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Thibaud, Jean-Paul (2010). La ville à l'épreuve des sens. In: Coutard, Olivier; Lévy,
Jean-Pierre (eds). Ecologies urbaines: états des savoirs et perspectives. Paris:
Economica Anthropos. p. 198-213
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Se olharmos mais de perto para os trabalhos sobre a cidade, apercebemo-nos
rapidamente que esta tendência geral encontra um lugar de reflexão particularmente
adequado. Depois da atenção de Henri Lefebvre (1968) às "realidades práticas e
sensíveis" da cidade, são muitas as propostas que visam introduzir o corpo habitante
nas sensações urbanas. A este respeito, a marcha é frequentemente tomada como
ponto de partida para a reflexão e permite problematizar a relação sensível do
citadino com o seu ambiente imediato. É assim que podemos dar conta das formas
como a cidade é habitada e realçar o poder afectivo dos lugares, cultivando um
questionamento do imaginário social (Sansot, 1973; Augoyard, 1979). O sensível é
então apresentado como a instância por excelência a partir da qual a expressão do
habitante é projectada. Ou então, a atenção centra-se mais facilmente nas práticas
sociais dos habitantes da cidade para descrever as suas várias tácticas e formas de
fazer as coisas (de Certeau, 1980; Whyte, 1988). Acções tão banais como caminhar
ou sentar-se são aqui observadas em pormenor, prestando sempre atenção aos
contextos sensoriais em que e a partir dos quais têm lugar. Outros ainda interessam-
se pela sociabilidade em público e pela configuração das interacções sociais
(Goffman, 1966; Joseph, 1998; Thibaud, 2002). As trocas de olhares desempenham
um papel muito importante, testando a desatenção educada entre os transeuntes e
pondo à prova a civilidade do olhar. Finalmente, são as próprias materialidades da
cidade que são postas à prova da percepção sensível, revelando e especificando as
qualidades vividas dos ambientes construídos (Lynch, 1990; Sennett, 1994; Zardini,
2005; Paquot, 2006). Em suma, para aqueles que procuram captar e restaurar a
concretude da experiência urbana, a passagem pela percepção parece não só
concebível como inevitável, tomando uma vertente mais sensível ou mais cognitiva
consoante o caso.
Numa altura em que os problemas ambientais do planeta são abordados com
força e urgência, e em que a natureza pública dos espaços urbanos é fortemente
questionada, uma reflexão de fundo sobre a cidade sensível parece cada vez mais
essencial. Não porque seja necessário acrescentar mais uma camada às
dificuldades de natureza energética, climática, política, económica, demográfica ou
técnica, mas porque se trata da nossa própria forma de habitar o mundo urbano, de
nele encontrar o nosso lugar e de o experimentar nos nossos comportamentos mais
quotidianos. A hipótese aqui desenvolvida é a de que o sensível constitui o pano de
fundo da experiência do habitar, o ponto de encontro entre uma ecologia social, uma
ecologia mental e uma ecologia ambiental (Guattari, 1989). O que está em jogo é
compreender como as grandes transformações dos territórios urbanos são
incorporadas e difundidas na vida quotidiana. Se o domínio sensível pode reivindicar
alguma relevância nesta matéria, é sobretudo porque é uma das expressões mais
óbvias e imediatas do ambiente em mudança. O que está aqui em causa é a
elaboração de um paradigma estético para um pensamento renovado da ecologia
urbana. Um dos problemas mais importantes é desenvolver uma ecologia urbana
dos sentidos que dê acesso aos quadros sócio-estéticos d a experiência
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comum. Como é que o espaço urbano contemporâneo mobiliza a sensibilidade dos
citadinos? De que modo funciona a sensibilidade como analisador e operador das
mutações urbanas actuais? O que é que uma reflexão sobre a cidade sensível nos
ensina sobre as formas de vida e os modos de estar juntos actuais? Que
ferramentas conceptuais e metodológicas podem ser utilizadas para implementar um
trabalho de campo neste domínio?
Estas questões deram origem a várias tradições de pensamento que podemos
apresentar muito brevemente. Sem a pretensão de sermos exaustivos,
mencionemos três principais que têm em comum o desenvolvimento de uma
abordagem sensível da cidade:
- uma estética da modernidade desenhando as consequências das mutações da
grande cidade no início do século passado;
- uma estética ambiental que está particularmente atenta ao lugar e ao papel da
natureza no ambiente de vida;
- uma estética de ambientes preocupada com as tonalidades afectivas dos
espaços arquitectónicos e urbanos.
Antes de apresentar brevemente cada uma destas três perspectivas, convém
notar que o termo estética deve ser tomado aqui no seu sentido primário de
aisthesis, ou seja, percepção pelos sentidos, e não apenas como um juízo de gosto
ou filosofia do belo.
2- Estética da modernidade
Há mais de um século que o pensamento urbano é marcado por diversos
trabalhos relativos à experiência sensível dos habitantes das cidades. A origem
desta orientação encontra-se, sem dúvida, nos escritos precursores de Georg
Simmel, em particular no seu ensaio sobre as grandes cidades e a vida do espírito
(1987), e depois nos de Siegfried Kracauer e Walter Benjamin. Apesar das
diferenças significativas entre estes três autores, podemos encontrar um conjunto de
traços comuns que os aproximam, cada um deles preocupado em articular, à sua
maneira, o pensamento sociológico com uma abordagem estética (Frisby, 1985;
Füzesséry, Simay, 2008). Ao colocar uma ênfase particular na "forma como as
mudanças no ambiente urbano afectam a percepção e a experiência do habitante da
cidade e, ao fazê-lo, modificam o sensorium humano" (Simay, 2005), estes autores
abriram o caminho para uma ecologia urbana dos sentidos que continuará a tomar
forma até aos dias de hoje. Conhecemos os argumentos desenvolvidos no início do
século passado para explicar o processo de estetização da cidade moderna: o
carácter hiperestimulante das grandes metrópoles, o embotamento da sensibilidade
dos citadinos, o desenvolvimento de uma recepção distraída, o primado da visão
sobre os outros sentidos, a perda da experiência comunicável em favor de uma
estética do choque. Todos estes fenómenos informam a forma como a relação
sensível dos habitantes com a grande cidade foi reconfigurada no início do século
XXème .
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Estas obras têm o imenso mérito de mostrar que existe de facto uma ecologia
sensível especificamente urbana, com as suas propriedades e características
próprias. Para além disso, é centrando-se em certas metrópoles europeias - Berlim e
Paris em particular - que estes autores conseguem pensar na transformação das
estruturas da experiência moderna. Não se trata, portanto, de hipostasiar o mundo
sensível, de o colocar como um domínio autónomo livre de todas as determinações,
mas sim de o relacionar com as suas condições de possibilidade materiais, técnicas,
sociais, culturais e históricas. Como sintetiza Walter Benjamin (2003): "O modo como
a percepção opera - o meio em que tem lugar - depende não só da natureza
humana, mas também da história". Por outras palavras, não se pode dar conta da
experiência sensível da cidade sem, ao mesmo tempo, tornar explícitas as
condições que a informam e a tornam possível. Toda a obra consiste então em
mostrar como se deu uma reforma da sensibilidade no início do século passado,
como surgiu uma estética de massas que mobilizou as diversas mutações em acção
na grande cidade.
Os riscos são elevados, exigindo abordagens e métodos de investigação
adequados. Embora Siegfried Kracauer e Walter Benjamin tenham uma orientação
crítica e um compromisso político mais fortes do que Georg Simmel, e embora o
primeiro mergulhe de bom grado na realidade empírica da época enquanto o
segundo privilegia uma arqueologia da modernidade, o facto é que estes três
autores desenvolvem uma postura comum que privilegia os fenómenos concretos e
microscópicos da vida quotidiana. Os novos modos de percepção do ambiente
urbano são encarnados nas acções dos transeuntes, manifestados nas situações
mais banais e materializados no ambiente construído das cidades. Passa-se então
em revista todo um mosaico de fenómenos que dão forma e substância ao mundo
sensível: A reserva dos citadinos que se protegem de um excesso de estímulos, o
face a face silencioso no eléctrico que marca a importância do olhar, os
cumprimentos furtivos dos primeiros taxistas que aprendem a responder à
aceleração das trocas, a profusão de espectáculos em Berlim que anunciam o culto
da distracção, a fantasmagoria das passagens cobertas que consagram o reino da
mercadoria, os efeitos de grande plano e de câmara lenta do cinema nascente que
treinam o espectador na experiência do choque, etc. Em suma, nos pormenores
mais banais da vida urbana, revela-se a sensibilidade de toda uma época.
Em vez de propor um sistema fechado sobre si mesmo, a abordagem consiste em
desmultiplicar as cenas microscópicas da vida quotidiana para traçar um retrato da
cultura sensível moderna. A cidade é então captada nos seus "fenómenos de
importância medíocre" (Simmel), nas suas "manifestações discretas de superfície"
(Kracauer) e nas suas "imagens dialécticas" (Benjamin), que se trata precisamente
de observar, descrever e decifrar. Por outras palavras, nenhuma ecologia urbana
dos sentidos baseada numa posição de saliência, mas antes numa postura de
estranheza em relação às situações quotidianas. Mas, mais uma vez, se há algum
desencanto com a modernidade, ele revela-se mais nas imagens e nas formas do
que no modo como são apresentadas.
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pode ser apreendida por conceitos. Daí a atenção especial dada às formas de
expressão da experiência urbana. É assim que se experimentam novas formas de
escrita para restituir os fenómenos de dispersão e de distracção, as sensações cruas
e as comoções violentas que constituem as atmosferas da época. Fragmentos,
colagens, ensaios, crónicas, feuilletons, citações, constituem outras tantas propostas
formais que permitem ler a estética do choque em acção nas metrópoles modernas.
O discurso linear e monológico é assim substituído por modos de exposição mais
sintonizados com a própria estrutura da experiência urbana. Estamos, sem dúvida,
no ponto de encontro entre a análise social da modernidade e a narração de
atmosferas urbanas.
3- Estética do ambiente
Uma segunda abordagem, mais recente desta vez, e que se inscreve sobretudo
na investigação anglo-saxónica, propõe tomar o ambiente como um possível campo
de experiência estética. Este trabalho visa também ultrapassar a estética das belas-
artes, deixando de apreciar obras ou objectos específicos isolados do seu ambiente,
mas sim os ambientes em que os seres humanos estão imersos. èmeFortemente
inspirada na estética da natureza do século XVIII, esta estética ambiental
desenvolveu-se no último terço do século passado, sob a influência de uma
crescente sensibilidade dos cidadãos para as questões ecológicas. Tomando o
ambiente natural como modelo, interessa-se principalmente pela arte da paisagem e
do jardim, pelos ambientes selvagens e agrícolas. Embora esta abordagem utilize
inicialmente as múltiplas facetas de uma estética da natureza, está a abrir-se
gradualmente aos ambientes construídos e urbanizados, bem como ao vasto campo
da arte ambiental (Blanc, 2008). Obras tão diversas como as que se referem às
fantasias da Disney World, à visão em movimento dos automobilistas, ao design de
interiores, ao passeio na cidade ou às compras num centro comercial podem agora
reivindicar esta perspectiva (Berleant, Carlson, 2007). Isto significa que o termo
"ambiente" já não deve ser tomado no sentido restrito de um ambiente natural, mas
abrange toda uma série de situações comuns. Um desenvolvimento recente desta
estética ambiental levou a que fosse relacionada e articulada com uma estética da
vida quotidiana (Light, Smith, 2005).
Longe de ser homogénea, esta estética ambiental tem dado origem, até agora, a
duas perspectivas relativamente distintas: uma predominantemente cognitiva, que
enfatiza os vários tipos de conhecimento envolvidos na experiência do ambiente, e
uma predominantemente sensível, mais ligada ao carácter imediato, afectivo e
multissensorial dessa mesma experiência (Carlson, 2009). Enquanto a primeira
enfatiza o papel dos quadros cognitivos na apreciação estética do ambiente e a
importância do conhecimento científico e das tradições culturais, a segunda sublinha
o carácter contextual de qualquer experiência estética, a imersão do sujeito
perceptivo no ambiente e a importância da experiência sensorial.
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do mundo ambiente em que está envolvida. Cheryl Foster (1998) distingue, a este
respeito, entre uma vertente "narrativa" e uma vertente "ambiental" da estética
ambiental.
Arnold Berleant terá lançado as bases desta segunda abordagem, de carácter
sensorial e pragmático, ao desenvolver as ideias conjuntas de continuidade e de
compromisso. A ideia de continuidade consiste em questionar uma postura dualista
que separa o espírito do corpo, o natural do cultural, o humano do ambiente. Como
Arnold Berleant (1992) desenvolve a partir de John Dewey: "Não e x i s t e u m mundo
exterior. Não h á exterior. Nem existe um refúgio interior no qual eu possa proteger-
me de forças externas hostis. (...) As pessoas e o ambiente são contínuos. Assim, o
ambiente não é aqui colocado como um mero contentor ou como uma entidade
externa que pode ser estudada independentemente da experiência que evoca. Deste
ponto de vista, os seres humanos estão necessariamente inseridos no mundo em
que participam. É assim que podemos falar de envolvimento estético, uma das
noções-chave da estética ambiental. Em vez de conceber o sujeito como um
observador desinteressado do mundo que percepciona, trata-se de o considerar
como um participante activo nas situações com que se confronta. Em suma, uma
relação de distanciamento baseada numa atitude desinteressada é substituída por
uma imersão corporal que exige uma atitude activa de envolvimento. Note-se, no
entanto, que a ideia de envolvimento estético se presta a numerosos debates no
âmbito da estética ambiental. Alguns autores recusam-se a opor a contemplação de
forma demasiado radical à participação e a privilegiar sistematicamente esta última
em detrimento da primeira (Leddy, 2004).
Por fim, notemos a estreita ligação entre a estética ambiental e o movimento
ambientalista que surgiu nos Estados Unidos na década de 1960. Embora já não se
trate apenas de contribuir para a conservação e a protecção do ambiente natural,
esta orientação ecológica e voluntarista está, no entanto, muito presente nos
trabalhos dedicados às questões urbanas. Tomando nota dos problemas de
degradação do ambiente, a estética ambiental procura as condições de felicidade na
experiência urbana. Embora o ambiente urbano tenha muitos recursos e
potencialidades estéticas, isso não significa que seja sempre adequado para uma
experiência plena. É claro que é dada uma atenção especial ao lugar da natureza na
cidade, mas, como mostra Arnold Berleant (1992), a complexidade do ecossistema
urbano deve ser reconhecida na sua justa medida, olhando para as suas dimensões
funcionais, imaginárias, metafísicas e cósmicas. Assim, são formuladas várias
propostas para identificar os critérios de um ambiente urbano de qualidade
entendido em termos estéticos: um ambiente que favoreça o poder de agir, que dê
origem a uma experiência multissensorial e que implique uma ligação profunda por
parte dos habitantes da cidade. Ao adoptar uma postura meliorista que visa melhorar
a condição urbana, a estética ambiental é então levada a articular
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Trata-se de um campo de reflexão que se interroga sobre a forma como o ambiente
urbano pode incorporar e exprimir valores positivos ou, como propõe Allen Carlson
(2007), "parecer como deveria". Abre-se um campo de reflexão que se interroga
sobre a forma como o ambiente urbano pode incorporar e exprimir valores positivos
ou, como sugere Allen Carlson (2007), "parecer como deveria".
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A experiência do sensorial é um elemento fundamental na concepção dos espaços
urbanos contemporâneos. Hoje em dia, são poucas as teorias urbanas e as
abordagens de planeamento urbano que não incluem, de uma forma ou de outra, a
experiência do sensorial, seja como uma questão de governação urbana, um critério
de planeamento urbano ou um instrumento de comunicação do projecto. Por outras
palavras, o interesse do sensível não reside apenas na voz que abre a uma
fenomenologia da experiência urbana, mas assume também todo o seu significado
na própria construção da cidade. Não é, sem dúvida, por acaso que assim é, uma
vez que o ambiente sensível se encontra na encruzilhada da qualidade de vida dos
citadinos, das estratégias socioeconómicas das cidades e dos problemas ecológicos.
Uma das características mais marcantes da ecologia urbana actual é o facto de se
basear cada vez mais numa política deliberada e intencional de sensibilização para a
cidade, em estratégias explícitas de criação de uma atmosfera nos espaços urbanos.
A prova disso é a tendência maciça (pelo menos nos países ricos) para paisagear o
ambiente construído, para encenar os lugares quotidianos, para planear a animação
dos espaços públicos. Mas se podemos falar aqui de ambientação dos espaços
urbanos, é porque estes modos de intervenção já não actuam apenas sobre o
quadro físico e material das cidades, mas também sobre a sua componente sensível
e imaterial. Por um lado, os espaços habitados já não são concebidos apenas d o
p o n t o de vista visual, mas tendem também a ser concebidos em termos de som,
luz, cheiro, calor e ar. Os projectos de transformação do ambiente urbano envolvem
cada vez mais explicitamente todas as modalidades sensoriais. É como se a
preponderância do visual na estética da modernidade estivesse gradualmente a dar
lugar a um reequilíbrio dos sentidos. A última Bienal de Veneza ilustra bem este
facto, apresentando um estado da arte neste domínio (Storr, 2007). Por outro lado,
esta consideração da dimensão multissensorial do ambiente urbano é acompanhada
por uma atenção acrescida às tonalidades afectivas dos espaços habitados. O
ambiente urbano parece ser atravessado por um duplo movimento de programação
do festivo e de integração do seguro, por um largo espectro que vai de uma
"ecologia do medo" (Mike Davis) a uma "ecologia do encantamento" (Christine
Boyer).
A este respeito, as três estéticas acima apresentadas podem contribuir, cada uma
à sua maneira, para melhor identificar os problemas e as questões de uma tal
ambiência do mundo contemporâneo. Ao conferir ao ambiente sensível uma
dimensão sócio-histórica (estética da modernidade), ao introduzir questões éticas na
apreciação estética dos ambientes urbanos (estética do ambiente) e ao tematizar os
nossos modos de experimentar e fazer o mundo sensível (estética das ambiências),
estas abordagens permitem desenvolver modelos de inteligibilidade das mutações
urbanas em curso. Ajudam assim a questionar o modo como a atmosfera informa a
actual ecologia urbana dos sentidos.
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Por fim, consideremos algumas linhas de pensamento que podem contribuir para
esta interrogação sobre o futuro da cidade sensível.
• Clarificação das utilizações da noção de atmosfera
É, sem dúvida, cada vez mais necessário clarificar os usos que a noção de
atmosfera terá a partir de agora. Tomemos dois exemplos particularmente
reveladores da criação de atmosfera nos espaços urbanos: o do marketing sensorial
(retail atmospherics) e o dos ambientes tecnológicos (ambient intelligence). Por
muito diferentes que sejam nos seus objectivos e nos seus fundamentos científicos,
estas duas abordagens demonstram, se necessário, a operacionalidade da noção de
atmosfera para criar novos ambientes em função das evoluções do mundo actual.
Quer utilizem a ambiência para desenvolver estratégias de marketing e incentivar os
comportamentos de compra (Rieunier, 2002; Grandclément, 2004), quer inventem
novos dispositivos perceptivos e automatizem as tarefas quotidianas (José
Encarnação et al., 2008; Wright David, Serge Gutwirth, Michael Friedewald et al.,
2008), estas empresas propõem tecnologias sensoriais do ambiente adaptadas a
objectivos muito específicos, orientados para estratégias funcionais e
particularmente em linha com os desafios económicos do mundo contemporâneo.
No entanto, é necessário distinguir muito claramente entre estes dois campos de
acção, uma vez que os seus objectivos e efeitos são muito diferentes. Notemos
simplesmente o carácter operacional da noção de atmosfera em certos domínios de
actividade que se inscrevem nas mutações da vida urbana actual (novas formas de
comércio e de distribuição, domótica, realidade aumentada, tecnologias
incorporadas, etc.). Mas atenção, a utilização da noção de atmosfera não se reduz
de modo algum a estas lógicas estritamente comerciais e técnicas. Pelo contrário, a
teoria das ambiências permite-nos precisamente perspectivar as abordagens
excessivamente utilitárias ou instrumentais, questionando de uma nova forma as
nossas maneiras de habitar e de fazer o mundo em conjunto hoje. O problema não
é, portanto, tanto agir sobre os comportamentos para fins comerciais ou mesmo para
aliviar o peso dos corpos dos habitantes das cidades, mas antes questionar o
significado e as consequências de tais empreendimentos. Em suma, para clarificar
os significados da noção de atmosfera, é essencial discutir as premissas científicas,
as apostas estratégicas, mas também os valores éticos que regem as suas
diferentes utilizações.
• Actualização das questões sócio-estéticas da cidade
A definição do ambiente dos espaços urbanos não está isenta de questões socio-
estéticas que devem ser evidenciadas tanto quanto possível. Trabalhar numa leitura
sensível do ambiente urbano requer não só uma observação cuidadosa dos
desenvolvimentos actuais, mas também um olhar crítico sobre os seus efeitos e
implicações. Em suma, trata-se de aprender as lições da natureza social e política
da "partilha do sensível" (Rancière). O que está em jogo é o futuro dos espaços
públicos urbanos e a concepção que temos da nossa capacidade de viver num
mundo partilhado. Este teste sensível do carácter público de um espaço urbano
pode ser aplicado, pelo menos, de duas maneiras. Por um lado, podemos
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A questão é saber se certas escolhas estéticas no planeamento urbano não são ao
mesmo tempo um meio de "redistribuir lugares e identidades" (Rancière, 2004), ou
mesmo de afirmar a preponderância de um segmento da sociedade. Quer falemos
do imaginário eco-sanitário (Parazelli, 2002), do urbanismo limpo (Dollé, 2005) ou do
novo higienismo (Matthey, Walther, 2009), é como se a procura de um ambiente
higienizado fosse acompanhada pela relegação de certas categorias sociais
consideradas indesejáveis. Por outro lado, o controlo crescente do ambiente
sensorial das cidades - através da iluminação, do som, da ventilação, da odorização
e de outras estratégias de animação - tende a produzir espaços cada vez mais
condicionados, deixando pouco espaço para os rituais de interacção entre os
transeuntes e para as possibilidades de improvisação pública (Hajer, Reijndorp,
2001). Será que este novo controlo da atmosfera não corre o risco de produzir
espaços públicos demasiado neutralizados, formatados e pacificados, limitando as
oportunidades de trocas e de pequenas fricções entre os transeuntes? Mas também,
um ambiente excessivamente artificial não conduzirá a uma relativa perda de
contacto com a realidade, resultando num sentimento de estranheza (Vidler, 2000),
numa experiência alucinatória (Bégout, 2002) ou numa percepção anestesiada
(Ingersoll, 2006)? Todas estas são questões actuais que apenas prolongam, de
outra forma, as que decorrem da estética da modernidade.
• Reforma da compreensão no domínio da ecologia sensível
A abordagem dos espaços urbanos através do sensorial exige, sem dúvida, o
desenvolvimento e a aplicação de novos quadros de pensamento. A noção de
atmosfera ilustra bem este facto, revelando um inegável potencial heurístico e
operacional, permitindo colocar questões e formular problemas até agora
negligenciados, mas, no entanto, difíceis de definir teoricamente e de apreender
empiricamente. Isto porque a atmosfera não pode, de modo algum, ser reduzida a
uma soma de elementos distintos, circunscritos e localizados com exactidão, mas
colore a globalidade de uma situação, propagando-se de uma pessoa para outra.
Impregnação, radiação e contaminação são as palavras-chave para descrever este
fenómeno de difusão do sensível. Tal como a atmosfera ou o clima, a ambiência
funciona como um meio que liga as mais diversas componentes de uma situação
sob a mesma tonalidade, conferindo-lhe assim a sua unidade e fisionomia globais
(Thibaud, 2004). A divisão da realidade em entidades discretas é substituída pelo
carácter difuso, indiviso e intangível do mundo circundante. Em suma, o
desenvolvimento de uma ecologia sensível pressupõe uma capacidade de se
emancipar de uma ontologia da coisa, preferindo um pensamento do ambiente e da
relação, baseado numa lógica do vago. Mas, mais uma vez, como acabámos de ver,
isto obriga-nos a questionar a oposição clássica entre o sujeito que sente e o objecto
sentido, uma vez que ambos são, de facto, apenas duas faces da mesma moeda.
Por mais diferentes que sejam, vários filósofos contemporâneos estão a tentar
encontrar uma forma de pensar a relação, o informe, o envelope, o imaterial ou a
atmosfera, categorias que ajudam a emancipar-se de uma orientação demasiado
dualista e substancialista. Este objectivo pode ser alcançado através de uma
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O trabalho baseia-se numa releitura do incorpóreo ou da doxa (Anne Cauquelin),
numa concepção esferológica do espaço humano (Peter Sloterdijk) ou num desvio
minucioso através do pensamento chinês (François Jullien). Todas estas tentativas
têm como objectivo trazer à superfície o que faz parte do mundo ambiente e do
contexto sensível dos nossos modos de vida. São todas vias que contribuem para a
emergência de um novo paradigma que nos permite pensar de uma nova forma o
fundo indistinto das formas contemporâneas de experienciar o mundo.
• Abertura a uma ecologia pragmática da cidade sensível
Estas três primeiras vias, que consistem em clarificar a noção de atmosfera (quais
são os seus usos?), em tirar as consequências práticas desta noção (quais são os
seus efeitos?) e em revisitar os quadros de pensamento em que ela se baseia (quais
são os seus desenvolvimentos?), abrem caminho a uma ecologia pragmatista da
cidade sensível. A este respeito, não se trata tanto de perguntar o que é uma
atmosfera, de tentar definir esta noção de uma vez por todas, mas de perguntar o
que ela faz e se torna, o que é susceptível de fazer e de transformar, quando é
experimentada concretamente e posta à prova dos problemas actuais. Assim, a
questão da privatização do espaço público ou do condicionamento dos ambientes
construídos foi muito brevemente mencionada. Poder-se-ia também perguntar como
é que a abordagem da ambiência abre novas perspectivas sobre as questões da
sustentabilidade ambiental, das alterações climáticas ou da poluição atmosférica.
Afinal, elementos tão diversos como o ar, a água e a vegetação são
simultaneamente factores ambientais e recursos ambientais. Articular uma estética
das ambiências arquitectónicas e urbanas com uma ecologia dos meios físicos e
naturais permitiria, sem dúvida, uma melhor situacionalização e consciência dos
problemas, bem como uma compreensão renovada dos mecanismos de integração
destes problemas na vida quotidiana dos cidadãos. Para além das mobilizações
ambientais que trazem os distúrbios ecológicos para a arena pública, as atmosferas
difundem pistas sensíveis sobre o estado e as transformações do ambiente do
planeta e funcionam, de certa forma, como um guia para a atenção. Também aqui
está em causa o carácter operativo da noção de atmosfera, a sua capacidade de
conduzir a outras perspectivas e de prefigurar novos modos de acção. Em suma,
trata-se nada mais nada menos do que de passar do conhecimento contemplativo ao
conhecimento prático, fazendo do conhecimento um campo de experimentação e
não de representação. Ao colocar a experiência sensível no centro dos problemas
do meio urbano, esta ecologia pragmática preconiza uma prática experimental do
conhecimento e uma revalorização da criatividade da acção.
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