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2014
ENTRE O LINGUÍSTICO E O SOCIAL:
Complementos Dativos de 2ª pessoa em Cartas Cariocas (1880-1980)
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2014
ii
ENTRE O LINGUÍSTICO E O SOCIAL:
Complementos Dativos de 2ª pessoa em Cartas Cariocas (1880-1980)
Examinada por:
____________________________________________________________
Presidente, Profª Dr.ª Célia Regina dos Santos Lopes – UFRJ
____________________________________________________________________
Prof. Dr. Leonardo Lennertz Marcotulio – UFRJ
____________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Rosane de Andrade Berlinck – UNESP
____________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Christina Abreu Gomes – UFRJ (Suplente)
____________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Márcia Cristina de Brito Rumeu – UFMG (Suplente)
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2014
iii
Oliveira, Thiago Laurentino de.
Entre o Linguístico e o Social: Complementos Dativos de 2ª Pessoa em Cartas
Cariocas (1880-1980) / Thiago Laurentino de Oliveira. – Rio de Janeiro: UFRJ/FL,
2014.
xxi, 166f. 1v. il.
Orientadora: Célia Regina dos Santos Lopes
Dissertação (mestrado) – UFRJ / Faculdade de Letras / Programa de Pós-
Graduação em Letras Vernáculas, 2014.
Referências bibliográficas: f. 161-166
1. Dativo de 2ª pessoa. 2. Pronomes pessoais. 3. Sociolinguística histórica.
I. Lopes, Célia Regina dos Santos. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Pós-
graduação em Letras Vernáculas. III. Entre o Linguístico e o Social: Complementos
Dativos de 2ª Pessoa em Cartas Cariocas (1880-1980).
iv
Esta pesquisa foi financiada por uma bolsa FAPERJ
v
OLIVEIRA, Thiago Laurentino de. Entre o Linguístico e o Social: Complementos Dativos de
2ª pessoa em Cartas Cariocas (1880-1980). Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa.
Rio de Janeiro: Faculdade de Letras/UFRJ. 2014.
RESUMO
vi
OLIVEIRA, Thiago Laurentino de. Entre o Linguístico e o Social: Complementos Dativos de
2ª pessoa em Cartas Cariocas (1880-1980). Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa.
Rio de Janeiro: Faculdade de Letras/UFRJ. 2014.
ABSTRACT
The grammaticalization of the form você has unleashed in Brazilian Portuguese (BP)
a strong variation in the representation of the 2nd person singular, since the old pronoun
paradigm tu has not disappeared. This variation in subject position has been widely studied
(cf. MACHADO, 2006; RUMEU, 2008, 2013), and future research should study other
syntactic positions. In this work, we investigate the different achievements of dative
complement that can manifest itself, in the 2nd person, through the clitics te and lhe, the
prepositional phrases a ti, para ti, a você, para você, and the null object (without phonetic
achievement). We call dative the internal argument to verbs of two or three places with
semantic role of goal or source and that can be replaced by lhe-clitic. In this study, we seek to
identify linguistic and extralinguistic factors which favor or disfavor the use of each dative
variant during insertion of você in BP system, around the years 1930 (cf. DUARTE, 1993). In
addition, we describe also the combination of the te-clitic with você-subject in constructions
like “Você leu o livro que eu te dei?”. Such combination, traditionally interpreted as “break”
the uniformity of treatment, it is a widely accepted construction, without social stigma on
current BP (BRITO, 2001). The corpus consists of 318 private letters written by people who
lived in the state of Rio de Janeiro over a century (1880-1980). As theoretical-methodological
apparatus, we combine the assumptions of Labovian variationist sociolinguistics
(WEINREICH, LABOV & HERZOG, 1968; LABOV, 1994) with the historical
sociolinguistics (CONDE SILVESTRE, 2007; HERNÀNDEX-CAMPOY & CONDE
SILVESTRE, 2012). We use the statistical program GOLDVARB-X as tool for the
quantitative analysis of the data. The overall results of this study show that: the te-clitic is the
recurrent dative variant in writing of the period analyzed, regardless of treatment in subject
position (você or tu); the lhe-clitic confers character of formality, scoring low grade intimacy
between the interlocutors; prepositional phrases record low frequency of use, occurring the
replacement of the a ti and para ti by a você and para você over time; the subgenres of private
letter, the social core of the writers and the degree of dominance on standardized writing are
factors that influence the use of variants.
viii
AGRADECIMENTOS
O espaço desta seção é muito curto para que seja possível agradecer a todos que, de
algum modo, me ajudaram ao longo desses dois anos de mestrado. Mesmo assim, tentarei
fazê-lo, desculpando-me desde já por uma eventual e infeliz falha na memória.
Em primeiro lugar, agradeço à minha mãe, Maria de Fátima Laurentino de Oliveira,
e ao meu pai, Adir Carvalho de Oliveira; pela criação, pelo carinho e pelos ensinamentos
constantes. Nunca me iludiram dizendo que o caminho seria fácil, porém nunca disseram
também que eu não conseguiria caminhar. Muito do que eu sou hoje devo a vocês!
Agradeço aos meus avós maternos, Josefa e Raimundo e aos meus avós paternos,
Neyde e Álvaro por toda a sabedoria e vivência a mim transmitidas da maneira mais simples e
didática, coisa que faculdade nenhuma seria capaz de ensinar. Vocês são, com toda a certeza,
os grandes precursores que, a duas gerações, vieram preparando o caminho.
Agradeço também, de uma forma geral, a todos os membros da minha família – tios,
tias, primos, primas etc – pelo apoio e incentivo constantes, sempre os maiores entusiastas das
minhas conquistas.
Um agradecimento muito especial para a minha “mãe acadêmica” Célia Lopes, por
todo empenho, atenção, dedicação e respeito com que sempre me orientou, desde os tempos
de Iniciação Científica até o término deste trabalho. Você é um exemplo que procuro seguir,
admiro muito a maneira como você sabe tratar o profissional sem se esquecer do humano.
Este trabalho não sairia sem sua acurada revisão, seus preciosos comentários e seu senso
crítico constante. Meu muito obrigado!
Agradeço a todos os magníficos professores da Faculdade de Letras da UFRJ, que
muito contribuíram não só na minha formação acadêmica, como também no amadurecimento
do meu senso crítico. Agradeço especialmente aos professores de língua portuguesa
Humberto Soares, Mônica Nobre, Marcia Machado, Violeta Rodrigues, João Moraes, Dinah
Callou, Afrânio Barbosa, Silvia Cavalcante, Maria Eugenia Duarte, Carlos Alexandre e
Aparecida Lino, pelas aulas maravilhosas nos cursos de graduação e pós-graduação. Com
todos vocês, aprendi e entendi que um verdadeiro professor é, na verdade, um grande, eterno e
apaixonado pesquisador.
Agradeço ao professor, pesquisador e colega de projeto Leonardo Marcotulio.
Primeiramente, por aceitar o convite para ser membro da minha banca; e, além disso, pelas
ix
orientações e sugestões, sempre muito enriquecedoras para o meu trabalho. Obrigado, Léo!
Considero você um modelo a ser seguido.
Agradeço às professoras Rosane Berlinck, Márcia Rumeu e Christina Gomes, por
também aceitarem o convite para participar da minha banca.
Agradeço à professora Vera Paredes Silva, por ceder tão gentilmente as cartas
utilizadas em sua tese de doutorado. Esse material foi imprescindível para que eu pudesse
concretizar o meu projeto de análise. Muito obrigado!
Agradeço também a todos os meus amigos que a Faculdade de Letras me deu:
Giselle e Victor (o “engenheiro letrado”), Eduarda, Mariana, Fernanda, Carol Lucques,
Camila Maciel, Larissa, Anne Karenine, Carmem, Jorge, Rafael, Carlos Eduardo, Silvia,
Vivian e tantos outros. Obrigado pelo carinho, pela amizade. Juntos fomos e somos mais
fortes!
Um agradecimento especial à minha amiga, colega de graduação, “filha da amiga da
minha tia”, colega de iniciação, companheira de viagens, congressos, apresentações,
trabalhos, colega de mestrado e irmã que a UFRJ me deu Camila Duarte de Souza. Nunca
precisamos de beijinhos, abraços e muitas demonstrações exageradas de afeto para termos
certeza da solidez de nossa amizade. Sempre que um precisou, o outro esteve ali para ajudar.
Sempre que era necessário (poucas vezes, é preciso dizer), um “puxou a orelha do outro” e
isso não abalou nossa amizade. Termino o mestrado com a mesma garantia com que terminei
a graduação: não vamos perder o contato! Nossa amizade é para a vida inteira e tenho muito
orgulho de ser seu amigo. Você é uma excelente pessoa e te admiro muito!
Agradeço ao meu amigo Murilo, por me ouvir falando da faculdade, da pesquisa e do
mestrado sem nunca ter reclamado disso. Obrigado por me acompanhar nessa caminhada com
uma paciência incrível! Não é para qualquer um! Estendo, ainda, meu agradecimento a todos
meus demais amigos, pela força e parceria de sempre!
Agradeço aos meus colegas de pesquisa e de pós-graduação Carolina Lacerda, Érica,
Janaína, Rachel, Elaine, Caio, Stephanie, Karine, Diogo, Maria, Patrícia e Núbia. Nossa
convivência e companheirismo deixam, sem dúvida, o trabalho menos pesado e mais
prazeroso.
Agradeço à FAPERJ, pelo auxílio financeiro, de extrema importância para que este
trabalho acontecesse.
Termino agradecendo aos meus alunos da Letras, por, em tão pouco tempo de
convivência, me tratarem com muito respeito e carinho. Ler os comentários de vocês sobre o
x
meu trabalho como docente na internet foi surpreendente e me deixou imensamente feliz.
Desejo a todos, sempre, que sigam em frente e atinjam seus objetivos.
Por fim, termino agradecendo a todos os futuros leitores desta dissertação. Espero
que o meu trabalho possa contribuir de alguma forma com a pesquisa daqueles que se
dispuserem a lê-lo.
xi
“Três cegos rodeiam um elefante e tentam achar uma definição para o bicho. Um
palpa suas pernas e diz que o elefante é uma coluna cilíndrica, rígida, imóvel. Outro palpa a
cauda e concorda com o primeiro, exceto no quesito da imobilidade. O terceiro palpa a
tromba e discorda dos dois no quesito da rigidez. Qual deles tem a razão? Nenhum e todos ao
mesmo tempo, pois cada um fez uma descoberta válida por si mesma, ainda que incompleta.
Estudiosos das línguas e dos fenômenos sociais são como os cegos da fábula. Estão
sempre pesquisando, e sempre produzindo resultados incompletos.”
Ataliba de Castilho1
1
In: Nova Gramática do Português Brasileiro. 1.ed., São Paulo: Contexto, 2010, p. 41
xii
“Na Faculdade você vai conhecer milhões de
pessoas, boas ou más, mas que a cada dia te
ensinarão lições de vida, porque é vivendo que se
aprende a viver melhor.”
xiii
SINOPSE
xiv
SUMÁRIO
1. Introdução ................................................................................................................20
xv
4.1.4. Invariação e a ideologia do padrão ............................................................76
4.2. Princípios e conceitos teórico-metodológicos da Sociolinguística histórica
........................................................................................................................................77
4.2.1. Princípio do Uniformitarismo ....................................................................77
4.2.2. A importância da História Social ...............................................................79
4.2.3. O estilo e a reconstrução do contexto de produção................................79
4.2.4. O modelo de Koch e Oesterreicher ............................................................81
4.3. Um estudo de caso para o português brasileiro: a variação pronominal em cartas
pessoais .........................................................................................................................83
4.3.1. A análise pronominal em cartas pessoais ................................................84
4.3.2. A constituição do corpus: problemas e soluções ....................................85
4.3.3. A correlação entre os fatores linguísticos, históricos e sociais: a emergência
de uma norma brasileira ................................................................................................87
4.4. Metodologia .......................................................................................................89
4.4.1. O corpus, suas fontes e informantes .........................................................89
4.4.2. Os dados ....................................................................................................98
4.5. Conclusão do capítulo .......................................................................................98
xvi
Índice de Esquemas
Esquema 2.1: Hierarquia de animacidade (adaptado de Givón, 1995 apud Company, 2006) ..............37
Índice de Gráficos
Gráfico 2.1: Objeto indireto nulo segundo a pessoa gramatical (adaptado de Berlinck, 2005, p. 139)
................................................................................................................................................................35
Gráfico 3.1: Porcentagens do uso não uniforme dos pronomes objetos de 2P nos dois corpora
(BRITO, 2001, p. 101) ...........................................................................................................................64
Gráfico 3.2: Correlação entre as estratégias de acusativo e as localidades (OLIVEIRASILVA, 2011)
................................................................................................................................................................68
Gráfico 3.3: Correlação entre as estratégias de dativo e as localidades (OLIVEIRASILVA, 2011)
............................................................................................................................................................... 68
Gráfico 5.1: Percentual de ocorrência das variantes dativas nas cartas cariocas e fluminenses (1880-
1980) ....................................................................................................................................................107
Gráfico 5.2: Percentual de ocorrência das variantes dativas na diacronia analisada (1880-1980)
.....................................................................................................................................................132
Gráfico 5.3: A frequência do clítico te nas cartas segundo a forma pronominal do Sujeito na diacronia
analisada (1880-1980) ......................................................................................................................... 154
Gráfico 5.4: A frequência do clítico lhe nas cartas segundo a forma pronominal do Sujeito na diacronia
analisada (1880-1980) ..........................................................................................................155
Gráfico 5.5: A frequência do sintagma preposicionado para você nas cartas segundo a forma
pronominal do Sujeito na diacronia analisada (1880-1980) ................................................................156
xvii
Índice de Quadros
Quadro 2.1: Categorias distintivas (extraído de Berlinck, 2005, p. 131) ..............................................49
Quadro 3.1: Pronomes pessoais do português segundo a perspectiva tradicional (adaptado de Cunha &
Cintra, 1985, p. 270) ..............................................................................................................................52
Quadro 3.2: Distribuição dos 3 subsistemas dos pronomes pessoais de 2ª pessoa pelas regiões
brasileiras (LOPES & CAVALCANTE, 2011, p.39) ............................................................................60
Quadro 3.3: Flexão de caso dos pronomes na norma padrão do português (LUCCHESI & MENDES,
2009, p. 473) ..........................................................................................................................................61
Quadro 3.4: Flexão de caso dos pronomes pessoais na norma culta brasileira (LUCCHESI &
MENDES, 2009, p.475) .........................................................................................................................61
Quadro 4.1: Parâmetros determinantes do grau de imediatismo/distância comunicativa dos textos
escritos (OESTERREICHER, 2006, p.255) ..........................................................................................82
Quadro 4.2: Corpus analisado e suas fontes ..........................................................................................97
Quadro 5.1: Valores semânticos dos verbos que selecionam complemento dativo ............................115
Quadro 5.2: Grupos de fatores selecionados nos cruzamentos entre o clítico te e as demais variantes
..............................................................................................................................................................139
xviii
Índice de Tabelas
Tabela 3.1. A distribuição das formas pronominais em função de complemento verbal (MACHADO,
2011, p. 152) ..........................................................................................................................................63
Tabela 3.2. Correlação das formas acusativas de 2ª pessoa e o sujeito em cartas dos séculos XIX-
XX.(LOPES & CAVALCANTE, 2011, p. 53) ......................................................................................66
Tabela 3.3. Correlação das formas dativas de 2ª pessoa e o sujeito em cartas dos séculos XIX-
XX.(Fonte: LOPES E CAVALCANTE, 2011, p. 56) ...........................................................................67
Tabela 3.4. Distribuição das estratégias de complemento verbal em roteiros cinematográficos (Fonte:
Adaptado de OLIVEIRA SILVA, 2011, p. 27) .....................................................................................68
Tabela 5.1. Correlação entre o tratamento na posição de sujeito e as estratégias utilizadas como
complemento dativo .............................................................................................................................108
Tabela 5.2. Distribuição das variantes de complemento dativo quanto à estrutura argumental do verbo
predicador ............................................................................................................................................112
Tabela 5.3. Distribuição das variantes de complemento dativo quanto ao valor semântico do verbo
predicador ...........................................................................................................................................116
Tabela 5.4. Correlação entre as variantes de complemento dativo e a forma do objeto direto em
estruturas bitransitivas .........................................................................................................................123
Tabela 5.5. Correlação entre o subgênero da carta e as estratégias utilizadas como complemento dativo
..............................................................................................................................................................126
Tabela 5.6. Distribuição das variantes de complemento dativo quanto à seção da carta ....................129
Tabela 5.7. Distribuição das variantes dativas entre as amostras do 1º período (1880-1905) .............133
Tabela 5.8. Distribuição das variantes dativas entre as amostras do 2º período (1906-1930) .............134
Tabela 5.9. Distribuição das variantes dativas entre as amostras do 3º período (1931-1955) .............136
Tabela 5.10. Distribuição das variantes dativas entre as amostras do 4º período (1956-1980) ...........137
Tabela 5.11. Análise multivariada das formas dativas te x zero (Valor de Aplicação: clítico te) .......140
Tabela 5.12. Análise multivariada das formas dativas te x lhe (Valor de Aplicação: clítico te) .........144
Tabela 5.13. Análise multivariada das formas dativas te x SPreps (Valor de Aplicação: clítico te)
..............................................................................................................................................................148
xix
20
1. INTRODUÇÃO
(01) João telefonou (a ti / para ti / a você/ para você) João te/lhe telefonou.
(02) Maria mandou um presente (a ti / para ti / a você / para você) Maria te/lhe mandou
um presente.
2
Lopes e Cavalcante (2011, p.37) postulam que, no PB, atualmente, coexistem pelo menos três subsistemas de
tratamento na posição de sujeito – (i) você, (ii) tu e (iii) você/tu. Embora predomine, em algumas localidades, o
uso do você e, em outras, o uso do tu, identifica-se, segundo as autoras, a variação entre as duas formas na maior
parte do território brasileiro. Retomaremos essa questão no capítulo 3 desta dissertação.
22
você no português brasileiro, contudo, os sintagmas a você e para você foram substituindo
gradativamente os sintagmas a ti e para ti na variedade carioca. Ainda nessa variedade, o uso
do clítico lhe confere caráter de formalidade, marcando, pois, baixo grau de intimidade (cf.
GOMES, 2003).
Outras hipóteses, de um viés extralinguístico, também fazem parte da presente
dissertação. O gênero “carta particular” apresenta subdivisões condicionadas pelo grau de
intimidade e pela finalidade/tema da mensagem; tais subgêneros interferem diretamente no
uso de determinadas formas de dativo. A uniformidade de tratamento não constitui uma
realidade na escrita epistolar, consistindo em uma artificialidade da gramática normativa. O
núcleo social dos missivistas assim como o grau de domínio destes sobre os modelos de
escrita de sua época são fatores que (des)favorecem o uso de certas variantes em relação às
demais.
Para responder aos questionamentos anteriores, cumprir os objetivos norteadores e
verificar a validade das hipóteses apresentadas, estruturamos a presente dissertação em seis
capítulos. Além desta introdução (capítulo 1), apresentamos no capítulo 2 a primeira parte da
revisão bibliográfica sobre o tema; tratamos especificamente do conceito de dativo discutindo
seu emprego na língua latina. Abordamos, também, a difícil missão que tem sido definir e
diferenciar dativo de oblíquo, devido a várias semelhanças formais e semânticas existentes
entre as duas funções. Ainda no capítulo 2, reunimos uma caracterização geral do
complemento, finalizando com a tipologia para o dativo português, proposta por Berlinck
(1996).
O capítulo 3 traz a segunda parte da revisão bibliográfica, focalizando o quadro dos
pronomes pessoais no PB, especialmente a 2ª pessoa do singular. Confrontaremos o sistema
de pronomes pessoais presentes nas gramáticas normativas e nos manuais didáticos de língua
portuguesa, carregados de conservadorismo linguístico, com os estudos linguísticos sobre o
tema, destacando, dentre outras coisas, a problemática da uniformidade de tratamento.
Apresentaremos, ainda, os resultados de trabalhos sincrônicos e diacrônicos que examinam a
variação entre você e tu nas posições de complemento verbal.
Os pressupostos teóricos e metodológicos adotados nesta pesquisa são expostos no
capítulo 4. Neste, referenciamos alguns autores e estudos importantes para a Sociolinguística,
como o clássico trabalho de Weinreich, Labov e Herzog (1968), Empirical Foundations for a
Theory of Language Change. Além dos postulados variacionistas, dedicamos a maior parte
dos pressupostos à sociolinguística histórica (ROMAINE, 1982; CONDE SILVESTRE, 2007;
HERNÀNDEX-CAMPOY & CONDE SILVESTRE, 2012), área ainda timidamente
23
3
Os exemplos (1-9) foram extraídos de Faria (1958). A marcação em itálico pertence ao original; os termos
dativos sublinhados são nossos.
25
(03) Hirtio cenam dedi (Cíc., Fam., 9,20,2) “dei uma ceia a Hírtio”
(04) dextrae iungěre dextram (Verg., En., 1,408) “unir a minha destra à tua destra”
(05) non tibi sed patrĭae natus (Cíc., Mur., 83) “nascido não para ti, mas para a pátria”
(06) nullum esse nobis seruom (Plaut., Amph., 385) “não temos escravo algum”
(07) non tibi ego exēmpli satis sum? (Ter., Heaut., 920) “não sou para ti um exemplo
bastante?”
(08) nunc amīci anne inimīci sis imāgo mihi sciam (Plaut., Cas., 515) “agora saberei se me és
a imagem do amigo ou do inimigo”
(09) tibi cauēndum censeo (Plaut., Cas., 411) “penso que te deves acautelar”
(10) dies conloquio dictus est (Cés., B. Gal., 1,42,3) “foi marcado o dia para a entrevista”
(11) it clamor caelo (Verg., En., 5,451) “vai um clamor ao céu”
Van Hoecke (1996, p.6), também assinala que os gramáticos latinos consideravam,
de fato, o dativo como um dativus casus – expressão advinda do grego, dotikê ptôsis – ou
casus dandi (do verbo dare, “dar”), ou seja, como o caso da atribuição: “ele indica a pessoa a
quem alguma coisa é dada (dare), dita, enviada, trazida etc.” (VAN HOECKE, 1996, p. 6).
Contudo, o autor discorda da interpretação do dativo como um caso de atribuição:
(...) em latim o dativo não é realmente um ‘dativo’, um casus dandi, que indica
atribuição. (...) O nome dativus provavelmente pode ser explicado pelo caráter
prototípico da construção dare aliquid alicui (‘dar algo a alguém’), mas isso
dificilmente representa o valor fundamental do caso. (VAN HOECKE, 1996, p.18)
(...) [o dativo] indica o polo para o qual a ação ou o processo referido pelo predicado
se orienta. Adotando outra perspectiva, podemos dizer também que o dativo serve
como o limite do predicado no sentido que indica o último termo para o qual tende a
ação ou processo referido. Este valor básico pode, contudo, adquirir nuances
específicas segundo o contexto no qual o dativo aparece. (VAN HOECKE, 1996,
p.31)
26
houve ampliação de a para indicar interioridade no lugar de in no latim clássico que regia
acusativo, indicando movimento até, e entrada em algum espaço (...)” [grifos do original].
Sendo assim, ao compararmos o dativo no latim e no português, é pertinente afirmar que,
neste último, a marca desinencial foi substituída pela preposição a4, como podemos notar no
exemplo (12) que retoma (03):
(12) Hirti-o cenam dedi (Cíc., Fam., 9,20,2) “dei uma ceia a Hírtio”
À título de fechamento da presente seção, podemos fazer duas observações com base
no que foi apresentado. Em primeiro lugar, vestígios de marcas casuais foram preservados nos
pronomes pessoais, ainda que de maneira débil. Isso pode ser ilustrado na distinção entre as
formas de sujeito (tu), de complemento acusativo de 2a pessoa (te) e de complemento dativo
e/ou ablativo (ti). As distinções não apresentam a mesma força da língua latina, porém, se
comparadas aos substantivos, nos quais não existe qualquer resquício das marcas de caso
latinas, a diferença é nítida (a distinção entre um SN sujeito e um SN complemento acusativo,
por exemplo, é feita apenas pela posição sintática em relação ao verbo). A estrutura formal
dos pronomes pessoais latinos, contudo, já se modificou e continua se modificando dentro das
línguas românicas. No âmbito do dativo, a combinação entre uma preposição e uma forma
pronominal para expressar o referido caso é legítima: “Pedro enviou uma carta a ti”. Tal
estrutura inexistia no latim. Concluímos que o sistema pronominal em vigor nas línguas
românicas (ao menos no português brasileiro) é uma conjugação entre aspectos
conservadores, que preservam resquícios da estrutura do latim, e aspectos inovadores, que
emergiram e continuam a emergir nas diferentes línguas-romance.
4
Estudos recentes como o de Gomes (2003) atestam que, no português brasileiro, a marcação do dativo é
variável entre as preposições a e para, com clara evidência de que a última está substituindo o uso da primeira.
Trataremos dessa questão em seção oportuna.
28
entanto, exibem uma ampla gama de valores semânticos que se afastam em boa medida dos
valores semânticos verificados para o dativo. Diante dessa similaridade estrutural, diversos
autores apresentam critérios que buscam distinguir os sintagmas preposicionados dativos dos
sintagmas preposicionados ditos oblíquos.
A Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB), documento publicado pelo Ministério
da Educação em 1959 que propôs a uniformização e simplificação da terminologia adotada
nas gramáticas brasileiras, não aponta nenhuma diferença entre os complementos verbais
preposicionados. Seguindo essa orientação, todas as gramáticas ditas tradicionais publicadas
no país, desde então, apresentam como complementos verbais o objeto direto (doravante OD)
e o objeto indireto (doravante OI). No primeiro caso (OD), o complemento não é
preposicionado, ligando-se diretamente ao verbo e, no segundo (OI), os complementos se
ligam ao verbo por intermédio de uma preposição5. De acordo com essa classificação, nas
sentenças em (13) e (14) os constituintes sublinhados são igualmente rotulados como OI:
Rocha Lima (1985), contudo, é uma exceção à regra. Em sua Gramática Normativa
da Língua Portuguesa, é o único gramático tradicional pós-NGB a separar os complementos
verbais preposicionados com classificações distintas. Segundo o autor, o OI “é o
complemento que representa a pessoa ou coisa a que se destina a ação, ou em cujo proveito ou
prejuízo ela se realiza” (ROCHA LIMA, op. cit., p. 219). Percebemos que essa definição se
aproxima-se claramente àquela oferecida por Faria (1958) para o dativo latino. Rocha Lima
(1985, p.219) apresenta três características que identificam o objeto indireto:
5
Essa diferenciação entre OD e OI é, por si só, meramente formal e pouco consistente. As mesmas gramáticas
tradicionais que adotam tal classificação, também afirmam que o OD pode ser preposicionado em alguns
contextos.
29
como a, com, de, em etc) e que integra a predicação de um verbo de significação relativa com
o valor de um objeto direto. Como critérios de diferenciação entre CR e OI, o gramático
aponta que o primeiro “não representa a pessoa ou coisa a que se destina a ação, ou em cujo
proveito ou prejuízo ela se realiza” (ROCHA LIMA, op. cit., p. 222); em vez disso, o CR
denota o ser que sofre a ação, tal como o OD. O CR também não pode ser pronominalizado
por lhe(s) na 3ª pessoa, como ocorre com o OI, admitindo apenas a substituição pelas formas
tônicas ele, ela, eles, elas encabeçadas por preposição. Aplicamos em (15) os critérios de
diferenciação expostos por Rocha Lima (1985) aos exemplos (13) e (14). Como podemos ver,
de fato, os complementos preposicionados não poderiam ser analisados como pertencentes à
mesma categoria:
(15) O João deu um presente para a Maria. O João deu-lhe / lhe deu um presente.
Um presente foi dado (por João) para a Maria.
O João sonhou com a Maria. *O João sonhou-lhe / lhe sonhou.
O João sonhou com ela.
No âmbito dos estudos linguísticos mais recentes, Duarte (2003) oferece argumentos
sintáticos e semânticos que diferenciam os complementos OI dos complementos a que
denomina oblíquos (OBL). De acordo com a autora, o OI é uma relação gramatical central no
português: “O constituinte com esta relação gramatical é tipicamente o argumento interno
de verbos de dois ou três lugares com o papel semântico de Alvo ou Fonte” (op. cit., p. 289).
São destacadas como propriedades típicas do OI: a animacidade do argumento, isto é, o
constituinte OI é, na maioria dos casos, [+animado]; quando o OI é um pronome pessoal,
exibe a forma clítica de dativo lhe. Duarte (op. cit.) também fornece dois testes para
identificação do OI:
No que se refere ao oblíquo (OBL), Duarte (2003) afirma que não se trata de uma
relação gramatical central. Sendo assim, “têm relações gramaticais oblíquas tanto argumentos
obrigatórios (...) e opcionais (...) do predicador verbal (i.e., complementos do verbo) como
30
adjuntos (...)” (p. 294). Como teste para a identificação de complementos oblíquos, a autora
aponta que
(16) a. O João deu um presente para a Maria. O João deu-[lhe]OI / [lhe]OI deu um presente.
b. O João sonhou com a Maria. *O João sonhou-lhe / lhe sonhou.
(17) a. Para quem o João deu um presente? R.: [Para a Maria]OI.
b. *O que é que o João fez [com a Maria]OBL? R: Sonhou.
Formalmente parece oblíquo, mas semanticamente parece uma função direta. Sua
manifestação como FP [Frase Prepositiva, isto é, sintagma preposicionado] o
aproxima a um complemento circunstancial ou oblíquo, mas o fato de poder carregar
vários papéis semânticos o aproxima a uma função direta ou argumental e o
distancia dos circunstanciais, já que estes se sujeitam às restrições semânticas
impostas pelo significado da preposição, e têm, consequentemente, em geral um
único papel semântico. Também, a possibilidade de aparecer como pronome átono é
uma propriedade típica dos argumentos ou das funções nucleares, embora a
preposição lhe confira aspecto externo de oblíquo. (COMPANY, op. cit., idem)
6
Doravante, utilizaremos livremente os rótulos “dativo” (DAT) e “objeto indireto” (OI) como sinônimos, uma
vez que já esclarecemos quais tipos de OI são interpretados como “dativos”.
32
7
Alguns dos estudos citados mostram ainda uma alteração na relação gramatical desempenhada pelo clítico lhe:
em algumas variedades, esse clítico passou a indicar a função acusativa de 2ª pessoa do singular. No próximo
capítulo, comentaremos com mais detalhes essa alteração.
33
p. 96). É apontado como fator favorecedor à propagação da preposição para o seu caráter
neutro frente à preposição a, vista como mais formal, e à variante sem a realização da
preposição, estigmatizada socialmente. Gomes identifica ainda uma direcionalidade no
emprego de para:
Dentro dessa linha de análise, o OI no PB seria uma função oblíqua no contexto dos
verbos transitivos. A gramática brasileira não mais selecionaria o núcleo funcional aplicativo,
responsável por licenciar argumentos dativos na sentença. As evidências dessa perda seriam: a
baixa produtividade dos clíticos e o aumento no uso da preposição para, em detrimento da
preposição a. Os exemplos abaixo 9 ilustram a proposta de Torres Morais (2010),
diferenciando uma construção aplicativa de uma construção ditransitiva preposicionada:
(18) a. O João enviou uma carta à Maria DAT / enviou-lhe uma carta.
[vP O João [v’ v [VP enviou [ApplP à Maria/lhe [APPL’ Ø [DP uma carta]]]]]]
b. O João enviou uma carta para a Maria OBL.
[vP O João [v’ v [VP enviou [PP uma carta [P’ para [DP a Maria]]]]]]
8
DP, do inglês Determinant Phrase, que pode ser traduzido como sintagma determinante (SD).
9
Exemplos extraídos do texto da autora mencionada.
35
Podemos dizer, a partir dos exemplos, que a distinção de sentido indicada por Torres
Morais (2010) – a saber, OI-OBL como beneficiário e OI-DAT como recipiente intencional
do OD – sobrevive apenas na variedade europeia. No PB, (18a) e (18b) seriam interpretadas
da mesma maneira, pois o a que aparece nas construções brasileiras não é o morfema
marcador de caso, mas sim uma preposição 10.
A terceira manifestação do dativo a ser comentada é o objeto indireto nulo (Ø),
também chamado em alguns trabalhos de categoria vazia (CV). Tal estratégia, diferentemente
das outras já discutidas, implica a não realização fonética do OI; este é identificado a partir da
grade dos verbos de dois e três argumentos que selecionam um OI (dar, enviar, servir,
obedecer etc). A diferença que se observa entre as variedades do português em relação a essa
estratégia diz respeito à frequência com que é utilizada: os estudos comparativos entre o PB e
o PE verificam que o objeto nulo é mais produtivo na variedade brasileira, embora também
ocorra na variedade lusitana.
Berlinck (2005) analisou na diacronia do PB a manifestação do OI nulo segundo a
pessoa gramatical:
100%
89%
80% 71%
10
Não é nosso objetivo discutir nesta dissertação o estatuto das construções de OI no PB. Apresentamos o
trabalho de Gomes (2003) e Torres Morais (2010) a fim de registrar duas diferentes interpretações para o
processo de mudança da preposição introdutora dos SP dativos.
36
apresenta taxas mais baixas. Segundo a autora, a explicação para essa diferença está no
gênero textual analisado:
A formalidade, que marca o tom da maior parte dos documentos, leva à preferência
pelas formas de tratamento indicadoras de respeito e que marquem, de modo
inequívoco, o status do destinatário e a postura humilde do remetente. Assim, o que
se vê nos dados são casos de sintagmas preposicionados que incluem expressões
como Vossa Excelência, Vossa Reverendíssima, Vossa Majestade.”
(BERLINCK, 2005, p. 129)
Diante dessa constatação, Berlinck (2005) conclui que “o objeto nulo, na sua
neutralidade camaleônica, adota o valor de seu antecedente; nesse caso, além dos traços de
pessoa e número, empresta e expressa um grau alto de formalidade” (p. 129). Confrontando
esse traço de neutralidade com os clíticos, Berlinck (2005, p. 130) demonstra que “os dados
parecem indicar que o clítico dativo não serve do mesmo modo a essa finalidade, podendo
marcar, por sua vez, um grau intermediário de formalidade/intimidade”.
É interessante perceber também que, nos resultados de diferentes estudos, o dativo
nulo, a depender da pessoa gramatical, é a estratégia mais frequente ou a segunda mais
frequente, concorrente direta da primeira. Assim como Berlinck, acreditamos que a ampla
utilização do OI nulo está relacionada ao seu caráter neutro; em nenhuma variedade do
português, a estratégia sofre estigma social. Além disso, o usuário da língua, ao empregar o
dativo nulo, elimina o problema do grau de formalidade/intimidade, principalmente em
relação à 2ª pessoa e sua gama de variantes (as quais analisaremos detalhadamente no capítulo
5 deste trabalho).
Pontuados os aspectos formais do objeto indireto relevantes à presente dissertação,
passemos, a seguir, aos aspectos de natureza semântica.
Em relação aos traços semânticos do complemento dativo, dois pontos podem ser
destacados: a forte associação que existe entre essa categoria e o traço de animacidade, e a
problemática em torno dos papéis temáticos que o complemento pode desempenhar.
É praticamente unânime entre os estudiosos que a animacidade consiste em um dos
traços semânticos básicos caracterizadores da categoria dativa. Company (2006, p. 505)
relembra que “a humanidade já era um traço caracterizador do DAT na língua-mãe” e “(...)
37
também é a propriedade referencial não marcada da maioria dos DAT em muitas línguas”. A
autora opta inclusive pelo rótulo “humanidade” no lugar de “animacidade”, pois, segundo ela,
A referência a humanos é tão central como traço do OI que geralmente se afirma que
“os complementos indiretos que se referem a coisas são extremamente
excepcionais” (Niueuwenhuijsen 1998:39). Inclusive quando se identificam OI
inanimados, algumas gramáticas supõem que se dá um processo metafórico de
personificação (...). (COMPANY, 2006, p. 504-505, nota 18)
OI OD
Esquema 2.1. Hierarquia de animacidade
(adaptado de Givón, 1995 apud Company, 2006)
(...) as 1ª e 2ª pessoas ocupam de maneira natural uma posição mais alta que a 3ª, são
mais importantes e se constituem mais frequentemente que esta em centro de
interesse e atenção discursiva. A seleção referencial de pessoa que o OI realiza está
estreitamente associada a outros traços lexicais, individuação, determinação e
animacidade, constantes na configuração semântica da datividade. (COMPANY,
2006, p. 500)
38
11
Bechara, 1978, p. 207.
39
Sobre os exemplos, Duarte (2003) destaca também que essas construções aceitam
que o constituinte OI possa ocorrer como OBL:
(21) a. A Maria deu [uma pintura]OD [às estantes]OI. A Maria pintou [as estantes] OD.
b. Eles fizeram [uma enorme limpeza]OD [à casa]OI. Eles limparam [a casa] OD.
Se a associação do dativo ao traço de animacidade/humanidade é algo de comum
acordo entre os estudiosos, o mesmo não acontece com relação aos papéis temáticos que tal
categoria desempenha na frase. As divergências decorrem dos múltiplos contextos em que o
OI pode aparecer e, consequentemente, dos diferentes sentidos que assume junto ao verbo que
o seleciona. De maneira geral, os linguistas listam entre dois a cinco papéis temáticos para o
12
Exemplos retirados de Duarte (2003), p. 289.
40
13
“(...) tem sido denominado de alternância dativa, línguas [que], como o inglês, dispõem de duas construções
para realizar a estrutura de dativo, a construção de dativo preposicionado (CDP) (...) e a construção de objeto
duplo (COD) (...)” (LUCCHESI & MELLO, 2009, p. 430). Exemplos apresentados pelos autores: a) I gave the
rose to the beautiful girl. (CDP) ; b) I gave the beautiful girl the rose. (COD)
41
(23) a. O José enviou uma carta à Maria / enviou-lhe uma carta. (recipiente)
b. O José roubou o relógio ao Pedro / roubou-lhe o relógio. (fonte)
c. O vinho do Porto agradou aos convidados / agradou-lhes. (experienciador)
d. O José admirou a paciência à Maria / admirou-lhe a paciência. (possuidor)
e. O José abriu a porta aos convidados / abriu-lhes a porta. (afetado)
Torres Morais & Berlinck (2007), entretanto, assinalam que as sentenças utilizadas
para ilustrar as interpretações do argumento dativo “referem-se aos usos cultos do PE escrito e
falado. No PB, a maioria delas está restrita à língua escrita mais formal, principalmente
quando se emprega na forma clítica” (p.70, nota 10).
Company (2006, p.520) atesta a existência de cinco papéis temáticos para o OI a
partir do corpus diacrônico do espanhol: receptor, experienciador, possuidor, meta/fonte e
beneficiário. Segundo a autora, a caracterização desses papéis tem a ver com o grau de
envolvimento da entidade OI no significado do verbo e no evento em geral. Sob uma
perspectiva funcionalista, Company afirma que esses cinco papéis semânticos constituem um
continuum de envolvimento ou de afetação:
A autora observa também que é possível cindir esse conjunto dos papéis temáticos do
OI em duas grandes classes, tendo por base o grau de envolvimento. Assim, receptor,
experienciador e possuidor formam a classe dos papéis temáticos de maior envolvimento com
a semântica do verbo; já os papéis de meta/fonte e beneficiário, compõem a classe de menor
envolvimento. A autora ressalta, contudo, que “todos os papéis semânticos do OI
compartilham e estão ligados pelo valor semântico geral de locus, ou meta final da
transitividade” (COMPANY, 2006, p. 520).
+integrado -integrado
RECEPTOR – EXPERIENCIADOR – POSSUIDOR – META/FONTE – BENEFICIÁRIO
Esquema 2.2. O continuum dos papéis temáticos do OI
Dos estudiosos cotejados nessa seção, Company (2006) é a que fornece uma
descrição mais completa acerca dos sentidos assumidos pelo OI, não se restringindo apenas a
mencioná-los e exemplificá-los. Abaixo, apresentamos as definições dos cinco papéis
42
temáticos analisados pela autora, os verbos que selecionam cada um deles e alguns exemplos
no português.
(24)
A. RECEPTOR
Entidade que se envolve em um processo de transferência e, normalmente, recebe ou se converte no
novo possuidor do OD, de maneira que o OD entra no domínio do OI. Requer consciência e certa
volicionalidade da entidade OI para tal recepção. A transferência pode ser física ou metafórica. Verbos que o
selecionam: dar, entregar, outorgar, comprar, vender, pagar, dizer, remover.
B. EXPERIENCIADOR
Entidade OI que, devido ao significado do verbo, sofre uma modificação, leve ou forte, de seu estado
anímico, mental ou sensorial. Aparece normalmente em situações estativas. Selecionado pelos verbos chamados
psicológicos (agradar, desagradar, satisfazer) e os de experiência existencial (acontecer, ficar, faltar, passar).
C. POSSUIDOR
A Entidade OI já é a possuidora do OD antes da transitividade do verbo se exercer; não existe,
portanto, transferência do OD, e nesse sentido não é um receptor, embora haja estreita afinidade semântica entre
ambos os papéis. A autora não lista exemplos de verbos que selecionam OI desse tipo.
D. META/FONTE
Entidade a que algo ou alguém chega ou toca, ou se origina se é fonte; pode haver deslocamento ou
transferência de uma entidade, porém o OI não exerce volicionalidade para se constituir em receptor, pode tê-la,
mas na oração somente se põe em relevo o caráter de destino desse OI. Verbos como chegar, enviar, mostrar,
sair, vir selecionam OI meta.
E. BENEFICIÁRIO
Entidade que recebe para seu proveito o significado na oração. Denomina-se “maleficiário” se, em vez
de benefício, o OI obtém dano ou resultado negativo. Entidade alheia, no limite da estrutura argumental, à
margem das relações gramaticais contraídas pelos outros constituintes da oração. Papel semântico fronteiriço a
constituintes de outras naturezas. Uma vasta gama lexical de verbos pode selecionar um OI beneficiário.
É destacado ainda por Company (2006) que o papel semântico de receptor não só é o
prototípico do OI como também é o mais frequente em todas as línguas. Além disso, os quatro
primeiros papéis temáticos estariam ligados diretamente ao significado do verbo, enquanto
que o beneficiário se liga ao significado geral do evento, e não do verbo em si. Por fim, a
autora conclui que os cinco papéis são semanticamente heterogêneos, podendo exibir diversos
matizes e compartilhar dois ou mais papéis temáticos. São listados como fatores que ajudam a
matizar o valor semântico do OI: a classe lexical do verbo que o seleciona, o tipo lexical do
OD e do sujeito, e a coocorrência de complementos circunstanciais. A possibilidade de o OI
exibir mais de um papel temático simultâneo também é assinalada, como se pode ver no
exemplo dado pela autora:
14
Em razão da existência de inúmeras listas de papéis temáticos para o dativo, conforme demonstramos na seção
anterior, optamos por controlar o valor semântico a partir da referida tipologia, a ser exposta nessa seção.
Evidentemente que essa tipologia não resolve, em definitivo, o problema da pluralidade semântica desses
constituintes; no entanto, julgamos que, para os objetivos desta pesquisa, o uso dessa tipologia seja mais precisa
e adequada.
44
A tipologia que adotaremos foi proposta por Berlinck (1996), em um estudo clássico
da expressão dativa em língua portuguesa. A partir da utilização de critérios de identificação –
SP introduzido pelas preposições a/para (em casos raros, em e de), possibilidade de
substituição por lhe e impossibilidade de ser sujeito gramatical de uma sentença passiva – a
autora elabora uma tipologia para o dativo baseando-se nos contextos em que o mesmo
ocorre. Tal tipologia considera dois fatores principais: o tipo de verbo ou construção verbal
com o qual o complemento dativo pode coocorrer e o tipo de relação que ele mantém com o
verbo ou com a sentença.
Berlinck (1996) assinala ainda que essa tipologia foi proposta com base em uma
outra, apresentada para o espanhol por Delbecque & Lamiroy (1996, mesmo volume). A
autora justifica a adoção da mesma estrutura afirmando que “esta é mais compreensível, dada
a proximidade das duas línguas. Entretanto, existem diferenças importantes entre elas. O uso
de parâmetros similares para a tipologia permite uma percepção melhor desses pontos de
divergência.” (BERLINCK, 1996, p. 128). Dentro da tipologia elaborada, a referida autora
hierarquiza os constituintes dativos consoante o grau de previsibilidade desses pelo verbo ou
pela construção verbal. Dentro da hierarquia que se estabelece, encontram-se três níveis.
No nível 1 são reunidas as estruturas transitivas que envolvem verbos de
transferência material (dar), de transferência verbal e perceptual (dizer), de movimento físico
(levar), de movimento abstrato (submeter), de interesse (obedecer), de movimento (chegar) e
de movimento psicológico (agradar). Completam o nível 1 as construções de dativo
possessivo e as construções do tipo se lhe com predicado de três lugares. Nestas estruturas, o
dativo faz parte do complexo verbal, sendo, portanto, um argumento selecionado pelo verbo.
Ao nível 2, pertencem as estruturas de dativus commodi/incommodi e as construções
se lhe com verbos intransitivos. O que diferencia este nível do anterior é justamente a
previsibilidade do dativo, ou ainda o grau de vinculação à estrutura da sentença: enquanto no
nível 1 os dativos são verdadeiros complementos, previstos na grade argumental do verbo, os
dativos do nível 2 não são argumentos verbais, mas sim constituintes regidos por todo o
predicado verbal (verbo + argumentos).
No nível 3 encontra-se unicamente a construção de dativus ethicus, elemento de
natureza não argumental, de uso irrestrito, podendo coocorrer com outro complemento dativo
na mesma oração. Totalmente desvinculado do verbo e do predicado, esse dativo faz
referência à oração como um todo, dotado de valor pragmático.
Dos três níveis mencionados, destacamos os dativos pertencentes ao nível 1, que
serão nosso objeto de investigação nessa pesquisa. Optamos por restringir a análise a esse
45
nível porque, como já foi dito, ele reúne os dativos que são verdadeiramente argumentos
selecionados pelo verbo. Cabe agora pormenorizar os subitens que compõem o nível 1 da
tipologia de Berlinck (1996).
O primeiro subitem do nível 1 corresponde aos verbos de transferência material.
Segundo Berlinck, esse grupo verbal expressa um conceito de transferência de algo material,
concreto, representado prototipicamente pelo verbo dar. Conforme a representação genérica
apresentada pela autora, ‘N0 faz com que N1 seja posse de N2’, em que N0 é o sujeito
gramatical do verbo transitivo, N1 é o acusativo (OD) de um verbo transitivo e N2 é o dativo.
São listados como verbos de transferência material: alugar, atribuir, confiar, dar, devolver,
distribuir, emprestar, entregar, fornecer, legar, mandar, oferecer, pagar, passar, restituir e
transferir.
Berlinck (1996) destaca ainda que, dentro da semântica de transferência material, é
possível haver o processo reverso ao descrito acima, isto é, N1, em vez de entrar no domínio
de possessão de N2, é retirado do mesmo. É o que ocorre com verbos como arrebatar,
arrancar, comprar, confiscar, cortar, emprestar, evitar, pedir, furtar, roubar, subtrair,
suprimir, tirar, tomar. Devido a isso, o dativo não é interpretado como recebedor, mas como
fonte da transferência expressa pelo predicador verbal. Sobre esses dativos, Berlinck comenta
que
(28) a. Pedro disse [para seus colegas] DAT que o diretor estava doente.
b. Ela [me] DAT ensinou a técnica de leitura.
se uma associação que, por vezes, implica o estabelecimento de uma hierarquia ou estado de
subordinação. Figuram nesse grupo os verbos acrescentar, adaptar, anexar, atribuir, conferir,
consagrar, dedicar, destinar, filiar, imputar, incorporar, juntar, pôr, sensibilizar, submeter,
subordinar e trazer. A sentença de movimento abstrato exibe as seguintes características: [+/-
animado]N0 + V + [+/- animado]N1 + {a, para, em} + [+/- animado]N2; N1 pode ser
correferencial com N0; N2 pode ser expresso por uma oração completiva ou por uma oração
infinitiva, além de ser cliticizável. Exemplificamos em (29) e (30) frases cujos verbos
expressam movimento físico e movimento abstrato, respectivamente:
(32) a. Aos dezoito anos, todos os jovens começam a servir [ao Exército] DAT.
b. João sempre obedeceu [às regras do trânsito] DAT.
Rocha Lima (1985) formaliza a questão dos pronomes pessoais no capítulo 9 de sua
gramática apenas considerando a forma tu como representante da 2ª pessoa do singular.
Capítulos seguintes, ao tratar do “emprego do pronome” (capítulo 22), o autor afirma que “o
pronome você pertence realmente à 2ª pessoa, isto é, àquela com quem se fala, posto que o
verbo com ele concorde na forma da 3ª pessoa.” (ROCHA LIMA, 1985, p.282). Ainda assim,
o gramático não inclui a forma você entre as “formas retas ou subjetivas”. É curiosa,
55
entretanto, a inserção da forma você e até mesmo do sintagma a você entre as formas oblíquas
(objetivas diretas e objetivas indiretas), pondo estas ao lado de outras formas como os clíticos
te, lhe e o/a. Tal organização só foi encontrada, dentre os compêndios analisados, na obra do
referido autor. Quanto à uniformidade de tratamento, todavia, o gramático não escreve uma
linha sequer sobre a questão.
Kury (1972) mostrou-se como o autor mais incoerente, dentre os consultados, na
descrição dos pronomes de 2ª pessoa do singular. Ele apresenta, no capítulo “Os pronomes”, a
forma você como pronome pessoal: “(...) em ‘Tu não me sais da lembrança.’, ‘Você pode
alcançar a liberdade.’, ‘O senhor vai desculpar.’, tu, você, o senhor representam diretamente a
pessoa a quem se fala, a 2ª pessoa gramatical (...).” (KURY, 1972, p.132). Na mesma página,
contudo, o autor separa tu e você, incluindo-o na “2ª pessoa indireta”, ao lado de o senhor e a
senhora: “São de 2ª pessoa indireta os pronomes que, embora se refiram à pessoa com quem
se fala, levam o verbo para a 3ª pessoa: você, o senhor, Vossa Senhoria, etc. Veja adiante,
‘Pronomes de tratamento’” (p.132). A mesma divisão – 2ª pessoa direta e indireta – é
observada para as formas oblíquas. Dentre as formas oblíquas de 2ª pessoa indireta, o
gramático lista as formas a você e com você.
A incongruência na descrição continua: depois de apresentar o você como pronome
pessoal, 2ª pessoa indireta, o autor classifica-o, em outra seção do mesmo capítulo, como
pronome de tratamento: “Você, o senhor, Vossa Majestade são PRONOMES DE
TRATAMENTO da 2ª pessoa que levam o verbo para a 3ª.” (p.134). Essa contradição na
classificação de um mesmo item gramatical parece-nos fruto de uma “insegurança descritiva”,
na qual, implicitamente, o autor reconhece a legitimidade do você como pronome pessoal; em
contrapartida, o gramático vê-se “obrigado” a seguir a classificação retrógrada em nome de
uma tradição gramatical, tradição essa em que seu compêndio se inscreve.
Sobre a questão da uniformidade de tratamento, Kury (1972) tece a seguinte
observação:
A língua falada muitas vezes não tem ainda fixada uma preferência decidida entre os
dois pronomes de tratamento íntimo (tu, você). Daí decorrem discordâncias e, na
linguagem afetiva, mistura de tratamento, que devem ser evitadas na língua escrita,
levando-se na devida conta o fato da existência de 2ª pessoa direta e 2ª pessoa
indireta (KURY, 1972, p. 136).
O autor, antes de expor seus exemplos, lembra ainda de que, em uma carta ou
diálogo, o indivíduo precisa decidir a forma de tratamento a ser empregada (tu ou você), já
que, a partir disso, “há todo um cortejo de concordância que se deve respeitar, além da forma
56
verbal” (p.136). Os exemplos que seguem ilustram a correção defendida pelo gramático. Cabe
destacar, entretanto, que o próprio autor é “traído” pela mistura de tratamento no exemplo
(43c), ao utilizar o clítico acusativo -lo associado ao verbo servir, que pede um complemento
dativo:
Diante desse sumário panorama, podemos dizer que tanto a representação da 2PSG
quanto a questão da uniformidade de tratamento são casos mal resolvidos no âmbito da
tradição gramatical. Os problemas refletem-se na abordagem dos pronomes-complemento,
relegados, na maioria dos casos, a um segundo plano na descrição dos itens pronominais.
Observamos certa dose obsessiva em correlacionar os itens pronominais quanto à forma, sem
que haja preocupação com o sentido veiculado por eles. A insistência nessa correlação entre
as formas de 2ª pessoa nas posições de sujeito e complementos não se sustenta nem mesmo no
âmbito da norma culta, como veremos mais adiante.
sido apresentados aos estudantes, Lopes (2012) constata que o paradigma tradicional de
pronomes pessoais é reproduzido na maioria dos manuais didáticos. As novas formas
pronominais, como você/vocês, encontram-se restritas a adendos feitos em notas e seções
separadas, quase sempre atreladas à linguagem coloquial e informal.
Tal maneira de abordar o tema não reflete a realidade linguística brasileira atual, haja
vista que as “novas formas pronominais” já são consagradas pelo uso, sendo utilizadas
independentemente do contexto situacional ou grau de formalidade, conforme explanaremos
nas próximas seções do presente capítulo. O breve levantamento feito de Lopes (2012) mostra
uma postura extremamente conservadora por parte dos manuais adotados nas escolas
brasileiras do país. Nas palavras de Lopes (2012, p.116),
A produção bibliográfica sobre o tema reúne quase uma centena de trabalhos sob
diferentes perspectivas, mas muito pouco foi aproveitado em termos descritivos nas
gramáticas tradicionais e nos livros didáticos utilizados no ensino de língua
portuguesa no Brasil.
Nesse breve levantamento, nota-se que a maioria dos livros didáticos (12 dos 14
analisados) apresenta o quadro tradicional de pronomes pessoais, deixando de fora o
pronome vocês que já substituiu o arcaico vós de maneira inequívoca e excluindo as
formas variantes consagradas pelo uso (você e a gente). Seguindo o mesmo modelo
das gramáticas mais conservadoras, os manuais mencionam os pronomes você-vocês
e, eventualmente, a gente nos comentários ou observações adicionais, relacionando-
os sempre ao uso coloquial, registro informal ou uso não-padrão (...). (LOPES,
2012, p. 120)
A correlação entre as formas dos dois paradigmas (de tu e de você) está consolidada
no quadro pronominal e ocorre de maneira bastante generalizada em todas as
situações e níveis sociais. A condenação da “mistura de tratamento” presente nos
manuais didáticos é improcedente por desconsiderar um pressuposto elementar dos
pronomes pessoais (ou de tratamento): seu caráter eminentemente interlocutivo. O
seu uso está condicionado a situações dialógicas e, obviamente, os pronomes você e
58
No caso da temática abordada, não se pode defender, como se costuma fazer, que o
alunado precisa conhecer a “norma padrão ou culta” por duas razões bem simples:
pronomes pessoais são empregados nas situações de diálogo, são formas
interlocutivas e mesmo os falantes mais cultos utilizam as novas formas e não mais
as antigas. (LOPES, 2012, p.133)
Nessa mesma linha, Rumeu (2008), ao analisar a produção epistolar pessoal de uma
família da virada do século XIX para o século XX, constata que o pronome Você era
empregado para destinatários específicos e seu aparecimento como forma plena relacionava-
se, na maioria dos casos, à marcação de ênfase, contraste ou individualização. Contudo, a
autora ressalva que
(...) foi possível perceber que timidamente o pronome Você ocupa os espaços
funcionais de Tu, como formas variantes, principalmente nas cartas femininas. O
processo de pronominalização de Você parece evidenciá-lo, em fins do século XIX e
na primeira metade do século XX, como um legítimo pronome de referência
determinada à segunda pessoa do discurso (...). (RUMEU, 2008, p. 251)
A autora destaca, ainda, que a competição entre você e tu como sujeito persiste até os
dias atuais, sendo condicionada por fatores de ordem social, regional, etária etc. A partir desse
cenário, Lopes aponta para a possibilidade de se traçar um paralelo entre a variação da 2ª
pessoa que ocorre no português brasileiro com o voseamento hispano-americano:
60
Quadro 3.2. Distribuição dos 3 subsistemas dos pronomes pessoais de 2ª pessoa pelas regiões
brasileiras (LOPES & CAVALCANTE, 2011, p.39)
15
Neste mesmo trabalho, Lopes e Cavalcante (2011) investigaram diacronicamente a representação da 2PSG nas
posições de acusativo, dativo e oblíquo. Mais adiante, aludiremos aos resultados obtidos pelas autoras para esses
contextos.
61
PESSOA DO CASO
DISCURSO
Reto Oblíquo átono Oblíquo tônico Contrações
1ª pessoa do singular Eu Me Mim comigo
2ª pessoa do singular Tu Te Ti contigo
3ª pessoa do singular ele/ela a/o, lhe, se ele/ela, si consigo
1ª pessoa do plural Nós Nos Nós conosco
2ª pessoa do plural Vós Vos Vós convosco
3ª pessoa do plural eles/elas os/as, lhes, se eles/elas, si consigo
Quadro 3.3. Flexão de caso dos pronomes na norma padrão do português
(LUCCHESI & MENDES, 2009, p. 473)
Nesse sentido, o segundo quadro evidencia com clareza o “sincretismo” entre formas
antigas e novas. Vale destacar a adoção irrestrita de você(s) em posição de sujeito e o
crescente uso de a gente ao lado de nós (cf. LOPES, 1993, 1999; VIANNA, 2006, 2011). É
interessante observar ainda que, no seio da norma culta brasileira, a possibilidade de
combinação do você com as formas relacionadas ao paradigma de tu é aceita e registrada no
quadro dos autores referidos.
Evidentemente, a possibilidade dessa combinação surge com o aumento progressivo
do você na posição de sujeito em competição com o pronome tu. Pesquisas anteriores (cf.
DUARTE, 1995; MACHADO, 2011; SOUZA, 2012) afirmam que a partir dos anos 1920-
1930 o primeiro suplanta o emprego do segundo. Entretanto, outros estudos baseados em
documentação diacrônica revelam que a “uniformidade de tratamento” não constitui uma
realidade linguística do português desde longa data. Marcotulio (2010, p.118), ao analisar as
cartas escritas pelo 2º Marquês do Lavradio, vice-rei do Brasil entre 1769 e 1776, encontra
dados do você ao lado de formas do paradigma de tu, conforme reproduzimos em 45 e 46:
(45) “(...) Agora parece me, que basta Senhor Antonio ese-Voce quer mais Conversa, ouvenha
para cá, ou espere, que eu possa estar na sua Companhia. Novamente repito os meus
agradecimentos, por todoz osbeneficioz, que tens feito, aos que tetem prezentado Carta
minha.” (Carta do Marquês do Lavradio destinada a Dom Antonio de Noronha, governador
de Minas Gerais, em 12/05/1776)
(46) “Eu continuõ anaõ té poder escrever mais largamente; pórem como tu medeves resposta
dehuã grande Carta que te escrevi, quando Satisfizeres esta divida: eu mefarei novamente
devedor. Fique voce embora com osseõ Sigarro emquanto eu cá vou uzando da minha agoá
friá.” (Carta do Marquês do Lavradio destinada a Dom Antonio de Noronha, governador de
Minas Gerais, em 26/11/1775)
pessoa é condicionado por variáveis distintas a cada período.16 O Gráfico 3.1 apresenta seus
resultados a partir da amostra de teatro e de cartas em diferentes períodos de tempo:
16
A autora dividiu a amostra em quatro blocos: 1ª metade do século XIX, 2ª metade do século XIX, 1ª metade
do século XX e 2ª metade do século XX.
65
Tabela 3.2. Correlação das formas acusativas de 2ª pessoa e o sujeito em cartas dos séculos XIX-XX.
(LOPES & CAVALCANTE, 2011, p. 53)
17
Cabe salientar que, nesse cruzamento, as autoras aplicam a proposta da existência dos três subsistemas de
tratamento, comentada em linhas anteriores.
67
Tabela 3.3. Correlação das formas dativas de 2ª pessoa e o sujeito em cartas dos séculos XIX-XX.
(Fonte: LOPES E CAVALCANTE, 2011, p. 56)
Os resultados encontrados por Oliveira Silva (2011) ratificam, portanto, o que foi
constatado por Lopes & Cavalcante (2011) na diacronia. Nos roteiros de cinema, há o
predomínio quase absoluto do clítico te sobre as demais estratégias. Como acusativo, o clítico
atingiu mais de 81% de frequência, seguido por apenas 16,7% de você e 2,2% de lhe. No
dativo, os percentuais também são bastante elevados: 83% para te contra 9,7% de para você.
A autora também distribui os dados regionalmente, a fim de perceber se haveria
interferência do fator diatópico. Constata, entretanto, que o uso majoritário do clítico te como
acusativo e como dativo ocorre independentemente da procedência dos roteiros, conforme
ilustram os gráficos:
90
90 84 100
91
77 90 84
80
80 76
70
70
60 Te
60
50 Te Lhe
50
Você Para você
40
Lhe 40 A você
30 22 30 Para ti
20 14 20 15
7 8 7
10 2 3 10 4 5 6
1 1 3
0 0
RJ SP PoA RJ SP PoA
Gráfico 3.2. Correlação entre as estratégias de Gráfico 3.3. Correlação entre as estratégias de
acusativo e as localidades dativo e as localidades
Fonte: Oliveira Silva (2011)
Vale lembrar que, seguindo a proposta de Lopes & Cavalcante (2011) de que existem
no PB três subsistemas de tratamento diferentes, as três localidades pertenceriam a
subsistemas distintos: no Rio de Janeiro, coexistem tu e você na posição de sujeito; em São
Paulo, o uso de você é praticamente categórico; em Porto Alegre, o emprego de tu é
majoritário. Sendo assim, verificamos junto aos resultados de Oliveira Silva (2011) que,
independentemente do subsistema de tratamento, os diferentes roteiros analisados,
representativos das cidades mencionadas, mostraram que parece não haver um
69
comportamento diatópico distinto quanto ao uso do clítico te. Apesar da presença das outras
estratégias de acusativo e dativo, esse clítico figura absoluto com percentuais acima de 70%
nas três localidades, confirmando seu favoritismo como complemento verbal de 2ª pessoa do
singular.
No âmbito das teorias linguísticas que emergem ao longo do século XX, o trabalho
de Weinreich, Labov e Herzog (1968) é visto como fundador do pensamento sociolinguístico
de orientação histórica. A partir de Empirical Foundations for a Theory of Language Change,
começa-se a propor uma observação e descrição da heterogeneidade ordenada inerente às
línguas naturais como a peça-chave para compreender os processos de mudança linguística.
Além de colocar a heterogeneidade no foco da pesquisa, os autores rompem com a tradição
linguística que vigorava até então ao considerar fatores extralinguísticos, isto é, elementos
externos ao sistema da língua que podem atuar nos processos de variação e mudança. Com
isso, deixam de lado os modelos em que se trabalhava com uma língua abstrata, isenta de
variações, para se adotar um modelo de língua concreta, condicionada por fatores de
diferentes ordens.
No plano histórico, Empirical Foundations modifica a perspectiva acerca da
mudança linguística: não se trata a mudança, como em outras correntes, de maneira abrupta,
em que um estado de língua A passa a um estado B devido a alterações internas ao sistema;
para a orientação sociolinguística, fatores extralinguísticos também condicionam o progresso
de uma mudança no sistema, seja ao acelerar, seja ao refrear o avanço da mesma. Diante dessa
proposta, torna-se necessário o trabalho de constituição de corpora históricos e,
consequentemente, a reconstituição dos “cenários” sociais de períodos históricos anteriores, a
fim de compreender como as sociedades históricas estavam construídas e, principalmente,
como sua estrutura pode ter afetado os processos de mudança linguística.
Os trabalhos no campo da Sociolinguística histórica, contudo, não apresentaram
largo desenvolvimento durante meados do século XX, se comparados à Sociolinguística dita
sincrônica ou quantitativa. Devido às grandes dificuldades enfrentadas no trabalho com dados
históricos, observamos maior avanço da Sociolinguística variacionista, desenvolvida por
Labov, no que diz respeito à constituição de corpora, à metodologia de pesquisa, aos estudos
de caso e à análise da variação e mudança linguística. A Sociolinguística histórica só viria a
apresentar um notável crescimento na década de 1980, a partir dos trabalhos de Suzanne
Romaine (1982, 1988). Ainda hoje, são muitos os questionamentos e críticas que esse campo
enfrenta para se afirmar no quadro geral das teorias linguísticas. No Brasil, em específico,
praticamente não há pesquisas cujos pressupostos teóricos e metodológicos pertençam
estritamente à Sociolinguística histórica; o que temos são diversos trabalhos que conjugam
71
18
De um lado, temos a sociolinguística paramétrica, nascida das discussões propostas por Tarallo e Kato (1989)
e adotada pelo grupo de pesquisadores ligados a eles (DUARTE, 1986, 1995; CYRINO, 1997; RIBEIRO, 1995;
dentre outros), que associa os pressupostos da Sociolinguística Variacionista à Teoria de Princípios e
Parâmetros; por outro lado, temos o grupo formado por orientandos de Mattos e Silva (cf. SOUZA, 2003) e por
pesquisadores da UFRJ integrantes do projeto VARPORT, que aliaram a sociolinguística ao funcionalismo,
dando origem ao sociofuncionalismo.
72
a escrita desses terceiros – muitos deles anônimos – interferia no que era ditado pelos reais
autores. Bergs (2005, apud BERGS, 2012, p.91) afirma que o texto ditado afetaria as
variáveis fonológicas e grafológicas, mas interferia em grau bem menor nas variáveis
morfossintáticas.
O problema da autenticidade, de acordo com Hernàndez-Campoy e Schilling (2012),
diz respeito à pureza nos textos e aos usos autoconscientes que são feitos pelos falantes, como
as hipercorreções. Tal problema levanta a questão sobre até que ponto podemos estudar as
formas vernaculares a partir da língua escrita. Se há usos conscientes na escrita,
possivelmente algumas formas próprias da língua falada são evitadas ou substituídas. Dito de
outro modo e em consonância com os referidos autores, os textos refletem esforços em
capturar uma norma padrão que nunca foi a língua nativa de nenhum falante. Cabe ao
linguista, portanto, filtrar o que seria interferência de uma norma aceita socialmente do que
seria mais próximo à esfera do vernáculo e, ainda, o que seria uma atitude autoconsciente do
autor que, em um ato hipercorretor, cometeu um desvio tentando adequar-se a alguma regra.
Conde Silvestre (2007) lembra, contudo, que nem mesmo a Sociolinguística
sincrônica está isenta do problema da autenticidade dos dados:
uma amostra histórica não pode ser avaliada através dos mesmos parâmetros que avaliam as
amostras contemporâneas. Sua sustentação enquanto corpus de análise depende de um
minucioso trabalho por parte do investigador, que utiliza diferentes ferramentas para a
realização da pesquisa.
imunes, pois, a essa ideologia, de maneira que, mesmo nos registros de informantes menos
cultos, encontramos um “padrão” que tenta se adequar a alguma norma específica da língua
(novamente, como ocorre nos casos de hipercorreção).
Estes dois últimos problemas são advertências importantes para o pesquisador em
Sociolinguística histórica, pois seu trabalho é, em certa medida, paradoxal: buscar registros de
variação onde, em tese, não há variação. Respeitando a norma oficial da língua ou uma norma
particular, constatamos que, nos textos escritos, sempre é preciso transpor a barreira da
uniformidade aparente; por mais atento e conservador que seja o autor do texto, há sempre
algum elemento linguístico que nos permite ver (ou, ao menos, nos aproximar) da língua que
era utilizada no cotidiano, recheada de variações em diferentes níveis.
Sem tradução precisa para o português e, por isso mesmo, podendo ser enunciado
como Princípio do Uniformitarismo ou Princípio da Uniformidade Linguística, tal princípio é
recorrentemente mencionado nos textos teóricos sobre Sociolinguística histórica e se revela
19
Dada a polissemia da palavra “estilo”, cabe explicitar com qual acepção a empregamos. Chamamos de estilo o
“conjunto de características formais que distinguem e qualificam um objeto segundo o modo e a época em que
foi produzido” (HOUAISS). Em termos linguísticos, trabalhar em cima do estilo de um texto para reconstruir o
contexto social em que ele foi escrito significa analisar traços grafológicos, morfossintáticos e discursivos que
permitem situar espacial, temporal e socialmente o autor desse texto.
78
basilar para as análises de natureza diacrônica. Bergs (2012, p.81) lembra que o Princípio do
Uniformitarismo (doravante, PU) surgiu no âmbito da geologia, sendo apresentado pela
primeira vez em Principles of Geology, de Charles Lyell. Foi então que os linguistas do
século XIX, muito impressionados com os trabalhos dos geólogos, importaram o PU para a
linguística.
Diversos autores já formularam definições para o PU, todas elas, em essência,
afirmando coisas parecidas. Nevalainen e Raumolin-Brunberg (2012, p.24) afirmam
sucintamente que “os seres humanos, enquanto seres biológicos, psicológicos e sociais,
permanecem praticamente inalterados ao longo do tempo”. Já Milroy (1992 apud CONDE
SILVESTRE, 2007, p.41), ao definir tal princípio, inclui a questão da variabilidade:
Palavras bem semelhantes são utilizadas por Romaine (1988, p.1454 apud
NEVALAINEN & RAUMOLIN-BRUNBERG, 2012, p.25), que complementa sua definição
atentando para o fato de que o PU derruba a aparente invariação:
As forças linguísticas que operam hoje e são observáveis ao nosso redor não são
diferentes daquelas que operaram no passado. Este princípio é, de fato, básico para a
reconstrução puramente linguística, mas sociolinguisticamente falando, não é
motivo para acreditar que a língua não variou da mesma forma padronizada no
passado como tem sido observado atualmente.
Bergs (2012, p.80) segue a mesma linha de raciocínio, apenas chamando a atenção
para o fator inverso: assim como tudo o que acontece hoje, possivelmente também aconteceu
no passado, também o que é impossível de ocorrer atualmente, deve ter sido igualmente
impossível no passado. Além disso, o autor ressalta que a análise do fenômeno histórico deve
sempre partir das causas conhecidas, procurando explicá-las antes de tratar das causas
desconhecidas. Ainda segundo Bergs, a aplicação do PU nas ciências humanas requer certa
cautela, visto que não há, nos fenômenos humanos, uma correlação simples e clara com as leis
da natureza.
Lass (1997, p.28 apud BERGS, 2012, p.82) sumariza dois PU para a linguística. O
primeiro, que rotula como Princípio da Uniformidade Geral, afirma que nenhum estado
linguístico de coisas (seja estrutural, processual etc) pode ter sido caso único e isolado no
passado. O segundo, denominado Princípio das Probabilidades Uniformes, postula que a
79
(...) entende-se que a seleção de um estilo por parte do falante supõe que seus usos
linguísticos se adaptam a algumas das possibilidades sociolinguísticas que se dão em
sua comunidade, ou seja, que se pode estabelecer uma correlação entre a frequência
de aparição de certos traços no estilo de um falante individual e os que caracterizam
habitualmente a um grupo social concreto (BELL, 1984, p.151; MORENO
FERNÁNDEZ, 1998, p.94-95; SCHILLING-ESTES, 2002, p.382).
Traugott e Romaine (1985, p.28-29 apud CONDE SILVESTRE, 2007, p.59) definem
o estilo como
É aceito pelo senso comum que o espaço da variação linguística é o da língua falada.
Nela encontramos variação nos diferentes níveis, fato esse que é resultado da espontaneidade,
traço marcante da modalidade oral. O tempo de planejamento da fala é bem menor do tempo
dispensado, em geral, à elaboração de um texto escrito, haja vista que o contexto de produção
e o contexto de recepção são simultâneos na oralidade. O falante dispõe também, na
modalidade oral, de estratégias não linguísticas que o auxiliam a completar o sentido do que é
dito (a expressão facial, por exemplo). Do mesmo modo, acredita-se que a língua escrita está
em um polo oposto, pois nela há um grau de variação bem menor, fruto do planejamento e da
estruturação mais elaborados no texto escrito.
Essa separação tradicional, contudo, entre “língua falada” e “língua escrita”, na qual
se associa a variação à primeira, é simplória e mesmo enganadora. A variação da língua não
está restrita à fala e pode ser encontrada também em documentos escritos, como já
demonstraram incontáveis estudos. Porém, como sustentar teoricamente esse ponto de vista,
que vai de encontro à visão clássica e tradicional de “fala x escrita”?
Koch e Oesterreicher (1985, 1994) propõem um modelo no qual essa problemática
recebe uma teorização pertinente e adequada. Em primeiro lugar, os autores tratam de
desfazer a dicotomia clássica e mostrar que, na realidade, a oposição existente se dá entre o
meio de linguagem e a concepção de linguagem: falar em texto escrito e texto oral significa
focalizar os meios da transmissão comunicativa (gráfico e fônico, respectivamente); sendo
assim, não é a matéria textual em si que é contemplada, mas sim o material textual, o suporte
físico pelo qual se estabelece a comunicação. O texto, stricto sensu, pertence, na visão dos
82
Para os autores, portanto, a distinção entre os polos conceituais é algo primário para
a compreensão da “oralidade” e “escrituralidade” da comunicação; já o meio é secundário,
haja vista que um texto escrito pode ser oralizado pela leitura e um texto falado pode ser
transcrito a qualquer instante. A partir desse modelo, podemos descartar a dicotomia clássica
“fala x escrita” que, evidentemente, se pauta apenas no meio e negligencia o fato de que há
textos escritos que estão mais próximos ao polo conceitual do imediatismo e vice-versa.
Diante dessa sucinta exposição, é possível estabelecermos uma ponte entre o modelo
de Koch e Oesterreicher (2007) e o trabalho do sociolinguista histórico no que se refere ao
83
Embora a análise a ser realizada nesta dissertação esteja inserida em uma história
bastante recente (se compararmos aos trabalhos sócio-históricos em outras línguas, em que as
análises atingem o século VIII!), muitas dificuldades listadas em 4.1 permanecem. A
existência dessas dificuldades está estritamente relacionada ao contexto político e social do
Brasil do fim dos oitocentos e de todo o período dos novecentos, o que de certa forma
legitima a adoção da perspectiva sócio-histórica.
Adotamos como corpus de análise cartas particulares. A escolha desse tipo de texto
justifica-se por diferentes razões, esclarecidas a seguir. Além de analisarmos a variação
pronominal de 2ª pessoa do singular na posição dativa, discutiremos as vantagens e
desvantagens em trabalhar com um corpus de cartas pessoais, comentando os problemas
enfrentados e as soluções propostas neste estudo. Depois disso, intentamos articular nosso
objeto de estudo com alguns fatores de ordem histórica e social, a fim de caracterizar a
emergência de uma “norma brasileira”, aludida por alguns linguistas.
84
A principal motivação para a adoção do gênero carta pessoal como corpus de análise
é sua própria estrutura discursiva. Devido ao caráter dialógico desse gênero, o remetente
necessita utilizar formas pronominais para se referir ao destinatário dentro do texto. Tendo em
vista que o fenômeno investigado restringe-se à 2ª pessoa do singular, o gênero epistolar
revela-se como o melhor material para a obtenção dos dados.
Além disso, vale ressaltar que o estudo empreendido nesta dissertação é de cunho
variacionista: observamos o fenômeno da variação pronominal nas cartas dos séculos XIX e
XX. Essa seria a segunda razão para a escolha do corpus. Investigamos a variação na
realização das formas dativas de 2ª pessoa do singular a partir da inserção do pronome você
no português brasileiro e a consequente variação que se desencadeia, a partir de então, entre
essa forma e o antigo pronome tu. Evidentemente, não há materiais de língua falada que
contemplem todo o período que pretendemos analisar. Nesse sentido, a análise e o
levantamento de dados oriundos de cartas pessoais são de extrema importância, pois estas se
aproximam ao polo do imediatismo comunicativo de Koch e Oesterreicher (1985, 1994) e são
mais suscetíveis a apresentar variação linguística. Em outras palavras, estaremos trabalhando
com um material que i) por sua própria natureza, está próximo ao imediatismo comunicativo,
visto que pressupõe uma reprodução de uma “conversa à distância”; ii) apresenta maiores
chances de conter variação no uso dos pronomes de 2ª pessoa do singular, haja vista o traço
de dialogicidade que marca o gênero carta pessoal.
Embora não possamos afirmar que, nas cartas particulares, os indivíduos escreviam
tal como falavam à época, acreditamos que alguns fenômenos linguísticos em variação
possam escapar à pressão normativa e aparecer nos textos, principalmente naqueles cujos
autores detinham menor domínio sobre os modelos de escrita. Novamente, vale repetir, a
transposição das relações sociais para o espaço discursivo é licenciado pelo gênero epistolar,
como bem descreve Silva (2002, p.100):
(...) nos eventos das cartas pessoais, onde se efetivam os contatos interpessoais entre
aqueles que se encontram distantes e têm entre si um laço de afetividade, os sujeitos
(tanto o remetente como o destinatário) trazem, à cena enunciativa, sistemas de
crenças, de valores e de saberes, filiados a quadros das atividades de uma formação
social, construídos no seio das práticas sociais reais da vida cotidiana, deixando
assim entrever o papel/identidade social assumido por cada um deles ou, em outros
termos, a posição identitária ali investida (cf. também Bronckart, 1999).
85
Em outras palavras, o indivíduo, ao redigir uma carta pessoal, tenta trazer para o seu
texto elementos da vida cotidiana, de forma a reduzir, minimizar, a distância física existente
entre os sujeitos, dado o caráter afetivo e emocional do gênero. Sendo assim, um dos recursos
de que lança mão é justamente a adoção da linguagem que seria utilizada se o diálogo fosse
estabelecido “face a face”. É com base nesse fator que almejamos capturar a variação
pronominal dativa, respaldando-nos no seguinte argumento: se há variação linguística no
texto da carta pessoal – por menor e mais discreto que seja – então essa variação deveria
ocorrer de maneira mais acentuada na língua falada da época.
(47) “Jayme manda-me dizer se tua mãe falou |alguma cousa com voce au meu respsito [...]
eu pesso-te para rasgares a |carta” (M. 12/01/1937, grifos nossos)
86
Essa documentação que serviu de base para esta análise, ao contrário de outros
materiais utilizados em estudos linguístico-históricos, não foi localizada em nenhum
acervo ou arquivo de acesso público, e sim recolhido, ao acaso, no lixo, no bairro de
Ramos, subúrbio do Rio de Janeiro. Por essa razão, todos os dados obtidos foram
retirados das próprias cartas a fim de que se fosse possível fazer uma descrição
acerca dos autores das mesmas. (SILVA, 2012, p.43)
Tentamos equilibrar a quantidade de missivas por década, no entanto, esta tarefa não
foi totalmente bem sucedida, devido à dificuldade de encontrarmos o mesmo
número de cartas, com as mesmas características (escritas por moradores do Rio de
Janeiro ou na cidade), durante todo o período de tempo analisado, em especial, na
segunda metade do século XX. (SOUZA, 2012, p.89)
Como bem salienta Souza (2012), é tarefa árdua – por vezes, impossível – obter uma
quantidade razoável de dados cujos informantes possuam as mesmas características
linguísticas e sociais a fim de comparar os dados entre si. Confrontar dados de diferentes
sincronias obtidos de informantes com perfis sociolinguísticos díspares é algo problemático e
pode distorcer os resultados da pesquisa. O pesquisador deve respeitar essas diferenças para
não negligenciar os fatores sociais e externos que interferem nos usos linguísticos.
Não há, infelizmente, soluções definitivas para os problemas aventados. O
sociolinguista histórico precisa formular o melhor caminho para analisar seu objeto de estudo
e tentar amenizar as diferenças e incompletudes em que fatalmente seu corpus histórico
esbarrará. É preciso respaldar-se em diferentes conceitos e princípios no tratamento dos
dados, além de extrair o maior número de informações possível que o corpus permitir. Além
disso, a delimitação do tema precisa ser muito bem pensada, pois se o tema for
demasiadamente específico, há o risco de não se encontrar uma massa de dados relevantes; se
o tema for muito abrangente, a amostra se tornará acentuadamente heterogênea e aumentarão,
com isso, os problemas quanto aos dados extralinguísticos. Baseando-nos nessa orientação,
restringimos a análise das formas variantes dativas de 2ª pessoa do singular às cartas
particulares escritas por cariocas/fluminenses entre as décadas de 1880 e 1980, perseguindo,
assim, uma amostra menos heterogênea e mais equilibrada no que diz respeito aos traços
sociolinguísticos dos informantes.
possíveis correlações, isto é, mostrar de que maneira alterações de ordem histórica e social
podem ter contribuído para propagação de uma variável inovadora no sistema linguístico.
Numerosos estudos acerca do português brasileiro, em particular, os estudos sobre a
mudança no quadro dos pronomes pessoais, apontam a década de 1930 como o período em
que a forma você torna-se mais frequente na posição de sujeito, superando os índices do
pronome tu. Segundo os estudiosos, essa e outras transformações verificadas no português
brasileiro certamente foram condicionadas pelas diversas transformações que a sociedade
brasileira sofreu na virada do século XIX para o século XX. Paul Teyssier (1997), ao tratar
dos aspectos de ordem social no Brasil, comenta uma série de fatos históricos marcantes para
o país:
De fato, em pouco mais de um século, o país deixa de ser colônia de Portugal para se
tornar Império (1822) e República (1889). O centro político, econômico e cultural transfere-se
da Bahia, no nordeste, para o Rio de Janeiro, no atual sudeste. Na virada do século XIX para o
século XX, a sociedade brasileira passa por uma série de transformações que reordenaram as
diferentes relações sociais. Dentre elas, cabe ressaltar a explosão demográfica e a
industrialização, mencionadas por Teyssier, acompanhadas do êxodo rural. Segundo os dados
dos Censos 1900 e 1940 do IBGE, a população do país aumenta, em um intervalo de quarenta
anos, de 17.318.556 para 41.236.315 habitantes.
Os “surtos” de industrialização nas primeiras décadas da República levam uma
massa da população a se deslocar do campo para as cidades, do norte-nordeste para o sudeste
do país. O desenho do espaço urbano é gradativamente remodelado, à medida que os
migrantes se acomodam nas cidades como Rio de Janeiro e São Paulo. A própria escola
brasileira começa a se estruturar, a desenvolver um sistema educacional que atenda – ainda
que precariamente – a população que chega às cidades (FÁVERO, 2009, p. 25).
A história recente do Brasil é profundamente marcada por mudanças que
remodelaram toda a estrutura social do país. Vale lembrar, ainda, que esse período
historicamente efervescente que marca a virada do século XIX para o século XX coincide
89
com o surgimento do Brasil enquanto país propriamente dito (LEMOS, 2004, p. 255). País
esse que, ainda no princípio do século XXI, tenta se colocar definitivamente nos trilhos do
desenvolvimento político e econômico. A história é recente porque o país é recente: não
podemos falar em uma sociedade genuinamente brasileira com grande segurança antes do
século XX.
Diante desse cenário, acreditamos que seria um enorme equívoco ignorar essas
transformações históricas e sociais em nosso estudo. A sociedade mudou e, acompanhando-a,
a língua também mudou. Brasileiros e brasileiras de diferentes regiões, com seus diferentes
falares, se encontraram no cenário urbano a partir do século XX e as trocas linguísticas,
certamente, foram inevitáveis. Evidenciamos o desejo de, ao fim das análises acerca dos
dados obtidos a partir das cartas pessoais, conseguir interligar os elementos sociais com as
formas dativas de segunda pessoa estudadas. Esperamos demonstrar que o quadro linguístico
que hoje se apresenta no português brasileiro emerge em consonância com a formação da
sociedade brasileira; em outras palavras, desejamos fornecer, com esse estudo, uma evidência
da norma brasileira que foi sendo construída ao longo de todo o século passado.
4.4. Metodologia
As cartas particulares compiladas para o corpus desta dissertação são marcadas pela
heterogeneidade não só no plano linguístico, mas também no nível social: reunimos nessa
amostra desde documentos escritos por brasileiros ilustres, como o médico e sanitarista
Oswaldo Cruz e o ex-presidente da república Affonso Penna até cartas trocadas por um casal
de noivos, completamente anônimos, cujas cartas foram recolhidas do lixo. Julgamos que essa
diversidade sociolinguística dos remetentes mais engrandece do que problematiza o nosso
90
20
<http://www.letras.ufrj.br/laborhistorico>
21
Atualmente, as cartas da Família Cruz encontram-se disponíveis na página da web do CCD.
91
doutorado da autora, defendida em 2008. No livro, Rumeu apresenta ainda 170 missivas das
Famílias Pedreira Ferraz e Magalhães, editadas pela mesma.
A terceira e última fonte foi extraída dos trabalhos acadêmicos já defendidos que
adotaram como corpus cartas particulares. Conforme já mencionamos, participam desse
conjunto as dissertações de Souza (2012), Pereira (2012), Silva (2012) – disponíveis no site
do Laborhistorico – e a tese de Paredes Silva (1988). As 70 cartas utilizadas na análise da tese
Cartas cariocas. A variação do sujeito na escrita informal estão guardadas nos arquivos
pessoais da professora Vera Lúcia Paredes Silva, que gentilmente nos cedeu para esta
pesquisa22.
Apresentamos, na sequência, alguns dados biográficos importantes acerca dos
autores das missivas:
22
Como o conjunto de cartas em questão não se encontra alocado em nenhum acervo público e/ou digital
específicos, referimo-nos a ele como “Amostra de Cartas Cariocas – década de 1980”, rótulo criado neste
trabalho.
92
A amostra é formada por 79 cartas escritas no Rio de Janeiro pela mãe, pai, tia,
esposa, irmãos, primos e amigos de Affonso Penna Júnior. Estão disponíveis no corpus do
CCD, até então, 30 cartas. A maioria das cartas foi escrita por Maria Guilhermina ao filho
Affonso Penna Júnior.
secretamente, na Igreja da Penha, aos domingos (Maria era muito religiosa) ou na Rua
Uruguaiana, próximo ao trabalho de Jayme.
Ambos, apesar de serem alfabetizados, detinham pouco domínio da cultura letrada
(Jayme possuía, aparentemente, maior domínio da norma culta escrita, talvez em razão de
trabalhar com comércio, o que gerava maior contato com a língua escrita, diferentemente de
Maria, que estava restrita às tarefas do lar). A amostra é formada por 96 missivas, sendo 66 do
noivo e 30 da noiva. Estão disponíveis no CCD 42 cartas, já transcritas e editadas, sendo 23
do Jayme e 19 da Maria.
a devoção que ela tinha por sua família e pela religião. Das 170 cartas – cujos originais estão
no Arquivo Nacional do RJ – coletadas e editadas por Rumeu (2008), 33 encontram-se no site
do CCD23.
23
Em Rumeu (2013), estão disponíveis todas as cartas da família, editadas e reunidas em um CD-ROM que
acompanha a obra impressa.
96
24
O subsistema de referência à 2ª pessoa do singular utilizado em Minas Gerais é diferente do subsistema
carioca, sendo o pronome você a forma exclusiva na posição de sujeito (cf. LOPES & CAVALCANTE, 2011,
p.37-39).
97
4.4.2. Os dados
(48)
a. “Não te conto a maior, quero dizer te conto sim. Teu pai me chamou para voltar à sua
casa quando eu pudesse.” [02-08-1978]
101
b. “Eu não apressei-me em escrever lhe falando no seu novo despacho porque a falar a
verdade não fiquei contente com o lugar que lhe deram (...).” [14-11-1874]
c. “Fora o que já ø contei, não tenho feito nada de extraordinariamente interessante.” [08-
05-1983]
d. “(...) diz-se que Você é quem influe para que a revolução continue, enfim attribuem a ti
tudo, nunca vi maior injustiça, espero que tudo isto desapareça e que venha a verdade.”
[25-04-1894]
e. “São 11 horas preciso dormir, se não fosse isso seria capaz de ficar a noite toda
escrevendo para ti, dizendo tudo quanto sinto por ti, porque quando estou junto de ti a
emoção embarga-me a voz, faz-me fugir as palavras, e fico mudo.” [02-03-1937]
f. “Maria e eu enviamos um afetuoso abraço a Yolanda e a você.” [04-04-1972]
g. “Bia vou mandar prá você, como presente de aniversário, uma fita do grupo ‘Balão
Mágico’. Espero que você a curta bastante, ok?” [24-10-1985]
No que se refere aos grupos de fatores, elaboramos para a análise dos dados oito
grupos, sendo quatro de natureza linguística e quatro de natureza extralinguística. São eles: a
forma pronominal utilizada na posição de sujeito, o tipo de verbo quanto à estrutura
argumental, as categorias distintivas quanto ao valor semântico do verbo, a forma do objeto
direto, o período de tempo, o subgênero de carta particular, a seção da carta e a amostra do
corpus na qual o dativo ocorreu. Vejamos a composição de cada grupo de fatores, seus
objetivos e hipóteses:
(49) Subsistema I: Somente tu na posição de sujeito: “Eu soube que tu vinhas do dia 4 de
Setembro. Ø pediste que tua mãe foste26 te buscar (...)” [24-09-1936]
(50) Subsistema II: Somente você na posição de sujeito: “Não fique triste, porque não
mandei nenhuma foto para você. É que eu não tive tempo de escolher quais você poderia
querer, nem tive tempo de pensar em quais que eu gostaria que você mandasse para
mim.” [08-05-1983]
(51) Subsistema III: Variação entre tu~você na posição de sujeito: “Nunca Você me
respondeu sobre a casa de Petropolis, que resolveram? O que me toca, pedi que o Padre
Jerony-mo ponha com o d’elle, até que eu peça. (...). Não te Ø imaginas a penna que tive
de não poder Jeronynho vir até aqui.” [18-01-1920]
(52) “Penso (...) que o Senhor deve também prevalecer-se da moratória e não pagar, pois já
consultei o nosso advogado e é ele desta opinião.” [19-08-1914]
26
Interpretamos o vocábulo “foste” como um caso de hipercorreção para “fosse”, mais coerente com o contexto
em que aparece.
27
SU= Sujeito; V= Verbo; OI= Objeto Indireto
103
“pro-curei o famoso Ramos, (...) mostrou se muito penalizado, disendo-me que deseja
muito lhe servir etc. etc.” [25-04-1894]
- Verbos de 3 lugares com argumento interno indireto ou ditransitivos: SU V OD OI
(54) “De qualquer forma vou tentar te dar um número de telefone onde, em agosto,
poderemos nos falar.” [??-07-1983]
iii) A categoria distintiva quanto ao valor semântico do verbo foi um grupo de fatores
pensado a partir da tipologia para os dativos em português proposta por Berlinck (1996, 2005)
e já referida na presente dissertação no capítulo 2. Este grupo tem o intuito de observar se a
semântica do verbo predicador é um fator condicionador de uso das diferentes formas
estratégias de dativo. A hipótese aqui aventada é de que os verbos com a noção de
transferência – prototípica para o dativo – vinculem-se mais fortemente às formas mais
produtivas, ao passo que as formas de ocorrência mais restrita se encaixem, na representação
do dativo, a outras noções semânticas.
(55) Transferência material: “Papai comprou ontem á noite um título do Pro-English, não
sei se você lembra, antes de você viajar vinham aqui em casa te oferecer um negócio
deste.” [28-09-1980]
(56) Transferência verbal e perceptual: “Contente que estou, resolvi fazer uma forcinha e
escrever a voce esta coisa que se propõe a ser carta”
(57) Movimento físico: “Assim que chegar a Paris vou dar immediato cumprimento a tua
promessa e levar-te-ei uma imagem da N. D. des Victories” [24-12-1907]
(58) Movimento abstrato: “tu sabes perfeitamente que eu dediquei todo o meu amor a você”
[19-01-1937]
(59) Interesse: “Quero (...) que voce tome muito cuidado com tudo o que vá te acontecer ai.”
[02-08-1978]
(60) Movimento: “Tenho guardado todos os jornais, o ISTOÉ e outros bagulhos que lhe
chegam.” [28-05-1983]
(61) Movimento psicológico: “Uma notícia que muito vai te agradar é esta hoje vou encher
a proposta para o mês que vem entrar para a linha de tiro.” [25-09-1936]
iv) A forma do objeto direto presente nos verbos de três lugares foi controlada com o objetivo
de analisar se a manifestação desse complemento como clítico, sintagma (nominal,
104
pronominal ou oracional) ou objeto nulo interfere na forma do dativo 28. Nossa hipótese é que
há interferência da manifestação de um objeto sobre o outro, principalmente quando o OD é
um clítico; diferentemente do PE, o PB rejeita contrações do tipo “Dei-to”. Além disso, se a
estratégia de realização do OD é uma forma “pesada” – um sintagma oracional, por exemplo
– a concretização do dativo se daria por outra mais “leve” (um clítico, por exemplo).
(62) OD = Sintagma Nominal: “Prometo que na próxima carta, mando umas fotos para
você”. [08-05-1983]
(63) OD Oracional: “Ontem à noite te prometi que iria hoje à casa de Dona Arminda,
porém veja, meu bem, que minha dignidade manda que eu lá não vá (...)” [21-10-1889]
(64) OD = clítico: “Todo o Trabalho que tiveste, que deve ter sido muito grande a julgar pela
correção da biografia do [Padre Pio]. Esta ainda não apareceu; espero enviar-t’a este mês
e escrever ao Frei Inacio”. [14-06-1933]
(65) OD nulo: “fui obrigada a desprendê-la na compra de uma mesa devendo então pagar-te ø
no fim do mês; caso essa quantia não te faça falta.” [19-02-1913]
v) O subgênero de carta particular diz respeito a dois aspectos importantes para o estudo da
variação pronominal: a temática predominante nas epístolas e o grau de intimidade entre
remetente e destinatário. Percebemos que, dentro da amostra de cartas particulares havia
subgêneros aos quais atribuímos os seguintes rótulos: a) cartas pessoais, trocadas geralmente
entre amigos, em que geralmente havia pouca intimidade entre remetente e destinatário, com
temáticas variadas; b) cartas familiares, trocadas entre membros de uma mesma família,
geralmente enviando ou solicitando informações sobre os entes comuns, tratando de assuntos
ou negócios familiares ou pedindo favores; nessas cartas, há um grau de intimidade mediano,
pois, apesar da proximidade familiar, prevalecem relações interpessoais assimétricas (pais e
filhos, tios e sobrinhos etc); c) cartas amorosas, trocadas entre casais de namorados, noivos
ou amantes, em que predomina uma temática afetivo-emocional, tratando do relacionamento
amoroso em si, com elevado grau de intimidade (SILVA, 2012, p. 42). Sendo assim,
objetivamos, com esse grupo de fatores, examinar se os subgêneros arrolados exercem
influência na escolha das formas de dativo feita pelos remetentes. Por hipótese, supomos que
as cartas amorosas favorecem o uso de formas relacionadas ao pronome tu – os sintagmas a ti
e para ti, principalmente – já que traz consigo um traço lírico-romântico típico do discurso
28
Evidentemente, houve a preocupação em separar os dados de dativo encontrados com os verbos de dois
lugares. Neste grupo de fatores, os dados foram marcados com a etiqueta “não se aplica”.
105
amoroso. Além disso, acreditamos que o clítico lhe apareça quando há menor grau de
intimidade entre remetente e destinatário, portanto, nas cartas pessoais.
vi) A seção da carta foi o segundo grupo de fatores extralinguísticos controlados na pesquisa.
Partimos do princípio de que o gênero carta particular constitui uma tradição discursiva 29
(KOCH, 1997; KABATEK, 2006) e, devido a isso, apresente fórmulas fixas, construções
cristalizadas – principalmente nas saudações inicial e final. Tais fórmulas fixas podem atuar
favorecendo, isto é, preservando determinadas formas dativas. A partir disso, optamos por
dividir a estrutura das cartas em cinco seções frequentemente presentes (saudação inicial com
captação de benevolência30, núcleo, seção de despedida, post-scriptum e outras diferentes
destas) e marcar em qual dessas seções cada dado de complemento dativo ocorreria.
Afirmamos, por hipótese, que as seções inicial e final constituam, de fato, fórmulas
cristalizadas de cumprimentos e despedidas e que, por isso mesmo, cristalizem o uso de
determinadas variantes. Abaixo, apresentamos exemplos das seções mencionadas, extraídos
de uma carta escrita por Emília Fonseca, destinada ao esposo, o médico Oswaldo Cruz:
(66) Saudação inicial com captação de benevolência: “Morta de saudades te escrevo estas
linhas para saber se te succede o mesmo. Felizmente estamos todos bons e Bentinho
afflicto para descer.” [17-10-1899]
(67) Núcleo da carta: “Eu procuro me distribuir o mais possivel para não me lembrar que
estas longe de mim! De dia coso muito, e de noute deito-me o mais cedo possivel. (...)
Papae disse que quando quizeres o cavallo é só dizer na venda do Dyonisio que elle
mandará o recado para cá” [17-10-1899]
(68) Seção de despedida: “Adeus, Oswaldo recebe mil beijos e abraços d’esta que mais que
nunca te estima e adora” [17-10-1899]
29
“Entendemos por Tradição Discursiva (TD) a repetição de um texto ou de uma forma textual ou de uma
maneira particular de escrever ou falar que adquire valor de signo próprio (portanto é significável). Pode-se
formar em relação a qualquer finalidade de expressão ou qualquer elemento de conteúdo, cuja repetição
estabelece uma relação de união entre atualização e tradição; qualquer relação que se pode estabelecer
semioticamente entre dois elementos de tradição (atos de enunciação ou elementos referenciais) que evocam
uma determinada forma textual ou determinados elementos linguísticos empregados.” (KABATEK, 2006, p.
512)
30
“Trata-se de uma seção relativamente fixa no gênero carta que ocorre no início da correspondência e serve
para estabelecer o contato inicial entre remetente e destinatário antes mesmo de introduzir o assunto principal da
carta.” (LOPES, 2011, p.365)
106
(69) P.S.: “P.S. Papae esteve hoje com o Hilario De Gouveia elle perguntou muito por voce e
disse que ia te nomear para uma comissão contra a tuberculose e que pedia a voce para
acceitar e apparecer. Elle parte para a Europa no dia 26 d’este mez” [17-10-1899]
vii) O período de tempo tem, como objetivo geral, distribuir as ocorrências do corpus ao
longo dos períodos em que as cartas foram produzidas. Além disso, queremos observar
diacronicamente o comportamento da variação no século estudado. Para esse grupo de fatores,
tomamos por hipótese que o clítico te seja a variante mais produtiva em todos os períodos,
com percentuais relativamente estáveis, diferentemente das demais variantes, cujas oscilações
de frequência seriam mais acentuadas. Diante disso, dividimos o período em questão em
quartos de século, a saber:
- 1º período (1880-1905);
- 2º período (1906-1930);
- 3º período (1931-1955);
- 4º período (1956-1980).
viii) Decidimos também codificar os dados segundo a amostra do corpus de onde foram
extraídos. Julgamos importante saber a procedência de cada forma de dativo a fim de desfazer
aparentes incongruências nos resultados; por vezes, resultados destoantes do conjunto (ou do
esperado) só podem ser explicados a partir das características individuais dos missivistas,
dada a forte heterogeneidade de ordem sócio-histórica existente entre os informantes das
cartas. Embora não haja uma hipótese objetiva para este grupo, como apresentamos para os
demais grupos, acreditamos que, não raro, aspectos de ordem social (grau de domínio sobre os
modelos de escrita, categoria social a que pertence o indivíduo, círculo de convivência social
etc) irão interferir na frequência e na regularidade de uso das variantes. Listamos, a seguir, as
referidas amostras, já apresentadas no Quadro 4.2 do capítulo anterior:
- Acervo da Família Cruz (1891-1915);
- Acervo Cupertino do Amaral (1873-1895);
- Acervo Afonso Penna Jr. (1896-1926);
- Acervo Land Avellar (1907-1917);
- Acervo Jayme e Maria “Casal dos anos 30” (1936-1937);
- Acervo da Família Pedreira Ferraz-Magalhães (1879-1948);
- Amostra de Cartas a Rui Barbosa (1893-1895);
- Acervo da Família Brandão (1972-1973);
107
0,4% 3,4%
2,7% 2,6% te
11,3%
zero
lhe
22,3% 57,2% a ti
para ti
a você
para você
Como podemos observar, no gráfico 5.1, mais da metade dos dados de complemento
dativo corresponde ao clítico te: 464 das 811 ocorrências levantadas no corpus, o que
representa 57,2% da amostra. A segunda variante mais frequente foi o objeto nulo, com
22,3% (181 dados). O clítico lhe é a terceira forma mais produtiva, correspondendo a 11,3%
das ocorrências (92 dados). Dentre as variantes de sintagma preposicionado, nenhuma atingiu
5% da amostra; contabilizamos 3,4% de para você (28 dados), 2,7% de a ti (22 dados), 2,6%
de a você (21 dados) e 0,4% de para ti (3 dados).
Observadas as frequências totais de ocorrência das variantes, passemos à distribuição
das mesmas de acordo com os grupos de fatores linguísticos e extralinguísticos controlados:
108
(70) Sujeito tu exclusivo – dativo a ti: “Papai, Mamãe e Sinharinha mandam muitas
lembranças a ti e a tua boa mãe a quem eu peço que me recomendes muito.” [19-04-
1891]
(71) Sujeito tu exclusivo – dativo para ti: “Peço-te que te não entristeças com a minha
ausencia que será, está certa, a mais curta possivel. Passeia o mais possivel, compra
cousas para ti, aproveitando os saldos d’agora Não deixes de ir com os pequenos ver os
fantasmas tão falados.” [08-01-1915]
(72) Sujeito você exclusivo – dativo a você: “(...) resolvi fazer uma forcinha e escrever a voce
esta coisa que se propõe a ser carta, que apesar de terrivel e maçante voce não vai jogar
fora e vai me perdoar pois uma coisa que não sei fazer, além de andar de skate, é
escrever.” [30-01-1977]
(73) Sujeito você exclusivo – dativo para você: “(...) vou me despedindo, mandando mil
beijos para você, e desejando que você seja para sempre essa pessoa incrível que você é.”
[??-03-1982]
(74) Sujeito você exclusivo – dativo lhe: “Quincas enviou-lhe via maritima um livro sobre
“Eça” do Gondim da Fonseca, lógo você receberá.” [20-04-1971]
Fogem à “regra” o dativo nulo e o clítico te. O primeiro, por não estar associado a
nenhum paradigma ou subsistema específico (de tu ou de você), evidentemente não estaria
restrito a uma das possibilidades de tratamento controladas. Podemos perceber certo
equilíbrio na distribuição dessa variante: dos 181 dados registrados, as cartas com uso
exclusivo de você na posição de sujeito computaram 80 ocorrências, seguidas das cartas com
uso variável entre tu e você no sujeito, com 50 ocorrências; entre as cartas com uso exclusivo
de tu, foram computadas 35 ocorrências. As cartas menos favorecedoras à ocorrência de
dativo nulo foram aquelas cuja referência à 2ª pessoa do singular na posição de sujeito foi
feita por formas diferentes de tu e você: apenas 16 dados. Em (75)-(77), temos exemplos da
ocorrência do dativo nulo com diferentes formas de tratamento no sujeito:
(75) Somente você: “A sua conta eu ø mando depois vou ajuntar tudo o que você me deve não
tenho pressa do cobre, enquanto estiver na sua mão não gasto eles (...)” [25-08-1907]
(76) Tu e você: “Agradeço ø tudo o que me dizes; é para mim um consolo o receber noticias
de meus queridos irmãos. Então você tem estado um pouco fraquinha, um pouco
incommodada, pelo que me dizes, não é?” [20-02-1921]
110
(77) Somente tu: “Aqui no cartório existe a transcrição de um documento relativo a revolução
de 42 que parece provar a traição de Joaquim Meis se quisseres ø mandarei cópia. [11-10-
1907]
(78) Somente tu: “Peço-te que não te esqueças de trazer a pérola quando vieres, sim? Pago
aqui na Europa 50 libras a proporção que ele precisar, o resto quando eu puder no Rio.”
[20-01-1915]
(79) Tu e você: “Estimara que Você e todos os nosso queridos filhinhos tenham passado bem.
depois que parti. Hei de escrever-te sempre ainda que sejam 2 linhas. Faz sempre que
puderes o mesmo, pois já estou ansioso por uma carta.” [12-02-1886]
(80) Somente você: “Tente resistir até o final (...), cabeçada a gente dá uma vez, tente resistir
no tempo e no espaço pelo qual você vai permanecer aí. Se não conseguir, eu te
aconselho a voltar.” [03-10-1980]
Isso é nítido, principalmente, nas cartas em que o pronome tu varia com o você na
posição de sujeito: é este o contexto que credencia o maior número de estratégias dativas, haja
vista que conjuga no mesmo texto as formas de dois paradigmas. O clítico te, contudo,
correspondeu a mais da metade dos dados desse tipo de documento no corpus em análise. O
dativo nulo, segunda estratégia mais frequente no contexto de variação tu/você no sujeito, não
contabilizou nem 20% dos dados (19,2%). Nas cartas em que há uso exclusivo de você, ainda
que tenhamos verificado menor discrepância entre as frequências das variantes mais
recorrentes – te, dativo nulo e lhe, contabilizaram aproximadamente 30% de ocorrências – a
primeira apresentou leve vantagem sobre a segunda (30,9% contra 29,1%), em um contexto
em que, hipoteticamente, deveria ser desfavorecido.
111
Ainda sobre a Tabela 5.1, vale ressaltar que, com outras formas na posição de sujeito
estabelecendo referência à 2ª pessoa do singular, o uso de te é inexpressivo (3,7%). Nesse
caso, a estratégia predominante foi o zero (59,3%), seguido do clítico lhe (33,3%). Esse forte
desfavorecimento ao clítico te deve-se ao fato de essas outras formas de referência à 2ª pessoa
relacionarem-se a um tratamento indireto, respeitoso; portanto, para marcar distanciamento, o
uso de formas da 3ª pessoa é preferido frente à forma clítica de 2ª pessoa. Abaixo, temos
ocorrências das variantes dativas mais frequentes com formas de tratamento na posição de
sujeito:
(81) Sujeito senhora – dativo nulo: “Espero que a senhora não descurará deste negócio, pois
já deve estar farta de ser roubada. (...) Sem outro por hoje, peço ø queira aceitar com
Papai e o Duddy muitas saudades e abraços (...)” [31-03-1917]
(82) Sujeito senhora – dativo lhe: “Espero que ao receber esta, a senhora esteja passando
melhor desta terrível moléstia que tanto a tem feito sofrer. (...) Conversei com o meu
médico a seu respeito e (...) ele vai receitar e me dará depois para lhe remeter. [03-07-
1917]
Vejamos agora o segundo fator de natureza linguística, que diz respeito ao tipo de
verbo quanto à estrutura argumental. Como mencionado anteriormente, controlamos, com
base na proposta de Duarte (2003, p. 296), o número de argumentos que os verbos selecionam
e a relação gramatical que esses argumentos desempenham. No caso do fenômeno em
questão, interessa-nos apenas observar se os verbos com os quais o pronome dativo ocorre são
ditransitivos, isto é, projetam dois argumentos internos, ou se são verbos de dois lugares com
um argumento interno objeto indireto. No primeiro caso, estão os denominados pela tradição
gramatical de transitivos diretos e indiretos. Estão, nesse caso, os verbos que selecionam um
argumento externo, um argumento interno com relação gramatical de objeto direto e ainda um
argumento interno relação gramatical de objeto indireto. Dentre os principais verbos
ditransitivos estão: dar, pedir, enviar, dizer, mandar, desejar etc. como ilustrado a seguir:
(83) “Diga ao Edgard que recebi a carta dele que não respondo porque a resposta é a que
agora dou a você.” [13-05-1917]
(84) “Maria e eu enviamos um afetuoso abraço a Yolanda e a você.” [04-04-1972]
112
(85) “Quero (...) que voce tome muito cuidado com tudo o que vá te acontecer ai.” [02-08-
1978]
(86) “Uma notícia que muito vai te agradar é esta hoje vou encher a proposta para o mês que
vem entrar para a linha de tiro.” [25-09-1936]
Os esquemas relacionais propostos para cada tipo são os seguintes (DUARTE, 2003,
p. 296; 299):
- Verbos de 3 lugares com argumento interno indireto ou ditransitivos: SU V OD OI31
- Verbos de 2 lugares com argumento interno indireto: SU V OI
A tabela a seguir apresenta os resultados globais de todas as variantes dativas tendo
em vista o número de argumentos internos do verbo predicador:
Em termos práticos, ainda não podemos dizer se nossa hipótese – clíticos são mais
frequentes com verbos de três lugares – se confirma ou não. Na presente rodada com todas as
estratégias dativas, como vemos na Tabela 5.2, os índices dos clíticos te e lhe, somados,
representam mais da metade dos dados, tanto entre os verbos de 2 lugares (68,2%, 30 dos 44
dados) quanto entre os de 3 lugares (68,6%, 526 dos 767 dados). Será necessário, portanto,
31
SU= Sujeito; V= Verbo; OD= Objeto Direto; OI= Objeto Indireto
113
em outra etapa da análise, relativizar esse resultado, a fim de verificar os contextos que mais
favorecem, de fato, o aparecimento de cada variante.
Nos verbos de 3 lugares, a segunda estratégia mais frequente, além obviamente do te,
é o dativo nulo com 23,4%. Esse resultado referenda uma possível hipótese de simplificação
da estrutura verbal que se automatiza com um argumento externo e um interno apenas, daí o
apagamento do OI. Comparativamente, sem levar em conta o número de dados brutos, mas os
percentuais de frequência, os SPreps parecem favorecidos com os verbos de 2 lugares. Nesse
caso, a segunda estratégia mais produtiva foi o SPrep a ti com quase 16% de frequência,
seguido por a você e para você com 7% de produtividade cada uma, em termos aproximados.
Os verbos de 3 lugares apresentaram índices baixos nos SPreps, com valores próximos de 3%
ou abaixo disso. Expomos, a seguir, as 12 ocorrências das formas preposicionadas
relacionadas aos verbos de 2 lugares. Voltando aos dados, identificamos que essas ocorrências
estavam relacionadas aos verbos pertencer, referir, telefonar, ligar e corresponder:
(87) “ (...) tu sabes que não pertenço a mais ninguém a não ser a você, tu sabes que todo o
meu prazer é viver em teus braços, recebendo as tuas carícias e teus beijos, Oh quanto me
sentiria feliz com isso.” [25-01-1937]
(88) “O Visconde passou comigo uns 15 dias, sempre se referiu a você com muita amizades e
tem você como um grande Historiador (...)” [07-06-1972]
(89) “Nos dias que antecederam a minha saída de L.A. tentei telefonar p/você para me
despedir, mas sempre durante o dia e nunca tinha ninguém em casa.” [s.d.-déc.1980]
(90) “Hoje de manhã, mamãe e papai foram até a loja para ligar para você, por favor,
desculpe de eu não ter ido, mas eu estava muito cansado.” [28-09-1980]
(91) “Bom, estudei alemão e comecei a copiar o nosso trabalho. (...) Telefonei procê.” [??-??-
1982]
(92) “(...) Minha querida só a ti é que pertence todo o meu amor, só de ti minha flor que eu
espero todo o meu ideal (...)” [22-09-1936]
(93) “(...) recebe com amor muitos beijos deste teu apaixonado noivinho, que só a ti
pertence.” [05-10-1936]
(94) “(...) tu sabes que só a ti é que pertenço, tu é a dona do meu coração, és a eleita de meus
sonhos, és a rainha de meu pensamento (...)” [19-01-1937]
(95) “Deste que tão somente a ti pertence aceita mil abraços, e o dobro de beijos, para que
possas ser eternamente feliz (...)” [25-01-1937]
114
(96) “ (...) procurarei nos resto de dias de minha existência corresponder com o meu amor e o
meu afeto, o amor que tanto me dedicas, portanto correspondo a ti, a altura que tu
mereces.” [13-02-1937]
(97) “ (...) desejaria escrever qualquer coisa que você gostasse. Apenas umas letrinhas
dizendo que te amo muito, que tu és a flor de meus sonhos, (...) que és toda a minha
felicidade, que a ti só pertenço, que ti és a rainha de meu coração (...)” [23-02-1937]
(98) “(...) o futuro a ti pertence, os dias felizes virão, tenha confiança no teo destino” [05-03-
1895]
No caso dos verbos de 3 lugares, a diversidade de formas verbais foi notável: dentre
as 62 ocorrências de sintagmas preposicionados levantadas, contabilizamos 23 verbos
ditransitivos diferentes; os mais frequentes foram os verbos mandar (18 ocorrências),
escrever (8 ocorrências) e dedicar (6 ocorrências). Os verbos levar, comprar e enviar
somaram 3 ocorrências, cada um. Exemplificamos tais ocorrências em (99)-(104):
(99) “Estou escrevendo da faculdade, sabe? Mande um abraço a seus irmãos e amigos. Mando
a voce um beijo, cheio de saudades. Escreva-me se puder, tá?” [14-04-1977]
(100) “Já não aguento mais falar com voce pela caneta. Não que não goste de escrever para
voce mas porque prefiriria não precisar escrevê-las mais sim ditá-las ou dizê-las.” [27-
09-1978]
(101) “(...) o meu coração terás eternamente em teu peito batendo dando-te vida, e o teu
viverá em meu peito dando-me vida e alento para continuar dedicando a ti todo o amor
que mereces (...)” [16-03-1937]
(102) “Ela me pediu para lhe dizer que foi ao Correio levar 1kg de jornal para você, mas o
prazo - mais de uma semana - e o preço: 1.100,00, não a animaram e ela desistiu.” [31-
08-1980?]
(103) “(...) Passeia o mais possivel, compra cousas para ti, aproveitando os saldos d’agora”
[08-01-1915]
(104) “Basta meu querido Embaixador, Maria e eu enviamos um afetuoso abraço a Yolanda e
a você.” [04-04-1972]
verbos desse tipo. Com o clítico lhe, verificamos o mesmo quadro, tendo ocorrido 86 (93,4%)
dos 92 dados dessa variante com verbos de três lugares. Em relação ao dativo nulo, o
favorecimento dos verbos de 3 lugares – ou, vendo do ângulo inverso, a restrição dos verbos
de 2 lugares – é bastante evidente: das 181 ocorrências no corpus, apenas 1 não foi com verbo
bitransitivo. Nesse dado, extraído do núcleo da carta de um dos informantes do 4º período
analisado (1956-1980) endereçada à sua mãe, o verbo de 2 lugares em questão é telefonar,
reproduzido abaixo:
(105) Você pensa essas coisas todas, e mais alguma coisa que você quiser, porque quando eu
ø telefonar (provavelmente 4ª feira de manhã) você me dá as respostas todas. [17-12-
1983]
(106) O que tem de novo para te contar é pouca coisa, não há nada nada de novo. [25-08-
1907]
(107) Desde já te digo, que, cravos no Paraná nada tem que preste, o compadre foi quem
arranjou [05-10-1909]
(108) Então te pergunto. Se você puder comprá-lo e me enviar, não seria mais barato? Ou
melhor ainda, se você pudesse fotocopiá-lo (xerocá-lo) acho que seria ainda mais barato. [??-
07-1983]
(109) Não posso informar-te quando podemos conversar. mas farei o possível para ser o mais
breve, tenha confiança em mim pelo amor de Deus
(110) Tente resistir até o final Delinha, cabeçada a gente dá uma vez, tente resistir no tempo e
no espaço pelo qual você vai permanecer aí. Se não conseguir, eu te aconselho a voltar. [03-
10-1980]
(111) “(...) nesta carta vou renovar o pedido que constantemente te faço, e, peço que em meu
nome o faças à tua boa Mãe, que, boa como ela é com certeza te atenderá: volta, meu
anjo, volta, querida, porque do contrário eu não resisto mais (...)” [16-04-1891]
(112) “Após uma semana e tanto de angustias, (...) receando a cada instante pela minha saúde
e vida, que te pertence e à nossos filhos, (...) eis-me felizmente livre déssas
preocupações, são e salvo, a espera do momento feliz em que estarei junto de ti no seio
de nossa querida familia.” [01-01-1899]
(113) “Morta de saudades te escrevo estas linhas para saber se te succede o mesmo.” [17-10-
1899]
118
(114) “Quero (...) que voce tome muito cuidado com tudo o que vá te acontecer ai. Pense bem
antes de toma uma solução pois garotos aproveitadores estão espalhados por todo o
mundo (...)” [02-08-1978]
(115) “(...) ponho-me em teus pés para servir-te de escravo, expondo-me aos teus mandos.”
[16-03-1937]
(116) “(...) cada vez acredito mais minha querida que teu amor me é sincero, um amor puro
criado somente para mim, e o mesmo correspondo-te eu, que vivo na ânsia de cada vez
te amar mais (...)” [25-01-1937]
(117) “Diz-me que as meninas já estão convencidas que devem, ficar e estão satisfeitas, a
minha questão é de ti e da Senhora acredito que na occasião te faltará a coragem e a
ellas tambem (...)” [05-03-1895]
(118) “Não te esqueças de estudar as línguas; a inglesa e a alemã podendo ser e o italiano.
Talvez aí te seja fácil na casa mãe obter quem te ensine.” [08-06-1905]
(119) “Não te parece que é um consolo para nós, que tenha podido entrar no seu convento!”
[11-09-1919]
(120) “(...) Minha querida só a ti é que pertence todo o meu amor, só de ti minha flor que eu
espero todo o meu ideal (...)” [22-09-1936]
(121) “(...) recebe com amor muitos beijos deste teu apaixonado noivinho, que só a ti
pertence.” [05-10-1936]
(122) “(...) tu sabes que só a ti é que pertenço, tu é a dona do meu coração, és a eleita de meus
sonhos, és a rainha de meu pensamento (...)” [19-01-1937]
(123) “ ‘Pisa Lectures’, ‘Formal Syntax’ e a tese da Myriam estão comigo (+ o Ruwet,
‘Gramática Gerativa’). Posso enviá-los, se eles te interessam no momento.” [??-08-
1983]
(124) “Aproveite ao máximo o que há de bom e se isso tudo não lhe interessa considere
aquela sua idéia de só ficar para este primeiro período.” [31-08-1982?]
119
(125) “Visto que o retrato lhe agradou, vou ver si tiro outro com o rabut francez; mandarei
logo para você e para os outros irmãos.” [10-04-1921]
(126) “Junto remeto o tal papel, e só eu sinto, a grande massada que tenho te dado com isso;
certo de que você é o mais culpado, pois te pedi que deixasse seu pai fazê-lo, e você não
quis. Por tudo fico muito e muito grata a você.” [17-04-1916]
(127) “Tenho guardado todos os jornais, o ISTOÉ e outros bagulhos que lhe chegam.” [28-05-
1983]
(128) Transferência material: “ (...) eu escrevo para minha casa depois o Antoninho te entrega
e de pois você rasga ou manda para mim (...)” [19-01-1937]
(129) Transferência verbal e perceptual: “Estão montando um palco aqui na praia de
Botafogo. Não sei para que. Quando souber eu te digo.” [15-09-1978]
(130) Movimento físico: “Fiz adquirir uma imagem pra te levar, assim com uma medalha de
ouro feita por um grande gravador francez, egual às que trazem o Rei e a Rainha da
Alemanha.” [29-12-1907]
(131) Movimento abstrato: “Minha flor já começo a sentir uma inquietação por estares longe
de mim, e ando um pouco triste por saber que tu não tens confiança em mim, eu que te
dedico todo o meu amor, os meus momentos e tenho tanta confiança em ti.” [12-01-
1937]
(132) Interesse: “Diz-me que as meninas já estão convencidas que devem, ficar e estão
satisfeitas, a minha questão é de ti e da Senhora acredito que na occasião te faltará a
coragem e a ellas tambem (...)” [05-03-1895]
120
(133) Movimento psicológico: “ (...) todos enfim, são de opinião que deves vir quanto antes;
que te importa os teos Bahianos? [05-03-1895]
Já o clítico lhe, embora tenha sido apenas a terceira estratégia mais frequente em
cinco das sete categorias semânticas observadas, foi a estratégia mais equilibrada quanto às
ocorrências: contabilizou ao menos um dado por tipo verbal:
(134) Transferência material: “Antes de mais nada deixa eu lhe dar as explicações que você
queria sobre o embarque de bagagem (...)” [11-04-1983]
(135) Transferência verbal e perceptual: “Você vá pedindo a mamãe que lhe ensine a ler e
escrever para com o tempo sustentarmos uma grande correspondência.” [15-01-1886]
(136) Movimento físico: “você pediu ao Roberto um retrato de Tio Martinho, Roberto
prometeu mas nunca lhe deu, você contou isto ao Visconde, o Visconde escreveu-me e
eu lhe enviei, um “negativo” por carta, você agradeceu, ai começou o ‘bate bola’. até
hoje.” [07-06-1972]
(137) Movimento abstrato: “Adelinha como ‘CÊ’ sabe o meu Inglês é E↓CELENTE e andei
‘corrigindo’ a sua última carta e você está de parabéns, pois o seu Inglês está quase tão
perfeito quanto o meu. Por isso ‘poupar-lhe-ei’ o trabalho, pedindo que da próxima vez
escreva em Português.” [10-10-1980]
(138) Interesse: “pro-curei o famoso Ramos, (...) mostrou se muito penalizado, disendo-me
que deseja muito lhe servir etc. etc.” [25-04-1894]
(139) Movimento: “Tenho guardado todos os jornais, o ISTOÉ e outros bagulhos que lhe
chegam.” [28-05-1983]
(140) Movimento psicológico: “Aproveite ao máximo o que há de bom e se isso tudo não lhe
interessa considere aquela sua idéia de só ficar para este primeiro período.” [31-08-
1980?]
(141) E mando um beijão bem grande para voce é claro, pois te quero muito. [24-02-1977]
(142) e para você minha querida o que devo mandar? recebe muitos beijos, abraços e mais um
pedaço de amor pois o meu cresceu muito de domingo para cá. [25-09-1936]
(143) a Dona Marieta manda muitas lembranças para você e juizo. [15-03-1937]
(144) Adelinha, todos daqui de casa mandam um beijão pra você (a Fernandinha também) e
não se preocupe com o pessoal da sua casa, pois acredito que estejam com muitas
saudades, mas sobreviverão. [10-10-1980]
A forma do objeto direto nas estruturas ditransitivas é nosso quarto e último fator de
natureza linguística. Em consonância com o que comentamos ao discutir os resultados do
grupo de fatores que controlou o tipo de verbo quanto à estrutura argumental, o argumento
dativo pode ser selecionado por dois verbos predicadores diferentes: pelo de 2 lugares ou de 3
lugares. No caso deste último, há, ao lado do complemento indireto, a presença de outro
122
argumento interno, o objeto direto. Acreditamos que a existência do objeto direto nesse
contexto morfossintático possa condicionar qual variante do dativo irá ocorrer. Sabemos, por
exemplo, que, na variedade brasileira da língua portuguesa, não ocorre o fenômeno da
contração, no qual o clítico acusativo funde-se ao clítico dativo. Partindo da existência desse
condicionamento, cremos que as outras formas nas quais o objeto direto pode aparecer na
sentença interfiram na forma em que o objeto indireto irá ocorrer.
Consideramos quatro possibilidades de ocorrência do objeto direto do ponto de vista
formal: clítico acusativo, sintagmática, oracional e objeto nulo. Por apresentarem uma
configuração sintática mais complexa, haja vista que contém em sua estrutura outro sintagma
verbal, optamos por controlar a forma oracional do objeto direto separadamente das demais
formas sintagmáticas. Chamamos genericamente de “sintagma” as outras possibilidades de
objeto direto na sentença: sintagma nominal, sintagma adjetivo e sintagma pronominal.
Abaixo, exemplificamos, com ocorrências extraídas do nosso corpus, as quatro possibilidades
categorizadas:
(145) Sintagma (nominal): “Quincas enviou-lhe via maritima um livro sobre “Eça” do
Gondim da Fonseca, lógo você receberá.” [20-04-1971]
(146) Sintagma (pronominal): “Pela sua carta de 9 escrita ao Espinola vejo que já tinha feito o
favor que lhe pedi na minha carta de 21 do passado (...)” [16-10-1874]
(147) Sintagma oracional: “Ela me pediu para lhe dizer que foi ao Correio levar 1kg de
jornal para você, mas o prazo - mais de uma semana - e o preço: 1.100,00, não a
animaram e ela desistiu.” [31-08-1980?]
(148) Clítico: “(...) maior mais duradoura e mais ativa é a amizade que me prende a ti (...)”
[05-01-1908]
(149) Objeto nulo: “Desculpe-me por este tempão que fiquei sem escrever ø a voce mas é
porque ando realmente ocupado.” [17-10-1978]
Com base nos números expostos na Tabela 5.4, constatamos que, diferentemente do
que vimos nos demais grupos de fatores até aqui, o clítico te não é a forma mais frequente
com todas as manifestações possíveis de objeto direto. Tal fato revela que há interferência de
um complemento sobre o outro e, portanto, nossa hipótese procede. Quando o objeto direto
foi expresso sob a forma de um clítico (13 ocorrências), a variante de dativo mais recorrente
foi o objeto nulo – que, em vários contextos, é a estratégia mais frequente depois do te. Esse
resultado parece confirmar o fato de que a ocorrência de objeto direto e indireto sob a forma
de clítico não é algo recorrente na variedade do português brasileiro, tal como encontramos na
variedade europeia. Os quatro dados de clítico dativo de 2ª pessoa do singular que
coocorreram com clíticos acusativos aparecem nos textos de missivistas com maior domínio
sobre os modelos de escrita, mais conservadores linguisticamente:
(150) “O que eu senti às 8 1/2 da manhã e às 7 da noite não tenho palavras para t’o
descrever”. [09-04-1891]
(151) “porém, podes dizer, meu anjinho, com toda a firmeza, que não há nenhuma que seja
tão querida pelo noivo como tu o és por mim, juro-t’o.” [21-04-1891]
(152) “Todo o Trabalho que tiveste, que deve ter sido muito grande a julgar pela correção da
biografia do [Padre Pio]. Esta ainda não apareceu; espero enviar-t’a este mês e escrever
ao Frei Inacio”. [14-06-1933]
(153) “e a razão é, como disse, o meu caracter, que você conhece bastante para que lh'a deva
descrever agora.” [10-04-1921]
124
(154) “Devo dizer-te que assim te escrevo em vista do que me dissestes a pouco tempo, que o
Edgard aí nenhum futuro podia almejar, nem mesmo o de um bom emprego” [25-03-
1911]
(155) “elas disseram que quando você vier ou través aqui elas iam te contar que eu era
chorona eu disse que eu não me me importava que dissesse.” [05-10-1936]
(156) “Esqueci de te dizer que o ballet ‘Gabriela’ foi transferido para mais tarde. Quem sabe
estão te esperando?” [25-03-1983]
Quanto ao dativo nulo, chama atenção a segunda forma de objeto direto que mais
apareceu com essa estratégia em nossa amostra: outro objeto nulo. Valendo-nos das
ocorrências apresentadas na Tabela 5.4, percebemos que, dos 180 dados de dativo nulo, 78
deles aconteceram com um OD em forma de sintagma nominal/pronominal; bem próximo a
esse número está a coocorrência dos dois objetos nulos, em 52 dados. Ao voltarmos à
amostra, notamos que essa alta incidência deve-se ao uso generalizado do verbo escrever:
(157) Desculpa eu estar ø escrevendo só agora, porém acabei de chegar no rio e havia uma
carta sua aqui datada de uma pá de tempo, e com 2 grandes presente para mim. [24-02-
1977]
(158) Ontem recebi um bilhete de visita em que me dizias estarem todos bem e que não tinhas
bronquite nem tinha notícias minhas. Admira-me isso porque tenho ø escrito todos os
dias, à mesma hora. [20-02-1886]
(159) Eu acho que não e preciso ø escrever mais porque acabei de dizer tudo que ia ø
escrever, não adianta mais nada. [23-02-1937]
(160) Tenho tido notícias suas, não tenho ø escrito porque sei que não tens tempo para
responder. [23-09-1916]
Tal verbo apresenta uma transitividade bastante instável e, não raro, é possível omitir
seus dois argumentos internos (o que se escreve, o OD, e para quem se escreve, o dativo). Van
125
(...) parece-me que nestas construções o verbo não tem sua significação transitiva
‘incompleta’ em ‘escrever’, mas têm um significado ‘completo’ que implica um
acusativo ‘interno’ do tipo de ‘escrever um texto’ ou uma ‘mensagem’ (VAN
HOECKE, 1996, p.28)
(161) “Viveremos eternamente um para o outro, amando cada vez mais, esquecendo as dores
de agora, o meu coração terás eternamente em teu peito batendo dando-te vida, e o teu
viverá em meu peito dando-me vida e alento para continuar dedicando a ti todo o amor
que mereces”
(162) Foi de uma alegria imensa saber que os tempos que passamos juntas ainda trazem boas
recordações pra você e inclusive pra mim. [??-03-1982]
(163) “Peço a você dar ao Tito a minha caderneta para ele mandar contar os juros, até 30 de
Junho 1917” [08-07-1917]
(164) Papae esteve hoje com o Hilario De Gouveia elle perguntou muito por voce e disse que
ia te nomear para uma comissão contra a tuberculose e que pedia a voce para acceitar e
apparecer. [17-10-1899]
Além disso, o clítico dativo lhe seria outra forma variante do dativo de 2P intimamente ligada
ao subgênero de carta particular: acreditamos que a forma lhe seja favorecida pelo menor
grau de intimidade existente entre remetente e destinatário, tal como ocorre nas cartas
pessoais.
Na Tabela 5.5, correlacionamos os três subgêneros identificados na amostra às sete
variantes do complemento dativo de 2ª pessoa do singular:
Pessoal 91 36 45 5 - 5 12 195
parentes ao seu filho, Alarico; na carta pessoal, Carlos de Aguiar dá conselhos ao amigo
exilado Rui Barbosa:
Amorosa:
(165) “Impossível é descrever-te, meu querido anjo, a tempestade que se passava dentro de
mim: era necessário que eu fosse à tua casa, que fosse em pessoa ver aqueles lugares em
que nós estivemos juntos, o lugar em que nos despedimos, aquele em que me foste
dada, enfim era necessário que se despedaçasse o meu coração, que todo o meu ser se
transformasse em lágrimas (...)” [10-04-1891]
Familiar:
(166) “O Tito vai bem, hoje vai te escrever, ele gostou muito do Rio, papai levou eles até
Botafogo para ver a avenida beira-mar.” [18-08-1907]
Pessoal:
(167) “Não estou em condições de te dar conselhos, mais como amigo tenho o direito de te
dizer alguma cousa, não convem porenquanto escreveres nada sobre assumptos
politicos, espere os acontecimentos, pode muito bem tudo isto mudár e Você ser
obrigado a estár aqui para fazer parte ou tomar parte.” [19-11-1894]
(168) “Não repare si por acaso tenha redigido errado algum nome, porque estou lhe relatando
fiado na memoria, sem consultar papel algum.” [25-06-1972] Brandão
(169) “ (...) não darei a letra, nem proporei acção sem combinar com o Amaral, pretendo
diser-lhe que a letra hé minha (...) tudo farei com calma e reflexão, creio que obterei
resultado, confie em mim, espere, brevemente lhe comunicarei o resultado.” [15-11-
1893] Carlos
Outro índice digno de nota é o registrado para o sintagma preposicionado a ti: 15 dos
22 dados levantados no corpus (68,1%) ocorreram em cartas amorosas. Adotamos como
explicação para esse índice o fato de a utilização do pronome tu ser uma convenção do
discurso lírico-amoroso para se reportar à “pessoa amada” como uma estratégia que marca
maior intimidade desde sua origem em oposição ao você que, advinda do tratamento Vossa
Mercê, indicava maior distanciamento. Os exemplos extraídos de nosso corpus ilustram tal
comportamento:
(170) Minha querida só a ti é que pertence todo o meu amor, só de ti minha flor que eu espero
todo o meu ideal, a esperança que brota de meu peito cresce de uma forma espantosa,
envolvendo-nos e unindo-nos cada vez mais [22-09-1936]
(171) “desejaria escrever qualquer coisa que você gostasse. Apenas umas letrinhas dizendo
que te amo muito, que tu és a flor de meus sonhos, que tu és todo o meu ideal, que és
toda a minha felicidade, que a ti só pertenço, que ti és a rainha de meu coração, que és a
eleita dos meus momentos etc. etc. e muita coisa mais. [23-03-1937]
(172) “E a ti envia todos os ‘grãos de terra’ transformados em beijos e abraços.” [23-03-1937]
- A seção da carta
O gênero carta particular pode ser analisado como uma tradição discursiva, nos
termos de Koch (1997), Kabatek (2006) e outros estudiosos. Isso significa dizer que a maneira
como algumas seções são redigidas seguem um modelo estabelecido para esse gênero ao
longo do tempo; dito de outro modo, certas partes constitutivas das cartas, como a captação de
benevolência e a despedida tornaram-se construções cristalizadas, estruturas formulaicas que
são reproduzidas pelos autores. Para o nosso estudo, a presença dessas fórmulas fixas para
“abrir” e “fechar” o texto de uma carta pode ser determinante, tendo em vista que certas
129
variantes podem ser conservadas no espaço discursivo dessas seções, em detrimento das
outras seções, de cunho mais autoral.
Resolvemos, portanto, investigar essa hipótese de conservação de formas variantes
por influência das tradições discursivas controlando, através do referido grupo de fatores, em
que seção do documento nossos dados apareceram. Expomos a distribuição das estratégias em
relação às seções controladas na Tabela 5.6 a seguir:
(173) “Lembranças a Dona. Marietta, fala com ela que eu gostava muito de conhecê-la,
embora já a conheça um pouco pela tua boca, mas gos-taria de conhecê-la
130
Quanto à distribuição das variantes, não surpreende dizer que o clítico te foi
novamente a forma mais produtiva na maioria das seções. Essa forma ficou em segundo lugar
apenas nos P.S., em que o dativo nulo foi mais recorrente (por uma diferença mínima de um
dado, é preciso dizer). Além disso, o clítico te, o dativo nulo e o sintagma preposicionado a
você foram as três estratégias que contabilizaram ao menos um dado em cada seção, sendo os
131
dois primeiros superiores em número de ocorrências. As outras quatro variantes foram mais
frequentes em seções não formulaicas, demonstrando maior ligação com o discurso do
missivista. É o que podemos ver, por exemplo, nas ocorrências do clítico lhe e do SPrep para
você nos P.S.; diferentemente dos exemplos mostrados para os dados de captação de
benevolência, vemos que essa seção da carta não apresenta uma estrutura cristalizada. É nesse
tipo de contexto, pois, que as variantes ilustradas foram identificadas.
(180) “P.S. O Espinola foi passar a Secretaria e disse-me que ia escrever-lhe, porém como ele
está sempre muito atarefado não sei se escreverá. [03-11-1874]
(181) “P.S. Peço-lhe que remeta a carta inclusa para Petrópolis, não querendo eu mandá-la
daqui diretamente com receio que extravie.” [12-02-1873]
(182) “P.S. Bia vou mandar prá você, como presente de aniversário, uma fita do grupo “Balão
Mágico”. Espero que você a curta bastante, ok?” [24-10-1985]
Nessa etapa de análise, de cunho panorâmico, não podemos afirmar com precisão se
alguma seção específica da carta favoreceu ou desfavoreceu o uso de alguma forma, haja vista
a diferença quantitativa acentuada entre os dados de te e dativo nulo de um lado, e os dados
das outras variantes de outro. Na rodada binária opondo o clítico te aos sintagmas
preposicionados, Esse grupo será retomado uma vez que foi considerado relevante pelo
programa estatístico.
100% 0,0%
1,4%
3,3% 1,0%
2,5%
0,5% 4,0%
10,3% 10,1% 2,5% 9,0%
7,0% 4,0%
80% 0,5% 0,0%
14,5%
25,6% 17,1% para você
24,5%
60% a você
40% 69,6% 32,5% para ti
59,8% 68,3%
20% a ti
0% 30,0% lhe
zero
te
produziria uma leitura ilusória, na medida em que os dados do clítico lhe que aparecem no 2º
e no 4º período, por exemplo, foram obtidos de informantes com características socioculturais
diferentes.
Passamos a apresentar, nas tabelas subsequentes, a distribuição das variantes de
acordo com as amostras do corpus utilizadas. Cada tabela representa um quarto de século
analisado.
Cinco das dez amostras utilizadas para este estudo nos renderam dados de pronomes
dativos de 2ª pessoa do singular: a amostra do médico Oswaldo Cruz, a coleção da Família
Pedreira Ferraz – Magalhães, a amostra de cartas endereçadas a Rui Barbosa, a coleção de
missivas da família do ex-presidente Afonso Penna e a amostra da família Cupertino do
Amaral. Percebemos o predomínio das formas relacionadas ao paradigma de tu, já que, nesta
época, a forma você ainda não havia adquirido o estatuto de pronome pessoal, e, portanto,
ainda apresentava um uso respeitoso como pronome de tratamento (cf. RUMEU, 2008).
Neste período, o dativo nulo já constitui a segunda variante mais produtiva, sendo
contabilizado nas cinco amostras do período. O clítico lhe ocorre com mais frequência nos
134
(183) “(...) as tempestades que a muito tempo se desencadearão sobre esta terra tenho fé em
Deus andem passar, tudo voltará a seus eixos, espero ainda ver-te grande, feliz,
estimado e muito contente no seio de tua família, o futuro a ti pertence, os dias felizes
virão, tenha confiança no teo destino” [05-03-1895]
(184) “Tenho te escripto muitas cartas, tenho tirado dos jornaes tudo que diz respeito a ti e
que te pode enteressar, tenho remettido (...)” [05-03-1895]
(185) “Peço-lhe que remeta a carta inclusa para Petrópolis, não querendo eu mandá-la daqui
diretamente com receio que extravie.” [12-02-1873]
(186) “Peço-lhe que me responda sobre isto e também me diga quanto lhe devemos das duas
publicações que o Espinola mandou fazer.” [14-11-1874]
(187) “Diga ao Edgard que recebi a carta dele que não respondo porque a resposta é a que
agora dou a você.”[13-05-1917]
(188) “O dicionário serviu bem e mamãe mandou pelo Tito agradecer a você, bem como tudo
que mandou-lhe.” [08-06-1917]
(189) “Visto que o retrato lhe agradou, vou ver si tiro outro com o rabut francez; mandarei
logo para você e para os outros irmãos.” [10-04-1921]
(190) “Você querendo me favorecer, compra para você e só será meu quando eu te pagar.”
[12-02-1909]
136
Pedreira 14 4 - 1 - 1 - 20
Para o 3º período, apenas duas amostras renderam dados: as cartas trocadas entre o
“casal dos anos 1930” e entre alguns membros da Família Pedreira Ferraz. A amostra do casal
registra ao menos um dado de cada uma das sete variantes do complemento dativo, o que
evidencia uma acentuação da variação. O clítico lhe, que no 2º período teve uma frequência
expressiva, praticamente desaparece. Em contrapartida, o clítico te segue com uso
hegemônico (68,3%), seguido do dativo nulo (17,2%). Torna-se mais claro do que no período
anterior que o pronome você na posição de sujeito passou a se combinar livremente com o te
em posição dativa, derrubando qualquer possibilidade de evidência de uniformidade de
tratamento. Os exemplos comprovam as ocorrências dessa combinação:
(191) “Muito te agradeço tudo que Você fez por nossa irmasinha; coitada; tenho tanta pena; e
isto de longe que seria vêr de perto como ella está.” [28-11-1933]
(192) “Muitas penas passa minha alma – em um papelilho te conto e Você responde tambem
não na carta, senão a parte.” [01º-02-1948]
(193) “(...) eu fiquei triste de você brigar no escritório eu peço-te para ficares mais calmo,
manda-me dizer por que você brigou com Senhor Mario.” [22-09-1936]
(194) “eu escrevo para minha casa depois o Antoninho te entrega e de pois você rasga ou
manda para mim.” [19-01-1937]
137
Brandão - 2 34 5 - 41
- 4,9% 82,9% 12,2% - 20,5%
Lacerda 15 27 1 3 3 49
30,7% 55,1% 2,0% 6,1% 6,1% 24,5%
Cartas 45 36 14 - 15 110
Cariocas 41,0% 32,7% 12,7% - 13,6% 55,0%
TOTAL 60 65 49 8 18 200
30,0% 32,5% 24,5% 4,0% 9,0% 100%
Tabela 5.10. Distribuição das variantes dativas
entre as amostras do 4º período (1956-1980)
são os que mais se aproximam ao que, de fato, encontramos hoje na variedade carioca –
falada e escrita – ao menos naquela utilizada pelos indivíduos usuários da norma culta: um
uso indiscriminado do clítico te, seguido da não realização formal (o dativo nulo); em menor
escala, o emprego do clítico lhe, restrito a situações de maior formalidade, e do sintagma
preposicionado para você (como um uso enfático ou expressivo, principalmente). Vejamos
alguns exemplos desse período:
(195) “O Academico Ministro Hermes Lima tambem está escrevendo suas memorias, devem
sair este ano (...), si ele não lhe oferecer um livro, que aliás disse-me que ia lhe oferecer
eu lhe enviarei. “[20-04-1971]
(196) “(...) você pediu ao Roberto um retrato de Tio Martinho, Roberto prometeu mas nunca
lhe deu, você contou isto ao Visconde, o Visconde escreveu-me e eu lhe enviei, um
“negativo” por carta, você agradeceu, ai começou o “bate bola”. até hoje.”
(197) “Quero saber o que se passa por essa cabecinha oca ai. O que voce pensa de mim agora?
Peço ø tambem respostas sinceras.” [14-04-1977]
(198) “Fiquei preocupado quando disse que não recebeu ainda nenhuma outra carta, mas eu ø
mandei uma com algumas fotos minhas e com uma foto que gosto muito, de Guarapari
na qual estava junto com voce.” [15-08-1978]
(199) “Então te pergunto. Se você puder comprá-lo e me enviar, não seria mais barato? Ou
melhor ainda, se você pudesse fotocopiá-lo (xerocá-lo) acho que seria ainda mais
barato.” [??-07-1983]
(200) “Há dois anos atrás se ele te proposse casamento você nem piscaria, garanto.” [??-03-
1982]
À primeira vista, poderíamos pensar em uma redução do uso de te; entretanto, o que
parece ter ocorrido, na realidade, foi um aumento das demais variantes. A orientação
normativa em relação à uniformidade de tratamento parece ser, sem dúvida, a grande
responsável pelo “reaparecimento” dos clíticos lhe nas cartas do 4º período, já que as
amostras são formadas por indivíduos com maior domínio sobre os modelos de escrita. Vale
ressaltar, por fim, que, ainda assim, entre os informantes das “cartas cariocas”, o te continuou
sendo a forma mais frequente, revelando certa “imunidade” ao paradigma adotado pelo
remetente (tu, você ou tu~você). O te é uma marca legítima de 2ª pessoa do singular, sempre
apresentou altos índices de uso e seu uso “não uniforme” não gera estigma social. A
139
natureza linguística, foi selecionado pelo programa de regra variável nos três casos. O
subgênero da carta, de natureza extralinguística, foi selecionado nas rodadas te x ø e te x lhe.
Os outros seis grupos foram selecionados uma única vez. Inicialmente, podemos dizer que o
Quadro 5.2 revela que a forma de 2P utilizada na posição de sujeito (tu, você e tu/você) exerce
influência sobre as variantes dativas empregadas, com exceção do observado com o clítico te,
que é produtivo nos 3 subsistemas.
(201) “E eu ø peço que você não compre muito para as crianças que eu estou num esforço de
valorizar o que eles têm. Se você me aparecer com muita coisa por aqui eu não vou
deixar você lhes dar. Eles só saberão o valor das coisas se não as tiverem com total
facilidade.” [31-08-1980?]
(202) “Pensei em telefonar-te mas fiquei com medo de voce querer me dar um soco pelo
telefone (...)” [19-09-1977]
(203) “Recebi a sua carta e não ø mandei a procuração porque pensava subir sábado (...)”
[29-11-1915]
dados foram encontrados foi o primeiro grupo selecionado. Os resultados dos pesos relativos
mostram um favorecimento do clítico te nas amostras das famílias Cruz (0.860), Penna
(0.694) e Pedreira Ferraz-Magalhães (0.585). Destas, as duas primeiras utilizam
majoritariamente as formas de 2ª pessoa relacionadas ao paradigma de tu, o que pode
justificar esse resultado. O fato interessante é o da família Pedreira Ferraz-Magalhães, na qual
há ampla utilização do pronome você em posição de sujeito com a forma clítica dativa te. Em
outras palavras, esse resultado significa que, excetuando as amostras que apresentam um uso
exclusivo das estratégias ligadas ao paradigma de tu, a amostra imediatamente seguinte, na
qual o clítico te foi mais utilizado, é justamente aquela que reúne grande número de casos de
assimetria formal (você-sujeito correlacionado ao clítico dativo te), como ilustram os
exemplos:
(204) “Muito te agradeço tudo que Você fez por nossa irmasinha (...)” [28-11-1933]
(205) “Por favor cuide de tua saúde, sobre tudo dos olhos, e mande-me noticias, se Você não
pôde escrever, peça a alguma alma bôa, estou certa que te fará ese favor.” [01-02-1948]
(206) “Eu devo formar-me como já ø disse na segunda-feira, se Deus quiser (...) Assim, pois,
vou a festa. Você me espere. Quando ø digo que me espere não quero dizer que guarde
jantar, porque jantarei na Barra.” [12-03-1886]
143
(207) “Minha querida tu sabes perfeitamente que toda a oportunidade que posso aproveitar é
somente para escrever-te, porque não me saes, um único segundo da lembrança (...)”
[16-03-1937]
(208) “ (...) ficamos sabendo que você estivera doente, o que mamãe já desconfiava por falta
de cartas suas. Estimamos que agora esteja bom e ø pedimos notícias.” [08-06-1917]
O primeiro grupo de fatores selecionado pelo programa na análise binária te x lhe foi
a forma pronominal de 2P empregada na posição de sujeito. Os índices registrados são, em
alguns casos, previsíveis, visto que o te é altamente favorecido nas cartas com uso exclusivo
de tu na posição de sujeito (0.942), seguido das cartas com uso variável de tu e você como
sujeito (0.598). Esses resultados são semelhantes ao que foi observado na rodada anterior em
que se opôs tu e dativo nulo. Dois índices, contudo, precisam ser analisados atentamente. Em
cartas com uso exclusivo de você na posição de sujeito, o clítico te foi fortemente
desfavorecido (0.028). Esse resultado foi influenciado pelas missivas do primeiro e quarto
períodos: nas primeiras, temos um uso do você ainda com caráter de pronome de tratamento;
nas últimas, o uso “simétrico” do você com o clítico lhe aparece em cartas de escreventes com
alto domínio dos modelos de escrita e que, portanto, seguem, em boa medida, a uniformidade
de tratamento. Nessas últimas, temos ainda a interferência do subgênero da carta, que será
comentado mais adiante.
145
(209) “Anexo mando-lhe uma carta de Hélio Tellegrino e gostaria que você refletisse sobre o
que ele fala, tá?” [??-03-1982
(210) “Você disse que encontrou com o Pieroni, não é? Devo lhe confessar que sinto um
carinho muito grande por ele.” [??-03-1982]
amostra de cartas cariocas da década de 1980 adotam tal variante em cartas com uso exclusivo
de você na posição de sujeito:
(211) “O cartão que lhe enviei é da efigie do Conde de Pinhal, com o sêlo comemorativo do
Centenario de São Carlos (do Pinhal)” [17-02-1973]
(212) “(...) fiquei com a impressão de que você não está gostando muito e de que o lugar é
uma Nova Iguaçú metida a besta (...). Aproveite ao máximo o que há de bom (...). Estou
daqui lhe dando a maior força via ondas telepáticas.” [31-08-1980?]
(213) Alarico Land Avellar para o pai: “Bom é, todavia, que ele se lembre que já possuo 5/7
do negócio e que, de nenhum modo, me fará de tolo. Agora, em vez de histórias do
José, peço-lhe que procure o rapaz e fale-lhe diretamente, pondo o negócio em pratos
limpos.” [09-09-1916]
(214) Anna Espínola ao primo Cupertino: “Já tive notícia de ter João recebido os 100$, o que
de novo lhe agradeço. Porém o que ainda não sei é que quantia Maninha estregou-lhe,
porque eu mandei dizer a ela que entregasse 200$. Peço-lhe que me responda sobre isto
e também me diga quanto lhe devemos das duas publicações que o Espinola mandou
fazer.” [14-11-1874]
(215) Francisco Soares Brandão ao “Embaixador”: “(...) não ofereça, mais livros, venda, na
cérta não lhe escrever, mostrando interesse em possuir o livro, não ofereça diga que está
a venda em tal livraria e envie o endereço (...)” [25-06-1972]
O segundo dado importante diz respeito à forma oracional do objeto direto, que
favorece a variante clítica em questão. Embora não tenha sido o contexto mais frequente de
aparecimento do clítico te na amostra – 128 dados com OD oracional contra 202 dados com
OD sintagmático –, essa forma pronominal marca 0.874 de P.R. nesse tipo de predicado.
Consoante afirmamos na seção de análise geral, esse elevado índice resulta da larga
ocorrência de verbos dicendi em nosso corpus, fato que justifica a presença maciça de OD
oracionais. Fazendo a leitura inversa dos pesos relativos, podemos inferir que o espaço
ocupado pelos sintagmas preposicionados nas estruturas ditransitivas seria, preferencialmente,
em predicados com objeto direto nulo ou sob a forma de sintagma (nominal ou pronominal).
Retomamos, a seguir, 2 exemplos já apresentados anteriormente do clítico te ocorrendo com
OD oracional. Ilustramos, ainda, a ocorrência das formas preposicionadas em sentenças com
objeto direto nulo e sintagmático:
(216) “Ontem à noite te prometi que iria hoje à casa de Dona Arminda, porém veja, meu
bem, que minha dignidade manda que eu lá não vá (...)” [21-10-1889]
(217) “Esqueci de te dizer que o ballet ‘Gabriela’ foi transferido para mais tarde. Quem sabe
estão te esperando?” [25-03-1983]
(218) “São 11 horas preciso dormir, se não fosse isso seria capaz de ficar a noite toda
escrevendo ø para ti” [02-03-1937]
(219) “Já não aguento mais falar com voce pela caneta. Não que não goste de escrever ø para
voce mas porque prefiriria não precisar escrevê-las mais sim ditá-las ou dizê-las.” [27-
09-1978]
(220) “Brevemente iremos á Santa Fé. Tua vovó é que talvez, não possa ir desta vez. Quando
eu for levarei alguma lembrança para ti e teus maninhos.” [08-07-1895]
(221) “Foi de uma alegria imensa saber que os tempos que passamos juntas ainda trazem boas
recordações pra você e inclusive pra mim.” [??-03-1982]
dessa construção formulaica em cartas de diferentes missivistas das amostras Land Avellar,
Casal dos anos 1930 e Afonso Penna Júnior:
(222) Edgard Land Avellar: Que você esteja gozando saúde é o que te desejo. (01-06-1913)
(223) Alexandre Penna: Desejo-te muita saúde em companhia de todos aí. (04-10-1915)
(224) Casal dos anos 1930: Desejo-te muitas felicidade assim como aos teus eu e os meus
vamos bem graças a Deus (23-09-1936)
(225) Casal dos anos 1930: Desejo-te que esta te vá encontrar em perfeita saúde assim como
os teus eu e os meus vamos bem graças a Deus (06-10-1936)
(226) P.S. Papae esteve hoje com o Hilario De Gouveia elle perguntou muito por voce e disse
que ia te nomear para uma comissão contra a tuberculose e que pedia a voce para
acceitar e apparecer. Elle parte para a Europa no dia 26 d’este mez (18-10-1899)
(227) “(...) acredito que na occasião te faltará a coragem e a ellas tambem (...)” [05-03-1895]
(228) “(...) nesta carta vou renovar o pedido que constantemente te faço, e, peço que em meu
nome o faças à tua boa Mãe, que, boa como ela é com certeza te atenderá: volta, meu
anjo, volta, querida, porque do contrário eu não resisto mais (...)” [16-04-1891]
O peso relativo também alto dos verbos que veiculam a noção de transferência verbal
e perceptual (0.656) confirma o favorecimento da forma te, já observado na alta frequência de
92,6%. Os verbos de movimento físico também confirmaram o favorecimento dessa variante
frente aos sintagmas preposicionados (0.554), já percebido no elevado percentual de
frequência de 83,7%. De maneira geral, podemos dizer que os índices verificados confirmam
152
nossa hipótese de que o clítico te, por ser a estratégia mais produtiva, vincula-se aos verbos
com a noção semântica básica do dativo (polo de orientação para o qual tendem as
ações/processos expressos pela predicação da sentença). Seguindo a tipologia de dativo
adotada nesta dissertação e discutida no capítulo 2, os verbos de transferência verbal e
perceptual estão bem próximos ao núcleo de significação básica, atrás somente dos verbos de
transferência material. Podemos afirmar, pois, que a alta frequência do clítico te com esses
verbos relaciona-se, de fato, com uma “hierarquia semântica”, na qual a variante mais
frequente é favorecida pelos verbos “prototípicos” do caso dativo.
(229) “(...) fato que aqueles dois dias em que saimos fez-me ver que sempre gostei de voce.
Posso te provar que muita da minha alegria com que me despedi de voce era falsa.” [02-
08-1978]
(230) “Na Faculdade você vai conhecer milhões de pessoas, boas ou más, mas que a cada dia
te ensinarão lições de vida, porque é vivendo que se aprende a viver melhor.” [??-03-
1982]
(231) “(...) tu sabes que só a ti é que pertenço, tu é a dona do meu coração, és a eleita de meus
sonhos, és a rainha de meu pensamento (...)” [19-01-1937]
(232) “Quando estivermos juntos de contarei o procedimento de certa gente, cuja posição vida
e fortuna a ti devem, são uns miseraveis, de alguns terás já noticia, de outros ficarás
153
admirado, tempo ao tempo, nunca imaginei tanta pervesidade Deus He grande.” [15-11-
1893]
100%
81,6%
80%
67,8%
63,2%
60%
49,0% Tu
Você
40% 33,2% Mescla
32,2%
25,8%
17,8% 18,4%
20%
11,8%
0,0% 0,0%
0%
1880-1905 1906-1930 1931-1955 1956-1980
80% 72,7%
60%
Tu
40% Você
22,8% Mescla
20%
11,0%
4,5%
0,0% 0,0%0,0% 0,0% 0,0%
0%
1880-1905 1906-1930 1931-1950 1956-1980
-20%
Gráfico 5.4. A frequência do clítico lhe nas cartas segundo a forma pronominal
do Sujeito na diacronia analisada (1880-1980)
156
100% 100,0%
94,0%
87,5%
80%
60%
Tu
Você
40% Mescla
20%
12,5%
6,0%
0,0%0,0%0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0%
0%
1880-1905 1906-1930 1931-1955 1956-1980
No Gráfico 5.5., notamos que essa variante está, de fato, associada à implementação
do você no sistema de pronomes pessoais, haja vista que sua frequência de uso aumenta
gradualmente do primeiro ao último período, acompanhando a forma pronominal você-
sujeito. Entre os dados de 1880 e 1905, não houve um único registro do para você; este
aparece sempre associado, nos três períodos subsequentes, ao você (vale lembrar que no
contexto de alternância, pressupomos que as duas formas em variação credenciam suas
respectivas variantes). As linhas de tendência confirmam esse comportamento regular e
uniforme.
Diante das informações colocadas pelos três gráficos precedentes, podemos tirar uma
conclusão: a representação pronominal da 2ª pessoa do singular na posição de complemento
dativo no português brasileiro não é absolutamente caótica; 5 das 7 variantes registradas
possuem condicionamentos linguísticos e extralinguísticos bem demarcados, dentre os quais
destacamos a forma pronominal do sujeito. Parece que a entrada do você no sistema foi um
fator decisivo na “vida” das formas pronominais na posição de complemento. Vimos que, em
um período consideravelmente curto, os sintagmas preposicionados a ti e para ti
desapareceram da escrita epistolar de indivíduos situados na cidade do Rio de Janeiro e esse
desaparecimento, evidentemente, está ligado ao gradativo desuso do pronome-sujeito tu. Em
detrimento disso, emergem duas novas formas preposicionadas associadas ao pronome você,
como uma maneira de compensar as outras duas que se perderam. O objeto nulo, uma
estratégia neutra e não associada ao paradigma de nenhuma forma pronominal, manteve altos
índices de frequência, acentuados no período em que a variação entre as formas foi mais
intensa. O clítico lhe, forma que tem sofrido diferentes mutações, não desaparece por
completo – pelo menos no que diz respeito à escrita –, estando, contudo, fortemente
condicionado por diferentes fatores (grau de formalidade, subgênero da carta, forma
empregada na posição de sujeito). Em meio a essas perdas, ganhos e modificações, continua a
prevalecer o clítico dativo te, com uma “força de uso” tão grande que, como vimos, foi capaz
de desassociar-se de seu paradigma original, o do pronome tu, associando-se à nova forma
inserida, o pronome você.
Essa “recombinação” certamente não se deu de maneira tão simples como os
resultados numéricos e os gráficos podem sugerir. Acreditamos que outros processos tenham
ocorrido em torno desse item gramatical; alterações de ordem semântica, gramatical e
discursiva foram, sem dúvidas, decisiva para a “sobrevivência” da forma te. Essa análise, no
entanto, ultrapassa os limites desta dissertação e merecerá atenção especial em trabalhos
vindouros.
158
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base nas discussões apresentadas e a partir dos resultados obtidos pela análise
empreendida acerca da representação da 2ª pessoa do singular na posição de dativo em cartas
particulares escritas entre as décadas 1880 e 1980 por cariocas e fluminenses, podemos
sumarizar alguns aspectos sobre o assunto, descritos e/ou comprovados ao longo desta
dissertação.
Em primeiro lugar, cabe resgatar a questão teórico-metodológica levantada no
capítulo 4 acerca da aplicação do modelo de trabalho da sociolinguística laboviana aos dados
de sincronias passadas. Dada a natureza e especificidade do corpus histórico, vimos que
analisar os dados obtidos a partir de fatores como gênero, faixa etária ou classe social seria
inviável, pois as informações disponíveis sobre os informantes do passado são, em geral,
incompletas, fragmentárias e escassas. Em contrapartida, procuramos demonstrar a
possibilidade de analisar a variação em perspectiva histórica, ao realizar uma série de
procedimentos metodológicos necessários. Diante disso, foi possível observar a dinâmica das
variantes de dativo de 2PSG na diacronia carioca/fluminense e obter resultados valiosos para
o estudo da variação pronominal no português brasileiro.
Verificamos que o clítico te era, de fato, a forma pronominal de complemento dativo
mais frequente na escrita dos informantes da diacronia estudada. Um fato curioso que pôde
ser evidenciado na análise dessa variante foi sua “aparente imunidade” à estratégia utilizada
na posição de sujeito. Isso significa dizer que, independentemente do subsistema de
tratamento empregado nessa posição – exclusivamente tu, exclusivamente você ou mescla
entre tu e você –, o clítico te ocorria e com produtividade relativamente alta em quase todas as
amostras apreciadas, podendo combinar-se com o pronome você.
Outra constatação feita em nossa pesquisa diz respeito ao dativo nulo. Conforme
indicaram os resultados quantitativos, esta parece sempre ter sido a segunda variante de
complemento dativo mais empregada. Além disso, os dativos nulos sofrem uma elevação de
frequência notável após os anos 1930, ou seja, no período indicado pelos estudiosos em que a
forma você começa a ser utilizada em textos escritos com estatuto de pronome pessoal.
O clítico lhe figurou no corpus analisado como uma variante de frequência irregular,
cujo uso apareceu extremamente condicionado a variáveis de ordem linguística e
extralinguística. A referida estratégia não sofreu aumento significativo de recorrência após a
gramaticalização do você. Dito de outro modo, o pronome você, ao passar a ser utilizado
159
como pronome pessoal, não trouxe consigo em grande intensidade a forma de 3ª pessoa do
singular lhe. Esta atua como dativo na escrita carioca/fluminense em contextos bem definidos,
associado, principalmente, a cartas com menor grau de intimidade entre remetentes e
destinatários conferindo caráter de formalidade.
Os sintagmas preposicionados, conforme colocamos por hipótese, registraram baixos
índices de frequência em todos os períodos analisados. Ao traçarmos um paralelo com o
resultado obtido por outros trabalhos (GOMES, 2003; OLIVEIRA SILVA, 2011; LOPES &
CAVALCANTE, 2011), podemos perceber que a distribuição das três estratégias principais
de realização do dativo – clítico, objeto nulo e sintagma preposicionado – corresponde a uma
organização estrutural do próprio sistema linguístico, diferente daquela observada para os
complementos de 3SG, em que os índices das formas preposicionadas superam os índices de
clíticos. Portanto, a baixa frequência dos complementos dativos preposicionados em
referência à 2SG não é consequência da variação focalizada por esta dissertação, mas antes da
configuração do sistema pronominal do português brasileiro. Interessante foi observar, ao
longo do século investigado, o desaparecimento gradual de a/para ti seguido da emergência
de a/para você na variedade do Rio de Janeiro.
No âmbito das Tradições Discursivas, constatamos que os subgêneros do gênero
carta particular influenciaram diretamente a ocorrência das variantes em análise. De maneira
geral, os resultados indicaram que o clítico lhe relacionava-se diretamente ao baixo grau de
intimidade entre missivista e destinatário e, por isso, foi mais frequente em cartas trocadas
entre amigos ou pessoas próximas dentro de um dado círculo de convivência social. Por outro
lado, os sintagmas preposicionados a/para ti foram registrados, em sua grande maioria, nos
dados extraídos das cartas amorosas, com um traço lírico-romântico marcante.
A uniformidade de tratamento não se revelou, na amostra, como uma realidade
linguística concreta na escrita epistolar de fins do século XIX e quase todo o século XX.
Encontramos, em boa medida, a combinação Você-sujeito com te-dativo nos dados de
indivíduos com diferentes graus de domínio de escrita (inclusive entre os “cultos”). Sendo
assim, adotando os resultados dessa pesquisa, não haveria uma motivação/herança de cunho
histórico para a preservação nos compêndios gramaticais e escolares de uma lição na qual é
prescrito o uso uniforme dos pronomes de referência à segunda pessoa.
O núcleo social ao qual pertenciam os missivistas demonstrou ser um fator
extralinguístico determinante para a escolha das variantes dativas. Baseando-nos na
heterogeneidade dos perfis sociolinguísticos encontrados no corpus, tornou-se evidente que
160
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