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As Big Techs não são amigas do jornalismo


Acuado financeiramente, em 2021 o jornalismo terá dificuldade de entender que a
"aliança" com as grandes plataformas é, na verdade, uma armadilha

Guilherme Felitti · Follow


Published in O jornalismo no Brasil em 2021
9 min read · Dec 15, 2020

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Pela última década, redações e gigantes de tecnologia vivem uma dinâmica


semelhante à do artista popular que, em calçadões pelo Brasil, dança com uma
boneca de pano colada ao corpo. O dançarino são as Big Techs, enquanto o
jornalismo é jogado para cima e para baixo, sem muita saída, conforme os
movimentos do parceiro. A concentração de poder e dinheiro na mão de poucas
empresas de tecnologia atingiu diretamente o jornalismo não apenas por desmontar
o modelo de negócio no qual redações dependeram por décadas, mas também por
introduzir incontáveis armadilhas travestidas de boias de salvação. Acuados, os
veículos as agarraram consecutivamente, apenas para afundar ainda mais. Ou, para
ficarmos na metáfora do começo, serem jogadas para cima e para baixo pelo
dançarino sem escolha.

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Em 2021, as Big Techs seguirão propondo a dança, mas caberá ao jornalismo tentar
negociar o ritmo.

Uma leve recapitulação de como o jornalismo chegou ao triste papel de boneca de


pano. Nos últimos 15 anos, o mercado de tecnologia se notabilizou por um
sentimento definido pelo pesquisador bielorruso Evgeny Morozov como “cyber-
utopianism”: a crença quase religiosa de que a tecnologia veio apenas para fazer o
bem. O argumento, criticado por Morozov, se apoiava na premissa de que a internet
seria o veículo da democracia em regimes autoritários, mas valia também para
empresas privadas. Essa sensação positiva vinha sempre amparada em
comparações entre o novo e o velho: Amazon nos salvaria das experiências ruins
que sempre tivemos com o varejo físico, o Uber nos livraria dos desmando dos
taxistas, o Google libertaria as informações que editoras e gravadoras insistiam em
aprisionar… Embaladas por essa utopia, grandes empresas de internet ganharam
uma espécie de “carta branca”, escapando de regras válidas a empresas de todos os
outros setores, como regulamentação, enquanto simultaneamente ganhavam a
simpatia do público.

Morozov descreveu o conceito de “cyber-utopianism” em um livro chamado “The


Net Delusion: The Dark Side of Internet Freedom”, publicado em 2011. Na época, o
conceito, de tão polêmico, foi alvo de críticas por ser incapaz de entender que
aquelas empresas seriam positivas para a sociedade, a começar por serviços

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excelentes de graça!¹ Uma década depois, ficou claro que Morozov tinha razão. A
“ciberutopia” ajudou a tirar impedimentos à adoção da tecnologia e ao acúmulo de
riquezas e poder por essas empresas, o que resultou em um mercado altamente
concentrado, desregulamentado e que resolveu, sim, questões sérias na sociedade,
mas introduziu uma série de novos problemas não previstos há 15 anos — na área,
um dos principais é tratar o jornalismo como sua boneca de pano.

Em outubro de 2020, empresas de tecnologias representavam quase 40% no índice


S&P 500 (que agrupa as 500 maiores empresas de capital aberto do mundo), maior
concentração dos últimos 30 anos, segundo análise do Dow Jones Market Data
publicada pelo jornal The Wall Street Journal. Mesmo durante o período da bolha da
internet, quando valores de mercado subiram irracionalmente, o setor não atingiu
tamanha concentração. As sete empresas mais valiosas do mundo são de tecnologia.
Dos cinco humanos mais ricos do mundo, três enriqueceram na tecnologia.

Do ponto de vista organizacional, o mercado de tecnologia é um conjunto de


monopólios: há competição em algumas áreas, mas cada grande empresa tem o seu
— o Google em busca, vídeos online e distribuição de apps (na Play Store), a Apple
também em distribuição de apps (na App Store), o Facebook em redes sociais e
aplicativos de mensagem e a Amazon em varejo online. Em 2020, o governo norte-
americano deu seus primeiros passos mais firmes na tentativa de investigar como o
abuso de poder de mercado prejudicou a competitividade no setor. O processo
antitruste iniciado pelo Departamento de Justiça dos EUA contra o Google deverá
atingir outras gigantes das Big Techs a seguir. No fim, espera-se que os casos
resultem em alguma sanção, da mais provável multa e compromisso de respeito à
competição à improvável quebra das empresas em operações menores.

Na era das Big Techs, tanta concentração de mercado atinge diretamente o


jornalismo. Talvez o mais relevante seja a dependência que veículos do mundo todo
criaram pela distribuição digital de seu conteúdo. Acuadas por um modelo de
negócios baseado na publicidade que não se sustenta mais, as redações viram uma
saída fácil na “aliança” com grandes plataformas. Era uma armadilha — a relação
quase sempre se pautou por promessas não cumpridas, mudanças repentinas de
regras e a priorização de interesses comerciais sobre interesses jornalísticos. Temos
a garantia de que, em 2021, redações acuadas financeiramente entenderão os

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