda.
Minha vó emprestada Khadija veio para ficar conosco mais uma vez,
principalmente para ajudar Soumaya a se preparar para o parto.

Na metade do verão a mãe pegou eu e minha irmã para umas férias na


Malásia. Esta foi a primeira vez que sairíamos de férias no exterior apenas
com a mãe, e fiquei satisfeito com a ideia. Decolamos no meu décimo
terceiro aniversário. Passei meu aniversário dentro do avião, um
aniversário muito mais excitante do que os anteriores. Voamos com a
Singapore Airlines, e embora não viajássemos na primeira classe, eu achei
tão confortável quanto. A equipe da Singapore Airlines sabia que era meu
aniversário e trouxeram-me um bolo com uma vela no meio do voo. Foi um
gesto muito bonito.
Tivemos que passar oito horas no aeroporto de Cingapura. Achei desse
aeroporto um lugar tão agradável que realmente gostei só de passar esse
tempo lá. Tudo fazia parte da experiência de férias. O aeroporto era grande
e muito mais interessante do que o LAX ou qualquer outro aeroporto
europeu em que já estive. Nós três caminhamos em volta e o exploramos,
fizemos compras, visitamos todas as áreas de público, e fizemos uma ótima
refeição num dos seus restaurantes. Havia muitos doces e refrigerantes
estrangeiros que eu estava curioso para experimentar. Viajar apenas com
minha mãe e minha irmã era muito menos estressante do que viajar com o
pai e Soumaya. Era maravilhoso.
Quando chegamos na Malásia nos encontramos com a vó Ah Mah, a irmã
da minha mãe, Min, seu marido Jack, e a prima Emma. Eles também
estavam visitando a Malásia vindos da Inglaterra. Todos nós ficamos num
hotel alto próximo da praia. Depois que descarregamos tudo no hotel
alguns parentes da mãe que viviam na Malásia vieram nos ver. Foi feita uma
celebração para meu aniversário naquela noite. Antes de ir dormir,
ponderei o fato de que agora eu era um adolescente.
Tive um período magnífico nessas férias. Nossa suíte do hotel era num dos
andares mais altos do edifício, e tinha uma área coberta magnífica que
proporcionava uma vista para o oceano. Durante a viagem, passeamos pela
ilha de Penang, visitamos Georgetown, fomos a um divertido parque
aquático, e usufruímos deliciosas refeições em muitos restaurantes
exóticos. Simplesmente o fato de relaxar e assistir filmes no hotel era uma
atração em si. As férias eram tão divertidas que eu nem sentia falta de
minha vida em casa. As três semanas passaram voando, e chorei um pouco
quando acabaram. Foi uma boa tristeza.

Comemorei meu aniversário novamente na casa do pai na noite que


voltamos para a América. Foi permitido que eu tomasse meu primeiro copo
de cerveja nessa ocasião. Eu sempre pensava em bebidas alcóolicas, tais
como a cerveja e o vinho, como sendo bebidas misteriosas que eram
proibidas para crianças como eu. O pai me deixava beber apenas um
pequeno gole de vinho de tempos em tempos. Beber meu primeiro copo
de cerveja parecia uma grande honra.
De presente, recebi meu primeiro telefone celular. No meu tempo,
telefones celulares eram como ritos de passagem para crianças da minha
idade. Eu sempre invejava as crianças que tinham um telefone celular. John
Jo tinha um telefone Sprint prata com iluminação verde que eu sempre
cobiçava. Finalmente ter um celular só para mim me fez sentir muito
orgulhoso. O meu celular era um T-Mobile prata com iluminação azul.
Adorei a satisfação que senti ao ligá-lo e vi as bonitas luzes.

13 Anos
Aproveitei o restante do verão tanto quanto possível. Na primeira sessão
no Planet Cyber após retorno das férias eu encontrei John Jo. Eles tinham a
nova expansão do Warcraft 3 disponível para jogar, e nós a testamos.
Passei uma noite com Charlie e Elijah, em que eles me apresentaram seu
amigo Julian Ritz-Barr. Julian ia na escola de Topanga conosco, mas ele
estudava duas séries abaixo, então eu nunca soube dele antes disso. Achei
ele bem legal, mas um pouco estúpido. Competimos juntos no Planet Cyber.
Continuei vendo ele e Charlie e Elijah mais vezes depois disso.
Coincidentemente, os pais de Julian eram amigos de Rob Lemelson, e eu
não sabia disso naquela época. Alguns anos depois, eu cruzaria com Julian
novamente numa das festas dos Lemelson, onde o invejaria por ser tão
confiante com todos.

Quando o verão acabou eu chorei um pouco. Tinha sido um grande verão.


Eu saí de férias, vi vários amigos, joguei muitos jogos, e aproveitei a vida ao
máximo. É claro, eu não sabia nessa época que esse seria o último bom
verão de minha vida, mas ainda assim eu chorei... como sempre fazia depois
que uma experiência benfazeja chegava ao fim.

A oitava série começou com uma nota bastante suave. Nos primeiros meses
eu continuei com a vida que vinha tendo, e as coisas pareciam normais. As
pessoas com quem eu mais me encontrava na escola eram Alfred Graham,
Gavin Dowd, e Brice Miller. Alfred estava ficando bom no skate, e começava
a ficar popular com os skatistas. Uma vez ele trouxe o skate na aula e
conseguiu dar um “kickflip”, a manobra que eu nunca consegui dominar no
passado. Fiquei secretamente com ciúmes, embora insistisse com todo
mundo que eu não estava mais interessado em skate.
Comecei a prestar mais atenção nas crianças das séries inferiores,
especialmente da sétima série. Havia uma que veio da escola de Topanga,
o irmão mais velho de uma das amigas de Georgia. Seu nome era Neil Davis.
Eu observava os caras legais da sétima série... De certa forma eles
aparentemente imitavam os caras populares da minha série. Eram todos
idênticos, embora os da sétima série parecessem mais perversos. Notei que
Neil Davis estava começando a ficar amigo deles, até mesmo das meninas
bonitas. Gradualmente eu começaria a desenvolver uma forte inveja dele.
Outro era Lucky Radley, o menino preto com que brinquei na vizinhança do
pai. Ele transferiu-se para Pinecrest naquele mesmo ano, e imediatamente
se tornou popular com as meninas bonitas de sua turma. Eu o odiei por isso.
As coisas estavam ficando mais intensas a cada ano que ficávamos mais
velhos, e eu não queria crescer. Eu queria viver a vida a que estava
acostumado. Eu queria viver num mundo justo, e tentava não aceitar que
isso logo chegaria ao fim.

Os jogos que eu gostava de jogar no Planet Cyber eram muito pesados para
rodar no computador da minha mãe, então o Planet Cyber era o único lugar
onde podia jogá-los. Isso foi até eu pedir ao meu pai que me comprasse o
Warcraft 3 para instalar em seu poderoso laptop. Consegui a expansão
Frozen Throne no pacote e, uma vez instalado, pude reproduzi-lo em seu
laptop sempre que ele me permitia. Achei muito legal jogar online em
minha própria casa. A casa do pai ficou muito mais divertida depois disso,
embora odiasse quando Soumaya definia limites para meu tempo de jogo.
Quando o pai convidava os Bubenheims, Alex às vezes trazia seus amigos
Gary e Antje Twinn. Eles tinham um filho chamado Vincent, que tinha a
mesma idade da minha irmã e era um grande amigo de Lukas. Vincent era
um pequeno menino de bom coração e um pouco gordinho. Eu lhe mostrei
Warcraft 3 no computador do meu pai. Ele estava muito interessado no
jogo, e ficaria me olhando a jogar por horas. Ele realmente me estimava. A
gente se deu muito bem.
Um dia eu estava pesquisando coisas na internet sobre Warcraft 3. Foi
quando descobri sobre um novo e revolucionário Warcraft que estava para
ser lançado, chamado World of Warcraft. Eu não pensei muito nele nesse
dia, ignorante ao efeito que ele teria em minha vida posteriormente.

Paulatinamente, minha amizade com John Jo, Charlie, e Elijah, começou a


decair. Eles não vinham mais como um grupo. Nossas tradicionais sextas-
feiras pararam de acontecer, na medida em que ficavam mais ocupados
com outras coisas. John Jo e Charlie lentamente foram se cansando do
Planet Cyber, o que ocasionou que perdessem o interesse em vir toda
semana. Continuei a vê-los alternadamente; às vezes eu via Charlie e Elijah
juntos, às vezes eu via apenas Elijah, e às vezes apenas John Jo.
Devido a eles virem com menor frequência, comecei a ir sozinho para o
Planet Cyber. Eu nunca tinha feito isso antes, porque meus amigos vinham
bastante e iam junto. Lá eu geralmente jogava Diablo 2 ou Warcraft 3. Por
um tempo fiz disso uma rotina sem achar chato. Às vezes eu encontrava
John Jo por lá e fazíamos ferrenhas competições de Warcraft 3 um contra o
outro.
Depois de mais algumas semanas no outono, comecei a ficar um pouco
deprimido em virtude de que os bons tempos que tivera com meu grupo
principal de amigos estavam desaparecendo. Comecei a ir para o Planet
Cyber sozinho apenas para resgatar esses tempos. Às vezes eu passava
horas jogando de noite. Nunca pensei que me cansaria dos jogos altamente
divertidos de lá, mas depois de jogar muito sozinho, estava surpreso de ter
ficado um pouco entediado. Bons tempos sempre chegam ao fim, e para
mim sempre foi duro aceitar esse fato.

Uma vez quando estava sozinho no Planet Cyber, vi um adolescente mais


velho vendo pornografia. Eu vi em detalhes um vídeo de um homem
fazendo sexo com uma garota gostosa. O vídeo mostrava ele enfiando seu
pênis dentro da vagina da garota. Eu não sabia nada de sexo naquela época.
Eu não sabia direito o que era sexo. Fui lentamente começando a
desenvolver sentimentos sexuais por garotas gostosas, mas não sabia como
lidar com eles. Ver esse vídeo realmente me traumatizou. Eu não fazia ideia
do que estava vendo... Eu não conseguia imaginar seres humanos fazendo
essas coisas entre si. A visão era chocante, traumatizante, e excitante.
Todos esses sentimentos misturados tiveram um grande impacto em mim.
Voltei para casa e chorei escondido. Eu me sentia muito culpado pelo que
tinha visto para falar aos meus pais. Eu me senti abalado por alguns dias.
Esse foi um dos primeiros vislumbres que eu tive do sexo. Descobrir o sexo
foi uma das coisas que realmente destruiu toda a minha vida. Sexo... a
própria palavra me enche de raiva. Uma vez que chegasse à puberdade, eu
sempre o desejaria, como qualquer outro garoto. Eu sempre teria vontade
disso, sempre o almejaria, sempre fantasiaria sobre isso. Mas eu nunca
teria. Não conseguir sexo é o que moldaria a base de toda minha miserável
juventude. Esse foi um dia muito negro.
Em breve eu inevitavelmente descobriria o que era o sexo, tivesse visto
aquele vídeo sujo ou não. Os garotos de minha escola começaram a falar
disso. Connor Hanrahan e seu amigo Jordan Carlton um dia me contaram
exatamente o que acontecia quando um homem e uma garota faziam sexo.
Descobrir sobre sexo foi apenas o início de minha terrível derrocada.

Meu pai e minha mãe voltaram a mudar nossa rotina para uma semana em
cada casa. O pai queria ficar mais tempo conosco, e foi pactuado que esse
seria o jeito. Eu fiquei brabo por causa disso, porque estava satisfeito do
jeito que as coisas estavam. Se voltasse a ser uma semana em cada casa, eu
teria que passar na casa do pai mesmo quando ele não estivesse lá, e eu
odiava isso. Eu não sei como isso permitiria que o pai ficasse mais tempo
conosco, já que ele sempre saía para trabalhar fora de qualquer maneira.
Mas enfim, eu não tinha escolha, e a nova configuração foi feita. É assim
que permaneceria desse ponto em diante... Minha configuração de vida
não mudaria até que eu completasse 18 anos e Soumaya me desse um
chute na bunda.

Quando veio o Natal eu disse ao pai que gostaria de um novo jogo de


computador. O pai me levou para comprar meu presente. Primeiro fomos
para a Comp USA no Bulevar Victory, mas eles não tinham uma gama
variada de jogos. Eu estava prestes a escolher apenas comprar Diablo 2, um
jogo que já havia passado horas jogando no Planet Cyber. Mas então decidi
que, já que a Best Buy ficava do outro lado da rua, deveríamos ir dar uma
olhada nos jogos de lá.
Na Best Buy eu vi o jogo World of Warcraft. Tinha a recém sido lançado
algumas semanas atrás. Peguei a caixa e olhei para ela por alguns minutos.
O jogo parecia incrível e sedutor, então decidi que World of Warcraft seria
o meu presente de Natal. Passei mais tempo olhando para a caixa e lendo
sobre o jogo na volta para casa.
O único computador no qual eu podia jogar World of Warcraft era no laptop
do meu pai, mas o pai estava usando seu laptop para trabalhar. Tive que
esperar muito tempo para ter a chance de jogá-lo. Depois de ler o manual
do jogo fiquei muito empolgado para jogar. Era um tipo de jogo totalmente
novo para mim, um MMORPG que permitia montar meu próprio
personagem dentro de um grande mundo de fantasia online, um mundo a
que eu já estava familiarizado por jogar Warcraft 3. Esse jogo era cem vezes
maior do que qualquer jogo que eu já tinha jogado no passado. Quanto mais
eu lia sobre o jogo, mais eu ansiava jogar.
Passado quase um mês depois de ganhar World of Warcraft eu finalmente
pude jogá-lo. Fiz uma conta WoW com meu pai, e então criei meu primeiro
personagem, um elfo negro druida. Isso realmente excitou minha mente.
Minha primeira experiência com WoW foi como adentrar em um novo
mundo de excitação e aventura. Era um mundo de videogame, mas eles o
faziam tão real que era como viver outra vida, uma vida mais excitante.
Minha vida estava ficando mais e mais depressiva nessa época, e WoW
preencheria esse vazio. Era calmante e aliviador. Só consegui jogar por
algumas horas na minha primeira sessão. Era só nisso que eu pensava
quando não podia jogar.

A mãe não tinha um computador bom o suficiente para rodar World of


Warcraft, então eu me senti um pouco frustrado por causa disso. Pensei em
como seria legal se o Planet Cyber tivesse o jogo, mas eu duvidava que
tivessem. Uma tarde eu fui para o Planet Cyber com meus CD’s de WoW e
perguntei se eles podiam instalar em seus computadores. O dono me disse
que o jogo já estava sendo instalado, e fiquei extasiado ao ouvir essas
palavras. Não estava pronto ainda, entretanto, e eu tive que esperar.
Continuei indo para o Planet Cyber todo dia para esperar, e jogava outros
jogos enquanto eles ainda estavam no processo de instalação. Era uma
espera salutar, porque sabia que mais cedo ou mais tarde eu poderia jogar.
Finalmente, depois de passar três dias no Planet Cyber esperando, estava
pronto. Abri o jogo e loguei com a minha conta. Fiquei em êxtase total.
Passei todo meu tempo livre dos dias seguintes jogando. O dono do Planet
Cyber veio a conhecer-me por causa dessa série de eventos, e passou a me
chamar de seu melhor cliente.

Convidei Charlie uma vez, e ele veio com Stephen, um velho amigo de
Topanga que eu não via por algum tempo. Descobri que os dois já tinham
suas próprias contas WoW, e fomos ao Planet Cyber para jogarmos juntos.
Criei um novo personagem em seu servidor só para jogar com eles, embora
posteriormente fosse descartar esse personagem.
Eu vi Charlie apenas algumas vezes depois disso. Elijah estava ocupado com
alguns problemas na vida e parou de vir junto. John Jo simplesmente sumiu
de minha vida nessa época, por nenhuma razão em particular. Não consigo
lembrar da exata última vez em que o vi, mas foi por volta dessa época.

Minha mãe decidiu se mudar para um apartamento em Woodland Hills. Eu


reagi com indignação. Um apartamento! Eu nunca tinha morado num
apartamento antes, e sempre achei que apartamentos eram algo pobre e
de classe baixa. Eu ficaria envergonhado de revelar isso a qualquer um.
O condomínio do apartamento era chamado de Renaissance Apartments,
perto da área Warner Center em Woodland Hills. Nos mudamos para um
apartamento de dois quartos. A mãe sabia que eu era muito velho para
dividir o quarto com minha irmã, então ela me deu o segundo quarto,
enquanto ela e minha irmã dividiram o quarto maior.
Deixar a casa azul da Avenida Glade foi difícil. Eu tive tantos momentos bons
com meus amigos lá. E se mudar dela bem no momento em que eu parava
de ver esses amigos... eu estava bastante emotivo. Chorei no nosso último
dia lá.
O novo apartamento de minha mãe não ficava a muita distância do Planet
Cyber, e me sentia um pouco envergonhado de mostrar que eu morava
num apartamento, então parei de ver quaisquer amigos. Elijah foi a última
pessoa do grupo que eu vi. Eu estava no Planet Cyber e ele me deu um
tapinha no ombro. Foi um encontro por acaso. Nós conversamos um pouco
sobre o novo jogo Halo 2, e eu lhe mostrei meu personagem de WoW. Foi
a última vez que o vi.
Dessa maneira, perdi o contato com Charlie, John Jo, e Elijah. Os amigos
com quem tivera tantos bons momentos pelos dois últimos anos não eram
mais meus amigos. Eles estavam perdidos para mim. Eu também parei de
ver Philip e Jeffrey... eles simplesmente se esqueceram de mim, eu acredito.
O único amigo que permaneceu comigo foi James Ellis.
O ponto positivo de se mudar para o apartamento foi que a mãe adquiriu
uma internet de alta velocidade. Eu conseguia jogar World of Warcraft em
seu computador, assim como Halo 2 no Xbox Live.
Isso foi quando minha vida social terminou por completo. Eu nunca mais
teria uma vida social saudável de novo. Era o início de um período bastante
solitário de minha vida, no qual minhas únicas interações sociais se dariam
através dos videogames online, tendo como exceção minha amizade com
James. A habilidade de jogar videogames com pessoas online
temporariamente preencheu o vazio social. Fui pego em cheio por isso, e
eu era muito jovem e ingênuo para perceber a gravidade de quão longe eu
havia chegado. Eu estava com muito medo de admitir isso. Essa perda da
vida social, junto com o início da puberdade, fez que eu tivesse a sensação
de estar morrendo um pouco por dentro. Era demais para eu lidar com isso,
e parei de me preocupar com a minha vida e com meu futuro. Eu até mesmo
parei de me preocupar com o que os outros achavam de mim. Eu me
escondi no mundo online de World of Warcraft, um lugar onde eu me sentia
confortável e seguro.
PARTE QUATRO
Preso no Vazio (Idade 13 a 17 anos)
James Ellis também adquiriu um Xbox Live com o Halo 2. Comecei a jogar
com ele online, e nossa amizade reacendeu depois de estar estagnada no
ano anterior. Entrávamos online depois da aula, ou nos sábados de manhã.
Combatíamos no Halo 2 pela internet, exatamente como fazíamos com os
nossos jogos de Nintendo 64 quando éramos crianças.
James seria meu único amigo por esse período depressivo e solitário de
minha vida. Minha amizade com James me ajudou a enfrentar a solidão. Os
únicos momentos que teríamos eram como uma luz na escuridão para mim.
Agora que eu conseguia jogar World of Warcraft na casa da minha mãe sem
restrições, fora a escola e os temas de casa, eu fiquei viciado no jogo e em
meu personagem dentro dele. Era com o que eu mais me importava.
Eu estava tão imerso no jogo que não me preocupava mais no que as
pessoas pensavam de mim. Eu via a escola apenas como uma coisa que me
tirava do WoW. Ficava bastante entediado na escola, principalmente
devido ao fato de que eu ainda era a criança quieta invisível. Para aliviar
esse tédio, comecei a agir de maneira estranha e irritante com as pessoas
só para chamar a atenção.
Tornei-me conhecido como a “criança estranha” de Pinecrest, e as pessoas
começaram a fazer troça comigo, mas eu não me importava. Eu tinha meus
jogos online para me distrair das duras realidades da vida que eu tinha
medo demais para encarar. A única vez que eu me importei foi quando um
grupo de meninas populares da sétima série começou a me provocar, o que
me machucou bastante. Uma dessas meninas era Monette Moio, uma loira
bonita que era a irmã mais nova de Ashton. Ela deve ter pensado que eu
era o maior dos perdedores. Eu a odiei muito, e nunca me esquecerei dela.
Passei a odiar todas as meninas por causa disso. Eu as via como criaturas
perversas, cruéis e sem coração, que se divertiam com meu sofrimento.

Na casa do pai, fui forçado a me mudar para o quarto no andar de baixo,


aquele que Tracy já ocupara. Meu antigo quarto seria dado para meu
irmãozinho... Soumaya estava prestes a parir. Fiquei um pouco incomodado
com isso. Esse quarto era o quarto que me fez tão entusiasmado em me
mudar para essa casa. O pai e a Soumaya achavam que me transferir era a
melhor solução. O bebê teria um quarto próximo deles, e eu teria um maior
no andar de baixo.
Quando me mudei para o quarto no andar de baixo, lentamente admiti que
seria a coisa mais sensata a fazer. Meu novo quarto era duas vezes maior
do que o antigo, eu ainda tinha meu próprio banheiro, e eu ainda tinha o
corredor que levava até ele. Tecnicamente, eu tinha todo o andar térreo da
casa de três andares para mim. A única coisa ruim disso é que eu ficaria com
medo de descer aquelas escadas de noite quando estivesse escuro... o
interruptor de luz ficava no início das escadas. Eu sempre tive medo do
escuro.

Soumaya deu à luz a um menino recém-nascido, e eles o chamaram de Jazz.


Aconteceu durante a semana do pai. Enquanto o pai e Soumaya estavam
no hospital, Alex Bubenheim nos pegava na escola e nós ficávamos em sua
casa de tarde. Isso ocorreu por três dias, e finalmente, no dia do parto, o
pai veio para anunciar o nascimento de Jazz. Fizemos uma pequena
comemoração, e a música “Jessie’s Girl” tocou no aparelho de som do Alex.
Sempre que ouviria essa música no futuro, sempre me lembraria desse dia.
Foi um dia excitante. Eu tinha um irmão... era difícil de acreditar.
Tecnicamente ele é meu meio-irmão, mas eu sempre o chamaria de meu
irmão. Não fiquei tão impactado com seu nascimento como eu pensei que
ficaria, possivelmente porque isso aconteceu no meio das mudanças
emocionais e pessoais que estava passando nessa fase.
As férias de primavera chegaram, o primeiro intervalo da escola desde que
comecei a jogar WoW. Considerei-me extremamente afortunado de que
estava na casa da mãe nessa semana. Eu não gostava de ficar na casa do
pai, porque eu tinha muitas limitações na quantidade de tempo que podia
ficar jogando. No início das férias de primavera eu planejei gastar todo o
tempo no WoW, evoluindo meu personagem e esquecendo da minha vida
terrível na escola.
Convidei James para vir ao apartamento de minha mãe pela primeira vez.
Jogamos uma sessão de Halo 2, e então decidi introduzi-lo ao World of
Warcraft. Ele não sabia nada sobre isso. Eu estava muito desejoso para
inseri-lo no jogo. WoW era um grande jogo, afinal. Ele pareceu muito
interessado.

Fomos para a casa do pai para o domingo de Páscoa. Ele nos levou para uma
festa organizada por alguns de seus novos amigos, os Thompsons. Além dos
Bubenheims, os Thompsons se tornaram convidados frequentes dos
jantares na casa do meu pai. A família consistia em John Thompson, um
produtor de filmes bem-sucedido, e sua mulher Tatiana. Tinham três filhos:
Isabella, a filha mais velha, que era dois anos mais nova do que eu, e os
gêmeos Josh e Alessandra tinham a mesma idade da minha irmã.
No primeiro dia que eu e minha irmã os conhecemos, e eu acredito que foi
naquele domingo de Páscoa, nós brincamos com eles maravilhosamente
em seu quintal. Todavia, depois que eles vieram mais algumas vezes, eu
comecei a ter sentimentos desagradáveis de ansiedade e medo em volta
das duas meninas, principalmente porque eu pensava que todas as meninas
me odiavam. A maneira como fui tratado pelas meninas na minha escola
compromete grande parte de meu ressentimento contra todas elas durante
essa época. Esse ressentimento ficaria apenas maior quanto mais eu seria
tratado inamistosamente pelo gênero feminino.

A mãe nos levou para a pré-estreia de Star Wars, Episódio 3: A Vingança dos
Sith. Como um grande fã de Star Wars, esse foi um grande dia para mim. O
Episódio 3 completaria toda a saga de Star Wars. Esse era um lançamento
de primeira mão. Poder vê-lo antes de qualquer um me fazia sentir especial.
Eu realmente gostava do personagem Anakin Skywalker, e fiquei
maravilhado em ver sua épica transformação para Darth Vader na grande
tela de alta definição.
Finalmente tendo algo do que me gabar, no dia seguinte eu disse para todo
mundo na escola que eu tinha ido para a pré-estreia porque minha mãe era
amiga do George Lucas. O problema era que a maioria dos alunos da oitava
série achavam que Star Wars era um interesse “nerd”, e realmente não se
importaram. Fiquei frustrado e desapontado com sua reação.

Conforme o secundário se aproximava do derradeiro final, eu estava tendo


uma fase miserável na escola. Eu era extremamente impopular, altamente
abominado, e visto como a criança mais estranha da escola. Eu tinha que
agir de modo estranho para receber atenção. Estava cansado de ser a
criança invisível. A infâmia é melhor do que a total obscuridade.
A provocação que recebia era agridoce. Sentia-me terrível por ser
provocado e humilhado... isso me causava bastante sofrimento e raiva...
mas ao mesmo tempo, me divertia recebendo tamanha atenção. Eu me
sentia bem por ser confiante para começar brigas com os skatistas
populares. Era isso, ou continuar a ser ignorado por todo mundo como
acontecia na sexta e sétima séries. Eu nunca soube como receber atenção
positiva, só negativa.
Minha experiência no secundário realmente enegreceu minha visão de
mundo, e ficaria apenas mais negra desse ponto em diante, conforme eu
sofria mais e mais. A maneira com que eu era tratado pelas meninas nessa
época, principalmente por essa vagabunda de merda Monette Moio,
provocava um medo intenso de meninas. A parte engraçada disso é que eu
tinha uma afeição secreta por Monette. Ela foi a primeira menina por quem
eu tive uma queda, e isso é algo que nunca admiti para ninguém. Ser
humilhado e ridicularizado pela menina que eu gostava me feriu
profundamente. O mundo em que cresci acreditando ser cheio de luz e feliz
tinha acabado. Eu estava vivendo num mundo depravado, e não me
conformava com isso. Eu não queria dirigir nenhum pensamento sobre isso.
É por causa disso que eu imergia inteiramente em meus jogos online como
World of Warcraft. Eu me sentia seguro dentro deles.
Estava tão obcecado em jogar WoW que nunca me dava conta para o fato
de que em breve eu teria que entrar para o ensino médio. Com o fim do
secundário se aproximando, a perspectiva começava a pairar sobre mim
cada vez mais. Num momento eu imaginei como seria minha vida no ensino
médio, baseado em como as coisas tinham sido para mim no secundário.
Não era uma bela imagem. Eu não queria ter que lidar com a crueldade das
meninas no ensino médio, e imaginava que seria muito pior do que
qualquer coisa que eu já havia experienciado. Implorei a meus pais para me
mandarem para a Escola de Segundo Grau Carmelita Crespi, uma escola
católica só para garotos.
O pai me levou lá para um passeio, e não parecia tão mal. Era uma escola
privada muito bem conceituada. Pelo menos eu não teria que lidar com
qualquer medo de menina lá. Submetemos uma requisição. Poucas
semanas depois eu recebi as notícias de que tinha sido admitido na Crespi.

A formatura na oitava série foi um pesadelo. Era exigido que cada um


subisse no palco e falasse para todo público presente. Tínhamos que dizer
nosso nome, e contar para todo mundo para qual escola estávamos
planejando ir. O público consistia em todas as famílias dos alunos, assim
como quaisquer parentes ou amigos que desejassem participar. Meus pais
vieram, assim como Soumaya, Khadija, minha irmã, e até meu irmãozinho
Jazz.
Aconteceu à noite. Ao entrar na fila, podia sentir meu corpo tremendo. Eu
ficava nervoso até mesmo para falar na frente da turma. Falar num
microfone para centenas de pessoas era demais pra mim. Eu não entendia
como os outros pareciam estar tranquilos com isso. Eu invejava a sua
bravura. Quando meu nome foi chamado, eu não queria ir, mas era exigido
que eu fosse, então eu fui adiante. Eu caminhei para o microfone e disse
nervosamente: “Meu nome é Elliot, e eu planejo ir para a Escola de Segundo
Grau Crespi.” Ouvi minha própria voz nos alto-falantes e vi todo mundo
olhando para mim. Isso me fez estremecer. Saí rapidamente para deixar a
outra pessoa entrar. Estava acabado. A oitava série havia terminado. O
secundário havia terminado.
Saudei as pessoas que conhecia. Alfred Graham e Brice Miller me disseram
que eles também estavam indo para a Crespi. Pelo menos eu já teria dois
conhecidos na Crespi no primeiro dia de aula, eu pensei. O pensamento de
ir para o ensino médio dava um arrepio em mim. Guardei esse pensamento
no fundo de minha mente para lidar com isso mais tarde.
Depois da cerimônia eu me despedi da diretora, e ela me parabenizou por
ter completado o ensino fundamental. No caminho de casa, minha família
parecia muito orgulhosa de mim. Eu não me sentia orgulhoso. Eu não sentia
ter conquistado nada. O secundário, embora tivesse começado razoável
nos dois primeiros anos, terminou sendo um desastre.

Para as férias de verão, eu planejei gastar todo o tempo jogando WoW e


esquecendo de todo o resto. Alcancei o maior nível do meu personagem de
WoW: nível 60. Considerei isso como sendo uma grande e importante
conquista. Juntei-me a uma guilda com meu personagem, e fiz alguns
amigos online. Eu mal podia esperar para jogar com meu personagem cada
vez mais, explorando tudo que o jogo tinha a oferecer e pilhando mais peças
de armaduras e artefatos.

Apenas uma semana de minhas férias de verão, minha mãe me disse que o
pai e Soumaya estavam indo para o Marrocos, e eu seria obrigado a ir junto.
As notícias me chatearam tremendamente. Então eu perguntei quanto
tempo duraria a viagem, e fui informado de que seriam oito semanas. OITO
SEMANAS?! Eu não conseguia acreditar no que estava ouvindo. Fiz uma
grande reclamação.
Por algum motivo, eu nunca fui muito entusiasmado com o Marrocos. O
país é muito atrasado, e isso me fazia sentir desconfortável. Eles não têm
os últimos videogames. E ser forçado a ficar lá oito semanas? Isso tomaria
todas as férias de verão e ainda as duas primeiras semanas do ensino
médio. Era ainda mais comprida do que a última vez que fomos, e aquela
eu já pensei que era muito comprida. Eu não poderia jogar WoW nem um
pouco por dois meses inteiros. A perspectiva disso me desolava. Implorei
para minha mãe não me deixar ir, mas o pai e Soumaya insistiram em levar
eu e Georgia, e minha mãe provavelmente estava cuidando de ter dois
meses sem os filhos para cuidar. A decisão estava tomada, os planos
estavam feitos. Eles já tinham comprado uma passagem aérea para mim.
Eu iria para o Marrocos. Aposto que todos sabiam que eu protestaria em ir,
e foi por isso que me avisaram de última hora.
O último dia da semana da mãe foi o dia anterior ao que partiríamos. A mãe
levou eu e minha irmã para um churrasco na casa de seus amigos Alan e
Rebecca. Eu estava triste o dia inteiro. Eu não fiz nada no churrasco a não
ser me balançar miseravelmente em seu balanço. Quando voltamos para
casa eu joguei WoW pela última vez. Aproveitei as últimas horas que tinha.
Minha mãe me deixou ficar jogando até a meia noite. Adquiri uma peça de
armadura formidável para meu personagem. Eu não queria parar de jogar.
Quando chegamos na casa do pai no dia seguinte, ouvi notícias ainda mais
desalentadoras. O pai tinha que trabalhar nas primeiras semanas do verão,
então ele se encontraria conosco no meio da viagem. Seria apenas Soumaya
nos levando para o Marrocos! Eu sempre detestei viajar com Soumaya. Ela
tornava tudo tão difícil. O bebê Jazz viria junto conosco, é claro, e o estresse
de ficar cuidando de um recém-nascido durante a viagem colocava
Soumaya num péssimo humor. Eu não estava nem um pouco contente.
Como eu previa, a viagem foi um desastre. O bebê Jazz chorou um monte
durante a viagem, e Soumaya não estava em seus melhores dias. Não
pegamos Primeira Classe, e tivemos de fazer três escalas; uma em Michigan,
outra em Paris, e ainda outra em Casablanca, antes de pegar um pequeno
avião para Tanger. Foi uma viagem miserável, o completo oposto da
diversão que tive na viagem do ano anterior para a Malásia.
Pegamos um táxi para a casa da Khadija logo quando chegamos. Khadija foi
para a sua casa no Marrocos poucos dias antes de nós, e já estava
habitando-a. Depois de descarregarmos as coisas na casa da Khadija,
caminhamos até a grande casa do pai de Soumaya onde eu encontrei
Ayman de novo. Eu me lembrava de brincar com Ayman na minha última
viagem para o Marrocos... Ele tinha crescido bastante desde aquela vez.
Para meu desgosto, ele era mais alto e mais forte do que eu, apesar de ser
dois anos mais novo. Eu sempre fui baixo e fisicamente fraco... era como
tinha sido toda minha vida. Nós imediatamente nos tornamos amigos de
novo depois de conversarmos um pouco, e eu brinquei de esconde-esconde
com ele e seus dois irmãos mais novos.
Eu não gostava ter de estar no Marrocos por todo o verão, mas tentava
extrair o melhor disso. Ayman fazia o tempo que eu passava lá mais
divertido. Frequentemente nós saíamos sozinhos para explorar a cidade de
Tanger. Ayman sabia onde ficava tudo, e Soumaya confiava nele para me
mostrar as cercanias. A Georgia às vezes vinha conosco. Tivemos alguns
bons momentos juntos, e nos demos muito bem.
Os Thompsons se juntaram a nós em Marrocos poucas semanas depois de
chegarmos. Georgia ficou feliz que Alessandra, Josh, e Isabella estavam lá
para brincar com ela. Eu não fiquei feliz. Eu tinha tanto medo de meninas
nessa época que mantinha distância de Alessandra e Isabella. Entretanto,
não queria admitir a Ayman que eu tinha medo de meninas, o que seria
vergonhoso, por isso apenas lhe disse que achava que elas eram demais
imaturas. Ele não entendeu isso, porque eu também era bastante imaturo.
Para o meu décimo quarto aniversário, a Soumaya organizou uma pequena
festa na casa de seu pai. A maioria dos convidados era de seus amigos
marroquinos, e alguns deles nem sabiam que a festa era por causa de meu
aniversário. Eu fiquei um pouco incomodado por isso. Eles encomendaram
um bolo para mim, e quando foi trazido todo mundo se juntou para me
desejar um feliz aniversário. Essa seria a última vez que eu passaria meu
aniversário com mais gente do que apenas minha família. Eu estava
surpreso de que já tinha quatorze anos. Quatorze soava como um grande
número. Eu não me sentia com quatorze anos. Eu ainda me sentia uma
criança, e sob toda aparência, eu era.
O pai não pôde comparecer ao meu aniversário. Fiquei um pouco chateado
por isso. Ele veio alguns dias depois. Quando chegou, passeamos por Tanger
e algumas outras regiões como uma família. Khadija e Ayman às vezes
vinham com a gente. O pai de Soumaya comprou uma casa na praia, e
geralmente íamos lá para passeios na praia. Eu peguei um vírus ao me
banhar no oceano um dia, o que me deixou tremendamente mal. Passei
uma semana das férias na cama, agoniando e vomitando. Nunca estivera
tão mal antes na minha vida. Sempre que pensaria no Marrocos no futuro,
eu me lembraria dessa experiência repugnante.
Certa vez, em direção ao final da viagem, quando eu dormia com Ayman na
casa do pai de Soumaya, ele me mostrou alguns vídeos pornográficos
europeus de madrugada. Pude observar o ato sexual com muitos mais
detalhes do que naquele vislumbre que tivera no Planet Cyber. Eu não
queria olhar, mas minha curiosidade levou a melhor sobre mim. Ver um
vídeo de seres humanos fazendo essas coisas estranhas e indizíveis me
revoltou. Eu não conseguia entender o que estava vendo. E, no entanto,
percebi que estava ficando excitado. Eu sentia vontade de fazer essas
coisas, fazer sexo com as garotas peladas que via no vídeo. Era um
sentimento engraçado que percorria todo meu corpo. Eu pude sentir meu
pênis ficando duro. Foi quando percebi que estava finalmente entrando na
puberdade. Deus me livre.
A viagem foi muito longa e, no final, senti-me deprimido e com saudades
de casa. Tudo o que eu queria era voltar para casa e jogar WoW, mas tive
que aceitar que, assim que chegasse em casa, teria que começar o ensino
médio imediatamente. Todavia, eu supunha que jogar WoW de novo
compensaria isso. E com certeza seria melhor do que ficar no Marrocos por
mais tempo. Eu estava ficando farto dele.

14 Anos
Senti uma onda de alívio quando voltamos para os Estados Unidos. Tivemos
de viajar separados do pai novamente porque ele tinha uma agenda de voo
diferente, mas a volta não foi tão ruim porque eu estava pensando em jogar
WoW de novo.
Tive apenas um dia livre antes de começar a escola. Quando cheguei na casa
da mãe eu dei-lhe um forte abraço... Era o maior tempo que eu havia ficado
longe da mãe. Depois disso, imediatamente perguntei se eu podia ir para
seu computador jogar meu jogo. Loguei meu personagem, que estava
exatamente do mesmo jeito que o deixei dois meses atrás. Disse “oi” para
todos meus amigos online e tentei me inteirar de tudo.

O temido dia chegou muito rápido. Era preciso começar o ensino médio. As
aulas já tinham começado desde que estava no Marrocos, então eu seria a
“criança nova” mais uma vez. Isso tornou as coisas muito piores. Meu pai
me levou no primeiro dia. Quando cheguei, fiquei intimidado por todos
aqueles caras grandes do ensino médio, e chorei dentro do carro por alguns
minutos, dizendo ao meu pai que eu estava muito assustado para sair.
Eu tinha que sair, e assim eu fiz. Fomos até a sala principal onde me
precipitei até Brice Miller. Nos cumprimentamos antes de eu me juntar à
primeira aula do dia. Alfred Graham estava na sala, e ele me ajudou a me
acomodar.
Na hora do lanche Alfred me mostrou toda a escola. Comecei a me sentir
mais confortável. Ele me apresentou a outros caras novos também. No
pátio, conheci Pascal e sua roda de amigos. Imediatamente senti aversão
deles. Pascal era convencido e popular, então me senti intimidado. Ele era
o equivalente a Robert Morgan, só que na Crespi. Ao conhecer mais
algumas pessoas, precipitei-me até Keaton Webber! Eu não esperava
encontrar mais ninguém conhecido na Crespi. Isso realmente me encheu de
surpresa. Eu não via Keaton desde que ele havia deixado a escola de
Topanga no final da quarta série. Keaton ainda era um idiota arrogante
como sempre fora em Topanga, e tinha seu próprio círculo de amigos
skatistas, tais como Andy Moussa e Aaron Amman.
Como esperava, falhei em fazer novos amigos. Eu estava tão fatigado da
brutalidade do mundo que simplesmente não me importava mais. Na
primeira semana, tive minha primeira experiência de bullying de verdade,
não apenas uma provocação como tivera em Pinecrest. Alguns caras do
segundo ano me enxergavam como um alvo porque eu parecia ter dez anos
e era fisicamente fraco. Eles jogavam comida em mim na hora do lanche e
depois da escola. Isso me enfurecia, mas eu tinha muito medo de fazer
qualquer coisa. Que tipo de pessoas terríveis e perversas zombariam de um
aluno mais novo que a recém havia entrado no ensino médio? Era o que eu
pensava.

Depois de minhas primeiras semanas no ensino médio, cheguei à conclusão


de que minha permanência na Crespi não seria nem um pouco agradável.
Mergulhei ainda mais no universo de World of Warcraft, negligenciando
meus temas e passando todo meu tempo livre jogando.
Como um presente de aniversário atrasado, o pai me comprou um novo
laptop que podia rodar WoW. Não era um laptop muito potente, mas
funcionava adequadamente. Isso permitiu ter mais tempo para jogar meu
jogo. Durante a semana do pai, Soumaya estava sempre no meu pé sobre o
tempo que eu passava no WoW, mas desde que meu quarto estava no
primeiro andar, apartado do resto da casa, eu podia jogar de modo furtivo
o máximo de tempo possível.
Uma vez em que estava jogando WoW depois do jantar na casa da mãe,
escutei minha irmã assistindo ao novo seriado televisivo, Avatar: The Last
Airbender. Decidi dar uma olhada. Logo me vi realmente gostando dele. Era
uma magnífica história ambientada num mundo de fantasia onde as
pessoas conseguiam controlar o poder dos elementos. Depois de olhar o
primeiro episódio, eu fiquei envolvido com a trama. O Príncipe Zuko era
meu personagem preferido; ele era um príncipe banido que estava
tentando resgatar seu lugar de direito no mundo. Eu sempre me comparava
a ele. Avatar: The Last Airbender, tornou-se meu programa de TV favorito.

Minha mãe me informou que estava pouco antes no telefone com Arte Ellis,
e ele contou-lhe que James agora jogava World of Warcraft. Fiquei muito
contente em ouvir isso. Agora eu podia dividir meu maior interesse no
mundo com meu melhor amigo... meu único amigo. Então eu fui para a casa
do James para dormir lá, o que não tinha feito há um bom tempo. Ele me
mostrou seu personagem de WoW, que estava apenas no nível 20. Não
estávamos no mesmo servidor, então não podíamos jogar juntos. A única
maneira era um de nós dois começar do zero, mas estávamos muito
vidrados em nossos personagens para fazer isso. Levei isso numa boa.
James ficou realmente fascinado com meu personagem de nível 60, e a
maior parte do tempo ele apenas me via jogando. Também jogamos
bastante Halo 2 juntos.
Partilhar desses interesses em comum com James me fez lembrar dos bons
e velhos tempos em que éramos crianças; quando ambos estávamos
interessados em skate, e antes disso, em Pokémon. Essa nostálgica
experiência proporcionou uma pequena trégua dos sofrimentos na escola.

Minha vida na Crespi ia de mal a pior. Aparentemente, Alfred e Brice


contaram para todo mundo como eu era estranho na Pinecrest, e pessoas
da minha própria turma começaram a me incomodar. Eles descobriram que
eu não gostava de ser chamado de skatista, e isso era verdade. Por ter
falhado em me tornar um bom skatista, eu desenvolvi uma aversão ao
esporte, e sempre que alguém me chamava de skatista, isso remetia ao meu
fracasso e eu ficava com muita raiva. Toda a escola passou a me chamar
disso só para me deixar com raiva, além de outras alcunhas ofensivas. Eles
me incomodavam porque eu tinha vergonha de meninas, chamando-me
por alcunhas como “viado.” Alguns também gostavam de roubar minhas
coisas e correr embora numa tentativa de fazer com que eu fosse atrás
deles. E eu corria atrás deles com uma raiva absurda, mas era tão pequeno
e fraco que eles achavam isso cômico. Eu odiava muito todo mundo da
escola.
Chegou a um ponto em que eu tinha que esperar quieto em um canto até
que os corredores estivessem vazios antes de poder ir para a aula. Eu
também dava longas voltas pela escola para evitar os valentões. Meus pais
começaram a pensar em não me deixar continuar lá depois do primeiro ano.

Quando as férias de inverno chegaram, senti-me como o náufrago que


tivesse aportado numa ilha pacífica depois de bracejar em meio a uma forte
tempestade. Era uma espécie de alívio sagrado. As férias durariam três
semanas, mas eu fiquei profundamente desapontado de que duas delas
seriam na casa do pai, e apenas uma na da mãe. Odiei ficar na casa do pai
porque Soumaya estava cada vez mais desconfiada do tanto tempo que eu
passava jogando WoW, e ela estabelecia limites em meu tempo de jogo
sempre que me pegava jogando. Não era permitido que eu tivesse minhas
temporadas de cinco horas seguidas para coletar peças raras de armadura
para meu personagem enquanto estava na casa do pai.
Foi nessas férias de inverno que experimentei minha primeira masturbação
e ejaculação. Foi uma das experiências mais peculiares e memoráveis da
minha vida. Nesse ponto eu estava oficialmente galgando os estágios da
puberdade, e tinha muitos impulsos sexuais. Frequentemente eu fantasiava
com garotas peladas enquanto roçava meu pênis no colchão à noite. Foi
quando o orgasmo aconteceu. Eu não conseguia acreditar em quanto
prazer eu senti com isso. Olhei para o meu pênis e vi que meu sêmen havia
escorrido por todo ele, como uma erupção vulcânica de um líquido branco
e pegajoso. O que está acontecendo comigo? Eu me perguntei com uma
empolgação nervosa. Era nada comparado ao que já tinha visto ou
experimentado, algo completamente fora do meu mundo. Senti-me
realmente culpado depois disso, então me abstive de contar isso a quem
quer que fosse.

Comecei a me masturbar regularmente. Primeiro eu fazia isso somente


roçando meu pênis na minha cama, mas acabou evoluindo para olhar fotos
de garotas na internet enquanto roçava meu pênis dentro das calças,
fantasiando em fazer coisas sexuais com elas. Eu não sabia como entrar em
nenhum site pornô, então eu apenas pesquisava em websites normais até
encontrar alguma foto de uma garota gostosa para me masturbar.
Desenvolvi um desejo sexual muito forte que sempre permaneceria assim.
Esse foi o início de meu inferno. Entrar na puberdade condenou totalmente
minha existência. Ela condenou-me a viver uma vida de sofrimento e
desejos insatisfeitos. Mesmo com essa pouca idade, eu sentia-me
deprimido porque queria sexo, embora achasse que ele fosse indigno para
mim. Eu achava que nunca experimentaria o sexo na realidade, e estava
certo. Eu nunca fiz. Finalmente eu havia me interessado por garotas, mas
não havia jeito de conquistá-las. E assim começou a minha privação.

Os garotos da minha turma falavam muito em sexo. Alguns deles até me


diziam que já tinham feito sexo com suas namoradas. Essa foi a coisa mais
devastadora e traumatizante que eu já escutei em minha vida. Garotos
fazendo sexo na minha idade, com quatorze anos? Eu não conseguia
assimilar isso. Como eles conseguiam ter essas experiências tão íntimas e
prazerosas enquanto eu só conseguia imaginar? Era o que constantemente
me perguntava. Era uma escola só para garotos... Como diabos esses
garotos eram capazes até mesmo de conhecer meninas para conseguir
fazer sexo com elas? Eu ficava imaginando como. Esperava que estivessem
mentindo. Escutar isso realmente me abalou até o âmago. Palavras não
conseguem descrever o quanto ódio e inveja eu sentia desses garotos. Esse
ódio só cresceria quanto mais eu sofresse com minha privação sexual. Eu
tinha muito medo de contar a alguém sobre isso, e escondi bem... por um
tempo.

Esses eventos recentes me fizeram afastar ainda mais do mundo. Eu


afogava toda minha miséria nos jogos online. World of Warcraft era a única
coisa que me restava para viver. Minhas notas na Crespi pioraram
drasticamente. Eu simplesmente não aguentava mais. Odiava essa escola.
Eu não pensava em meu futuro. A única coisa que eu me importava era com
meu personagem de WoW. Tinha ficado muito poderoso no jogo, e estava
numa das melhores guildas. Com essa guilda participei de vários eventos de
pilhagem por cinco horas para coletar melhores equipamentos e armaduras
para meu personagem.

A mãe mudou-se para uma casa nova com piscina que ela conseguiu alugar
por um preço razoável. Ela pegou eu e minha irmã da casa do pai para nos
levar lá como uma surpresa. Estava localizada perto da antiga casa azul, mas
numa área melhor. Foi num dia que eu tinha um evento de WoW de tarde
e estava muito preocupado se chegaria a tempo ou não, então, quando
chegamos à casa nova, nem olhei em volta e imediatamente liguei meu
laptop para jogar WoW. Eu estava obcecado dessa maneira.

Depois de ter sido vítima de bullying na oitava série e primeiro ano, tornei-
me mais envergonhado e tímido do que nunca em minha vida. Eu me sentia
muito diminuído, fraco, e sobretudo, sem valor. Eu chorava sozinho na
escola todos os dias.
O último dia no primeiro ano foi o pior. Eu estava tendo educação física no
ginásio, e um de meus colegas imbecis chamado Jesse estava garganteando
sobre ter feito sexo com sua namorada. De maneira desafiadora eu lhe
disse que não acreditava, então ele emitiu um grunhido que lembrava o que
parecia ser ele e sua namorada fazendo sexo. Eu podia ouvir uma menina
dizendo o nome dele repetidamente enquanto ofegava freneticamente. Ele
sorriu para mim presunçosamente. Eu me senti muito inferior a ele e o
odiei. Foi nesse momento que fui chamado na diretoria. Quando cheguei
lá, minha mãe estava me esperando para me levar para casa. Chorei muito
quando contei a ela sobre o que tinha acontecido. Esse foi o último dia em
que pisei na Escola de Segundo Grau Carmelita Crespi.
Era o fim da Crespi. Eu pensei que finalmente poderia relaxar. Mal eu sabia
que o pior ainda estava por vir.

Meus pais chocaram-me com notícias muito terríveis. Eles estavam


planejando me mandar para a Escola de Segundo Grau Taft. A Taft tinha
cinco vezes mais estudantes do que a Crespi, era uma escola pública, tinha
meninas, e tinha uma péssima reputação. Eu nunca fiquei com tanto medo
em toda minha vida. Como é que eles podiam fazer isso comigo depois de
saberem o que havia se passado comigo na Crespi? A Taft ia me comer vivo
e depois me cuspir fora. Eu me senti traído por meus pais.
Ainda por cima, eles me disseram que eu tinha que ir para a recuperação
terapêutica na Taft muito em breve. Eu faltei algumas aulas na Crespi e era
preciso recuperá-las. Supõe-se que o verão seja um período de paz e
relaxamento. Esse veio a se tornar o pior verão de minha vida.
Eu fui com meus pais para o evento de Orientação da Taft, e foi uma
experiência terrível. Senti-me tão acabrunhado pelo tamanho da escola e
em como todos os alunos eram intimidadores. Cheguei a implorar a meus
pais que me mandassem de volta para a Crespi, porque eu sabia que a Taft
seria muito pior.

Tive uma péssima estada na recuperação terapêutica de verão. Fez-me


lembrar do quanto odiava quando meus pais me faziam ir ao acampamento
de verão. O acampamento de verão era o céu comparado à recuperação
terapêutica na Taft. Fiquei perdido no primeiro dia. Estava tão apavorado
que me escondi nos corredores durante o recreio. Passei todo meu período
de recuperação esperando exaustivamente voltar para casa para me sentir
seguro jogando WoW.
Meu décimo quinto aniversário foi no meio desse período escolar de verão.
Eu estava tão infeliz durante esse período que nem pensava muito nisso.
Era tão chato que mal consigo lembrar qualquer coisa sobre ele. Acho que
só jantava com minha mãe e depois ia jogar WoW.

15 Anos
Tóxico é a palavra que descreve meu primeiro dia do 2º Ano na Taft. Foi um
pesadelo tóxico. Cada segundo foi uma agonia. Continuei a implorar a meus
pais para não me deixarem ir, mas estava fora de cogitação. Meu pai me
levou lá, e eu não queria sair de seu carro. Ele quase teve que me arrastar
para fora. De alguma forma encontrei força para colocar um pé na frente
do outro e caminhar em direção àquela fachada feia e terrível do colégio.
A primeira semana na Taft foi um inferno. Sofri bullying várias vezes, muito
embora não conhecesse ninguém lá. Depois de estar tão acostumado a usar
camisa polo e calças cáqui como uniforme nas escolas privadas, eu
continuei a vestir-me assim depois de deixar a Crespi. Eu nem pensava em
como eu parecia um nerd. Eu estava muito retraído, como uma tartaruga
escondida dentro de seu casco. Ainda estava no processo de entrada na
puberdade, então ainda parecia e falava como uma criança de dez anos.
Um indivíduo assim atraía atenção zero das meninas, é claro, mas atraía os
fazedores de bullying como abelhas para o favo de mel.
Eu estava completamente sozinho. Ninguém me conhecia ou me dava uma
mão para me ajudar. Eu era uma pequena criança inocente e com medo
presa numa selva cheia de predadores maliciosos, e nenhuma misericórdia
me era concedida. Alguns garotos me empurravam aleatoriamente contra
os armários enquanto passavam por mim no corredor. Um cara alto e de
cabelos loiros me chamou de “perdedor” bem na frente de suas amigas. É
claro, ele tinha meninas ao seu lado. Meninas bonitas. E elas não pareciam
se importar que ele era um filho da puta. Na verdade, aposto que elas
gostavam dele por isso. É assim que são as meninas, era o que eu estava
começando a perceber. Isso foi o que realmente abriu meus olhos para
quão brutal era o mundo. Os homens mais pervertidos e maus estão no
topo, e as meninas são atraídas por esses homens. Os seus atos de maldade
são premiados pelas meninas; enquanto os homens bons e decentes são
alvos de deboche. Isso é absurdo, doentio, e errado em todos os sentidos.
Por causa disso eu odiava muito mais as meninas do que aqueles que faziam
bullying comigo. A pura crueldade do mundo ao meu redor era tão intensa
que nunca vou me recuperar das cicatrizes mentais. Qualquer experiência
que eu tive antes jamais me traumatizou tanto quanto isso.

Eu não aguentava mais. Na manhã em que a segunda semana na Taft


começou, eu dei um basta e chorei em frente à minha mãe, implorando que
ela não me deixasse ir para aquele lugar terrível. Eu estava com tanto medo
que me sentia fisicamente doente. Continuei chorando dentro do carro a
caminho da escola, e minha mãe cedeu. Em vez de me levar na escola,
fomos para um café no Gelson’s, em Calabasas, onde tivemos uma longa
conversa. Eu tentei explicar o quanto estava sofrendo na escola. Ela não
conseguiu me levar mais na escola depois disso. Quando estávamos prontos
no Gelson’s, ela me levou até a casa do pai e contou-lhe sobre o que estava
acontecendo. Eles concordaram em me tirar da Taft.
Eu não fui à escola por um mês enquanto meus pais decidiam o que fazer
comigo. Aproveitei esse tempo de descanso e recuperação jogando meus
jogos online. A dor e sofrimento que tivera de enfrentar na Taft tinha
terminado, mas as feridas permaneceriam. Eu tentava esquecer sobre isso
tanto quanto podia. Respirava profundamente e relaxava.

Depois de um mês de recuperação, meus pais me levaram para dar uma


olhada em duas escolas de segundo grau de continuação, que funcionavam
como uma escola em casa porque você passava apenas três horas por dia
lá e fazia o resto das atividades em casa. Uma delas ficava bem próxima da
Escola de Segundo Grau El Camino, e a outra ficava em Van Nuys. Meus pais
preferiram a de Van Nuys porque sentiam que ela era mais estruturada e
organizada. Era a conhecida Escola de Segundo Grau Independência, e eles
decidiram me mandar para lá.
A Independência era uma escola bem pequena com apenas três blocos e
cem alunos. Os professores eram todos muito legais e compreensivos, e o
ambiente era calmo e relaxante. Parecia que essa era a melhor opção para
mim.
Uma semana depois, comecei a frequentar a Escola de Segundo Grau
Independência. Eu não gostei de nenhum dos alunos ali, pois eram todos
preguiçosos, com exceção de dois ou três. Isso não era de muita relevância,
porque nessa fase eu já não me importava em ter uma vida social. Tudo o
que eu queria era me esconder do mundo cruel jogando meus jogos online,
e a escola Independência me dava a oportunidade perfeita para fazer
exatamente isso. Eu só precisava estar na escola por três ou quatro horas
por dia, e todas as atividades eram muito fáceis com os professores
disponíveis para ajudar a qualquer momento. Depois dessas poucas horas
escolares, eu tinha todo o tempo do mundo para fazer o que quisesse, e
ficava jogando World of Warcraft.
Um ponto negativo é que eu precisava pegar o ônibus escolar porque meus
pais não podiam me buscar num horário tão cedo do dia. Embora isso fosse
embaraçoso, eu não me importava mais com as aparências, então não fazia
disso grande caso.
Esse era o arranjo perfeito para um viciado em World of Warcraft. Depois
da escola, todos os dias, eu me entregava totalmente ao meu vício em
WoW. Minhas únicas interações sociais eram com meus amigos online e
com James, que ocasionalmente vinha para minha casa jogar WoW comigo.

A carreira de meu pai como diretor não havia sido tão exitosa como nos
anos anteriores. Ele decidiu loucamente investir todo seu dinheiro em seu
primeiro longa-metragem, um documentário chamado “Oh Meu Deus”. No
filme, ele entrevistaria várias pessoas para descobrir suas opiniões sobre
religião e Deus. Para fazê-lo, ele saiu para viajar por todos os cantos do
mundo por alguns meses. Apesar disso, o sistema de uma semana em cada
casa permaneceu, e durante a semana do pai eu tinha que ficar em sua casa
somente com Soumaya. Isso frustrou-me tremendamente, porque sempre
foi um sofrimento morar com ela, e ela restringia meu tempo de WoW.
Entretanto, estava esperançoso sobre o filme do pai. Ele vinha falando que
ficaria rico com ele, e eu alimentei essa esperança. Como eu era inocente...
o filme apenas faria com que ele entrasse em falência no futuro.
Ainda por cima, eu tive de lidar com outra mudança na casa do pai que me
enraiveceu sem tamanho. Tive de deixar meu amado, grande, e luxuoso
quarto do andar de baixo. Tudo porque o bebê Jazz tinha uma nova babá.
Mais uma vez, a existência de Jazz fez com que eu perdesse meu quarto na
casa do pai. Dessa vez, o pai fez meu quarto em seu novo escritório. Ele
repartiu seu velho escritório em dois quartos, ficando um para mim e outro
para a babá. Meu novo quarto era muito menor, e não tinha banheiro
conjugado. O meu quarto no primeiro andar era a melhor parte de ficar na
casa do pai, e estava perdido. Eu comecei a realmente odiar ir lá.

O pai veio pouco antes das férias de verão, para então partir de novo. Uma
nova expansão para World of Warcraft, chamada Cruzada Argêntea, foi
lançada no começo de janeiro. Fiquei extremamente empolgado por essa
expansão. Ela trazia novos recursos ao jogo, novas áreas para explorar, e
elevava o nível de capitão para 70. Era como um jogo totalmente renovado
de WoW. Eu pedi para meu pai me comprar de presente de Natal. Ainda
consigo me lembrar da grande expectativa que senti quando o instalei em
meu laptop.

Decidi transferir meu personagem de WoW para o mesmo servidor de


James, de maneira que pudéssemos jogar juntos online e evoluir nossos
personagens dentro dessa nova expansão. Ao fazer isso, conheci dois
amigos de James de sua escola, que também jogavam nesse servidor. Eram
dois irmãos chamados Steve e Mark. Steve tinha a nossa idade, e Mark era
alguns anos mais velho.
Eu, James, Steve, e Mark passaríamos então a jogar juntos online como um
grupo. Achei muito divertido jogar com eles, e era legal ter alguns amigos
para jogar WoW regularmente. Casualmente, Steve e Mark decidiram fazer
novos personagens num servidor PvP, que tinha configurações de jogo que
eram mais do meu agrado. Decidi fazer um novo personagem com eles.
Criei um elfo sangrento que evoluiu muito rápido, e se tornou meu
personagem principal no jogo. James permaneceu com seu antigo servidor
por algum tempo, mas dentro de algumas semanas nós o persuadimos a
juntar-se conosco ao mais recente.

Tinha conflitos acalorados com Soumaya durante cada semana que estava
na casa do pai. Tudo o que eu queria fazer era jogar WoW, e Soumaya
restringia severamente meu tempo de jogo. Em virtude de que meu novo
quarto era logo em frente ao dela, ela sabia o que eu estava fazendo a cada
segundo. Ela estava fungando em meu pescoço a todo o tempo. Ela me
mandava fazer atividades domésticas pela casa. Eu rejeitava fazer as tarefas
domésticas, especialmente porque tínhamos uma empregada que
supostamente tinha sido contratada para fazer isso. Se eu fazia cena em
não fazer o trabalho, ela tirava meu laptop por um dia ou dois. Essa era a
coisa mais terrível que ela podia fazer contra mim, retirar minha única fonte
de alegria restante no mundo. Às vezes ela fazia isso mesmo quando o pai
estava em casa, e o pai não levantava um dedo para impedi-la.

Meu primeiro ano na escola Independência chegou rapidamente ao fim.


Não aconteceu nada realmente marcante, e eu mal interagia com qualquer
um. Eu apenas ia lá para cumprir meu horário exigido, fazer as atividades,
e voltar para casa. Estava muito absorvido pelo jogo para me importar com
outra coisa.

Na casa do pai, no começo do verão, fui apresentado a alguém que odiaria


por muito tempo: Leo Bubenheim. Alex Bubenheim casou com uma mulher
alemã chamada Karina que tinha recentemente se mudado para os Estados
Unidos com suas duas crianças: Leo e Pollina, que foram adotadas por Alex.
Eles sempre viriam então como se fossem uma família. Leo tinha doze anos,
e Pollina era um ano mais nova do que eu. Meu medo de meninas fazia com
que eu mantivesse distância de Pollina. De qualquer maneira, ela era uma
vagabunda completa, e sua atitude apenas tornava as coisas piores. Ela era
uma representação fiel de tudo o que eu mais odiava nas meninas.
Quando conheci Leo pela primeira vez eu não me importava muito com ele.
Ele tinha apenas doze anos de idade. Eu o via apenas como o novo irmão
mais velho de Lukas. Não fazia ideia de quanta raiva e ódio eu teria dele
depois.
Logo meu ciúme de Leo começou a se manifestar. Ele a recém tinha se
mudado da Alemanha para os Estados Unidos, e já conseguia fazer muitos
amigos e ter uma bela vida social. Ele era alto, bem aparentado, cabelos
loiros, e era um skatista; o tipo de pessoa que eu sempre invejei e queria
ser.

Eu, meu pai, e os Bubenheims fomos para um acampamento em Big Bear.


Era só os garotos. Adentramos fundo na região selvagem dentro do grande
e formidável SUV Lexus do meu pai. Depois de montarmos nossas barracas,
fizemos uma grande fogueira para se reunir em volta e contar histórias. Foi
muito interessante, e proporcionou um alento para minha vida solitária,
embora tivesse de aguentar a presença de Leo e lidar com a inveja que
sentia dele. Um dia durante o acampamento, meu pai fez com que eu saísse
com Leo e Lukas para explorar a região. Nós três cobrimos grande distância,
e eu tentei agir de maneira rude na frente deles cortando com a faca
qualquer arbusto que estivesse pelo caminho.

O 4 de Julho desse ano foi o dia em que salvei meu irmãozinho do


afogamento. Fui com minha família para a casa de Gary e Antje Twinn,
porque eles sempre faziam uma festa no 4 de Julho. Os Bubenheims
estavam lá, incluindo Leo e Pollina. Assim como Vincent Twinn, que tinha
crescido muito rápido. Da última vez que o vi, ele era aquela criancinha que
olhava para cima enquanto eu lhe mostrava todos os meus jogos no
computador. Agora ele estava ficando um adolescente, com uma inclinação
para o skate.
A festa era uma festa na piscina, e meu irmão Jazz estava totalmente
exposto à piscina. Ele já tinha aprendido a andar, mas não sabia nadar. Em
dado momento em que eu estava almoçando, vi Jazz disparar para longe
dos adultos, totalmente desacompanhado. Logo eu vi que ele examinava
curiosamente a água, e então foi descendo os degraus da parte rasa da
piscina. Pouco tempo depois ele perdeu o equilíbrio nos degraus e todo o
seu corpo afundou na água. Ninguém percebeu. Ele vai se afogar, eu pensei
em pânico. Corri tão rápido quanto pude, mergulhei na piscina ainda com
roupas, e puxei-o para fora. Perguntei como ele estava, ele tossiu um pouco
de água e disse que estava bem. A única pessoa que viu isso acontecer foi
uma menininha que estava nadando no raso. Eu salvei a sua vida, e meu
irmão se lembra disso até hoje. Cada segundo da vida de meu irmão, tudo
que acontecer com ele no futuro, será porque eu tirei-o da água naquele
dia.

Celebrei meu décimo sexto aniversário na casa da mãe. Ela me comprou um


Xbox 360 que tinha a recém sido lançado. Entretanto, não joguei muito com
ele, porque o único jogo que queria dele era o Halo 3, que estava para ser
lançado somente em novembro. Eu realmente estava aguardando esse
jogo. Estava cotado como o melhor jogo de Halo de todos os tempos.
Depois de assoprar minhas velas, lembro-me de sair e sentar na piscina de
minha mãe para refletir na minha vida. Dezesseis... uma grande idade. Eu
ainda me sentia como se tivesse doze. A maioria dos adolescentes
começava a dirigir nessa idade... Eu não conseguia nem me imaginar
dirigindo. Pensar nisso me assustava.
James veio pousar comigo pouco depois do meu aniversário, e ele me
ajudou a instalar meu Xbox 360. Jogamos uma série de Halo 2 para testá-
lo. Ele não trouxe seu computador porque tinha um monitor difícil de
transportar, então eu sugeri que fôssemos para o Planet Cyber jogarmos
WoW. Nossos pais nos deixaram lá e tivemos uma boa sessão de WoW. Era
legal ver o lugar de novo, para lembrar de tempos mais felizes. Propus, pela
nostalgia, que voltássemos caminhando para casa. A casa nova da minha
mãe ficava três vezes mais longe do Planet Cyber do que sua antiga casa
azul, mas eu queria muito fazer isso. Pelo caminho, passamos por aquela
casinha azul, e todas as memórias voltaram. Conversamos bastante e
demos algumas risadas. Foi uma noite realmente memorável.

16 Anos
À medida que o fim do verão se aproximava, eu me tornava cada vez mais
deprimido. Minha vida tinha ficado muito solitária, e jogar WoW pouco
compensava isso. Minha mãe percebeu isso e propôs que eu me
encontrasse com Philip de novo. Ela ligou para a mãe do Philip, Kathy, para
marcar um encontro. E assim Philip veio duas vezes durante o verão. Gostei
bastante de vê-lo novamente... fazia dois anos desde a última vez que nos
falamos. Embora ele não tivesse interesse em meus videogames, ele gostou
de brincar na piscina da minha mãe.
Eu também tive um encontro com Jeffrey. Philip e sua família saíram de
férias para Catalina, e Jefrrey quis ficar em casa. Eu fui pousar na sua casa
com ele sozinho lá. Jeffrey tinha mudado bastante. Agora ele tinha quatorze
anos, e me disse que tinha uma namorada. Eu fiquei chocado, admirado, e
com inveja. Imaginei como um pirralho imaturo como Jeffrey conseguia ter
uma namorada com essa idade. Eu tinha uma terrível suspeita de que ele já
tivesse transado com ela, e tentei não pensar nisso. Fiquei profundamente
invejoso, mas em respeito a nossa antiga amizade e aos bons tempos que
passamos juntos no passado, escondi essa inveja bastante bem.

Começou o terceiro ano na Independência. Eu ainda pegava o ônibus para


ir à escola, porque não tinha nenhuma vontade de aprender a dirigir nessa
idade. Eu tinha muito medo de até mesmo tentar dirigir. Dirigir era uma
coisa que se esperava que os adultos soubessem fazer, e eu me sentia ainda
como uma criança.
Continuei com minha rotina solitária de fazer minhas atividades escolares
pela parte da manhã e jogar WoW com James, Steve, e Mark pelo restante
do tempo. Eu não pensava em meu futuro nem um pouco. Eu apenas vivia
o momento, dentro de minha zona de conforto.
Meu desejo sexual estava no auge nessa idade. Sempre que voltava da
escola eu me masturbava. A necessidade era muito forte. Em minhas séries
de masturbação eu frequentemente construía elaboradas fantasias em
minha mente, pensando que eu tinha uma namorada bonita e loira para
fazer sexo apaixonado; era quase como ter uma namorada imaginária. Eu
não contava isso para ninguém. Na verdade, eu não falava nada com meus
pais sobre meu desenvolvimento sexual. Eu me sentia muito culpado e
envergonhado para fazer isso. Sempre que eles me sondavam, eu mentia,
dizendo que não tinha vontade sexual. Minha mãe uma vez me pegou
olhando imagens de garotas na internet, e eu freneticamente tive que
convencê-la de que entrei naquelas imagens por acidente.
Eu também notei que minha voz estava ficando mais grossa. Estava
começando a falar como um típico adolescente. Os últimos estágios da
puberdade estavam no fim.

Halo 3 saiu em novembro. Levei minha mãe para comprá-lo para mim no
mesmo dia em que foi lançado. Eu me diverti muito jogando enquanto
bebia o refresco “Mountain Dew” com sabor especial que foi lançado junto
com o jogo; se chamava Mountain Dew Game Fuel. O jogo definitivamente
atendeu às expectativas e, para minha surpresa, me vi jogando mais do que
WoW nas primeiras semanas.

O pai sofreu um duro revés financeiro por causa de seu filme. Poderiam as
coisas ficarem ainda piores para mim? Como resultado, meu pai cortou
abruptamente todos os proventos da pensão alimentícia que vinha
pagando para minha mãe. Minha mãe foi forçada a encontrar um trabalho
com melhor remuneração para compensar isso, e teve de se mudar de sua
casa para um condomínio ali perto.
Felizmente, Rob Lemelson ofereceu-lhe um trabalho em sua companhia de
produção, a Elemental Productions. Esse novo trabalho permitiu que minha
mãe recebesse dinheiro suficiente para ter uma vida confortável. Não
víamos muito os Lemelsons desde aquela última vez em que saímos para
Doces ou Travessuras anos atrás. Era bom reatar o contato com eles
novamente.
Senti falta da mãe morando numa casa de fato, mas pelo menos o novo
lugar era um condomínio com mais luxos do que o apartamento que uma
vez já tínhamos morado. O apartamento tinha três quartos, e o meu tinha
banheiro conjugado. A parte ruim desse condomínio era que ele era
localizado no Parque Canoga, uma área de classe baixa. Eu detestava falar
para as pessoas que minha mãe morava no Parque Canoga. Era altamente
vergonhoso para mim. Porém, infelizmente, naquela fase solitária e
deprimente da minha vida, não havia realmente ninguém para contar, e eu
pouco me importava com o que as pessoas pensavam de mim de qualquer
maneira. Eu era um recluso completo, preso em meu próprio mundinho.

Um aluno de intercâmbio da França se mudou para a casa do meu pai. Seu


nome era Max Bonon, um francês culto e extrovertido de dezenove anos.
Seus pais eram donos de hotel muito ricos, e ele ficaria conosco por alguns
meses enquanto estudava inglês na Pierce College. No começo eu estava
desconfiado de ter esse jovem em casa, mas logo criamos uma boa
amizade. Ele sempre me convidava para jogar carta depois do jantar, e
embora Soumaya não me deixasse ingerir bebida alcóolica, ele me deixava
tomar um pouco de cerveja. Era muito legal ter esse tipo de interação social
cotidiana. Gostei de minha amizade com Max.
Em apenas duas semanas após a chegada de Max, recebemos as notícias de
que o pai da Soumaya morreu em Marrocos. Soumaya partiu
imediatamente para o Marrocos levando o bebê Jazz junto com ela. Embora
eu estivesse realmente triste pela morte do pai de Soumaya, porque ele era
um homem muito gentil e generoso, fiquei contente em ver Soumaya
partir. Todo o ambiente da casa do pai mudou para melhor. Passei a amar
ir na casa do pai, especialmente com Max lá. Ele era como um irmão mais
velho para mim.

Minha mãe se tornou bastante amiga dos Lemelsons em virtude de seu


novo trabalho. Todo o ano eles davam uma exuberante festa natalina em
sua mansão recentemente construída em Palisades, e agora seríamos
convidados. James também foi à festa, e tive um belo tempo passando com
ele e Noah.
Durante uma semana na casa do pai depois do Ano-Novo, ele teve que sair
em virtude do trabalho. Por aquela semana seria apenas eu, minha irmã, e
Max na casa. Nós três nos divertimos muito sozinhos. Max nos levou para
os Estúdios da Universal. O pai autorizou que ele dirigisse o grande Lexus,
pelo que eu fiquei um pouco com ciúmes. A última vez que estivera no
parque de diversões da Universal foi logo quando eu tinha me mudado para
a América. A mãe nos levou para o passeio na cidade da Universal algumas
vezes, mas nunca para o parque de diversões. Eu fui em todos os passeios,
incluindo o infame passeio do Jurassic Park, aquele que eu tinha sido
impedido de entrar em razão da altura quando era criança.
Quando o pai voltou, nós falamos para ele sobre o passeio nos Estúdios da
Universal. Ele sugeriu que todos nós fôssemos para Six Flags. Nós quatro
saímos para lá no dia seguinte. Six Flags era o maior parque de diversões
que eu já tinha ido. Fiquei abismado com todos os passeios daquelas
montanhas-russas gigantes. O Max, meu pai, e até mesmo minha irmã,
estavam todos ansiosos para encarar a maior das montanhas-russas. Eu era
o único que estava com medo. O Max me convenceu a fazer isso, então,
mesmo nervoso, experimentei todos os passeios e acabei me divertindo.

Para meu desgosto, meu pai decidiu começar a andar de moto. Ele
apareceu um dia em casa em cima de uma barulhenta Harley Davidson, e
eu fiquei absolutamente perplexo. Supus que fosse devido a uma crise de
meia-idade que ele estava passando. Uma moto.... é sério? Alex Bubenheim
seguiu o seu exemplo. Ele e Alex então saíam com suas motos a toda hora.
Ele insistia em me levar de moto sempre que saíamos, em vez de ir de carro.
Isso seria muito embaraçador para mim, e me recusava terminantemente a
sair de moto.

Fui com minha mãe para a pré-estreia tapete vermelho de “Indiana Jones e
o Reino da Caveira de Cristal.” Era minha quarta pré-estreia. Ir a pré-estreias
sempre foi uma experiência estimulante para mim. Entretanto, o filme foi
uma grande decepção, eu preferia muito mais os filmes antigos do Indiana
Jones. No dia seguinte, contei para algumas das minhas professoras que eu
estava nessa pré-estreia, e elas ficaram muito surpresas. Aposto que fui o
primeiro garoto daquela escola a fazer essas coisas prestigiosas.
Soumaya e Jazz retornaram do Marrocos. Eu estava contente em ver meu
irmãozinho de novo, mas não muito feliz em ver Soumaya. As coisas eram
muito melhores na casa do pai quando ela não estava. Logo depois que ela
veio começamos a ter várias discussões de novo, o que me envergonhava
na frente do Max.

Na primavera aconteceu algo terrível que me assombraria para sempre.


Nos encontramos com os Bubenheims na Cantina Sagebrush, em Calabasas,
e uma amiga de Pollina estava lá com eles, chamada Nicole, uma menina
mais ou menos da minha idade. Ela sentou perto do Leo o tempo todo, e no
final do jantar os dois estavam se beijando. O Leo, de doze anos, estava
ficando com uma menina que tinha quase a minha idade. Leo não apenas
tinha uma vida social melhor do que a minha, mas agora ele estava ficando
com meninas, AOS DOZE ANOS! Eles ficaram por um longo tempo, e eu
podia vê-los se beijando de língua. Eles sabiam que eu estava olhando com
inveja, e mesmo assim eles continuaram. Aposto que esse bastardo sortudo
tirou uma grande satisfação em ver minha inveja. Lá estava eu, vendo um
garoto quatro anos mais novo do que eu experimentando tudo o que eu
sempre sonhei... beijar uma menina... ser digno da atração de uma menina.
Nesse dia, desenvolvi um ódio vicioso de Leo que nunca passaria.
Poucos dias depois Max foi para sua casa na França, para nunca mais voltar.
Fiquei profundamente triste por isso. Pelo curto período que Max estivera
passando na casa do pai, eu gostei mais da vida. Ele fazia uma grande parte
de minha vida lá. Ele me levava para lugares diferentes quando o pai e
Soumaya estavam ocupados, jogávamos carta e tínhamos agradáveis
conversas após o jantar, e nós sempre íamos para caminhadas no topo da
montanha que dava para ver de cima a vizinhança do pai, aquela que
denominei Overlook. O mais importante, ele fazia eu me sentir menos
sozinho. Fiquei muito entristecido com a sua partida.

Aconteceu outro incidente terrível concernindo aos Bubenheims.


Estávamos jantando em sua casa, como usualmente fazíamos. No final do
jantar, alguns amigos e amigas de Pollina chegaram. Todos eram populares
e bem aparentados. Era o tipo de pessoa com quem eu sempre tivera o
desejo de me integrar, mas nunca fui capaz. Jovens populares... caras
legais. Quando os escutei falando sobre suas vidas maravilhosas e suas
festas, me baixou uma depressão bem lá naquele momento. Eu percebi que
estava perdendo a minha vida, e chorei na frente de todo mundo. Eu sentia
que nunca teria uma vida tão boa quanto a deles. Disse para todo mundo
que queria cometer suicídio. O pai, Soumaya, Alex, e Karina conversaram
comigo por três horas para levantar meu ânimo.

O terceiro ano na Independência terminou. Como no ano anterior, meu


período na escola foi como uma mancha. Eu não falava com ninguém. Eu
nem considerava que isso fizesse parte da minha vida. Eu apenas fazia as
atividades que eram exigidas enquanto esperava o ônibus para me levar
para casa.
Quando o verão começou, mergulhei numa profunda depressão. Meus
sentimentos de inferioridade foram intensificados pelos recentes eventos
com os Bubenheims. Os Bubenheims eram uma família amiga... mas agora
eles representavam bem aquilo que destruía toda minha vida e me tirava a
felicidade.
Foi somente nessa época que eu estava começando a perceber, muito
claramente, o quanto minha vida era infeliz. Eu me comparava com outros
adolescentes e ficava com muita raiva que eles conseguiam experimentar
todas aquelas coisas que eu desejava, enquanto eu ficava de fora. Eu nunca
tinha ido numa festa com outros adolescentes, eu nunca dei meu primeiro
beijo, eu nunca peguei na mão de uma menina, eu nunca perdi minha
virgindade. No passado, eu me sentia tão inferior e fraco diante de todo
bullying que eu simplesmente aceitava minha vida solitária e lidava com ela
jogando WoW, mas nesse ponto eu comecei a me questionar o porquê de
eu ser condenado a sofrer essa miséria.

Não havia nada que eu podia fazer para mudar a situação de minha vida
infeliz. Eu me sentia totalmente impotente. O único jeito que eu podia lidar
com isso era continuar afogando todos os meus problemas dentro de meus
jogos online. Eu jogava WoW muito mesmo, evoluí dois personagens para
o nível 70. Na casa da minha mãe, às vezes eu jogava quatorze horas num
dia. James, Steve, e Mark seguidamente brincavam de que eles nunca me
viam off-line. Eu era conhecido como o cara que “estava sempre no WoW.”
Meu laptop estava ficando cada vez mais lento. Eu não tinha um laptop
potente, mas era o único que tinha para jogar WoW. Isso era realmente
frustrante, porque eventualmente ele ficava tão lerdo que arruinava o meu
ganho de experiência. Continuei amolando minha mãe e meu pai para que
me dessem um laptop mais rápido que fosse mais eficiente para jogos.
Para meu décimo sétimo aniversário meus pais concordaram em dividir os
gastos para me comprar um novo laptop. Minha mãe me levou para a Best
Buy para escolhê-lo, e eu encontrei um perfeito. Era um laptop escuro
maior e altamente eficiente, projetado para jogos. Depois de comprarmos,
fomos jantar no restaurante japonês Kabuki, no Bulevar Ventura, o mesmo
restaurante que minha mãe me levou depois de minha formatura na quinta
série.

17 Anos
O pai me disse que o Max me convidou para visitá-lo na França por três
semanas. Eu teria que viajar para lá sozinho, e Max me pegaria no aeroporto
perto de sua cidade natal, Montpellier. A princípio eu estava muito nervoso
por isso, e quase neguei o convite. O pai falou comigo sobre isso, dizendo
que eu era sortudo de ter uma oportunidade como essa. Eu realmente
sentia saudades de Max, e queria vê-lo de novo, então subitamente tomei
a decisão de ir.
Parti no início de agosto. Era minha primeira vez viajando sozinho, e eu não
sabia o que esperar. Meu pai me deu autorização para ter assistência de
viagem supervisionada para me ajudar no caminho, caso contrário eu me
perderia no aeroporto. No caminho para lá, fiz uma conexão em Frankfurt,
Alemanha, para trocar de avião. A Alemanha é outro país que eu posso
adicionar à minha lista de países em que estive. Quando cheguei no
aeroporto na França esperei por algumas horas até que finalmente Max
apareceu. Fiquei muito feliz em vê-lo. Mal podia acreditar que estava na
França de novo.
Eu e Max ficamos na casa de sua vó em Montpellier. Montpellier era uma
cidade maravilhosa, com uma vibe romântica e cosmopolita. Foi uma pena
que eu estava muito preso em meu próprio mundo para realmente apreciá-
la na época.
Max me apresentou à sua vida na França. Conheci alguns de seus amigos e
fomos em bares juntos. Na França é legalmente permitido beber aos
dezesseis anos, então pude beber no bar. Foi surreal! Por aquelas três
semanas, eu tive o gosto mais doce do que a vida podia ser para um jovem
comum. A experiência de sair com um grupo de jovens, tanto rapazes
quanto meninas, e curtir a vida, era uma coisa que eu nunca tinha feito
antes. Isso realmente colocou meu mundo de ponta cabeça, nesse curto
espaço de tempo. Então é isso que todo mundo experimenta, eu pensei com
inveja. Tive uma sensação de graça e felicidade que não sentia desde a
infância, quando a vida era boa.
Nessa viagem, visitamos a cidade de Arles, onde ficamos no hotel da família
do Max. O Max me contou sobre todas as experiências sexuais que tivera.
Eu nunca soube que ele tinha uma vida sexual ativa. Quanto mais ele falava
sobre isso, mais eu ficava com ciúmes. Eu me questionava o porquê de ele
poder desfrutar de uma vida fantástica, enquanto eu tinha que sofrer tanto
com a solidão e humilhação. Ele me apresentou umas meninas com quem
ele tinha feito sexo no passado, e todas elas eram bonitas. Além do mais,
sua família era extremamente rica e eles tinham uma mansão suntuosa no
interior. Onde existe justiça? Eu pensei. Por que não fui eu que nasci com
essa vida? Eu invejava o Max. A sua vida era o paraíso na terra. Apesar de
invejar Max, eu não conseguia odiá-lo, pelo menos naquela época. Ele foi o
único cara legal que uma vez já se aproximou de mim. Ele me convidou para
visitar a sua casa, e me tratou como um amigo. Por causa disso, eu sempre
terei um profundo respeito por Max Bonon.

Depois de três semanas na França fazendo coisas sociais empolgantes,


voltei para minha vida solitária nos EUA, onde fiquei ainda mais deprimido
do que estava no início do verão, especialmente depois de provar o gosto
do que a vida era de verdade para as pessoas normais. Eu sabia que nunca
viveria uma vida prazerosa daquelas, e esse conhecimento me assombrava.
Voltei para minha rotina de World of Warcraft. Pelo menos a nova expansão
estava prestes a sair, e eu tentava imaginar como seria.

Quando o quarto ano começou, fiz um voto de terminar o ensino médio


antes do mês de março. O sistema de graduação na Independência permitia
ao aluno trabalhar em seu próprio ritmo, então quanto mais trabalho extra
eu fizesse, mais rápido eu podia me formar. Eu sempre estava deprimido e
cansado pelas horas por dia que tinha de passar lá, e não gostava de
nenhum daqueles estudantes degenerados e de classe baixa. Eles me
rejeitavam. Eu queria me ver livre de lá o mais rápido possível, e isso se
tornou meu objetivo do ano. No final da aula todos os dias eu pedia aos
meus professores para me darem trabalhos extra, e eu evitava jogar WoW
até que os tivesse finalizado.
A segunda expansão para World of Warcraft finalmente foi lançada,
chamada Wrath of the Lich King. Quando cheguei em casa da escola, eu
queria muito o jogo. A mãe não estava de volta do trabalho ainda, então ela
não podia me levar. Decidi ir a pé todo o caminho até a Best Buy para
conseguir o jogo. Foi uma longa caminhada que me tomou quase uma hora.
No caminho de volta eu estava com muita fome e parei no Panda Express
para fazer um lanche. O Planet Cyber era bem perto do Panda Express,
então entrei lá para recordar os bons tempos antes de correr para casa para
instalar o jogo. Uma vez instalado, James e eu jogamos por toda a tarde.

Descobri que um dos meus professores na Independência, o Sr. Perales,


também jogava WoW. Desde então, conversávamos sobre o jogo todo dia.
Era legal ter alguém para conversar na escola, e eu gostava de contar-lhe
sobre minha progressão diária com meu personagem. Isso fez de meu
tempo na escola muito menos mundano e chato.

James, Steve, e Mark eram a coisa mais próxima que eu tinha de um grupo
de amigos. Eu jogava com eles online quase todo o dia. Participávamos de
muitas aventuras de WoW como um grupo, e ainda assim.... eu me sentia
o excluído do grupo. Steve e Mark apenas me consideravam como um
amigo de jogo, nunca como um amigo de verdade. Descobri que os três
tinham vários encontros de WoW na casa de um deles, mas eles nunca me
convidavam. Às vezes, quando estava jogando com eles online, eu
descobria que eles estavam todos juntos na vida real, e eu era o único
deixado para trás. Sempre que faziam isso, eu dava indiretas para eles no
meio do jogo, mas eles nem se importavam. Até mesmo no mundo de
Warcraft eu era um excluído, sozinho e rejeitado.

Quanto mais eu me sentia sozinho, mais raiva eu tinha. A raiva cresceu


lentamente dentro de mim durante todos os anos sombrios. Mesmo depois
do lançamento da nova expansão de WoW, percebi que a proeza do jogo
em aliviar meu sentimento de solidão estava começando a desvanecer.
Passei a me sentir sozinho mesmo jogando, e seguidamente irrompia em
lágrimas no meio de uma de minhas sessões de WoW. Comecei a me
perguntar qual era o sentido de continuar jogando. Eu passava cada vez
menos tempo jogando.
Um dia eu achei na internet algumas postagens sobre adolescentes que
faziam sexo, e mais uma vez me lembrei da vida a qual eu tinha sido
impedido de ter. Eu sentia que nenhuma menina jamais ia querer fazer sexo
comigo... E desenvolvi sentimentos extremos de inveja, ódio, e raiva
direcionados a qualquer um que tivesse vida sexual. Eu os via como o
inimigo. Sentia-me condenado a viver uma vida de celibato enquanto
outros caras podiam experimentar os prazeres do sexo, tudo porque as
meninas não me queriam. Sentia-me inferior e indesejável. Nessa época,
entretanto, eu não podia mais ficar parado e apenas aceitar uma injustiça
dessas. Recusei-me a continuar me escondendo do mundo e esquecendo
todos os insultos a que me eram dirigidos.
Comecei a ter fantasias de me tornar superpoderoso e parar todo mundo
de fazer sexo. Eu queria extirpar o sexo da vida deles, exatamente como
eles o haviam tirado de mim. Eu via o sexo como um ato bárbaro e perverso,
tudo porque eu não conseguia ter. Essa foi a gota d’água. A minha raiva me
fortaleceu por dentro. Foi quando formei minhas ideias de que o sexo
deveria ser banido. Era o único jeito de fazer o mundo um lugar bom e justo.
Se eu não podia ter, eu o destruiria. Foi essa conclusão a que fui levado,
bem ali naquele momento.
Passei mais tempo estudando o mundo, vendo o mundo como o lugar
terrível e injusto que é. Então tive a revelação de que só porque eu era
condenado a sofrer uma vida de solidão e rejeição, não queria dizer que eu
era insignificante. Eu tenho um nível excepcional de inteligência. Eu vejo o
mundo de maneira diferente do que as outras pessoas. Por causa de todas
as injustiças pelas quais passei e da visão de mundo que desenvolvi por
causa delas, devo estar destinado à grandeza. Devo estar destinado a
mudar o mundo, a moldá-lo de acordo com uma imagem que combine
comigo!

No começo das férias de inverno, decidi parar totalmente de jogar World of


Warcraft. Em meu último dia de jogo, tive uma longa e emocionada
conversa com James na qual revelei todos os meus problemas. Contei-lhe
sobre todas as minhas novas visões de mundo, e sobre a crença de que o
sexo deveria ser abolido. Ele parecia apoiar minha postura e fiquei feliz por
ele ter me entendido. Foi um dia muito marcante.

O filme do meu pai foi lançado, mas não se deu muito bem. Ele só conseguiu
exibi-lo em alguns cinemas especiais e ninguém se interessou em vê-lo. Ele
estupidamente investiu todo seu dinheiro nesse filme, sem receber
nenhum retorno. Isso fez com que caísse numa crise financeira na qual
ficaria estagnado por muito tempo. Fiquei aborrecido por ele continuar a
deixar bem claro para nós que estava passando por uma “crise financeira.”
Ele falava isso o tempo inteiro, e era vergonhoso.
Que amarga coincidência, bem no momento em que minha vida
despencava ainda mais na agonia, meu pai era assolado com sua crise
financeira. Bem no momento em que eu mais precisava do apoio do meu
pai, ele perdia todos os seus ativos. Era como se um ser maléfico tivesse me
amaldiçoado com a má sorte. Eu realmente não tinha sorte. O universo não
era gentil comigo.

Formei uma ideologia em minha cabeça de como o mundo deveria


funcionar. Estava impelido pelo meu desejo de exterminar todas as
injustiças do mundo, ao mesmo tempo em que pela vontade de fazer
vingança contra todos aqueles que eu invejava e odiava. Decidi que meu
destino na vida era subir ao poder de tal modo que pudesse impor minha
ideologia perante o mundo e ajeitar tudo da maneira correta. Eu tinha
apenas dezessete anos, tinha muito tempo para isso. Era o que eu pensava.
Eu passava todo o meu tempo estudando em meu quarto, lendo livros
sobre história, política, e sociologia, tentando aprender o máximo que
podia. Tornei-me uma nova pessoa, furiosamente guiada por um objetivo.
Meu tormento continuaria, mas eu tinha uma razão para viver. Eu me sentia
empoderado.

Fui pousar na casa do James. Geralmente quando eu ia lá a gente passava


todo o tempo jogando WoW, com a exceção de sair pela cidade para fazer
um lanche. Em razão de eu ter parado com WoW, essa foi a primeira vez
que tivemos de encontrar outras coisas para fazer. Passamos a maior parte
do tempo indo para caminhadas pelo centro de Palisades, ou pelas falésias
de Palisades, conversando sobre nossas visões de mundo e nossas
esperanças e sonhos. Eu contei mais sobre meu ódio das pessoas que
faziam sexo. James logo deduziu a razão pela qual eu era tão
fervorosamente a favor da abolição do sexo... era na verdade porque eu
queria fazer sexo, mas sentia que nunca conseguiria, então eu desejava tirá-
lo de todas as outras pessoas. Ele me lia muito bem. Eu tive de admitir que
ele estava certo. Essa é a razão exata para isso.
Cumpri meu voto de terminar o ensino médio em março. Na verdade, eu
terminei um pouco antes do que esperava – na metade de fevereiro.
Completei muitos temas de casa chegando mais próximo do fim,
especialmente desde que parei de jogar WoW. Fiquei contente por estar
com isso feito. A escola finalmente havia terminado. Não precisar ir mais
para a escola me deu um monte de tempo livre para pensar e matutar.

Conforme o tempo progredia, eu percebia como tudo em minha vida não


tinha futuro. As chances de que eu subisse ao poder para corrigir as coisas
erradas do mundo eram extremamente baixas. Eu absolutamente não tinha
ideia ou plano de como adquirir algum tipo de poder. Era ingênuo de mim
pensar que eu pudesse um dia ser um ditador. A única coisa que eu podia
fazer era fantasiar com isso.
Meu mundo inteiro se conturbava ainda mais na escuridão e no desespero
conforme minha vida deprimente continuava. Meu ódio pelas pessoas que
faziam sexo se alastrava dentro de meu corpo como uma praga.
Frequentemente eu fazia caminhadas pela cidade para refletir sobre como
tudo era desesperador e injusto. Era melhor do que ficar preso dentro de
meu quarto o tempo todo. Quando eu via jovens casais passeando no
shopping, minha raiva e ódio se intensificavam grandemente. Era a pior
tortura vê-los se beijando e sendo íntimos. Minha vida, se é que se pode
chamar de vida, era um inferno.

Meus pais rapidamente notaram em como eu estava me tornando radical,


e fizeram um plano precipitado para mudar minha vida. É claro, era isso o
que eles queriam. Eu acho que eles apenas estavam tentando encontrar
uma maneira de se livrar de mim porque eu estava muito difícil de lidar.
Soumaya estava indo de volta para o Marrocos, e eles decidiram me
mandar junto com ela. Esse era o plano mais ridículo de que eu já ouvi falar.
Eles anunciaram isso para mim num café próximo da casa da minha mãe.
Eu esperava algo extremo, algo drástico, mas isso? Isso me pegou
completamente desprevenido. Marrocos? Eles acham que eu serei feliz lá?
Eu pensei furiosamente com descrédito. Fiquei devastado, e por alguns
momentos eu nem consegui falar. A última coisa que eu queria era me
esconder em um país atrasado sem nada para fazer, enquanto todos os
meus colegas aproveitam a vida nos Estados Unidos. Eu não queria fugir de
meus problemas nos Estados Unidos, eu queria enfrentá-los. Eu apenas não
sabia como. Ir para o Marrocos era a pior solução possível para mim, e eles
pretendiam que eu ficasse lá por bastante tempo.
Depois de ouvir essas notícias, tive um sentimento de urgência que nunca
havia sentido antes. Eles já tinham comprado uma passagem de avião para
mim, e a programação era que eu partisse dentro em cinco dias. Meu
objetivo mais imediato era parar meus pais de quererem me mandar para
o Marrocos. Reclamar com minha mãe não adiantou. Ela estava irredutível.
Passei os cinco dias restantes na casa do pai. Enquanto lá, escolhi não
protestar nada, porque sabia que não funcionaria. Eles me forçariam a
pegar o avião de uma forma ou de outra. Resolvi ficar quieto e arquitetar
um plano de fuga. O tempo urgia e eu não falava muito com o pai ou
Soumaya durante aqueles poucos dias restantes. O plano consistia em fugir
na manhã anterior ao voo, caminhar até o condomínio de minha mãe, e me
esconder num local secreto no telhado. Seria um lugar onde eles não
esperariam que eu ficasse.
Permaneci quieto nos últimos dias para afastar as suspeitas, mas o tiro saiu
pela culatra e isso os deixou ainda mais desconfiados. Eu acho que eles
esperavam que eu protestasse sobre ir, e meu silêncio os fez pensar que eu
estava tramando algo.
Quando chegou o dia, decidi acordar às quatro da manhã para me preparar.
Para minha decepção, notei que meu pai colocou um alarme na porta da
frente. Eu estava planejando fugir às seis da manhã, quando o caminhão de
lixo chegasse, porque o barulho do caminhão abafaria qualquer barulho
que eu fizesse ao sair. O alarme, no entanto, definitivamente despertaria o
pai e Soumaya. Fiquei muito nervoso e desisti dessa ideia. Em vez disso,
esperei até que todos acordassem e tomassem o café da manhã. Meu plano
foi arruinado pelo alarme e tive que bolar um novo plano rápido! Eu tinha
pouco tempo sobrando. Inocentemente eu disse ao pai que queria dar um
pequeno passeio antes da partida e, assim que saí pela porta da frente, corri
a toda velocidade. Foi precipitado demais, mas eu tinha que fazer alguma
coisa. Não pensei que meu pai me pegaria tão rapidamente... Depois de
passar apenas uma quadra, olhei para trás e vi meu pai correndo atrás de
mim. Toda a minha esperança desmoronou ali mesmo, e perdi toda a força
dentro de mim. Parei de correr e abaixei minha cabeça como alguém
derrotado. Soumaya entrou no carro minutos depois e os dois me levaram
para casa. O plano falhou. Eu iria para o Marrocos.
A jornada para o Marrocos foi a experiência de viagem mais desastrada que
eu já tive. Era apenas eu, Soumaya, e o Jazz com quatro anos. Jazz passou
chorando e vomitando durante o voo, Soumaya estava com um humor
azedo, e eu me sentia completamente miserável. Eu pensei que toda minha
vida tinha ruído. Eu não tinha nada com o que imaginar para o meu futuro.
Eu queria morrer.
Quando cheguei lá eu me sentia como se toda minha vida tivesse sido
drenada do meu corpo. Eu estava tão derrotado. Eu não conseguia segurar
o choro, mesmo na frente dos parentes de Soumaya. Khadija não entendia
por que eu estava tão abalado, e ficou ofendida por eu estar chorando no
primeiro dia em sua casa. Foi um desastre total.
Continuava sonhando a estar em casa. Imaginava a perspectiva de me
deixarem voltar para casa, e uma pequena esperança se espalhava em mim.
Continuava a mandar e-mails frequentemente para minha mãe, contando
a ela o quanto eu odiava estar lá e como eu chorava o tempo todo. Eu disse
que se ela me desse mais uma chance e me permitisse voltar para casa, eu
tentaria com mais afinco a ter uma vida melhor e me tornaria uma pessoa
de quem ela pudesse se orgulhar. Depois de uma semana fazendo isso, a
mãe cedeu e voou para o Marrocos para me levar para casa. Eu venci.
Estava voltando para casa.

Quando voltei para os Estados Unidos eu me sentia tão aliviado que esqueci
meus problemas por alguns dias e relaxei. Era bom estar de volta para casa.
É onde fica minha luta, bem aqui nos Estados Unidos, e em nenhum outro
lugar.
A sensação de alívio logo passou. Minha vida solitária como um pária da
sociedade recomeçou.

Continuei a sair para minhas longas caminhadas todos os dias, sentindo


raiva e ódio do mundo. Durante a semana da mãe, eu ia ao shopping e me
sentava na balaustrada olhando por cima para a praça de alimentação
próxima dos cinemas AMC. Lá eu via todos os jovens casais fazendo fila para
assistir um filme, e fervia de raiva. Durante a semana do pai, eu caminhava
até o complexo varejista de Calabasas ali perto, e às vezes andava de
bicicleta. Eu também subia o morro perto da casa do meu pai até Overlook.
Passava bastante tempo lá, refletindo sobre minha vida e fantasiando em
me tornar poderoso para punir todo mundo que eu odiava.
Em um dia lamentável, quando eu estava andando de bicicleta perto de
Calabasas, um grupo de adolescentes populares numa SUV estacionaram e
tiraram com a minha cara. Eu acho que minha aparência não ajudava muito.
Eu aparentava exatamente o isolado que era. Eu ainda usava camisas polo
comuns e calças cáqui nessa época, agasalhado com um moletom azul com
fecho e um boné de beisebol preto. Foi uma experiência tortuosa, e a dor
que sinto desse dia nunca passou. Tudo o que eu queria era me enturmar
com aqueles jovens que tinham vidas prazerosas, mas em vez disso eu era
ridicularizado e humilhado por eles. Eles me faziam sentir tão inferior e
indesejado. Eu nunca me esquecerei dessa experiência. Ela ficou gravada
em minha memória.
Minha miséria se tornou mais e mais difícil de suportar, e nenhum de meus
pais entendia meu pesar. Meu pai achava que tudo estava bem comigo.
Como ele podia ser tão cego? Ele estava tão envolvido em seu trabalho
fracassado que não se importava com o rumo da minha vida. Eu o
amaldiçoei por causa disso. Meu pai nunca fez nenhum esforço para me
preparar a encarar um mundo cruel como esse. Ele nunca me ensinou como
chamar a atenção das meninas. Ele nunca me avisou que, se eu não atraísse
as meninas desde cedo, minha vida cairia em um poço miserável de
desespero! De novo... Como ele podia ser tão cego? É o que eu me pergunto
constantemente.

Tudo chegou ao clímax em um desses dias que caminhei para o complexo


varejista de Calabasas. Eu andava pela área cabisbaixo, sozinho, num estado
de completa apatia com a minha vida. Olhei em volta e vi dezenas de jovens
casais dando as mãos e grupos de rapazes e meninas de boa aparência
caminhando juntos e tendo muita diversão em sua noite de sábado. Vi
todos aqueles jovens aproveitando suas vidas prazerosas juntos, enquanto
eu estava totalmente sozinho. Eles estavam aproveitando tudo o que eu
não podia ter. Fui preenchido com intensa angústia e rapidamente corri de
volta para a casa do meu pai com lágrimas escorrendo pelo meu rosto.
Assim que cheguei em casa, tive um colapso nervoso e chorei por horas e
horas noite adentro.
PARTE CINCO
Com e Sem Esperança (Idade 17 a 19 anos)
Quando acordei na manhã seguinte eu me sentia um pouco mais calmo.
Calmo o bastante para pensar claramente sobre o que tinha se passado. Eu
não podia aguentar que minha vida continuasse assim, então procurei
avaliar por que eu tinha que sofrer tanto. Passei o dia inteiro numa tranquila
meditação, rememorando profundamente minha vida para ver como eu
tinha vindo parar nesse lugar sombrio. Concluí que não podia simplesmente
desistir de ter a vida que desejava se nunca tentasse consegui-la. Apercebi-
me que eu ainda tinha dezessete anos, e havia muitas oportunidades para
mim no futuro. Eu queria dar a mim mesmo uma nova chance para a vida,
apesar de todas as probabilidades desfavoráveis contra mim. Eu queria um
motivo para viver, algo com que esperar do futuro. Essa calma sessão de
reflexão me fez sentir muito melhor.
Contei a meus pais e minha irmã que estava disposto a fazer um novo
esforço para mudar. Eles pareceram ficar muito felizes por isso. Pela
primeira vez, sob seu olhar, eu não estava sendo pessimista em relação à
vida.

Eu me olhei no espelho e decidi de que se quisesse renovar o visual, a


primeira coisa a fazer seria mudar minha aparência. Cortei os cabelos, e
então minha mãe e minha irmã me levaram ao shopping Fallbrook para
comprar roupas novas. Eu não sabia nada de moda, então só escolhi
algumas calças jeans novas. Eu não usava jeans desde que tinha dez anos
de idade. Pela primeira vez em muitos anos, comecei a me importar com a
aparência de novo.

Passei mais alguns dias me acalmando. Então comecei a sentir algo que
havia me abandonado desde há muito tempo: Esperança.
Sem esperança, eu simplesmente não conseguiria chegar mais longe. Eu
precisava ter esperança. Esperança para o futuro, esperança de uma vida
melhor. Ao sentir isso, percebi que talvez seria possível para mim ter as
coisas que desejava; ter uma ótima vida social novamente, ter uma
namorada, fazer sexo, ter todos os prazeres pelos quais ansiava
desesperadamente por tanto tempo. Foi revigorante.
No 4 de Julho, fomos para uma grande festa na casa dos Lemelsons. Lá, tive
uma acalorada discussão com James sobre minha revelação e meus
objetivos. Ele parecia muito satisfeito que eu tinha encontrado um novo
entusiasmo pela vida. Ele admitiu que estava ficando muito preocupado
comigo, pelo rumo que eu estava indo. James estava numa situação similar
à minha. Ele era virgem como eu, nunca se relacionando muito com
meninas em sua vida. Nós dois falamos por horas sobre nossos problemas
e nossas esperanças de superá-los. Era muito bom ter um amigo como
James ao meu lado, que me entendia e que se parecia comigo.

Fiz uma nova conta no Facebook (que ainda uso hoje em dia) num esforço
de melhorar minha vida social. Estando tão perdido dentro de meu próprio
mundo pelos últimos quatro anos, eu não conhecia muito sobre esses novos
sites de mídia social como o Facebook e Myspace. A última vez em que
estive interessado nessas coisas foi quando fiz uma conta AIM, mas
ninguém usava mais.
Uma vez que tinha criado minha conta, era possível me reconectar com
alguns amigos da escola de Topanga. Conversei com Philip pelo Facebook,
e fizemos planos de nos encontrarmos no verão depois de mais de dois anos
sem nos vermos.
Também tentei me reconectar com meus velhos amigos Charlie e John Jo,
relembrando de todas as grandes experiências que tive com eles. Procurei
falar com eles por telefone algumas vezes, mas eles não pareciam
interessados em se encontrar, e consequentemente eu abandonei o
esforço.

Meu décimo oitavo aniversário foi pacato em um restaurante com minha


família. Soumaya ainda estava no Marrocos, então a mãe e o pai resolveram
se encontrar nele. Foi uma das poucas vezes que jantei com meu pai e
minha mãe juntos depois do divórcio. Recebi alguns cartões de aniversário
de parentes, me desejando um grande ano pela frente. Eu fiz um voto
naquele dia de fazer desse novo ano da minha vida um ano feliz, dar um
giro na minha vida e realizar todos os meus desejos.
E assim começou um período de grande expectativa. Seria um grande
desafio, por assim dizer. Iria atrás de uma esperança que construí para mim
mesmo, apenas para ter essa esperança destruída a cada nova tentativa.
18 Anos
Agora eu tinha 18 anos, era formado no ensino médio, e o verão estava se
aproximando do fim. Eu tinha que pensar em continuar meus estudos.
Estava ansioso para ser o mais produtivo possível com meu tempo. A
faculdade representava uma esperança para mim. Eu estaria começando
um novo modelo de escola onde havia muitas pessoas e oportunidades.
Poderia fazer amigos, interagir com meninas, talvez até mesmo ter uma
namorada! O pensamento me enchia de entusiasmo.
E assim eu fui matriculado na Universidade de Pierce, a primeira das
faculdades para as quais eu pularia em minhas muitas tentativas
desesperadas de encontrar uma vida proveitosa. A Universidade de Pierce
é uma grande comunidade universitária em Woodland Hills, não muito
distante das casas de meu pai e minha mãe. Quando procurei pelas cadeiras
de cursos, vi que a maioria delas já estavam cheias. A única cadeira que eu
poderia fazer era de informática, e me conformei com isso. Eu sempre
poderia passar o tempo na universidade enquanto não tivesse aula, concluí.
Ter apenas uma cadeira me ajudaria a ingressar na faculdade em um ritmo
mais manso. Eu não havia frequentado um sistema normal de ensino por
três anos. Temia que pudesse ficar muito nervoso. Todavia, depois de
pensar sobre tudo que eu tinha passado nos últimos meses, eu sabia que
tinha a força e coragem para encarar isso.

Minha mãe tomou a decisão de se mudar para um novo apartamento em


Calabasas. Ela levou eu e minha irmã lá para nos mostrar de antemão. O
quarto que eu teria seria menor, e não teria banheiro conjugado, mas o
apartamento estava localizado em uma área muito melhor. Ficava a uma
curta distância da casa do meu pai, do shopping center Mulholland, e do
complexo varejista de Calabasas. Acabei persuadindo minha mãe para se
mudar para lá, porque seria muito mais conveniente.
No primeiro dia no novo lugar, eu fiz um longo passeio pelas cercanias. É
claro, a área não era desconhecida para mim, porque eu já tinha dado voltas
por ali muitas vezes durante a semana do pai. Mas aquela era a primeira
vez que eu saía para uma longa caminhada desde meu colapso nervoso, e
isso me fez sentir mais confiante.

Encontrei-me com Philip Bloeser depois de não o ver por dois anos. A última
vez que o vira foi durante o verão em que completei 16 anos. Minha mãe
me deixou em sua casa, e eu não fiquei surpreso em ver que ele continuava
a mesma pessoa; maduro, reservado, um pouco estranho, e propenso a
ataques repentinos de energia pura. Jeffrey também estava lá, e ele ainda
era tão arredio e turbulento como sempre, embora tivesse mudado
bastante na aparência, não sendo mais a criancinha que eu estava
acostumado a ver.
Philip já tinha sua carteira de motorista, então nós dois entramos em seu
carro para encontrar Addison Altendorf, que tinha se mudado para os
Estados Unidos de novo e estava morando com sua mãe num apartamento
em Malibu. Philip e Addison sempre tinham sido grandes amigos um do
outro, e os dois iam a todos os lugares juntos. Eu não tinha visto Addison
desde a escola de Topanga. Num primeiro momento, eu não sabia como
agir com ele. Era como conhecer uma nova pessoa. Ele tinha mudado
tremendamente. Com seu bigode e corte de cabelo, ele parecia mais velho
do que realmente era, cultivando uma personalidade refinada e sofisticada
e usando um blazer elegante.
Ao passar um tempo com Addison naquele dia, comecei a gostar de
conversar com ele sobre política e o mundo. Ele era muito inteligente e mais
informado do que outras pessoas da nossa idade.

Comprei meu primeiro bilhete de loteria quando fui ao shopping com minha
mãe um dia. Paramos numa loja da Ralph onde notei a máquina da loteria.
Eu não sabia nada sobre loteria, então perguntei à minha mãe sobre isso.
Ela me disse como funcionava e me ensinou como comprar um bilhete.
Cada bilhete provia uma chance ínfima de ganhar milhões de dólares, e o
prêmio principal podia acumular para centenas de milhões. Eu não podia
acreditar. Eu não sabia que uma coisa dessas existia! Depois de comprar
meu bilhete, fiquei empolgado com a perspectiva de ter a chance de me
tornar um multimilionário. Esse bilhete, é lógico, não foi contemplado. E
nenhum dos bilhetes que compraria depois, mas eles me deram esperança.
Eu nunca pensei nem me importei com meu dinheiro antes de fazer 18
anos, porque ainda vivia como uma criança, com meus pais administrando
o dinheiro e me dando as coisas de que eu precisava. Contudo, quanto mais
eu crescia, mais eu percebia o quanto o dinheiro era importante, e mais
obcecado eu ficaria em ser rico. Essa obsessão, que mal estava criando
raízes na época, desencadeou um longo relacionamento com a loteria que
só terminaria em decepção e desespero.
Uma noite, na casa do pai, estávamos assistindo ao filme Alpha Dog depois
do jantar. Este filme retrata um monte de adolescentes e jovens festejando
e fazendo sexo com lindas meninas, vivendo a vida que eu desejei por tanto
tempo. O protagonista era um adolescente de quinze anos que fazia sexo
com duas meninas gostosas numa piscina. Eu fiquei com tanto ciúme que
me deliciei com sua morte no final. Eu me lembro de ter pensado que seria
melhor viver a sua vida do que a minha, mesmo que ele tivesse morrido. Ele
tinha sexo e eu não tinha. O filme me afetou emocionalmente em grande
escala, e eu pensaria nele por algum tempo depois disso.

Comecei meu primeiro semestre na Universidade de Pierce. Eu ainda não


tinha tirado minha carteira de motorista, então era obrigado a pegar o
ônibus coletivo para a faculdade. Essa era uma experiência extremamente
desagradável, mas eu estava disposto a suportar isso apenas para poder ir
para a faculdade e melhorar minha vida.
Em meu primeiro dia, não pude deixar de me sentir nervoso. O lugar me
lembrava a Taft, embora as pessoas parecessem mais legais e o ambiente
fosse menos intimidador. Quando sentei dentro de minha sala de aula, eu
senti que as coisas iam dar certo.

Soumaya voltou do Marrocos, e ela estava muito braba com a forma que
eu me comportei enquanto estive lá. Ela verdadeiramente me chutou para
fora da casa do pai, e porque eu era maior, ela podia fazer isso. O pai não
fez nada para impedi-la, sendo o homem fraco que é. Foi sempre assim. O
pai sempre deu a Soumaya o livre poder de mando para que ela impusesse
as suas regras dentro de casa. Ele lhe dava o poder absoluto.
Esse ato oficialmente terminou com o sistema de uma semana em cada
casa, e a casa da mãe se tornou minha moradia permanente.
Soumaya não apenas me expulsou da casa do pai, mas ela me proibiu até
mesmo de fazer simples visitas. E ainda assim, o pai não fazia nada sobre
isso. O pai vivia dizendo que a casa era tanto dela quando dele, e que por
isso ela tinha o direito de me mandar embora. Não! Eu sou o filho mais
velho! A casa deveria ser MINHA e não dela! Isso fez com que qualquer
respeito que eu ainda tinha por meu pai desaparecesse completamente. É
como uma traição, colocar sua segunda mulher na frente de seu filho mais
velho. Que tipo de pai faria isso? A vagabunda deve ser realmente boa de
cama, eu pensei. Que homem fraco.
Todo dia, eu tentava fazer algum esforço para encontrar meios de melhorar
minha vida. Eu sentia que ficar dentro de meu quarto era perda de tempo.
Eu sabia o que queria, mas não fazia ideia de como conseguir.
Frequentemente eu saía para caminhar pela vizinhança da minha mãe na
esperança desesperada de que alguém fizesse amizade comigo ou que uma
menina conversasse comigo. Nada do tipo nunca aconteceu.
Às vezes eu subia todo o caminho até Overlook, já que o apartamento da
minha mãe ficava bem próximo do outro lado; e às vezes eu caminhava até
o complexo varejista de Calabasas, onde ia até a Barnes&Noble, ler livros,
sempre com a esperança de que alguns jovens como eu iriam se aproximar
e fazer amizade, mas isso nunca acontecia.
Mantinha-me esperando, esperando e esperando. A esperança era o que
me mantinha vivo.

Continuei a ver Philip e Addison, minha única interação social além de


James. Eu falava com Addison sobre minhas visões políticas, debatendo
com ele sobre como um mundo ideal deveria ser. Descobri que ele nutria
algumas ideias fascistas quanto a isso, e era legal poder discutir com alguém
sobre coisas que faria a maioria das pessoas normais correrem um
quilômetro longe.
Eu frequentemente mandava mensagens para o Addison pelo Facebook,
esperando começar uma conversa quando me sentia sozinho. Ele me
contou que estava iniciando o quarto ano na Escola de Segundo Grau de
Malibu, e que seu objetivo era se enturmar com os alunos populares. Se
enturmar com os alunos populares de Malibu? Eu não achei que Addison
seria bem-sucedido nessa empreitada.
Addison me convidou para sua festa de aniversário. Era um pequeno
encontro na praia em Point Dume, Malibu. Eu tinha muita dificuldade de
me socializar com as pessoas, então acabava ingerindo muito álcool. Antes
de Philip me levar para casa, eu vomitei fora do apartamento de Addison,
bem na frente de sua mãe e de todos os outros. Foi algo altamente
vergonhoso e eu me esforcei para bloquear essa lembrança de minha
cabeça depois disso.
James veio pousar no novo apartamento da minha mãe. Fomos até o
complexo varejista de Calabasas juntos. Foi legal mostrar-lhe todos os meus
lugares preferidos lá, como a janela da Barnes&Noble que dava para ver
toda área, e as lagoas com tartarugas ao lado do restaurante King. Era um
ótimo lugar para conversar e contemplar. Tivemos algumas profundas
conversas sobre nossas fantasias e esperanças para o futuro.

Quando eu era criança, o Halloween costumava ser uma experiência


excitante e divertida, mas desde a última vez que fui para Doces ou
Travessuras, o Halloween se tornou um evento em que eu passava a noite
inteira no meu quarto enquanto outros adolescentes estavam se divertindo
festejando.
Nesse Halloween, eu estava desesperado para fazer algo social. Eu não
podia ficar sentado em meu quarto numa noite dessas. Acabei descobrindo
mediante a busca aleatória em perfis do Facebook que haveria uma grande
festa na piscina em West Hills. Resolvi dar um grande salto e participar
dessa festa na piscina, mesmo sabendo que não conheceria ninguém lá. Eu
não tinha nada a perder, e me daria mais chances de conhecer meninas do
que se eu ficasse em meu quarto toda noite. Em virtude de não poder
dirigir, eu teria que caminhar até lá, e isso levava 45 minutos. Quando
cheguei lá, fui dominado pela ansiedade, mas já não podia voltar atrás.
Paguei o ingresso de 5 dólares e entrei. Para meu desgosto, a festa era
menor do que eu imaginava. Todas as crianças estavam fumando maconha,
e todos eles pareciam se conhecer mutuamente. Seria uma questão de
tempo antes que detectassem que eu era um isolado. Fiquei dando voltas
estranhamente por alguns minutos antes de desistir e voltar para casa.
No caminho de casa, bem quando eu estava perto de alcançar a casa da
minha mãe, um grupo de jovens trogloditas estacionaram uma camionete
Pick-Up ao meu lado e começaram a jogar ovos em mim, rindo enquanto
faziam isso. Eles pareciam drogados, e foram embora. Eu juntei um ovo
pouco quebrado e joguei de volta no carro deles. Eu não era mais uma frágil
criança que levava um golpe sem revidar. Agora eu era mais forte. Eles
saíram da camionete e tentaram me atacar, e eles teriam me espancado
até sangrar se eu não tivesse sacado meu canivete fiel que geralmente
carregava no bolso quando caminhava sozinho. Felizmente, os trogloditas
não vieram para cima de mim e foram embora. Talvez fosse o canivete, ou
pelo olhar de raiva extrema em meus olhos. Eu rapidamente voltei para
casa, assustado. Foi uma noite azarada e infeliz.
Alguns dias depois do Halloween, eu continuava a pensar nesse incidente
com os terríveis trogloditas que quase me atacaram. Eles devem ter me
visto como um fraco de quem eles podiam tirar sarro a seu bel-prazer. Eu
não queria que o mundo me visse como um fraco.
Isso levou a meu novo compromisso em começar a me exercitar e a levantar
pesos. Comecei a fazer academia no complexo do apartamento de minha
mãe dia sim e dia não. Eu pensava que isso aumentaria minha confiança e
me faria parecer um pouco mais forte. Talvez se eu desenvolvesse meus
músculos as meninas se sentiriam atraídas por mim, eu proferi esperançoso
a mim mesmo. Eu nunca tinha feito musculação ou levantado pesos na
minha vida, então meu corpo era sempre muito frágil e delicado. Essa era
uma experiência nova, e me fez sentir mais produtivo.

O ranço de Soumaya contra mim diminuiu em alguns meses, e ela permitiu


que eu fosse na casa do pai para jantar ocasionalmente. Eu estava com
muita raiva do pai, mas escondia minha raiva. Eu ainda precisava dele.
O pai começou me ensinar a dirigir depois que eu recebi minha carteira de
motorista provisória, o que foi bastante difícil de conseguir. Tinha que
passar numa prova escrita com várias questões, e eu reprovei em minha
primeira tentativa. Na segunda tentativa eu consegui passar.
Minha primeira experiência dirigindo foi muito assustadora. Eu já tinha
jogado alguns videogames de corrida na minha vida, mas dirigir um carro
de verdade era muito mais intimidador. No início, eu mal conseguia dirigir
pelo bairro tranquilo do meu pai. Fui tomado pelo medo de que nunca
aprenderia a dirigir. Nas sessões seguintes eu fiquei mais acostumado. Em
pouco tempo, conseguia dirigir uma curta distância pelo Cânion de Topanga
com facilidade. Todavia, eu ainda não me sentia preparado para fazer o
teste oficial para tirar a carteira.

Apesar de minhas tentativas de melhorar minha vida, eu ainda me sentia


frustrado e com raiva. Eu não estava conseguindo nada com meus esforços.
Eu ainda não tinha feito nenhum amigo na Universidade de Pierce, e não
interagia com meninas.
Meus dias na Universidade de Pierce ficavam cada vez mais mundanos e
deprimentes. Eu ia para a aula nas terças e quintas, pegando o ônibus para
o AMC e caminhando o resto do trajeto. Na sala de aula, eu tinha uma
grande dificuldade de socializar com quem quer que fosse. Fazer amigos
parecia impossível.

Minha mãe estava saindo casualmente com um homem muito rico


chamado Jack nessa época, embora eu só descobrisse isso muito mais
tarde. Quando ela mencionava seu nome, eu pensava que era apenas um
amigo. Jack deu as chaves de sua casa na praia em Malibu para a mãe, e nós
íamos passar lá algumas noites, embora Jack não estivesse. A casa era
bonita, uma mansão branca situada numa praia privada. Nos fundos havia
uma piscina e um ofurô, com um cercado que levava direto para a costa.
A mãe deu uma pequena festa na casa da praia, e convidou James e sua
família, além de alguns outros amigos. James não apareceu, mas seu pai
Arte sim. Para minha surpresa, Maddy Humpreys e sua mãe vieram. Ver
Maddy pela primeira vez em seis anos foi uma experiência bastante
peculiar. Da última vez que nos vimos, éramos crianças. Agora ela era uma
adolescente bem crescida, e olhando suas fotos no Facebook, eu sabia que
ela era popular. Ela era a típica menina bonita que tinha várias amigas
bonitas. Ela era uma delas, uma das meninas populares. Meu primeiro
amigo na América, alguém com quem eu tinha brincado inocentemente
como uma criança, tinha crescido para representar bem o tipo de pessoa
que causava tanta dor em minha vida. Eu estava muito nervoso de falar com
ela, porque não tinha nenhuma experiência em falar com meninas, mas eu
tinha que fazer um esforço. Ela pareceu estranhar a minha estranheza.
Chegava a dar calafrios.
Enquanto estava na casa de praia, convidei Philip e Addison para sair, já que
eles sempre estavam juntos em Malibu. Eles vieram me pegar, e enquanto
eu estava no carro com eles, Addison continuava falando sobre como ele
tinha sido bem-sucedido em se misturar com os garotos populares da
Escola de Segundo Grau de Malibu. Ele continuava falando sobre todas as
festas que tinha ido, e todas as meninas bonitas que tinha conhecido. Eu
não conseguia acreditar no que estava ouvindo. Addison tinha conseguido.
Ele tinha sido bem-sucedido em se tornar popular em sua escola. Em pouco
tempo, ele foi capaz de realizar aquilo que eu vinha tentando fazer durante
toda minha vida. Fiquei com muito ciúme. E não era a pior parte.
Conforme passava mais tempo com eles naquela noite, percebi que o novo
status de Addison entre a turba dos populares de Malibu tinha modificado
seu comportamento. Fez com que ele ficasse muito valente e arrogante. Ele
tratava EU como um perdedor o tempo inteiro. Tarde da noite, ele
abandonou eu e Philip para ir a uma festa com algumas meninas que ele
tinha conhecido de Malibu. Eu estava bulindo de raiva.
Fomos então para o cais de Santa Mônica com Lenny, amigo de Philip, e eu
vi casais por todos os lados. Eu costumava gostar de ir para o cais de Santa
Mônica quando criança, mas agora era um lugar de vilania. Pondo isso junto
com o comportamento insultante de Addison, já era demais para mim.
Fiquei tão desconsolado que experimentei meu primeiro cigarro. Acabaria
fumando outras vezes depois disso, embora parasse dentro de algumas
semanas devido ao fumo não fazer efeito sobre mim.
Quando Philip me deixou de novo na casa da praia, eu caminhei para a praia
no meio da noite e gritei toda minha angústia para o mar agitado.

Depois de minha última experiência com Philip e Addison, minha atitude


mudou. Meu novo otimismo com a vida diminuiu, e eu comecei a sentir
raiva intensa e ódio pelo mundo novamente. A maneira como Addison me
tratou fez-me perceber o que o mundo pensava a meu respeito. Se eu fosse
um daqueles jovens populares, Addison teria me tratado com deferência e
respeito, mas eu não era. Eu era um completo perdedor aos seus olhos, e
na visão de todos. Nenhum esforço que eu fiz nos últimos meses mudou a
forma como o mundo me via. O mundo ainda me via como um perdedor
fraco e indesejável, mesmo que eu tivesse renovado meu guarda-roupa e
começado a fazer musculação. Qual era o meu problema? Eu me
perguntava. Não podia deixar de sentir raiva e ódio. A vida era demais
injusta comigo.

Continuei a fazer caminhadas nas redondezas da casa da mãe na tentativa


desesperada de poder casualmente cruzar com o caminho de uma menina
bonita que sentiria atração por mim. Eu teria ficado satisfeito com isso.
Às vezes eu passava duas ou três horas perambulando pela vizinhança. Era
tudo o que eu podia fazer. E nunca encontrei nenhuma menina. Cada
passeio me deixava amarguradamente desapontado, e por fim parei de
fazer isso completamente.
Meu tempo na Universidade de Pierce se tornou mais miserável a cada dia
que ia para lá. Eu detestava ter que pegar o ônibus. Era embaraçoso e
estressante, e tirava todo o orgulho de dentro de mim. E tudo por quê? Para
ir numa aula onde não falava com ninguém? Não havia mais sentido nisso.
Eu não conseguia mais suportar a sensação de isolamento que tinha lá.
Ninguém queria ser meu amigo. Precisamente não valia a pena. Decidi
largar os estudos.

Minha mãe ficou muito braba que eu larguei os estudos na Pierce, muito
embora eu tenha lhe explicado exaustivamente os motivos. Foi quando ela
começou a me pressionar para arranjar um emprego. Conseguir um
emprego era uma coisa que eu nunca tinha pensado antes na minha vida, e
logo percebi que quanto mais velho eu ficasse, mais isso seria esperado de
mim se eu não quisesse ir na faculdade. Para acalmar minha mãe, comecei
a procurar empregos na internet todo dia, mas não conseguia encontrar
nenhum onde eu me encaixasse.

Eu sentia ódio e insatisfação com o mundo e a sociedade, mas não queria


mais me esconder dela. Eu precisava ser o mais produtivo possível com meu
tempo, e eu tinha bastante tempo livre nessa época. A melhor maneira de
aproveitar o tempo, concluí, seria gastá-lo como um autodidata.
Conhecimento é poder.
Comecei uma rotina diária de caminhar até a Barnes&Noble em Calabasas,
onde passava horas lendo livros que variavam desde biografias de líderes
poderosos, sobre períodos significativos da história, de autoajuda, textos
de psicologia e filosofia, e romances históricos. Às vezes eu passava dias
inteiros lá, da hora que abria até a hora que fechava. De tarde, para minha
extrema raiva, por vezes eu via jovens casais perambulando pela loja. Certas
vezes eles até sentavam nas mesas de leitura, se beijando e fazendo cafuné.
Sempre que via isso, eu ficava tão vencido pela inveja e de coração partido
que ia chorar dentro do banheiro. Esses casais ocasionais porventura não
me fizeram parar de ir lá, porque era a coisa mais benéfica que eu podia
fazer por mim no momento.

Ainda me encontrava com Philip e Addison eventualmente, mesmo que


odiasse o Addison. Eles me davam um senso de vida social e uma
oportunidade para desabafar sobre meus problemas. Addison me tratava
como um sem-teto toda vez que eu saía com eles, e ficava bravateando
sobre as meninas que conhecia nas festas em Malibu. De maneira indignada
eu o acusava de estar mentindo, como fosse isso o que eu queria acreditar.
Ele apenas se divertia com a minha inveja. Então descobri que Addison me
deletou de sua lista de amigos do Facebook de uma hora para outra. Esse
foi o último insulto que suportei dele e logo em sequência enviei-lhe uma
mensagem de ódio no Facebook em resposta. Desde então passei a ver
Addison como um grande inimigo. Ele era realmente um bastardinho
nojento e traiçoeiro.
Addison estava na mesma posição que eu, mas quando conseguiu se
integrar com os caras legais, ele me traiu e tratou-me exatamente como os
caras legais me tratavam, isto é, como a escória da sociedade. O mundo
realmente é um lugar brutal, onde um homem deve lutar uma batalha
ferrenha contra todos os outros homens para alcançar o topo. Os humanos
não são nada mais do que feras depravadas numa selva.

Mergulhei ainda mais em aprender tanto quanto podia lendo livros na


Barnes&Noble. Expandi os ideais políticos e filosóficos que aventei quando
tinha dezessete anos e logo me tornei ainda mais radical do que nunca em
relação a eles. Tudo foi alimentado pelo meu desejo de punir todos os que
eram sexualmente ativos, porque concluí que não era justo que outras
pessoas pudessem experimentar o sexo enquanto isso me era negado
durante toda a minha vida. Comecei a ter o desejo de criar um mundo onde
a ninguém fosse permitido ter relações sexuais. Novamente eu vi esse como
um mundo perfeito e harmonioso. A reprodução pode ser atingida sem o
sexo, através de inseminação artificial. Sexo é medonho, ele fornece um
prazer imerecido para aqueles que não possuem dignidade.
Estabeleci todos esses ideais através do estudo autodidata por horas todos
os dias. Minha personalidade se tornou ainda mais rígida, e comecei a me
vestir com trajes bastante conservadores.

Fui com minha mãe à festa anual de Natal na casa dos Lemelson. Passei a
maior parte do tempo com James, discutindo com ele mais sobre meus
ideais. Também jogamos bastante videogame com Noah e seus amigos.
Noah era realmente interessado em jogos da Nintendo, tendo vários deles.
Jogar com eles me lembrou de um tempo, muito distante no passado, em
que jogava Nintendo 64 quando criança, vivendo alegremente em um
mundo que eu pensava que fosse bom. Eu queria ser uma criança de novo,
para ficar num lugar iluminado longe da cruel realidade desse mundo
sombrio. Eu sempre entesouraria com apreço essas memórias.
Tive que ir às compras de Natal, e decidi fazer isso no complexo varejista de
Calabasas. Eu sempre ia para lá de qualquer jeito. Caminhando por lá, me
deparei com Maddy, que estava acompanhada de seu namorado. Por
alguma razão estranha, eu nunca tinha sentido qualquer atração por
Maddy, não obstante ao fato de que ela era uma garota loira, e eu sou
obcecado por garotas loiras. Talvez fosse porque éramos amigos quando
crianças, eu não sei. Por não me sentir atraído por ela, não sentia tanto
ciúmes quanto alguém poderia imaginar que eu sentiria em tal situação. Eu
ainda era muito deslocado. Eu apenas disse “oi” para ela e rapidamente fui
embora.

Na véspera do Ano Novo de 2010, o dia que marcava o fim de uma década,
eu fiquei muito doente e tive que ficar de cama por toda a tarde assim como
no dia seguinte. Minha mãe ia para a casa de uma de suas amigas, mas ficou
com pena de mim e permaneceu em casa. Passei todo o tempo deitado na
cama, refletindo sobre minha vida. Eu não sabia o que era pior, a dor física
que sentia pela doença, ou a dor emocional e raiva que tinha do mundo. Eu
diria que esta última.
Quando o mal-estar passou na tarde do outro dia, pensei em como isso me
fez desperdiçar meu feriado de Ano Novo no meu quarto, mas depois
pensei que teria feito a mesma coisa de qualquer maneira, estando doente
ou não, porque não tinha amigos com quem comemorar o Ano Novo.
Olhei o perfil de Addison no Facebook com uma de minhas contas falsas e
vi que ele foi para uma grande festa de Ano Novo numa mansão com seus
amigos populares de Malibu. Ele postou várias fotos dele posando com
várias meninas. Eu o odiei muito quando vi isso. O nível de ódio que eu
sentia era absurdo. Ele estava fazendo tudo o que eu queria fazer! Por que
ele e não eu? Eu amaldiçoei o mundo. O que foi visto nunca pode passar
despercebido, e nunca será esquecido, nem mesmo perdoado.

Minha esperança de que um dia teria uma namorada bonita e viveria a vida
que eu desejava lentamente desvaneceu. Voltei ao mesmo lugar miserável
e sombrio que estava no ano passado; sozinho, indesejado, miserável, e
bulindo de raiva pelo mundo. Eu continuava a divagar sobre como alguns
garotos facilmente conseguiam namoradas logo depois de atingir a
puberdade. Eu não conseguia imaginar como eles faziam isso, e os odiava e
os desprezava por isso.
Eu continuava a pensar sobre Leo Bubenheim, e como ele beijou a menina
Nicole na Cantina Sagebrush com apenas doze anos. Doze anos! Ele era
capaz de ter uma experiência íntima com uma menina quando tinha apenas
doze anos; e lá estava eu com dezoito anos, ainda um boca virgem. Minha
raiva de Leo se tornou uma obsessão. Eu continuava pedindo à minha irmã
mais informações sobre ele, mas ela se recusava a contar qualquer coisa.
Eu me perguntava estarrecidamente se ele já tinha perdido a virgindade, e
era o mais provável. Ele era uma criança popular, e as meninas o desejavam.
Leo estava vivendo felizmente a sua vida paradisíaca com a presunção de
que fosse importante para o mundo, enquanto eu tinha que afundar na
miséria e solidão.
A vida é injusta. Uns podem aceitar esse fato, admitindo a sua derrota;
outros podem aproveitar sua força para lutar contra ela. Meu destino era
lutar contra a injustiça do mundo.

Minha mãe continuava me pressionando para que eu arranjasse um


emprego, e ela nunca me deixava em paz quanto a isso. Ela estava um
pouco frustrada de que eu não estava conseguindo arranjar emprego. Nós
dois entrávamos em muitas discussões, e morar com minha mãe se tornou
um grande tormento.
Depois de me inscrever em um programa no centro regional, minha mãe
encontrou um coach da vida para me aconselhar e me ajudar a encontrar
um emprego. Esse coach da vida se chamava Tony, um boca aberta de
quarenta anos que vinha me encontrar toda semana. Eu estava aberto para
participar disso. Tinha muito tempo livre, e era tão solitário que qualquer
interação social era bem-vinda. Em nossos encontros, Tony geralmente me
levava para fazer um lanche em algum lugar no Vale, onde me dava
conselhos de socialização e autoestima.

Continuei procurando emprego, mas ainda não fui capaz de encontrar.


Recusava todas as ofertas de emprego que Tony me sugeria. O problema
era que a maioria dos empregos disponíveis na época eram empregos que
eu considerava inferiores a mim. Minha mãe queria que eu tivesse um
simples emprego no comércio, mas a ideia de me ver fazendo isso era
mortificante. Seria totalmente contra minha personalidade. Eu sou um
intelectual que estou destinado à grandeza. Eu jamais desempenharia uma
função de trabalho de classe baixa.
Meu pai disse que eu poderia trabalhar para seu amigo Karl Champley por
algumas semanas, para ajudá-lo a construir um lance de escadas dentro de
sua nova casa. Eu conhecia Karl bastante bem, porque ele costumava vir
para a casa do pai para jantar ocasionalmente. Karl estava terminando de
construir sua nova casa em Woodland Hills, apenas alguns minutos da casa
do pai, e ele se ofereceu para me contratar para ajudar na escada.
Concordei em aceitar o trabalho. Com certeza, o trabalho na construção
seria modesto e pesado, mas isso era diferente. Era mais como ajudar um
amigo, e seria dentro de um ambiente particular. Era a oportunidade de
trabalho temporário perfeita, e certamente tiraria minha mãe do meu pé.
Eu ainda não podia dirigir, então ia de bicicleta da casa da minha mãe para
lá todas as manhãs. A viagem de bicicleta levava 30 minutos. Era cansativo
andar de bicicleta por aquela estrada íngreme e sinuosa todos os dias, mas
proporcionava um bom exercício, do qual eu precisava. Trabalhei com Karl
durante toda semana por cerca de três semanas. Acabou sendo uma
experiência gratificante. Karl era muito amigável e eu gostei de trabalhar
com ele. Quando terminamos a escadaria, que era em formato de espiral
levando para o sótão, paramos um momento para admirar o trabalho que
tínhamos feito.

Em meu último dia trabalhando para Karl, decidi parar na casa do pai para
tomar um refresco. Eu estava bastante sedento pelo passeio de bicicleta.
Entrei em casa sem bater na porta porque eu acreditava que tinha esse
direito. Como filho mais velho, a casa deveria ser minha depois de meu pai.
Soumaya ficou indignada em me ver, e ficou braba porque eu não tinha
batido na porta. Para me ensinar uma lição, ela me mandou voltar lá fora e
bater na porta. Eu dispensei, dizendo que ela não tinha mais o direito de
ficar me mandando. Então me servi um copo de água. Soumaya bateu o
copo de água da minha mão e ele se quebrou no chão. O pai gritou com
raiva descendo as escadas de seu escritório para saber o que estava
acontecendo. Nós três tivemos uma ferrenha discussão, e é claro que o pai
ficou do lado da Soumaya. Os dois me mandaram embora de casa dizendo
que eu não era para voltar mais. Senti-me traído e humilhado enquanto
furiosamente fazia meu caminho de volta para a casa da mãe. A partir
daquele momento odiei a ambos, e não voltei a vê-los por muitos meses.
Por esses meses, meu pai estava morto para mim. Minha mãe era tudo que
me restava neste mundo sombrio.
Naquela mesma semana, tive um encontro determinante com Philip e
Addison, onde minha rivalidade nociva com Addison Altendorf atingiu um
ponto de ebulição. Saímos para um passeio no Observatório Griffith Park,
como geralmente fazíamos quando nos reuníamos. Dessa vez, minha
discussão com Addison foi muito intensa. Tentei ultrajá-lo tanto quanto
podia, numa tentativa mesquinha de me vingar de todos os insultos e
imprecações que ele dirigiu a mim. Passamos toda a tarde brigando um
contra o outro, para desgosto do pobre Philip, que teve de aturar isso. No
final da noite, Addison disse uma coisa para mim que foi tão ofensiva que
me atormentaria para sempre, pois soou verdadeira: “Nenhuma menina
neste mundo jamais irá querer transar com você.”
Eu já sentia que nenhuma menina no mundo gostaria de transar comigo. Eu
era um boca virgem, além do mais. Essa era a verdadeira razão pela qual eu
sofria. Mas ouvir isso de outra pessoa, alguém como Addison, realmente
fez com que atingisse o âmago de minha psique e emoções.
Toda aquela noite foi uma experiência muito vil e perversa. Decidi não ver
Philip e Addison por muito tempo.

Em virtude de que eu não estava mais vendo Philip e Addison, James foi
mais uma vez meu único amigo. Eu conversava com ele constantemente
pelo Skype. Às vezes eu ia até a sua casa, onde saíamos para nossas
tradicionais caminhadas pelo centro de Palisades. James ainda jogava
WoW, e estava tentando me fazer voltar. Eu fiquei bastante tentado.
Depois de tudo o que eu tinha passado nos últimos meses, sentia a urgência
de me afundar mais uma vez naquele vazio. Encarar o mundo era difícil e
me custava muito, principalmente porque eu não via resultados. Eu ainda
me encontrava na mesma posição em que sempre estivera: Sozinho,
indesejado, e miserável.

Descobri que minha mãe estava na verdade namorando com Jack, o homem
rico que era dono da casa na praia em Malibu. Eu sempre imaginei que ele
fosse apenas um amigo. Minha mãe e minha irmã nunca me contavam
sobre os parceiros com quem namoravam. Elas sempre mantinham isso no
mais alto sigilo. Eu ainda não tinha conhecido Jack. Seu patrimônio líquido
superava os 500 milhões de dólares, e ele tinha outras mansões em Bel Air
e em Beverly Hills.
Quando fiquei sabendo disso, comecei a alimentar a esperança de que
minha mãe ia se casar com esse homem, e que eu faria parte de uma família
rica. Isso definitivamente seria uma saída para minha vida miserável e
insignificante. O dinheiro resolveria tudo. Comecei a pedir frequentemente
à minha mãe que arranjasse casamento com esse homem, ou com qualquer
homem rico. Ela sempre recusava veementemente, e pedia que eu parasse
de falar sobre isso. Ela disse que nunca queria se casar de novo depois da
experiência que teve com meu pai. Eu lhe disse que ela deveria sacrificar
seu bem-estar para a minha felicidade, mas isso apenas a ofendeu ainda
mais.

No início do verão eu finalmente recebi minha carteira de motorista. Tive


que fazer o teste de direção duas vezes para passar. Primeiro eu fiz na
autoescola Winnetka, cometendo alguns erros no final do percurso que me
fizeram reprovar. Depois de fazer algumas aulas que minha mãe arranjou
para mim, fiz outra tentativa no teste de direção na autoescola Thousand
Oaks. Essa região era muito mais tranquila para dirigir, então consegui
terminar e ser aprovado no teste.
Assim que minha carteira de motorista definitiva chegou pelo correio,
minha mãe me deu uma boa notícia. Ela ganhara um carro novo do Jack, o
que significava que podia dar o carro mais velho para mim. Agora eu tinha
um carro meu para dirigir. Poder dirigir para qualquer lugar que eu quisesse
proporcionou-me uma nova sensação de liberdade que nunca antes havia
sentido. Eu me sentia mais como um adulto em vez de uma criança. Senti
que podia começar a faculdade de novo, agora que tinha habilitação para
dirigir até lá.

Matriculei-me para uma cadeira de verão na Universidade de Moorpark. Eu


li sobre a Universidade Moorpark e achei que era uma opção muito melhor
do que a Universidade Pierce. Eu e minha mãe dirigimos até lá para dar uma
olhada. O campus era menor em tamanho, no entanto mais agradável
esteticamente. Era localizado na cidade de Moorpark, numa linda região
montanhosa perto de Thousand Oaks. Eu também vi um monte de meninas
bonitas lá como eu sempre via em Pierce. À toda volta eu via bonitas
meninas loiras caminhando. Essa universidade era perfeita para mim.
Nos dias que se aproximavam ao meu primeiro dia em Moorpark, senti uma
renovada esperança. Uma nova universidade significava um recomeço, e
essa universidade parecia perfeita em todos os sentidos. Tinha a esperança
de que poderia me dar bem nela; que faria amigos, conheceria algumas
meninas, e eventualmente encontrasse uma menina bonita para ser minha
namorada. Eu a imaginava em minha mente a todo instante; seus cabelos
loiros deslumbrantes, seu rosto bonito, seu corpo sensual... Tudo. Eu nos
imaginava caminhando de mãos dadas pela universidade, olhando para o
cenário magnífico de montanhas à distância com o pôr do sol entre elas.
Isso seria o paraíso. Era isso o que eu queria da vida. Cada ideal, visão de
mundo e filosofia alimentada pelo ódio que criei no passado foi o resultado
de não ser capaz de fazer isso.
Estava muito otimista no primeiro dia. Quando entrei no campus respirei o
fresco ar das montanhas e admirei as adjacências. Eu estava em um novo
ambiente repleto de novas possibilidades. A cadeira que peguei era de
história mundial, e tudo começou bem. A sala era bem estruturada e o
professor bem articulado. Depois que a aula terminou eu caminhei pela
universidade por uma hora para explorar e ponderar em como eu podia
endireitar a minha vida. Mais uma vez, ousei acreditar que poderia haver
um bom futuro para mim.

Minha renovada esperança me deu consolo por alguns dias, mas não
duraria. Moorpark logo se tornou um lugar de solidão e desespero, assim
como em qualquer outro lugar onde tentei prosperar. A gota d’água foi
quando vi um casal bem aparentado caminhando pela área onde eu
sonhava em caminhar com uma namorada. Ver um outro cara fazer isso,
com uma menina bonita que deveria ser minha, era um inferno. Eu
constantemente me perguntava o que eu fazia de errado na vida, para ser
incapaz de ter uma namorada bonita.
Não era melhor dentro de sala de aula. Havia um atleta desagradável com
um corte de cabelo raspado que estava tendo aulas com sua linda
namorada. Eles sempre sentavam perto um do outro, conversando e se
tocando com afeto. Todo dia eu tinha que assistir a isso, e meu ciúme
crescia e crescia. Eu constantemente olhava para eles com puro ódio. O que
eu faço de errado que ele faz certo? Eu gritei para o universo no caminho
de casa. Por que ele merece o amor de uma menina bonita, e eu não? Por
que as meninas me odeiam tanto? Perguntas e mais perguntas. Tudo o que
eu podia era questionar por que eu sofria tanta injustiça na vida.

Minha mãe uma vez me disse que eu deveria ser escritor, porque eu teria
algum talento para a escrita. Isso soava estranho. A minha vida inteira eu
nunca tive talento para nada. Eu era muito fraco fisicamente para praticar
esportes com outros garotos quando criança; eu nunca me tornei um
profissional do skate, não importando o quanto treinasse; e eu nunca fui
muito habilidoso nos videogames... até mesmo em World of Warcraft.
Steve e Mark conseguiam jogar com seus personagens com mais destreza
do que eu jamais consegui, e eles começaram a jogar muito depois de mim.
No fundo, eu sempre soube que eu não tinha talentos, e eu sempre tentava
não pensar muito nisso.
De fato, era estranho ouvir minha mãe dizendo que eu poderia ser um
escritor, mas isso me deu uma ideia. Comecei a imaginar se eu pudesse de
verdade ser um escritor. Eu poderia escrever um romance de fantasia épica
que se tornaria um filme, e assim eu ficaria rico. Ser rico me faria atraente
o suficiente para ter uma bonita namorada. Não era impossível, e trabalhar
para isso me daria uma razão para viver. Refleti sobre isso em minha mente
por um tempo.

Fomos para a casa na praia do Jack em Malibu para passar algumas noites
de novo. Minha mãe me ligou para me contar os planos enquanto eu estava
na faculdade. Tinha sido um dia solitário e deprimente, e fiquei feliz por
poder ter um pouco de descanso na linda casa de praia. Fui para lá dirigindo
imediatamente após a aula em Moorpark.
A mãe tinha alguns de seus amigos junto, e ela comprou uma variedade de
quitutes deliciosos. Depois de me empanturrar com porções de todos os
pratos e beber várias taças de vinho, fiz uma longa e tranquila caminhada
pela praia, desejando ter uma namorada para caminhar ao meu lado. Antes
de dormir, pensei mais na possibilidade de ficar rico. Se eu fosse milionário
e tivesse uma casa como aquela em que estava passando a noite, eu
poderia ter qualquer garota que quisesse. Estar numa posição dessas
compensaria toda a miséria que eu teria enfrentado no passado... e
compensar isso era o objetivo mais importante da minha vida. Meu único
objetivo era me sentir satisfeito com a vida que levava.

Comecei a considerar seriamente a possibilidade de escrever um romance


épico. Eu sempre estava criando histórias em minha cabeça para preencher
minhas fantasias. Geralmente essas histórias retratavam alguém como eu
subindo ao poder depois de uma vida inteira sendo tratado injustamente
pelo mundo. Eu examinava mentalmente todas as histórias que tinha para
desenvolver, e focava naquelas poucas que achava que se tornariam best-
sellers. Se conseguisse que uma delas virasse um filme, eu seria
definitivamente um milionário. Era a única solução para meus problemas.
Eu me via como uma pessoa magnífica e altamente inteligente que fora
designada para os grandes feitos. Esse poderia ser um deles.

Passei as semanas seguintes me concentrando em escrever em vez de


trabalhar em minhas tarefas da faculdade. A aula não me dava muito
trabalho para fazer de qualquer jeito. Escrevi prefácios para três diferentes
histórias, e acho que mostrei dois deles para minha mãe. Ela pareceu achar
que eles dariam bons filmes, e isso aumentou minha confiança. Eu queria
escrever um romance primeiro, ou ir direto para um roteiro.
Por duas semanas, todas as tardes eu trabalhei nesse objetivo. Meu tempo
na faculdade era miserável. Muitas vezes eu chorava no caminho de casa
porque estava com ciúmes de tantos casais circulando pelo campus.
Coloquei toda minha energia em dar um jeito de concretizar esse objetivo.
Minha fé de que eu conseguiria escrever um romance épico que me faria
rico logo foi abalada. Li muitos artigos na internet acerca das chances de
que um roteiro fosse aproveitado para um filme. Eu também vi que a
maioria dos escritores, mesmo dos filmes de maior orçamento, não
ganhava tanto quanto eu pensava... Definitivamente não o suficiente para
viver disso pelo restante de suas vidas. Eu também pensei, com algum
desespero, na quantidade de tempo que levaria para atingir um objetivo
desses. A maioria dos autores best-sellers ou roteiristas não ficavam
milionários antes de chegarem na casa dos quarenta ou cinquenta anos. Eu
não queria esperar até ter quarenta anos para perder minha virgindade! A
perspectiva de passar meus próximos vinte anos trabalhando duro todo dia
para ter a chance de fazer um ou dois milhões me enchia de repulsa. No
momento em que me tornasse milionário fazendo isso, eu já seria velho
demais para conseguir garotas bonitas. Decidi então que a escrita não era
meu caminho para a salvação, e abandonei a ideia completamente. É claro,
eu seria tentado com a ideia mais algumas vezes no futuro, mas isso seria
mais uma de minhas falsas e desesperadas esperanças que inventava.

Eu não conseguia mais ficar vendo aquele maldito casal na minha sala de
aula. Nunca entendia o que aquela menina bonita via em seu namorado
brutamontes. Aquele cara podia curtir a sua vida universitária com sua
bonita namorada ao seu lado, enquanto eu estava sozinho. Isso me fazia
sentir muito inferior. Eu tinha de vê-los juntos, todo o santo dia. A tortura
era insuportável. Quando cheguei da faculdade um dia, decidi furiosamente
largar a aula.
Eu não pensei em como minha mãe reagiria comigo se eu largasse a
faculdade. Sabia que ela ficaria muito desapontada, e não podia permitir
que ela ficasse desapontada comigo. Eu estava contando com ela para tudo.
O que ela me deu, ela poderia facilmente tirar. Entrei em pânico e resolvi
arrumar um emprego para acalmá-la.

Depois de pedir ao Tony, meu conselheiro de relações sociais, se ele poderia


encontrar um emprego por intermédio do centro regional, ele ligou de volta
e me disse que havia um emprego disponível para mim. Não recebi muitas
informações sobre o serviço, mas decidi aceitar bem naquela hora. Depois
que isso estivesse resolvido, eu estaria tranquilo o suficiente para contar
para minha mãe que havia largado os estudos em Moorpark. Poderia ter
mentido para ela e dito que nunca abandonara os estudos, mas naquela
época eu tinha medo de mentir para ela.
Comecei o dia de trabalho nesse novo emprego. Era localizado em um
prédio corporativo conectado ao Aeroporto de Los Angeles. Para meu
horror e humilhação, o emprego era doméstico e braçal, e eu tinha que
limpar escritórios e até os banheiros. Não havia jeito de eu me rebaixar a
tal nível. Eu me sentiria uma merda por sequer pensar em trabalhar num
lugar desses. Trabalhei apenas por algumas horas enquanto pensava em
como dar um jeito de sair daquela situação ridícula... e no dia seguinte eu
liguei para anunciar que estava me demitindo. Esse foi o segundo e último
“trabalho” que eu teria. Trabalhei lá por menos de um dia.
Após a demissão, caí num estado ainda pior de pânico do que estava depois
de abandonar os estudos em Moorpark. Ligeiramente me fiz a pergunta
cabal: O que eu vou fazer agora? Liguei para Karl Champley para ver se ele
tinha outro trabalho para mim em sua casa, mas ele me disse que sua casa
estava quase acabada e que não havia nenhum serviço para eu fazer lá. Eu
estava condenado. Pensei que se minha mãe descobrisse que eu havia
largado a faculdade, ela me mandaria embora de casa.
Minha mãe estava de férias no Havaí com minha irmã nesse período. Eu
ainda tinha alguns dias sozinho para relaxar e calcular meu próximo
movimento. Cheguei à conclusão de que voltar para a universidade e
encarar a visão dos casais dando voltas era melhor do que ter que recorrer
a um trabalho de classe baixa em algum lugar, e eu tinha que escolher um
dos dois para acalmar os nervos da minha mãe. A universidade também era
mais favorável porque eu podia aprender e me educar enquanto estivesse
lá.
Liguei para minha mãe e chorei ao telefone, explicando porque eu havia
largado o emprego que fora contratado, e perguntei se ela podia me dar
uma nova chance. Eu lhe disse que me matricularia em mais cadeiras na
Moorpark e que colocaria toda minha energia nos estudos. Eu também lhe
disse que continuaria a trabalhar com minha escrita. Para meu alívio, ela foi
muito compreensiva, e me disse que continuaria a me apoiar se eu fizesse
isso.

A pressão temporária que tive de enfrentar naquele verão diminuiu, mas


depois de refletir nisso, imaginei que era algo insignificante em comparação
à pressão contínua que estava sobre meus ombros desde que cheguei à
puberdade: Minha luta contra uma sociedade que me olha de cima para
baixo... contra o gênero feminino por me negar sexo e amor. As palavras
ofensivas de Addison Altendorf continuavam me assombrando durante
todo o verão. Eu via meu futuro e enxergava apenas o espectro sombrio de
minha solidão. Eu nunca farei sexo. Eu nunca serei amado. As meninas me
acham indigno de seu amor, eu pensava isso comigo muitas e muitas vezes.
Chorava todos os dias quando imaginava quanta alegria e prazer os outros
jovens estavam tendo enquanto eu definhava em desespero.

Meu décimo nono aniversário foi sorumbático, e fez-me sentir ainda mais
derrotado. Dezenove anos e ainda virgem, eu proferi miseravelmente nesse
dia. Meu pai nem se dignou a dar um telefonema. Em vez disso, ele me
mandou uma carta desejando um feliz aniversário e dizendo que queria que
eu me desculpasse com Soumaya, o que evidentemente me recusei a fazer.
O laptop que ganhei com dezessete anos havia sido infectado por vírus,
então minha mãe me comprou um novo, ainda melhor, para o meu décimo
nono aniversário. Escolhi um que pudesse suportar jogos muito bem,
porque tinha recentemente tomado a decisão de recomeçar a jogar World
of Warcraft. Eu não conseguia aguentar mais a angústia da minha vida, e
precisava de uma trégua, não importando o dispêndio de tempo e o pouco
saudável que fosse para mim jogar WoW.
19 Anos
Ao configurar meu novo laptop, imediatamente instalei meus CD’s de
WoW. Loguei na minha conta e dei uma conferida em todos os meus
personagens que não tinha mexido por um ano e meio. Bem quando loguei
em meu personagem principal, fui contatado por James, e ele me convidou
para me juntar em um grupo online com ele, Steve, e Mark. Todos eles me
deram uma calorosa boas vindas de volta ao jogo.
E lá eu estava, mais uma vez preso no vazio sem esperança; na exata
posição que estava com quatorze, quinze, dezesseis e dezessete anos.
Apesar de todos os esforços que fiz para melhorar minha vida aos meus
dezoito anos, não tinha nada para mostrar. Sem amigos, sem meninas, sem
vida.

Comecei a ir mais seguido para a casa do James, uma vez que agora eu era
habilitado a dirigir até sua casa e assim podíamos jogar WoW juntos de
novo. Ver meu amigo James era sempre aprazível de alguma forma. Ele era
meu companheiro de virgindade, pois ele também não atraía a atenção das
meninas, e tenho certeza que ele sofria com isso, mas não tanto quanto eu.
Eu ficava muito perplexo pelo fato de que ele não sentia nenhuma raiva das
meninas por negarem sexo a ele. Ele deveria estar tão brabo quanto eu.
Cogitei que ele não tivesse um desejo sexual muito alto, ou ele era apenas
uma pessoa fraca de um modo geral.
Ficar brabo com as injustiças que alguém sofre é um signo de força. É sinal
de que alguém tem a força de vontade para lutar contra essas injustiças, em
vez de baixar a cabeça e aceitar isso como seu destino. Ambos meus amigos
James e Philip pareciam ser o tipo fraco e que aceita as coisas; ao passo que
eu sou o lutador. Ninguém pode me ofender, e eventualmente terei minha
vingança contra todos aqueles que me insultaram, não importa quanto
tempo demore.

Pelo resto do verão, relaxei e joguei WoW com James, Steve, e Mark; como
nos velhos tempos. Eu também comecei a ler uma nova série de livros
chamada As Crônicas de Gelo e Fogo, escrita por George R.R. Martin. Essa
série de fantasia medieval era espetacular. O primeiro livro da série era A
Guerra dos Tronos, e depois que li o primeiro capítulo eu simplesmente não
podia parar de ler. Era nada comparado ao que eu já tinha lido antes, com
uma vasta gama de personagens complexos, alguns dos quais eu me
identificava. Descobri que seria adaptado para uma série da HBO, e fiquei
muito ansioso por ela.
Mergulhar em histórias fantásticas como as de WoW e Guerra dos Tronos
não fazia com que eu esquecesse de todos os meus problemas na vida, mas
elas me davam uma temporária e agradável sensação de fuga, o que eu
precisava de tempos em tempos. A vida seria impossível de lidar sem esses
refúgios temporários.

Rob Lemelson sugeriu à minha mãe que eu me juntasse às aulas de caratê


que ele praticava. Rob era um experiente faixa preta, e James também
estava indo na mesma escola que a dele. Eles se encontravam todas as
terças e sextas à noite, e eu concordei em ir nas sextas. Toda sexta-feira,
começava a rotina de dirigir até a casa de James, e então nós dois íamos
com o seu carro para a aula de caratê em Santa Mônica. James ganhou seu
carro alguns meses depois de mim, embora seu carro fosse muito mais
velho e desvalorizado.
Rob pensou que começar a fazer caratê seria saudável para mim, na medida
em que é tido por aumentar a confiança e moldar o caráter. Eu estava
ansioso para ver que benefício podia tirar dele. A aula foi agradável. Era um
bom exercício e me deu uma sensação revigorante. Havia geralmente mais
seis ou sete alunos, e fiquei particularmente incomodado com um de doze
anos que parecia pensar que era melhor do que eu por estar na faixa
marrom enquanto eu era um novato faixa branca. Aposto que ele pensou
que iria me bater numa briga por causa disso... Aha! Sem chance. Era
irritante, mas me divertia ao mesmo tempo.
Depois da aula de caratê, Rob nos levava para jantar em um bom
restaurante se tivesse tempo. Se Rob estivesse ocupado naquela noite,
James e eu jantávamos em nosso local costumeiro em Palisades, e depois
voltávamos para sua casa conversar mais um pouco.

Começou meu novo semestre na Universidade de Moorpark. Só consegui


me matricular em uma cadeira, mas prometi à minha mãe que cursaria pelo
menos três no próximo semestre. Ambas as minhas avós se ofereceram
para me mandar algum dinheiro para me ajudar com as despesas, e eu
sabiamente guardei cada cheque que recebia delas. Uma das minhas
prioridades era começar a juntar minhas economias em dinheiro caso
minha vida se tornasse muito drástica.
A cadeira que comecei era de ciência política. Imaginei que ganharia algum
conhecimento útil ao ter essa cadeira, embora não gostasse do professor
porque ele tinha a tendência de me chamar aleatoriamente para responder
perguntas no meio da aula. Eu ainda tinha medo de falar na frente da turma,
mesmo que fosse apenas uma frase. Minha ansiedade social sempre tem
feito minha vida muito difícil, e ninguém nunca entendia isso. Odeio como
todo mundo parece não ter nenhuma ansiedade. Eu sou como um aleijado
comparado a eles. Suas vidas devem ser muito mais fáceis. Felizmente, não
havia casais nessa turma, mas eu ainda tinha de vê-los quando caminhava
pelo campus. A única coisa que eu podia fazer era desviar o olhar e fingir
que eles não existiam. Eu ainda chorava dirigindo para casa todo dia.

A vó Jinx veio visitar os Estados Unidos em outubro, ficando na casa do pai.


Isso ocasionou uma situação difícil. Ela com certeza queria me ver, seu neto
mais velho, mas eu não estava mais falando com meu pai e Soumaya. Eu
estava muito ressentido com meu pai pela maneira com que ele havia me
tratado durante o último incidente, e eu nunca o perdoarei por isso. Meu
pai praticamente me abandonou em um dos momentos mais cruciais de
minha vida. Embora, para falar a verdade, ele nunca esteve realmente
presente em minha vida para poder me abandonar. Quando reflito nisso,
ele sempre esteve ausente de minha vida. Quando todo o meu mundo
entrou num redemoinho na escuridão depois que atingi a puberdade, ele
nunca fez nenhum esforço para me ajudar. Ele simplesmente não ligava.
Eu nunca deixaria o que aconteceu comigo acontecer com um filho meu, se
eu tivesse um filho... mas do jeito que as coisas são, eu nunca terei a chance
de ter um filho, porque as garotas não querem fazer sexo comigo. Eu seria
um pai muito melhor do que meu pai.
A vó Jinx fez com que nos reconciliássemos. Ela insistiu que eu fosse para a
casa do pai encontrá-la, e então nós três sairíamos para almoçar em algum
lugar. Eu apareci e dei um abraço em minha vó. O pai não disse uma palavra
para mim, nem eu para ele.
Fomos ao restaurante japonês local. O pai sentou em silêncio enquanto a
vó Jinx fez várias perguntas sobre minha vida. Casualmente, chegamos ao
assunto que pairava no ar. Se não fosse por minha vó, a conversa não teria
chegado a lugar nenhum. O pai e eu trocávamos acusações. Vó Jinx nos
persuadiu a esquecer nossos rancores e seguir em frente. Por causa dela,
nós aquiescemos. Apertei a mão do pai enquanto concordamos em deixar
o passado para trás.
Saímos para uma caminhada com a vó Jinx depois de retornarmos para a
casa do pai. Levei-a ao meu antigo ponto de contemplação no topo da
montanha que dá para o bairro do pai, aquela que sempre chamei de
Overlook. Esse lugar é um dos mais especiais da minha vida. Tenho
lembranças que remontam à quando eu era uma criança de dez anos feliz.
Lembro-me de subir até lá para descer de skate todo o caminho de volta;
eu ia lá de bicicleta nos meus anos no secundário; eu escalava lá com Max
quando ele estava parando na casa do pai como um estudante de
intercâmbio; eu passava por lá deprimido quando saía para minhas
caminhadas solitárias com meus dezessete e dezoito anos; e agora eu
estava mostrando para minha vó. Quando nós dois alcançamos o topo,
todas as memórias foram revividas, e tive um sentimento agridoce de
nostalgia.
Depois do passeio eu não queria entrar na casa do pai. Soumaya estava lá
dentro, e eu não a tinha visto desde o dia fatídico em que ela me expulsou
da casa do meu pai. Mais uma vez, minha vó forçou o encontro, e eu
concordei em entrar para uma conversa. Todos nós sentamos na mesa da
cozinha e concordamos que discutir não nos levaria a lugar nenhum. Meu
pai e Soumaya estavam dispostos a começar de novo, e eu concordei em
dar outra chance à nossa relação. Antes de minha vó partir de volta para a
Inglaterra, ela nos fez prometer a manter as relações positivas, e certificou-
se que eles me convidariam para jantar frequentemente.

Com pouco tempo fui a um desses jantares na casa do pai. Foi uma
experiência estranha, ter um jantar com os dois depois de toda aquela
tensão. Não tocamos naqueles assuntos e falamos sobre coisas agradáveis.
Era bom ver meu irmão Jazz de novo. Fiquei chocado em como ele tinha
crescido nos últimos meses. Ele não era mais um bebê, mas um menino de
cinco anos quase a completar seis. Eu já podia ter longas conversas com ele.
Ele era um menino bastante sociável, e também muito agitado... e isso
começou a me preocupar. Logo ele poderia se tornar em uma daquelas
pessoas que eu desprezava e odiava tanto. Senti um pouco de inveja que
meu irmão de cinco anos era tão bem versado no trato social com essa
pouca idade. Eu sempre sofri com timidez e ansiedade social, mas Jazz não
parecia ter esse problema.
Tratei de esquecer essa preocupação. Ele era meu irmão, e realmente se
parecia comigo. Ele era uma das poucas pessoas que me tratavam da
maneira que eu queria ser tratado, com respeito e adoração. Gostava de
passar meu tempo com ele.
Conforme eu ficava mais acostumado a dirigir meu próprio carro,
frequentemente saía para o que eu chamava de “passeios noturnos” pela
vizinhança de minha mãe. Eles quase substituíram as longas caminhadas
que eu costumava fazer de tarde. Ficar dentro do meu quarto apenas
aumentava minha depressão. Era sufocante. Para amenizar esse sufoco,
frequentemente eu ia para meu carro de noite, ligava o rádio, e saía
dirigindo sem nenhum destino específico. A música “Two Is Better Than
One” sempre tocava no rádio quando saía para meus passeios noturnos. Ela
me fazia sentir muito triste, embora fosse tranquilizante ao mesmo tempo.
Essa música sempre me fará lembrar da solidão que sentia nesses passeios.
Logo aprendi pelo modo mais difícil a não sair para esses passeios noturnos
nas sextas e sábados. Era quando os adolescentes estavam na rua e
circulando. Mesmo no bairro residencial e pacífico em que minha mãe
morava, com frequência eu via bandos de adolescentes vagando pelas ruas.
Eles eram do ensino médio, mais novos do que eu; a maioria skatistas
marginais ou jogadores de futebol americano com suas bonitas namoradas
ao lado. A visão deles me enfurecia sem tamanho. Fazia-me lembrar da vida
que eu estava perdendo. Provavelmente eles estivessem indo para uma
festa na piscina, onde ficariam bêbados e transariam e fariam todas as
coisas divertidas que eu nunca tinha a chance de fazer. Que se danem
todos!

Meu semestre de outono na Universidade Moorpark passou como um


relâmpago. Era como se ele nem tivesse existido em minha vida.
Supostamente a Universidade Moorpark era para ser um lugar de
esperança para mim, mas se tornou num lugar de desespero, exatamente
como todo o mais. Eu era invisível lá. Ninguém sabia que eu existia ou se
importava com quem eu era. Pelo menos dessa vez eu concluí uma cadeira.
O dia de meu exame final foi em 7 de dezembro, que também foi o dia de
lançamento da nova expansão de World of Warcraft, chamada Cataclysm.
Passei no exame final com facilidade, e assim completei minha primeira
cadeira na universidade, recebendo a menção B. Logo depois corri para a
Best Buy para comprar o novo jogo. Com as novas expansões de WoW,
alguns daqueles velhos sentimentos que senti quando pela primeira vez
joguei voltaram, e eu queria sentir aquilo de novo. Era reconfortante, e a
sensação de conforto era algo que eu precisava para me aliviar. Eu também
sabia que ia superar James, Steve, e Mark subindo para o próximo nível de
capitão. Imaginei que isso proporcionaria uma pequena satisfação
competitiva. Evoluir um personagem para o maior nível o mais rápido
possível era a única parte do jogo que eu era realmente bom, mas acho que
isso se dava devido à massiva quantidade de tempo livre que tinha à minha
disposição. Uma vez que minha aula na faculdade terminou e era férias de
inverno, eu podia jogar literalmente a cada minuto que estivesse acordado.
E assim eu fazia. Minha última passagem pelo World of Warcraft foi intensa.
Atingi o novo nível de capitão em menos de dois dias, e assim que cheguei
nele repetidamente tinha prazer em matar os personagens de James, Steve,
e Mark, antes que eles subissem para o próximo nível, como uma tacanha
forma de vingança por eles terem me deixado fora de seu grupo de jogo
anos atrás, e porque tinha inveja de que Steve e Mark eram mais
habilidosos no jogo do que eu. Ter um nível mais elevado por aqueles
poucos dias me deu a vantagem que eu precisava para igualar o placar. Mas
eu divago.
Depois de duas semanas ininterruptas de World of Warcraft, mais uma vez
tomei a decisão abrupta de parar de jogar. A nova expansão foi uma grande
desilusão. A Blizzard Entertainment, os criadores do jogo, fez mudanças que
eu acredito terem arruinado tudo o que era divertido nele. Não quero
entrar em detalhes, na medida em que a maioria dos leitores não entenderá
os complicados termos de videogame de todo modo.
No entanto isso representava apenas uma pequena parte do motivo que
me fez parar de jogar. O principal motivo era o preocupante crescimento
de jogadores. O jogo ficou maior com cada nova expansão que foi lançada,
e ficando maior, trouxe um vasto número de novos jogadores. Eu notei que
mais e mais pessoas “normais” que tinham vidas sociais ativas e prazerosas
estavam começando a jogar, já que as novas mudanças atendiam a essa
multidão. World of Warcraft não era mais um santuário onde eu podia me
esconder das maldades do mundo, porque as maldades do mundo agora
tinham me seguido para dentro do mundo virtual. Eu via pessoas
bravateando online sobre suas experiências sexuais com meninas... e
usavam o termo “virgem” como um insulto para aqueles que estavam mais
imersos dentro do jogo do que elas. O insulto machucava, porque era
verdade. Nós virgens temos a tendência de ficarmos mais imersos nessas
coisas, porque nossas vidas reais são insuficientes. Eu não conseguia ficar
jogando WoW sabendo que meus inimigos, as pessoas que eu odiava e
invejava tanto por terem vidas sexuais ativas, estavam agora jogando o
mesmo jogo que eu. Não havia mais solução. Percebi que terrível erro eu
tinha feito em voltar minhas costas para o mundo mais uma vez. O mundo
era brutal, e eu precisava lutar para encontrar um lugar ao sol. Minha vida
estava em um ponto crucial de mudança, e eu não podia mais perder o meu
tempo precioso.

Na festa de Natal na casa dos Lemelsons, contei a James que estava


largando WoW de novo, e ele disse que suspeitava que eu voltaria muito
em breve. Era apenas uma questão de tempo. Mesmo jogando comigo pela
internet, ele podia detectar minha raiva e ódio do mundo extravasando
pela tela do computador. Eu o questionei sobre como ele podia continuar
vivendo sem sentir qualquer tipo de raiva ou ressentimento por sua
condição, que era semelhante à minha. Ele era, afinal, um virgem de
dezenove anos assim como eu. Ele me disse casualmente que não se
importava com isso, e focava em seus pontos positivos. Que pontos
positivos eu tenho para me focar? Eu me perguntei. O mundo me via como
um fraco. Talvez eu devesse provar ao mundo o contrário.

No dia de Natal o pai deu uma grande festa em sua casa. Eu fui convidado,
já que tinha voltado a falar com eles. Ganhei algumas camisetas novas para
o Natal, então decidi usar uma para a ocasião. Eu não tinha visto nenhum
dos amigos do pai por um bom tempo, e era agradável de se reunir com
eles novamente. Os Bubenheims não estavam lá; o pai tinha recentemente
brigado com Alex, terminando abruptamente com sua amizade. Acredito
que assim era melhor. Se Leo estivesse na festa, eu provavelmente teria
entrado numa luta violenta com ele. Meu ódio de Leo era tão grande que
eu desejava me bater contra ele. Queria feri-lo. Não poderia deixar ele se
safar depois dos insultos que ele dirigiu a mim no passado.
Alguns amigos da família felicitaram a minha presença, e isso me fez sentir
um pouco melhor comigo mesmo. É algo peculiar como um simples sorriso
ou um aperto de mão podia mudar completamente como eu me sentia em
relação ao mundo por alguns momentos.

Durante os últimos dias de 2010, juntei-me à minha mãe e minha irmã na


casa de praia de Jack em Malibu para passar algumas noites. Elas chegaram
algumas horas antes de mim, e quando cheguei na casa elas já haviam
convidado alguns amigos para uma tarde de confraternização. Para meu
ultraje, vi que a mãe tinha convidado Maddy e seu namorado. Eu estava
imaginando em ter um descanso na bonita mansão em Malibu onde
poderia me entregar à opulência e esquecer de minha deprimente solidão.
Ter um jovem casal dando voltas por ali apenas me fazia lembrar da minha
insignificância. Fiquei extremamente chateado por minha mãe tê-los
convidado. Ela deveria ter mais consideração.
Se apenas eu tivesse uma namorada para levar junto. A casa na praia era
um lugar perfeito para levar uma namorada. Tinha uma piscina e uma
Jacuzzi, ficava numa praia privada onde podíamos caminhar de mãos dadas,
e tinha até uma sala de cinema particular. Que oportunidade perdida, tudo
porque nenhuma menina me daria uma chance. Em vez disso, eu ficava
sozinho, e ainda tinha que ver outro casal assistindo filmes juntos bem
nessa sala de cinema.
Felizmente, o casal permaneceu por apenas algumas horas. A mãe convidou
mais alguns amigos, e encomendamos nosso jantar de um restaurante
local. Quando o jantar foi trazido, eu já havia ingerido três taças de vinho, e
bebi mais uma durante o jantar. Tudo fica melhor com um pouco de vinho
na barriga, como diria um notável personagem de A Guerra dos Tronos. Eu
era deixado de fora da maioria das conversas, como sempre, então apenas
sentava na mesa silenciosamente, bebericando meu vinho enquanto ouvia
Maddy falar alguma coisa incrível de como sua vida era.
Pedi licença assim que terminei de comer, e cara, eu me empanturrei no
jantar. Então saí para um passeio na praia. O vinho há muito tinha subido à
minha cabeça, fazendo-me experimentar uma sensação de vertigem
revigorante. Comecei a caminhar pela enseada, contemplando a
grandiosidade do brando oceano banhado pelo luar. Era tão... romântico.
Continuei caminhando e caminhando sem nenhum destino em mente. O
romantismo de tudo isso me encheu de desespero e anseio. Eu queria uma
namorada para vivenciar aquele momento comigo, mas nenhuma menina
queria ser minha namorada. Tudo o que eu podia era imaginar como seria
maravilhoso ter uma menina ao meu lado. É uma espécie de tragédia
vergonhosa.
Acabei caminhando por duas horas, e no fim estava chorando sozinho por
me sentir muito triste. Quando voltei para a casa, Maddy e seu namorado
tinham ido embora, assim como a maioria dos convidados. Os únicos
convidados que permaneceram foram os amigos de minha mãe Alan e
Rebecca, e seus filhos, como eles estavam passando as noites lá conosco.
Passei o restante do tempo relaxando e assistindo filmes na sala de cinema.
Assistimos toda trilogia de Jurassic Park, o que me trouxe aprazíveis
lembranças da minha infância. Fui para mais alguns passeios na praia no dia
seguinte. A praia estava sempre calma e pacífica, uma vez que as únicas
pessoas que a visitavam eram aquelas que moravam nas casas da praia. Eu
tirava total vantagem disso. Sempre achei as praias verdadeiramente
encantadoras, mas nunca podia ir para as praias abertas porque estavam
cheias de jovens casais caminhando com seus trajes de banho reveladores,
uma visão que me enchia de raiva invejosa. Numa praia privada, eu podia
aproveitar a serenidade do ambiente sem ter que me preocupar com jovens
casais provocando minha inveja. Lá não havia jovens casais, apenas poucas
famílias e alguns casais idosos aqui e ali. Eu, no entanto, passei por uma
jovem, e ela era como uma deusa vinda do céu. Ela estava caminhando
sozinha, em seu traje de banho, com seus luminosos cabelos loiros se
espalhando ao vento. Eu não pude deixar de admirar lascivamente sua
beleza quando passamos um pelo outro. Fiquei com medo. Fiquei com
medo de que ela me visse como nada menos do que um inseto cuja
presença arruinaria a sua passagem. Sua beleza era intoxicante! E então,
bem quando passamos um ao lado do outro, ela olhou para mim. Ela olhou
para mim e sorriu. A maioria das meninas nem sequer se dignava a olhar
para mim, mas aquela havia olhado e ainda sorrido. Eu nunca me senti tão
eufórico em minha vida. Um sorriso. Um sorriso foi o suficiente para
iluminar todo o meu dia. O poder das meninas bonitas é inacreditável. Elas
são capazes de girar todo o mundo de um rapaz desesperado apenas com
um sorriso.
Esse sorriso me deixou de bom humor pelo resto do passeio, mas logo
desapareceu quando me dei conta de que nunca teria uma menina tão
bonita quanto aquela na realidade. Provavelmente ela só sorriu por
educação. Ela nunca ficaria comigo. E qual é o sentido da vida se eu não
posso ter uma menina de tamanha beleza? Alguns homens conseguem ter
meninas como essas, e outros não. Eu pertenço à classe daqueles a quem
esse prazer foi negado, e é por isso que eu odeio a vida.
Depois de passar três dias na casa na praia em Malibu, fiquei triste em
deixá-la. Eu tinha uma premonição de que nunca mais veria o lugar de novo,
e estava certo. Essa era a última vez que fui para lá. A mãe terminou seu
relacionamento com Jack em algum momento nos meses seguintes,
embora nunca tenha me contado nada sobre isso diretamente.

Passei a virada do Ano Novo sozinho e miserável, como no ano anterior. E


como no ano retrasado, por falar nisso. Foi o último ano em que mantive
minha conta de WoW ativa, e loguei no jogo apenas para essa ocasião. Eu
raivosamente entrava em discussões com qualquer pessoa online que
estivesse garganteando sobre suas namoradas. Despejava toda minha raiva
em cima deles, mas eles apenas se divertiam com isso. Foi uma experiência
muito irritante e fiquei feliz por ter cancelado minha conta de WoW. Não
havia mais nenhum lugar onde eu pudesse me esconder. O tempo estava
correndo, e um novo ano estava apenas começando. Cheguei à conclusão
de que eu tinha que me esforçar mais em fazer melhor uso de meu tempo.
Fiz um voto no dia do Ano Novo de que não me masturbaria até que fizesse
alguma coisa para dar satisfatoriamente um passo em frente na minha vida.
Como tinha vontade sexual, costumava me masturbar dia sim e dia não. Eu
sempre fantasiava em fazer sexo... e o fato de que era incapaz de fazer sexo
me fazia ainda mais obcecado por isso. Parar de me masturbar por mais de
três dias foi uma grande coisa. Eu aguentei por uma semana. No sétimo dia
minha urgência sexual se tornou muito opressiva. Todo meu corpo estava
envolvido com isso. Eu pensava em garotas a cada segundo, e não ter uma
garota para fazer sexo era insuportável. Eu não conseguia funcionar direito,
então tive que quebrar meu compromisso. A série de masturbação que
desencadeei depois do sétimo dia na seca foi surpreendente. Tive minha
fantasia corriqueira de fazer sexo com uma garota loira bonita e alta; mas
dessa vez ela foi intensificada a um outro nível, e inventei toda uma história
em minha mente apenas para tornar a experiência mais real. Se apenas
pudesse ser real. Alguns homens conseguem viver essa fantasia, enquanto
eu apenas sonho com ela. A vida não é justa.

Terminei de ler o quarto livro da série As Crônicas de Gelo e Fogo. A


adaptação para a televisão de Guerra dos Tronos estava para sair em
poucos meses, e eu estava realmente ansioso por isso. Também estava
ansioso para ler o quinto livro da série, o qual tinha data de lançamento
para 12 de julho. Depois de terminar os quatro livros me tornei um grande
fã da série. Ela retratava um mundo muito mais excitante daquele em que
eu vivia, com uma vasta gama de personagens complexos, alguns dos quais
eu realmente conseguia me identificar.
Enquanto estava lendo sobre o lançamento do quinto livro encontrei na
internet uma contagem regressiva que mostrava cada dia, hora, minuto, e
segundo que faltavam até 12 de julho. Uma vez que essa data era muito
próxima de meu vigésimo aniversário, usava essa contagem regressiva
como a contagem regressiva oficial para meus últimos dias de adolescente.
Fiz dela a minha página inicial da internet, e esperei que ela me motivasse
a fazer tudo o que era preciso para mudar minha vida nesse período crucial.
Desde que tinha caído nas graças do pai novamente, minha mãe concordou
em se encontrar com ele para conversarem sobre minha situação de vida.
Fomos jantar num restaurante japonês, onde tivemos uma longa conversa
sobre o que eu estava fazendo na vida, e quais eram meus planos na
universidade. Minha mãe e meu pai concordaram que, para mudar minha
vida, eu precisava sair do meu ambiente atual para um novo. Morar no
apartamento de minha mãe estava se tornando pouco salutar, e eles
acharam que as coisas melhorariam se eu tivesse meu próprio espaço. Foi
nesse momento que começamos a formar o plano de Santa Bárbara, o qual
previa que eu fosse para a Universidade de Santa Bárbara e morasse com
os estudantes de lá.
O plano de Santa Bárbara foi formado naquela noite, mas suas raízes
remontam à quando completei dezoito anos. Foi tudo porque assisti ao
filme Alpha Dog. O filme causou um efeito profundo em mim, porque ele
mostrava muitos jovens bem aparentados desfrutando de vidas sexuais
ativas. Pensei sobre isso vários meses depois de assistir ao filme, e lia
constantemente sobre a trama na internet. Descobri que ele se passou em
Santa Bárbara, o que induziu a que eu pesquisasse sobre a Universidade de
Santa Bárbara. Descobri mais sobre Isla Vista, a pequena cidade adjacente
à UCSB onde todos os estudantes universitários moravam e faziam festas.
Quando descobri tudo isso, tive a desesperada esperança de que se eu me
mudasse para aquela cidade eu seria capaz de viver aquela vida também.
Aquela era a vida que eu queria. Uma vida de prazer e sexo. Falei à minha
mãe sobre a perspectiva de ir para a Universidade de Santa Bárbara por
alguns minutos quando eu tinha dezoito anos. Ela achou que era uma boa
ideia; isso certamente a livraria do fardo de viver comigo, mas nunca
consideramos seriamente a questão. Até esse dia.
Minha mãe propôs o plano ao pai, e o pai ficou bastante entusiasmado com
a ideia. Ele estabeleceu os meios bem ali naquela hora. O pai ainda estava
sofrendo com sua crise financeira, mas concordou em pagar minha
mensalidade e contribuir com um auxílio de quinhentos dólares por mês
para meus gastos pessoais, enquanto minha mãe pagaria o aluguel do
apartamento e continuaria a me emprestar o carro. Eu era para fazer ainda
mais um semestre na Moorpark por enquanto, e depois se mudaria para a
cidade universitária de Santa Bárbara no verão.
Essa foi uma reviravolta muito surpreendente dos eventos. Eu não esperava
isso, e não tinha ideia de como reagiria. Fiquei completamente estupefato.
Pensei que seria apenas ir para um jantar casual onde simplesmente
falaríamos sobre minha vida, e terminou com planos que mudariam
drasticamente minha vida.
Nesse período de minha vida eu estava a ponto de desistir de todas as
esperanças de viver a vida que eu queria, mas isso mudou tudo. Agora eu
tinha a oportunidade de começar de novo, numa bonita cidade, numa nova
universidade, com meu próprio lugar para morar. É claro, eu teria de dividir
um apartamento com outros estudantes universitários, mas isso fazia parte
da experiência. Isso me daria maior credibilidade social do que morar com
minha mãe, com certeza. Lá no fundo, eu sempre quis uma oportunidade
como essa; e agora eu tinha, bem no momento em que pensava em desistir
de tudo. Era muito maçante, e precisei de alguns dias para refletir e
absorver tudo aquilo.
Era uma reviravolta tão inacreditável que a afastei do pensamento pelos
dois meses seguintes. Ainda faltavam cinco meses antes de eu começar a
faculdade em Santa Bárbara, então decidi não me preocupar com isso por
enquanto. No momento, tinha que me preocupar com meu novo semestre
em Moorpark que estava apenas começando.

Fui matriculado para fazer três cadeiras no semestre de primavera em


Moorpark. A primeira era uma cadeira de história pela manhã, seguido de
sociologia e psicologia. Todas elas foram simplesmente tão desastrosas
quanto eu previa que fossem. Tive de largar a cadeira de sociologia logo no
primeiro dia, porque havia uma menina loira extremamente gostosa que
fazia a aula com seu namorado brutamontes. Eu não aguentava olhar para
eles sentados juntos. Deixei a sala no meio da aula porque não conseguia
mais ficar nela.
Abandonar a cadeira de sociologia me deixou com um enorme intervalo de
tempo entre minhas aulas de história e psicologia. Nesse lapso eu
geralmente ia para um lugar quieto e recluso que tinha algumas mesas com
vista para as montanhas. Passava muito tempo lá, escrevendo em meu
diário e divagando sobre meu lugar no mundo.
Minhas duas outras cadeiras não eram muito melhores. Em minha aula de
história, eu tive uma afeição por uma menina bem bonita, apenas para
descobrir depois que ela já tinha namorado, e na aula de psicologia havia
um grupo de jovens populares que agiam como retardados mentais a todo
segundo. Uma menina loira desse grupo era muito bonita, e ela realmente
parecia gostar de estar associada a esses retardados. Que injustiça! Eu
odiava a todos. Cada um deles me tratava como se eu fosse invisível.
Ninguém chegava até mim, ninguém sabia que eu existia. Eu era como um
fantasma. Era uma agonia, mas eu não podia abandonar todas as cadeiras...
já me sentia culpado por ter abandonado uma, e tinha receio de que meus
pais descobririam de algum jeito. Eu faltava bastante as aulas, apenas indo
para trabalhos importantes e provas, e passava muito tempo em minha
habitual área escondida da universidade.
Como eu passava bastante tempo divagando, percebi que minha vida
estava se repetindo dentro de um círculo vicioso de tormento e injustiça.
Cada novo semestre da faculdade rendia a mesma vida celibatária,
destituída de garotas e interações sociais. Era como se existisse uma
maldição de infortúnio sobre mim. Eu me perguntava qual era o sentido de
tentar uma vida nova em Santa Bárbara. Eu não havia projetado o mesmo
em Moorpark? Eu pensei, com um arrepio de pavor correndo pela espinha,
em como seria horrível se a mesma coisa acabasse acontecendo depois que
eu fizesse a grande mudança para Santa Bárbara. Eu nem queria imaginar
quão épica seria a derrota. Sabiamente eu mandava para longe todos esses
pensamentos, e focava com intensa determinação em como poderia mudar
minha vida bem naquele momento.

Meu pai me deu um livro chamado O Segredo depois que eu jantei em sua
casa em fevereiro. Ele disse que ele iria me ajudar a desenvolver uma
atitude positiva. O livro explicava os fundamentos de um conceito
conhecido como a Lei da Atração. Eu nunca tinha ouvido ou lido sobre uma
coisa dessas antes, e fiquei intrigado. A teoria afirmava que os pensamentos
de uma pessoa estão conectados a uma força universal que pode moldar a
realidade no futuro. Sendo alguém que sempre gostei de fantasia e magia,
e que sempre desejei que tais coisas fossem reais, fui tomado por uma onda
temporária de entusiasmo com esse livro. A perspectiva de que eu poderia
modificar meu futuro apenas visualizando em minha mente a vida que
queria me encheu com uma onda de esperança de que a minha vida podia
ser feliz. A ideia era ridícula, é claro, mas o mundo já é um lugar tão ridículo
que não custava tentar. Além do mais, estava tão desesperado por algo
para viver que eu queria acreditar na Lei da Atração, mesmo que ela se
provasse para mim como irreal.
Assim que terminei de ler, dirigi até Point Dume, em Malibu, e escalei os
penhascos até ver o precipício. Era um dia ventoso, e abaixo de mim o
oceano se agitava. Quando a noite caiu, olhei para as estrelas e proclamei
ao universo tudo o que eu queria em minha vida. Proclamei como eu queria
ser milionário, para então ter uma vida luxuosa e finalmente conseguir
atrair as garotas que tanto desejava. Eu queria compensar os anos de
juventude perdida na solidão sombria, e com isso, me vingar de todos
aqueles que se achavam melhores do que eu, tornando-me melhor do que
eles simplesmente por meio do acúmulo de riquezas. Eu acreditava que a
única maneira de conseguir essa riqueza naquela época era ganhando na
loteria, e era isso que eu me visualizava fazendo.
Em seguida, desci o penhasco em Point Dume e caminhei ao longo do
oceano de Malibu, assim como fizera alguns meses antes na casa de praia.
Vi um casal caminhando à minha frente pelo litoral; o homem parecia ter
quando menos vinte e quando muito trinta anos, e a menina que estava
caminhando ao seu lado parecia uma modelo. Presumi que ele fosse muito
rico e possuísse uma bela casa em Malibu. Os dois estavam andando de
mãos dadas, e vi ele subitamente colocar a mão na bunda dela bem naquela
hora. Ele estava vivendo a vida. Ele estava no paraíso. Eu estava com
ciúmes, mas considerando que aquele homem era mais velho do que eu,
isso também me deu um sopro de esperança, especialmente depois de
minha proclamação ao universo no penhasco. Se me tornasse um
multimilionário, eu também poderia andar na praia com uma namorada
bonita, e minha vida então seria completa. Era isso o que eu queria. Era isso
o que eu desejava para meu futuro. Como sempre acreditei, eu sou
destinado para a grandeza. Tornar-me um multimilionário com pouca idade
era o que eu merecia.

Minha fé logo foi quebrada, pois comprei alguns bilhetes da loteria Mega-
Millions e me imaginei sendo o vencedor. Eu normalmente fazia isso
meditando no telhado do apartamento da minha mãe bem na hora do
sorteio. Uma parte de mim sabia que era impossível querer que o universo
me fizesse o ganhador apenas desejando isso em um telhado, mas eu
estava tão desesperado que queria acreditar que podia. Eu queria acreditar
que tinha o PODER para fazer isso. Depois de não conseguir ganhar porque
o prêmio acumulado foi para outra pessoa qualquer, perdi toda a fé nesse
livro, e quase rasguei ele no meio por causa da frustração.
Ponderei se havia outra maneira de fazer milhões de dólares na minha
idade, mas nenhuma ideia me ocorreu. Percebi que minha vida miserável e
solitária de virgem continuaria, e minha última esperança era dar uma
chance para Santa Bárbara.
Ainda estava fazendo aulas de caratê com James e Rob Lemelson toda
semana. A maioria das vezes Rob não podia ir porque estava ocupado com
alguma coisa, então era praticamente apenas eu e James indo juntos. Era
uma tradição aprazível na sexta-feira à noite que já durava muitos meses, e
eu aproveitava a chance que ela me dava de sair com James e ter alguma
forma de interação social. Ultimamente, no entanto, as coisas estavam
começando a ficar tensas.
Eu ficava constantemente irritado por não estar melhorando meus
movimentos de caratê na aula, e aquele garotinho ainda me tratava com
desrespeito porque eu ainda era faixa branca e ele era faixa marrom. Eu
também ficava frustrado que James era muito mais forte do que eu
fisicamente, e muito mais habilidoso no caratê. Durante as sessões de
sparring, às vezes a profunda raiva acumulada dentro de mim por uma vida
de injustiças vinha à tona, e eu usava essa raiva para me dar vantagem
quando lutava contra James e outros alunos. O professor de caratê não
gostava disso, e eu era criticado. Descobri que a raiva me deixava eufórico
quando a utilizava para lutar e a aproveitava de uma forma agridoce.
Depois de nossa aula de caratê, quando eu e James íamos jantar em um
restaurante em Palisades, por vezes eu ficava com muita raiva quando via
um grupo de adolescentes, ou um casal adolescente. Constantemente eu
falava a James com raiva veemente sobre minha inveja e ódio dessas
pessoas. Eu lhe contava em como desejava fazer todas elas sofrerem.
Tínhamos várias conversas sobre o que faríamos se tivéssemos todo o
poder do mundo, e eu lhe contava sobre todos os tormentosos atos de
vingança que eu aplicaria contra todos aqueles que me insultaram ou que
tinham uma vida melhor do que a minha. Eu pensei que James fosse
concordar comigo, uma vez que ele também era virgem e não tinha
meninas em sua vida, mas algumas das coisas que disse começaram a lhe
perturbar. Uma noite, ele me disse, e com bastante cansaço, que já bastava.
Ele não queria mais ouvir aquilo. Foi na mesma noite em que decidi sair da
aula de caratê.
Não falei mais com James até que nós dois comparecemos à festa de
aniversário de Rob Lemelson no final da primavera. Foi celebrada em um
restaurante de alto padrão em Los Angeles, e a família dos Lemelsons
alugou uma sala reservada com sete mesas para o evento. A comida era
tremendamente saborosa, e o vinho era requintado. A safra era de 1985, e
provavelmente cada garrafa custasse mais do que mil dólares.
Eu estava sentado perto de James na “mesa dos adolescentes”, e nessa
mesa estava ninguém menos do que Julian Ritz-Barr! Não o via desde o
tempo em que andava com Charlie, John Jo, e Elijah... Isso fora há sete anos.
O idiota nem se lembrava quem eu era. Descobri que seu pai e Rob eram
bons amigos. Quando mencionei ele anteriormente na história, disse sobre
como eu o odiava, e esta foi a noite onde tudo começou. Havia algumas
meninas em nossa mesa, filhas dos amigos de Rob. Uma delas era bonita,
eu acho que era filha de Pietro Scalia, um renomado editor de filmes; ela
tinha olhos muito sexy, e era alta... Sempre tive uma queda por garotas
altas, e essa era quase mais alta do que eu. Tinha de sofrer vendo Julian
falando meloso com todas as meninas. Ele agia de modo tão confiante, e a
maneira que a menina bonita olhava para ele com aqueles olhos sexy... era
um olhar que nenhuma menina jamais lançou para mim. Posso dizer que
ela estava atraída por ele.
Eu ficava mais raivoso a cada segundo que tinha que sofrer esse tormento.
As meninas me tratavam como se eu fosse invisível, mas todas prestavam
atenção em Julian. O que piorava ainda mais a situação era que Julian era
um ano mais novo do que eu, e agia como um boca aberta, e mesmo assim
as meninas gostavam dele! Quanto mais eu ficava com raiva, mais vinho eu
bebia. James provavelmente se preocupou em como eu estava ficando com
raiva, porque tentou introduzir conversas fiadas para me distrair de Julian.
Era difícil aguentar para não me levantar e derramar todo meu vinho sobre
a cabeça estúpida de Julian. Talvez eu teria feito isso... se o bolo de
aniversário não tivesse sido servido tão logo. Todo mundo se levantou para
cantar parabéns para Rob, e então o jantar foi encerrado. Alguns dos
convidados foram embora, assim James e eu nos transferimos para uma
outra mesa. Quando a festa terminou, eu tinha consumido oito taças de
vinho safra 1985. Eu não podia beber, mas ninguém pareceu notar. Saí
literalmente cambaleando do restaurante.

Vi James depois de algumas semanas, e essa seria a última vez que o veria
por bastante tempo. Foi em outro jantar que Rob deu em sua casa em
Palisades, no entanto sem nenhuma razão especial. Dessa vez, outra pessoa
que era alvo de meu ciúme extremo estava lá; seu nome era Roy, um rapaz
da Indonésia que era filho de um empregado da casa de Rob. Ele era quatro
anos mais novo do que eu e James, e tinha prazer em gargantear seu
sucesso com as meninas. James não parecia se importar, para minha
ultrajada surpresa. Eu, por outro lado, mal podia tolerar aquele pequeno
verme.
Durante o jantar, James e eu frequentemente saíamos para ter conversas
sobre nossas fantasias. Sabiamente eu me continha a ser muito extremista
no que dizia, então conseguimos sair com alguns cenários bem
interessantes. Por exemplo, discutimos sobre o que faríamos se
descobríssemos que tínhamos certos poderes mágicos, e isso evoluía para
criarmos nossas próprias histórias da glória que atingiríamos em tal
condição. Eu falava em como usaria meus poderes para ordenar o mundo e
deixar tudo correto, e James tinha ideias similares. Parecia que estávamos
nos acertando muito bem, mas depois dessa noite James se recusaria a falar
comigo por vários meses.

O primeiro episódio da minha série de televisão favorita de todos os


tempos, A Guerra dos Tronos, foi lançado em abril. Assisti-o com profunda
veneração. Sendo fã dos livros, esse era um evento muito aguardado por
mim. Ver todos os personagens que eu conhecia tão bem, na tela da
televisão, foi espetacular. A mostra superou todas as minhas expectativas.
Toda semana eu ficava esperando pelo próximo episódio, e cada episódio
fornecia uma pitada de alegria em minha vida sombria.

Em direção ao fim de meu semestre de primavera em Moorpark, eu estava


tão frustrado com minha condição solitária na universidade que me
recusava até mesmo a dirigir para lá nas últimas semanas. Eu saía de casa
pelas manhãs, fingindo para minha mãe que estava indo para a faculdade,
mas em vez disso ia para a Barnes&Noble e ficava lá até que ela tivesse
saído para trabalhar, quando então eu retornava para casa. Fazia questão
de permanecer na Barnes&Noble por pelo menos duas horas, apenas para
o caso de minha mãe sair mais tarde do que o habitual. É que sempre fui
meticulosamente cuidadoso em tudo o que faço.
No último dia, fui para a aula, rapidamente fiz a última prova, e parti.
Quando minhas aulas chegavam nas provas finais, todos tinham um grupo
para socializar enquanto eu ficava de lado, sobrando. Todo mundo devia
pensar que eu era um completo perdedor. Graças a Deus era o último dia.
As pessoas daquelas turmas me odiavam sem tamanho. Seria a última vez
que eu veria aquela universidade. Enquanto dirigia de volta para casa,
chorei sozinho ouvindo as músicas do rádio, como sempre acontecia. Eu
havia falhado em conquistar a vida que queria em Moorpark.
Eu não tinha mais nada de promissor na vida, a não ser a perspectiva de um
novo começo em Santa Bárbara. Era minha última esperança, e ela parecia
muito sombria. Pelo jeito que as coisas tinham sido em Moorpark, eu temia
que o pior pudesse acontecer em Santa Bárbara, mas tinha que tentar mais
uma vez. Eu estava desesperado para ter a vida que eu sabia que merecia;
uma vida em que eu seria atraente para as meninas, uma vida de sexo e
amor. Outros homens podem ter essa vida... então por que não eu? Eu
mereço! Eu sou magnífico, não importa que o mundo me trate diferente.
Eu sou destinado para coisas maiores.

No final da primavera, tive de atender minha convocação para o serviço do


júri. Recebi a convocação pelo correio alguns meses antes, mas posterguei
até maio porque ficava muito nervoso para lidar com coisas tão triviais
naquela época. O tribunal ficava em Santa Mônica. Quando sentei na sala
de espera antes de minha entrevista com o juiz, vi uma menina bonita que
parecia ter a mesma idade que a minha. Ela tinha um rosto que derreteu
meu coração. O que eu não daria para poder segurá-la em meus braços e
beijar seu rosto lindo... Eu queria falar com ela, mas simplesmente não
conseguia. Eu me sentia muito inseguro. Tinha medo de que ela me achasse
estranho, assim como todas as outras meninas. Para minha fúria, chegou
um outro cara ali dentro e puxou conversa com ela. Eles começaram a falar
tranquilamente, e ele até fez ela rir! Tive de assistir isso tudo, e isso quebrou
meu coração.
Queria sair dali o mais rápido possível. Esperava poder dar uma desculpa
para evitar ter que prestar serviço no júri. Quando fui chamado para minha
entrevista, requeri a dispensa devido ao fato de que estaria me mudando
para Santa Bárbara em breve. Para meu alívio, o juiz me dispensou e me
desejou boa sorte. Quando me dirigia ao estacionamento do tribunal, vi
aquela mesma menina bonita. Ela também devia ter sido dispensada.
Novamente, desejei poder dizer-lhe alguma coisa. Ela seria a namorada
perfeita para mim, mas provavelmente já estivesse atraída por aquele outro
cara que lhe falou nos ouvidos na sala de espera. Que maldito! Senti-me
muito triste voltando para casa. Quando estava passando por Palisades,
parei num parque onde costumava brincar com James quando éramos
crianças. Caminhei em volta por um tempo e sentei no balanço, me
lembrando de tempos mais felizes.

No final de maio minha mãe me deu a desagradável surpresa ao me dizer


que eu tinha que mudar para Santa Bárbara em 4 de junho, o que seria em
apenas poucos dias. Eu não estava preparado para me mudar tão cedo. Eu
pensava que iria para lá próximo ao de fim de junho, logo antes de
começarem as minhas aulas de verão. Eu queria mais tempo para me
preparar mental e emocionalmente para uma mudança drástica dessas. E
era uma mudança muito drástica. Pela primeira vez em minha vida, eu
deixaria de morar na casa de meus pais; e ainda por cima, tinha que me
mudar para um apartamento com outros estudantes universitários. Eu não
fazia ideia do que esperar, e é claro que estava muito nervoso.
Minha mãe e eu encontramos dois condomínios em Isla Vista para os quais
potencialmente eu poderia me mudar. Fui com minha mãe e meu pai para
passar um dia em Santa Bárbara dando uma olhada neles. Primeiro
almoçamos num restaurante na estrada, e enquanto estava ali eu admirei
como Santa Bárbara era uma cidade verdadeiramente bonita. Achei que era
uma mistura de Malibu e Santa Mônica, dependendo em qual região que
se estivesse.
Fiquei espantado quando passamos por Isla Vista. Era uma cidade inteira
habitada por estudantes universitários, bem perto da UCSB, e bem perto da
praia. Eu nunca tinha visto qualquer coisa parecida em minha vida. Quando
li sobre ela na internet eu pensava que era muito bom para ser verdade,
mas lá estava. Era exatamente como eu esperava que fosse. Havia garotas
loiras e bonitas andando por todos os lugares.
Sempre teorizei de que um dos maiores impedimentos para eu ter a vida
que desejava era minha situação de morar no apartamento de minha mãe.
Pensei com meus botões, enquanto explorávamos mais essa cidade
universitária, que se eu morasse lá, não teria como ter problemas para
conseguir uma vida social e perder minha virgindade. Era o ambiente
perfeito para isso. Se eu não conseguisse transar ali, então não havia mais
esperança para mim.
O primeiro condomínio que olhamos era bom, mas ele só tinha quartos
compartilhados, e eu queria meu próprio quarto. O segundo condomínio
era chamado Capri Apartamentos, e ele tinha muitos apartamentos de dois
quartos compartilhados por três estudantes universitários, em que um
ocupava o quarto sozinho, e os outros dois dividiam o outro quarto. Os
quartos para uma pessoa custavam mais, evidentemente, mas não era
muito. Meus pais e eu fomos até um café para conversar sobre isso.
Concordamos que o Capri Apartamentos era a melhor escolha. Minha mãe
voltou ao escritório deles para fazer o contrato de aluguel. O condomínio
Capri era bastante popular, por isso era difícil conseguir uma vaga lá tão
tarde no ano. Eles não tinham nenhum apartamento do semestre de
outono vago até julho, então foi combinado que eu ficaria
temporariamente num apartamento durante o primeiro mês e depois
mudaria para um apartamento fixo em julho, assim que estivesse vago. O
contrato foi assinado e o acordo foi definido. Eu ia me mudar para Santa
Bárbara no dia 4 de junho.
Minha mãe foi muito rígida para que eu me mudasse nessa data específica.
Ela disse que era porque queria que eu fosse para lá e me instalasse antes
do início da faculdade, mas eu sabia o verdadeiro motivo. Ela sempre me
quis fora de sua casa porque odiava ter que lidar comigo. O plano de Santa
Bárbara a libertaria de mim, e ela queria tanto isso que estava disposta a
pagar 900 dólares por mês pelo aluguel do meu apartamento. Basicamente,
ela estava pagando para se livrar de mim. Percebi que, uma vez que me
mudasse, não havia como voltar atrás. Isso estabeleceria um precedente e
o limite seria ultrapassado. Minha mãe nunca mais me receberia de volta
para morar com ela permanentemente.

Nos últimos dias no apartamento da mãe, passei bastante tempo refletindo


em como faria para lidar com essa grande mudança. Eu devia me preparar
o máximo possível, então voltei-me para meu íntimo e fiz uma autoanálise
detalhista. Essa mudança para Santa Bárbara era a única chance que eu
tinha para obter a vida que desejava. Eu tinha que dar o melhor de mim
para isso dar certo, jurando para mim mesmo que dessa vez eu não falharia.
Fiz musculação por várias horas para elevar minha autoconfiança ao
máximo, e fui ao shopping comprar roupas. No último Natal eu havia ganho
uns cartões de vale-presente das lojas Macy, e gastei-os todos em algumas
camisetas que eu pensava que ficaria bonito, assim como tênis novos.
Depois de fazer tudo que podia para elevar minha autoconfiança e
aparentar melhor, eu estava pronto.

E assim acabou mais uma era de minha trágica e extraordinária vida. Eu


denominei essa era de “Com e Sem Esperança”, na qual eu passei e definhei
em desespero solitário enquanto morava no apartamento de minha mãe e
atendia a duas universidades. Por várias vezes, acontecia algo que me dava
uma nova esperança na vida, apenas para ser aniquilada mais tarde. Minha
vida estava se movendo nesse mesmo padrão há muito tempo, e eu estava
farto disso. Enquanto sofria uma existência solitária, outros jovens da
minha idade viviam suas vidas felizes de prazer e sexo. Nunca perdoarei
tamanha injustiça, e era minha tentativa recobrar isso no futuro. Eu tinha
que recompensar todos os anos que perdi na solidão e no isolamento,
mesmo que não tivesse sido culpa minha! É culpa da sociedade por me
rejeitar. É culpa das meninas por se recusarem a fazer sexo comigo.
A mudança para Santa Bárbara é fim de jogo, o clímax final de tudo. Eu via
isso como uma nova chance que me foi dada para finalmente ter as coisas
que queria na vida: amor, sexo, amigos, diversão, aceitação, um sentimento
de pertencimento. Mas eu jamais poderia perdoar o mundo por negar essas
coisas de mim no passado. Estava prestes a completar vinte anos. Eu já
tinha perdido muitos anos da minha vida. Eu merecia mais do que isso. Eu
sou um cavalheiro inteligente, e mereço o amor das meninas mais do que
esses retardados mentais da minha idade, e ainda assim eles conseguem as
meninas e eu não. Esse é um crime que jamais será esquecido, nem
perdoado. Eu sempre quis exigir minha vingança da humanidade por me
forçar a viver uma vida dessas, mas também sempre tive a esperança de
que, se pudesse fazer coisas na vida para compensar todo o meu
sofrimento, isso por si só seria uma forma de vingança pacífica.
Na verdade, a mudança para Santa Bárbara era uma chance que eu estava
dando ao mundo, e não o contrário! Eu estava dando ao mundo uma última
chance para me dar a vida que eu sei que tenho direito, a vida que outros
rapazes conseguem ter com facilidade. Se de novo eu tivesse que sofrer a
mesma rejeição e injustiça mesmo depois de me mudar para Santa Bárbara,
então seria a gota d’água. Eu terei minha vingança.

PARTE SEIS
Santa Bárbara: Fim de Jogo (Idade 19 a 22 anos)
Num sábado, 4 de junho de 2011, eu carreguei os meus pertences mais
importantes para dentro do meu carro, me despedi da minha mãe, e saí
dirigindo para encarar meu destino na bela cidade litorânea de Santa
Bárbara. Estava chovendo quando cheguei nas proximidades, e tive uma
sensação de mau agouro ao entrar em Isla Vista, meu novo lar. Meu pai
estava me esperando do lado de fora do prédio; ele tinha vindo para me
ajudar com a mudança.
Caminhamos até o escritório de locação onde nos deram meu novo molho
de chaves, e então um dos funcionários me levou até o apartamento em
que eu ficaria por um mês. Fui apresentado a dois novos colegas de
apartamento que ficariam ali por apenas mais uma semana. Um deles se
chamava Artem, um estudante russo quieto que foi para a UCSB; e o outro,
cujo nome eu não me lembro, era um cara alto loiro, estilo surfista, que foi
para a SBCC. Fiquei incomodado em como ele era alto e bem aparentado,
embora não demonstrasse esse incômodo.
Depois de descarregar todas as minhas trouxas, o pai e eu fomos para um
rápido almoço antes de me despedir dele. E foi assim. Pela primeira vez em
minha vida, eu estava vivendo de forma independente, a quilômetros de
distância de meus pais, em uma nova cidade. Senti uma súbita ansiedade,
medo e tremores; mas também senti uma esperança de que minha vida
poderia mudar para melhor. Troquei algumas conversas com meus colegas
de apartamento, e eles pareceram bastante legais. Era difícil de acreditar
que eu estava morando num apartamento com dois estudantes
universitários que nem conhecia até aquele dia, especialmente para alguém
como eu, que sempre tinha tido uma interação social mínima com outras
pessoas jovens. Isso parecia tão estranho e peculiar. Eu estava incerto do
que esperar, e a ansiedade que sentia dessa incerteza era esmagadora, mas
sabia que tinha que encarar. Sabia que era a maior mudança de minha vida.
Minha vida estava finalmente mudando, e eu tinha que dar o melhor para
que fosse uma mudança positiva.
Logo a primeira noite já foi traumática e me deu uma prova muito ruim de
tudo que viria. Pela minha janela escutei um monte de estudantes fazendo
festa lá fora, e pensei, com uma grande dose de medo, em como um dia eu
seria capaz de me juntar em sua fuzarca. Essa era a razão pela qual eu
estava ali, afinal. Eu não me imaginava capaz disso. Tarde da noite, escutei
um homem e uma menina fazendo sexo no apartamento acima do meu.
Apenas saber que outros jovens conseguiam desfrutar dos prazeres do sexo
enquanto eu não tinha nada disso sempre me encheu de raiva invejosa,
assim como um ódio amargo pelo mundo; mas seria preciso escutar eles
fazendo isso? Assim era ainda mais traumatizante. Eu havia me preparado
para isso, todavia. Tinha feito muitas pesquisas sobre a vida universitária na
cidade de Isla Vista, e sabia que os estudantes faziam muito sexo lá. Tinha
uma leve suspeita de que eventualmente eu pudesse escutar ou até mesmo
ver as pessoas fazendo essas coisas se morasse naquele ambiente. Droga,
a razão para eu ter mudado para lá era porque era um lugar sexualmente
ativo. Eu também queria ser sexualmente ativo. No entanto, quando
escutei aquele casal fazendo sexo acima de mim, não podia deixar de me
sentir vil e miserável com isso. Tentei me acalmar e me convencer de que
em breve estaria fazendo exatamente a mesma coisa. Como eu estava
errado.

Minha primeira semana acabou sendo bastante desagradável, deixando


uma primeira impressão terrível de minha vida em Santa Bárbara. Meus
dois colegas de apartamento eram legais, mas eles convidavam um amigo
deles chamado Chance. Era um rapaz negro que vinha a qualquer hora, e
eu detestava a sua atitude convencida. Inevitavelmente, um vil incidente
ocorreu entre eu e ele. Eu estava fazendo minha refeição na cozinha
quando ele veio e começou a bravatear para meus colegas sobre o seu
desempenho com as meninas. Eu não pude me aguentar, então comecei a
perguntar a todos se eles eram virgens. Todos eles me olharam
estranhamente e me disseram que tinham perdido a virgindade muito
tempo atrás. Senti-me muito inferior, sendo que isso me lembrava o quanto
eu tinha perdido na minha vida. E então esse negro chamado Chance disse
que perdeu a virgindade com apenas treze anos! Ainda por cima, ele
acrescentou que a menina com quem perdeu a virgindade era uma loira
alta! Eu fiquei com tanta raiva que quase joguei meu suco de laranja em sua
cara. Eu lhe disse com indignação que não acreditava nele, e então me
fechei no meu quarto para chorar. Eu chorei e chorei, e então liguei para
minha mãe e chorei para ela no telefone.
Como era possível alguém inferior, um rapaz negro e feio, ser capaz de
conseguir uma menina branca e eu não? Eu sou bonito, e sou meio branco.
Tenho ascendência da aristocracia britânica. Ele é descendente de escravos.
Eu mereço mais que ele. Tentei não acreditar em suas palavras, mas ele já
tinha dito, e era difícil apagar da minha memória. Se fosse realmente
verdade, se esse negro feio foi capaz de fazer sexo com uma menina loira
com treze anos enquanto eu tinha que sofrer com a virgindade toda minha
vida, então isso apenas provava como é ridículo o gênero feminino. Elas se
entregavam para esse lixo imundo, mas rejeitavam a mim? Que injustiça!

As meninas realmente têm algum distúrbio mental intrínseco. Seus


intelectos são falhos, e nesse ponto de minha vida eu começava a perceber
isso. Quanto mais eu descobria minha cidade universitária em Isla Vista,
mais absurdos eu testemunhava. Todas as meninas bonitas andavam com
imbecis, homens durões do tipo atleta que faziam festa toda hora e agiam
como malucos. Elas deveriam estar saindo com cavalheiros inteligentes
como eu. As meninas são atraídas pelo tipo errado de homem. Esse é um
defeito grave na própria base da humanidade. É completa e absurdamente
errado, no exato sentido da palavra. À medida que essas verdades se
revelavam a mim, eu era profundamente perturbado por elas.
Profundamente perturbado, ofendido, e traumatizado.
Aqueles dois colegas se mudaram dentro de uma semana. Fiquei contente
em vê-los partir, depois daquele terrível incidente. Fui então apresentado a
dois novos colegas, que ficariam no apartamento por todo o mês restante
de minha permanência ali. Seus nomes eram Daniel Faynshell e Reed
Mankins. Reed era um estudante asiático quieto que estava fazendo
Biologia na UCSB, e Daniel era um estudante russo corpulento com uma
personalidade espirituosa. Ambos eram alguns anos mais velhos do que eu.
Daniel era bastante sociável e falante. Frequentemente ele tentava iniciar
conversas comigo, o que eu realmente gostava. A interação social foi
sempre bem-vinda em minha vida solitária, e acabei descobrindo que ele
era uma pessoa muito interessante. Era bom ter alguém próximo de mim.

Logo começaram minhas aulas de verão na cidade universitária de Santa


Bárbara. Estava matriculado para duas cadeiras, história e geografia. A aula
de história começava às 8:00 da manhã. Quando meu alarme tocou, eu pus
entusiasmado uma de minhas calças e estava pronto para meu primeiro dia
em minha nova universidade. O tempo estava ensolarado e radiante
enquanto eu dirigia pela autoestrada 101. E foi assim. Era agora o momento
da verdade. Toda a minha vida tinha me levado a esse ponto.
Eu estava começando uma nova universidade, numa bonita nova cidade.
Era um novo começo para alcançar a vida que desejei por tanto tempo. Se
eu não fosse conseguir isso nesse ambiente propício, então estaria
condenado para sempre.
Senti uma onda de confiança ao subir o lance de escadas que levava ao
campus principal. Para minha primeira aula, que era de história, eu tinha de
cruzar a icônica ponte que levava para o campus oeste. Tentava me sentir
o mais confiante e seguro possível, pensando que todas as meninas que
passassem por mim seriam atraídas pela minha aparência. Assim que
deveria ser. Perdi bastante tempo escolhendo uma camiseta e arrumando
meu cabelo. Quando cheguei na minha sala de aula, vi algumas meninas
bonitas paradas na porta. Minhas novas colegas, pensei com excitação.
Fiquei um pouco incomodado que elas não prestaram atenção em mim.
Elas nem olharam para mim. Eu tinha certeza que estava com uma boa
aparência naquele dia, mas aquelas meninas não pareciam notar. Talvez eu
estivesse me iludindo.
Assim que todos os alunos começaram a entrar, um grupo típico de caras
populares sentou perto de mim. Suas personalidades imbecis e demais
sociáveis me ofendiam, e eu tinha vontade de levantar da cadeira e sair. De
alguma forma eles já conheciam todas as meninas bonitas da sala, e
quebrou meu coração vê-los conversando com elas. Como eu poderia
competir com esses caras populares? Eu os odiava muito. Eu queria ser
como eles durante toda minha vida, desde o primário, mas eles nunca me
aceitavam. Eles fizeram da minha vida um inferno por tanto tempo. Bem
ali, no exato primeiro dia na SBCC, eu estava passando pela mesma coisa
que tinha passado em todas as outras escolas em que estive; sentimento
de ser um solitário, um excluído do grupo.
A aula foi terrível, mas eu não queria desistir tão cedo. Eu não podia! Toda
a minha vida dependia de meu êxito em Santa Bárbara. Na sequência fui
para a aula de geografia. Essa aula era muito mais interessante, e mais
tranquila, mas não tinha nenhuma menina bonita nela. Depois do almoço
eu caminhei pela área da cafeteria, e vi muitas meninas bonitas loiras
sentadas em volta. Desejei ter a coragem de ir lá até elas e pedir uma para
um encontro, mas elas me veriam como um estranho. As meninas são
bastante cruéis.
Depois que deixei o campus dirigi pelo centro de Santa Bárbara para
explorar novas áreas. Subi e desci pela rua State, o principal passeio da
cidade para onde todos acorrem.
Restaurantes incontáveis e lojas se sucediam em uma rua magnificamente
projetada com calçadas largas. Era absolutamente belo... um verdadeiro
paraíso, para aqueles que ali prosperavam. Eu apenas podia imaginar como
deveria ser celestial caminhar com uma bonita namorada por essa rua.
Minha vida seria completa se eu pudesse fazer isso. Seria o epítome da
perfeição graciosa. Ter uma bonita menina loira ao meu lado, sentir sua
mão apertando a minha enquanto caminhávamos por todos os lados
juntos, sentir o seu amor! Era isso o que eu queria na vida. Em vez disso,
tinha que assistir outros homens vivenciando minha ideia do paraíso
enquanto eu amargava a solidão.
E havia muitos casais na rua State. Toda a área era repleta de jovens
desfrutando suas vidinhas prazerosas. Eu via grupos de caras populares e
meninas bonitas caminhando juntos alegremente. Isso me fez lembrar
daquela fatídica noite, anos atrás, em que eu caminhava pelo complexo
varejista de Calabasas e via a mesma coisa acontecendo. E lá eu estava, mais
de dois anos depois, ainda na mesma condição. Era muito ruim de lidar com
isso. Rapidamente dirigi de volta para meu apartamento e chorei sozinho,
molhando meu travesseiro com as lágrimas de minha agonia.
Até agora, o plano de Santa Bárbara não estava dando certo. Eu temia como
seria terrível continuar sofrendo minha vida solitária, miserável, e
celibatária, numa bonita cidade onde todo mundo vivenciava os prazeres
do amor e do sexo. Esse seria o inferno mais sombrio. E era exatamente isso
o que me aguardava.

Depois de alguns dias decidi largar minha aula de história. Eu não conseguia
aguentar ver aqueles imbecis populares conversando com todas as meninas
bonitas da sala. As meninas realmente gostavam deles! Eu deveria ser a
pessoa a quem elas prestassem atenção, mas elas me tratavam como se eu
fosse invisível. Eu não queria me torturar por mais tempo. Senti culpa ao
fazer isso, porque tinha feito um juramento de dar o melhor de mim em
Santa Bárbara. Estando livre dessa aula, tive uma sensação de alívio. Ainda
estava matriculado na cadeira de geografia, e era apenas pela temporada
de verão. Tinha muito tempo para compensar isso.

Passei o resto do meu primeiro mês tentando ao máximo me inserir no


meio social de Isla Vista. Daniel tinha vinte e três anos, então lhe pedi que
comprasse alguma bebida alcóolica para mim, uma garrafa de vodca de
preferência. Na cidade universitária, todo mundo circulava com pelo menos
um pouco de álcool no sangue. Eu não era alcoólatra, mas beber álcool
sempre me ajudava a ser mais confiante e sociável. Nos finais de semana à
noite, eu tomava algumas doses de minha garrafa de vodca e saía para
caminhadas pela cidade, esperando desesperadamente tropeçar em
alguma oportunidade de fazer amigos. Acabava frequentemente indo parar
dentro de um café, esperando que as meninas viessem falar comigo antes
que eu ficasse sóbrio. Nenhuma menina jamais fez isso. Então eu voltava
para casa e deitava sozinho na cama.
Numa noite eu fiquei bêbado o suficiente para me apresentar para outros
estudantes que moravam no mesmo condomínio. Eles estavam sentados
no pátio do condomínio, e eu fui até o seu grupo e me sentei ao seu lado.
Eles não foram hostis comigo, e eu consegui conversar um pouco com eles.
No entanto, depois de um tempo eu estava apenas lá sentado sem saber o
que dizer, e eles de repente me perguntaram por que eu era tão quieto. Eu
odiava quando as pessoas faziam isso... ninguém nunca entende os
problemas de alguém que sofre de ansiedade social. Eles me ofereceram
algumas cervejas, o que eu aceitei de bom grado. Acabei ficando tão
bêbado que quase apaguei. Voltei cambaleando para meu apartamento e
vomitei no chão, exatamente como tinha feito naquela noite embaraçosa
na festa de aniversário de Addison Altendorf. Na manhã seguinte, eu nem
me lembrava que havia vomitado. Daniel me informou o que tinha se
passado com um sorriso zombeteiro no rosto. Fiquei com muita vergonha,
mas ao menos fiz algo mais social do que qualquer outra coisa que tinha
feito nos últimos anos. Já era algum progresso, eu supunha.

Devido a estar vivendo num ambiente totalmente novo, com dezenas de


novas experiências para processar, o primeiro mês em Santa Bárbara
passou muito lentamente. Fiquei aliviado quando veio julho, e pude ir para
casa num final de semana. Quando cheguei em Woodland Hills, senti como
se não tivesse estado ali por décadas. Foi uma sensação agradável, pois me
deu a impressão subconsciente de que minha vida estava finalmente indo
para frente ao invés de ficar estagnada.
Quando entrei de novo no apartamento da mãe, ela estava fora no
trabalho, e Georgia estava na escola. Tirei um momento para relaxar depois
de passar por tanto trauma e inquietação, recuperando todos os episódios
de A Guerra dos Tronos que havia perdido, incluindo o final da primeira
temporada. Mais tarde quando era noite, encontrei minha mãe e meu pai
em um restaurante sofisticado perto da Warner Center, e ambos pareciam
muito orgulhosos de mim. Eu não estava orgulhoso de mim, pois mal e
parcamente superei minhas expectativas no meu primeiro mês em Santa
Bárbara. Tive uma refeição requintada no restaurante e, enquanto estava
lá, vi uma garota bonita entrar com sua família. Olhei para ela e ela olhou
para mim. Eu me perguntei desesperadamente se ela me achava atraente
e tentei me convencer de que ela se sentia atraída por mim, num esforço
para me sentir melhor comigo mesmo. Se ela se sentiu atraída por mim ou
não, essa é uma pergunta que nunca saberei a resposta.
Não haveria aula na segunda, pois era feriado de 4 de Julho. Fui com minha
mãe para a festa anual de 4 de Julho na casa dos Lemelsons. Lá, vi James
pela primeira vez em muito tempo. Era bom vê-lo novamente. Ele vinha me
ignorando nos últimos meses, mas reacendemos nossa amizade nessa
festa. Eu lhe contei que agora estava estudando na universidade de Santa
Bárbara, e ele pareceu feliz por mim. Enquanto jantava com ele, Noah, e
alguns de seus amigos em uma mesa do lado de fora, gravei um vídeo
engraçado que tenho no meu celular ainda hoje.
Na manhã seguinte fiz minha viagem de volta para Santa Bárbara para
terminar a segunda metade da temporada de verão. Rezei para que tivesse
uma experiência melhor a partir de então.

Quando voltei para o Capri Apartamentos era vez de me transferir para o


meu apartamento permanente, o apartamento onde era para eu ficar pelo
ano inteiro. Carreguei todos meus pertences para dentro do meu carro e
me despedi de Daniel e Reed. Gostei de minha estada com eles. Eles se
saíram excelentes colegas de apartamento. Antes de eu sair, Daniel disse
que eu deveria vir visitá-los no futuro.
Meu novo apartamento era em outro edifício da Capri Apartamentos. O
edifício principal ficava na Av. Seville, no centro de Isla Vista. O outro
edifício em que era para eu ficar localizava-se a algumas quadras de
distância, na Av. Abrego, em direção à periferia da cidade. A princípio eu
estava desconfiado quanto à localização, embora ainda ficasse a uma curta
distância de toda a ação. Era definitivamente uma área mais calma, o que
era um ponto positivo.
Um dos recepcionistas me levou até meu novo quarto. O apartamento
estava vazio. Meus novos colegas não se mudariam até agosto, então eu
teria todo o apartamento à minha disposição pelo mês de julho. Gostei
bastante disso. Isso me daria a tranquilidade para me instalar no lugar. Eu
não fazia ideia de quem seriam meus novos colegas, mas esperava que
fossem pessoas de quem eu pudesse ser amigo para ajudar a melhorar
minha vida social. Todos os quartos eram alugados aleatoriamente na Capri
Apartamentos, então eu não tinha o controle com quem acabaria morando.
Tudo o que eu podia esperar era que fossem no mínimo toleráveis, porque
seriam meus colegas de apartamento pelo ano inteiro.

Meu pai veio até Santa Bárbara para se encontrar comigo alguns dias
depois. Fomos almoçar em um restaurante no Centro Comercial Camino
Real, um lugar onde eu tinha o costume de frequentar. Quando sentamos
em nossa mesa, vi um jovem casal sentado a poucas mesas da fila. A visão
deles me enfureceu, especialmente porque era um mexicano pardo se
encontrando com uma menina loira. Considerei isso como um grande
insulto à minha dignidade. Como podia um mexicano inferior ser capaz de
se encontrar com uma menina loira, enquanto eu ainda sofria sozinho
sendo virgem? Fiquei com vergonha de estar numa posição inferior dessas
na frente de meu pai. Quando vi os dois se beijarem, eu mal podia controlar
minha raiva. Levantei abruptamente da cadeira, e estava prestes a ir lá e
despejar meu copo de refrigerante sobre suas cabeças. Provavelmente teria
feito isso, se o pai não estivesse ali. Eu estava fervendo de raiva invejosa, e
meu pai estava ali para observar tudo. Foi tão humilhante. Eu não era o filho
do jeito que queria ser para meu pai. Eu é que deveria estar com aquela
loira, fazendo meu pai se sentir orgulhoso. Em vez disso, meu pai tinha de
assistir-me sofrer numa situação patética daquelas. A vida é muito cruel
comigo. Quando me despedi de meu pai antes de ele ir para casa, sentia-
me absolutamente miserável. Então voltei para meu quarto e fiquei
chateado por horas.

Outro incidente ocorreu no dia seguinte, próximo do mesmo local. Fui no


Starbucks do Centro Comercial Camino Real sozinho, como costumava fazer
toda manhã. Pedi meu café e sentei numa de suas mesas para relaxar.
Poucos momentos depois, quando olhei por cima do copo, vi um jovem
casal parado na fila. Os dois estavam se beijando apaixonadamente. O cara
parecia um punk detestável; ele era alto e usava calças folgadas. A menina
era uma loira bonita! Eles pareciam estar no meio de uma atração sexual
apaixonada um pelo outro, esfregando seus corpos e beijando de língua na
frente de todos. Fiquei absolutamente pasmo com ódio invejoso. Quando
deixaram a loja eu os segui até o seu carro e joguei meu café em cima deles.
O cara gritou comigo e eu rapidamente corri para longe com medo. Eu
estava em pânico enquanto entrava em meu carro e dirigia embora,
tremendo de excitação alimentada pela raiva. Dirigi até a Vons, na Fairview
Plaza, e passei três horas dentro do carro tentando conter minhas emoções
tumultuadas. Eu nunca tinha dado o troco em meus inimigos antes, e
experimentei uma pequena sensação de satisfação rancorosa por ter feito
isso. Eu os odiava muito. Mesmo que os tivesse molhado com meu café, ele
ainda era o vencedor. Ele iria para casa fazer sexo apaixonado com sua
namorada enquanto eu iria para meu quarto solitário dormir sozinho em
minha cama de solteiro. Nunca tinha me sentido tão miserável e maltratado
em minha vida. Amaldiçoei o mundo por me condenar a um sofrimento
desses.
Queria fazer coisas perversas com esse casal. Queria infligir dor a todos os
casais jovens. Foi nesse ponto de minha vida que percebi que eu era capaz
de fazer essas coisas. Eu faria tais coisas com alegria. Eu seria capaz de
matá-los, e queria fazer isso. Eu queria matá-los lentamente, arrancar a
pele da sua carne. Eles mereciam isso. Os machos merecem isso por tirarem
as fêmeas de mim, e as fêmeas merecem isso por escolherem esses machos
em vez de mim.
Desde que tinha dezessete anos eu frequentemente fantasiava em me
tornar poderoso e infligir sofrimento sobre aqueles que fizeram coisas
erradas contra mim no passado, mas nunca pensei que pudesse fazer isso
efetivamente. Nesse ponto, depois de passar por muito sofrimento e
injustiça, toda minha inocência tinha desaparecido. O mundo tinha sido
cruel comigo, e isso me moldou com a força necessária para revidar essa
crueldade ao mundo. Eu nunca fui uma pessoa de natureza violenta, mas
depois de acumular ódio por anos, percebi que não hesitaria em matar ou
até mesmo torturar meus inimigos odiados se me fosse apresentada a
oportunidade.
Passei os cinco dias seguintes em meu quarto, tentando esquecer as
terríveis experiências pelas quais tinha passado. Mas mesmo dentro de
meu quarto, não podia escapar da lembrança de meu desvalor. Toda vez
que olhava pela janela para o pátio, via jovens socializando. Vagabundos
bêbados conversavam com meninas bonitas, e eu imaginava com grande
pavor se pela noite eles estariam fazendo sexo. Frequentemente eu
imaginava em invadir seus quartos enquanto estivessem transando e então
os estraçalharia com minha faca.

Antes que me desse conta, a contagem regressiva na internet para 12 de


julho tinha terminado. O novo livro das Crônicas de Gelo e Fogo, A Dança
dos Dragões, foi lançado. Mandei um e-mail para minha mãe encomendar
o livro na Amazon. A contagem regressiva terminou e eu não tinha nada
para comemorar. Eu ainda era virgem, mesmo depois de um mês morando
numa cidade cheia de meninas universitárias que faziam sexo o tempo
inteiro. Percebi que tinha apenas mais doze dias como adolescente!
Completaria vinte anos muito logo. Uma das minhas esperanças era que eu
perdesse minha virgindade antes de que minha adolescência tivesse
acabado. Ser virgem com vinte anos me faria sentir muito derrotado.
Fiz um voto de fazer tudo que pudesse para perder minha virgindade
naqueles poucos dias que me restavam. Com um pânico tremendo, fiquei
imaginando o que eu poderia fazer. A única coisa que conseguia pensar era
ir para o centro de Isla Vista o máximo possível. Eu tinha que estar à vista
lá, mesmo que isso aumentasse minhas chances de fazer sexo em apenas
um por cento. Um por cento ainda era melhor do que zero.
Por esses doze dias cruciais que ainda tinha como adolescente, caminhei
pelo centro de Isla Vista todos os dias e me sentei numa das mesas externas
do Pizza Dominó, esperando e esperando que uma menina viesse conversar
comigo. Por que elas não fariam isso? Eu parecia bonito? Ou eu não parecia
bonito? Tais pensamentos acorriam à minha cabeça em ondas frenéticas.
Para o jantar, eu sempre ia até o restaurante de comida saudável chamado
Silvergreen. Lá sempre havia meninas bonitas, mas nenhuma delas se
dignava sequer a olhar para mim. Numa dessas noites, voltei para a casa
cabisbaixo admitindo a derrota.
Eu também não fazia progresso na faculdade. Na minha aula de geografia
não tinha meninas bonitas, então ali não havia esperança. Passava bastante
tempo sentado na cafeteria, mas todas as meninas bonitas que eu via me
intimidavam demais. Uma vez, eu estava passando pela grande ponte que
conectava os dois campus, e disse “oi” para uma menina que achei bonita
quando estávamos lado a lado. Ela continuou andando e nem mesmo teve
a educação de me responder. Quem ela pensa que é! Aquela vagabunda
idiota. Senti-me tão humilhado que fui para um dos banheiros da faculdade,
me olhei no espelho, e chorei por uma hora.
Num dos meus últimos dias como adolescente, eu estava sentado no meu
lugar costumeiro na área externa do Pizza Dominó, e vi algo que partiu meu
coração em pedaços. Um cara alto e loiro do tipo atleta entrou num dos
restaurantes acompanhado de uma das meninas mais sexy que eu já tinha
visto na vida. Ela também era alta e loira. Os dois eram mais altos do que
eu, e se beijavam apaixonadamente. Eles me fizeram sentir muito inferior,
sem valor, e pequeno. Olhei para eles com ódio intenso enquanto por
minha vez me sentava com minha miserável solidão. Eu nunca poderia ter
uma menina como aquela. Essa visão ficou gravada em minha memória, e
causou uma ferida que me atormentará para sempre. Quando eles foram
embora, eu os segui com meu carro por alguns minutos, e assim que
adentraram numa área sem movimento, abri minha janela e joguei meu
copo de Ice Tea sobre eles. Isso era tudo que podia fazer na época, mas já
era alguma coisa. Pelo menos eu tinha feito algum esforço para revidar essa
injustiça. Senti-me mal de ódio naquela noite. O ódio ferveu dentro de mim
como uma chaleira em ebulição.

Minha temporada de verão terminou com nenhum efeito positivo em


minha vida. Depois de fazer a prova final, na qual recebi a menção B, viajei
de volta para minha cidade de casa me sentindo derrotado.
Pouco depois, meu vigésimo aniversário finalmente chegou. Soumaya e Jazz
estavam no Marrocos para o verão, então o pai se encontrou comigo, minha
mãe, e minha irmã, num restaurante de alto padrão em Encino. Meus pais
não pareciam notar o quanto eu era miserável por ser virgem com vinte
anos. Eles se comportavam como se fosse mais um aniversário normal. Eles
não pareciam entender a gravidade da situação, que me incomodava
imensamente. O restaurante tinha um sistema de buffet livre, e eu me
empanturrei além da conta nessa noite. A comida era o único vício ao qual
eu podia desfrutar, uma vez que estava privado de sexo. Eu tinha um
metabolismo muito rápido, então podia comer à vontade sem ficar gordo.
Suponho que isso seja uma vantagem em minha vida bastante
desvantajosa.
Quando voltei para o apartamento de minha mãe, ela me deixou beber uma
garrafa de vinho, e eu realmente enchi a cara. “Tudo fica melhor com um
pouco de vinho na barriga.” Passei o resto da noite pensando no que ainda
me aguardava a partir daquela fase da vida. Eu não era mais um
adolescente, então nunca mais poderia fazer sexo sendo um adolescente.
Meus anos de adolescência foram completamente negados pela crueldade
das meninas. A única forma de compensar isso seria se eu pudesse ter uma
vida sexual extraordinária a partir dos vinte anos. Eu teria que ter uma
década profundamente incrível após os vinte anos para compensar toda a
miséria que experimentei na adolescência. Se falhasse nisso, então eu não
teria motivo para viver. Lamentavelmente, só vivenciaria o oposto na casa
dos vinte e poucos, e isso me destruiria.

20 Anos
Permaneci em minha cidade de casa por uma semana. Um dos meus
presentes de aniversário foi um cartão de vale-presente na Nordstrom. Eu
gastei-o num par de camisas polo novas que me fizeram sentir um pouco
mais confiante. Comprar roupas novas sempre me dava um impulso
temporário de confiança, e eu recorria a isso como um viciado em drogas.

Antes de voltar para Santa Bárbara, me reuni com Philip e Addison depois
de um longo período sem vê-los. Nos encontramos no complexo varejista
de Calabasas, então fomos no carro de Philip para algumas aventuras em
Malibu. Acabamos parando no Starbucks e tendo algumas conversas
reveladoras. Addison tinha mudado e amadurecido tremendamente, e não
estava mais saindo com os estudantes populares de Malibu. Isso não
alterou meu ressentimento dele, e eu continuava a confrontá-lo o tempo
inteiro sobre a maneira desrespeitosa que ele me tratara há mais de um
ano. Depois de muita discussão, concordamos em resolver nosso conflito.
Isso não significava que eu tinha esquecido todas as injúrias que ele dirigiu
a mim no passado. Eu nunca esqueço. Eu nunca perdoo. Um dia mostrarei
a ele como eu sou superior.

No dia seguinte a ter visto Philip e Addison, fui para a casa de James. Ele
não tinha estado lá por eras, e revivemos nossas tradicionais caminhadas
perto do centro de Palisades, como nos velhos tempos. Parecia estranho e
nostálgico experienciar isso depois de tanto tempo, especialmente depois
de ter passado por tantas mudanças em Santa Bárbara. Contei a James
sobre meu tormento de ser virgem aos vinte anos, e sobre minha
desesperada esperança de que as coisas melhorassem quando eu
começasse o semestre de outono em minha nova universidade. Falei de
todas as meninas loiras bonitas que via caminhando pela universidade, e
meu desejo profundo de que um dia eu teria uma delas como minha
namorada. James simpatizou comigo, porque ele também estava passando
por problemas semelhantes na vida. Ele parecia satisfeito de que eu
finalmente estava dando alguns passos para conseguir mudanças em minha
vida.

Dirigi de volta para Santa Bárbara com um temperamento um pouco melhor


do que estava quando deixei a cidade. Eu tinha um mês até que o novo
semestre começasse, e podia usar esse tempo para me preparar e
recuperar. Meus novos colegas de apartamento eram para se mudar para
o segundo quarto do apartamento em 5 de agosto. Eu sentia ansiedade por
antecipação ao imaginar como eles seriam.
O dia 5 de agosto veio logo, e eu me preparei para estar de ótimo humor
para recebê-los. Seus nomes eram Ryan e Angel, e para meu desgosto eles
eram espanhóis. Além disso, eles já eram amigos entre si, o que significava
que poderiam se unir contra mim se algum conflito estivesse para
acontecer. Eles também pareciam desordeiros, algo típico da classe baixa.
A primeira impressão que tive deles me azedou, mas tentei ser agradável e
não demonstrar isso. Os dois agiram de modo cordial comigo no primeiro
dia, mas depois de observá-los por pouco tempo, tive um mau
pressentimento de que seria um problema morar com eles... e eram para
ser meus colegas de apartamento por um ano inteiro! Quando fiquei
sozinho em meu quarto, entrei em pânico ao pensar em como estava numa
situação terrível. Foi extremamente frustrante. Eu estava esperando que
teria colegas decentes, maduros, e bem asseados. Em vez disso recebia a
escória de classe baixa.
No segundo dia, eles já começaram a convidar seus amigos igualmente
desordeiros para dentro de meu apartamento, e trocamos algumas
palavras. Para minha indignada surpresa, eles perguntaram aquilo que eu
sempre temia ouvir: “Você é virgem?” Eu admiti que era virgem. Eu sempre
falava a verdade sobre isso. Era a luta de minha vida, e eu não conseguia
mentir uma coisa dessas. Eles então tiveram a audácia de me dizer que
perderam a virgindade muito tempo atrás, bravateando sobre todas as
meninas com quem já tinham ido para a cama. Odiei particularmente Angel
por sua cara de porco-suíço. Como podia um animal com essa cara ter tido
experiências sexuais com meninas, e eu ainda não? O que havia de errado
com este mundo? Eu fiquei tão brabo que fui para dentro de meu quarto e
dei socos na parede. Eles me escutaram e começaram a dar risada. Era
quase uma repetição daquilo que eu havia sofrido com aquele rapaz negro
chamado Chance no velho apartamento, com o agravante de que dessa vez
eles seriam meus colegas pelo restante do ano!
No outro dia, quase entrei em luta corporal com Angel. O porco-suíço
continuava a agir como se as meninas o achassem mais atraente do que eu.
Aham! Eu sou bonito, um cavalheiro magnífico, e ele é um pobretão, um
marginal com cara de porco. Eu já estava cheio de sua atitude convencida,
então comecei a chamá-lo exatamente pelo que ele era. Tentei insultá-lo
tanto quanto podia, dizendo-lhe o quanto eu era superior a ele, e dizendo
que ele era de classe baixa. Ele tentou me bater, mas Ryan, sendo o mais
maduro dos dois, conseguiu segurá-lo. Uma pena, eu estava me coçando
para ter uma chance de machucar aquele animal fedorento. Embora eu
suponha que tenha sido o melhor... Minha vida era muito importante para
arriscar-me a fazer qualquer coisa de cabeça quente.
Em pânico, imediatamente liguei para minha mãe e lhe contei da situação
insustentável. Não havia como morar com aqueles dois imbecis pelo ano
inteiro na faculdade. Eles já tinham arruinado meu final de semana. Minha
mãe concordou que eu precisava sair dali, então fui para o escritório de
locação e expliquei ao dono tudo o que havia acontecido. Ele me disse que
havia outro quarto disponível para que eu me mudasse, mas custaria cem
dólares a mais por mês, porque era um apartamento maior de dois quartos
que eu dividiria apenas com um colega de apartamento, que ocuparia o
outro quarto. Liguei para minha mãe e ela me deu permissão para fazer
essa mudança. Assinei o novo contrato, estabelecendo a mudança para
quando o quarto ficasse desocupado em setembro. Até lá eu deveria
aguentar morar mais um mês com eles.
Para me ajudar a passar o mês, minha mãe me deixou vir todo final de
semana para casa até que eu pudesse me mudar para o novo apartamento.
Eu ficava em Santa Bárbara apenas pelos dias da semana, mas nesses dias
Angel e Ryan davam seu jeito de tornar minha vida um inferno. Toda vez
que saíam, eles bravateavam para mim que eles iriam dormir com meninas
gostosas naquela noite. Eu sabia que eles estavam apenas mentindo para
me deixar com inveja. Eles sempre faziam brincadeiras comigo por eu ser
virgem. De noite, eles frequentemente faziam barulho para me acordar. Eu
estava literalmente sendo vítima de bullying, e isso era verdadeiramente
terrível. Eu queria matá-los, mas é claro que tinha inteligência suficiente
para não dar vazão a esse desejo. Tudo que eu podia fazer era lembrar de
cada simples insulto, para que assim pudesse me vingar de maneira mais
eficiente no futuro. É assim que eu sou. Eu não ajo estupidamente ou por
impulso. Eu nunca me esqueço, eu lembro de cada insulto, e espero até o
momento certo para atacar. Quando chegar a hora, eu esmagarei todos
meus inimigos da forma mais devastadora e catastrófica possível, e os
resultados serão lindos.

Num dos finais de semana que fui para casa em agosto, minha mãe estava
de saída do condomínio Versailles, e se mudou para o Summit Townhomes,
próximo da Warner Center. Foi uma decisão abrupta se mudar para lá.
Ajudei-a a empacotar tudo e assisti os caras da mudança levando todas suas
coisas para o novo lugar. O Summit era muito mais bonito do que o antigo
apartamento; diria isso dele. Era uma casa geminada com um quarto no
andar de cima que eu ocuparia sempre que voltasse para casa.
Fiquei contente que ela se mudou para um lugar melhor, mas teria ficado
muito mais se ela se casasse com um homem rico e se mudasse para sua
mansão. Muito embora não estivesse mais se encontrando com Jack, ela
saía com outros homens de classe alta. Ela tinha um modo especial de
cativá-los. Continuei a atazaná-la para que se casasse para que assim eu
pudesse fazer parte de uma família de classe alta e aproveitar todos os
benefícios que viriam atrelados, mas ela sempre se recusava, alegando que
nunca queria se casar de novo devido às experiências desagradáveis tidas
com meu pai. Eu disse-lhe que ela deveria sofrer com eventuais aspectos
negativos do casamento apenas para o meu bem, porque isso salvaria
minha vida completamente, mas ela ainda assim se recusava.
Fui para a casa de James durante minha visita de final de semana. Nós
conversávamos bastante online, e quando lhe disse que estava na cidade,
ele pareceu ansioso para me ver. Eu também estava ansioso para vê-lo,
porque ele era meu amigo mais chegado e eu tinha muito o que contar para
ele. Dirigi até sua casa no Cânion de Topanga sem saber que seria a última
vez que o visitaria.
Fizemos o que costumeiramente fazíamos. Caminhamos pelas falésias de
Palisades onde discutimos sobre nossos sonhos e esperanças. Então fomos
ao centro de Palisades para jantar. Dessa vez escolhemos comer no Panda
Express. Enquanto estávamos jantando, alguns jovens do ensino médio
entraram. James os viu primeiro, e bem quando os viu ele disse estas
palavras: “Estamos fodidos.” James sabia que eu teria problemas com eles.
Eram caras populares que tinham um bando de meninas bonitas junto com
eles. Um deles se sentou com duas meninas, colocando sua perna em cima
de outra cadeira com um sorriso malicioso no rosto. Eu fiquei lívido de raiva,
e queria derramar meu copo em cima de sua cabeça. James sabia
exatamente o que eu estava planejando; ele já tinha passado por incidentes
similares comigo antes. Ele fez um grande esforço para tentar me dissuadir
de agir com minha raiva, pontuando que havia um segurança ali perto. Eu
fiz a única outra coisa que poderia fazer; embrulhei meu jantar e saí do
restaurante, fugindo na derrota e envergonhado. James logo me seguiu, e
decidimos acabar o jantar em sua casa.
Uma aura sombria e sinistra pousou sobre nossa amizade nesse dia.
Quando voltamos para a casa de James, eu ainda estava fervendo de raiva.
Eu não entendia por que James não ficava brabo como eu. A visão a que
testemunhamos era difícil de assistir. Ver outro macho tendo sucesso com
as fêmeas é tortura para machos como nós que não temos sucesso com as
fêmeas. Eu estava com tanta raiva que disse a James todos os atos de
vingança que queria executar naqueles caras populares. Contei-lhe sobre
meu desejo de esfolá-los vivos, arrancar a pele de suas carnes e fazê-los
gritar em agonia como punição por viverem uma vida melhor do que a
minha. James ficou profundamente perturbado por minha raiva. Eu queria
que ele não ficasse perturbado. Eu queria que ele pudesse ser um amigo
que sentia o mesmo que eu sobre o mundo. Mas ele não era esse tipo de
pessoa. Ele era um fraco.
Quando me acalmei, tivemos uma longa conversa em seu quarto, e acabei
chorando em sua frente e explicando como me sentia sem esperança em
relação à vida. Logo depois disso deixei sua casa, para nunca mais retornar.
Ele nunca mais me convidou depois desse incidente, e nossa amizade
lentamente virou pó.

Durante os últimos dias em que tive de aturar morar com aqueles dois
colegas bárbaros, muitas vezes eu saía em Isla Vista com a esperança de
encontrar uma menina para poder trazê-la junto para o apartamento. Eu
queria provar para eles que as meninas gostavam de mim, ver a expressão
em seus rostos quando vissem uma menina do meu lado. Mas é claro, eu
não tinha como provar isso, porque as meninas efetivamente não gostavam
de mim. Toda vez que tentava sair para conhecer uma menina, eu acabava
voltando sozinho e com raiva para casa. Numa dessas noites, cruzei o
caminho de um cara que estava caminhando com duas meninas bonitas. Eu
fiquei com tanta inveja que gritei com eles, e depois os segui por alguns
minutos. Elas apenas riram de mim, e uma das meninas beijou o cara na
boca. Assumi que aquela fosse a sua namorada. Foi uma das piores
experiências de tortura com meninas que eu tive de passar, e será uma
cicatriz em minha memória para sempre, para me lembrar de que as
meninas pensam que eu não tenho valor comparado a outros homens. Corri
para casa com lágrimas escorrendo pelas bochechas, esperando que meus
terríveis colegas de apartamento não estivessem lá para verem a minha
vergonha.

Tentei manter uma atitude positiva no primeiro dia de meu semestre de


outono na cidade universitária de Santa Bárbara. Estava matriculado em
três cadeiras: história, astronomia, e matemática. Minhas aulas de história
e astronomia eram de manhã, e minha aula de matemática era no final da
tarde, então em dias de aula eu tinha que passar todo o dia na universidade.
Achei que isso seria benéfico, porque me manteria fora do meu quarto e
em um lugar onde novas oportunidades poderiam surgir em meu caminho.
Tinha que esperar algumas horas antes da aula de matemática começar, e
passava essas horas circulando pela universidade ou sentado na biblioteca,
olhando para todas as meninas bonitas e desejando ter uma como
namorada. Eu era como um homem faminto cercado por um banquete que
era proibido comer.
Todas minhas aulas me deixaram sem esperança e deprimido. Não apenas
eu era incapaz de conhecer uma menina, e havia muitas bonitas, mas eu
também tinha grande dificuldade em fazer amigos. Para mim sempre foi
difícil fazer amigos... Eu não sou o tipo de pessoa que consegue se encaixar
dentro de um grupo de pessoas extrovertidas; a última vez que fiz uma coisa
dessas foi quando eu tinha doze anos. Eu tinha que fazer amigos. Ter um
círculo social me proporcionaria mais oportunidades para conhecer
meninas, e era o único jeito para ser convidado para uma daquelas festas
da turma. Mas ninguém nunca queria ser meu amigo. Eu até tentava iniciar
algumas conversas com caras que sentavam perto de mim, mas nunca ia
longe. Tinha a sensação terrível de que passaria um tempo muito miserável
em Santa Bárbara.

Consegui fazer um amigo passando meu tempo no pátio do apartamento.


O nome desse amigo era Andy Chan; ele era um estudante estrangeiro
vindo da China. Andy partilhava da mesma vontade que eu tinha de
aproveitar a vida universitária em Isla Vista ao máximo; e diferente da
maioria das pessoas da minha idade, descobri que ele tinha alguma
inteligência e substância. Fomos até a rua Del Playa em Isla Vista algumas
vezes, o lugar onde todas as festas aconteciam, mas nunca deu em nada.
Eu ainda me sentia um excluído, mesmo tendo um amigo ao meu lado; e
ainda me sentia inferior comparado a todos aqueles caras que caminhavam
por aí exibindo suas meninas bonitas.

Em 5 de setembro finalmente pude me mudar para meu novo apartamento


permanente. Senti-me aliviado de que nunca mais precisaria lidar com
gente como Ryan e Angel novamente, embora me preocupasse de que teria
que eventualmente me deparar com eles de novo porque meu novo
apartamento ainda ficava no mesmo complexo. Quando me deram as
chaves, eu rapidamente transportei todos os meus pertences para o novo
lugar. Eu teria apenas um colega que moraria no outro quarto do
apartamento, mas ele não tinha se mudado ainda. Eu não fazia ideia de
como ele seria, mas me disseram que era um estudante mais velho que veio
de uma grande universidade. Esse conhecimento fez-me sentir seguro de
que ele seria tolerável para morar junto. Era para ele chegar em duas
semanas, então até lá eu tinha o lugar só pra mim.
Descarreguei todas minhas coisas e escolhi meu novo quarto. Feito isso,
olhei para ele e pensei que seria ali; este seria o meu novo local de moradia
na cidade universitária de Isla Vista, e se pudesse finalmente ter a vida que
queria, então este seria o quarto onde eu perderia minha virgindade! Como
eu estava errado. Seria apenas mais um quarto onde eu sofreria uma
miserável solidão. Nenhuma menina jamais colocaria um pé ali dentro.
Santa Bárbara não estava dando certo para mim. Eu já estava há meses com
vinte anos e ainda não tinha nada para mostrar. Ao passar as primeiras
semanas de setembro em meu novo quarto, sempre sozinho, eu percebi
completamente como estava fracassando na vida. Santa Bárbara era para
ser um lugar de esperança, um lugar onde eu pudesse começar uma nova e
feliz vida. Eu não podia acreditar em como tudo estava dando errado. Em
vez de finalmente ter uma chance de viver uma vida de sexo e amor como
os outros jovens faziam, eu apenas experienciava rejeição e humilhação
piores do que já havia experienciado antes. Isso era inacreditável e
imperdoável. Se a humanidade continuasse a me insultar com tal
crueldade, então realmente não havia esperança de felicidade em minha
vida.
Na cidade universitária de Santa Bárbara, eu tinha exatamente a mesma
experiência que tive na Moorpark. Eu tinha que assistir pessoas jovens
bonitas aproveitando suas vidas juntas enquanto eu definhava em solidão
e desespero, porque ninguém me aceitava. Larguei a cadeira de
matemática – eu simplesmente não conseguia aguentar ter que ficar na
universidade todo o dia, sentado na biblioteca vendo casais se beijando.
Mantive minhas duas aulas da manhã apenas porque ainda havia uma leve
suspeita do desespero de casa dentro de mim.

Meu dia normal era o seguinte: Eu acordava sozinho em minha cama, sem
nenhuma menina ao meu lado, fazia alguns minutos de exercícios antes de
tomar banho e ficar pronto para a faculdade; então eu dirigia até o
Starbucks para tomar café e sentia inveja sempre que via um casal jovem
lá; então eu ia para minhas duas aulas onde ninguém dizia uma só palavra
para mim, tendo de encarar o tormento de ver outros caras conversando
com as meninas que eu gostava; e então eu voltava para casa sozinho, abria
a porta de meu quarto solitário, e me sentia absolutamente miserável. A
solidão era sufocante. Eu mal podia respirar. Se apenas uma menina bonita
me desse uma chance e tentasse me conhecer, tudo seria diferente, mas as
meninas continuavam a me tratar com desdém.
A solidão estava me torturando tão intensamente que até mesmo abri
minha conta do WoW e joguei constantemente pelo mês de setembro.
James ainda jogava WoW, e nós dois jogamos juntos online por alguns dias,
mas ele me tratava muito friamente o tempo inteiro. Pude sentir que o tipo
de amizade que tínhamos por tantos anos não existia mais. Aquele último
incidente em Palisades abalou nossa amizade profundamente, e estava no
processo de desaparecer por completo. Na época, me senti ofendido com a
atitude dele em relação a mim, então o ofendi também. Isso gerou uma
longa discussão entre nós que resultou em James se recusando a falar
comigo online. Alguns dias depois disso, desativei minha conta novamente.

Meu novo colega de apartamento chegou na metade de setembro. Seu


nome era Spencer Horowitz; um estudante pequeno e gordo da UCSB que
tinha cerca de um ano a mais que eu. Ele parecia um tipo de pessoa
amigável e madura; definitivamente um agradável contraste dos colegas
que tive de aguentar no mês anterior. Eu não esperava ter problemas com
ele. Entretanto, fiquei desapontado devido ao fato de que estava
esperando que meu colega fosse alguém com quem eu pudesse me
identificar... alguém que pudesse ser meu amigo e me ajudasse a me
integrar na vida social de Santa Bárbara. Mas Spencer não parecia ser o tipo
de pessoa que seria meu amigo. Podíamos conviver tranquilamente, mas
não tínhamos nada em comum.
Além disso, fiquei um pouco chocado quando Spencer me disse que tinha
uma namorada. Foi um comentário casual que saiu de uma conversa que
tivemos. Eu não entendia como um cara gordinho e nada atraente como
Spencer poderia conseguir uma namorada, enquanto eu nunca tive a
chance. O cara era cerca de oito centímetros mais baixo do que eu, e até eu
sou considerado baixo para a minha idade. Eu não conseguia entender
como uma coisa dessas era possível, e concluí para mim mesmo que essa
então "namorada" dele que ele mencionou devia ser tão feia quanto ele.
Portanto não havia necessidade de eu ficar com ciúmes.
Depois de algumas semanas morando com ele, percebi que eu tinha um
problema psicológico com sua presença em meu apartamento. Muito
embora não houvesse problemas entre nós, eu odiava ter alguém
constantemente por perto para observar e julgar como a minha vida era
patética. Eu podia esconder os detalhes de minha vida celibatária do resto
do mundo, mas eu não podia esconder de Spencer. O fato de eu nunca levar
meninas para meu quarto era uma clara evidência de que eu era um
excluído indesejado, e eu odiava quando as pessoas sabiam isso sobre mim
e me julgavam por isso. Spencer estava lá para testemunhar tudo, e eu
acabaria por odiá-lo só por causa disso.

Durante os meses de outubro e novembro, fiz outra desesperada tentativa


de melhorar minha vida social tanto quanto podia. Eu havia falhado em
fazer amigos nas minhas duas aulas da faculdade, e não tinha qualquer
interação com as meninas na minha escola. Eu era um fantasma invisível,
assim como sempre fui.
Continuei a ver Andy, o único amigo que fiz. Frequentemente nos
encontrávamos para jantar em algum restaurante. Logo ele me apresentou
a alguns de seus amigos. Um deles era chamado Stan, um holandês com
quem me dei bem. Eu gostava de ter conversas com Stan sobre uma grande
variedade de assuntos, incluindo política, história, comércio e arquitetura.
Eu sabiamente me abstive de revelar qualquer uma das minhas opiniões
políticas, pois elas perturbavam a maioria das pessoas.
Durante o mês de outubro eu saí regularmente com Andy, Stan, e alguns de
seus amigos. Fazíamos coisas como caminhar pela rua State de Isla Vista, ou
ir para o cinema juntos. Logo percebi que mesmo tendo esses poucos
conhecidos para sair não me fazia sentir melhor. Eu ainda me sentia inferior
sempre que via outros caras caminhando com meninas bonitas. No cinema
eu me sentia simplesmente patético ao entrar com um grupo de amigos
exatamente como fazia quando ia ao cinema com meus pais... era um
sentimento patético por não ter uma namorada gostosa ao meu lado
enquanto outros caras no cinema tinham. O que eu realmente queria... o
que eu realmente PRECISAVA, era de uma namorada. Eu precisava o amor
de uma menina. Eu precisava me sentir valoroso como homem. Por muito
tempo eu havia me sentido sem valor, e é tudo culpa das meninas.
Nenhuma menina queria ser minha namorada.

O final de semana de Halloween na cidade universitária de Isla Vista é um


evento renomado. Jovens chegam de todo a região para participar dessas
festas barulhentas. Minha experiência durante esse fim de semana foi
exatamente o que se esperava, um desastre miserável.
Quando era criança, eu amava o Halloween. Era um feriado de divertimento
e empolgação em que eu saía para Doces ou Travessuras, indo de casa em
casa coletar doces com meus amigos e família. Para jovens adultos, o
Halloween é um tipo muito diferente de feriado, no qual se supõe que
vistam roupas sexualmente explícitas, participem de festas regadas a
drinques pesados, e tenham experiências sexuais com meninas. Para os
jovens que podem fazer essas coisas, o Halloween deve ser um estouro.
Mas eu era incapaz de fazer essas coisas. Eu não era convidado para
nenhuma festa, e as meninas não queriam fazer sexo comigo. Sendo um
jovem adulto, para mim o Halloween era um feriado de tormento e
depressão. Em Isla Vista, isso era imensamente intensificado.
Tentei dar o meu melhor para sair no final de semana de Halloween. Dei as
minhas voltas por Isla Vista, tentando aumentar a coragem para falar com
uma menina ou entrar numa festa, mas eu simplesmente não conseguia. Eu
sabia que todas elas me rejeitariam. O que vi nesses passeios me chocou
até o íntimo. As meninas vestidas em trajes extremamente reveladores, e a
visão delas me enchia de desejo e uma fome que eu sabia que nunca
poderia saciar.
No último dia do final de semana de Halloween, eu saí com Andy e Stan e
alguns outros. Não fez a mínima diferença. Não entramos em nenhuma
festa, e apenas caminhamos pelas ruas como perdedores. Ser amigo deles
realmente não estava me ajudando.
Se eu tivesse uma namorada para experienciar um evento desses! Eu
também me vestiria numa fantasia com ela. Seria tão incrível e eufórico,
andar no meio de toda a excitação com uma menina bonita ao lado,
participar de todas as festas porque todo mundo permitiria uma menina
bonita entrar, fazer amor apaixonado com ela no meu quarto no final da
noite, se aconchegar ao lado de seu corpo sexy e quente ao dormirmos
juntos. ESSA é a vida que eu deveria ter. Tantos outros caras conseguem
viver isso, e apenas pensar nisso me enche de extrema agonia. A vida não é
justa.

Em novembro, minha breve amizade com Andy, Stan, e seu grupo,


terminou. Frequentemente eu via no Facebook que eles faziam coisas
juntos sem me convidar, a mesma coisa que experimentei com outros
grupos de amigos que tive no passado. Eu sempre fui um excluído, mesmo
entre as pessoas que conhecia. Cansei-me de sua falta de consideração por
mim, então parei de ligar para eles. Nem mesmo eram populares, e eu não
estava obtendo nenhum retorno de sua amizade. Todavia, ainda continuei
a me encontrar com Andy em alguns restaurantes ocasionalmente.

Cada dia que passava na faculdade, mais inferior e invisível eu me sentia.


Eu me sentia como um ratinho sempre que via caras caminhando com
meninas bonitas. Eu odiava encarar isso, mas já tinha me esforçado tanto
nas minhas duas aulas que não podia desistir naquele momento. A única
maneira de aumentar minha autoestima era comprando roupas mais
bonitas.
Minha mãe me deu mais alguns cartões de vale-presente da Nordstrom, e
eu os gastei em um jeans de grife de 200 dólares. Quando usava isso na
aula, percebia que estava usando jeans melhores do que a maioria dos
outros caras, e isso me dava uma sensação de maior autoestima. Também
comprei mais algumas camisas, e um par de sapatos novos da Hugo Boss.
Fazer isso desencadeou uma nova obsessão em mim. Tornei-me cada vez
mais obsessivo com minha aparência. Em razão de que meu pai, minha
mãe, e minha vó, constantemente me mandavam dinheiro extra agora que
eu estava morando em Santa Bárbara, consegui economizar o bastante
para bancar essa obsessão. Familiarizando-me com todas as maiores
marcas de grife, comprava roupas novas toda vez que visitava minha cidade
de casa. Minhas marcas favoritas eram Hugo Boss e Armani. Eu sempre
parava no shopping Camarillo quando voltava para Santa Bárbara. Adorava
o lugar - eles tinham uma loja para quase todas as marcas.
Uma vez eu estava fazendo compras numa loja da Calvin Klein no Camarillo,
e vi uma menina loira sexy com a pele perfeitamente bronzeada. Ela era tão
bonita e sexy que eu tive uma ereção instantânea. Ah, as coisas celestiais
que faria com ela... e então eu vi o escroto de seu namorado. Todo meu ser
ficou repleto de angústia e desespero. Eu apenas conseguia imaginar como
podia ser maravilhosa e prazerosa a vida daquele cara. Eles eram mais
velhos do que eu – provavelmente tinham uns vinte e cinco anos – e pensei
com esperança de que quando tivesse a idade daquele homem eu seria
valoroso o suficiente para ter uma namorada ao meu lado, para comprar
com ela naquele mesmo shopping na felicidade divina. Minha vida era uma
vida de desejos e vontades.

Visitei minha casa no Dia de Ação de Graças e fui com minha mãe à casa de
Rob Lemelson para uma pequena confraternização desse dia. James estava
lá... e a última vez que falei com ele era quando tivemos nossa discussão
online. A única pessoa que tinha sido meu amigo diante de todos meus
problemas não queria nem falar comigo no Dia de Ação de Graças. Tentei
perguntar-lhe por que ele estava exagerando sobre uma discussão que
tivemos dois meses antes, mas ele apenas me olhou friamente e me disse
para "manter a distância." Fiquei muito ofendido.
Depois de algumas horas, o jantar de Ação de Graças foi servido. Para meu
profundo incômodo, Julian Ritz-Barr e seu irmão igualmente idiota, Leon
Ritz-Barr, também vieram para o jantar. Lembrei-me da imensa inveja que
senti de Julian meses antes, e tentei ignorá-lo o máximo possível, o que se
provou difícil, pois ele falava em voz alta o tempo todo.
Sentei-me ao lado de James para o jantar e, depois de sentarmos um ao
lado do outro nos estranhando por alguns momentos, ele decidiu se acercar
de mim novamente. Enquanto conversávamos sobre nossas vidas, um
pequeno pavio de nossa velha amizade se acendeu como a fraca chama de
uma vela. Foi bom, pelo breve momento que durou. Conversamos sobre
nossos cenários de fantasia habituais e brincamos sobre como os irmãos
Ritz-Barr estavam sendo estúpidos e desagradáveis.

No mesmo final de semana em que fui para casa, encontrei-me com Philip
e Addison. Fomos nós três para um restaurante em L.A., e depois para o
Observatório Griffith Park, como nos velhos tempos. A última vez que estive
lá com os dois foi na lamentável noite em que Addison me disse que
“nenhuma menina jamais irá querer transar comigo.” Suas palavras estão
ainda gravadas em minha memória, e ir para o Griffith Park me lembrou
daquela noite. Tiramos fotos posando em vários pontos do observatório,
algumas das quais foram postadas no Facebook, e depois fomos ao
complexo varejista de Calabasas para passar algum tempo na
Barnes&Noble, onde tive conversas perspicazes com Addison. Apesar de
nossas hostilidades passadas, eu considerava Addison como uma das
pessoas mais interessantes que conhecia.

Voltei para Santa Bárbara para mais poucas semanas para terminar minhas
duas cadeiras. Na aula de história, eu continuava me sentindo fraco e
inferior ao observar aquele atleta alto e loiro constantemente conversando
com duas meninas bonitas. Não havia como não prestar atenção neles; eles
ficavam no meio da sala. Eu odiava muito essa aula, então decidi parar de
frequentá-la até a prova final. Depois de fazer as provas finais, fiquei feliz
por ter terminado essas aulas terrivelmente frustrantes da faculdade.
Foi bem como eu temia. Meu primeiro semestre na cidade universitária de
Santa Bárbara foi um desastre absoluto e brutal. Eu nem mesmo tinha o
número de uma menina gravado em meu celular. Eu vou ser virgem para
sempre? Era o que eu pensava incessantemente enquanto dirigia embora
da faculdade depois de fazer as provas finais. Eu sentia como se toda minha
vida houvesse sucumbido. Se eu não conseguisse viver agradavelmente
num lugar tão bonito e promissor como Santa Bárbara, então estaria fadado
à miséria e à insatisfação perpétuas. Sabia que preferia morrer a sofrer tal
destino e sabia que, se fosse o caso, faria tudo o que pudesse para me
vingar antes de morrer. Eu não queria chegar a esse ponto! Uma parte de
mim ainda se agarrava à esperança. Eu não queria desistir tão cedo.
Ao fazer a longa viagem de belas paisagens de volta à minha cidade de casa
para as férias, fiz um voto de que tentaria uma nova chance quando
começasse meu novo semestre na primavera, e usaria o tempo que tinha
durante as férias de inverno para me preparar para seu recomeço tanto
quanto podia.

Minha mãe disse que tinha planos para que eu, minha irmã, e ela fôssemos
para a Inglaterra por uma semana. Depois de ouvir isso, eu disse que não
queria ir junto. Eu me sentia tão insatisfeito e derrotado, e não queria me
mostrar dessa forma para meus parentes na Inglaterra. Não havia nada em
mim de que eles pudessem se orgulhar. Eu tinha vergonha de ter que
encontrá-los do jeito que estava. Depois de alguma implicância, concordei
em ir. Achei que, no mínimo, isso me daria um respiro de toda a dor que a
sociedade me infligia, assim como acontecia em nossas antigas visitas à casa
de praia de Jack em Malibu.

Antes de partirmos para a Inglaterra, fomos para a tradicional festa de Natal


na casa dos Lemelsons. Eu recentemente havia comprado uma camiseta
chamativa da Armani Exchange que me fazia sentir particularmente
fabuloso, então decidi usá-la para a festa. Gostava de ficar admirando no
espelho como parecia maravilhoso ao vesti-la. Vestir roupas novas e
chamativas me fazia sentir como uma nova pessoa. Essa era uma forma
bastante eficiente de aumentar minha confiança. Quando entrei na festa,
senti-me agradecido quando Sue Lemelson, ex-mulher de Rob,
cumprimentou-me dizendo como eu estava bonito. Minha mãe comentou
que era pouco comum Sue elogiar as pessoas, então era porque eu
realmente tinha lhe causado uma boa impressão.
James estava na festa, é claro. Dessa vez ele não agiu frio ou estranho
comigo, mas ainda havia uma distância entre nós. Durante a festa, bebi
várias taças de vinho enquanto conversava casualmente com James sobre
minhas percepções e problemas de vida. Interagíamos como se ainda
fôssemos amigos, mas eu poderia dizer que as coisas estavam um pouco
diferentes entre nós. A amizade que tínhamos por tanto tempo estava
morrendo. Quando me despedi dele naquela noite, foi a última vez que o
vi.
Depois de uma curta celebração natalina na casa do pai, parti com minha
mãe e minha irmã para a Inglaterra. Viajamos na Classe Comercial do Virgin
Atlantic, e como eles seguiam as leis do Reino Unido, era permitido tomar
bebidas alcóolicas no voo. Tive prazer em degustar o vinho que foi servido
enquanto fruía a viagem relaxante. A última vez que tinha viajado de avião
foi no desastroso voo para o Marrocos, quando tinha dezessete anos, e isso
criou um contraste agradável.
Quando pousamos na Inglaterra eu tive a sensação de maravilha que vem
ao estar em outro país. Eu não havia estado em meu país natal por quase
uma década, mal podia acreditar que estava lá mais uma vez. A decisão de
ir nessa viagem foi muito rápida. Ficamos num hotel muito bom na cidade
de Colchester, perto de onde meus parentes por parte de mãe moravam,
incluindo minha vó Ah Mah. Depois de descarregarmos todas nossas
bagagens, fomos para sua casa jantar. Eu não tinha visto esses parentes
desde nossa viagem para a Malásia. Parecia estranho vê-los novamente.
Eles estavam exatamente os mesmos a como me lembrava. Foi muito
comovente ver que a vó Ah Mah tinha feito seus deliciosos biscoitos de
amendoim que eu tanto gostava quando era criança; ela tinha-os prontos e
esperando por mim.
Nós os visitamos novamente no dia de Natal. Eles fizeram um jantar
delicioso, e depois disso nos demos os presentes. Fiquei um pouco bêbado
nesse dia, pois era a única coisa que podia fazer para passar o tempo. Tentei
relaxar e esquecer todo o sofrimento que havia experimentado em Santa
Bárbara. Eu queria ter alguma coisa para dizer aos meus parentes que os
fizesse sentir orgulho de mim, mas não havia nada impressionante ou
relevante sobre minha vida para comentar. Eu queria mostrar para minha
vó que eu estava prosperando em Santa Bárbara; que eu tinha uma
namorada e que estava desfrutando de uma vida plena e saudável. Só que
não, isso é uma coisa que eu nunca consegui ter. Eu sentia muita vergonha
de mim mesmo.
Minha vó Ah Mah me deu um presente de grande valor. Depois de dar todos
os presentes para os demais parentes, Ah Mah me presenteou com um
colar de ouro de 22 quilates. Era bastante extravagante, e ela o tinha
guardado em sua posse por muito tempo. Agora era meu. Coloquei-o na
mesma hora e senti um grande apreço por ele. A partir de então, eu o usaria
todos os dias. Certamente poderia vendê-lo por bem mais do que mil
dólares, mas eu nunca fiz isso. Era algo especial para mim.
Minha parte preferida da viagem era o café da manhã no hotel. O hotel em
que estávamos era bastante luxuoso, até para os meus padrões. E o café da
manhã... era absolutamente delicioso. Toda manhã havia um buffet repleto
de opções deliciosas tais como salsicha de porco tostada, croissants, bacon,
presunto, batatas assadas, todos os tipos de frutas, e muito mais. Em cada
uma dessas manhãs eu me empanturrava como se não houvesse amanhã.
Eu estava privado de sexo por toda minha vida, então o único vício do qual
eu podia retirar algum senso de prazer era comer pratos saborosos.
Aproveite-me totalmente disso nessa viagem. Meu rápido metabolismo
impedia que eu ficasse gordo comendo dessa maneira.
Antes que a viagem tivesse chegado ao fim, todos nós fomos para um
passeio em Londres. Queríamos visitar a vó Jinx em Smarden naquele
mesmo dia, mas a vó Jinx estava na França. Alugamos uma confortável van
Mercedes que acomodava oito pessoas e fizemos uma longa viagem pelo
interior da Inglaterra até a capital, Londres. Eu não me lembrava muito da
cidade das minhas visitas anteriores, então foi como uma nova experiência
para mim. Achei a cidade muito feia na maioria dos lugares, mas em
contraste havia algumas partes encantadoras que estavam infundidas de
uma bela arquitetura e uma atmosfera cultural. Assim que estacionamos
nossa van saímos para caminhar, e às vezes pegávamos o metrô
subterrâneo para explorar todas as principais atrações da cidade. Estava
frio, terrivelmente frio, mas eu aguentava sem dar muita importância.
Caminhar pelas ruas de Londres de noite, especialmente na Trafalgar
Square e por volta da Harrods era verdadeiramente arrebatador, ou teria
sido se eu tivesse uma namorada ao meu lado para compartilhar essa
experiência comigo. Era o tipo de lugar que alguém iria com sua namorada,
mas eu não tinha. Eu via outros homens podendo experienciar isso com as
meninas, mas essa visão azedava meu passeio. Quando fomos jantar num
restaurante eu fiz uma grandiosa refeição e bebi duas taças de vinho para
me sentir melhor durante o resto do passeio. Minha parte preferida era
caminhar pelas lojas da Harrods. A Harrods é uma gigantesca e renomada
loja de roupas de grife. Cada fachada exalava beleza e opulência excessiva.
Era o meu tipo de lugar. Eu gostaria de ser rico o suficiente para comprar
qualquer coisa que quisesse na loja - havia tantas opções de roupas
fabulosas - mas, infelizmente, tive que me contentar em comprar apenas
uma camisa Giorgio Armani. Se minha mãe tivesse sido esperta o suficiente
para se casar com um daqueles magnatas com quem costumava sair, talvez
eu fosse rico o bastante. Que pena.
No final da noite de nosso passeio em Londres, eu estava me sentindo com
frio e miserável. Caminhar por aquela cidade cultural e excitante me fez
perceber que o mundo era cheio de maravilhas para descobrir, mas se eu
tivesse que fazer isso sozinho enquanto outros homens podiam fazer com
suas namoradas, então qual era o sentido? Minha vida era tão vagabunda
e desperdiçada comparada às vidas que todos aqueles homens tinham. Eles
viviam no paraíso e eu no inferno.
Quando pegamos o avião para voltar para casa, imaginei como teria sido
minha vida se nunca tivéssemos nos mudado para os Estados Unidos. Eu via
muitas meninas loiras bonitas na Inglaterra, exatamente como as da
Califórnia. Será que eu teria vivido uma vida completamente diferente?
Será que eu conseguiria ter uma namorada na Inglaterra? As meninas da
Inglaterra seriam mais receptivas a um cara como eu? Essas são questões
que eu nunca saberei responder.

Passei algumas horas recuperando o fuso horário após chegarmos em casa.


No dia seguinte, era véspera de Ano Novo. Eu não queria repetir o meu Ano
Novo anterior, quando passei sozinho e miserável dentro do meu quarto,
então decidi ir com meu pai e Soumaya para a festa na casa de Antje Twinn.
Meu pai ainda era amigo deles, apesar de não ser mais amigo dos
Bubenheims. Eu queria vestir uma peça nova para a festa, no sentido de
aumentar minha autoconfiança, então fui até a Nordstrom e comprei uma
camiseta nova e chamativa da Hugo Boss, matizada com vários tons de azul.
Eu não jantei antes da festa, porque imaginei que seria servido um jantar
lá. Quando cheguei percebi que não haveria jantar, apenas alguns petiscos;
mas havia garrafas e garrafas de vinho. Escutei de Antje que Vincent estava
na cidade, mas estava participando de uma festa na casa de Leo
Bubenheim, com todas suas amigas populares adolescentes. A simples
menção de Leo me deixava de mau humor. Eu não podia acreditar que
agora Vincent, também, estava experienciando os prazeres de fazer festa
com jovens enquanto eu me sentava completamente sozinho numa festa
de adultos, bebendo meu vinho na depressão solitária. Eu deveria estar
fazendo festa com meus próprios amigos, e minhas próprias namoradas,
mas eu não tinha NADA.
Depois de ter ficado bastante bêbado por tomar muito vinho de estômago
vazio, escutei por alto Antje falando para seu amigo que agora Vincent havia
arranjado uma bonita namorada. Ela estava muito orgulhosa de seu filho.
Isso era uma coisa que minha mãe nunca podia dizer para seus amigos. Eu
nunca tive uma namorada em TODA MINHA VIDA! Eu me lembro quando
Vincent era um menino de nove anos e eu tinha treze. Ele costumava me
admirar, e sempre me assistia jogando meus jogos online no laptop de meu
pai. Agora ele tinha dezesseis e eu vinte. Ele tinha o prazer de ter uma
namorada, enquanto eu nunca havia tido uma. Eu era quatro anos mais
velho do que ele, mas ele me superou. A inveja, a raiva, e o sentimento de
inferioridade que senti quase me fez explodir de raiva bem no meio daquela
festa, mas em vez disso eu fui para o banheiro e disse para mim mesmo na
frente do espelho o quanto eu odiava Vincent e o desejo que tinha de matá-
lo. Bebi muito mais vinho naquela noite, esvaziando taças e mais taças.
Quando Vincent chegou de sua festa na casa de Leo, eu o cumprimentei
com um desprezo embriagado e depois bebi ainda mais vinho. Bebi demais.
Na manhã seguinte eu dei graças que no final da festa eu tive a sensatez de
ir ao banheiro vomitar, em vez de vomitar na frente de todo mundo. Isso
teria sido extremamente vergonhoso.

Passei uma semana na casa de minha mãe antes de voltar para Santa
Bárbara para dar à minha vida lá uma nova tentativa. Nessa semana, mais
uma vez me encontrei com Philip e Addison. Esse passeio foi muito mais
longo do que o anterior. Decidi usar a mesma camiseta da Hugo Boss que
usei no Ano Novo. Primeiro subimos até o panorama famoso de Hollywood
e vimos o glorioso pôr do sol. Depois visitamos o museu Getty para admirar
os bonitos cenários e a arquitetura. Enquanto estávamos lá, escutei Philip
dizendo a Addison que algumas meninas estavam de olho nele. Sentindo
inveja, perguntei a Philip se algumas daquelas meninas tinham ficado de
olho em mim, e ele teve a audácia de dizer que não, nenhuma delas. Eu me
senti tão aquebrantado que deixei os dois para ir chorar sozinho,
arruinando toda a experiência no museu. Como podiam as meninas
olharem para Addison mas não para mim? Eu me perguntava
repetidamente enquanto tentava disfarçar minhas lágrimas das pessoas
que passavam por mim. Percorri o espaço até a beirada do grande terraço
do museu, olhando as luzes da cidade de Los Angeles, bem como para as
estrelas acima. Naquele momento, caí em uma espécie de transe embutido
de desespero, contemplando minha razão de existir neste universo e o que
estava reservado para o meu futuro. Foi uma experiência aziaga e surreal.
Eu me acalmei enquanto deixávamos o museu e os tratei cordialmente. Não
queria estragar a noite por causa de meus problemas emocionais. Demos
algumas voltas por Hollywood, e por ali vi muitos jovens com seus
charmosos grupos de amigos. Essa visão me enfureceu pelo resto da noite.
Decidimos jantar num restaurante no Bulevar Sunset. No restaurante havia
três meninas do estilo modelo que sentavam-se a poucas mesas abaixo de
nós. Seus corpos eram tão sensuais e tentadores que Philip precisou ir ao
banheiro se masturbar. Eu estava com vontade de fazer o mesmo, mas não
queria parecer um idiota na frente de Addison.
Quando cheguei em casa, comecei a chorar por causa de todas as emoções
que passara naquela noite. Minha mãe me escutou e demonstrou alguma
preocupação, como sempre fazia. Ela estava acostumada a me ouvir chorar
daquele jeito, mas nunca conseguia compreender porque eu me sentia tão
miserável. Eu sempre tinha que explicar para ela – que eu era um solitário
e miserável virgem indesejado a quem as meninas tratavam com desprezo
- mas ela nunca conseguia entender o quanto isso era grave para mim.
Afinal, como ela poderia entender? Ela também era uma menina.

Cheguei em Santa Bárbara com uma confiança renovada e cuidadosamente


construída, especialmente em virtude da nova coleção estilizada de roupas
que comprei nas férias de inverno. Tentei adquirir um estilo de pessoa
sofisticada e suave, e fiz minha voz soar mais eloquente. Agi assim na
esperança de que as meninas encontrassem algo de atraente nisso. Era o
único tipo de pessoa que realmente cabia para mim. Eu era incapaz de ser
um palhaço extrovertido, um brutamontes retardado, isso não cabia em
mim. Eu estava enojado com essas pessoas e estava farto com a forma
como as meninas eram atraídas por esse lixo. Eu queria que elas fossem
atraídas por mim. É assim que deveria ser, eu merecia isso.
Durante as poucas semanas que tinha antes de meu primeiro dia de aula,
eu realmente não podia fazer nada para melhorar minha situação social.
Tinha medo de sair em Isla Vista sem nenhum amigo, e estava esperando
fazer alguns quando a faculdade começasse. Por causa disso fiquei
deprimido de novo com toda a solidão. Mesmo que Spencer estivesse lá, eu
me sentia completamente sozinho, pois nós nunca conversávamos muito.
Até então Spencer e eu tínhamos nos dado muito bem, apesar do fato de
nunca termos conversado muito. Todavia, um incidente ocorrido no fim de
janeiro mudou tudo isso. Um dia eu descobri que Spencer estava com uma
menina dentro de seu quarto. Eu não podia acreditar. Um baixinho e
gordinho conseguia trazer uma menina para seu quarto antes de mim!
Fiquei tão chocado e ultrajado que esperei do lado de fora de seu quarto
até a menina sair, para que pudesse dar uma olhada nela. Para meu alívio,
ela não era muito atraente. O que me deixou com ainda mais raiva foi que
Spencer me lançou um olhar altivo quando eu reparei na menina, mesmo
sendo feia. Ele teve a presunção de se sentir melhor do que eu, apenas
porque tinha conseguido trazer uma menina para o apartamento antes de
mim! Eu o confrontei na cozinha na mesma noite, dizendo-lhe que ele era
um idiota em sentir orgulho por ter uma prostituta feia em seu quarto. Isso
fez com que se sentisse brabo e ofendido, o que era a minha intenção. Eu
queria ofendê-lo como uma forma de punição por sua insolência. Depois
desse incidente ficamos mais e mais hostis um com o outro.

No início de fevereiro começou meu semestre de primavera na


Universidade de Santa Bárbara. Eu estava matriculado para as cadeiras de
sociologia, matemática, cinematografia e inglês. Minha aula de inglês era
virtual, mas as outras três eram aulas presenciais que eu fazia na
universidade. Sociologia e matemática eram nas terças e quintas, e
cinematografia era na sexta, todas na parte da manhã. Era um cronograma
conveniente.
Era a última chance. Eu tinha falhado em mudar minha vida no semestre
passado. Agora eu não podia falhar de novo. Lembrava-me de como tinha
sido difícil manter aquelas duas aulas no outono. As pessoas que as
frequentavam me faziam sentir tão miserável. Eu sabia que se a mesma
coisa acontecesse no semestre por vir, eu acabaria desistindo de todas as
aulas, e se acontecesse, toda minha esperança teria sido arruinada.
Na manhã do primeiro dia eu usei minha fabulosa camiseta Armani
Exchange e coloquei meus novos óculos Gucci que minha mãe me deu.
Admirei-me por alguns momentos na frente do espelho e comecei a sentir
uma onda de entusiasmo. Eu queria que todo mundo me visse daquele
jeito. Tinha a esperança de que algumas meninas me admirariam. Eu disse
a mim mesmo que não havia como ter problemas para conseguir meninas
agora. Parei no Starbucks para tomar um café e parti para a universidade
com a confiança de que me pareceria como um cavalheiro superior para
todos os estudantes que lá estivessem. Eu sou um cavalheiro superior. Foi
para isso que eu nasci, e agora era a hora de me mostrar para o mundo.
Fazia um brilhante dia ensolarado quando subi pelas escadarias familiares
até o bonito campus universitário da SBCC. Fui imediatamente ao banheiro
para me olhar no espelho algumas vezes, apenas para que me sentisse mais
seguro. Sim, eu pensei. Eu sou a imagem da supremacia e da beleza.
Continuei a dizer isso repetidamente como se fosse um mantra. Quando
passei pela renomada ponte que conectava os dois lados do campus, senti
como se todo mundo estivesse me admirando. Quando passei por grupos
de meninas, fingi imaginar que elas secretamente me adoravam e me
desejavam. Até porque, era assim que deveria ser. Quanto mais eu andava
pelo campus, mais eu tentava me convencer que era esse o caso.
Minha primeira aula era de sociologia, e esperei até que todo mundo
estivesse sentado antes de entrar. Entrei pela porta da frente de modo que
todo mundo pudesse observar a minha fabulosa pessoa. Para minha total
decepção, reparei que ninguém mexeu a cabeça para olhar para mim.
Nenhuma menina inclinou a cabeça ou levantou uma sobrancelha com a
minha chegada. Depois de todo meu esforço, eu ainda estava sendo tratado
como um ser invisível.
A aula de sociologia passou como o vento, e minha próxima aula era de
matemática. Nessa aula, eu vi uma das mais bonitas meninas que já tinha
visto em minha vida. Ela era a única menina bonita da sala, e era
absolutamente estonteante. É claro, ela nem notou quando eu entrei. Sua
beleza era tão intimidadora que eu não conseguia sentar perto dela, por
medo de seu julgamento. Enquanto a conversa prosseguia, não conseguia
deixar de olhar constantemente para ela, admirando cada centímetro de
seu corpo atraente, desde seu cabelo loiro sedoso até suas pernas
suavemente delineadas e levemente bronzeadas. O mais lindo de seu corpo
era seu rosto. Era um rosto que quebrou meu coração desde o primeiro
instante em que lancei meus olhos nela. Eu a desejava com muita
intensidade, e constantemente fantasiava com ela em minhas sessões de
masturbação. Esse era o tipo de menina que sempre era para ser minha
namorada. Essa era a menina que era para eu ir junto para a faculdade em
Santa Bárbara. Minha vida teria um significado se eu pudesse ir para a
faculdade com uma namorada como ela.

Enquanto fazia meu caminho de volta da faculdade um dia durante a


primeira semana, eu parei numa sinaleira em Isla Vista e vi duas meninas
loiras esperando na parada de ônibus. Eu estava vestido com uma de
minhas camisetas bonitas, então olhei para elas e sorri. Elas olharam para
mim, mas não se dignaram a sorrir de volta. Elas apenas olharam como se
eu fosse um idiota. Dirigindo mais para frente eu fui ficando com raiva. Era
como um insulto. Essa era a forma como as meninas me tratavam, e eu
estava farto e cansado disso. Com raiva, eu fiz o retorno, entrei na parada
de ônibus e joguei meu café da Starbucks em cima delas. Senti uma
satisfação rancorosa ao ver o café manchando seus jeans. Então parti
rapidamente antes que elas pudessem anotar o número da minha placa.
Como essas meninas ousam me esnobar dessa maneira! Como elas ousam
me insultar assim! Eu dizia com raiva para mim mesmo. Elas mereceram a
punição que dei a elas. Foi uma pena que meu café não estivesse tão quente
a ponto de queimá-las. Essas meninas deveriam ser mergulhadas em água
fervente pelo crime de não darem a devida atenção que eu mereço!
Esse incidente arruinou minha primeira semana na faculdade, mas para o
bem de todas minhas esperanças e sonhos, eu tentei esquecê-lo.

Durante o mês de fevereiro, continuei com a tendência de assistir às aulas


da faculdade e tentar dar o máximo de mim. A cada dia que passava, minha
confiança em como eu aparentava para todos começava a diminuir. Eu
ainda não tinha feito nenhum amigo e ainda não tinha conversado com
nenhuma menina. No final do mês, comecei a questionar o que eu estava
fazendo de errado. Eu via retardados abomináveis que vestiam calções e
camisetas de basquete andando com meninas gostosas. E lá estava eu,
vestido com Armani, sozinho. Era um despautério! Eu deveria estar
andando com essas meninas gostosas! Logo percebi que ninguém se
importava com o quão bem eu me vestia. Nenhuma menina me admirava.
Nenhuma menina sequer me dava uma segunda olhada.
Logo descobri o nome daquela menina bonita da aula de matemática. Seu
nome era Brittany Story. Sendo o stalker obsessivo que era, procurei-a no
Facebook, e o que encontrei partiu meu já ferido coração em mil pedaços.
Ela tinha um namorado. Não só isso, seu namorado era o tipo de cara que
eu sempre odiei e menosprezei: um surfista musculoso com um corte de
cabelo raspado. Enquanto olhava para as fotos dos dois juntos eu tremia de
puro ódio. Eu podia sentir fisicamente o ódio queimando dentro de meu
corpo inteiro. Eu queria matar os dois, e seria capaz de fazer isso. Brittany
Story deveria ser minha, e se eu não pudesse tê-la, então ninguém teria! Eu
fantasiava capturando os dois e arrancando a pele de seu namorado
enquanto fazia ela assistir a cena. Por que a vida devia ser tão cheia de
tormento e ódio? Eu perguntei ao universo com um furacão de sentimentos
dentro de mim. Gritei e chorei de angústia nesse dia. Meu colega de quarto
Spencer escutou, mas eu não me importei.
Larguei minha aula de matemática imediatamente depois de saber que
Brittany tinha um namorado. Eu não conseguia mais olhar para sua beleza,
sabendo que aquele tipo de animal podia fazer sexo com ela todos os dias.
Eu apenas podia imaginar como deveria ser boa a vida daquele boca aberta.
Ele estava no céu e eu no inferno. Logo depois de largar minha aula de
matemática, decidi largar todas as outras num ataque de fúria. Não havia
mais sentido continuar. Não importava o quanto me esforçasse, as meninas
não ficavam atraídas por mim. Qual era o sentido de ir para a faculdade,
obter uma graduação, depois arrumar um emprego mundano qualquer, se
eu nunca podia experienciar o prazer das meninas nesse processo? Eu não
queria me torturar a ir para a faculdade e olhar para todas aquelas meninas
bonitas que eu nunca poderia tocar. Nada de bom resultaria disso. Não
havia esperança para mim de que eu tivesse uma vida universitária
satisfatória. Minha vida era desprovida de amigos, desprovida de meninas,
desprovida de sexo, e desprovida de amor. Eu percebi que nunca seria
capaz de um dia olhar para minha juventude passada, a época que eu
deveria estar curtindo, e me sentir satisfeito com felizes memórias. Não
havia felicidade em minhas memórias; apenas tristeza, solidão, rejeição e
sofrimento. A única coisa que eu poderia fazer era igualar o placar. Eu
queria fazer todo mundo sofrer exatamente como os outros me faziam
sofrer. Eu queria vingança.

Quando larguei minhas aulas na faculdade, cruzei uma linha que sabia que
existia, mas nunca pensei que um dia cruzaria. Ela terminava com toda
esperança que eu tinha de viver uma vida desejável em Santa Bárbara. Eu
percebi que seria virgem para sempre, condenado a sofrer rejeição e
humilhação pelas mãos das meninas porque elas não gostavam de mim,
porque sua atração sexual era degenerada. Elas eram atraídas pelo tipo
errado de homem. Eu sempre divagava que preferiria morrer a sofrer uma
existência dessas, e sabia que se chegasse a tanto, eu executaria minha
vingança sobre o mundo da maneira mais catastrófica possível. Então ao
menos eu morreria sabendo que bati de volta nas injustiças que foram
cometidas contra mim.
Desde quando minha vida teve uma reviravolta muito sombria aos meus
dezessete anos, eu frequentemente tinha fantasias de como seria
malevolamente satisfatório punir todos os caras legais e jovens casais pelo
crime de terem uma vida melhor do que a minha. Eu sonhava em como
seria doce torturar ou matar cada casalzinho que visse pela frente. No
entanto, como eu disse anteriormente nesta história, nunca pensei que
realmente sucumbiria para esses desejos drásticos. Eu tinha uma esperança
dentro de mim de que eu poderia um dia ter uma vida feliz.
Foi somente quando me mudei para Santa Bárbara que comecei a
considerar a possibilidade de perpetrar um ato violento de vingança como
solução final para rebater todas as injustiças que tive de encarar nas mãos
das meninas e da sociedade. Saí com um nome para isso depois de ver todos
aqueles bonitos casais caminhando pela universidade e pela cidade de Isla
Vista. Chamei-o de Dia da Retribuição. Seria o dia em que eu executaria
minha retribuição final e vingança contra toda a escória de hedonistas que
usufruíam vidas de prazeres imerecidos. Se eu não pudesse ter, então eu
destruiria isso. Eu destruirei todas as meninas porque eu nunca consigo tê-
las. Farei todas sofrerem por me rejeitarem. Eu me armarei com armas
mortais e travarei uma guerra contra todas as meninas e homens por quem
elas são atraídas. E eu as chacinarei como as bestas que são. Se elas não
me aceitam em seu meio, então elas são meus inimigos. Elas nunca me
mostraram misericórdia, então em troca eu também não mostrarei isso a
elas. Essa perspectiva será muito doce, e a justiça será finalmente servida.
E é claro, eu teria que me sacrificar nesse ato para evitar ir para a prisão.
Foi quando eu percebi que essa linha existia, e uma vez que a cruzasse, eu
teria que executar o Dia da Retribuição. Isso permaneceu estagnado no
fundo da minha mente desde então, até que cheguei nesse ponto. Depois
de abandonar minhas aulas de primavera na Universidade de Santa
Bárbara, eu sabia que o Dia da Retribuição era algo muito possível. Eu até
escrevi sobre isso em meu diário, mas depois arranquei as páginas com
medo de que alguém pudesse lê-las. Um tremor percorria meu corpo, ao
perceber como meu mundo tinha se tornado conturbado, a tal ponto de
recorrer a fazer algo que considerava impensável alguns anos atrás. Eu não
queria fazer isso. Eu queria viver. Pensar no Dia da Retribuição me fazia
sentir preso numa armadilha. Eu queria uma escapatória.

Depois de uma profunda reflexão, eu tive uma revelação de que o Dia da


Retribuição não era a única maneira que eu tinha para compensar todo o
sofrimento por que passei. Se eu conseguisse me tornar um multimilionário
com pouca idade, então meu estilo de vida se tornaria instantaneamente
melhor do que o da maioria das pessoas de minha idade. Eu seria capaz de
obter vingança de meus inimigos apenas vivendo acima deles e os
dominando. Essa era uma forma de vingança pacífica e feliz, e tornou-se
minha única esperança. Mais uma vez, comecei desesperadamente a
ponderar sobre os meios que me fariam atingir a riqueza extrema em tão
pouca idade. Era minha única escapatória.
Foi quando percebi que a riqueza seria a única forma de eu perder minha
virgindade, a única forma que eu poderia ter a bonita namorada que sabia
que merecia. Devido à todas minhas experiências tidas com meninas, era
evidente que elas não eram atraídas pela pessoa que eu era. Elas eram
repelidas por mim. A única forma de eu ser merecedor de seu amor e
atração era ficando rico.
No início de março eu fui para casa com um humor taciturno e perturbado.
Fiz o melhor para escondê-lo de meus pais. Eu também tinha que esconder
o fato de ter abandonado minhas aulas na faculdade, e continuei fingindo
que ainda estava frequentando as aulas, conversando com meu pai sobre
meus trabalhos e assim por diante.
O fim de semana que estava em casa foi bastante agitado, e eu estava
ansioso por isso há algum tempo. No domingo, 11 de março de 2012, fui
com minha mãe e minha irmã em um show privado e exclusivo da Katy
Perry; e no dia 12 de março de 2012 fui com meu pai e Soumaya para a pré-
estreia do filme Jogos Vorazes no cinema.

O convite para o show privado da Katy Perry foi na verdade feito para Rob
Lemelson, como o show era realizado para pessoas extremamente ricas que
eram clientes da Net Jets, uma empresa privada de jatos. Rob não tinha
interesse nessas coisas, então ele deu os ingressos para minha mãe. Eu
estava ansioso para ir, porque amava participar de eventos exclusivos; isso
me fazia sentir especial. Na maior parte do tempo antes do show começar,
eu apenas passei comendo nas mesas do buffet enquanto todos esperavam
a apresentação da Katy Perry. Havia música animada tocando o tempo
todo, e muitas famílias ricas com seus filhos compareceram. Cada família
ali devia ter um patrimônio líquido de pelo menos vinte milhões de dólares
para poder alugar jatos particulares. Tentei fingir que fazia parte de uma
família rica. Eu deveria ser. Essa era a vida que eu deveria viver. EU SERIA!
Se ao menos minha mãe tivesse se casado com um homem rico em vez de
ser egoísta. Se ao menos minha aberração de pai tivesse tomado decisões
melhores com sua carreira de diretor, em vez de desperdiçar seu dinheiro
naquele documentário estúpido.
Eu não podia deixar de sentir uma forma amarga de inveja de todas aquelas
crianças ricas no show. Elas cresceram em mansões luxuosas, no meio de
opulência excessiva, e nunca teriam que se preocupar com nada em suas
vidas prazerosas e hedonistas. Eu teria grande prazer em ver todas aquelas
famílias sendo queimadas vivas. Vê-las realmente solidificava em minha
mente a importância da riqueza. A riqueza é um dos fatores de definição
mais importantes de autoestima e superioridade. Eu odiava e invejava
todas aquelas crianças por terem nascido no seio da riqueza, enquanto eu
tinha que batalhar para obter riqueza por meios próprios. Eu tinha que ser
implacável e fazer o que fosse preciso para possuir tal riqueza. Afinal, essa
era minha única esperança para conseguir arranjar uma namorada e viver
a vida de gratificação que desejava.

A pré-estreia do filme Jogos Vorazes era mais um evento exclusivo. O


motivo de estarmos nele era porque meu pai era amigo do diretor, Gary
Ross. Meu pai também contribuiu para o filme como segundo diretor. Gary
Ross vinha frequentemente jantar na casa do pai nos últimos meses.
Quando ele me disse sobre Jogos Vorazes, eu nunca tinha ouvido falar nisso
antes, então decidi ler os livros nos quais o filme era baseado. Era uma
história bastante empolgante e me tornei um fã.
Ao mesmo tempo, minha madrasta Soumaya estava filmando uma série
televisiva francesa, do tipo reality, chamada Les Vraies Housewives. Seu
status como estrela do reality, junto com a importante associação de meu
pai com Gary Ross, permitiu que todos nós tivéssemos ingressos VIP para a
pré-estreia tapete vermelho, sendo admitido que também caminhássemos
no próprio tapete vermelho, que na verdade era um tapete preto, em
sentido literal.
Eu não tinha nenhum terno, mas usava minha exuberante camisa da Hugo
Boss, a qual eu achava elegante o suficiente para caminhar no tapete preto.
Enquanto estávamos nos enfileirando para nossa caminhada no tapete
preto, uma putinha idiota de guardinha teve a audácia de questionar:
"Quem diabos são essas pessoas?" Isso me deixou tão enfurecido que eu
quase falei “somos pessoas mais importantes do que você, sua buceta
fedida”, mas o publicista de Soumaya informou-lhe calmamente sobre o
nosso convite. Então prosseguimos pelo longo tapete preto enquanto as
câmeras piscavam para nós de um lado, e uma multidão de fãs patéticos
que me lembravam ovelhas num rebanho aplaudiam do outro. Senti-me
extremamente gratificado em caminhar no tapete preto com meu pai e
Soumaya, e sorri arrogantemente para todos os fãs estúpidos que tinham
que ficar do outro lado, esfregando isso bem na cara deles. Havia alguns
atores e celebridades no tapete junto conosco, e os paparazzi me disseram
algumas vezes para eu sair do caminho enquanto tiravam fotos de uma
buceta de atriz. Eu discretamente mostrei a esses porcos paparazzi o meu
dedo do meio. Elliot Rodger não vai sair do caminho por uma atriz estúpida,
inútil e supervalorizada, seja lá a merda de quem ela for. Não vi quem era.
Caminhamos por todo aquele caos até que finalmente chegamos ao teatro
onde o filme seria reproduzido, chamado Teatro Nokia. Era um dos maiores
teatros que eu já tinha visto, podia ver centenas de pessoas. Na entrada, o
pai e eu cumprimentamos Jack Ross, o filho de Gary Ross. Era um pirralho
paparicado de dezesseis anos, e para minha vergonha ele era mais alto do
que eu. Eu o odiei logo à primeira vista. Ele estava vivendo a vida que eu
deveria estar vivendo, se apenas meu pai tivesse sido um diretor de sucesso
como Gary Ross. Eu também odiei seus amigos repugnantes, que acabaram
sentando bem na minha frente e bloquearam parcialmente a visão do filme
durante toda sua metragem. Durante todo o filme eu tinha que lutar contra
minha vontade para não jogar com raiva minha bebida por sobre suas
cabecinhas de merda. Eles deram “spoilers” do filme, que era muito bom
por sinal.
O filme foi um ótimo entretenimento, mas minha parte favorita da pré-
estreia foi a festa depois. Sim, estávamos convidados para a festa, onde
apenas os convidados mais importantes podiam entrar. Eu me senti muito
especial quando dei meus ingressos VIP para os guardas lá fora, sendo
concedida minha entrada. A festa era extravagante, com mesas de buffet
colocadas em cada canto oferecendo iguarias deliciosas. Eu ia de prato em
prato, me servindo de todas as iguarias. O pai e Soumaya foram conversar
com Gary Ross e sua comitiva de produtores. Eu não conhecia ninguém ali,
é claro, então apenas passava meu tempo com minha irmã Georgia.
Alguns momentos na festa, eu me deparei com um rosto conhecido. Ele me
notou primeiro e chamou meu nome, dizendo: “Seu nome é Elliot?” Ele era
ninguém menos do que Ashton Moio, da velha Pinecrest! Eu não o via desde
a oitava série. Agora ele estava iniciando uma carreira como ator, e tinha
feito uma pequena participação no filme. Na verdade, tinha lido sobre isso,
mas não esperava que fosse encontrá-lo na festa. Monette Moio, a irmã de
Ashton, não estava em lugar nenhum. Suponho que a vagabunda não tinha
sido convidada, aha. Eu me lembro de todo o sofrimento que ela me causou
durante a oitava série em Pinecrest. Eu tentava me comportar de maneira
tão extrovertida e confiante quanto podia ao lado de Ashton, embora me
sentisse intimidado. Ele era um dos caras mais populares de Pinecrest, e
agora estava virando um ator, uma das carreiras mais atraentes que um
homem pode ter. Cogitei que provavelmente ele tivesse dormido com
incontáveis meninas bonitas. Que se dane. Tive uma breve conversa com
ele antes de tentar me evadir de sua presença o mais rápido possível. Eu
não queria que ele descobrisse como minha vida era patética.
Enquanto perambulava pela festa, presenciei jovens bem-sucedidos que se
exibiam com suas namoradas gostosas. Alguns deles tinham a minha idade,
e eram estrelas do filme. Tive um ódio particular do ator Alexander Ludwig,
que eu via sentado arrogantemente num sofá enquanto as pessoas se
reuniam à sua volta em adoração. Eu odiava tudo nele; seu cabelo loiro, sua
constituição alta e musculosa, seu rosto masculino desafiador. Esse menino
conseguiria qualquer menina que quisesse. Sua vida era completamente o
oposto da minha. Se apenas pudesse sentir o gosto de como ele vivia por
somente um dia... Ao ver todos aqueles jovens bem-sucedidos com suas
bonitas parceiras, fiquei ainda mais convencido sobre a importância do
dinheiro e status para se atingir uma vida desejável de amor e sexo. Isso me
fez ainda mais obsessivo com meu objetivo de ficar rico com pouca idade.
Essa era a única forma de viver a vida.
Toda a pré-estreia, desde o tapete vermelho, o filme, e a festa depois, foi
uma experiência extraordinária, e eu nunca me esquecerei. Ainda me sentia
muito frustrado por não poder trazer uma menina comigo como
companhia. A maioria dos homens no evento tinha uma acompanhante
junto, e eu me senti tão patético por não ter uma. Se ao menos uma menina
da minha faculdade se sentisse atraída por mim; eu a teria trazido com
gosto para a pré-estreia como minha acompanhante.

Quando retornei a Santa Bárbara, me dei conta de que não tinha mais
nenhuma obrigação. Ao abandonar minhas cadeiras na faculdade, eu tinha
todo o tempo do mundo. Eu queria fazer uso desse tempo o máximo
possível. Entusiasmado, tentei encontrar meios de descobrir uma ideia para
ganhar milhões de dólares. Alguns poderiam dizer que isso era loucura, mas
já tinha sido feito antes! Muitas pessoas tinham sido exitosas em sair com
uma ideia e ganharam milhões, até mesmo bilhões, do dia para a noite. Eu
era uma pessoa magnífica e extraordinária destinada para grandes feitos.
Se outras pessoas puderam fazer, por que não eu? Era meu destino, todo o
meu propósito neste mundo.
Pela semana seguinte ou por aí, passei meu tempo refletindo em meu
quarto, tentando sair com ideias para ficar rico. Eu também poderia
inventar alguma coisa, começar um grande negócio, ou voltar à minha ideia
original que tinha de escrever um livro de fantasia épica que depois seria
gravado num filme. Isso me fez lembrar da razão pela qual eu tinha
desistido da ideia pela primeira vez... a grande quantidade de tempo que
levaria para alcançar o sucesso numa perspectiva dessas. Eu estava tão
desesperado que precisava fazer alguma coisa bem naquele momento. Era
uma questão de vida ou morte. Se não conseguisse, então eu não tinha
nada por que viver.
Depois de muitas profundas reflexões, não consegui sair com nada. Será
que eu estava condenado a falhar em tudo? Comecei a ficar sem
esperanças, até que vi o prêmio corrente da loteria Megamillions. Estava
bastante acumulado no mês de março. Eu havia economizado bastante
dinheiro naquela época, então tinha o suficiente para gastar em bilhetes de
loteria, desde que não ficasse abaixo de 5.000 dólares, que queria manter
como minha economia mínima para o caso de uma emergência ou caso
tivesse que realizar o Dia da Retribuição. Acontece que eu tinha bem mais
de 6.000 dólares economizados na época, de todos os depósitos, dinheiro
de Natal e dinheiro de aniversário que meus pais e avós estavam me
enviando. Pela primeira vez desde que me mudara para Santa Bárbara,
comecei a ter um sério interesse em jogar na loteria de novo.
Eu acreditava que era o meu destino ganhar na loteria Megamillions,
particularmente o prêmio principal. As pessoas ganhavam na loteria a cada
mês, então por que não eu? Eu era para viver uma vida de significado e
extravagância. Era para eu ganhar essa bolada. Era o destino. Nas primeiras
combinações que joguei, gastei de $50 a $100 em bilhetes, mas para minha
profunda frustração mesmo assim eu não ganhei, e o prêmio continuou a
se acumular. Isso apenas aumentou minha esperança. Comecei a visualizar
uma vida perfeita e totalmente nova depois que eu ganhasse. Eu me
imaginava comprando uma bonita e opulenta mansão com um panorama
exuberante, e adquirindo uma coleção de carros conversíveis que usaria
especificamente para atrair meninas bonitas para minha vida. Planejava
voltar para a faculdade quando estivesse atulhado com todo esse dinheiro
e sobrepujar todos os demais estudantes, finalmente realizando meu sonho
de ser o cara mais popular do colégio. Enquanto meditava isso no meu
quarto eu imaginava o êxtase que sentiria quando dezenas de meninas
bonitas olhariam para mim com admiração ao me verem chegando na
faculdade com minha Lamborghini. Uma experiência dessas compensaria
tudo. Eu precisava ganhar o prêmio.
Quando o prêmio acumulou em mais de 200 milhões de dólares eu gastei
mais de minhas economias em bilhetes de loteria, mas ainda não ganhei.
Eu sabia que quanto mais eu gastasse em bilhetes, maiores eram as minhas
chances de ganhar. Eu estava tão desesperado em viver uma vida
satisfatória que gastei $400 em bilhetes quando o prêmio acumulou em 290
milhões de dólares. Perdendo todas as apostas, gastei $500 em bilhetes
quando o prêmio bateu em 363 milhões de dólares, e ainda assim não
ganhei... e então o prêmio alcançou um número que eu nunca imaginei que
poderia... 656 milhões de dólares. Fiquei maravilhado e cheio de um
entusiasmo febril de esperança e desejo. Esse era o maior prêmio da loteria
na história. Eu sabia que estava destinado para grandes coisas. Só podia ser
isso! Eu estava destinado a ser o ganhador do maior prêmio de loteria
registrado na história. Sabia perfeitamente que esse prêmio fora reservado
para mim. Quem mais mereceria uma vitória dessas? Eu tinha passado por
tanta rejeição, humilhação, sofrimento, e injustiça na vida, que esse prêmio
só podia ser meu, e seria minha salvação. Com todo meu corpo cheio de
esperança febril, gastei $700 em bilhetes de loteria para esse sorteio.
Quando gastei esse dinheiro, imaginei o sexo maravilhoso que teria com
uma namorada modelo uma vez que fosse um homem rico.
Depois do último e derradeiro sorteio, esperei três dias para conferir o
resultado. Estava muito nervoso para o que veria. O resultado determinaria
o destino de toda minha vida. Por esses três dias, refleti sozinho em meu
quarto, tentando me convencer de que eu era o ganhador. Segurava todos
os bilhetes na minha mão, cogitando animadamente qual deles seria o
bilhete vencedor. Houve muitas vezes durante esse período em que eu
estava prestes a verificar o resultado, mas fechei a aba na internet no último
segundo com medo do que poderia ver. A perspectiva de descobrir que
havia perdido era devastadora. No quarto dia eu decidi dar um fim nisso de
uma vez. O resultado já estava decidido, e o tempo que eu levaria para
conferir não alteraria nada. Era a hora da verdade. Meu coração estava
batendo rapidamente quando abri a página do site Megamillions. O que vi
destruiu completamente minhas esperanças. Todo meu corpo tremia de
agonia insuportável. Eu não ganhei. Três pessoas dividiram o prêmio.
Nenhuma dessas pessoas era eu. Não conseguia acreditar no que estava
vendo. Eu estava certo de que seria o ganhador. Era o meu destino... Só que
não, o mundo continuava a não me dar justiça ou salvação de nenhum jeito.
Mergulhei numa das piores depressões de minha vida. Era férias de
primavera, e enquanto outros jovens de minha idade estavam saindo de
férias com seus amigos, eu estava me sentindo miserável e sozinho em meu
quarto porque havia falhado em ganhar o prêmio da loteria que me
permitiria estar acima de TODOS! Eu estava tão deprimido que mesmo
quando minha mãe veio para Santa Bárbara com minha irmã e seus amigos
para uma visita de um dia, eu me recusei a vê-las.
Pelo mês seguinte mal saí de meu quarto. Eu estava totalmente no fim de
minhas esperanças. Minha vida acabou, eu pensei. Sem essa riqueza, o que
me reservava o futuro? Eu ainda não conseguia acreditar que não era o
ganhador. Continuava a pensar na vida abençoada que estaria vivendo se
tivesse ganho. Estava certo de minha vitória, desde o momento do sorteio.
Em vez disso, se transformou numa derrota avassaladora, assim como tudo
em minha vida. Tudo que eu havia tentado no passado, desde a infância,
deu errado. Era muito difícil me sentir bem depois disso. Passava todo o
meu tempo divagando sem rumo, sem fazer nada com meu tempo, exceto
a refletir sobre meu destino. Eu não queria pensar em mais nada. Eu mal
conseguia respirar por causa da solidão sufocante. Toda minha energia
havia se esgotado.

No mês de abril, James Ellis terminou oficialmente a nossa amizade. James


não se comunicou comigo desde a festa de Natal na casa dos Lemelsons, e
eu me senti extremamente ofendido por isso. Nos primeiros meses de 2012
eu tentei fazer contato com ele, querendo perguntar por que ele
continuava a agir de maneira tão fria e distante de mim. Eu pensei que
depois de nos falarmos na casa dos Lemelsons as coisas ficariam melhores
entre nós. Estava completamente equivocado.
Falei com ele por telefone no mês de fevereiro, mas ele disse poucas
palavras antes de rapidamente inventar uma desculpa para desligar. Um
mês depois eu mandei-lhe uma mensagem pelo Facebook para dizer como
ele tinha sido deselegante no telefone, e em abril eu recebi sua resposta.
Ele descaradamente disse que não queria mais ser meu amigo. Ele nem se
dignou a me dizer o porquê. Depois de dizer as palavras fatídicas, ele nunca
mais quis falar comigo. E foi a última vez que nos falamos.
Foi a traição final. Eu pensei que ele fosse o único amigo que eu tinha no
mundo que realmente me entendia, que verdadeiramente compreendia as
minhas ideias e as razões pelas quais eu pensava do jeito que pensava sobre
o mundo. Eu confidenciava tudo para ele, porque pensava que
estivéssemos na mesma situação. Ser traído dessa maneira me feriu
profundamente, embora eu nunca tenha admitido para ninguém.
No dia da traição eu rememorei toda nossa amizade. James Ellis era meu
amigo mais antigo. Eu lembro da primeira vez que o conheci, como nós
chutávamos poeira juntos no primário da escola de Topanga. Eu lembro dos
bons tempos que passei em suas tantas casas em Palisades, jogando cartas
de Pokémon quando éramos pequenos, nosso breve interesse em andar de
skate, jogando World of Warcraft quando éramos adolescentes, e todas as
nossas caminhadas pelo centro de Palisades... Ele era uma grande parte de
minha vida. E agora ele tinha desaparecido, ficando apenas em minha
memória.
Eu não tinha mais nenhum amigo. Nenhum amigo em todo o mundo. Eu
não queria mais ver Philip e Addison depois de ter chorado na frente deles
no museu Getty. Eu estava completamente sozinho, no poço mais escuro
do desespero. E nesse poço eu me afogava em agonia.
Minha profunda depressão perdurou verão adentro. Minha vida continuava
estagnada e miserável, e meu ódio de todo mundo, especialmente das
meninas, por me privarem de uma vida feliz, apenas ficava mais forte. Eu
não parava de me perguntar o que aconteceria comigo agora. Eu não queria
ter de recorrer a uma vingança final. Eu não queria morrer. Eu queria um
sentido para continuar vivendo.
Deveria haver um modo de eu ficar rico. Eu continuava a ver isso como a
única forma que eu teria para ter uma namorada bonita e perder minha
virgindade. Meu maior sonho era experienciar os prazeres do amor e do
sexo com garotas quando eu me tornasse rico e assim tivesse valor para
elas, e então eu me estabeleceria com uma linda namorada e teria lindos
filhos com ela, a quem eu criaria para viver uma vida muito melhor do que
aquela que eu tive que sofrer. Essa seria a mais satisfatória vingança contra
todas aquelas pessoas que achavam que eram melhores do que eu. Se eu
pudesse mostrar-lhes que eu tinha uma vida realizada, então meu
propósito neste mundo estaria completo. Ver o olhar embasbacado de
todos aqueles rostos quando eu tivesse subido acima deles... Eu não
consigo imaginar algo mais doce.

Casualmente encontrei um livro chamado “O Poder do Subconsciente”, de


Joseph Murphy. Esse livro me alimentou de esperança nos meses seguintes.
Era bastante similar ao “O Segredo”, livro que tinha lido há mais de um ano,
e produziu o mesmo efeito em mim. Ele me deu uma visão mais
aprofundada da lei da atração. Um ano antes, eu havia desistido de
acreditar em tal conceito, mas quando li este livro integralmente, convenci-
me desesperadamente a tentar. Eu queria acreditar que a teoria podia
funcionar. Eu precisava de um sentido para viver.
Comecei a visualizar-me ganhando na loteria. Fiz isso durante todo o mês
de junho. Depois de uma contínua análise e reflexão, concluí que ganhar na
loteria era a única forma que eu tinha para ser rico com pouca idade, e
portanto, era a única forma que eu tinha para aproveitar o resto de minha
juventude. Se não pudesse aproveitar minha juventude, seria amargurado
e miserável pelo resto de minha vida, mas é claro que isso nunca
aconteceria. Se fosse para chegar nesse ponto, então eu preferiria
consumar o Dia da Retribuição.
De verdade, essa era a única forma que eu podia adquirir riqueza na minha
idade. Eu não tinha talentos, então era impossível me tornar um ator
famoso, um músico, ou um atleta; esses eram os meios que pessoas da
minha idade geralmente adquiriam dinheiro. Eu poderia inventar alguma
coisa, ou começar um negócio como fez Mark Zuckerberg ao criar o
Facebook, mas as chances que eu tinha de alcançar uma dessas coisas eram
as mesmas de que tinha para ganhar na loteria. Eu não tinha conhecimento
de programação de computadores.
Depois de ler esse livro, quis acreditar que havia algum tipo de poder
sobrenatural do qual eu pudesse me aproveitar para alterar minha
realidade como bem entendesse. Pelos meses de junho e julho fiz muitas
caminhadas pelo Parque Girsh, na Goleta, sonhando e visualizando em ser
o ganhador da loteria. Declarei que quando o prêmio acumulasse em 100
milhões de dólares eu compraria um bilhete, e esse bilhete seria o
vencedor. Durante todos os meses do verão as pessoas continuaram
ganhando na loteria, e o prêmio continuou zerando, mas eu estava tão
desesperado que ainda me agarrava à crença de que logo ganharia.

Em um dia de julho, quando estava circulando pelo Parque Girsh, um grupo


de caras populares da faculdade chegou para jogar basebol nos gramados.
Todos eles pareciam atletas da fraternidade, altos e musculosos. O tipo de
gente que eu odiava e invejava durante toda minha vida. Com eles veio um
bando de meninas loiras bonitas, e pareciam estar se divertindo muito.
Uma das meninas plantou uma bananeira na grama como se tivesse cinco
anos de idade, e seu sexy abdômen nu apareceu quando sua camiseta
deslizou para baixo. Todas as meninas estavam seminuas. A raiva ferveu
dentro de mim enquanto eu via aquelas pessoas que achavam que eram
melhores do que eu aproveitando suas vidinhas prazerosas juntas. A raiva
era tão intensa que eu não conseguia suportá-la. Isso me insultava
sobremaneira. Eu não podia deixá-los sem fazer algum tipo de vingança,
então dirigi até a uma loja Kmart próxima, comprei uma pistola de água,
enchi com suco de laranja que comprei na mesma loja, e dirigi de volta para
o parque. Eles ainda estavam lá, curtindo suas vidas, e eu queria estragar o
seu barato. Eu queria arruinar sua diversão assim como eles arruinavam a
minha, porque eles nunca me aceitavam dentro de seu meio. Eu gritei para
eles com raiva e atirei com minha pistola de água. Quando os meninos
começaram a gritar e a correr atrás de mim eu rapidamente entrei no carro
e fui embora. Fiquei tonto de euforia, uma excitação alimentada pelo ódio.
Se pudesse eu jogaria óleo fervendo em cima dessas bestas idiotas. Eles
mereciam mortes cruéis e dolorosas apenas pelo crime de desfrutarem
uma vida melhor do que a minha.
Dirigi até uma área privada do estacionamento do Centro Comercial
Camino Real ali por perto, meu coração batendo em disparada. Depois que
me acalmei, fui dominado pela preocupação e pelo medo de que entraria
em problemas por causa disso. Eu me perguntei em pânico se havia alguma
câmera no parque que pudesse ter me pego em flagrante. A preocupação
durou alguns dias, mas finalmente fiquei aliviado quando nenhum
problema apareceu.

Minha mãe e minha irmã vieram para Santa Bárbara para o meu vigésimo
primeiro aniversário. Eu não queria que elas viessem, mas elas vieram de
qualquer jeito. Acho que minha mãe sentiu pena de mim, que eu passaria
sozinho o meu aniversário. E era verdade, eu ficaria sozinho. Não é uma
coisa triste de se contemplar? Passar sozinho meu vigésimo primeiro
aniversário. Outros homens dão grandes festas para seus amigos e
namoradas para marcar a passagem do limite da idade legal para poder
ingerir álcool. Eu li relatos na internet de como essas festas eram animadas
para outros homens que chegavam nessa idade. Eu não tinha ninguém para
comemorar o meu aniversário. Sem ter amigos, as únicas pessoas que me
desejavam feliz aniversário eram os familiares mais próximos.
Quando minha mãe e minha irmã chegaram em Santa Bárbara, elas
propuseram ir para um restaurante na rua State, mas essa perspectiva me
preocupou. A rua State era cheia de casais jovens caminhando de braços
dados ao saírem para seus encontros. Eu já estava atormentado pelo fato
de que agora eu era um virgem de vinte e um anos. Eu não queria me
torturar ainda mais. Procurei na internet por um restaurante mais quieto
para irmos, um lugar onde jovens casais muito provavelmente nem
conhecessem. Encontrei um restaurante japonês reservado em Montecito,
chamado Sakana. Sugeri essa opção para minha mãe, e dado que fosse meu
aniversário, era meu privilégio poder escolher o lugar.
Encontrei as duas fora do restaurante procurando um lugar para sentar. Eu
estava sério e deprimido. Fazer vinte e um anos como um virgem sem nunca
ter beijado era de fato um dia sombrio. Como isso era patético, ainda ser
virgem com vinte e um anos enquanto meninos já faziam sexo aos
quatorze? A injustiça da vida neste mundo é incrivelmente terrível!
O restaurante Sakana se mostrou uma boa escolha. Eles serviram a melhor
comida japonesa que eu já havia provado em minha vida. Eles tinham
muitos pratos criativos para experimentar, e eu pedi tantos que a conta
passou de 200 dólares. Devorei todos avidamente, compensando minhas
tristezas com comida. Minha mãe também amou o restaurante. Ela já tinha
ido a todos os melhores restaurantes japoneses de L.A. com seus vários
namorados ricos, mas confessou que o Sakana era o melhor. Desde então,
virou uma tradição comermos ali sempre que minha mãe viesse me visitar.
Depois do jantar nós fomos para o Starbucks em Montecito, onde baixei a
refeição requintada tomando um ótimo café quente. Eu nunca tinha
explorado muito Montecito, e achei um lugar bonito e adorável. Ele me
fazia lembrar de Calabasas, embora muito mais calmo e austero. Pretendia
passar muito mais tempo lá no futuro.

21 Anos
Em agosto continuei alimentando a fé de que estava destinado a ganhar o
prêmio da Megamillions. Era o futuro que estava reservado para mim; uma
coroação perfeita e feliz para a trágica vida que havia tido no passado. Eu
mal podia esperar para esfregar meu status de homem rico bem na cara de
todas as pessoas que me olhavam de cima para baixo, e de todas as meninas
que achavam que eu não tinha valor. Eu imaginava que quando tivesse
dinheiro então finalmente todas as meninas bonitas me dariam valor.
Passei todo o mês refletindo no meu quarto ou circulando pelo parque,
visualizando o resultado final da minha vitória. Pelo poder da lei da atração,
que eu tinha estudado com tanto afinco no livro que encontrei, estava certo
de que seria o ganhador. Eu esperava por isso com profunda ansiedade.
Esse seria o último mês que passaria no apartamento onde estava alocado.
Estava pronto para me mudar para um quarto no condomínio principal do
Capri Apartamentos pelo próximo ano de faculdade. O conflito entre eu e
Spencer tinha atenuado no verão. Ele trazia algumas meninas para o
apartamento, mas eram todas feias, então eu tentava não ficar com inveja.
Eu ainda o odiava pelo fato de que ele podia observar como minha vida era
solitária e miserável. Havia passado um ano inteiro em Isla Vista, Santa
Bárbara, e não tinha trazido nenhuma menina para o apartamento. A raiva
pura e o ódio que sentia por esse fato eram suficientes, mas ter alguém
como Spencer em meu ambiente para me julgar era como jogar sal na
ferida. Fazia planos de ir atrás de Spencer assim que me tornasse rico e
arrogantemente mostraria minha nova vida para ele. Essa seria a única
forma de me vingar. Eu queria mostrar ao Spencer, eu queria mostrar para
todo o MUNDO, que eu tinha valor.
Eu não pensava muito em minha mudança iminente para o novo quarto,
nem em como seriam meus novos colegas de apartamento. Acreditava
piamente de que ganharia na loteria quando lá estivesse. Então eu voltaria
para a casa da minha mãe, mostraria meu bilhete premiado, e compraria
uma mansão para começar uma nova vida de bênçãos celestes. Muitos
podem dizer que eu estava me iludindo, mas meu desespero pela felicidade
era tão grande que eu queria acreditar que isso era verdade. Eu queria
acreditar que eu tinha o PODER para invocar isso para dentro de minha
realidade. Eu desejei poder e significado durante toda a minha vida, então
nada me impediria de encontrar maneiras para alcançá-los.

Antes que percebesse, meu contrato no quarto atual terminou, e em 5 de


setembro eu me mudei para o novo quarto. Spencer e eu nem nos
despedimos, de tanto que nos desprezávamos mutuamente. Sabia que o
veria novamente, quando fosse atrás dele para mostrar minha fortuna que
piamente acreditava obter.
Descobri que meu novo apartamento no condomínio principal Capri era
exatamente o mesmo em que havia ficado em meu primeiro mês em Santa
Bárbara: apartamento 07, na rua Seville. Quando me mudei com todas as
minhas bagagens, ele estava vazio. O síndico me disse que dois estudantes
estariam se mudando para o segundo quarto dentro de duas semanas.
Confiei que o síndico tivesse o bom senso de me agregar com pessoas
maduras, uma vez que sabia de minhas experiências com aqueles dois
colegas bárbaros que eu tive que lidar um ano antes.

Quando me mudei o prêmio tinha finalmente acumulado em mais de 100


milhões de dólares. Era a hora da verdade. Eu havia esperado todo o verão
para isso acontecer. Dominado pela ansiedade, passei a semana seguinte
em meu novo quarto, refletindo e visualizando ganhar na loteria muito em
breve. Podia sentir o entusiasmo que teria ao ver os seis números em meu
bilhete casarem exatamente com os números sorteados. Eu me imaginava
dando pulos de alegria quando o prêmio fosse confirmado.
Em 11 de setembro começou o sorteio do prêmio acumulado em 120
milhões de dólares. Comprei um bilhete de cinco dólares e disse que dessa
vez o prêmio seria meu. Quando vi que o ganhador era da Califórnia, meu
coração bateu como um tambor. Era isso. O destino estava sendo decidido
naquele momento.
Não ganhei. Olhei para meu bilhete repetidas vezes, e dali para os números
sorteados. Não casavam. Foi exatamente como aconteceu em março, mas
agora era pior porque eu tinha aguardado por todo o verão. O ganhador era
um cara de Riverside. Ele pegou MEU dinheiro. Que desperdício. Que
injustiça. Eu estava tão certo que o universo finalmente me garantiria a
salvação depois de uma vida de tortura e sofrimento. Então olhei para meu
quarto pequeno e apertado e percebi que minha vida solitária e deprimente
de virgindade continuaria impiedosamente.
Naquela noite tive um acesso de raiva absurdo, gritando e chorando por
horas a fio. Eu tinha todo o apartamento para mim, então não havia
ninguém para me escutar. Amaldiçoei o mundo inteiro, batendo na minha
cama com minha espada de treinamento de madeira e cortando o ar com
meu canivete. Também esvaziei uma garrafa inteira de vinho, ficando tão
bêbado que derramei vinho em cima de meu laptop, estragando-o
permanentemente. Molhei meu travesseiro com lágrimas enquanto caía
lentamente no sono em minha cama solitária.

Na manhã seguinte eu me sentia sem energias e deprimido. Percebi que


havia destruído meu laptop, então liguei para minha mãe e pedi para ela
me comprar um novo. Inventei a história de que o laptop não tinha mais
dado sinal de vida e que não era minha culpa. Depois de alguma persuasão,
consegui que minha mãe concordasse em me comprar um novo.
Rapidamente dirigi até a Best Buy para procurar um novo laptop, e escolhi
uma versão mais recente e atualizada do mesmo laptop Asus que tinha
anteriormente. Acontece que a Best Buy em Santa Bárbara não tinha um
em estoque, então tive que dirigir até Oxnard para conseguir um. Paguei
$1500 por ele, com a garantia de que minha mãe me reembolsaria o valor
dentro de poucos dias.
Tinha que esperar algumas horas para que preparassem o laptop para mim
e, enquanto esperava, decidi ir ao estande de tiro em Oxnard. Eu sabia, no
fundo da minha mente, que o Dia da Retribuição era muito possível agora.
Ir para o estande de tiro enquanto esperava pelo meu laptop me daria a
oportunidade perfeita para obter algum treinamento inicial em armas de
fogo, que seriam as principais armas que usaria como vingança contra meus
inimigos quando o Dia da Retribuição finalmente chegasse. Entrei no
estande, aluguei uma arma do caipira velho e feio do caixa e comecei a
praticar tiro em alvos de papel. Quando disparei meus primeiros tiros, meu
estômago embrulhou. Questionei toda a minha vida, olhei para a arma na
minha mão e me perguntei: “O que eu estou fazendo aqui? Como as coisas
me levaram a isso?” Eu não conseguia acreditar que minha vida estava
ficando desse jeito. Lá estava eu, praticando tiro com armas de verdade
porque tinha um plano de executar um massacre. Por que as coisas tinham
que ser assim, era o que me perguntava silenciosamente enquanto via a
pistola que estava segurando à minha frente. Paguei a conta e deixei o
estande em poucos minutos, com a sensação de que ia passar mal. Passei o
restante do tempo no Café Bean, em Oxnard, onde me sentei me sentindo
bastante enjoado. Todo meu mundo estava conturbado.

Nos dias seguintes eu passei bastante tempo no parque, observando o


vento agitando as folhas das árvores e as crianças brincando nos gramados.
Questionei a própria noção do que era a realidade. Por que tudo isso existe?
Eu divaguei. Como surgiu a vida? Qual era a natureza da realidade? Qual
era meu lugar dentro de tudo isso?
Não havia mais sentido na minha vida. Eu nunca perderia minha virgindade.
Eu nunca teria uma namorada. Em razão de que as meninas eram repelidas
por mim, eu nunca teria filhos e não transmitiria meus genes. A única forma
de eu ter algum valor para as meninas bonitas era ficando rico com pouca
idade, e a fé que eu tinha de que isso aconteceria acabara de ser abalada.
Não havia mais esperança.
A vida que eu poderia ter findara. Eu nunca faria sexo, nunca seria amado,
nunca teria filhos. Eu jamais seria um criador, mas eu poderia ser um
destruidor. A vida tem sido cruel comigo. A espécie humana tem me
rejeitado durante toda minha vida, sem considerar o fato de que eu sou um
cavalheiro exemplar, magnífico. A vida em si mesma é conturbada e
desprezível, tenho essa convicção. Os humanos são animais brutais. Se não
consigo vicejar em seu meio, então eu os destruirei. Eu não queria que as
coisas chegassem a esse ponto. Eu queria uma vida feliz e saudável de amor
e sexo. Mas se não posso ter uma vida assim, então eu não tenho escolhas
a não ser executar minha vingança contra a sociedade que me impede de
tê-la.

Meus novos colegas de apartamento se mudaram para o outro quarto em


fins de setembro. Eles não se conheciam antes da mudança, o que era
melhor para mim porque assim eles não fariam complô. Era improvável que
fizessem isso de qualquer maneira, pois meus dois novos colegas de
apartamento eram tímidos e nerds. Um deles era um rapaz de cabelo
ondulado de aparência divertida chamado Chris Rugg, e o outro era um
asiático chamado Jon. Logo nos primeiros dias de sua estadia eu fiquei
contente com meus novos colegas. Eles eram quietos, respeitosos, e muito
amigáveis. E melhor de tudo, eles nunca convidavam ninguém para dentro
do apartamento. Eu acho que eles nem tinham amigos. Tudo o que eles
faziam era permanecer em seu quarto jogando videogame todo o dia. É
claro, eu não queria ser amigo deles, porque eles não tinham
absolutamente nada a agregar, mas sabia que não teria problemas com eles
em meu apartamento, e isso era melhor do que podia esperar.

No fim de semana de Halloween eu tive a sábia decisão de ir para a casa de


minha mãe. De jeito nenhum eu iria me torturar ficando sozinho no meu
quarto enquanto toda a cidade de Isla Vista explodia em devassidão
barulhenta. Todos os atletas altos que as meninas tanto amavam estariam
fazendo sexo e se divertindo, enquanto um rejeitado indesejado como eu
apodreceria na solidão. Cogitei que alguns caras atraentes só visitavam Isla
Vista naquele final de semana para transarem no Halloween. Eles fariam
sexo em apenas uma noite em Isla Vista, enquanto eu ainda era virgem
depois de morar por mais de um ano ali. Isso era muito injusto. Eu queria
punir todos eles. Eu imaginava como seria doce retalhar todas essas
vagabundas malditas que me rejeitavam, assim como esses retardados da
fraternidade em quem elas se atiravam. Para ver todos eles correndo de
mim com medo enquanto eu os mataria a torto e a direito, o que seria
minha retribuição final. Somente assim eu teria todo o poder. Eles me
tratavam como se eu fosse um ratinho insignificante, mas no Dia da
Retribuição, eu serei um Deus para eles. Eles serão os ratos, e eu o
predador. Considerei escolher a data para o Dia da Retribuição como o
próximo Halloween de 2013. Isso me daria um ano para me preparar, mas
logo o descartei. Se o Dia da Retribuição fosse acontecer, teria que ser em
um dia de semana. Havia muitos policiais circulando em um evento como o
Halloween, e os policiais eram os únicos que poderiam frustrar meus
planos.
Passei o tempo na casa da mãe relaxando e tentando esquecer o
Halloween. Bebi um dos vinhos encorpados da minha mãe até ficar tonto
demais para pensar em como todos os outros da minha idade estavam se
divertindo naquela noite.
Eu nem me preocupei em me matricular nas cadeiras da faculdade daquele
semestre. Não fazia sentido. Eu acreditava que realizaria meu sonho de ficar
rico ainda jovem, para assim ter valor para atrair as meninas bonitas, ou me
vingaria do mundo e morreria no processo para escapar da punição. Não
havia outro caminho para mim.
É claro, eu me “matriculei” em algumas cadeiras, mas somente para manter
o fingimento a meus pais de que estava estudando na faculdade. Se de
alguma forma soubessem que eu havia largado minhas cadeiras logo após
a matrícula eles suspenderiam todo seu apoio, e minha vida terminaria bem
ali. Felizmente, eu era um bom mentiroso.
Durante o outono de 2012, eu tinha à minha disposição todo o tempo do
mundo para imaginar como faria para triunfar contra a sociedade que me
torturava. Passava bastante tempo numa biblioteca na Goleta, a poucos
quilômetros de Isla Vista. Na biblioteca, li inúmeros livros de história,
negócios, e filosofia, aprendendo o máximo que podia. Era melhor do que
ficar em casa dentro do meu quarto. Além disso, eu não queria que meus
colegas descobrissem que eu não estava frequentando a faculdade. Isso
seria vergonhoso, e eu sempre me importava com o que os outros
pensavam de mim, até mesmo meus colegas nerds.
Continuei a visitar a página da loteria Megamillions. Eu ainda me agarrava
à esperança de que ela acumularia acima dos 100 milhões de dólares de
novo e eu seria o ganhador. Até então, via isso como a única escapatória
para sair de minha situação terrível.

Minha situação era de fato terrível. Eu não conseguia sair de casa sem ver
um jovem casal andando em algum lugar. Em todos os lugares que eu ia,
estava sempre sozinho, enquanto outros jovens tinham amigos e
namoradas. Eu tinha vergonha de me mostrar ao mundo. Mesmo que
usasse roupas caras de grife, qual era o propósito se as meninas ainda assim
não eram atraídas por mim? Ninguém respeita um homem que é incapaz
de conquistar uma menina. Um homem vestindo calções e uma camiseta
vagabunda seria visto pela sociedade como superior a mim se entrasse
numa loja acompanhado de uma menina bonita ao seu lado e eu entrasse
sozinho. Um homem acompanhado de uma menina bonita ao seu lado
mostra ao mundo que ele vale alguma coisa, porque obviamente essa
menina bonita vê algum valor nele. Se um homem está sempre sozinho, as
pessoas têm a impressão de que as meninas são repelidas por ele, e que,
portanto, ele é um perdedor desprezível.
Percebi que ganhar na loteria era minha única escapatória, e ficava
bastante frustrado quando via o prêmio da Megamillions voltando à estaca
zero. No final de novembro o prêmio estava muito perto de ficar alto o
bastante, mas então caiu ao prêmio mínimo de novo. Foi por volta desse
período que descobri sobre a loteria Powerball. A Powerball não tinha vindo
ainda para a Califórnia, por isso eu não sabia nada dela até então. Fiz uma
pesquisa no site e vi que o prêmio superava os 500 milhões de dólares!
Não existia a loteria Powerball na Califórnia, então para comprar um bilhete
eu teria que dirigir até o Arizona.
Mais cedo nesse dia, ao dirigir por Isla Vista, vi aquele tipo particular de
casal jovem que se destaca dos demais somente porque a menina é
simplesmente perfeita. Ela era alta, loira e sexy. Ela me superava em altura,
e seu namorado é lógico que também era mais alto do que ela. Ambos
estavam em roupas de banho, a menina com seu biquíni mostrando para
todo mundo seu corpo sensual de causar uma ereção. Seus cabelos loiros
estavam molhados de tomar banho no oceano, e isso apenas a fazia mais
estonteante. Os dois estavam de mãos dadas, e era nítido que estavam
apaixonados. Eu vi o rapaz colocando sua mão na bunda da menina, e
quando ele fez isso a menina olhou para ele e sorriu com prazer. Esse cara
estava no céu. Eu apenas consigo imaginar como deve ser bom fazer sexo
com uma menina dessas. Eu tinha que testemunhar tudo que queria mas
não podia ter. Isso me fazia sentir mal de angústia.
Imediatamente pensei naquele casal e em como era impossível para mim
ter a mesma experiência que aquele cara. Impossível, do jeito que estava
naquele momento. Mas seria possível conseguir uma namorada alta, loira
e sexy se eu fosse multimilionário! Ah sim, isso seria muito possível. Tornar-
me um multimilionário seria a ÚNICA forma de ter uma experiência dessas,
e ganhar na loteria era a ÚNICA forma de me tornar um multimilionário na
minha idade. Quando olhei para o prêmio do Powerball em mais de 500
milhões de dólares, eu sabia que TINHA de ser eu o ganhador.
Era meia-noite quando tive essa revelação, e o sorteio seria no dia seguinte.
O único jeito de conseguir um bilhete antes do sorteio era se eu saísse para
o Arizona bem naquele momento. E então foi isso exatamente o que fiz.
Rapidamente procurei pela melhor rota no Google Maps, coloquei um
pouco de comida na minha mochila, e me mandei.
O sol se levantava no horizonte quando cruzei o longo trecho do deserto
divisa entre Palm Springs e a fronteira do Arizona. Foi um dos mais belos
cenários que eu já vi em minha vida. Ao ver o sol despontando nas fímbrias
do deserto e irradiando as nuvens com seu brilho laranja eu proclamei que
aquele nascer do sol era também o renascer do meu destino. Eu estava indo
na direção de meu destino para alcançar o prêmio recorde de mais de 500
milhões de dólares da Powerball!
Enquanto dirigia, eu pensava em cada evento de minha vida que havia me
levado para aquela insólita jornada. Considerava essa jornada como o
ponto final do trágico sofrimento e privação sexual que tive de passar por
tanto tempo. O prêmio da Powerball estava destinado para ser meu. Uma
vez que o ganhasse, eu poderia ter minha bonita namorada loira, eu poderia
mostrar ao mundo que as meninas me davam valor, eu poderia mostrar ao
mundo como eu era superior. E é claro, eu poderia viver acima de todos
aqueles que fizeram coisas erradas contra mim, para esfregar em seus
rostos uma forma de branda vingança. Esse era meu último propósito na
vida, minha razão para viver.

Eu não ganhei. Era quase o mesmo cenário que sofri em março, exceto que
esse era duas vezes mais desolador. Quando finalmente cheguei em casa
da longa viagem, imediatamente fui para a cama depois de tanto tempo
sem dormir. Foi muito difícil permanecer desperto na estrada, mas eu
consegui fazer isso devido à extrema importância da jornada. O sorteio da
Powerball aconteceu quando eu estava dormindo, e meu último
pensamento antes de cair no sono foi de que quando acordasse eu seria
multimilionário, e minha vida estaria salva. Dormi por bastante tempo, e
quando acordei já era a manhã do dia posterior ao sorteio. Eu estava cheio
de ansiedade. Estava tão confiante e certo de que ganharia antes do sorteio
acontecer, mas quando esse tempo passou, eu temi pelo resultado. Temi
que poderia não ser o ganhador. Passei os três dias seguintes em meu
quarto, tentando reunir coragem suficiente para conferir os números
vencedores que determinariam o meu destino. Depois de perceber quanto
tempo eu estava desperdiçando, visitei a página do Powerball para ver o
resultado. No primeiro segundo de visualização eu peguei um ligeiro
vislumbre da página antes de fechá-la com medo e pânico. Nesse vislumbre
eu vi que havia três apostas vencedoras, e uma delas no estado do Arizona!
Meu coração começou a bater acelerado. Só pode ser eu! Eu pensei, com
esperança e entusiasmo percorrendo todo meu corpo.
Havia um ganhador no Arizona, e eu havia comprado meu bilhete no
Arizona. Depois daquela longa e emotiva jornada, dirigindo em direção ao
sol nascente no meio do deserto, lutando contra o sono apenas para chegar
a tempo, visualizando todo meu futuro diante de mim, com uma bonita
namorada loira e filhos que eu teria com ela... Depois de tudo isso, quem
mais poderia ser o ganhador a não ser eu? Era para ser eu. Era o meu fado,
o destino. Peguei meus bilhetes, tendo comprado cinquenta, e os examinei
para encontrar o que correspondia aos números vencedores. Sentia-me
tonto e extasiado ao fazê-lo, tão certo de que minha vitória seria
confirmada. Quando peguei minha última paca de bilhetes, não encontrei
nenhum que casava. Nos primeiros momentos, eu não conseguia acreditar
que isso estava acontecendo. Eu conferi todos os meus bilhetes de novo e
de novo, e ainda, nada. Eu não ganhei.
Sentei muito quieto e imóvel na cadeira de minha escrivaninha por um
longo tempo, com toda a emoção varrida de mim. Eu não reagia com raiva
ou angústia. Apenas fiquei lá sentado, frio e morto, mentalmente tentando
contemplar o que eu tinha feito. Eu tinha dirigido até o estado do Arizona
apenas para comprar bilhetes de loteria, porque estava desesperado por
uma vida feliz em que as meninas seriam atraídas por mim; eu estava tão
certo que ganharia, construindo toda aquela expectativa, apenas para vê-
la se despedaçar bem naquele momento.
Então eu saí dirigindo de meu apartamento e fui para o Parque Girsh. Eu
tinha que estar num lugar pacífico. Pelo caminho eu via casais andando
pelas ruas de Isla Vista, de mãos dadas; eu via grupos de jovens caminhando
juntos, rindo e desfrutando de suas companhias. Sentia-me completamente
morto por dentro, e o tormento destroçou todo o meu corpo, quando
percebi que agora não tinha chance de estar acima deles. Eu perdi.
Quando cheguei no parque eu fiquei dentro do carro por horas, chorando,
chorando e chorando. Eu gemia de agonia. Minhas lágrimas escorriam pelo
meu rosto e manchavam minha gola. Eu não aguentava mais. Sentindo que
precisava desabafar com alguém, liguei para as únicas pessoas que eu tinha
na vida: meus pais. Liguei para os dois, primeiro para minha mãe e depois
para meu pai, e contei a ambos como eu estava sofrendo em minha solidão,
e com a convicção absoluta de que eu jamais teria uma vida feliz. Eu disse
que eles deveriam ter vergonha de mim, porque eu tinha vinte e um anos e
era um virgem que não conseguia arranjar uma namorada ou fazer amigos.
Eu era o filho que nenhum pai gostaria de ter. Meu choro com meus pais
no telefone os preocupou muito, e eles marcaram uma consulta com meu
psiquiatra, Dr. Charles Sophy, quando voltei para casa nas férias de inverno.
Como diz a frase que cunhei: Se não posso me juntar a eles, então me
elevarei acima deles; e se não posso me elevar acima deles, então os
destruirei. Eu havia tentado me juntar e ser aceito entre as pessoas
populares durante toda a minha vida, mas não adiantava. Elas sempre me
tratavam como um pária. As meninas sempre me consideraram indigno de
seu amor e sexo. Tentei superar isso obtendo riqueza ainda jovem,
tentando ter ideias inovadoras, pensando em escrever um romance de
fantasia épica e, finalmente, tentando ganhar na loteria. Nessa altura, a
perspectiva de superar isso parecia sem esperanças. A solução final para
triunfar acima de meus inimigos era destruí-los, levar a cabo o Dia da
Retribuição, executar minha derradeira e devastadora vingança contra
todas as pessoas jovens e populares que nunca me aceitavam, e contra
todas as meninas por sempre me rejeitarem e privarem-me de seu amor e
sexo.
Nesse ponto, ocorreu-me em cheio de que a possibilidade de ter que
recorrer a essa Retribuição era mais real do que nunca. Sem a esperança de
ser rico ainda jovem, eu não tinha razão para viver. Eu seria um virgem
excluído para sempre. Percebi que tinha que começar a planejar e me
preparar para o Dia da Retribuição, ainda que não fizesse a mínima ideia de
que dia seria.
Meu primeiro ato de preparação foi comprar minha primeira arma de fogo.
Fiz isso rapidamente e apressado em uma loja de armas local chamada
Goleta Gun & Supply. Eu já tinha pesquisado algumas pistolas, e decidi
adquirir uma Glock 34 semiautomática, uma arma eficiente e altamente
precisa. Assinei todos os papéis e me disseram que meu dia de retirada seria
em meados de dezembro. Isso caiu bem, porque era até quando eu estava
planejando ficar em Santa Bárbara. Depois de pegar a pistola, eu a trouxe
para meu quarto e tive uma sensação nova de poder. Agora eu estava
armado. Quem é o macho Alfa agora, suas putinhas? Eu pensei em todas as
meninas que me olharam com desprezo no passado. Rapidamente admirei
minha nova arma antes de trancá-la na maleta e me preparar para voltar
para minha cidade de casa nas férias de inverno.

Eu não participei da festa natalina dos Lemelsons nesse ano e nunca mais.
A única pessoa com quem eu ficava nessas festas era James, mas agora
James não era mais meu amigo. Seria muito estranho estar lá com James,
sabendo que tínhamos sido velhos amigos do primário, agora evitando um
ao outro. Seria uma experiência boba e amarga, e eu já tinha passado por
angústia suficiente nos últimos meses.
Poucos dias antes do Natal eu fui com minha mãe e minha irmã em outra
viagem para a Inglaterra. Ela tinha me avisado um mês antes sobre isso. A
princípio eu não queria ir, sabendo que me sentiria miserável sem ter uma
namorada para experienciar a viagem comigo, além da vergonha de ter que
aparecer mais uma vez para meus parentes de uma forma que me deixava
insatisfeito. Um ano tinha se passado desde a última viagem e eu estava
exatamente na mesma situação de vida. Eu não tinha nada para meus avós
sentirem-se orgulhosos de mim. Sem namorada, sem projetos para o
futuro, nada de minha vida para falar.
A única coisa que me persuadiu a ir foi o fato de que minha mãe planejava
nos levar na Classe Alta do Virgin Atlantic, a melhor classe que as linhas
aéreas ofereciam para viajar. Eu nunca tinha viajado na Primeira Classe por
tanto tempo, e simplesmente não podia recusar uma oferta dessas. Sempre
tive um pendão para o luxo, a opulência, e prestígio; e viajar na Primeira
Classe do Virgin Atlantic me daria essa experiência, nem que fosse apenas
uma vez. Depois de toda angústia que havia passado, eu sentia que
precisava um pouco de descanso ao embarcar nessa luxuosa viagem.
Apenas por um breve período de minha vida, uma vez que especulava que
minha vida poderia muito bem estar terminando, eu decidi tentar fazer o
melhor para esquecer tudo e me satisfazer de todas as formas possíveis
nesta viagem à Inglaterra.
Antes de embarcarmos, passamos algum tempo na área exclusiva da
Primeira Classe do aeroporto LAX. Havia um buffet com todos os tipos de
iguarias para eu beliscar, e servi minha cota de salmão defumado
acompanhado de champanhe. Enquanto ali estava, tive uma discussão com
minha mãe sobre se ainda havia esperança na minha vida, e o que eu podia
fazer para ter as coisas que queria na vida.
Como portadores de passagens de Primeira Classe, seguimos direto para a
frente da fila ao embarcarmos no avião e fiquei muito satisfeito ao passar
por todas as outras pessoas que voavam no modo econômico, dando a
todos os passageiros mais jovens um sorrisinho arrogante sempre que eles
olhavam para mim. Assim que me acomodei em minha grande e luxuosa
poltrona-cama na cabine da Primeira Classe, tomei ainda mais champanhe,
seguido de um requintado jantar com filé mignon e batatas assadas e um
pouco de vinho tinto para ajudar a engolir tudo. Pedi taça após taça de
vinho tinto durante toda a viagem, e fiquei bastante bêbado enquanto
assistia a alguns filmes, sendo um deles o novo filme da Era do Gelo que
achei bastante engraçado.
Quando chegamos, fomos conduzidos em uma limusine ao nosso hotel em
Colchester. Dessa vez, ficamos no Hotel Holiday, que era bem parecido com
o hotel da última viagem. Nossos parentes, até mesmo Ah Mah, que
raramente saía de casa na velhice, vieram ao nosso hotel para nos receber.
Depois fomos para a casa deles, onde tia Min preparou um bom jantar para
todos. Eu me sentia tão surpreso por estar de volta à Inglaterra novamente.
Fazia um ano desde a última viagem, mas sentia como se nada tivesse
mudado. Nada melhorou na minha vida, isso é certo. Eu estava exatamente
na mesma posição do ano anterior, e na mesma posição de um ano antes
disso... e assim regressivamente. Agora eu era virgem aos vinte e um anos
e ainda sofria as mesmas injustiças do mundo. Tentava não pensar nisso
para o bem da viagem, mas a angústia era demais.
Nosso hotel servia o mesmo tipo de café da manhã requintado que o hotel
onde nos hospedamos no último ano, e mais uma vez eu me refestelei nas
incontáveis linguiças de porco, croissants, presunto, bacon e todas as outras
delícias servidas no buffet; todas as manhãs. Nessa viagem fiquei a maior
parte do tempo no hotel, relaxando e tentando criar um ambiente de paz e
serenidade.
Quando minha família saiu para um passeio em Londres eu me recusei a ir
junto. Não fazia sentido. Eu apenas me sentiria miserável enquanto outros
homens estariam caminhando com suas namoradas. Eu disse a todos que
não sairia por nenhuma noite em Londres a menos que tivesse uma bonita
namorada ao meu lado. Enquanto eles estavam em Londres, eu fiquei na
casa dos meus parentes com minha vó Ah Mah. Ela preparou-me um jantar
delicioso, bem como fazia quando eu era uma criança morando na Velha
Reitoria na Inglaterra. Bebi uma garrafa inteira de vinho nessa noite, e
estava bastante bêbado quando eles voltaram de Londres.
Conseguimos visitar a vó Jinx durante essa viagem. Antes de voltarmos para
a América, o tio Andrew nos levou até Smarden, no Kent, para visitar a casa
dela. Eu não estava na casa da vó Jinx desde os dez anos de idade, e ela
parecia exatamente a mesma. A vó Jinx me perguntou várias questões
sobre minha vida, como ela sempre fazia. Eu tive que fingir com desfaçatez
que tudo estava indo bem, e me doía não ter nada do que me vangloriar.
Eu odiava ser o neto vergonhoso. Aposto que o primo George estava
vivendo melhor do que eu. Com certeza ele tinha muito a dizer que fizesse
a vó Jinx orgulhosa.
De mais a mais, foi uma viagem relaxante, tranquila, e luxuosa. Eu não me
arrependi de ter ido junto. Do jeito que minha vida estava, eu precisava de
uma coisa assim para preenchê-la com uma de minhas últimas satisfações.
Na volta para casa, passamos algum tempo na área privada da Primeira
Classe no Aeroporto Heathrow, e esse espaço era ainda mais
impressionante do que aquele do LAX. Eles tinham todos os tipos de
comidas requintadas, e um bar inteiro cheio de todas as bebidas que se
pudesse imaginar. No voo de volta eu bebi várias taças de vinho tinto de
novo antes de cair em um sono tranquilamente embriagado. Quando
estávamos quase pousando em L.A. nosso avião pairou pela cidade por um
tempo, esperando o tráfego na pista lá embaixo limpar. Enquanto o avião
pairava nas nuvens eu filmei alguns vídeos de toda a cidade de Los Angeles.
Foi uma grande experiência, ver uma cidade daquelas de cima. Tudo parecia
muito pequeno, e as pessoas e os carros pareciam pequenos insetos. Por
um curto tempo eu fantasiei em ser um deus enquanto olhava sobre tudo
abaixo. Eu imaginei ter o poder para destruir tudo abaixo com poderes
sobrenaturais explosivos. Parecia um ótimo cenário, digno de ser discutido
com James Ellis, se ele ainda fosse meu amigo.

Na véspera de Ano Novo eu passei na casa de minha mãe, me sentindo


sozinho e miserável. Acho que o pai e Soumaya tinham ido para a casa de
Antje Twinn de novo. Não havia como eu ir para lá de novo depois do
incidente ocorrido um ano atrás. Eu estava achando bastante engraçado
como tudo nesse feriado estava saindo exatamente como no ano passado;
a viagem para a Inglaterra, o pai e a Soumaya indo para a mesma festa na
casa de Twinn, minha idêntica condição de virgem, solitário, e miserável.
Na verdade, minha vida há tempo estava se movendo em um círculo vicioso
de tormento sem saída. A única coisa que me ajudou a passar por tudo isso
foi minha esperança de que houvesse uma saída, mas essa esperança foi
destruída muitas vezes. Eu não podia mais viver assim. Eu sabia que se as
coisas continuassem as mesmas, eu teria que levar a cabo minha última
Retribuição e morrer nesse processo. Eu não queria morrer. Eu tinha medo
da morte, mas morrer é melhor do que viver uma vida insignificante e
miserável como a minha.

Permaneci em minha cidade de casa por algumas semanas, e então voltei


para Santa Bárbara, o lugar belo e romântico onde eu tinha que sofrer um
inferno solitário. Eu só estava matriculado para aulas online no semestre de
primavera, mas era apenas para conformar meus pais. Eu não via mais
sentido em me preocupar com a faculdade. Ter que caminhar pela SBCC
com todas aquelas meninas bonitas desfilando com suas saias reveladoras,
mostrando suas pernas sensuais... Isso era tortura, porque eu sabia que
todas elas me rejeitariam. Havia muitas meninas bonitas em Santa Bárbara,
mas nenhuma delas jamais quis ser minha namorada. A vida teria sido
perfeita lá se ao menos as meninas fossem atraídas por mim.

No mês de janeiro de 2013 eu permaneci dentro de meu quarto todo o


tempo avaliando minha situação. Refleti e analisei tudo. Podia ouvir todos
aqueles jovens felizes fazendo festa e curtindo quando o novo semestre
começou. Matutei que deveria estar lá fora, experienciando uma vida
universitária feliz e saudável com um grupo de amigos, encontrando-me
com meninas e dormindo com elas, assim como todos os outros caras
faziam na faculdade. Pensei que já havia se passado quase dois anos desde
que me mudara para Santa Bárbara, e isso só aumentava minha raiva e
frustração. Quando ouvia todos aqueles jovens tendo tanta diversão bem
do lado de fora da minha janela, meu ódio por todos eles por não me
aceitarem apenas pululava e fervia dentro de mim, provocando dor imensa.
Certa vez olhei para fora de minha janela e vi casais vagando pela rua no
caminho de alguma festa. Eles provavelmente dormiriam juntos naquela
noite. Essa visão me fez sentir muito inferior, como um ratinho. Eu me
sentia como se estivesse na base da cadeia alimentar. Eu não conseguia
entender por que tinha de aguentar uma vida tão dolorosa. Na mesma noite
procurei pela Powerball de novo, e vi que o prêmio tinha acumulado em
mais de 100 milhões de dólares. Isso me levou a dirigir para o estado do
Arizona novamente, em outra tentativa desesperada de me tornar
instantaneamente rico para atrair meninas bonitas e ter a vida que queria.
Depois de toda a rejeição e mau tratamento que havia sofrido nas mãos das
meninas, eu sabia que ficar rico era a única maneira de ter algum valor para
elas, e por isso minha obsessão em ficar rico com pouca idade voltou com
força total nos primeiros meses de 2013.

No mês de abril eu dirigi mais três vezes para o Arizona, perfazendo um


total de quatro viagens para o Arizona em minha vida, apenas para comprar
bilhetes de loteria por intenso desespero, acreditando que seria minha
última esperança de ter a vida que desejava, a vida que eu sabia que
merecia. Eu continuava sonhando com a vida que teria quando ganhasse; a
namorada loira, a mansão luxuosa com uma bela paisagem, todos os carros
exóticos que dirigiria para impressionar as meninas. Isso me dava
esperança. Isso me dava uma razão para viver.
Essa esperança era destruída a cada nova tentativa. Nenhum dos bilhetes
que comprei nessas viagens atenderam aos meus sonhos. A razão pela qual
eu continuava indo, mesmo depois de não ganhar, era porque eu realmente
acreditava que estava destinado a ganhar o prêmio. Eu queria acreditar
nisso porque eu queria alguma coisa para viver. Eu precisava ter esperança.
Sabia que se perdesse todas as esperanças, não me sobraria nada na vida a
não ser a vingança. Qualquer chance de ter uma vida feliz estaria
condenada.
No final de março, quando conferi meus últimos bilhetes que tinha
comprado em minha última viagem para o Arizona, e vi que não era o
ganhador, qualquer esperança que ainda restava de ser rico com pouca
idade foi finalmente e definitivamente destruída. Apercebi-me totalmente
que a vida que eu tinha imaginado para mim nunca aconteceria. Os filhos
que teria no futuro com uma namorada loira deixaram de existir, como se
tivessem sido assassinados. Agora não haveria nenhuma namorada loira
bonita para mim. Nenhuma menina seria minha namorada a menos que eu
tivesse grande fortuna... Aprendi isso em minha vida sendo rejeitado. Eu
estava condenado a uma vida de virgindade solitária.
Em abril a loteria Powerball foi aberta no estado da Califórnia, então se
quisesse jogar de novo não precisaria mais ir para o Arizona. Entretanto, eu
estava tão abalado por não ganhar nos últimos meses que desisti de jogar
por um tempo, mas eventualmente eu tinha episódios de pequenos surtos
de esperança em que comprava alguns bilhetes, apenas para ter algo pelo
que esperar enquanto suportava os últimos meses de minha vida
torturante. Todos esses pequenos surtos de esperança seriam, é claro,
igualmente destruídos.

Durante a primavera de 2013 eu comecei a pensar seriamente em planejar


o Dia da Retribuição. Meu segundo passo de planejamento foi comprar
minha segunda arma de fogo, uma pistola Sig Sauer P226. É de uma
qualidade muito maior do que a Glock, e muito mais eficiente. Por sua vez,
é também muito mais cara. Minha Glock 34 custou cerca de $700, enquanto
que minha nova Sig Sauer P226 custou $1100.
Esses preços não me assustavam, no entanto. Desde que me mudei para
Santa Bárbara e experienciei todas aquelas terríveis revelações sobre a
natureza da humanidade, eu sabia que alguma coisa como o Dia da
Retribuição poderia muito bem acontecer se o mundo continuasse a me
maltratar. Comecei a economizar cuidadosamente todo o dinheiro que
meus pais e meus avós estavam me mandando. Era uma grande quantia
para viver, deixando-me com uma grande reserva acumulada em minha
conta bancária. Quando atingi a marca de $5000, o que aconteceu logo
após minha mudança para Santa Bárbara, decidi que nunca poderia baixar
disso, considerando que $5000 era suficiente para comprar todos os
suprimentos e equipamentos que precisaria se tivesse que fazer alguma
coisa. O Dia da Retribuição sempre esteve lá no fundo da minha mente
como uma solução final se tudo desse errado na minha vida, desde que me
mudei para Santa Bárbara. Como bem aconteceu, tudo deu errado. As
meninas continuavam a me rejeitar e me maltratar, e eu continuava um
virgem indesejado.

Nos últimos meses da primavera eu fui muito para casa porque a solidão
em Santa Bárbara era demais sufocante. Ir para casa visitar meus pais
sempre era um refúgio emocional para mim. Nessas viagens para casa, eu
passava bastante tempo com meu irmãozinho Jazz. Meu pai me deixava
dirigir sua Mercedes enquanto eu estava na cidade, e às vezes eu pegava o
Jazz para dar voltas com ele. Nessas voltas, comecei a me acertar muito
bem com o garoto. Íamos para lugares como a Barnes&Noble, para
parquinhos, e para cafés locais onde eu o alimentava com café e pastéis. Os
parques em que o levava eram o Parque Serrania e do centro recreativo de
Woodland Hills. Eu gostava de vê-lo brincar nos parques, porque eram os
mesmos parques que eu brinquei quando tinha sua idade... Quando minha
vida era feliz. Enquanto o observava, eu sonhava com a vida feliz que eu
tinha, antes de todo meu mundo afundar na escuridão.
Eu percebia como meu irmão Jazz era diferente de mim na mesma idade.
Enquanto eu era tímido, baixo, e fisicamente fraco, Jazz era alto para sua
idade e muito sociável. Ele não tinha problemas em se juntar com outros
meninos do parque e ficar amigo deles na mesma hora. Comecei a ter uma
inveja amarga dele, embora escondesse muito bem. Meu pequeno irmão
tinha todo o potencial para se desenvolver e ser uma criança popular e viver
a vida que eu nunca fui capaz de viver. Amaldiçoei o mundo por dar ao meu
pequeno irmão Jazz muito mais vantagens do que a mim. Tentei não deixar
que isso arruinasse minha relação com ele. Meu irmão realmente me
admirava. Ele era uma das poucas pessoas que me tratava com adoração, e
isso me fazia sentir pelo menos uma pequena pontada de autoestima. Era
bastante surpreendente que ele me respeitasse tanto, já que eu não tinha
nada em minha vida para me gabar. Uma vez ele me perguntou se eu tinha
uma namorada, e eu lhe disse raivosamente que não era de sua conta. Eu
não queria admitir para ele que as meninas achavam que eu era um
perdedor. Se ele descobrisse isso, ele me respeitaria menos. Para elevar o
alto conceito que ele tinha de mim, frequentemente eu adoçava todas as
minhas realizações, dizendo que eu era um skatista muito habilidoso e um
grande jogador de videogame.
As pessoas terem um alto conceito de mim é o que eu sempre quis na vida.
Sempre foi para mim da maior importância. É por isso que minha vida tem
sido tão miserável, porque ninguém tem um alto conceito de mim. Meu
irmãozinho Jazz era o único que tinha uma opinião dessas, e é por isso que
eu gostava de passar tanto tempo com ele, apesar de ter inveja de suas
vantagens sociais.

Durante uma de minhas constantes visitas para casa no final da primavera


eu me reuni com meus velhos amigos Philip e Addison. Eu não os via desde
aquela noite em que chorei emocionadamente na frente deles no museu
Getty no começo de 2012. Esse encontro foi provocado pelas conversas
políticas e filosóficas que eu vinha tendo com Addison pelo Facebook.
Decidi encontrá-los na casa de Philip, onde faríamos planos para um passeio
por Malibu e L.A. uma vez que vim com a Mercedes SUV do meu pai para
usar como nosso meio de transporte. Primeiro fomos para Point Dume em
Malibu, onde Addison morava. Ir para lá resgatou amargas lembranças de
meus conflitos anteriores com Addison. Subimos até o topo de Point Dume,
onde havia um penhasco com vista para a praia.
Depois de Malibu, decidimos jantar no BOA Skatehouse em Santa Mônica.
Dirigir por Santa Mônica foi uma experiência extremamente colérica, como
sempre. Havia muitos casais jovens de boa aparência circulando, curtindo a
vida noturna que a atrativa cidade tinha a oferecer. Grupos de jovens
caminhavam em suas panelinhas. Isso me fazia lembrar da rua State em
Santa Bárbara, assim como Isla Vista. Quando via aqueles caras detestáveis
dando voltas com suas bonitas namoradas loiras, tinha vontade de passar
por cima de todos com a Mercedes SUV do meu pai. Eu fantasiava em como
isso seria prazeroso, literalmente esmagar e reduzir suas vidas a uma polpa,
assim como eles destruíram a minha. Tentava me esforçar ao máximo para
esconder de Philip e Addison essa raiva alimentada pela inveja. Philip era
fácil de enganar, mas Addison podia ver como eu estava com raiva. Addison
me conhecia muito bem.
Em Santa Bárbara eu passava a maior parte do tempo dentro do meu
quarto, refletindo. Comecei a construir todas as minhas ideias filosóficas e
teorias sobre o mundo. Eu questionava por que as coisas eram do jeito que
eram. O mundo é muito conturbado, e eu precisava de respostas.
Eu odiava todos esses retardados fanfarrões, esses marmanjos que podiam
desfrutar de prazerosas vidas sexuais com meninas bonitas, mas eu odiava
ainda mais as meninas, porque eram elas que escolhiam esses marmanjos
em vez de mim. Eram elas que me privavam de amor e sexo.
Meu ódio e raiva pelas meninas se espalhava dentro de mim como uma
infecção. A sua simples existência é causa de todo meu tormento, dor e
sofrimento que tenho na vida. Minha vida se tornou um inferno depois que
comecei a desejá-las ao atingir a puberdade. Eu desejo-as intensamente,
mas nunca consigo tê-las. Eu não sei o que é pegar na mão de uma menina
bonita e passear numa praia enluarada, eu não sei o que é abraçar uma
namorada e sentir seu calor e amor, eu não sei o que é fazer sexo
apaixonado com uma menina e depois dormir ao lado de seu corpo sensual.
As meninas acham que eu sou indigno de tê-las, e assim elas me privaram
de ter uma juventude feliz, enquanto distribuem seu amor e sexo para
outros caras. Por todos esses anos eu sofri uma vida de estagnação sexual
e desejos insatisfeitos. Eu nunca terei esses anos de volta. Minha vida tem
sido desperdiçada, tudo porque as meninas me odeiam tanto.
Tudo o que eu sempre quis foi poder amar as meninas, mas seu
comportamento só fez alimentar meu ódio. Eu queria fazer sexo com elas,
e fazê-las se sentirem bem, mas elas ficariam enojadas com essa
perspectiva. Elas não sentem atração sexual por mim. É como uma injustiça,
e eu veementemente me pergunto por que as coisas precisam ser assim.
Por que as meninas se comportam como bestas cruéis, perversas, e
estúpidas, tendo satisfação com meu sofrimento e desejo? Por que elas têm
uma atração sexual pervertida, preferindo brutamontes em vez de
cavalheiros com inteligência?
Eu cheguei à conclusão de que as meninas são degeneradas. Há uma coisa
mentalmente errada na forma como seus cérebros funcionam, como se
ainda não tivessem evoluído do pensamento animal primitivo. Elas são
incapazes de terem correto discernimento das coisas ou de pensar de forma
racional. Elas são como animais, completamente controladas por emoções
e impulsos depravados primitivos. É por isso que elas são atraídas por
selvagens, bestas, e brutamontes. É porque elas mesmas são bestas
selvagens. As bestas não deveriam ter quaisquer direitos numa sociedade
civilizada. Se sua perfídia não for contida, a humanidade será impedida de
evoluir para um estado mais civilizado das coisas. As meninas não deveriam
ter o direito de escolherem a quem se unir. Essa escolha deveria ser feita
por homens civilizados de notável inteligência. Se as meninas tiverem a
liberdade de escolher com quem copularão, como ocorre hoje em dia, elas
procriarão sempre com homens estúpidos e degenerados, o que apenas
criará uma prole estúpida e de baixa estirpe idêntica à remontada por
herança genética de seu progenitor. Isso por sua vez atrapalhará o avanço
da humanidade. Não apenas atrapalhará, mas devolverá a humanidade a
um estágio precedente de sua evolução. As meninas são como um vírus que
deve ser colocado em quarentena. Quando cheguei a essa brilhante e
perfeita revelação, senti como se tudo estivesse esclarecido então, mesmo
que de forma amarga. Eu sou uma das poucas pessoas neste mundo que
tem a inteligência para enxergar isso. Eu sou como Deus, e meu propósito
é infligir o último ato da Retribuição para extinguir as impurezas que vejo
no mundo.

A primavera de 2013 foi também a época em que me deparei com o site


PUAHate.com. É um fórum cheio de homens que são privados de sexo,
assim como eu. Muitos deles têm suas próprias teorias sobre pelo que as
meninas são atraídas, e muitos partilham do meu ódio por meninas,
embora diferente de mim eles seriam muito covardes para agir como eu.
Ler os posts da página apenas confirmou muitas das teorias que eu tinha
sobre como as meninas realmente são pérfidas e degeneradas. A maioria
das pessoas do fórum tinha opiniões extremamente ridículas que eu achei
bastante frustrantes, mas encontrei poucas de alguma luz.
A página PUAHate é bastante deprimente. Ela mostra como é sombrio e
cruel o mundo devido à perfídia das meninas. Eu tentei mostrá-la para meus
pais, para dar-lhes alguma noção da realidade sobre porque sou tão
miserável. Mas eles nunca conseguem entender porque eu sou tão
miserável. Eles sempre tinham a ilusão de que tudo ia ficar bem comigo,
principalmente meu pai. Quando mandei o link do PUAHate.com para meus
pais, nenhum deles se importou em conferir os posts da página.

Depois de passar a primavera em absoluto desespero enquanto outros


jovens tinham vidas saudáveis de prazer sexual, veio o verão. O verão é
ainda pior do que a primavera, especialmente em Santa Bárbara. Bandos
de meninas gostosas saem de biquíni, atormentando ainda mais meu corpo
faminto por sexo toda vez que olhava para elas. Saber que elas mostravam
graciosamente suas curvas desejáveis, e ainda por cima que nunca me
davam uma chance de ser seu namorado, apenas aumentava minha raiva
já em ebulição pelas meninas. Eu não conseguia sair de meu apartamento
sem ver ao mínimo algumas delas. O único lugar onde eu podia ficar em paz
era o Parque do Lago, na Goleta. Eu passava muito tempo lá, tentando
estabelecer um sentimento de paz e serenidade sempre que minha solidão
em Isla Vista se tornava demais insuportável. Quando olhava para todas
aquelas árvores bonitas à minha volta, assim como para as altas cadeias de
montanhas ao fundo, eu imaginava como um mundo tão bonito podia ser
um lugar tão sombrio e cruel. De fato, o mais lindo cenário pode ser um
inferno sombrio se você tiver de vivê-lo sempre sozinho, enquanto outros
homens conseguem desfrutar da companhia das meninas.

Eu não tinha mais nada pelo que viver além da vingança. As meninas devem
ser punidas pelo crime de rejeitarem um cavalheiro magnífico como eu.
Todos aqueles caras populares devem ser punidos por desfrutarem de vidas
abençoadas e fazerem sexo com todas as meninas enquanto eu tenho que
sofrer com minha virgindade solitária. Já era quase junho, e eu estava
morando em Santa Bárbara há dois anos. Dois anos inteiros. Eu morava
numa cidade universitária cheia de jovens estudantes universitárias que
faziam festa e transavam a toda hora, mas eu não conseguia experimentar
nada disso. Ninguém me convidava para as festas, e todas as vezes que eu
saía sozinho em Isla Vista, nenhuma menina loira mostrava o mínimo
interesse de fazer sexo comigo. Nenhuma menina. Esses são crimes que não
podem passar sem retribuição. Quanto mais eu pensava nas injustiças que
eram cometidas contra mim, mais ansioso eu ficava para me vingar. Era
tudo o que me restava. Eu não queria morrer, mas eu sabia que tinha que
me matar depois de aplicar minha vingança para evitar ser capturado e
preso.
Por um tempo, eu estava decidindo se exigiria minha Retribuição em Isla
Vista ou no campus de Santa Bárbara. Em ambos lugares eu havia sofrido
imensamente na mão de todo mundo lá. Tinha visto jovens casais atraentes
circulando nesses dois lugares, e por isso eram meus alvos. Eu queria matar
tantos casais atraentes quanto fosse possível.
Depois de pensar bastante, cheguei à conclusão de que o Dia da Retribuição
se daria em Isla Vista. Nos finais de semana à noite as ruas de Isla Vista estão
sempre cheias de jovens casais e caras populares indo para suas festas. Que
lugar melhor poderia existir para aplicar minha Retribuição para meus
inimigos? Toda vez que caminhei por Isla Vista, tentando conhecer meninas
ou me juntar a caras legais, eu apenas fui tratado com desdém, como se eu
fosse um rato inferior. No Dia da Retribuição, o jogo se inverterá. Eu serei
um Deus, e eles serão todos animais para o abate. Eles são animais... Eles
se comportam como animais, então eu posso abatê-los como os animais
que são.
Cheguei ao ponto em que tinha que escolher uma data para o Dia da
Retribuição. Inicialmente considerei fazer no Halloween de 2013. É quando
toda a cidade explode numa festa barulhenta. Haveria literalmente
milhares de pessoas aglomeradas que eu poderia matar com facilidade, e o
objetivo era matar todos em Isla Vista, destruir totalmente aquela cidade
desgraçada. Entretanto, depois de ver alguns vídeos do Halloween de anos
anteriores no Youtube, notei que havia muitos policiais no entorno. Seria
muito arriscado. Um disparo efetuado por um policial poderia estragar
tudo. O Dia da Retribuição deveria ser executado numa festa normal de fim
de semana, então determinei que seria em algum dia de novembro de
2013.
Esse objetivo me daria cinco meses para planejamento e preparação. Mais
cinco meses de vida, mas eu nem podia chamar isso de vida. Uma sensação
de tontura e ansiedade avassaladoras tomou conta de mim. Eu morreria
mesmo. Eu não conseguia acreditar nisso. No entanto eu percebi que minha
vida já tinha acabado de qualquer jeito. Eu nunca perderia minha
virgindade; eu nunca experienciaria amor e sexo; eu jamais teria filhos. Esse
ato final de Retribuição era a única coisa que me restava fazer. Foi muito
difícil aceitar os termos desse triste fato. Senti-me muito encurralado e
perdido.

Eu odiava a sensação de estar encurralado e perdido. Eu queria uma saída,


mas não via nenhuma. Tinha passado dois anos em Santa Bárbara e ainda
era virgem. Não havia jeito de que eu pudesse atrair uma menina sem que
fosse muito rico, mas todas as minhas perspectivas de ficar rico com pouca
idade pareciam impossíveis agora.
No começo do verão eu saí para algumas caminhadas por Isla Vista durante
o dia. Durante essas caminhadas, vi muitos jovens andando em seus
grupinhos, se divertindo muito. Alguns dos caras desses grupos nem tinham
boa aparência, mas eu tenho boa aparência. Eu não conseguia entender
como eles podiam ser aceitos, enquanto eu não. Eu me perguntei
raivosamente por que não pude ter essas experiências mesmo depois de
morar por dois anos em Isla Vista. Isso era incompreensível.
Eu queria respostas. Eu queria saber por que tinha que ser assim. Se pelo
menos uma menina bonita tivesse demonstrado algum interesse em mim,
o Dia da Retribuição nunca aconteceria. Eu nem mesmo consideraria a
hipótese. O Dia da Retribuição representa principalmente minha guerra
contra as meninas por me rejeitarem e me privarem de sexo e amor. Se
apenas uma menina tivesse me dado uma chance, tentado me conhecer
melhor, deixado que eu a levasse para jantar... Nada disso teria que
acontecer. Era tão difícil aceitar que as coisas teriam que chegar ao ponto
de realizar esse ato de Retribuição que eu estava planejando.

Uma vez ao visitar minha casa, meus pais, junto com meu psiquiatra Dr.
Charles Sophy, arranjaram um conselheiro para me encontrar com
frequência e me ajudar com minha vida. Seu nome era Gavin Linderman,
um jovem de vinte e cinco anos. Ele era parecido com Tony, meu antigo
conselheiro do centro regional quando eu tinha dezenove anos, exceto pelo
fato de que Gavin era muito mais novo e agia mais como um amigo que
podia me levar para conhecer lugares. Toda vez que eu voltava para visitar
meus pais eu me encontrava com Gavin. Geralmente nos encontrávamos
em algum restaurante, ou íamos dar uma caminhada. Eu lhe contei todos
os meus problemas com meninas e todas as dificuldades que tinha que
passar em Santa Bárbara. Sendo ele mesmo familiar a Isla Vista, já que
passara muito tempo lá quando era mais jovem, ele me confirmou que, de
fato, as meninas de Isla Vista preferiam homens altos, musculosos, e
arruaceiros do tipo atleta.
Gavin era a única pessoa com quem eu interagia na época, sem contar os
encontros esporádicos com Philip e Addison. Ele era um jovem bem
aparentado, com uma mandíbula esculpida e o cabelo loiro dourado.
Sempre que saíamos para algum restaurante, ou para qualquer outro lugar
que tivesse meninas, eu ficava extremamente ciumento quando via que as
meninas ficavam de olho nele em vez de mim. Tinha uma menina em um
restaurante de Santa Mônica que ficou encarando-o durante todo o tempo
em que estávamos sentados lá. Nenhuma menina jamais fez isso comigo.
Isso apenas me deixou mais consciente de que as meninas não me
consideravam fisicamente atraente. Meu ódio pelo gênero feminino não
poderia ficar maior. Já era demais.

No Dia dos Pais, fui com minha família para o Resort Four Seasons em
Westlake Village. O Four Seasons servia seu almoço anual do Dia dos Pais.
O lugar era muito bonito e opulento, e havia comida saborosa de todos os
tipos para escolher. Eu sempre procurava por eventos como esse. Desde
que eu não tinha acesso ao sexo, a comida era meu único vício. Em como
todos os buffets que eu participava, me estufei tremendamente, tentando
experimentar um pouco de tudo o que eles ofereciam. Havia linguiça de
porco, bacon, salmão defumado, sushi, filé mignon, frango assado, batatas
assadas... E eu sentia prazer em comer até quanto aguentava. Servi o prato
três vezes e devorei todos. Enquanto comia minha refeição saborosa, dei
uma olhada no cenário em volta; a arquitetura perfeitamente construída
do salão, as lindas flores nos jardins, o luxuoso mobiliário e decoração, as
fontes em cascata. Isso realmente me fez sentir bem, uma pausa bem-vinda
de todo o meu sofrimento em Santa Bárbara. Pausas como essas me
deixavam mais consciente de que há tantas coisas boas e belas neste
mundo para desfrutar. Se meu status de vida fosse melhor, eu poderia
pensar que esse mundo era um lugar magnífico, e quem sabe aproveitasse
a vida. Se estivesse satisfeito com as circunstâncias de minha vida, então eu
seria capaz de curtir ao máximo esse mundo bonito. Mas eu não consigo
ficar satisfeito se sou virgem e as meninas me rejeitam. É como uma
tragédia.
Dei-me conta que ainda não queria desistir da vida nesse mundo. Eu queria
ter uma vida feliz, uma vida na qual eu pudesse ter uma namorada bonita
e experienciar esse mundo fantástico com ela. Decidi que como meus
planos para o Dia da Retribuição não se dariam mais em novembro, eu
poderia usar o tempo disponível no verão para dar uma outra chance à vida;
uma última chance antes do fim, um último esforço para atingir a felicidade.

Em fins de junho minha mãe se mudou do Summit Town Homes e comprou


uma casa em West Hills. Foi a primeira vez que minha mãe comprou uma
casa, enquanto que no passado ela só alugava. A casa tinha recebido uma
reforma recentemente, então estava praticamente como nova. Tinha uma
piscina e era localizada numa área muito boa, embora eu ainda teria
preferido que ela se casasse com um homem rico e se mudasse para uma
mansão. Eu continuava a pedir para que ela fizesse isso, mas ela ainda
continuava a se negar veementemente. Sempre me ressentirei por minha
mãe se negar a fazer isso. Se não para o seu próprio bem, ela poderia ter
feito por mim. Juntar-se a uma família de grande riqueza teria realmente
salvo a minha vida. Eu teria um alto status para atrair meninas e estar acima
de todos os meus inimigos. Todos os meus problemas teriam cessado
instantaneamente. É muito egoísmo de minha mãe não ter considerado
isso.

Com a ajuda de Gavin, meus pais conseguiram que eu tivesse alguns


conselheiros de habilidades sociais para trabalhar comigo em Santa
Bárbara. Eles teriam um papel similar ao de Gavin, providenciando alguém
para me levar para sair e me ajudar a praticar a socialização. Eles seriam
como amigos contratados. É claro que eu precisava de algo assim, e deveria
ter contratado esse serviço logo quando me mudei para Santa Bárbara. Eu
temia que agora fosse tarde demais, mas embarquei nessa de qualquer
jeito. Eu era muito sozinho em Santa Bárbara, e em minha solidão eu
sempre desejava ter alguém com quem falar.
O primeiro conselheiro era um homem muito acessível chamado Karlin que
tinha a mesma idade de Gavin. Em minha primeira noite de encontro com
Karlin ele me levou para sair em Isla Vista, mas não foi proveitoso.
Acabamos apenas dando voltas até seu tempo se esgotar. Durante nossa
caminhada, eu lhe perguntei se ele já tinha feito sexo com alguma menina
em Isla Vista, e ele me disse que já tinha traçado quatro! Eu fiquei com
bastante inveja. Karlin era meio havaiano e meio mexicano, e não tinha boa
aparência. Como ele podia ter transado com quatro meninas em Isla Vista,
enquanto eu estive ali por dois anos e não consegui nada? Parecia
absolutamente absurdo. Eu não quis mais vê-lo de jeito nenhum depois que
descobri isso.
O segundo conselheiro que foi contratado para me ajudar era uma menina
chamada Sasha. Ela era apenas um ano mais velha do que eu. Sasha foi a
primeira menina com quem interagi desde que cheguei em Santa Bárbara,
e foi a única a estar interessada em falar comigo. Como isso era patético.
Inicialmente eu não queria ter uma conselheira, mas quando ela se
apresentou vi que era uma loira bem bonita. Eu não podia recusar a
oportunidade de sair com uma loira, apesar de ela ser contratada. Foi a
única vez na minha vida em que experimentei como era sair com uma
menina da minha faixa etária, e mesmo que fosse tudo faz de conta, eu
realmente gostei. Eu me sentia muito melhor na vida depois de cada
encontro. Todavia, pensei em como era injusto que pudesse ter apenas uma
prova falsa de tal experiência, enquanto outros homens faziam isso todos
os dias com suas namoradas. Fortuitamente, Sasha teve que se mudar de
Santa Bárbara, e eu decidi não ter mais conselheiras. Seria o mesmo do que
contratar uma prostituta, eu imagino. Faria me sentir bem no momento,
mas depois eu seria como um perdedor por ter contratado uma garota
quando outros homens podiam consegui-las de graça.

Em julho passei bastante tempo me exercitando dentro de meu quarto


como um esforço final para parecer mais atraente para as meninas. Depois
de duas semanas de exercícios pesados, propus-me a tentar dar o máximo
de mim para sair em Isla Vista e fazer o possível para conhecer uma menina
e perder a virgindade. Fazia muito tempo que não saía sozinho em Isla Vista,
mas sabia que tinha que fazer isso. Eu não tinha nada a perder, e toda a
minha vida estava em jogo. Antes de tomar a decisão definitiva de planejar
o Dia da Retribuição, eu queria dar às meninas e à humanidade mais uma
chance para me aceitarem e para ter uma juventude prazerosa. Resolvi que
se dessa vez eu saísse por Isla Vista e acabasse voltando sozinho para meu
quarto como um virgem solitário, eu não teria alternativa a não ser planejar
o Dia da Retribuição.
Eu até frequentei a faculdade na SBCC novamente. Matriculei-me numa
cadeira de verão em sociologia e a frequentei por uma semana, depois
larguei pela mesma familiar frustração de ver as meninas falando com
outros caras e não comigo.

Esse último esforço desesperado para mais uma vez tentar viver uma vida
universitária agradável em Isla Vista chegou a um ponto culminante e
devastador na noite de sábado, 20 de julho, a poucos dias de meu vigésimo
segundo aniversário.
Foi o dia em que decidi sair em Isla Vista numa tentativa de perder minha
virgindade antes de fazer vinte e dois anos. Essa seria a única coisa que
poderia ter me salvado. Eu estava dando ao gênero feminino uma última
chance para proporcionar-me os prazeres que eu merecia delas.
Eu estava muito nervoso para sair sóbrio, então comprei uma garrafa de
vodca e tomei alguns copos para reunir coragem para sair numa hora
daquelas. Bebi demais, pois quando cheguei à rua Del Playa, minha cabeça
estava anuviada pela embriaguez. A princípio, isso me ajudou
imensamente. Vi muita gente de boa aparência socializando em grupos por
todo o lugar, e se eu não estivesse bêbado isso teria me intimidado demais.
Eu estava tão bêbado que entrei numa festa da pesada que estava
acontecendo numa casa em Del Playa. Eles tinham um DJ tocando música
incomodativa de Hip Hop que todos os jovens gostam nos dias de hoje, e
havia uma mesa de ping pong armada onde muitos caras populares
jogavam “cerveja pong”, um jogo rude para se embebedar.
Havia cerca de cem pessoas na festa, e todo mundo estava socializando
dentro de uma roda de amigos, exceto eu. Perambulei lá dentro com a
minha confiança de bêbado por alguns momentos, peguei a cerveja que
eles tinham, e tentei agir como alguém normal que vai em festas. Logo
fiquei frustrado que ninguém estava prestando atenção em mim,
especialmente as meninas. Vi meninas conversando com outros caras que
pareciam imbecis falantes, mas nenhuma delas demonstrava interesse em
mim. Minha frustração crescia na mesma proporção de minha raiva. Eu
sempre tive a sensação de que as meninas brancas davam pouca atenção
para mim porque eu era meio asiático, mas então eu vi uma menina branca
conversando com um asiático puro na festa. Eu nunca tive esse tipo de
atenção de uma menina branca! E as meninas brancas são as únicas que me
atraem, especialmente as loiras. Como podia um asiático feio atrair a
atenção de uma menina branca, enquanto um europeu bonito como eu
nunca tinha essa mesma atenção delas? Eu pensei com raiva. Olhei para os
dois por um tempo, então decidi que já tinha sido demais ultrajado. Fui na
direção deles e empurrei o asiático para o lado, tentando agir de maneira
valente e arrogante tanto com o menino quanto com a menina. Meu estado
embriagado levou a melhor sobre mim, e eu quase caí no chão depois de
alguns minutos de discussão. Eles disseram alguma coisa de que eu estava
muito bêbado e precisava tomar um pouco de água, então eu raivosamente
os deixei e fui para o pátio da frente, onde o principal da festa estava
acontecendo. A raiva fumegou dentro de mim quando percebi que havia
acabado de fugir daquele confronto, então voltei para a casa e mandei o
asiático à merda antes de sair novamente.
Permaneci estranhamente no pátio da frente por um tempo, percebendo
como eu parecia patético estando sozinho enquanto todo mundo fazia
festa à minha volta. Para me acalmar, subi em um tabique de madeira que
cercava a rua e me joguei em uma das cadeiras que havia ali. Isla Vista
estava em seu estado mais selvagem naquela hora, e vi muitos caras
andando por ali com meninas loiras em seus braços. Isso me encheu de
raiva, como sempre acontecia. Eu deveria ser um daqueles caras, mas
nenhuma menina loira me dava essa chance. Olhei para eles e, em meu
descaso embriagado, estendi meu braço e fingi atirar em todos, rindo
copiosamente enquanto o fazia. Casualmente alguns arruaceiros também
subiram o cercado. Eram todos uns desordeiros barulhentos que eu sempre
desprezei. Duas meninas bonitas vieram conversar com eles, mas nenhuma
comigo. Todos eles começaram a socializar bem ao meu lado, e nenhuma
das meninas prestou atenção em mim. Levantei de minha cadeira e tentei
agir de maneira agressiva e arrogante, dirigindo palavrões a todos. Eles
apenas deram risada e começaram a me xingar de volta. Foi a gota d’água,
eu já tinha recebido demais insultos naquela noite. Uma raiva negra cheia
de ódio sobrepujou todo meu ser, e tentei empurrá-los todos para baixo do
cercado de aproximadamente três metros de altura. Meu alvo principal era
as meninas. Eu queria puni-las por falarem com aqueles imbecis em vez de
comigo. Foi uma das coisas mais estúpidas e inconsequentes que já fiz, e
quase arrisquei tudo ao fazê-lo, mas estava tão bêbado e com raiva que não
me importei. Falhei na tentativa de empurrar qualquer um deles para baixo,
então os caras começaram a me empurrar, o que resultou que eu fui o único
a me estatelar na calçada. Ao cair no chão escutei um estalo no tornozelo,
seguido de uma dor lancinante. Levantei lentamente e percebi que nem
conseguia caminhar mais. Eu só conseguia mancar, e assim eu fui. Tentei
sair dali o mais rápido possível.
Conforme eu mancava algumas quadras pela rua Del Playa com minha
perna quebrada, fui me dar conta de que alguém havia roubado meus
óculos da Gucci que minha mãe tinha me dado. Eu amava esses óculos, e
precisava recuperá-los. Dei meia volta subitamente e fui mancando de volta
para a festa. A essa altura, eu estava tão bêbado que esqueci onde era a
festa e acabei entrando no jardim da frente da casa ao lado, exigindo saber
quem tinha pego meus óculos escuros. As pessoas dessa casa deviam ser
amigas daquelas com quem briguei anteriormente, pois me receberam com
cruel hostilidade. Eles me chamaram de nomes como "viado" e "xoxota",
coisas típicas que esses desgraçados diriam. Um grupo inteiro desses
retardados detestáveis apareceu e me arrastou para a entrada da garagem,
me empurrando e me batendo. Eu queria lutar e matar todos eles. Consegui
dar um soco naquele que estava à minha frente, mas isso só fez com que
eles me batessem ainda mais. Caí no chão e eles começaram a me chutar e
dar socos em meu rosto. Por acaso, algumas pessoas que passavam na rua
terminaram com a briga. Encontrei forças para me levantar e cambalear
embora.
Foi a primeira vez na minha vida que fui realmente espancado fisicamente
a ponto de meu rosto ficar com hematomas. Eu já tinha sofrido bastante
bullying em minha vida, mas na maioria não era físico. Eu nunca tinha sido
espancado e humilhado dessa forma. Todo mundo em Isla Vista viu o que
aconteceu, e isso foi verdadeiramente terrível.
A pior parte de toda essa provação não foi levar uma surra, ah, com certeza.
Foi o fato de que ninguém mostrou preocupação comigo. Houve somente
um grupo que ajudou a me levar até o fim da rua Del Playa, mas depois
disso eles me abandonaram. Nenhuma menina se ofereceu para me ajudar
enquanto eu mancava de volta para casa com uma perna quebrada, surrado
e sangrando. Se as meninas sentissem atração por mim, elas teriam se
oferecido para me levar até meu quarto e cuidariam de mim. Elas até
mesmo se ofereceriam para dormir comigo para me fazer sentir melhor. Só
que não, nenhuma menina demonstrou a mínima preocupação comigo.
Elas não se importaram. Ninguém se importou comigo. Eu estava sozinho.
Quando cheguei no meu quarto, estava tão traumatizado que liguei para as
únicas pessoas que conhecia nesse mundo, meus pais e minha irmã. Sim,
eu também liguei para minha irmã, alguém com quem eu nunca me dava
muito bem. Fiquei de mau humor por um longo tempo, e então levei a mão
ao pescoço para tatear meu colar de ouro, mas não senti nada. No meio da
briga, um daqueles marginais tinha arrancado meu colar especial de ouro
que minha vó Ah Mah tinha me presenteado! Esse colar era um dos itens
mais especiais que eu tinha, e agora um daqueles marginais desgraçados o
venderia para comprar drogas. Desabei em angústia e lamentei em agonia,
chorando e chorando até desmaiar na minha cama, sozinho.

Quando acordei na manhã seguinte minha perna estava com dor terrível.
Estava roxa e inchada, e eu nem conseguia pisar no chão. Tive que me
rastejar. Estando totalmente sóbrio, minha ansiedade voltou. Ficou muito
claro para mim o que tinha acontecido. Eu sentia raiva de tudo, mas
também estava com medo de que pudesse estar metido em problemas. Eu
havia tentado empurrar meninas pelo cercado e ameacei de morte todas
aquelas pessoas, o que poderia vir a me complicar. Teria de inventar uma
história bastante alterada para explicar à polícia, que inevitavelmente me
interrogaria assim que eu chegasse ao hospital e relatasse meu ferimento.
Meu pai foi até Santa Bárbara para me levar no hospital. Dois policiais
realmente me interrogaram, e eu disse que aqueles caras deliberadamente
me empurraram para baixo do cercado depois que eu agi “afoito” contra
eles. Nem mencionei as meninas. Expressei aos policiais o meu desejo de
que eles fossem punidos por isso. Os policiais foram então interrogá-los, e
eles deram sua própria versão da história. Como não havia provas, o caso
foi sumariamente encerrado.
O médico do hospital me engessou temporariamente e me deu muletas.
Não fossem todas as coisas do mundo que me faziam sentir inferior, agora
eu era um aleijado. Sentia-me quebrado e derrotado. Para meu pavor, o
médico disse que eu teria que usar muletas pelos próximos seis meses e
teria que fazer cirurgia.
A perna que quebrou foi a esquerda, então eu ainda podia dirigir. Logo após
o incidente dirigi de volta para casa para passar o resto do verão me
recuperando. Foi uma viagem melancólica. Eu nunca tinha me sentido tão
derrotado e injustiçado em minha vida. Eu tinha saído para uma festa em
Isla Vista, na expectativa que voltaria para meu quarto triunfante com uma
menina em meus braços, mas em vez disso eu voltei mancando com uma
perna quebrada e a esperança igualmente.
Meu vigésimo segundo aniversário foi uma experiência miserável. Eu estava
sentado em um canto da casa da minha mãe, olhando para minha perna
quebrada, e me sentindo tão patético por ser um aleijado, quanto por ser
virgem aos vinte e dois anos. Minha mãe me comprou um novo colar de
ouro para substituir aquele que tinham roubado de mim, porque ela sabia
o quanto isso havia me machucado.

22 Anos
A experiência absolutamente injusta de ter sido espancado e humilhado na
frente de todo mundo em Isla Vista, e a subsequente falta de consideração
com meu bem-estar, foi a gota d’água. Na verdade, dei a todos uma última
chance de me aceitarem, de me darem uma razão para não odiá-los, mas
eles devolveram isso bem na minha cara de forma devastadora. Eu já tinha
dado ao mundo muitas chances. Era a hora da Retribuição.
Fui para a cirurgia no início de agosto. Depois de visitar o ortopedista local,
ele recomendou que eu teria de colocar pinos no tornozelo em vez de
esperar que se recuperasse naturalmente. Decidi aceitar o procedimento
apenas para me ver livre das muletas mais rapidamente. Minha mãe me
levou para o hospital cedo da manhã, e eu estava morrendo de medo. Eu
nunca tinha passado por uma coisa dessas na minha vida. Eles me deram
uma anestesia geral, e quando acordei minha perna queimava de dor, ainda
que a medicação que eles injetaram em mim depois ajudou a amenizá-la.
Um novo objeto fora posto em minha perna. Eu nem queria pensar em
como estava a aparência disso. Disseram-me que tinham parafusado uma
placa de titânio para segurar o osso quebrado no lugar, o que necessitou de
seis pinos. Permaneci em repouso no hospital por algumas horas antes de
que me fosse permitido ir para casa, sob as instruções de que deveria
manter minha perna elevada durante todo o tempo na próxima semana.
Logo depois de minha cirurgia minha mãe e minha irmã viajaram de férias
para o Havaí. Elas tinham planejado essa viagem há bastante tempo, e é
claro que me recusei a acompanhá-las como elas tinham sugerido alguns
meses atrás. Minha mãe não queria que eu ficasse completamente sozinho
em sua casa no estado em que eu me encontrava. Cuidar da casa numa
condição dessas seria difícil, e não haveria ninguém para pedir socorro em
caso de uma emergência. Pedi para o pai se eu podia ficar em sua casa, mas
Soumaya estava com alguns de seus parentes pousando lá no verão, então
ela recusou que eu ficasse lá porque seria “muito trabalho para ela”, apesar
da casa do pai ter seis quartos e muito espaço de sobra para eu ocupar. O
pai, é claro, aceitou as regras de Soumaya como sempre fazia. Meu respeito
por meu pai já estava tão baixo que não havia como decrescer em meu
conceito por causa disso.
Devido a essa pequena dificuldade, minha mãe alugou um quarto de hotel
no Extended Stay America, em Woodland Hills. Fiquei contente com isso. O
hotel era bastante confortável, e minha mãe me provisionou com um
estoque de comida pela semana que eu passaria nele. Isso proporcionou-
me um ótimo ambiente para que me recuperasse das terríveis experiências
que tinha recentemente enfrentado. A única coisa que eu não gostei desse
hotel é que ele era localizado bem em frente da escola Taft, então sempre
que olhava pela janela eu via o lugar que tinha me causado grande
sofrimento num passado distante. Eu pensei no bullying que me fizeram na
Taft, e de certa forma minha experiência lá foi semelhante a que tinha se
passado comigo naquela noite fatídica em Isla Vista. Eu era humilhado pelos
marginais, e as meninas adoravam me ver sendo humilhado. De fato, era
um cenário bastante parecido.
Apenas agora é que estou pronto e posso dar o troco na crueldade das
meninas. Quando eu era um menino fraco e tímido na Taft, sentia-me
impotente e assustado, tendo que me esconder numa vida de videogames.
Todo o sofrimento, solidão, rejeição, e humilhação que passei desde então
me fortaleceu. O ódio que se espalhou dentro de mim por todos esses anos
até chegar nesse ponto me fortaleceu de uma maneira sombria e
conturbada. Agora eu estava armado, possuía grande inteligência e
conhecimento filosófico, com a força de vontade para executar o ato mais
catastrófico de vingança que o mundo já viu.

Passei a semana seguinte nesse hotel matutando sobre as injustiças da vida


e meu lugar no mundo. Isso me fez compreender totalmente que agora eu
teria que consumar o Dia da Retribuição. Não havia mais esperança. Pensei
que uma vez que descesse para Isla Vista, armado com minhas pistolas e
meu ódio ardente, eu definitivamente escolheria como alvo as pessoas que
moravam naquela casa onde fui espancado. O plano era destruir Isla Vista,
matar todas as pessoas, ou no mínimo tantos jovens populares quanto
fosse possível antes da polícia chegar e eu me matar.
Eu me sentia muito chocado e oprimido ao perceber que definitivamente
teria de recorrer a isso. Eu morreria em breve, e isso era algo difícil de
aceitar. Eu não queria morrer, mas não tinha escolha. A vingança era a única
alternativa; todas as outras tinham se esgotado. Eu pensei que seria
realmente uma tragédia travar uma guerra contra as meninas e toda a
humanidade. Entretanto, a rejeição das meninas por mim foi o que
decretou essa guerra. Elas me insultaram ao me considerarem indigno de
seu amor e sexo. Elas me odiavam, e eu retribuirei esse ódio mil vezes. Eu
infligirei sofrimento para todos em Isla Vista, exatamente como eles me
fizeram sofrer. No passado, sempre estive na mão deles e não recebi
misericórdia. No Dia da Retribuição, todo mundo estará em minhas mãos,
e em troca eu também não lhes mostrarei misericórdia. Minha Retribuição
será tão devastadora que eu abalarei as próprias estruturas do mundo.
Minha perna quebrada era um empecilho, é lógico. Mesmo com cirurgia,
deveria permanecer usando muletas por seis semanas, e depois disso ainda
levaria um tempo para eu conseguir caminhar normalmente de novo. Eu
imaginava que não estaria caminhando normalmente antes de outubro.
Não havia como estar pronto para me preparar para o Dia da Retribuição
em novembro. Havia muito pouco tempo. Fiz um novo plano para definir a
data final do Dia da Retribuição para o fim da primavera de 2014. Isso me
daria bastante tempo para me preparar. O Dia da Retribuição era agora
minha única razão para viver. Era tudo o que eu tinha para viver. Esse ato
de vingança mortal contra as pessoas que me injustiçaram era meu único
propósito nesse mundo. Eu precisava do maior tempo possível para
planejá-lo de forma eficiente.
Postergar o Dia da Retribuição também me daria mais alguns meses de vida.
Talvez eu também usasse esse tempo para encontrar uma escapatória.
Sempre desejei uma escapatória, e mesmo com os eventos recentes que
ocorreram, uma pequena parte de mim ainda se apegava a esse indício de
esperança.

Gavin veio me visitar no hotel, e foi uma companhia bem-vinda. Eu estava


realmente muito solitário, embora fosse definitivamente melhor do que
ficar sozinho em Isla Vista. Ficamos sentados por três horas em meu quarto
de hotel tendo uma importante conversa. Eu lhe contei minha versão de
tudo o que tinha acontecido naquela noite em Isla Vista. Ele não pareceu
surpreso. Quando tinha minha idade, ele costumava ir para Isla Vista
frequentemente. Ele disse que a atmosfera brutal e rude que testemunhei
fazia parte da cultura de lá. Os caras desordeiros e barulhentos ficavam com
todas as meninas bonitas, e todos procuravam sempre uma briga, como os
animais ferozes que são. Ele disse que essa era uma verdade que eu tinha
que aceitar, me aconselhando a sair de lá. Eu não podia aceitar essa
verdade, porque era injusta. Eu não podia deixar esse mal existir, e eu não
fugiria dele me mudando para outro lugar. Ou eu prosperaria lá ou
destruiria o lugar completamente. Uma vez que havia falhado em
prosperar, eu não tinha escolha a não ser planejar minha Retribuição.

Quando minha mãe voltou do Havaí eu fui ficar em sua casa pelo mês
seguinte, até que minha perna estivesse boa para tirar as muletas. Eu não
queria voltar para Santa Bárbara usando muletas, seria demais humilhante,
e eu já tinha sido bastante humilhado lá.
Na primeira semana após a cirurgia senti dores intensas na perna, embora
essa dor intensa não fosse nada comparada ao ódio que queimava em meu
coração. Durante esse período eu mal podia levantar da cama, porque
sempre que o fazia, o sangue corria para minha perna e atiçava a dor. Por
todo o tempo em que estive no hotel eu fiquei na cama como um vegetal.
Depois dessa semana inicial a dor diminuiu e pude me mover com mais
facilidade com minhas muletas. Costumava dar voltas pelo quintal de minha
mãe como um meio de dispersar minha raiva, às vezes brandindo minhas
muletas no ar como se elas fossem espadas, retalhando todos os inimigos
que me injustiçaram na vida.
O mês que passei na casa da mãe foi bastante relaxante, e tentei dar o
melhor de mim para me acalmar enquanto o tempo passava. Passei muito
tempo assistindo filmes, lendo, meditando, e refletindo na vida. Ficava
sempre em casa, pois dispensava sair à rua para ser visto como um aleijado.
Eu já me sentia muito inseguro pelo simples fato de ser um virgem solitário.
Ser visto como um aleijado era pôr sal na ferida.
Gavin veio me visitar, e dessa vez nos sentamos na sala de jantar de minha
mãe para termos outra importante conversa sobre minha vida e para onde
eu estava indo. Ele novamente me aconselhou a sair de Isla Vista, mas eu
não quis escutá-lo. Eu havia me mudado para Isla Vista com o objetivo de
perder minha virgindade e ter a vida que desejava. Se eu era incapaz de tê-
la, eu a destruiria. Eu jamais bateria em retirada.
Meus pais conseguiram uma consulta com meu psiquiatra, o Dr. Charles
Sophy. Saí com minha mãe para encontrar meu pai do lado de fora da casa
do Dr. Sophy em Beverly Hills e, quando chegamos lá, ficamos surpresos ao
ver que Soumaya também tinha vindo para a consulta. Isso expôs um
conflito, porque Soumaya e minha mãe tinham recentemente discutido
devido a Soumaya recusar-se a me deixar ficar na casa do pai durante sua
viagem para o Havaí. Durante mais da metade da consulta o médico passou
resolvendo esse pequeno conflito, em vez de abordar os problemas pelos
quais eu estava passando. Quando eles finalmente chegaram em minha
situação, o Dr. Sophy acabou me dando a mesma recomendação inútil que
todos os demais psiquiatras, psicólogos, e conselheiros já tinham me dado
no passado. Eu não sei porque meus pais gastavam dinheiro em terapia,
pois isso nunca me ajudou a enfrentar esse mundo injusto e cruel. O médico
terminou a consulta prescrevendo um medicamento controverso,
Risperidona. Depois de pesquisar sobre esse medicamento, descobri que
era algo absolutamente errado para eu tomar. Recusei-me a tomar, e
depois disso nunca mais vi o Dr. Sophy.
No fim do mês minha mãe convidou Maddy e Mo Humpreys para um jantar.
A mãe tinha recentemente se reconectado com seu velho amigo Mo.
Maddy estava recém formada na USC, uma universidade conhecida por sua
abundância de estudantes mimadas e promíscuas que faziam festa a toda
hora, muito parecida com a UCSB. Eu costumava chamar a USC de
“Universidade das Putinhas Mimadas”, assim como chamava a UCSB de
“Universidade de Pirralhos Mimados da Califórnia.” Nomes brilhantes e
muito adequados! Antes da Maddy chegar eu dei uma olhada no seu
Facebook e vi que ela representava a exata imagem de tudo o que eu odiava
nas meninas. Ela era uma patricinha popular da USC que fazia festa com
suas amiguinhas gostosas e loiras. Todas elas pareciam belas putinhas, e
meu ódio por todas crescia a cada imagem que visualizava em seu perfil.
Elas eram o tipo de gente popular que tinham vidas prazerosas e me
olhariam de cima para baixo como se eu fosse um lixo, nunca me aceitando
em seu meio. Elas eram meus inimigos. Elas representavam tudo o que
havia de errado no mundo. A Maddy foi meu primeiro amigo na América.
Quando criança, eu brincava com ela como um igual. Agora ela era meu
inimigo. Eu teria grande prazer em torturar e esfolá-la assim como cada um
de seus amigos perversos e detestáveis. Quando ela e sua mãe chegaram
para jantar conosco, tive que manter a calma enquanto mancava para fora
do meu quarto de muletas para cumprimentá-las.
Esse mês relaxante na casa da mãe foi como a calmaria que precede a
tempestade. Quando voltasse para Santa Bárbara, totalmente
restabelecido, o sombrio capítulo final de minha vida começaria. Eu temia
pelo que resultaria disso.

Depois de seis semanas mancando de muletas sempre que tinha de ir a


algum lugar, visitei meu ortopedista, perguntando se finalmente eu podia
caminhar sem elas. Depois de examinar minha perna, ele concordou que eu
poderia ser um "gesso ambulante." Isso me permitiria mancar sem muletas,
embora tivesse que usar uma bengala. Embora desconfortável, isso era
muito, muito melhor do que andar com aquelas malditas muletas. Quando
cheguei em casa, pratiquei alegremente o deslocamento nessa nova
condição.
Em pouco tempo, minha mãe disse que eu já estava bem o bastante para
retornar para Santa Bárbara. De qualquer forma, minhas aulas estavam
prestes a começar, embora ela não soubesse que eu havia me matriculado
apenas para as cadeiras online do semestre de outono por puro medo de
que pudesse começar a faculdade ainda como um aleijado. Ela estava
cansada de ter que lidar comigo, como sempre tinha feito no passado.
Passei ainda mais alguns dias na casa da mãe com meu gesso e bengala
antes de ela me obrigar a voltar para Santa Bárbara dizendo que eu podia
retornar para visitá-la em duas semanas.

Fiz minha aziaga viagem de volta para Santa Bárbara, e enquanto dirigia
pensava em todas as injustiças que tive de suportar nos dois últimos anos
que havia passado lá. Injustiças que nunca foram engolidas. Agora era a
hora de corrigi-las. Agora era a hora da Retribuição.
Quando cheguei em meu apartamento vi que meus colegas Chris e Jon
tinham se mudado. Uma pena, pois eles eram os colegas mais agradáveis
que eu poderia desejar. Eu temia como seriam meus novos colegas, e me
disseram que eles chegariam dentro de poucas semanas. Tinha o
apartamento todo para mim enquanto isso, o que me caiu bem. Neguei-me
a sair do meu quarto até que pudesse ao menos tirar o gesso. Passava meu
tempo fazendo a mesma coisa que fazia na casa da mãe, assistindo muitos
filmes e refletindo pelos cantos sobre meu futuro.
Ao voltar para casa, fui ver meu ortopedista pela última vez e ele me disse
que finalmente eu podia andar sem gesso na perna, embora precisasse da
bengala por mais algumas semanas. Fiquei contente com isso, pois não me
importava muito com a bengala. Tinha uma peculiar elegância.

Nessa mesma semana me encontrei com Philip e Addison. Tínhamos


combinado de nos encontrarmos no verão, mas tive que adiar esse
encontro por causa de minha lesão incapacitante. Peguei-os com a
Mercedes SUV do meu pai, e saímos para mais uma de nossas aventuras
por Los Angeles. Primeiro fomos a um requintado restaurante japonês no
Bulevar Sunset em West Hollywood. Fiquei grato por não ter visto nenhum
casal jovem da minha idade lá, a maioria dos que lá estavam eram mais
velhos do que nós. Depois fomos para o Observatório Griffith Park,
seguindo a sugestão de Philip. Chegar ali trouxe de volta memórias, boas e
ruins. Sempre foi uma tradição de nosso grupo ir lá, como já havíamos ido
tantas vezes. O lugar proporcionava uma visão ampla da cidade de Los
Angeles. De noite era absolutamente magnífico. O Observatório Griffith
Park era realmente um lugar maravilhoso para admirar a beleza do
mundo... mas toda a experiência foi arruinada, é claro, pela visão de vários
casais jovens se beijando, sob as estrelas. Aqueles caras deveriam estar no
céu, por experienciarem um lugar desses com suas bonitas namoradas.
Ver todos aqueles casais jovens no Griffith Park me encheu de raiva pelo
resto da noite. Fez-me lembrar das injustiças que tenho que suportar na
vida e minha guerra contra todas elas. Quando desci o morro do
observatório, vi ainda mais jovens casais caminhando, e tive o desejo de
atropelá-los com a Mercedes como um doce ato de vingança. Eu já
planejava usar a Mercedes SUV como uma de minhas armas no Dia da
Retribuição, uma vez que nos finais de semana à noite Isla Vista era sempre
repleta de inimigos caminhando bem no meio da rua. Seriam alvos fáceis.
Depois da desastrosa experiência no Griffith Park, decidimos fazer uma
viagem noturna até Palos Verdes, apenas para admirar o cenário. Eu nunca
tinha descido lá, e Addison me disse que era um lugar elegante, quieto, e
pacífico, que proporcionava uma vista extraordinária. Quando chegamos a
uma praia reservada em Palos Verdes com vista para o mar, Philip tinha
pegado no sono, então só eu e Addison saímos para caminhar. Gostei
instantaneamente do lugar e o explorei o máximo que pude, embora ainda
mancasse com minha bengala. Enquanto olhávamos para as estrelas,
tivemos algumas conversas reveladoras. Addison me contou mais sobre
suas experiências com os caras populares de Malibu, o que me deixou ainda
mais invejoso dele. Contei-lhe sobre todos os meus novos pontos de vista
filosóficos sobre as meninas e como acredito que elas são mentalmente
degeneradas e precisam ser contidas. Ele não demonstrou nenhum traço
de como se sentia sobre isso. Addison me disse que eu era uma pessoa que
possuía uma grande inteligência, e que não deveria perdê-la fazendo
alguma “besteira.” Acredito que ele tinha uma suspeita de que eu
realmente estava planejando massacrar meus inimigos e depois me matar.
É claro que ele suspeitava isso... de certo modo penso que ele me conhecia
melhor do que qualquer outra pessoa. Eu sou uma pessoa inteligente, mas
a crueldade deste mundo não me dá escolhas a não ser executar minha
Retribuição. Eu disse com muito tato a Addison que não tinha intenção de
fazer “nenhuma coisa estúpida.” Essa foi a última conversa que tive com
ele. Foi também a última vez que vi Philip e Addison.

Também fui me encontrar com o amigo de meu pai, Dale Launer, naquele
fim de semana. Dale Launer é um roteirista e produtor bem-sucedido de
Hollywood que possui uma bela casa em Palisades. Dale e meu pai são
amigos de longa data. Quando eu era criança, às vezes o pai me levava em
jantares em sua casa. Eu não via Dale desde que era criança, mas nos
últimos meses comecei a conversar por e-mail com ele depois que ele
descobriu que eu estava tendo problemas com meninas. Ele queria me
ajudar a superar meus problemas porque ele mesmo se dizia um expert em
meninas. Ele até me mostrou fotos de todas as meninas bonitas com quem
tinha se relacionado na vida, e havia muitas. Esse homem realmente vivia.
Alguns homens que têm sucesso com as meninas me ofereceram ajuda e
conselhos nesse departamento no passado, mas nada mudou. Suponho que
queiram me ajudar porque é um estímulo para seus já elevados egos e
também porque sentem pena de mim. As pessoas sentem pena de mim.
Minha vida é tão patética, e odeio o mundo por me forçar a sofrer. Eu tenho
pena de mim mesmo.
Na verdade, não há nada que homens como Dale possam fazer para me
ajudar a atrair meninas e perder minha virgindade. Eles não têm o poder de
controlar a mente das meninas para que se sintam atraídas por mim. É um
defeito das meninas não sentirem nenhuma atração sexual por mim. Minha
breve amizade com Dale, no entanto, desencadearia algumas conversas por
e-mail mais interessantes, nas quais confidenciei a ele como acho que as
meninas são cruéis por natureza. Ele apenas se divertiu com isso. É claro
que ele acharia engraçado, as meninas nunca são cruéis com ele. Elas lhe
dão sexo e amor por toda sua vida.
Eu tive uma discussão com Soumaya quando estava visitando a casa do pai.
Tudo começou com ela se gabando de que meu irmão Jazz tinha
recentemente sido contratado por um agente para fazer um comercial na
televisão. Ela disse que quando ele tivesse minha idade ele seria um grande
ator. Eu falei sobre como o Jazz já era tão socialmente experiente para sua
idade, e como eu sempre o invejei por isso. Ela me disse que ele nunca teria
problemas em arranjar meninas, e que perderia a virgindade ainda
adolescente. Eu tive que sentar lá e ouvir a cadela me dizer que meu
irmãozinho cresceria aproveitando a vida que eu sempre desejei ter, mas
que se perdeu. É bastante injusto como certos caras são capazes de terem
vidas prazerosas enquanto eu nunca tenho uma prova disso, e agora estava
sendo confirmado para mim de que meu irmãozinho se tornaria um deles.
Ele se tornaria um cara popular que pegaria todas as meninas. As meninas
o amariam. Ele seria um de meus inimigos.
Esse foi o dia em que decidi que teria de matá-lo no Dia da Retribuição. Eu
não permitiria que o menino me superasse em tudo, que vivesse uma vida
que eu sempre quis. Não era justo ele ter a chance de ter uma vida
prazerosa enquanto a mim ela tinha sido negada. Seria uma coisa difícil de
fazer, porque eu realmente tinha criado um vínculo com meu irmãozinho
no ano anterior, e ele me respeitava e se espelhava em mim. Contudo, eu
teria de fazer. Se eu não podia ter uma vida prazerosa, então ele também
não! Eu não o deixarei degredar meu legado à vergonha.
Para matar Jazz, eu teria de matar Soumaya também, mas essa seria fácil.
Era só pensar em todas as coisas dolorosas que ela disse para mim no
passado para eu cravar minha faca em seu pescoço. Mas e se o pai estivesse
em casa para me deter? Eu teria de matá-lo também? Isso seria demais para
mim. Eu me lembro, quando eu era criança, eu tinha pesadelos em que meu
pai morria, então acordava chorando por minha mãe, e ela me acalmava
dizendo que tinha sido apenas um sonho. Como minha vida podia ter
chegado ao ponto em que pensava em matar meu próprio pai? Isso revirava
meu estômago.
Cheguei à conclusão de que deveria marcar o Dia da Retribuição para
quando meu pai estivesse fora do país, numa de suas viagens a negócios.
Seria muito arriscado precisar matá-lo, eu poderia hesitar no último
segundo. Quando pensava nisso, eu realmente ficava mal. Sentia um
calafrio percorrendo minha espinha. Todo meu mundo tinha se tornado
muito conturbado e errado. Eu não queria chegar a esse ponto. Eu
desesperadamente queria uma escapatória.
Para fazer-me sentir mais confiante, minha mãe me deu um carro melhor
para dirigir em Santa Bárbara, um BMW 3 Series Coupe. Eu sempre quis
isso, já que me importava muito com minha aparência. Eu vinha pedindo
para meus pais um carro de alto padrão desde que descobri que havia uma
hierarquia entre carros, e que alguns estudantes da minha faculdade
dirigiam carros melhores do que outros. Agora eu era um dos estudantes
com um carro melhor, de alto padrão.
Ter um carro melhor do que a maioria dos estudantes da minha idade
realmente fez-me sentir mais confiante. A mãe deveria ter me comprado
esse carro logo que me mudei para Santa Bárbara. Ele me fez sentir melhor
quando tinha que sair por lá. Isso conferiu, junto com minha perna
recuperada, uma última pontada de esperança durante os meses finais de
2013.

Nesses últimos meses restantes, meu extremo desespero e desejo de


felicidade tomaram conta de mim, sabendo muito bem como minha vida
acabaria se eu não conseguisse o que queria. Eu saía todos os dias, apenas
para me lançar no mundo e ver quais oportunidades apareciam. Explorei
Santa Bárbara e Montecito, e me dei conta do belo ambiente em que eu
vivia. Contudo, o mais bonito cenário é um inferno sombrio se vivido
sozinho. O fato de eu ter desperdiçado meus dois últimos anos em um lugar
bonito daqueles me encheu de angústia. Eu pensei na vida prazerosa que
podia ter tido, se apenas as meninas fossem atraídas por mim.

Dois novo colegas se mudaram para meu apartamento no semestre de


outono. Eram dois estudantes estrangeiros asiáticos que frequentavam a
UCSB. Esses eram os maiores nerds que eu já vi, e ambos eram muito feios
com vozes irritantes. Meus dois últimos colegas, Chris e Jon, também eram
nerds, mas pelo menos eram amigáveis e agradáveis. Esses dois eram
imensamente repulsivos, e um deles tinha um comportamento muito
rebelde. Ele dava seu jeito de iniciar discussões comigo sempre que eu
levantava a questão do barulho que ele fazia. Inferno, mesmo morar com
Spencer era mais agradável do que com esses dois idiotas. Eu sabia que
quando o Dia da Retribuição chegasse eu teria que matar meus colegas para
tirá-los do caminho. Se eles fossem agradáveis de conviver, eu teria
remorso de ter que matá-los, mas devido ao seu comportamento eu não
sinto pesar com essa perspectiva. Na verdade, eu até gostaria de esfaqueá-
los até a morte enquanto estivessem dormindo.

Fui designado a um novo conselheiro para me encontrar toda semana em


Santa Bárbara, já que Karlin e Sasha não mais trabalhavam para aquela
empresa. Meu novo conselheiro se chamava Robert, um estudante da UCSB
que era um ano mais velho do que eu. Tomei café com ele algumas vezes,
e fizemos trabalhos voluntários juntos duas vezes, na tentativa de me tirar
do quarto para fazer outras atividades. Nada conduziu a obter a vida que
desejava nesses encontros, mas a interação social que ele me
proporcionava era agradável, e oferecia um meio para me expressar.

Visitei a casa da minha mãe várias vezes no outono. Para minha raiva
extrema, descobri que minha irmã agora tinha um namorado, e que tinha
perdido sua virgindade. Ela tinha “namorado” alguns meninos no passado,
mas nunca havia chegado a tão sério expediente como com esse. Ele era
um mestiço mexicano chamado Samuel, e eu imediatamente adquiri uma
intensa antipatia por ele logo na primeira vez em que fomos apresentados.
Ele parecia o típico vagabundo desleixado por quem a maioria das meninas
se sente sexualmente atraída. Georgia o convidava para a casa da minha
mãe o tempo inteiro, e irritava-me vê-lo à espreita, comendo e bebendo, e
fazendo uso dos ambientes da casa. Ele estava se aproveitando da minha
mãe, e ela nem percebia.
Eu finalmente passei a odiá-lo depois que escutei-o fazendo sexo com
minha irmã. Eu cheguei em casa um dia, minha mãe estava no trabalho, e
escutei os sons de Samuel penetrando seu pênis na vagina da minha irmã
mesmo com a porta de seu quarto fechada, além dos gemidos que ela dava.
Eu parei ali e escutei tudo. Então minha irmã, que era quatro anos mais
nova do que eu, conseguiu perder a virgindade antes de mim. Isso me fez
lembrar de como eu era patético, com vinte e dois anos de idade ainda
virgem. Eu odiei também o seu namorado. Minha irmã disse que ele tinha
saído com outras meninas antes dela, e eu tinha certeza que ele perdeu sua
virgindade muito precocemente. Isso é como uma injustiça. O vagabundo
nem tinha um carro, e conseguia arrumar namorada, enquanto eu dirigia
um BMW e não chamava a atenção de nenhuma menina.
Minha irmã até me mostrou uma foto de uma de suas ex-namoradas, uma
linda menina de pele clara. Minha raiva dele só se intensificou depois disso.
Recusei-me a dirigir-lhe a palavra sempre que chegava, e constantemente
eu pedia à minha mãe que o banisse de sua casa, mas ela se negava a
atender minhas demandas. O que era pior, ela constantemente falava dele
com admiração. Ele muito me lembrava Leo Bubenheim, um típico idiota
que era capaz de desfrutar uma vida sexual plena com tão pouca idade. Um
inimigo que agora havia se infiltrado na casa da minha mãe, o único lugar
do mundo inteiro em que eu sempre busquei refúgio das injustiças. As
coisas estavam ficando muito fora do controle.

A vó Jinx veio visitar a casa do pai no final de outubro. Na última vez em que
a visitara, ela resolveu um conflito intenso entre eu, meu pai, e Soumaya. E
de certa forma, essa recente visita fazia um paralelo com a última, pois eu
também estava tendo conflitos com Soumaya dessa vez, só que não ao
mesmo extremo.
Fui até a casa do pai para ver minha vó. Ela sugeriu que eu a levasse para
tomar um café, e eu sabia o lugar perfeito. Levei-a para a Barnes&Noble em
Calabasas, um lugar de grande relevância em meu passado. Estando lá,
mostrei-lhe todos os cantos em que havia passado nos últimos anos.
Depois, antes de me despedir, um sentimento de tristeza tomou conta de
mim, pois sabia que provavelmente seria a despedida final.

Era Halloween de novo, e achei difícil de acreditar como o tempo havia


passado tão rápido. Lembro-me de como, no último Halloween, havia
considerado exigir minha retribuição nessa mesma data. O tempo sempre
passará inevitavelmente, e logo meu destino seria decidido. Passei o
Halloween na casa de minha mãe, é claro. Eu não aguentaria permanecer
sozinho em meu quarto em Isla Vista enquanto toda a festa acontecia à
minha volta. Seria o mesmo cenário do último ano. De tarde eu compareci
a um novo psicólogo, Dr. Randy Gold. Na verdade, ele era meu antigo
psicólogo, o qual havia me atendido por um breve período quando eu tinha
apenas treze anos. Era bem quando minha vida estava começando a cair
nessa trajetória sombria, e agora eu estava na mesma condição, com a
exceção de que essa trajetória sombria logo alcançaria seu clímax. Depois
da minha sessão de terapia, fiquei bêbado na banheira de hidromassagem
da minha mãe, tentando não pensar em toda a diversão e sexo que outros
jovens estavam tendo naquela noite.
Nada resultou diferente em minhas saídas desesperadas em Santa Bárbara
durante os últimos meses de 2013. As meninas ainda não demonstravam
nenhum interesse por mim. Eu dirigia bastante até a SBCC, mesmo que só
estivesse matriculado para aulas online. Lá eu via outros caras que tinham
carros inferiores saindo com meninas bonitas no banco de passageiro. Eu
tinha um BMW e nunca uma menina sentou no meu banco de passageiro.
Nem uma vez. Isso apenas me esfumaçava de raiva. Santa Bárbara era uma
cidade bonita, mas eu não podia ir a lugar nenhum sem ser insultado pelos
meus inimigos. A mera visão deles aproveitando suas vidas alegres era um
insulto para mim, porque eu merecia isso mais do que eles.
Um lugar de refúgio que eu ia frequentemente era o Coffee Bean em
Montecito. Era localizado em um pequeno centro da cidade, e a maioria dos
casais de lá tinha mais idade do que eu. Proporcionava um ambiente calmo
e tranquilo para eu contemplar e meditar.

Na véspera do meu último dia em Santa Bárbara, antes de voltar para casa
nas férias de inverno, fui ao campo de golfe Sandpiper, na Goleta, para
assistir ao pôr do sol. Era meu lugar costumeiro para ver o pôr do sol, e
naquela tarde o formato das nuvens no horizonte o fez excepcionalmente
belo. Eu me deleitei com seu esplendor enquanto lá estava, imaginando
com desespero como um mundo tão bonito podia ser tão cruel. E então,
um insulto final apareceu junto, como se o mundo estivesse dando um
último golpe rancoroso em mim. Um jovem casal veio e ficou ao meu lado,
se beijando enquanto assistiam ao mesmo pôr do sol. Havia muitas outras
pessoas lá também, pois era um pôr do sol único. Todos devem ter tido
pensamentos de admiração pelo casal, e pensamentos de desprezo em
relação a mim porque eu estava sozinho e largado. Eu tenho vivido um tipo
de vida antinatural, desprovida de amor, sexo, e prazeres. Contemplar o pôr
do sol era um dos poucos prazeres que me restavam, e agora isso também
havia sido tirado de mim. Como eu poderia admirar o pôr do sol de agora
em diante, sabendo que outros homens podiam fazer o mesmo com suas
bonitas namoradas a seu lado? Não havia mais vida para eu viver.

Durante as férias de inverno eu pude experimentar uma última trégua antes


de 2014, o ano em que minha triste história finalmente chegará ao seu
trágico fim. Minha mãe e minha irmã planejaram outra viagem para a
Inglaterra no final de dezembro, desta vez por duas semanas. Nessas duas
semanas eu fiquei na casa da minha mãe sozinho, aproveitando o tempo
para usufruir de um último período de descanso e paz.
Elas decidiram levar o namorado de minha irmã junto para a Inglaterra, e
ao ouvir isso eu fiquei enfurecido. Samuel era meu inimigo, alguém que
desfrutava de uma vida feliz de sexo enquanto eu estava na privação por
anos. E agora minha própria mãe estava pagando uma passagem para levá-
lo para a Inglaterra, uma coisa que ele não merecia. Senti-me muito traído
por minha mãe por causa disso. Ela deveria ter mais consideração em como
eu me sentiria com isso. Eu sou seu filho, e ela deveria estar ao meu lado.
No entanto, eu repito, minha mãe é uma menina, e as meninas são
mentalmente doentes. Não havia como ela entender o meu ponto de vista.
Eu participei da festa natalina na casa do meu pai nessas férias de inverno.
Na festa, fui direto para Karl Champley. Eu não o tinha visto desde que me
contratara para trabalhar em sua casa anos atrás, e era bom falar com ele
de novo. Senti-me muito amargurado e envergonhado por ter de parecer a
todos os amigos de meu pai o mesmo pária desajeitado e indesejado que
sempre fui. Alguns perguntavam sobre minha vida em Santa Bárbara, e
outros até perguntavam se eu tinha uma namorada. Eu tinha que sofrer ao
dizer que não, eu não tinha uma namorada porque as meninas não se
sentem atraídas por mim. Eu queria poder dizer a todos que eu tinha uma
vida maravilhosa lá, com uma namorada que estaria comigo em todas as
festas. Eu queria poder fazer todos sentirem orgulho de mim, mas é claro,
eu não tinha nada sobre mim do que se orgulhar. A única consolação que
tinha para minha vergonha era o conhecimento de que logo eu retificaria
tudo no Dia da Retribuição.
Minha mãe disse que eu podia pegar uma garrafa de vinho de sua adega
enquanto ela estivesse fora, e na véspera de Ano Novo escolhi abrir a
melhor do lote, uma boa safra que bebi lentamente durante a noite
enquanto permanecia sozinho em casa. Eu sabia que outros jovens
populares estavam se divertindo muito naquela noite, festejando a noite
toda. Enquanto bebia meu vinho sozinho, na escuridão enluarada do
quintal de minha mãe, assegurei a mim mesmo que em breve me vingaria
de todos aqueles jovens populares. Muito em breve...
Depois de uma noite inquieta, levantei-me cedo da cama no dia da virada
de ano para 2014. Esse seria o último ano. Esse seria o ano em que tudo
chegaria ao fim. Nesse ano, finalmente teria meu desfecho, minha
vingança, minha retribuição! Toda a minha vida trágica levou a isso, e eu
estava pronto.
Eu tinha sido rejeitado, insultado, humilhado, excluído, intimidado, privado
de sexo, torturado, e ridicularizado por muito tempo. A espécie humana é
cruel e brutal, e a única forma que eu tinha para igualar o placar era
devolver essa crueldade mil vezes pior. A rejeição das meninas por mim é
uma declaração de guerra, e se é guerra que elas querem, então é guerra
que elas terão. Será uma guerra que resultará em sua completa e total
aniquilação. Eu causarei um golpe tão catastrófico a meus inimigos que ele
redefinirá a própria essência da natureza humana.
Era hora de tramar exatamente o que farei no Dia da Retribuição. Eu serei
um Deus, punindo as meninas e toda a humanidade por sua depravação.
Finalmente eu darei a elas toda a dor e sofrimento que elas me causaram
por tanto tempo.
A primeira coisa que tinha a considerar era o dia exato em que aconteceria.
O Dia dos Namorados seria muito apropriado, pois é o feriado que mais me
faz sentir miserável e insultado, o feriado no qual jovens casais celebram
suas vidas felizes juntos. O problema é que faltava apenas um mês para o
Dia dos Namorados. Eu precisava de mais tempo. Além disso, no Dia dos
Namorados muitos casais estariam dispersos em vários restaurantes da
cidade em vez de estarem aglomerados nas festas de Isla Vista. Outra opção
seria Deltopia, um dia em que vários jovens chegam de todo estado para
uma festa de primavera na rua Del Playa. Eu imaginei que esse dia seria
perfeito para atacar Isla Vista, mas depois de ver alguns vídeos no Youtube
das festas de Deltopia anteriores, vi que havia muitos policiais circulando
pelo evento. Seria impossível matar inimigos suficientes antes de ser
despachado por aqueles malditos policiais.
Eu queria marcar uma data exata, em um final de semana normal de Isla
Vista, e uma vez que escolhesse essa data eu não mais a mudaria. Depois
de muita consideração e pensamento, estabeleci o Dia da Retribuição para
26 de abril de 2014, um sábado.

Nos primeiros meses de 2014, que eram os últimos da minha vida, eu tentei
aproveitar ao máximo cada dia. Não houve um só dia em que fiquei no meu
quarto. Toda manhã, saía com o BMW para fazer aventuras pelas cercanias
de Santa Bárbara e Montecito, e não retornava até tarde da noite. Eu fazia
escaladas nas montanhas de Montecito, caminhava sem rumo em parques
bonitos, passeava pela praia, tomava café em vários cafés, e admirava o pôr
do sol em diferentes lugares de contemplação, ficando ali até que as
estrelas se acendessem no céu da noite. Entretanto, toda vez que fazia isso
não havia como escapar da visão de jovens casais fazendo exatamente a
mesma coisa juntos. Isso me deixava ainda mais ansioso pela chegada do
Dia da Retribuição. Minha vida era um inferno, e esse inferno precisava
acabar.
Eu tinha economizado dinheiro extra suficiente para viver indulgentemente
antes de morrer. Mesmo assim não gastei tudo, pois ainda precisava de
suprimentos vitais para meus planos. Em primeiro lugar, eu precisava
comprar uma terceira pistola, para o caso de uma delas travar. Eu precisava
de duas pistolas em funcionamento ao mesmo tempo, pois era assim que
eu planejava cometer suicídio; com dois tiros simultâneos na cabeça.
Também precisava comprar carregadores e munição, bem como facas e
alforges para meu equipamento.

Mesmo nos primeiros meses de 2014, chegando ao trágico dia de abril, a


pequena chama de esperança que havia dentro de mim nunca se apagou.
Ela permanecia, tremeluzindo, como se em um sopro o lume pudesse ser
extinto dentro de um quarto escuro. Eu supunha que essa pequena chama
era o que me fazia continuar indo nas duas aulas do semestre de primavera
em que estava matriculado na SBCC. Isso durou por duas boas semanas, até
eu perceber como era sem propósito o que estava fazendo e decidi
abandoná-las. Agora não havia esperança, e eu tinha que aceitar isso.

Depois de ter as mais diversas fantasias de como puniria meus inimigos,


comecei a detalhar todos os meus planos exatos de como o Dia da
Retribuição se desenrolaria.
Na véspera do Dia da Retribuição eu começaria a Primeira Fase de minha
vingança: Mataria silenciosamente o maior número de pessoas que
pudesse em Isla Vista ludibriando-as a entrarem no meu apartamento com
alguma forma de artimanha. As duas primeiras pessoas que eu teria que
matar seriam meus dois colegas, para reservar todo o apartamento para
mim como se fosse minha câmara de tortura e assassinato. Depois disso, eu
começaria a ludibriar pessoas para entrarem no meu apartamento, as
acertaria com um martelo, e cortaria suas gargantas. Eu torturaria algumas
pessoas de boa aparência antes de matá-las, assumindo que as de boa
aparência são as que possuem melhores vidas sexuais. Todo o prazer que
tiveram em vida, eu puniria trazendo dor e sofrimento. Eu tive uma vida de
dor e sofrimento, era hora de trazer dor às pessoas que realmente a
mereciam. Eu as cortarei, estriparei, esfolarei a pele de sua carne, e jogarei
água fervendo sobre elas ainda vivas, assim como qualquer outra forma de
tortura que é possível imaginar. Quando estiverem mortas, eu cortarei suas
cabeças e as guardarei num saco, pois suas cabeças terão um papel
determinante na fase final. Essa Primeira Fase representará minha vingança
contra todos os homens que tiveram vidas sexuais prazerosas enquanto eu
tive que sofrer. As coisas serão justas quando eu fazê-los sofrer como eu
sofri. Finalmente igualarei o placar.
A Segunda Fase aconteceria no próprio Dia da Retribuição, um pouco antes
do massacre total. A Segunda Fase representará minha guerra contra as
meninas. Eu punirei todas as meninas pelo crime de me privarem de sexo.
Elas têm me privado de sexo por toda minha vida, e dão esse prazer para
outros homens. Agindo assim, elas roubaram muitos anos de minha vida.
Eu não posso matar cada menina na terra, mas eu posso dar um golpe
devastador que vai se infiltrar até o âmago de seus corações corrompidos.
Eu atacarei as meninas que representam tudo o que eu odeio no gênero
feminino: a fraternidade das mais gostosas da UCSB. Depois de fazer uma
extensa pesquisa no ano passado, descobri que a fraternidade com as
meninas mais bonitas é a Alpha Pi. Sei exatamente onde fica sua sede, e
passei lá muitas vezes com meu carro para observá-las. A fraternidade
Alpha Pi é cheia de meninas loiras e bonitas; o tipo de menina que eu
sempre desejei, mas que nunca pude ter porque todas elas me desprezam.
Elas são degeneradas, sem coração, putinhas estragadas. Elas acham que
são superiores a mim, e se tentasse convidar uma para sair, ela me rejeitaria
de forma cruel. Vou entrar na sede delas por volta de 9:00 p.m. do Dia da
Retribuição, logo antes de todas as festas começarem, e vou abater cada
uma delas com minhas pistolas e facas. Se der tempo, eu colocarei fogo na
sede inteira. Então elas verão quem é realmente superior!
A Fase Final do Dia da Retribuição será meu confronto final pelas ruas de
Isla Vista. Na manhã anterior, dirigirei até a casa do meu pai para matar
meu irmão, impedindo-o de ter a chance de crescer para me superar, assim
como matarei Soumaya, pois ela estará no caminho. Meu pai estará numa
de suas viagens a negócios, então, felizmente, não terei que enfrentá-lo. Se
ele não estivesse viajando, eu poderia até ter que adiar todo o plano por
causa de meu medo de hesitar se tivesse que matá-lo. Uma vez que tivesse
cuidado de meu irmão e de Soumaya, trocaria meu carro pela Mercedes
SUV e dirigiria de volta para Isla Vista. Avançaria com ele como uma de
minhas máquinas da morte contra meus inimigos. Uma SUV provoca muito
mais dano do que o BMW Coupe.
Depois que tiver matado todas as meninas da fraternidade Alpha Pi,
rapidamente entrarei na SUV antes da polícia chegar, assumindo que eles
chegarão em três minutos. Então dirigirei para a rua Del Playa, atropelando
o máximo de inimigos pelo caminho, e atirando naqueles que não foram
atropelados. Eu apenas posso imaginar como será doce bater a SUV contra
todos aqueles grupos de jovens populares que sempre presenciei
caminhando no meio da rua indisciplinadamente como se fossem melhores
do que todo mundo. Quando estiverem contorcendo-se de dor, seus corpos
quebrados e agonizantes depois de eu atropelá-los, então se darão conta
plenamente de seus crimes.
Quando chegar na rua Del Playa, eu jogarei o saco de cabeças cortadas que
havia guardado de minhas vítimas anteriores, proclamando a todos o
quanto eu as havia feito sofrer. Ao verem as cabeças de seus amigos
rolando pela rua, todo mundo sairá correndo de minha frente temendo o
Deus poderoso que sou. Então começarei a massacrar todo mundo na rua
Del Playa. Vou parar perto de uma festa numa casa e atirar em todos que
estiverem fazendo festa no jardim da frente. Atirarei principalmente nas
pessoas de boa aparência e em todos os casais. Depois de destruir uma
festa numa casa, continuarei descendo pela Del Playa, destruindo tudo e a
todos. Quando vir o primeiro carro de polícia chegando para a ocorrência,
dirigirei o mais rápido possível, atirando e atropelando qualquer um que
cruzar meu caminho até encontrar um lugar adequado para finalmente
acabar com minha vida.
Para acabar com minha vida, tomarei rapidamente todos os comprimidos
de Xanax e Vicodin que me restam, junto com uma grande quantidade de
bebida destilada. Imediatamente após ingerir essa mistura, eu darei dois
tiros simultâneos com minhas pistolas na cabeça. Se os tiros não me
matarem, a mistura mortal de drogas certamente. Eu não sofrerei por ser
capturado ou mandado para a prisão.
Devo planejar isso de maneira muito eficiente. Nada pode dar errado.
Precisa ser perfeito. Esse é agora meu único propósito neste mundo. Meus
planos serão concretizados e não devo deixar ninguém me impedir.

Na semana que antecedeu a data que estabeleci para o Dia da Retribuição,


carreguei vários vídeos no Youtube para expressar minhas opiniões e
sentimentos ao mundo, embora não planeje enviar meu vídeo final até
minutos antes do ataque, porque nesse vídeo falarei exatamente porque
estarei executando-o.
Dei o título para um dos vídeos como: “Por que as meninas me odeiam
tanto?”, no qual eu pergunto a todas as meninas a questão que por muitos
anos eu queria que elas me respondessem. Por que elas me odeiam tanto?
Por que elas nunca gostaram de mim? Por que elas oferecem amor e sexo
para outros homens, mas não para mim, muito embora eu mereça mais do
que eles? No vídeo, eu mostro como sou o perfeito e magnífico cavalheiro,
digno de ter uma bonita namorada, fazendo o mundo perceber como é
desarrazoado eu ter que lutar toda minha vida para conseguir uma
namorada. É a minha tentativa de debater com o gênero feminino, de
perguntar por que elas me tratam tão mal. Eu esperava que teria algum tipo
de resposta das meninas. Na verdade, uma pequena parte de mim até
mesmo esperava que uma menina fosse ver o vídeo e entraria em contato
para me dar uma chance de ter um encontro com ela. Simplesmente isso já
teria impedido o Dia da Retribuição, se apenas uma menina tivesse me dado
uma chance. Só que não... Como esperava, não recebi absolutamente
nenhuma resposta de nenhuma menina. As únicas respostas que recebi
foram de outros homens que me chamaram de nomes e fizeram piada
comigo. As meninas estavam pouco se lixando comigo. Elas nem se
dignaram a dizer porque me maltratavam. Isso apenas mostra como elas
são sádicas e perversas. Ah, sim, elas se darão conta da gravidade de seus
crimes quando eu trucidá-las no Dia da Retribuição. Como elas ousam
rejeitar um cavalheiro magnífico como eu!

À medida que o dia 26 de abril se aproximava eu fazia os últimos


preparativos. Tudo o que me restava fazer era terminar de escrever esta
história e gravar meu último vídeo. Todavia, na quinta-feira, dia 24 de abril,
eu acordei com uma gripe terrível. Eu raramente ficava gripado! Sempre
tive um sistema imunológico forte. Era como se o destino estivesse
tentando me impedir de fazer isso. Mas que outra razão eu tinha para viver?
Infelizmente, não havia como realizar meus planos se estivesse gripado.
Tudo tinha que ser perfeito. Além disso, fiquei sabendo que o pai tinha
chegado em casa dois dias antes do que inicialmente havia dito que
chegaria, então se quisesse realmente seguir em frente com meus planos,
teria que matar meu pai, o que eu não estava mentalmente preparado para
fazer.
Apressadamente decidi adiar o ataque para 24 de maio de 2014, um
sábado. Estaria definitivamente recuperado da gripe até lá. Isso também
me daria mais algumas semanas de vida, e mais tempo para me preparar.
Alguns dias antes, eu me sentia totalmente pronto para finalmente revidar
as meninas e a humanidade, com toda a minha raiva e ódio. Eu estava
profundamente ansioso por fazer isso! Mas por alguma estranha razão, ter
mais umas poucas semanas de vida me fez sentir aliviado. Eu respirei fundo
e relaxei. Juntamente com minha vontade alimentada pelo ódio de realizar
meu ato de vingança, havia dentro de mim também uma sensação extrema
de medo. Parte de mim ainda não queria fazer isso. Isso implicará em minha
morte, e eu sempre tive medo da morte.

Eu não queria estar em Isla Vista em 26 de abril, o dia que previamente


havia estabelecido para dar cabo a meus planos. Escutar todos meus
inimigos fazendo festa e se divertindo no dia escolhido para matá-los seria
difícil de suportar. Imediatamente liguei para minha mãe e pedi se podia
ficar em sua casa por toda semana, exagerando minha doença de tal
maneira que ela concordasse. Enquanto estive por lá, consultei o médico
para saber a condição de minha gripe, e passei a semana numa profunda e
pacífica contemplação.

Ao voltar para Santa Bárbara assegurei a mim mesmo que agora sim. O dia
24 de maio de 2014 seria a data final. Não havia como adiar mais, não havia
como retroceder. Se não fizesse isso, teria um futuro repleto de solidão e
rejeição pela frente, desprovido de sexo, amor e diversão. Eu tenho que
fazer isso. É a única coisa que posso fazer. No dia 24 de maio o semestre de
primavera na SBCC terminará e todos os alunos voltarão para suas cidades
de origem, o que significa menos inimigos para matar em Isla Vista. Claro, a
UCSB ainda estaria em aula, mas quero matar os alunos da UCSB e da SBCC.
O Dia da Retribuição é meu único propósito neste mundo, e estou pronto.
Depois de apenas uma semana que coloquei aqueles vídeos no Youtube,
escutei uma batida na porta de meu apartamento. Ao abri-la deparei-me
com sete oficiais da polícia perguntando por mim. Logo que vi aqueles
policiais, o maior medo que já senti em minha vida tomou conta de mim.
Tive o medo impressionante e arrebatador de que alguém tinha descoberto
o que eu planejava fazer e havia me denunciado por isso. Se fosse o caso, a
polícia devassaria meu quarto, encontraria minhas pistolas e armas, além
desses escritos sobre o que eu planejava fazer com elas. Seria colocado na
cadeia, impossibilitado da chance de fazer vingança a meus inimigos. Eu não
conseguia imaginar um inferno pior do que esse. Felizmente, não era o
caso, mas foi quase.
Aparentemente, alguém havia visto meus vídeos e passou a suspeitar de
mim. Eles ligaram para algum órgão de saúde, que por sua vez chamou a
polícia para dar uma verificada em mim. A polícia disse que foi minha mãe
que ligou para eles, mas minha mãe me disse que foi o órgão de saúde.
Minha mãe tinha assistido aos vídeos e ficou muito perturbada com eles.
Acho que nunca saberei a verdade sobre quem realmente chamou a polícia.
A polícia me interrogou por alguns minutos, perguntando se eu tinha
pensamentos suicidas. Com muito tato eu disse a eles que isso era um
grande mal entendido, e então eles finalmente me deixaram. Se tivessem
pedido para vasculhar meu quarto... Isso teria posto um fim em tudo. Por
alguns segundos terríveis eu pensei que isso aconteceria. Quando eles
saíram, a maior onda de alívio percorreu meu corpo. Foi muito assustador.
Foi tudo por causa dos vídeos. Eu devo ter expressado muita raiva neles.
Imediatamente tirei a maioria deles do Youtube, e planejei colocar de novo
poucos dias antes do Dia da Retribuição. Esse incidente me fez perceber
que eu precisava ser extremamente cauteloso. Eu não podia deixar mais
ninguém ficar suspeitando de mim. Bastava uma pessoa chamar a polícia e
dizer que achava que eu cometeria um tiroteio, e a polícia estaria bem na
minha porta novamente, exigindo revistar meu quarto. Nos dias seguintes
eu fiquei com muito medo de que eles pudessem aparecer a qualquer
momento. Mantive uma das minhas pistolas com alguns pentes carregados
perto de mim para o caso de algo assim acontecer. Se eles aparecessem, eu
tentaria matá-los rapidamente e escaparia pela janela dos fundos. Eu teria
então que executar meus planos de forma precipitada, com a polícia em
meu encalço. Isso arruinaria tudo. Felizmente, todas as suspeitas foram
mitigadas quando retirei os vídeos do Youtube, e a polícia nunca mais
apareceu.

Durante as últimas semanas de minha vida continuei com minhas aventuras


diárias pela cidade, tentando experimentar o mundo tanto quanto fosse
possível antes de morrer. Ao fazer isso, percebi que o único mundo que eu
seria capaz de experimentar era um mundo conturbado de constante
sofrimento. Não importa onde eu fosse, eu tinha que encarar as mesmas
injustiças. Jovens casais estão em toda parte! Eles constantemente me
faziam lembrar daquilo que faltava em minha vida. Eu não podia sair do
meu quarto sem ver um casal que me faria sentir com raiva e inveja. Como
as meninas dão seu amor e sexo para esses outros homens e não para mim,
era o que eu constantemente pensava quando via jovens casais. Não havia
mais nenhum lugar no mundo onde eu pudesse ir. Não havia mais nenhuma
vida para viver. O Dia da Retribuição é tudo o que tenho. É a solução final
para todas as injustiças deste mundo conturbado. Ao fazer isso, corrigirei
todos os erros que enfrentei em minha triste vida escusa.
Toda vez que vejo um cara andando por aí com sua linda namorada, sempre
tenho vontade de matar os dois da maneira mais dolorosa possível. Eles
merecem isso. Eles devem ser punidos. Os machos merecem ser punidos
por viverem uma vida melhor e mais prazerosa do que a minha, e as fêmeas
merecem ser punidas por dar essa vida prazerosa a esses machos em vez
de mim. No Dia da Retribuição, eu finalmente poderei punir a TODOS.
Quando penso na vida maravilhosa e graciosa que eu poderia ter tido
apenas se as meninas sentissem atração sexual por mim, todo meu ser
queima de ódio. Elas me privaram de uma vida feliz, e em troca eu tirarei
suas vidas. É justo.

Eu não faço parte da raça humana. A humanidade me rejeita. As fêmeas da


espécie humana nunca quiseram acasalar comigo, então como eu poderia
considerar a possibilidade de fazer parte da humanidade? A humanidade
nunca me aceitou entre os seus, e hoje eu entendo a razão. Eu sou mais do
que humano. Eu sou superior a todos. Eu sou Elliot Rodger... Magnífico,
supremo, glorioso, eminente... Divino! Eu sou o mais próximo que existe de
um Deus vivo. A humanidade é uma espécie repugnante, depravada e
maligna. É meu propósito punir a todos. Eu purificarei o mundo de tudo o
que há de errado nele. No Dia da Retribuição, eu serei verdadeiramente um
Deus poderoso, punindo todos aqueles que considero como impuros e
depravados.

EPÍLOGO
E é assim que minha trágica vida chega ao fim. Quem poderia ter imaginado
que minha vida chegaria a esse ponto? Eu não. Houve um tempo em que
eu achava que este mundo era um lugar bom e feliz. Quando criança, todo
meu mundo era inocente. Deixou de ser quando entrei na puberdade e
comecei a desejar meninas, então toda minha vida se transformou num
inferno. Eu desejava as meninas, mas elas nunca me desejavam. Há uma
coisa muito errada nisso. É uma injustiça que não pode ficar impune. Não
havia como ter uma vida feliz dentro de um cenário desses.
Não apenas tive que desperdiçar toda minha juventude sofrendo na solidão
e com desejos insatisfeitos, senão ainda tive que viver com o conhecimento
de que outros caras da minha idade conseguiam ter todas as experiências
pelas quais eu tanto ansiava. Isso é absolutamente injusto. Além disso, tive
que sofrer a vergonha de ser menos respeitado por outros caras pois
sabiam que eu não conseguia conquistar nenhuma menina. Todo mundo
sabia que eu era virgem. Todo mundo sabia como eu era indesejável para
as meninas, e eu odiava todo mundo por saberem disso. Eu queria que as
pessoas pensassem que as meninas me amavam. Eu queria me sentir
valoroso. Não existe orgulho em viver como um solitário, um pária excluído.
Eu não chamaria isso de vida.
Eu não fui feito para viver uma vida patética e miserável. Este mundo não
me pertence. Eu não vou me curvar e aceitar um destino insignificante. Se
a humanidade é incapaz de reconhecer meu valor, então eu os destruirei.
Eu sou melhor do que todo mundo. Eu sou um Deus. Exarar minha
Retribuição é minha forma de provar meu verdadeiro valor ao mundo.

No vórtice de meus tormentos, tenho sido capaz de enxergar o mundo


muito mais nitidamente do que as outras pessoas. Tenho tido visões que as
outras pessoas não têm. Através de meu sofrimento, tenho vislumbrado
como este mundo é realmente conturbado e sombrio. O estado atual da
humanidade é o que o torna errado, pois o problema do mundo são as
pessoas. Eu olho para a raça humana e vejo apenas vilania e depravação,
tudo em virtude de um ato conhecido como... sexo...
O sexo é com certeza o conceito mais pérfido da existência. O fato de que
a vida é possível através do sexo apenas evidencia que a vida é imperfeita.
O ato sexual dá aos seres humanos uma quantidade tremenda de prazer.
Um prazer que eles não merecem. Ninguém merece experimentar muito
prazer, especialmente porque alguns humanos conseguem experimentá-lo
enquanto a outros lhes é negado. Quando um homem faz sexo com uma
garota bonita, provavelmente ele sente-se como se estivesse no paraíso.
Mas o mundo não é para ser um paraíso. É egoísta e hedonista que alguns
humanos sejam realmente capazes de sentir tais alturas de prazer celestial.
O mal supremo por trás da sexualidade é a fêmea humana. Elas são as
principais instigadoras do sexo. Elas é que controlam quais homens
recebem sexo e quais não. As meninas são criaturas degeneradas, e o mal
tratamento que recebo de suas mãos tem feito com que eu percebesse essa
triste verdade. Há certamente algo de muito errado e distorcido na forma
como seus cérebros funcionam. Elas pensam como bestas, e na verdade,
elas são bestas. As meninas são incapazes de se guiarem por leis morais ou
de pensarem racionalmente. Elas são completamente controladas por suas
emoções depravadas e vis instintos sexuais. Por causa disso, os homens que
experimentam os prazeres do sexo e o privilégio de procriar são os homens
por quem as mulheres são sexualmente atraídas... homens estúpidos,
degenerados e brutamontes. Tenho observado isso por toda a minha vida.
As meninas mais lindas escolhem procriar sempre com o mais brutal dos
homens, em vez de escolherem um cavalheiro magnífico como eu.
As meninas não deveriam possuir o direito de escolherem com quem casar
e procriar. Essa decisão deveria caber a homens de inteligência racional. Se
as meninas continuarem a ter direitos, elas impedirão o avanço da raça
humana ao procriarem com homens degenerados assim criando uma prole
igualmente estúpida e degenerada. Isso fomentará à humanidade se tornar
ainda mais depravada a cada nova geração. As meninas têm mais poder na
sociedade moderna do que merecem, tudo por causa do sexo. Não existe
criatura mais pérfida e depravada do que a fêmea da espécie humana.
As meninas são como uma praga. Elas não merecem possuir quaisquer
direitos. Sua perfídia deve ser contida a fim de evitar que as gerações
futuras caiam na degeneração. As meninas são animais pérfidos, bárbaros,
e débeis, e precisam ser tratadas como tais.

Ao perceber plenamente essas verdades sobre o mundo criei a ideologia


final e perfeita de como um mundo justo e puro deveria funcionar. Em um
mundo ideal o sexo não existiria. Deveria ser proibido. Em um mundo sem
sexo, a humanidade seria pura e civilizada. Os homens se desenvolveriam
de modo saudável, sem se preocuparem com esse ato bárbaro. Todos os
homens cresceriam justos e iguais, porque nenhum homem seria capaz de
experienciar os prazeres do sexo em detrimento daqueles a quem este lhes
é negado. A raça humana evoluiria para um nível de civilização inteiramente
novo, completamente isento de toda impureza e degeneração que existe
hoje em dia.
Para abolir totalmente o sexo, as meninas deveriam ser exterminadas.
Todas as meninas deveriam ser colocadas em quarentena como o vírus
mortal que são, para que possam ser utilizadas de uma maneira que
realmente beneficie uma sociedade civilizada. Para colocar isso em prática,
deveria existir um novo e poderoso tipo de governo, sob o controle de um
ditador divino como eu. O ditador que estabeleceria essa nova ordem teria
total controle sobre cada aspecto da sociedade, para assim dirigi-la no
sentido de um lugar bom e puro. À disposição deste governo precisaria
haver um exército altamente treinado de tropas fanaticamente leais, a fim
de fazer cumprir tais leis revolucionárias.
O primeiro golpe contra as meninas seria colocá-las em quarentena em
campos de concentração. Nesses campos, a vasta maioria da população
feminina seria deliberadamente abandonada à morte. Esse seria um meio
eficiente e adequado para matá-las. Eu teria muito prazer e satisfação em
condenar cada menina da terra a morrer na míngua. Eu teria uma torre
quilométrica construída só para mim, de onde eu poderia supervisionar
todo o campo de concentração e ver com alegria todas elas morrendo. Se
eu não posso tê-las, então ninguém pode, era o que estaria pensando
enquanto estivesse observando-as. As meninas representam tudo o que há
de impuro neste mundo, e para fazer dele um lugar justo, elas precisariam
ser erradicadas.
Algumas meninas seriam selecionadas, contudo, para fins de reprodução.
Essas meninas seriam guardadas e criadas em laboratórios secretos. Lá,
seriam inseminadas artificialmente com amostras de esperma para gerar a
prole. Sua natureza depravada seria lentamente eliminada com o tempo.
As futuras gerações de homens cresceriam ignorantes à existência dessas
meninas remanescentes, e assim seria para melhor. Se um homem cresce
sem saber da existência das meninas, não haveria desejo por sexo. A
sexualidade cessaria de existir completamente. O amor deixaria de existir.
Não perduraria o menor indício de tais conceitos na psique humana. É a
única forma de purificar o mundo.
Em um mundo puro desses, a mente do homem poderia se desenvolver a
níveis nunca antes verificados. As gerações futuras viveriam livres da
preocupação da barbárie do sexo e das meninas, o que permitiria expandir
sua inteligência e evoluir a raça humana para o estado de uma civilização
perfeita.
É uma pena tão vergonhosa que meu mundo ideal não possa ser criado.
Percebi há muito tempo que não havia como alcançar um nível de poder
tão elevado em minha vida, do jeito que o mundo se encontra. Uma coisa
dessas nunca se tornará realidade para mim, mas deu ensejo para que
pudesse fantasiar enquanto queimava de ódio pelas meninas por me
rejeitarem ao longo dos anos. Todo esse ponto de vista e ideologia de abolir
o sexo se apoia em ter sido privado dele durante toda a minha vida. Se não
posso tê-lo, farei tudo o que puder para DESTRUÍ-LO.
Minha orquestração do Dia da Retribuição é minha tentativa de fazer tudo
que estiver ao meu alcance para destruir tudo o que não posso ter. Eu
destruirei todas essas meninas bonitas que tanto desejei em minha vida,
mas que nunca tive porque fui desprezado e humilhado. Eu destruirei todos
esses caras populares que têm vidas hedonistas de prazer, porque nunca
me aceitaram como um deles. Matarei a todos e vou fazê-los sofrer,
exatamente como eles me fizeram sofrer. É apenas justiça.

Por que as coisas tiveram que chegar a esse ponto? Tenho certeza que essa
é a pergunta que todo mundo estará se perguntando depois que o Dia da
Retribuição chegar ao fim. Eles estarão perguntando por quê? De fato, por
quê? Essa é a pergunta que eu tenho feito para todo mundo durante todos
meus anos de sofrimento. Por que eles fizeram essas coisas comigo? Por
que eu fui condenado a viver uma vida de miséria e desprezo enquanto
outros homens puderam experienciar os prazeres do amor e do sexo com
as meninas? Por que as coisas tiveram de ser assim? Eu é que pergunto para
todos vocês.
Tudo o que eu sempre quis foi poder amar as meninas, e em troca ser
amado por elas. Porém seu comportamento comigo só alimentou meu
ódio, e com razão! Eu sou a vítima nessa história. Eu sou o cara legal. A
humanidade foi quem me bateu primeiro por me condenar a tanto
sofrimento. Eu não pedi por isso. Eu não queria isso. Não fui eu que comecei
essa guerra... Não fui eu que bati por primeiro... Mas terminarei batendo
de volta. Eu punirei todo mundo. E como será bonito. Finalmente, depois
de muito tempo, eu posso mostrar ao mundo meu verdadeiro valor.

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