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Apoiar produções no campo da

ESBOÇO HISTÓRICO pesquisa e da documentação tem


sido,em anos recentes, uma atividade
constante da Fundação Waldemar
SOBRE A PROVÍNCIA Alcântara que, desse modo,oferece
uma pequena parcela de colaboração
para o resgate de registros marcantes
DO CEARÁ do processo de formação da sociedade
brasileira.
A Biblioteca Básica Cearense é
TOMO I uma coleção de obras raras de auto
res que no passado se debruçaram so
Dr. P. Théberge bre o contexto sociocultural do Ceará
de seu tempo e, com isto, nos forne
ceram o principal instrumento de que
dispomos para uma eorreta compre
ensão da realidade atual.
Com o apoio do Ministério da Ciên
cia e Tecnologia, através do CNPq, a
Fundação Waldemar Alcântara ree
dita estas obras após realizar um rigoroso
trabalho de pesquisa e seleção, no qual
foram convocadas a participar destaca
das personalidades do nosso universo
intelectual.
É a expressiva participação nestas
iniciativas de segmentos comprome
tidos com o nosso desenvolvimento
cultural que nos tem permitido cum-
prir, no quadro das limitações própri
as de uma organização não-gover-
namental, este que é um dos princi
pais objetivos da Fundação - o de con
tribuir para a preservação da memória
bibliográfica do Ceará, indispensável
na evolução dos estudos da nossa rea
lidade e da análise do nosso desenvol
BIBLIOTECA BÁSICA CEARENSE
vimento.
FUNDAÇÃO WALDEMAR ALCÂNTARA
ESBOCO HISTÓRICO
SOBRE A PROVÍNCIA
DO CEARA
Coleção Biblioteca Básica Cearense
Comitê DE COORDENAÇÃO
Lúcio GONÇALO DE ALCÂNTARA
Aronso CeLso MacHaDO NETO
MAGNÓLIA DE CARVALHO SERRÃO

CAPA
SÉRGIO LIMA

TRATAMENTO DE CÓPIA
SiLvio JestINO
GERALDO JESUINO

CooRDENAÇÃO GRÁFICA
GERALDO JESUINO
Moacir RIBEIRO

PATROCÍNIO
MinisrériO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA

APOIO INSTITUCIONAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

IMPRESSÃO E ACABAMENTO
Imprensa Universrrária - UFC

Cés FUNDAÇÃO WALDEMAR ALCÂNTARA


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Fortaleza - Ce
Fone: O(xx) 85 227 4577 Fax: O(xx) 85 241 2433
ESBOCO HISTÓRICO
SOBRE A PROVÍNCIA
DO CEARÁ
TOMO I
Dr. P. Théberge

BIBLIOTECA BÁSICA CEARENSE


FUNDAÇÃO WALDEMAR ALCÂNTARA
FORTALEZA - 2001
Ficha catalográfica elaborada por
Perpétua Socorro Tavares Guimarães
Reg. C:B;R: 3 n” 801/98

S 374e Théberge, P. (Dr.)


Esboço histórico sobre a província do Ceará./
Théberge,P. Edição fac-sim.- Fortaleza: Fundação
Waldemar Alcântara, 2001
218p. Tomo I
(Col. Biblioteca Básica Cearense))
Fac-Símile - edição de 1895.
1. Ceará - 2. Ceará - história
1. Título
CDD 981.31
APRESENTAÇÃO

Francisco José Pinheiro


Mestre em História /Professor do
Departamento de História
da Universidade Federal do Ceará
O Esboço Histórico Sobre a Província do Ceará, do
médico francês Pedro Théberge, que morou no Ceará, na
cidade do Icó, entre 1845 e 1864, é um estudo que, de acor-
do com José Honório Rodrigues!, parte do próprio nasci-
mento da historiografia cearense entre os anos 1850 - 1860.
O livro de Théberge é marcado pela preocupação
com a consulta criteriosa das fontes documentais, mas, so-
bretudo, na crénça de se poder fazer um texto objetivo que
se aproximasse da verdade tal qual a ciência dita exata.
Théberge ao se queixar dos ataques que vinha sofrendo de
personalidades que tiveram seus atos publicados, expressa
sua crença na ciência positiva ao afirmar que: “Tenho sofri-
do renhida guerra de pessoas que como personagens pú-
blicas hão praticado ações que não queriam ver publicadas
em tempo algum; mas, pouco apreço a ela dei porque,
como tenho consciência de haver escrito sem paixão nem
preconceito, nem ódio nem afeto; e sem me deixar levar
por opiniões políticas, (...) espero que as pessoas imparci-
ais reconheçam que me hei esforçado por apreciar os fatos
em seu justo valor e que, se algumas vezes errei, foi levado
pela maior boa fé.”?
A importância do trabalho está também no
pioneirismo em que abordar temas como a relação entre os
“colonizadores” e os povos nativos, que ocupa parte signi-
ficativa das preocupações do autor. A despeito da leitura
carregada de estereótipos, o estudo possibilita uma releitura
quanto as concepções religiosas dos índios: “Se os índios
do Ceará tinham idéias religiosas, eram estas mui curtas e
confusas, € não se manifestavam por demonstração alguma
de culto exterior. Todavia tinham propensão para aceitar as
que lhe ensinava”. Ao fazer referência aos Pajés, constata-
mos também que a resistência dos povos nativos pode ser
percebida, quando estes fazem uma releitura da religião
católica: “Seus Pajés, espécie de sacerdotes, ao mesmo tempo
feiticeiros e curandeiros, gozavam de muita confiança en-
tre eles. Os mais espertos tinham torcido o cristianismo a
seu jeito, e anunciavam que do mesmo modo que Deus
havia encarnado em mulher branca, havia também de um
dia se encarnar no ventre de uma índia, e então esta raça
regenerada havia de prevalecer aos brancos, e lançá-los
para fora de seus domínios”.
Nessa mesma linha, o trabalho possibilita a compre-
ensão das formas de enfrentamento e jogos do poder no
que diz respeito as questões pertinentes à territorialidade.
“Quando os missionários os queriam levar para as aldeias,
respondiam: Para que nos levar para outras terras? Estas onde
estamos não são também d'El -Rei? Se é para nos fazer cris-
tãos e filhos de Deus, ele não está em toda parte? (..). .
Sendo assim, colocar ao alcance do público cearense
esta obra, é mais uma importante iniciativa da Fundação
Waldemar Alcântara. A sua publicação justifica-se pela im-
portância que representou para a nascente historiografia
cearense, pelo pioneirismo na abordagem da temática indí-
gena, pelo conjunto de documentos publicados ao longo
do texto, muitos deles desconhecidos para uma parcela
significativa dos jovens historiadores, além da raridade desta
obra cuja última edição é de 1973, publicada apenas a pri-
meira parte que aborda o período colonial. Edição esta que
passou por uma revisão a cargo do historiador Mozart
Soriano Aderaldo.

1 - RODRIGUES, José Honório. Índice Anotado da Revista do Instituto do


Ceará, Fortaleza: Imprensa Universitária, 1959, p. 26.
2 - THÉBERGE, Pedro. Esboço Histórico sobre a Província do Ceará. For-
taleza: Ed, Henriqueta Galeno. 1973, p. 11.
ESBOÇO HISTORlCO
SOBRE

 PROVÍNCIA DO CEARÁ

1869.
V

Lilh.íiuj*! ■(.- S.A.Si.


ESBOÇO HISTOlllC'0
S()bi;k

A província do CEARA’

l>Kh)

DR. P THÉBERGE

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AO LEITOR

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l,m esUiingeiru, resideiili' lia diizuitu aiiiius ii es(:i


província, cminelicndeii escrever lliu aliisloria.
Amigo do Iralvallio, iião se poupou á lides, eiilre-
gando-se lodo á rcalisação d’essa idéa.
1'epois de muitas liiculirações depois de let
(com perda de seus proprios inieresses e saude conipnl-
sado os arcliivos dos carturios, camaras e inalri/.es : lido
0(1, aiiles. deciírado grande numero de documenlos-aii-
llgos ([ue enconirou esjiarsus nas mãos mesmo de parti-
cülaies, chegou a reunir em ordem rlironologica as datas
e acoidecimenlos mais notáveis, fazendo ao rnesuiu leinpo
lima analyse imparcial dos factos em concordância com as
tradições (|iic encontrou no paiz.
Ao conjnnclo deu o titulo de--1'NImív«» lii.slo-
s*ií-o Mobi-e u |ti‘o« iiieia »lo Ceará —
Lsse estrangeiro foi o progenilor do |»ropi'iu (pie es
rreve hoje estas linhas : foi o Ur. Tedro 'riiéberge. de
samlosa memória para os meinhros de sua infeliz íamilia.
i|ue lonto sahia prosar, e, em geral, para Ifolos ariuello:-,
ijue de perlü o conheceram.
VIII.

Preparava-se para entregal-o ao dominio public ,


quando a morte, que nada respeita, cortando-lhe o fi o da
existência, embargou-lhe os passos !
E’ esta a sorte do homem ! vem ao mundo pi ira
soffrer e trabalhar, e trabalha e soffre té que chega a'.o
termo de sua afanosa missão, que nem sempre é cumprid a
satisíactoriamente.
E muitas vezes o seu passamento nada mais é do que
a terrivcl consequência de um trabalho excessivo e fóra
de limites.
Pelo excesso de vida moral, como q ;e vai atro-
phiando progressivamente o phyzico do entt msador, e,
em resultado final, acaba elle por aniquilar-se I 1

Chegando eu em 18Ci ã cidade do Icò, encontre,


esse trabalho.
Tencionei immediatamente, fazel-o reviver, publi
cando-o.
.4s circumslancias anormaes, porem, em qiie poste-
riorraente mc achei, não m’o permittiram.
Airectado de uma longa e grave enlermidade em
paizes longiquos, quando por meu turno me achava na
defeza da causa nacional, vi-me forçado a renunciar esse
intento
A roda do destino ellectuou a sua revolução com
pleta, vendo me eu. afinal, restabelecido de meus males,
e considerado como um dos habitantes d’esta bella e sa
lutar região.
Ainda mais robusto me tornou aapparecer o desejo
de publicar o —EsImVço historieo .soliro a pro-
viueia «Io Ceará —; fiz um appello á patriótica so
ciedade cearense e á illuslre Assembléa Legislativa, sendo
attendido por uma e outra.
Ahi vái, pois, 0 Esiiuço tal como meu pai o dei
xou escripto.
Não me julgando assás habilitado para fazer-lhe
modificações ou correcções, oflereço-o ao publico lal qual
0 encontrei.
.\ãué um trabalho perfeito, dirão todos, nem na for-
IX

ma, c nem no cslvlo. —.Nem por is.so deixa cllc de lenmii-


to merecimento.
K a Ijase de nin Lello e grandioso moiunnenlo, de
cuja decoração futura muitos prelenderári possuir as glo
rias; mas, a da acipiisição e jtreparo dos elcmontos ou ma-
leriaes indispensáveis pertencerá excliisivamente áfiuellc
'lue tomou a iniciativa cm tal emiire.sa.
Sobre lal base, muitos poderáõ lazer os seus estu
dos reiativamente cà liistoria da provincia, modiíicando-a,
ampliando-a, 0 apresentando, em resullado linal, um/i-
(jue satisfaça mais aos leitores, intruiiulo-os pelo
conteúdo, (pie poderá ser ma s variado, e deleitando-o.s
pelo estylo, que poderá ser mais sublime, e pela luireza
de linguagem.
Concluindo, dirijo um voto de gratidão a Iodas
aquellas pessoas que de tão bom grado nie auxiliaram na
realisação d esta publicação, e oifereço-llies ao mesmo
tempo 0 meu diminuto prestimo, não só para o que fór
inlierente ao progresso moral e material da provincia,
como |)ara arpiillo (jnc lhes fór de interesso particular.
Cidade da Fortaleza, 2 de .\bril de I8Ü'J.

Henriqu.í Tliébergc
PROEMIO DO ADTOR.

üstó Iraballio principiou por ser uma clironologia dos


aconmciíncntosmais importantes da província; mas,como
para dar execução áesta lista clironologica nie fosse ne
cessário^ consultar documentos, fui ajnntando grande nu
mero dclles. e gostando cada vez mais de augmental-os,
ao passo (pie os adquiria, áíim deme pôr (em meu pro
veito proprio) mellior ã par da historia do paiz em que
haiutava; e, quando me vi de pósse de tantas peças pre
ciosas, entendi que não devia deixar que cilas se perdes
sem ou fossem destruídas pela acção roêdora do tempo,
e em consequência do pouco apreço que geralmente se dá
aos papéis velhos nos archivos das amaras, Matrizes,
Garlorios e demais repartições publicas;organisei-os por
suas datas successivas, e acabei por ensaiar uma espe-
cie de memórias históricas, que não sei porque erro bap-
lizei com 0 titulo pomposo de « Eslioço histnrico
d’esla província do Cearú. »
Depois de ter mostrado este trabalho á um amigo,
que muito instou comigo áfim de dar-lhe eu publicida
de no/bacto dü Pernamímeo : tendo-o retocado á ponto
XI l

ilcdar-lhc unia iiü\a íónna e muito iii.iior exlonsãu pela


intercalarão no Icxlo ile «raiido parle dos docimienlos mais
iinporlanlcs ipie se aclião em meu poder, euleudi nue nao
devia mudar o titulo primitivo, com o (pial havia saindo
á luz pela iiriiucira vez, muito embora pareça ellc ser de-
iimsiadamente pretencioso.
Como coníésso o peceado, espero merecer a absolvi-
çuo.
Tenho soílrido renhida »uerra de pessoas que como
personagens publicas hão praticado acenes qtie uão que-
reriam vêr publicadas em teiiqio algum ; mas. iioucu apre-
To á cila dei ponjue, como lenho consciência de haver
e.seiiptoscm paixão nem preconceito: semodio nem alTec-
ti): e sem me deixar levar iior opiniões polilicas, que,
emuo estrangeiro, não parlillio com a mesma intensidade
que os naciouaes, espero que as pessoas iinjiarciaes re-
cop.heceráõ que me hei cxlorçado por apreciar os tactos
em seu justo valor,-c ipie, se algumas vezes errei, foi le
vado pela maior hca-fé.
Cidade do kn, 20 de Setembro de ISCí.

l)r. Pedro Tliébenj''.


[Voticia e oi>iiiiãu ilatin.*» pui* iiiii «Iam or;uãu<<
(In rcdncçMU <lo <( Diário «le
Iferuaiuiiiieo o áccrea do—ESK0<”0
lll!^TOIKlC<» .S»lfilKI] A DO
ClíAH×|»clo Dr. Pedro Théliergc.

Em minlm l eceiilo viagem ú |)foviiicia do Ceara, iia-


\eiido uio demorado por al^oins mezes na cidade dp Icó.
alii tive 0 prazer de entreter relações dc amisade com o
lionrado Sr. Dr. 1'edro Tliéherge, que liaannos atli reside
evercendo sua nobre prolissão com plena acijuiescencia
de todos, e que não obstante o temiio absorvido por sua
extensa clinica, não cessa todavia de occu|tar-sc dc tudo
quanto diz respeito áhistoria dessa auspiciosa provincia,
e se refere ao seu desenvolvimento material.
Dillerentes traballios empreliendidos nesse sentido Io-
ram-me oITiciosamente mostrados pelo referido Doutor,
inclusive este de que õra me occupo, cuja utilidade tan
to me impressionou, que pedi-lbc licença para pulilical o
neste Dõoão, dc cuja redacção fazia parte : ao (pie as-
sentiu por deferencia á este orgãodo jornalismo do norte,
mas depois dc não pefiuena hesitação e de modestamente
XIV

averbai csle scii traballij di; ineajiaz d essa honra, ac-

croscenlando que in’o peniiillia ainda por pensar que tal


cominmiicarem-
vez assim despertasse outras pessoas a.
llic observarões ijue porventura tenham leito em sentido
idêntico, áliín de com taes rectiticações raellioral-o o
quanto è para desejar.
Os homens de ietras. porrrn, ajnizaráo por si ir.esrnos
•ácerca de merecer ou não essa honra o — .sltoço^ lii«
soPire n, jM*oviiicia ^lo Cctir«i escri[)to
pelo Sr. Dr Pedro Thèher. e. que em lal cunjuuclura pa
''ecen-me. ler a bossa da pliHognaiinra pouco desenvol
vida, 0 que hoje não é ceininum ; :issirn como decidirão
landiein se faço aloiim serviço ou não com essa publica
rão de cuja falta tanto se resenle o no.ssü pai/., ipae
verdade vai muito atrasado em obras (juc se relirain a
siiahisloria, quer oeral. (juer especial a cada provincia.
!\'o espaço de 14 amuts de residoncia no inierior da
provincia do 'leará, lendo o '-r. Dr. riièhergc percorrido
quasi todas ns suas localiiiades em viagens cunlinuadas,
polo amor que dedica ;is letras, não deixava de eiiqiregar
os instantes que lhe licavam vagos em csludos geographicos
e bisloricos, o o que mais é vendo tudo por si proprio,
já consultando os archivos das amaras, já folheando o
lias Igrejas, e já finalmenlc compidsaiido os antos dos
Cartorios. i'osterior á essa ruminação ou como incuba
rão de idóas. reunindo o resultado d’estes documcnios as
iihservac.ões do historia natural e de astronomia, que es
tiveram ao seu alcance, organisou uma carta da provin-
ria, (|ue acha-se quasi concluida, pois pai a islo lalta lhe
apenas fazer, em alguns (lontos mais iiniiortaiites, obser
vações astronômicas, fundadas na distancia do sid á lua.
jiara, por meio das formulas aproiuãadas, determinar a
respectiva situação com exactidão, pretendendo addicio-
nar á esta carta uma chorograpliia dc toda a provincia,
da qual lia ellc estudado não só o sólo, a climatologia,
as scccas o ns meios possíveis .10 homem de remedial-as.
como também os produetos, os recursos, as industrias e
os meios do desenvolvei as e am[)lial-as.
Julgando no entanto ainda incomplela essa sua olu a,
XV

jiuia ci;ii-lliL'essa i|ualidailc, eiicclou o —


-(jue liojo vai sahira liiz, o (|iial, setiilo"laii ac-
eessorio eraqiictlc trabalho,loclavia ein sua cmifecção Inc-
lüu eile com as (lilliciiidades maiores possíveis, diflicul-
dades que iiinguem ignora existirem no nosso pai/, para
|■screver-se a historia : 'irincii almenle o local, em ipie
muitas vezes SC ; não sane -eiião iidielmento o (luc ainda
lionleiii oceorreu.
Desde adeseohei ta da provincia até a expulsão dos
Ilohandezes, seguiu as chronicas do tempo, íazendo nina
'elecção racional d’aquellas que lhe p.ireceraiu ler o cu
nho daAerdadc pela verosimilhança de seus tactos, II ao
entrando em maiores departimcntns, porqiu' a dcscrip-
eão histórica deve parar aonde começa a lalnda.
Da expulsão delles até a creação dc villas c fregue/.i
is na provincia, poucos documentos autheniics achan-
do-se, a não ser nos livros dos t-ombos, ipie intelizmenle
tèin sido (juasi todos extraviados pelo pouco zelo das re-
partições á quem incumbia a respectiva conservação,
viu-se na necessidade de consultar os documentos avul
sos que pôde alcançar o a tradição.
Mas depois da lundação das villas e creação das Ire-
guesias, apparecendo os an hivos das camaras, dos carto-
l ios e das matrizes, á elles recorreu o Sr. Dr. Théberge,
estudando os factos eox^rahindoo ipio imiiortaxa para .a
sua obra ; falta-lln.', porém, couqiulsar ainda pura com
plemento (Fella os archivos de Aipuraz, oiide ilevem exis
tir não pmicos documentos, por ter essa villa sido a sé-
dc da capitania, não tendo também ainda coiicluido snas
pesqni.sas nos livros existentes na secretaria do go-
veriio '“l qnc datam da separação da capilania do Ceara
■I esta de Í’ernambuco; no entretanto que a respeito dos
tactos oceorridos da revolução de 1817 em diante acha se

_ (‘1 rcsijuisas que elíectuo postcriormeiile á publi-


C<aç30 do Dsboço no Dmrio dc Per7>amhvco, 0 (pio ren-
uiu á b.istoria on deixou em nolas mannscripUis, as qnaes
tenciono intercalar nos lugares convenientes.
11. Tliclicriji.
\V1

(,'omi>lei.iinenlc inslruido com o cslndo, qiio ha feilo,


ijfio só ein livros da referida secrelai ia e das Camaras,
como em diversos apnnlamenlos publicados no Áraripe,
onde 0 respcclivo rodactor e oiilras pessoas lèra dado a
jnz arli^os imporlanles àccrca do tempo falmloso, isto o,
da iloscolaerla o lovoacãoda provincia do Ceara.
ICeslc apan lado da olira c das fontes em que lia
siilo ella bebida, )'osulta (jue não póiic deivar de ser a
incfina de uma importância reconhecida para a historia
gur.il do nosso paiz. sendo portanto jutra desejar que as
p-isoas, que, porventura tenham algum documcnlo im-
fiDr iante, e que não haja n’ella sido .ainda consignado, o
|•^mmuniquem ou lransmitlam-n’o ao referido Dr. di-
ll'l■l ■lmenle ou por inlermedio de-. Á. Wdrxoio Pinto
Itnudeim e Acepolide Vnftconcellos.
ESBOÇO HISTOIUCO
DA

PROVÍNCIA DO CEARÁ.
-y\j

CAPITILO 1.

no.s litclio.«i €nio linlúfiivaiu o feará:seus


e coistiimc.'^.

iNa oceasião lia clio;íada dos Eiiropeos ás praias do


Ceará, nolon-se iini íacb observado cm Ioda a exlousão
das Américas : que u paiz era liabilado por duas raças de
índios, a salier : uns cliamados Tapidat, que loram os
amigos liabiladores d’csto continente.
Klles lallavam innumeraveis dialectos. Iodos dillc-
rentes uns dos outros, c por este motivo crão lamljoin de
nominados índios de linijna travada.
Os outros invadiram 0 paiz n’uma época indídermi-
nada, mas que não parece muito remota, pois ainda st;
acliou tradiçaod’es_le acontecimento entre aquellcs que
c.xistiam na oceasião da desci;berta.
Estes são denominados Tupis, c faliam todos a mes
ma língua, com leves diflerenças : por i.sto são cliania
dos índios da lingua Gcnd.
A ijucstão d’csta invasão, inlinitamcnle obscura, [»or
lalla de documentos, e de tradição, occupará ainda muito
tempo os antiquarios e liisloriatlorcs, cm cpianto não se
conseguir decifrar 0 sentido das numerosas inscripções
o

i]i!0 acham "lavadas süI)I(; (lism’sas pedras, (luc aiiitki


as conservam perfeitas ; inscripçues estas, ([ue devem se
referirá factos riolneis da vida e historia d’estes povos.
Alguns philologos acham uma grande analogia entre
a lingua Tupica c a iLgypciaca dos tempos antigos; e d’ahi
partem para suppôr que a raça Tupica poderia bom pro
ceder de alguma coionia de Kgvpcios, ou Phenicios, que,
vindo de arribada á algum nonto da America Occidental,
se teriam ri’olle estabelecido. n’aquenas éras remotas, e,
depois de grande e rapida multiplicação, teriam invadido
(I resto do continente,
Procuram com anciedado dcicrrninar o typo de sua
escripta, porque, se trella achassem o caracter cuneifor-
me, leriain ã favor de sua ojiiniilo um forte argumento do
mais, e que adquiriria tanto mais força, quanto jác exu-
heranleniente reconhecido que o estylo archilcclural d’es-
tes povos tem a maior analogia com o do antigo F.gyptq,
como se observa nos monumentos encontrados no Me.vi-
CO, e ein outras partes da America.
Deixarei a solução d’esla grave questão as lucubra^
ções dos .archeologos, limilandoune apenas a lazer d ella
menção, c a mostrar que no Ceará também se obscr-
vou 0 mesmo que nas outras parles do Brasil, o da Ame-
rica.
Esta advertência servirá também para a intelligencia
(to texto d’estaübra, no qual nunca empregaremos o
Icrmo TapiMi, .senão como synonimo de Incho dc lincjxm
travada, ou taça vencida.
No Ceará predominava a raça Tapuia, que occupava
quasi toda a sua superticie, á e.xcepção da serra da Ibia-
paba, das imraediações do litloral, perto do lugar onde
se acha hoje a Caiiital, do valle do Jaguaribe, e do ria
cho dos Porcos, onde se encontravam algumas tribus da
laça Tupica. e da nação Cahetés .c Pitnyodras
Estas duas raças dedicavam-se mutuamenle um qdio
e.xccrando, e viviam em guerras continuadas e encarniça
das, tendentes á destruição completa de uma d'> lias.
Cada raça se dividia era nações e estas em tribus^;
cada tribu tinha seu chefe ; e o Maioral dc uma nação
liiilia algiiiuas vozc; iiiuila; Iribus da riiesmanca dabaixa
de sua dopcndeiicia, assim como também Iribus de Ta
puias ailiadas ou vencidas
O Maioral dos Tabajáras da ibiapaba linha o mando
sobre diversas Iribus da sua raça. e sobre outras de Ta
puias. (jue viviam ao redor d’aquelles.
O.s Tapuias viviam muilo isolados, cm Iribus distinc
Ias e independentes umas das outras, fazendo se a guer-
l a entre si, o sempre aos Tupis, contra us quaes ligavam-
se ás vezes muitas Iribus Tapuias.
Desta inimisade incessante veio o uome de Tapuia
que cm lingua Tupi quer dizer contrario ou inimi/jo.
As nações e a; Iribus tinham cada uma o seu nome
prnprio: por isso estes nomes tem causado na nomencla
tura e divisão dos Índios uma confusão difíiciUima de es ■
clarecer, pelo emprego dos nomes das tribus para deter
minar as nações, e reciprocamente.
Outra origem de confusão é a diderença de oringra-
jiliia adoplada pelos diversos autores (]ue tem escri[)to
sobre os Índios.
Também, sua vida nômada, sua retirada para o in
terior do paiz, e o aiqjarecimenlo dt' outros que fugiam
a, vista dos fjiropeos do (à;ará. e de outras parles, vieram
aiigmenlar o cabos (pie já (!xisl;a.
iNão lemos remedio senão relatar o (juc nos com
municaram os clironistas da fqioclia da descoberta, e recli-
llcar do melhor rnodi) (|ue nos for possivel a confusão
desta nomenclatura [irimiliva, uljlisando nos dos docu
mentos subsequentes, que podemos adquirir.
A razão da predominância dos Tapuias no Ceará, e
outras regiões circnmvisinlias. explica-se bem.
I.ançados fóra de suas terras pelos invasores vindos
do poente, procuravam as regiões seceas e aridas dos ser
tões do í',eai-á, Piauhy, Kio Grande do .rtiorle, etc., onde
deveram o não serem mais perseguidos á esterilidade
natural do paiz.
Cslas Iribus distinguiam-se por suas b?llas fôrmas,
e por uma mansidão caraclerislica, visto que não comiam
-4-

seus c?,f)livos ; 0 que faziam aos seus proprios mortos,


como ultima prova d’amisade.
Astribus que vamos citar eram compostas de eslre-
nuos guerreiros que viviam nômades ; entre ellas, toda
via, algumas tinliam estabelecimentos permanentes, e
até mesmo exercitavam a agricultura.
As i)rincipaes tribus encontradas pelos primeiros
descobridores do Ceará foram as seguintes ;
Os Tabajdras da serra da Ibiapaba. nação ([ue tinha
i^rande numero de tribus ; eram de raça Tupi, c tinham
por chefe Tagudibunussú [grande phantasma prelo), que
0 padre Vieira traduz por grande demonio. Eram valo
rosos guerreiros, e praticavam a antliropbphagia, não ob
stante se applicarem á cultura do mUho c da mandioca.
Traziam debaixo de sua sugeiçao as seguintes tri-
hus Tapuias: os Tucurijús, que assassinaram ao pé do
altar o primeiro Missionário que para lá foi, o padre Fran
cisco Pinto ; os Curulís que, como os precedentes, mo
ravam na chapada da serra ; os Camamús, os Anacés, G
os Acriús que habitavam diversos pontos da bacia do rio
.^caracú.
Todos estes Índios foram aldeiados c catechisados
pelos Jcsuilasdo Maranhão, ds ItàüO em diante, nas al
deias situadas onde existem hoje os povoados de Villa-
Viçosa, San PedrodTbiapina. e SaiFBencdicto.
Os Terevicmbès, grande nação Tapuia que occupa-
va 0 terreno situado entre a Serra-Orande e o mar, desde
0 rio Acaracú até o Paraguassü (Parnahyba). Tinha por
chefe Jnriparigiiassú, que na lingua d'elles parece tam
bém significar grande diabo Foram aldeados no lirn do
século 17.“ pelos Jesuítas, e depois transferidos para Al-
mofala.
Os Pa7'angabas, nação Tupi, que Moreno encontrou
nas visinhanças do Presidio que estabeleceu, e que re
duziu a se aldear perto da lagoa d’este nome, hoje lagoa
deArronebes ; também tinha debaixo de sua dependên
cia, á titulo de alhadas, as tribus Tapuias Guariacés e
■(aguaruanas, que habitavão perto do littoral, entre o rio
C';/r»eo .karacíí, perto ila Serrada Urubuielan:-a. Fo
ram lambem calechisados e aldeiados pelos Jcsuilas.
Os Parna-mii'ins e os Pavpinas eram oulras Iribtis
da lingua Geral, que se aldeiaram em .Mecejana, e foram
educados pelos Jesuilas. Foi esta aldeia, cujo chefe se
denominava d/yoiiíío, q»e o primeiro Governador do Ma
ranhão foi visitar na sua i issagem pelo Feará. Foram el-
les que ajudaram os HollanJezes a tomar o Presidio do
Ceará. Ksles índios habitavam o littoral, desde Meccjaria
até ao 1’irangi.
Os Caucains, também da lingua Geral, residiam
perto d'ahi, visto que foram aldeiados na Missão do C.au-
_
ia, hoje Soure ; mas. nada pude adquirir que lhes dis
sesse respeito
Os Ptlaffuiíras formavam diversas tribus no valle do
baixo .laguaribc : foram ellcs que lançaram íóra do seu
estabelecimento do Jaguarihe o aventureiro Pedro Coelho,
em <004. Uma destas tribus (todas da raça Tupi); a
rios Papanis, foi a que oppoz grande resistência durante
muito tempo aos progressos da colonisação pelas margens
do Jaguarihe, o despertou medidas de rigor da Junta das
Mis.sões.
Os Camndás, de raça Tapuia, occupavam as verten
tes do rio Curú. ao poente da serra de baturilé, e foram
com os Qnixolós e Baturiíés reunidos em Missão pelos
Jesuitas no lugar que ainda hoje conserva seu nome.
Os Pamciís. Índios qne julgo da lingua (ieral, re-
sidiam entre os rios Pirangi c Choro, ao nascente da
serra de naturité ; foram reunidos em Missão por Padres
seculares, c ao depois educados pelos Jesuilas, e aldeia
dos eni Monle-múr-Velho. O que me leva a pensar que
sam Tupis, eo facto de lerem sido reunidos aos índios
de 1’orlo-Alegre, que eram Pitagudras, e ulteriormenle
restiluidos á sua antiga Missão de Monle-mór-Velho. To-
davia o \isÍtador Saldanha aílirma que eram de linuua
travada. ^
Osíicnipapose Baturiiús eram Tapuias que occupavam
a chapada da serra de Baturilé, e os sertões ao sul d’ella.
Unconlro nas chronicas os nomes de diversas tnbus.
-6-

sobre as qiiacs não piido obler norão a!"uma ; pnr islo,


copiariá o qiio encontrei nos aiUores á sou respeito.
Cilam-sc os Unaioa, que envenenavam snas freebas ;
os .faònrieç, .Ipwycircs, que viviam sempre errantes, e
não tinham outra arma senão massas; os Pahes. que
andavam cobertos com uma túnica, e fallavam uma lín
gua dilTerente das outras; os (Juexarrís, que occupavam
0 interior da proviiicia ; os Mandavés e^ i\’apords, que
cultivavam a terra; os Campéos, que não comiam car
ne humana, mas cortavam a cabeça aos inimigos, e ira-
dam sciis trophéos na cinta : os Aquigiros, verdadeiros
pygmcos, mas mui valorosos.
Além (bestas tribus, muitas outras viviam no mte-
l ior, as qiiaes nunca foram bem coiibecidas pelos colo-
nos. pori|ue ao passo (jne a colonisaçao fazia progressos,
ellas mais se internavam no jiaiz
Uin século depois da descoborla du Ceara, quando
já os edonos se liaviam eslabelecidn nas exlrcmas me-
lidionaes do interior, a conlinarcom l ernamljnco, Pa-
rabvba, e Pianby, enconlraram-seos povoadoresdo cen
tro d’esta provincia com as seguintes trilnis ;
Os Icóa, grande e numerosa tribn qno liabilava as

ser.‘'anias situadas entre o rio Salgado e o rio do l’ei.\e ;


foram ailrahidos para a Missão da '^erra de l’orlo-.\le-
gre, no llio-Orande do INorlo, onde loram aldeados. Eram
de rara Tapuia.
Os Icósinhos. Iribii Tapuia cpio habitava perlo do
sitio aonde se acha boje a cidade do Icfj.
Os Citl'íh(i<;as, onlralribu da lingnaIravada, vivendo
nas margens do rio Salgado, onde se acha hoje a vdla de
iMvraa.
OiClíocós, da raça Tupi, (lue vagavão no valle do
riaclio dos l’orcos, e no pé da serrado Araripe.
Os Qfúpipaus, tribn feroz (|uc lambem Ircquetdava
as mesmas paragens.
Os Cnrnds habüavam o lerrilono que lhes tornou o no-
rne ; foram aldeados por carmelitas em Missão-Velha e
Nova, na Salamanca, hoje Bai ballia, no Miranda, ‘ lioje
Grato. Eram Tapuias, como todos os (pie seguem.
-7

09.CiiriÂs esleiidi.iin-se ptlovnlle du liüclio, (resk*


Rümf’, 0 do riü Rostiões. Id aiii iidmisos dos Carii is, :i.
iineiii dÍP|iiUavani o rospcctko leirilorio.
Os ./íjcd.v 01'cuiiavani as ii)ai'_'cns do njclio d’i'sic
iioinc ; orara ra ui yiioircirus. o ^'oslavaia daiíucri^a para
reroni occasião tio espoliar os brancos i|iio cahiara najio-
Icja, (|ner lossoni df) seu. i|uer do partido cijiilraiáo.
lislas tres uilimas trdms íoraiii reunidas em 1701.
para povoarem a Villa nova do ('.ralo.
Toilo.s os seguintes uiara laraboni Tapmas.
U.S (.bfi re/ói enlregavani-se cora paixão ás raiunas.
Dei\araiu-so aldear cora facilidade na Missão ila ledlia :
laas.corn a raesina facilidade, abandonavani-iia para irera
pilhar c roubar, .ia disse que forara rcraiidos aos ('.aniiides
►' Dalnrilés, para povt)arera a villa de Monte ra m- .Nuvo.
Os hihamiins lnd>ilava!n nas margons do.t.ignaribe.
entre os Onixolós e os Jiica-^ ; loram aldeados era aii-
fdídlieus [lor frades carraelilas. ^ sua ('siada entro os
Montes 0 os Feilosas foi causa de sereiu coiiipleiainenle
dcslruidos na guerra (pic se lizcram estas duas laniilias,
nos principios do 18 ° século.
I■'slas forara as Iribus mais conhecidas o eiijos no-
ra cs encontrei nos diver.sos docranentos que consultei.
Todas elhiS desappacerara coraplelanienle. ou pela per.ce-
guiçãü dos invasores, ou pelos olfeitus de nossa civilisa-
ção ipie não convinha à sua nalnreza, ou pinlim pidas
moléstias opideuiicas que lhes Irouxcmos da láiroini, corao
a bexiga, o sarampo, o oulras que os decraioii repelidas
vezes.
Kslas diíibrcntcs ti ibus viviam isoladas umas das ou
tras : algumas vezes, iioréni, alliavain-se cora as \isinlias,
oulr.is vezes consliluiain-se suas inimigas oiicarniçadas :
'rora estas entãoenlrelinbam guerras continuadas, ao
passo que com su.as ailiadas eram lieis.
8c os índios do l earà tinham idéas religiosas, eram
estas mni curtas e contusas. e não sc maniípslavara por
demonstração alguma de cnllo exterior. Todavia tinham
propensão para aceitar as que se lhes ensinava (.tuaralu
os .Missionários os queriam levar para as aldeias res[)U[i-
-8—

(liam; t Para (/W’nos levar para outras (erras?... hs~


tas onde estamos não sam lambem d'El-Ueil Se é para
nos fazer christãos c fdhos de Deus, ellenãocstd em toda
a parte ?... Aceitavam com facilidade 0 que se lhes en
sinava, e com a mesma facilidade o esqueciam.
Seus Pagés, especic de sacerdotes, ao mesmo tempo
feiticeiros e curandeiros, gozavam de muita confiança en
tre elles. Os mais espertos tinham torcido o chrislianis
mo ásengeito, e annunciavam que do mesmo modo que
Deus havia encarnado em uma mulher branca, havia lam
bem de um dia se encarnar no ventre de uma índia, e
então esta raça regenerada havia de prevalecer aos bran
cos, e lançai os para fóra de seus dominios.
Persuadiam-se de que no centro da terra cxisliani
aldeias, p.araonde iam seus mortos viver na abnndancia
e no descanço ; especie de repetição da fahula dos t.am-
pos Flyzios dos Pagãos Europeus.
Eliesnão linhão idea alguma de propriedade territo
rial ; viviam n’uma especie de cummumdade de bens. a
tal ponto que aceitavam sem repugnância alguma a idéa
de serem as terras do Brazil propriedade d El-Uci.
A sua moral era muito simples. Tomavam o seu ali
mento onde quer que o encontravam, em quanto outra
tribu mais forte não os vinha expulsar do lugar onde o
achavam. Também a idéa depatrianão predominava en
tre elles, pois que deixavam sem pezar o lugar onde não
achavam mais com facilidade o seu sustento, c, n’esla
oceasião. queimavam todos os ulensilios do seu uzo,
excepto as armas.
Suas mulheres quando solteiras eram pouco obser-
vadoras da honestidade, aponto que os pais as entrega
vam aos estranhos que iam viver entre elles; porém
depois de casadas eram fieis á seus maridos, e mesmo
0 adultério era tido por uma grande falta.
Elles. em geral, eram susceptíveis de crear amisade,
e n’ella eram muito lieis, mas ao mesmo Icmpo muito
desconfiados; qua'quer suspeita, mesmo infundada, os
levava ã excessos terriveis.
Praticavam religiosamenle a hospitalidade.
—!)—

Suas armas mais usuacs eram arcos de madeira du


ríssima, com cordas de diversas sulistaiicias íibVosas .
como algodão, craiiáe licum, especie de fibras rjuc sabiam
extrabir da folhada carnaúba n^s freclias de que se ser
viam eram feitas de canna silvestre. armadas
, d’uma
ponta mui aguçada de zagaia feita de madeira rija, e
guarnecidas de dentes entalhados, ora de um só lado, ora
de ambos, succedendo que ás vezes guarneciam-n’as de
ossos, de espinhas de certos peixes, e ern seguida de lan
ças metaliicas que adaptavam na extremidade da frecha
por meio de embiras, de um modo muito asseado e se
guro ; e na outra extremidade amarravam pennas para
guiar a frecha na sua Irajectoria.
Estas pennas tem uma disposição bem digna de re
paro : ellas sam dispostas em fórma de helice na liastea
da frecha, de maneira a lhe imprimir na sua trajeoloria
um movimento de rotação sobre seu proprio eixo.
Mal sabia sem duvida o autor das carabinas Mimés,
armas tão gabadas pelo grande aperfeiçoamento que se
deu ao projectil, imprimindo-lhe este mesmo movimen
to de rotação sobre o seu eixo longitudinal, que os ín
dios da America já tinham descoberto este tão notável
aoerfeiçoarnento na arte de dirigir e regularizar a mar
eia dos projeclis emsua trajectoria, eque ha bastantes
annos que delle usavam.
Depois que fiz esta observação, tenho visto grande
numero de frechas apparelhadas com pennas, e todas
tem a mesma disposição.
Perguntando a um índio que apparelhava frechas
na mmha^ presença a razão desta disposição, e porque
motivo nao deitava as pennas parallolamente ao eixo:
lespondeu me que esta disposição era necessária para
que ellas .'íe não desviassem da direcção que se lhes dava.
Esta observação me foi feita em 18'i8, quando ain
da nao tinlia noticia das taes carabinas, as quaes. alguns
annos depois, me vieram dar a explicação do motivo°qne
-10-

Ifvaos.Indios a amarrarem as peimas direclrizcs de suas


Irechas em fôrma de helice. (1)
Algumas tribus tinham por costume envenenar a
ponta da zagaia, de maneira que toda a ferida que por
tlla era feita tornava-se mortal. Outras usavam de pi
ques de madeira dura tostada e aguçada nas duas extre
midades, e algumas vezes com dentes entalliados.
Usavam também da clava mais ou menos comprida,
e feita de madeira durissima com dous gumes, da qual
serviam-se cora uma destreza tal, que quasi todos os seus
golpes eram mortaes. Os arcos eram tão fortes que al
guns, para armal-os, deilavam-se de costas, retinham o
àrco com os pés e a corda cora as mãos, e assim lança
vam a frecha para o ar, onde ella descrevia uma curva e
ia cahir quasi sempre no ponto de mira.
Outras tribus que se entregavam á agricultura, cul-
livavam a mandioca, com que faziam massa ou farinha,
e com __ suecos d’esta raiz bebidas fermentadas ; o
os
mesmo praticavam com o cajii e outras fruclas que dei-
lavam a fermentar, e depois bebiam com excesso. Oulti-
vavam igualmenle a banana e certas raizes alimenticias,
que variavam coufòrrae as localidades.
Suas povoações compunham-se d« cabanas feitas de
ramagens ou de folhas de certas palmeiras, reunidas em
aldeia, umas vezes cercadas deespecies de muralhas de
terra ou madeira em estacada, outras vezes com fossos.
álim de portal fórmadeter os inimigos da Iribu, que
continuamente andavam na diligencia de sorprender ou

queimar estes povoados.


(1) Foi justamente esta observação feita sobre as fre-
chas dos índios que induziu o inventor das supraditas ar
mas a raiar-lhes o cano em fôrma de helice, áfim de
dar ao projeclil ura movimento de rotação sobre o seu
proprio eixo, diminuindo, assim, a resistência do ar e
os desvios lateraes do projeclil, imprimindo á este maior
velocidade, e tornando o tiro, por conseguinte, mais
certeiro e eflicaz.
II. Tliéberge
-1 1—

Cada Iriljii linlia sen ctiefc, (jiio era nm dos gnciãos


e 0 mais valoroso, o fjual a conduzia á líiierra. Trazia
alguns dislinclivos da sua dignidade, o a respectiva auto
ridade cm tempo de paz era mui limitada.
Sustentavam se de mandioca, c de outras raizes
produzidas pelo.s lugares onde residiam, assim como do
producto da pesca e (Ia caca, conIVirme as localidades.
.'\s mulheresè que tratavam da cultura destas plantas,
e da sua prepara(;ão ; ellastaziam íarinha para provisão
nas suas expedições de guerra ou caça, e arranjavam cer-
as Ijebidas fermentadas com os suecos reduzidos das
Imesmas plantas ; os homens só se occupavam da caça e
tia guerra.
As liebidas fermentadas eram conservadas cm gran
des vasilhas de barro, grosseiramenle fabricadas. NaPi.a -
ra da Ibiapaba vi nTimermo, em cima da chapada, uma
grande reunião d’eslas vasillias, que evidentenienlc fo
ram dos índios, ponjue achavam-se n’um lugar onde os
colonos não haviam ainda peneirado, e com o (jual hoje,
mesmo não ha muita communicação, por causa da falia
absoluta dagua n’aquella localidade. Nnt.ava-sc alli amon
toado nm grande numero dellas, de fórma diversa o de
maior ou menor capacidade, eni geral mui grosseirameii-
te fabricadas e de um grande peso, mas muito bem co
zidas.

Ainda boje existem no mesmo lugar mnilas, que nãi>


se podem exlraliir jtor causa do ícu grande peso, e da
descida da Serra, que não permitte iransporlal-as ; os
moradores do Cococi, porém, tem trazido para suas ca
sas as mais maneiras, e vi muilas (pie servem de ba
nheiros.
Em ouiras muilas parles Icin-sc encontrado, cm lu
gares novamenle explorados, colleccões destas vasilhas.
-Nos Unhamiins. perto do lugar onde sam ellas achadas,
véem-se, n'umsaccoda írerra, os vesligios de uma al
deia forlilicada, formada toda em ròda pelas talhadas
— Vd~

(ji«? J.i descreví ; e na sua cnlrada, íjiie não tem dez


1'assos de largura, existe uma muralha de grossas madei
ras que revela os restos de uma estacada: no recinto
encontram-se caveiras já muito antigas, cujas fôrmas rae
deram a conhecer claramente que eram de índios.
Weste campo fortificado ainda se depara com eslacas
isoladas, no topo das quaes se acharam craneos huma-
rios.

Para corlar as arvores e apromptal as, usavam de


machados dhirna pedra duríssima, do natureza siliciosa,
composta de granulações de um verde escuro, unidas por
imi cimento também silicioso. Fiz acquisição de dous
(1’esles machados, sendo as pedras d’elles da natureza
(fossas á queo vulgo chama de corisco. Uma tem a fôr
ma de cunha, com um chanfro collifíárme na sua extre
midade grossa; e para com ella formarem o machado,
rachavam um pedaço do pão, e na rachadura adaptavam
0 collo d’ell3, apertando em seguida com cipijs as duas
parles d’essa rachadura. adiante e atraz da pedra, de ma
neira que assim licava ella muito segura neste cabo.
Fsla pedra cuneiunine tem perto de ura palmo de com
primento. A outra, como a primeira, (i uma especie de
jade, mas tem uma contiguração muito diversa : (i um
crescente cuja convexidade fôrma o gume, e a concavi
dade as costas grossas do machado. Da parle central
da concavidade parte um loco talhado tamhem em fôrma
de garganta, o qual servo para a collocação de um caho
(corao no precedente. (3)
Ah''m destes machados, adípiiri outras pedras da
mesma qualidade, mas de loimas variadas ; as quaes

(2) Talliadas que se acham descriptas pelo autor na


chorograidiia da provincia, que está ainda inédita.
(3) Os dous machados supracitados acham-se hoje
em poder de S. iM. o Imperador, á quem, depois da
morle de meu pai, fiz presente, assim como dous arcos
de índios cora as respectivas frechas.
7/. Théhcnjc.
-13-

seiulo cm geral peí|uenas, rae jiarecem mais próprias


para eníeilesoudislinclivos do que para oulros quaes-
quer usos
Os índios moradores na cosia do mar cnlregavam-
se a |)escaria em jangadas, feilas de peças de páo mui
leve ligadas enlresi ; lambem usavam de canoas de ma
deira.
)ii disse que s Tapuias eram menos propensos á
anlliropopliagia doioieos índios de raça Tupica; mas
não se deve lomar esla proposição n’nm senlido geral.
Idles lambem por vezes comiam seus inimigos, depois de
os iralar o melhor que podiam duranle seu caplivciro,
aíim de os engordar, chegando a dar-lhes mulheres para
sen uso duranle este lernpo.
Os índios do litoral Iralicavam mudo cora os estran
geiros, e parlicularmenle com os Francezes, cujos na
vios vinham carregar ambar que abundava nas costas,
pao brazil e violete muito communs n’aquellc lempo era
lodo 0 liloral do Ceará.
Os Francezes linham merecido a confiança dos in-
digenas pela lealdade que observavam iiara com elles
nas suas relações ; e islo a tal ponto que nunca os mata
vam. Os Portuguezes, sabedores da amisade que os In-
dios consagravam aos Francezes, quando eram por elles
capturados, diziam se pertencer á esla nação ; então el
les, nao obstante o odio que lhes dedicavam, poupavam-
n os, conhecendo mesmo o engano ; mas,antes queriam
enganar-se do que correr o risco de faltar á fé que de
viam aps sulidilos Francezes ; allendiam ao reclamo em
altenção a estima que tinham à nacionalidade recla
mada.
Todos os indigenas linham [irimitivamenle um hor
ror e.vecrando á toda e qualquer espccic de sugeição, e
sobretudo ao trabalho. Entregavam se com prazer á
guerra, á caça, e ã pescaria ; lodo o trabalho domestico
era executado pelas mulheres. A transição repentina da
ociosidade, a mais completa, ao trabalho rigoroso e for
çado, que os colonos d’elles exigiam, quando aldeiados.
loi, á meu vêr, uma das principaes causas da cxlincção
— 14—

coniitlela da raça indigcua. Km menos de dons séculos


(lesappareceram csles miseráveis da face do Brazil, sua
patria.
I’or vezes me lenlio encontrado com índios no esta
do vagabundo pelo interior das florestas, e sempre lhes
achei a cutis das mãos fina, macia e isenta de calosida-
des, como as das pessoas que não traballiam. Algumas
ve/.es sam chamados pelos moradoi’es das visinhanças
para trabalhar em roças ou outros serviços manuaes:
cora i)Oucos dias não pódem continuar, em razão dos
csiragos (pie resultam de sua falta de habito do tra
balho.
Como aschronicas que tratam dos Índios se acham
reclieiadas de bellas o frequentemente inexaclas descrip-
ções de seus costumes, aqui rematarei o que tinha que
dizer sobro este assutnpto, átim de evitar o escollio, para
0 (juai os oiilros se deixaram levar.
C.APITl.LO 11.

Uc‘^col>riui4>ii<o «h» CcHi-á |k-Ios I>ui><ii»iic-


ze-: seii.N primcíro^i «‘.•^Oilieleciuieutos
II olle ; cx|Miisao do.s Fr3tiicezc.>j «Io .Ma
ranhão.

Poucfi feiiijio (.lepois da tioscoborla do Ürazil, pur


occaMr.o (Ia ropai líção d osla região (oii capilaiiias, de
cue D. João lU fez doação a alguns dos seus vassallos,
0 teiriloiii», (jiie liüjc consliliieo ('.eaiá, coiiipreluMididu
cidão na capitania do Maraniiãu, coube au liisloriador e
honieiri de estado João dc liarros, lão conliccido por suas
betadas : mas este, como fosse [(ohrcej.ã idíjso. não se
'juiz aventurar a vir colonizar a sua capitania, \ssociou-
<e pois para este fim ã Luiz de .Mello c Silva, o (lual ar
mou uma llotillia de cinco navios, e n elia partiu em
15o4 para 0 Maranliao com dons lillios do donalario ;
mas esta expedirão, perdeu se compictamente idnns bai
xos, com excepção( e um unico navio, em (uie se salva
ram es filhos de liarros.
16-

No sc"iiiiilc anno du 1636 o dorialario escolliou


OMiro soei()'' Y), Ayres da Cunha,(juc armou uma segunfla
llolilha de 10 navios, e parliu oulra vez com os dous li-
llios de Harros. \ esquadrilha chegou eHeclivamenle á
barra do Maranhão, mas ahi perdeu-se sobre os baixos
da entrada que formam 0 canal. (5)
Os naufragos, depois de lutarem muito com a morte,
salvaram se cm parte n’uma ilha situada na embocadu
ra do rio, d’onde foram ao depois recolhidos por um
navio porluguez; mas os tilhos de Darros, mais infeli
zes, acabaram ás mãos dos 1’itaguáras, Índios mui lero-
zes da rara Tupi, que occupava esse terrilorio.
Estes desastres esfriaram por tal modo os a?enlu-
ro.iros, que não consta mais a existência de alguma oulra
expedição que da Europa viesse em direitura para o nor-
le do ífrazil.
Nestes lempos um capitão francez natural do porto
de Dioppe, na Normandia, de nome .Iaquc.s Ritault. des
de alguns annos frequentava as costas do Maranhão e
Ceará, commerciando com os índios,os ((uaes tratava com
tal bòafé que pôde conquistar a amizade e inteira confi
ança da parle d’elles. Nu intervallo de suas viagens cos
tumava sempre deixar entre elles alguns dos seus compa -
nheiros, tendo sido Montbille um d este numero.
Em maiodcl6!)i voltou ao Brazil este capitão
cnm 3 navios bem e(|uipados, e aportou ao .Maranhao,
«lide foi bem recebido ; de maneira que regressando a
''() Segundo BobertoSouthcy(llisl. do Brazil, tom. 1
pag 83), João de Barros dividiu ãsua concessão com Fer-
riío Alvaresdc .Vndrada, pai do chronista, e com Ayres
da Cunha.
í6) Segundo o mesmo historiador 11. Southey (tora. I
pag. 83), ostaes bai.xos não se acham na embocadura do
immenso rio, como se suppoz, mas sim lhe demoram mais
de cem léguas ao sul, perto da ilha em que se salvaram
os sobreviventes, e que ora, graças á este erro, e conhe
cida pelo nome de Maranhão.
II. Thêberge.
-17-

França, etnprehendeu nova viagem , e trouxe ^ mais


gente, com um chefe chamado'iclnr Des Vaux, que foi
0 fundador da cnlonia franceza do Maraidião
Teve a habilidade de concili r a amisade dos Índios
Tiipinamhás. que residiam nestas paragens, e por esl-
meio alcançou delles a possessão de toda a ilha situada
na bahia do Maranhão.
Em consequência d'isto, partiu immediatamente
para a França, afim de solheitar (l’El Rei Henrique IV.®
a autorização, e sua real protecção para fundar n’esta
parle da America ura estabelecimento seguro e perma-
iienle.
Tendo sido attendido em sua pretenção, tratou de
organizar uma companhia, que denominou com o titulo
pnmprtso de Companhia das Índias Oceidentaes. Eom
grande custo ponde fazer entrar n’ella Áugusle de la
Jtnvaldiére, Emile nas’!illy, e Cha'le de llavleij
Im delles foi mandado com o (im de observar a lo
calidade e suas proporções: e como o seu parecer fosse
favorável, assentaram de dar principio aos trabalhos da
colonização
Se a côrte de França conhecesse n’essa oceasião a
importância do paiz que desprezava, e se não estivesse
tão embaraçada com os negocios criticos qlie por lá
corriam, talvez ficasse com uma importante colonia no
Maranhão e no Rio das Amazonas ; bastava para isto
que ella favorecesse e protegesse as tentativas da Fom-
panhia das índias Oceidentaes ; entretanto nada d’isso
fez, abandonando-a ã seus proprios e diminutos re
cursos
Em I.^SO, ã 31 de janeiro, a corna de Portugal tinlia
passado ás mãos da dynastia hespanhola; e Felippe II,
astucioso (ilho de ('.arios V. reinando n’este tempo e
dispo do das colonias do Brazil, nomeou em 1003 á
Pwgn Rotelho governador geral, em substituição á D.
Francisco de Souza
Gabriel Soares, aventureiro de Pernambuco, depois
de nutras empresas em procura do celebre Ei-Dorado,
emiirehende uma para o norte por mar, a qual não le-
-18-

ve brvn sncces'0. Depois delia, Pedro Coelho de Souza,


morador na [lovoação da Darahyba, propniidn se á i io-
go Dolelho para explorar o notie do Brazil, foi bem
aceito e recebeu o lilulo de capilao mórda ex edição ;
elle, anleriortnenle, já havia peneirado aiê as maigens
do Rio .lagnaribe. onde liidia dado começo á um esta
belecimento,(pie se viu obrigado a abai donar.
Darliu pois em junho de comuns 80 compa
nheiros, e perto de 800 Índios, com os quaes ernbaicou
n’um navio conduzido por um fraucez pratico da cn-ta,
a qnat foi elle acompanhando semp e de perto e á vista,
poisja havia reconhecido o canal.
Nas costas do Ceará tomou índios mais domestica
dos, e seguiu para a Sena da Ibiapaba.-onde chegou ã
de janeii o de HiOl
Depois de alcançar diversos Iriumphos contra Mii
lledondo, um dos maiore.s cliefes d’esta legi.io, logrou
sujeital-o ao dominio portugnez. não oftslanle os esfor
ços de a'gnns francezes esl.d)elecidos com Mel llcdondo,
c á lesta dos quaes se achava 'dolpho de Mouibille,
primeiro europeu que as cheonicas dao como tendo exer
cido cerla influencia nestas regi(3es
I edrn i.oelho achava-se dominador de quasi toda
a chapada da 'Crra da Ibiapaba, povoada por grande
numero de índios ; mas Monibille soube excitar a des-
conliança dos indigenas c conseguiu armar contra elle o
grande chefe .}uriparignaüú 'grande deinoni e, e com
tanta maior facilidade, por quanto já se achavam Iodos
indignados de ver a falsidade com que elle trai va <s
seus Companheiros índios, caplivandoe vendendo como
escravos não só os que fazia prisioneiros, como os [»ro-
prios qoc trouxera em sua companhia da Darahyba o
das costas do ('eará.
'oelho não podendo, pois, resistir aos fortes e re
pelidos assaltos da parte dos Taanias, e além d’isto
achando se abandonado de todos os índios que trouxera
comsigo, foi forçado a retirar-se fngilivamente e por terra
para o .lagnaribe, sitio que já n’aqnelle tempo era da
jurisdição de Pernambuco, e onde tentou estabelecer-
-<!)-
so, mnndamlo lm«far sna familia e mais genie ila Pa
raliyha. e fiindaiiiln iima colotiia qiic (Ipnominmi Nuva
laisilaiiia, e nm i |i()V(»:M;ã(). já anleriuniienlc principia
da, C'iin f» nnme de Ncjva I.ishua. Mas, pelos mesimis
molivos (|ue se deram na Serra da Ibiapahn, viii-se ain
da onira \ez ahandonado de Iodos os seus amigos, e
cntiipellido pnrlanlo a relirar-se por lerra para a ra-
ralivba em companhia de sua mulher e lilhos, alguns
dos ipiaes eram de lão lenra idade que, não podendo
sniqiorlar as fadigas de nm.i lão grande jornada, vieram
amoi rerem numero de dons no caminho.
Os .lesiiilas, qne lirdiam observado com grande al-
tenção os snccessos d’esla expedição, (pierendo alrahir
os índios d esias pangens ao grêmio do clirisiianismo,
olTereceram se ao governador geral para esle lim ; e,
com I id)livessem licença, no aimo de I(iü"i mandaram
em comp.inhia de 70 índios já man«os os padres I lan-
cisco 'inioe Lniz l•igneira, qne se encaminliai-am para
a chapada da Ibi.apaba; mas os T.ipnias eslavam lão
exas(ieiado'; conira os Poringnezes, qne assassinaram
não só os companheiros dos .lesnilas, como Lambem o
padre l'into ; e o padre Figueira leria lido a mesma
sorie se não se pozesse em fugida para as planicies do
<'eará com os companheiros ipm com elle esca[)aram, e
d’alli para o Ilio-lirande, onde se enconlraram com o
sargento-inór de eslado i)i igo de Campos, (|iie enl'o de
visila nesie povoado, preslmi lhes o possivel auxilio.
Iv s CO no o [ladre Anlonio Vioira refero esla [>i’i
meira 'lis-^ão do Ceara, em o primeiro capilido da sua
inleressanle obra iniilulada Voz-lnslw>ca
» Pelo'ann is de llio,'). sendo já pacificadas as »
<! gmrr.as qne em Pernambuco fôram mni porliadas da »
<t p.arle dos naiuraes. pelas violenci.as de cerhi capilão r
c poringnez, se lornarain a pôr em arma Iodas os In- »
« (lios avass.allados qne havia desde Uio-drande ahj r>
* o Ceará, onde aind.a não liiihamos a forlaleza que »
■5 hoje defende aqiielle silio »
" C como em lodo o Rrazil linha moslrado a ex- »
« periencia o parliciilar lalenlo e graça qne Deus deu »
-20-

a ao§ Religiosos da Companhia de Jesus para com- »


e pôr os aniraosd’esla gente, à petição do Governador »
t do Estadoqne então era Diogo Botelho, foi nomeado
« para esta empreza o Pa(h’e Francisco Pinto, varão »
« de grandes virtudes, e muito exercitado e eloquente »
« na lingiia da terra ; e por seu companheiro o Padre >
t Luiz Figueira. »
« Fôram recebidos estes Padres como embaixa- *
« dores de Deus, e não do Governador do Brazil, e »
c sem haver entre todos aquelles índios, posto queag- »
« gravados nas vidas, nas honras e nas libe-dades, *
a quem puzesse duvida á tudo que os Padres lhes »
« praticavam, pnzeram logo em suas mãos as armas, »
€ e nas d’EI-Rei e dos seus Governadores a obediência »
« à que d alli por diante nunca faltaram •
« Concluida tão feliz iiente esta primeira parle de »
« sua missão( isto é, a pacificação dos indigenas do »
t Rio-Grande e do Ceará ', traziam os Padres por«.r- »
« dem de intentar os sertões do Maranhão, que n a- »
« quelle tempo eram occupados por Fr.mcezes. apal- »
« pando a disposição dos índios seus confederados, e »
0 vendo se os podiam inclinará pureza da fé catidica, »
« que entre os Francezes estava muito viciaila de he >
c resias e á obediência e vassalagem dos reis de Por- »
« lugal, ã quem pertenciam estas conquistas. »
« Assim fizeram logo os Padres sendo os primei- »
<í ros prngadores da fè, e ainda os primeiros póriu- »

guezes que do Brazil passaram ós terras do Mara- »


f nhão »
( D’este texto se collige qoe os Padres seguiram por
terra, atravessando todo o Ceará atè a Serra da Ibia-
paba )
f E marchando por terra com grande trabalho e *
a dilíiculdades, por irem abrindi o mesmo caminho »
a que se havia de andar, chegaram emfim ás Serras de »
a Ibiapaba onde viviam como acastelladas lies grandes »
« povoações de índios Tubajà as. debaixo do princi- »
* pal Taguaibunussü que quer dizer grande bemo- »
« nio. •
—21-

< Levantaram os Padres igrejas na maior pojoa- »


« ção da 'erra, sem conlradicção dos nalurae?-. antes »
€ com grande demonstração decontentamenlu ; eem »
<í n"''>do insistiam (jiiotidianamenie na instrucção dos »
« adultos e declaração dos rayslerios da nossa santa »
« fé, com grande íervor dos mestres e dos assistentes, »
a conhecendo uns e outros de quanta importância se- »
« ria para a conservação e augmenlo desta nova con- »
* quista de Christo, ter pacii.cadas as nações barbaras »
« de Tapuias que cercaram e infestavam os arredores »
« da Serra, fizeram pazes entre ellas e os Tabajáras, »
í sendo os mesmos Padres os medianeiros e ficando >
^ como fiadores de amb.is as partes »
« Mas debaixo deste nome de paz, traçando-o as- »
a sim 0 t emoiiio, sem outra occasião que a feieza na- »
tural destes iiru.os, entraram um dia de repente »
« pela aldeia e pela igreja os chamados Tuciiriijús, e i
« estiudo o Padre t into ao pé do altar para dizer »
« missa, sem lhe pod rem valer os poucos índios »
'< chrisiãos que assistiam, com frechas e parlasanas i
■< que usavam de pão muito duro agudas e pesadas, >
« lhe deram tres feridas morlaes pelos peitos e pela »
a cabeça ; e no mesmo altar onde eslava paraoffere- »
« cer á Deus o sacriíicio do corpo e sangue de seu li- •
« Iho, Começando esta acção o ^acerdole, o consum- »
a mando o sacriíicio. »
• Com a morte e martyrio do Padre Pinto . cuja »
« sepultura (>eus fez gloriu.sa com o tesiimunho de »
M muitos milagres que se deixam para mais longa »
a historia ; o Padre Figueira ficando só e sem lingoa, »
« porque ainda a não tinha estudado, retirou se para *
'< 0 Brazil »
u Kste foi 0 fi m da primeira Missão da Serra da »
‘ Ibiapaba. »
« Tiveram os Tubajáras lembrança de vingar a n
€ morte de seu pastor na qual se mostraram tão ca- i
« valleirosque fazendo guerra em toda a parle aos »
0 Tucurujüs, apenas deixaram d'esta nação quem lhes »
« conservasse o nome e a memória. »
-22-

A’ Pio o Riilellví íurrodci! />. 0 ogo de A/e/ifre.ç, em


iro*, no "ovpino g(T;il ilo T.im/íI
Veio eiic;iriTg:itlo de (‘N|'li'rar IncJi* » norlc
do Hrazil, e (>=|iec'ialm('nl(' a cinhocadiiia do l\io Ama
zonas; assim como de exindlir os I raiicezes, qne se
achavam eslalielecidos no Maranhao.
Mítilitn Soares IHiircno, qiie lazendo parle da expe-
dição de I edro ('.oellio, liidia sabalo grangear' a amizade
f conliança dos Índios á lal jionlo qiie o 'eliefe •/ cnúna
llie dava o nome de Idlio, send" ind 'gado pelo sargeiilo
niór Piogo de r.aiiipos, qual ei a a di^jiosiçao dos Indios
do lagmo il)!! e da ll)iapal)a, respondeu lao salislatoi ia-
menle ao sargenio mór sen paienie, ipie esle o indigiloii
ao governador geral para 0 coniinandod uma nova expe
dirão ao norle
(I lOMcrnador geral o encaiTPgon. com elTeilo, de
semellianie missão, conferindo llie lilolo de cupiino-
tvòr íío com o (jiial Marliiii doares Moreno partiu
da loi laleza do llio-f.rande do Norle, em um harco.
sem mais guarnição do ipie a de 5 soldados, aíini de
in-pirar meiios descoidianea a seus novos snlidilos ;
chegou com feliz viagem ao Ceara, onde, depois de e-
gurar a sua subsistência, e sendo : nxibado jielo seu
amigo lacaúna, levanloii uma casa de oragao dedic.ida a
Noss. Senhora do Am|)aro, tpie lomoii por protectoia,
e ii ella eslabeleceu o capellão que Ir iixera com oS
compelenles paramenlos, cpie, lhe lôrarn d dos pelo go
vernador I) Diogo de Meiiez'‘s. Iralaiido lambem de edi-
licar |iara logo um forle ; Indo islo no lugar onde se aeba
tiojc a cidade, ao longo da correnle que a atravessa,
ds llollandezes, ipie ja em lt'■0'.l liubain accommel-
lido a llahia Coin uma liada coininaiidada por Paulo
Yvari'ardm e que haviam sido repeilidos, conliniiavain
ainda com os seus navios a iiuullar as cosla> do Brazil.
l'ouco lempo depois d i fundação do presidio do
Ceará, no anno 161 1, um navio Itoliandez entrou no
respectivo porto; porem Moiamo altordou o tãodesle-
midamenle coin os índios, meilidos em suas can as,
que tomaram o navio, e lizeram com que se ren-
-23-

(le??e :i discrição a Iripolação, rjue constava de iiiais


de lO iiDineiis
Oiilru vaso dn mesmo paviihã i, qiie achava se Inii-
deado (;m 'hiciii'i|»e. onde coinmerciava com os liidii s,
presenciando esle snccesso e lemendu ler a mesma sorte,
Icvanloii precipilailamenie o lerro, e !ez se de vtda,
aliandonando alé o sen e-caler, qne linlia ido para a
lerra, e a oenle cpie o monlava ;; mas esl I falia da Iri-
polacao (Io (scaler. unida á de miiila genie, (pie havia
snccninhidii a nina epidemia, den lugar a f|m“, nao sen
do a gente qne reslava em numero snílicieiiie para a
manidira, los-e a eiiiha: cação dar á custa dalii a doze
ou (jiiinze legnas.
I). I)i"gu de Menezes, lendo seguido para a Bahia,
deixou assim qnasi em cornplelo desainparío a nova co
loniado Ceará, mniio einhora recomiiiend asse a á seus
snhaliernos ; e desta forma Marliin Soares Moreno
achou se desprevenido de todo o soccorro, e reduzido
aus iiiainres apuros
"s Índios, vendo-o n'esle eslado de ahandoiio, e
induzidos por nm iinejoso enrop n que os persuadia de
qne Moreno os havia de escravizar, conio Pedia. Coelho
quizeri fa'.er em lagnarihe. lenlarnii por vezes asse
gurar ,a sua liberdade com a morle do capilãn-mòi : inas
este, conh cendo bem a lingo.i Tnpica, sonhe desper-
siiadil os de lão airoz projecl até qne por lirn foi soc-
I

currido de Pernambuco , o que lhe trouxe segurança


pessoal e promoveu a prosperidade do novo esiabeleci-
menlo
A companhia das índias 'Accidcnlaes, qne j'i disse
mos se organiz.ara ims lins do secnio XIV, sol) os aiis-
picios dejieiinipie IV, não obteve do goveiim francez.
(qne ■ ntãn se achava lutando com Seri s einh.iiaços /
senão promessas, depois de haver preparado no porto
de -anVMiló e Cancale, nas costas da Bretanha, uma
expedição composta de 3 navios b.-m eq npidos, cpie
trazendo á sen liordo alguns missionários dirigidos por
Cliiuiiui d'Abvillc, deixaram (::inca'e no dia 19 de março
de lbl2, em demanda das praias do Maranlião.
—2'» -

A’ 2o (le junho cliogaram á visla tia iliia de Fernan


do dé Noronha, onde abordaram ; e succedendo encon-
irar ahi uin porluguez e uns desoito Tapuias de um e
outro sexo, mandaiam-n’os baplizar e casar pelos mis
sionários capuchinhos, depois da celebração da missa.
Esles insulares foram conduzidos pelos expedi^ io-
narios á seu proprio pedido, logo que refeita d’agua e
de mais refrescos, a ex lediçâo leve de deixar a ilha,
ifonde largíui á 8 de ju ho marchando em direitura da
terra brazi ica que eslava á visla, na distancia de meia
l‘'C!ua da praia, e n’essa mesm.i distancia passou no dia
11 pela ponta de Mucuripe, e á 12 foi descoberto o cabo
lias Tartarugas, hoje chaina''o Enseada da Jeric.onqvara,
aonde foi lançado o ferro e deu-se nma demora de doze
dias. partindo afinal á 2'r com uma abundante pescaria;
e passando defronte do Camocim, da "erra da Ibiapaba,
surgiu na barra do Periã, em cujo ancoradouro esta
vam dous navios de Dieppe, porto da Normandia, e com
pouco aportou no Maranhão.
Esles expedicionários fundaram logo o forte de 8.
Luiz, em honra á Luiz Xlll, rei de trança, no dia 12
de agosto de Itil2 ; e trataram lambem de assegurar o
seu estabelecimento

Gaspar de Souza, décimo governador gcial. rece


beu ordem de lançar furado Maranhão os francezes. e
de residir em Olinda para poder melhor dirigir a expe
dição. 1)0 commando d’esla foi encarregado Jeronymo
d’Álbuquergiie, compondo-se ella de quatro navios de
guerra montados somente por uns lUO homens.
A expedição partiu do Recife no l.“ de junho de
1613. e foi em direitura coslearido o litoral até o i.» ara,
onde tomou o commandanle do respectivo presidio.
Marlim Soares Moreno, como muito pratico da costa, o
qual deixou em seu lugar Estevão de Cnwpos ; e assun
chegou ella ao ancoradouro da Jericoaquara. donde iQi
— O-,

in;i!i(l;ii|o Miifeiio. cnin i;ni .los !)ai(:n> m Mihuio pela Ui ■-


llinr expliirar a illia ilo Mai’aiili“ío (!
Diiraiile es!c lempo le/. Allpuiiienjiie, iia oiiliaida da
Joricoarpiara, nma [)(‘(|uona l'(niiliea(;ãi) do |i:'io-á piqiir
com a (lenomiiiacão de AV-sça Soíliora do Uo^nrio ,■ >■
depois de PSjierar rmiilo lempo i)oi- 'kireiio, vendo (pic
a ('slaiaio eslava adiantada, e ipie não permillia grandes
upm-açnes roín lâu pouca genie, giiarnecen o novo forle
com \ ' siddados e (le'paclion a o\ edioãn p;n’a i’er-
namlinço por mar, seguindo elli'por lei-raeom al niinas
pessoas do sua cotilianra. ^.sl rl volla il(;.s:!gr:iil(ni ninilo
ao governador, <pie esperava gramies resnliaiJu.s d ex-
pedirão
i:m !i;ri a llollarida Iralnn de armar imia frola
formidavel.jpie se di/.ia ileslinada a marciiar conlra
0 llrazil. Esla noi iria in-odii/.iiido ceila i ninav iio na
melropolo, o sargento-mór d'eslt! estado. Dineo di-
Eainpo.s .Moreno, (pie se achava na Eurooa, solicilando
do-paciio dos sen.s serviços, loi mamlado oiilra vez
para o ürazil com poucos Iiomens e ponca.s imini
çoos. não olisianle a piamiessa (pie se llie lizcixa rle3 nm
grande reforço.
( Iiegnn ,ao Uocife no dia 21) de maio, e alii (-ii
conlroii .loronvino d’'. llnu|m'i’quo. (pie onira '.ez fòi-a
nomeado commandanle ila expedição conlra o Mara-
niião, liMlando com aidor dos aprcslos necessários
])ara ella.
Por este lempo artparecen a m)lifia de qiie havia
Ires mezes ipie a gnarnição, deixada no presidio de
Nossa Senhora do llosario na Jcricoaipiara. se adiava
reduzida aos maiores apuros, snslenlando-se apenas
de raizes; mas qne, não ohslanle esla |)cnuria, linlia

(IP Segundo diz o .«enador Thom.az Pnmpen de


Souza Ih nzilem sen - ll<^a\ono r.hronohíjiro da historia do
Ccmv/ -laisaio eslalislico. Tomo 2 ”, p.ig o.-js • N’este
mesmo anno (IGI.']) Manoel de Ifrilo Freire occupou pro
visoriamente 0 lugar de capitão mór do feará.
—"2ü-

leito uma liella resistência á mna partida de Ta


puias d’aque!le districto. que 1 J. '- ^
le a noite sofTrerain um tal estrago que no dia se
guinte, ao verem-no, resolveram-se a procurar a ami
zade da guarnii;.ão accommeltida.
(t governador informado deste succcsso. ])orem
não llie sendo posMvel fazer saliir a expediçfio, que nao
estava pronipta ainda, nem esperar que se apromptasse.
despachou adiante, no dia 28 de maio, um car,ueirio
com fiOO soldados e munições de toda a especie em
■ioccorro do forte. • „ i ■ i
f.hegou este soccorro ao presidio a !) de juniio, e
á 12 do mesmo mez veio arriliar sobre o forte uma
nao fiMiiccza commandada por de Pratz, o qual sendo
informado de que o dito forte não passava de uma esta
cada de páo-á pique, persuadiu se (jue não leria de
miarnição mais de 25 ou hO homens mal armados, e
por i.sso tratou de desembarcar uns 200 soldados, com
que marchou contra o mesmo.
Ü capitão Manoel de Souza sahiu ao seu encontro
com ])ouca gente ; mas valendo-se da escabrosidade do
terreno, esperou-os uTim desliladeiro, onde os recebeu
com tal arrojo que elles fõram obrigados a voltar pre-
cipitadamenle para suas embarcações.
Quando chegou esta noticia ã rernambiico, (laspar
de Souza já linha expedido .leronymo iT.VIbuquerque
para a Parabylia com cinco barcos grandes o as muni
ções necessárias alim dc organisar um corpo conside
rável de todos os Índios da vizinhança ; mas os espí
ritos não licaram satisfeitos pela quasi nenhuma gente
de guerra que marchava, e pelo pouco commodo de
tão diminuto numero do embarcações, relativamentc
ao grande numero de Índios que .ilbuquerque já ti
nha começado a juntar.
Martim Soares Moreno, capitão-mòr do Cear.á, que
deixamos no anno anterior encarregado de ir examinar
0 Maranhão, executou esta incumbência com boa for
tuna ; mas no seu regresso áquelle ponto de sua_juris
dição, deparou com ventos contrários, que nao lhe
-27-

permittiram cliegar ao sen ileslino ; porque, dosaiivora-


(lo 0 seu navio, viu-se obrigado a procurar as índias
caslclliana', no México, donde passou á llespaniia.
Knconlrou em Lisboa (laspar de Pouza, que estava
de partida para o Brazil ; e por isso comniiuiicou-lli(í
as suas observações.
O resto da expedição saliiu do Becife. á 2:1 de agos
to, constando de 8 cml)arcações, não entrando ire<le,
numero as ipic levara Albuquerque para a'l’aral)}l)a ; e
a gente que as equipava poderia montar à .‘jUO lioinens
de guerra.
Diogo de Campos commandava esta divisão coiii
01'dem de se ir reunir á leronymo d’.Ubuqiierque tpie
então aciiava-se no Bio-Grande fõnde cliegou á 211; para
enleiider-se com este sobre os meios de levar a expe
diçao á seu destino, tendo antes em caminho encou-
trado 0 caravelão que regressava da .lericoaqiiara, de
pois de alli deixar o i-eforro de que já fallci acima.
No Bio Grande á'28 levo lugar uma revista passada
tanto ãs tiaqias regulares como ás dos índios, que esla-
vain [irompias paras'guir ; entre ellas achava-.so lambem
Camain'\ que com sua gente poz .se de marcha por
lerra; o que deu lugar a nascer divergência entre os
chefes áceixa do lrans[iorle dos índios, isto è, se deve-
riam seguir por terra ou por mar; mas loilos linal-
mente concordaram em que fosse (>11 e realisido por
mar ; e pois ellecluou-se com cideriilade o cmbarrpie,
eà de setembro partiu a expedição do Bin- tirande.
sendo no entretanto delida atò Õ por falta do maré suf-
liciento. A’ -o, pois, fez-se ao mar a arm.adacom veu-
to fresco, levando a terra em distancia de. .í léguas.
Dobrou os baixos de 'SaiCBoquo, navegando pela pri
meira vez por fóra do canal. mas sempre .i vista de
terra, camiiilio ipie serviu d’alli por diante de roteiro aos
navios que (raiites ou seguiam por dentro do canal en-
tre 0 arrec.ife e a costa, com grande perigo, porsercilc
longo e estreito, ou aliás amarr.ivam-se náima dislancia
de léguas da costa para evitar os baixes de l er-
nando.
—'■18

No (lia 7 a armada fiiiidi oii na enseada de Iguape,


perlD do Aquiraz, 11 lepnas distante do Ceará ; e nessa
localidade desemliarcaram o capitão e os Índios qne vi
ntiain muito maltratados do mar. No dia seguinte, já
restabelecidos do enjòo, puzeram-se á caminho para o
presidio do Ceará por terra, e o sargento-mór seguiu por
inar at(‘ a ponta de .Mucuripe, e d'ahi i)ara o presidio de
Nossa Senliora do Amparo (7), (pie alcançou no dia lü,
0 onde encontrou-se com o cnpitáo-mór, que chegou ao
mesmo tempo, enviando para logo uma emharcaivão ao
forte das Tartarugas a dar parte da checada AÍanda
ram avisar igualmente os índios da vizinhança, com os
(juaes entraram a mercadejar como lito de allicial-os.
Camarão ahi ch-^gou lamhcm, iiroccdente do ICio-
(liande, e vinha tão maltratado da viagem (pm ohleve
licença de ficar em companhia de seu irmão Jacaima,
amigo de Martim í^oares; mas fez segmr os seus índios,
comiuaudados por um seu tillio.
Ora. como começavam os Índios a desertar em gran
de escala, e i im grassando imdeslias pcriiiciosas, á 17
dirigiu-se 0 sargenlo-mór Diogo do Campos com a ar
mada para o Pirnnieuim, hoje Paraziuho, na barra
do rio ( urú, onde esperou, exercitando sua gente, at(í
a chegada de Jeronvmo d’Alhu(|uerque, que vinha por
terra com os índios, chegando todos alli no dia Ih, e
prolongando a respectiva estada al(á 29 afim de reunir
os Índios (pic so haviam demorado ou licado airaz.
Embarcou-se toda a gente nos navios, (pie se íize-
ram de vela para a Jericoaquara, cuja ponta dobraram,
'supponho que o que nestas memórias chamam ponta
da Jericoaquara é a que se chama hoje Itapagé) e em
seguida aportaram no presidio das Tartarugas.
Neste local ora então a estação pouco segura, tan-

(7) A reunir-se com Manoel de Britto Freire, ca


pitão do presidio, o qual esperava pela expedição havia
|à quatorze mezes—Pompeu -Eus. estai —tom 2.“—pag.
2.^9 - Soulliey—tom. 2.® ; —pag. 79.
II. Thébergc.
—j;)-

lo porcriiisa do iiiáo aljrijío ronira as tampcMadf.s . (V)-


ino porqiio era f-sle nin ponfo iniii prociirado pclds na
vios (|af alii vinham íazor li-ocas com os Indígenas ; por
‘ leniolivo .\ll)ni)iier(|no desemhaicon a j^eiiie do guer
ra, e coni a Irola foi eslacionar no rio ('.animam
[‘rocnroii angariar a amizade dos Indins da Ihia-
paha, ipn' seria mui convenienie no caso de se (inerer
lazer uma relirada por lerra ; e d’esla ailianra esperava
o capilão-mór grandes'vanlagens: mas foi Ingo desilln-
dido pela giiarnigão do forte das Tartarugas, i|m> lhe fez
ver a pouca eonfimea f|uc se devia deiiosilar ii’esta
gcnie. pois (juelendo-se-lhe dalli mandado, d pedido
do cheio Juripariguassú, dmisde seus soldados para irem
■guerrear ouiros Tapuias seus inimigos, elli’S não só
eoinerani os [irimeiros, como lambem o mosmo lei'iam
ledo aipielles dons soldados do presidio, so não fossem
u-isados pela muiher do chefe com Icmpo haslanie para
podeiem Ingir.
De 2í) de selemhio até 12 de outubro a armada
conservon-se ancorada no surgidoiiro de Nossa Senho-
radfí llosario, invocação do íorlo das Tarlaiaigns, d' on-
de se fez de vela para a ilha do Peml, não leiulo podi
do tomar a barra do Tiloia [lor ser pouco cnnliecida. •
A expedição seguiu sua derrola para o .Varanbão.
entrou á 2() de oulubro na barra, e foi desembarcar o
lortilicar-se mi costa fronteira á ilha dc SarTíaiiz.
(Js Francezes fôram accommeltel-os depois de llies
havcirin lom ido duas de suas maiores caravelas.
No dia 1!) do novembro, na oceasião de seu dosem-
barqiie á vism dos Poriugnezes, eslos atacarani-n'os
tão vivamenie que os obrigaram a relicarein-se com
grande perda.
Pediram á 22, obtiveram c assignaram á 27 do mes
mo mez nma suspensão de armas, determinando (lue as
hostilidades seiáani suspensas até 15 de dezembro do
seguinte annn do inió, ivrazo necessário para que cada
uin tivesse tempo de recorrer á cõrle respectiva e con-
siiltal-a sobre a questão da posse do .Maranhão, qiie iio
entretanto íicou no poder dos Francezes.
—30—

A cúrlc dc Madrid reprovou cninplclamenle esle ar-


mislicio, e inandoii immedialamenlc Alerandre da Moura
à lesta dc uma armada bem fornecida de gente e de
munições dc guerra, com ordem de se reunir á Jerony-
rao d’Albu(iuerque, e de expulsar os Francezes a lodo
0 custo.
Assim se executou Depois da rcuni.ão das forças de
Alexandre de Moura com as de Albuquer(|ue, fòram ac
commellidos por cilas os Francezes, que se refugiaram
no forte que haviam levantado ; e, sendo ahi rendidos no
dia 31 de outubro de 161o, viram-se obrigados a capi
tular, a entregar as forliRcações da ilha de San Luiz, e a
SC reiirar para a F.uropa, licando assim o Maraniião li ■
vre do dominio eslranaeiro, e reunido ao Lslado do
Brazil.
.(eronymo d’Albuquerque foi nomeado capitão
inõr d’esla" nova conquista, c encarregado da exploração
do rio Amazonas e da sua embocadura, assim como de
expulsar d’estas paragens ns llollandezes que negocia-
vatri com os Indios do Fabo-frio, e de tomar posse de
lodo 0 paiz em nome da coròa portugueza ; empresa
estaque cumprio com felicidade nos annos subsequen-
Fm' 1010 fundou elle a cidade dc Delem, e voltou
depois para o Maranhlo, onde morreu, na cjdadc de
San’Luiz, á tl do fevereiro de lOlH, com 70 annos
de idide.
iuceedeu-lhe seu filho Anlonio d'Albuquerque.

(8) iN’cslemesmo anuo (IGli', á Drillo Freiresuc-


cedeu no lugar de capitão moi', ou antes de comman-
dante do Forte do Amparo, Estevão dc Campos— Pom-
peu—Ens estai. tom. Il-pag. 25'J.
II. Tlíéberge.

-^AATiAO/V'-
CAPITDLÜ lll.

1'iiião do Ceni-ó ao nova l‘:M(udu «Io iHara-


nhuu - Invni^ião liollaudcza.

Km l()2'i Idi separado do governo geral do IWazil


0 cslado imvo do Maraidicão, composto do fará. Mara-
nlião, l'ianliv e Kcará, em parle.
I'(ii nomeado logo para sen primeiro governador 0.
iMogo de ('.arcamo, rpje o recusou, assim como D. Kran-
cisco de .Moura, e em seguida nomeou-se Kraiicisco Coe-
llio de C.arvallio, (jue á 2.') de marro do mesmo anno
saldo de LisLoa com 2 embarcações, bom rclorço de
soldados e inuilas munições de guerra no rumo de Ter-
uamhnco, para dar aviso da grande expedirão (|ue se
preparava nos portos da llollanda, e se suppuiilia desti
nada para o Brazil, como de lado realizou-se, chegan
do ella na Balda de Todos os Santos á 10 do maio, U
dias depois da chegada d’clle ao Beeife.
Francisco Coelho (oi delido 11’esla cidade para defeza
de Pcrnamhuco, mas partiram á 12 dc julho os IG mis-
sionarios vinham em sua companhia, os (piacs lo
caram com feliz viagem ao Ceará no dia 17 de julho, e
a inslancias do capitão Soares Moreno, que já liidiavol-
-:j2-

lado i.aia :^ou cslalxMcciinerito, licarain dniis (J’ulles ahi.


e os fic mais á :)() sogiiiram para o Maraoliao. i m cujas
praias aportaram á li do agoslt).
Os Mollandczcs lendo sido ropeilidos do l’ara v
Maraidiãü, onde leiilaram nm desemlianpu', Iciulo scicii
cia (l(! que no Ceará existia apenas uma requena
guarnição, procuraram rendel-a com as guarnições di'
duas náos de força, que (izerani desembarcar e con
seculivamenie marchar contra o |iresidio ; mas luram
recebidas essas forças pelo rapitão .Martiin Soares Mo
reno com tal vigor que, depois dc grande perda, ndira-
ram-se precipiladamente para suas embarcações surtas
no porto. As duas náos, logo que receberam o resto
da sua gente fugdiva, levantaram as ancoras e 1 .rgaram
á todo 0 panno.
Ao seguinte anno ile ICtSo, outi’as duas náos iiol-
landczas apresentaram-.-e de novo em frente do Ceara, e
tizeram novos esforços para se ainnlerarem do presidio.
Desembarcou muita gente, mas (‘sta foi ainda mais vi
gorosamente recli iç.ada por Martim Soares Moreno, do
que no anno antecedente ; muitos dos invasores morn!-
ram na peleja, e o restante só teve o recurso de n.dugiar-
se em suas náos que logo tomaram o largo.
O padre frei Cliristovão de I.isbòa, que tiidia Sido
eleito custodio do estadt) do Mai anlião, achando-se em
1()2G n essa parte de sua jurisdicção. teve scieucia de
que 0 estado dos ncgocios ecclesiasticos da ca()ilania
do Ceará urgia por sua presença n'aquella localidade :
assim, tratou de dispor essa jornada com a maior bre
vidade, e não lhe tendo sido possivel arranjar melhor
embarcação, equipou com a gente ile sua comitiva duas
canoas e com ella se fez de vela para o Ceará á 18 de
maio.
Todavia, como não fosse praticável a subida da
costa em semelhantes vasos, desembarcou ao nascente
da barrado 1’eriá com intento de proseguir a sua jornada
por terra, no que encontrou ainda maiores dillicul-
dades.
Vesperas de S. João, no dia 23 de junlv', foi ac-
3-

coniiiieüiilo por um empo do 90 lapuias. Suacoiiiíl i-


va ora composta ele igual numero de iiosso:)«, ma?d’ol
Ias só se podia eonlar com 2'í homens do guerra;
coin Uulo fòram balidos os índios, o lão mallrala-
dos (icaram, que clles mesmos pediram as pazes, (pie
lão mal souliorani observar. U prelado e os padri;s seus
companheiros viraiu-se na dura necessidade de lambem
lançar mão das armas para resislirem aos índios, (jue
incessaniemenlc os alornienlaram no reslo da sua jor
nada, ipie. entre perigos conlinuos de morto, durou al(á
2-0 de junho, dia em que chegaram ao Ici nio d elia no
|iresidio do Cearã, onde fòram recebidos |ior Marlim
Soares .Moreno.
U negocio qiie o trouxe ao Ceará foi a necessidade
do SC crearem .Missiães para a catechéso do ■ tndios desta
região, que, como o diremos adiante, foi cedida aos
Josuilas por deliberação da .lunta das .Missões.
Francisco (.'oelho, depois de ter foi lilicado Pcrnaav
bnco, e hav(>r-se opposlo ao dcsembartpie dos lUdlan-
de7.('s idaipiella capitania, rnelteu-sc em tins de jiirno
de iG2t) em um navio, e segnio para o ( eará acompa
nhado de ipialro cai avchães bcin guarnecidos de genlee
munições ; e, logo ipic ahi chegou com feliz vi.agcm,
lomou solemne posse do seu novo governo, por ser en-
lão esla capitania da jurisdicção do .Maranhão. Tralou
logo da reedihcação do [iresidio de Nossa Senhora do
-Vniparo, acrescenlou-lhe mais algum.as dofezas em pou
cos dias, e, depois de visilar a gi’ande aldeia do chefe
.\lgodão, continuou á Io dc .agosto a sua viagem [lara
0 .Maranhão, levando com sigo frei Ghrislovão dc Lis
boa.
Os llollandezes ipie vimos em KJ-ii- sahirem, n’uma
grande armada, em demanda aggressiva da liahia, fõ-
rain d'ahi ropeilidos iio lim cio anno, assim como lam
bem 0 fòram poi' Francisco Coelho das coslas de Per
nambuco, onde tentaram um desembarque na hahia da
Traição, perto da Parahyba.
\ córte dc Madrid, avisada dos preparativos ipie
í.azia a llollanda para uma nova expedição, destinada a
-3'i-

ientJi'-novauit*iite uui (Jcscinbarfiue no Brazil, o espe-


cialiii.pnle ein reriiaiiibiico, cujas riquezas e vanlajosa
[Kisirão atlraliiam suas vislas, e (lespertavana a sua am-
birão, (leliluTiui enviar Molliiaft d'AlhwiwniMC para o
Beclfo, alim tie opinir-se ao (loseinbaríiue do mimign.
Fan consequência, coníerio-lhe o liluio pümp()so dc
coinmaudante ein chefe dc Ioda a capitania, conslituin-
do-o ao mesmo tempo independente do governo geral
do rq.ido do Brazil ; m.as, em quanto o encliia de at-
trümições tão sonoras, negava-lhe os meios de poder
ciunprii' com sua missão : o dinheiro, as tropas, e as
innne-ões de guerra
Albuquerque saltou em Pernambuco á 19 de outu
bro dê in-j'.), e vendo a exiguidade dos recursos de que
podia dispor, e sobre tudo as |)oucas tropas regulares
com que podia contar, em vez de se preparar para re-
pellir os llollandczes que eram esperados cada dia,
entregou-se á festejos e regosijos pelo nascimento de
nin [)rincipe hespanhol. (9).
l inalmcute os Uollandezes com um exercito de
7,000 homens de desembarque, montando uma frota
numerosa de v.asos de guerra e ilc transporto admira-
volmenlc equipada e aprovisiouada, chegaram no dia
13 do fevereiro de 1630 á vista do Kecife,(lue entraram
lotjt' a bombardear com vigor afim de fazer diversão, e
entreter n'este ponto as forgas pernambucanas, cm-
■innntii mandavam oITectuar o desembarque das tropas
cm l’áo-Amarello.
Fsta manobra foi tão hábil e felizmente executada
que no dia iii de fevereiro já todas as tropas se acha-

(9; Segundo a opinião do ifunego l)r. .1. F. Fer


nandes Pinheiro—Nota 2. Hist do Braz. por Southey —
Tomo 2.°—pag. 194 : E’ summamenle injusta simi-
Ihnnle accusarão, por quanto Mallãas d'Albuquerque
empregoií convenienlemente os fracos recursos de que
'lispunha para a dcfeza da capitania.
H. Thêberge.
-3ü-

vain em lerra; e no dia IG já de inarclia sobre Olin


da, qiie alcançaram occnpar.
Na tarde deste mesmo dia Mathiasd’Allmc|MerqiJe.
que se deixara siirprcndei-, vendo qiie não podia mais
salvar Olinda, Ini plantar o seu arraial na niaií^ein di
ndta do lUo-Oôce, onde á eile sc veio reunir Antonio
Felippe Camarão com seus índios, pelas 7 horas da
nianliã do mesmo dia 16.
Cma renhida questão se agita á respeito da naln-
ralidade d’este Camarão, índio de raça Tupi, qiie nns
consideram como lilho de fernambuco, e oiilros do
Ceará.
Os primeiros íiindam-se n’nma carta em i|ue Ilen-
rique Dias declara aos Hollandezes que ellc e Camarão
(ambos os quaes se haviam retirado |)ara a Baliia', não
podendo mais soirier tanta ausência de sua iiali iaque
era de ambos, queriam voltar para ella ; e outros tex
tos idênticos nos (piaes se diz (pie Camarão desejava
voltar á rernambuco, sua patria.
Será isto porém suiliciente para estabelecer a natu
ralidade deste índio da capitania de Pernarabuco ?
Não por certo ; apenas se póde concluir que ('ama
rão, condiatendo contra os Ilollandezes afim de os ex
pulsar de Pernambuco, por este lado reputava esta
praça como patria sua adoptiva.
Berredo, narrando a expedição de .leronymn d'Al-
buquerqiie contra os 1'rancezes oslabelccidos no .Ala-
ranhão, diz positivamente (iiie o celebre ('amarão (quem
sera este celebre Camarão senão o proprio Antonio l e
lipiie ?) se achou com seus índios no Ilio Grande, d’on-
de seguiu com elles por terra para o ('.cará, onde che
gou tão destroçado que obteve licença de licar em com
panhia de seu irmão Jacaúna, chefe dos Índios que
.Martiin Soares .Moreno, já em IGOi, achara iTestas
praias do Ceará, e com quem travára amizade tal que,
quatro atmos depois, o auxiliárarn na edificação do
presidio de Nossa Senhora do Amparo que ahi levantou
em IGOS, o .lacaúna lhe dava n titulo de filho.
Ora, .lacaúna era Índio Tupi da tribu mi aldeia
-3(5—

(Ia Pataiigalja (3 da i^ramic lainilia dos Tiiljaj.iias (|iie


(iccii(iav,i 0 liUoal, (iosdt! a seiia da lliiapaba al(j a
seira do ■\'i)u(hi, (jiic i‘nl.lo sc dciiuiiiiiiava serra do
Jajfiiaribe. Logo, Lainarão, irmão de .lacaima, era
lambem Indio Tubajára, e por conseguiiUe oriundo do
Ceará, ainda mesmo que por venlura livessc nascido
em lerrilorio de Pernambuco, por emigração de seus
pais paraali .
Lis a copia do um documento relerido pelo eru
dito Commeudador \ntonio Joaquim de Mello, na pa-
eina i!)6 do i.'’ volume da sua Biorjmphia de alguns
iiQchis de Pernambuco, (jue prova bem clarameule 0
inesmo.
T Por (piaut'» n Ciiúlãi) mór dos lii lios da Capi
tania do Seará João e o seu Principal Lrancisco
Aragibá mandaram seus lilbos ã esta Praça com cartas
em que ratificavam a amizade que prometteram ter
(luando sc recuperou aquella dita ('apitania, com
os liullandezos neste Lstado : e convem ao serviço de
Sua Mageslade fazer com ellos alguma demonstração
de agrado para que. . . . a continuar n’esla correspon
dência : ordeno ao Provedor da fazenda de Sua Mages
lade faça dar trinta e nove mil e duzentos e trinta
réis ao ajudante Miguel Rodrigues para pagar dons
vestidos, i]ue mande feitos aos ditos Priucipaes, e ou-
iro ipie so deu ao filho do Capitão-miãr que foi dos
índios d esta Capitania ü. .ántonio Fclippe Camarão,
pie recollii á minha casa para o doctrinar, e ter como
iratamento que sc deve ao muito que o dito seu Pai
soube merecer em o serviço da C.oròa de Portugal ; por
tudo convir ao serviço do Sua Mageslade. Recife, e de
.\bril onze de lOÜl. Francisco de Brito Frdrc n
Logo 0 lilho de Camarão era lambem lido pelo (fo-
vernador de Pernambuco como oriundo do Ceará, tan
to que lhe dá um vestido, para assim agradar aos Ín
dios da dila capitania do Ceará.
Como sc achava Camarão no Rio-Grande quando
por lá passou Jeronymo d'Albuquerque V
Como se achava com seus índios lão perto de
-37-

oli[i(l;i na occasiãn do (Jesembaniuu dus llollaiidczos


ijue 110 dia l(j de Icverciro, dia da lotiiada.di.'(diiida,
SC leiinio ã Malliias d’AlLiii(juerque nu arraial do líio-
Doce ?
Pão qiieslGos que os autores coevos não resnlveiu,
nias que nada |)rovain contra a iialuralidade de (Cama
rão ser da capitania do Ceará.
Sein duvida do Ceará foi eiie se rcnn:r a expe-
diçãü de .leronyino dáVIhuqiierque lixada no Uio-Cran-
de, á instâncias dc Martiin Soares Moreno, ou de
outro ; depois daexpodigão do Maranhão voltou com sua
qenie para t ernainbuco, aonde se cliainavain os índios
dhu de serem aldeados perto da [iraça e por conse
guinte ni.ais lacilmento civilizados e düiitrinadus. (10).
Hcpois da tomada de (Minda, o Ucciíe, incendiado
pelos moradores á vista dos llollandczes, foi também
loinado por estes, com demora de poucos dias ; e, de
pois de ahi se fortificarem, fòram dilatando pouco e
liouco as suas conquistas pelo litoral, tanto ao norte
como ao sul.
Diz 0 Padre Vieira que os índios do Ceara se
conseiaarara fieis ailiados dos Portugnezes durante os
seis primeiros annos d’esla guerra ; e que uella prati
caram gentilezas de lidelidade
D certo é que Moreno, depois da noticia da inva
são pelos Holiandezes, recebeu ordem d’i;i-llei para
(10) Para (jue os leitores possam devidamente
apreciar as razoes que induziram o autor a considerar
D. Antonio Pelippe Camarão oriundo da provincia do
t.eara, damos como appenso no fim deste Csbuço, sob
11.° t, a resposta do mesmo á contestarão do Sr. com-
mendador Antonio Joaquim dc Mello,'feita no Diário
de Pernambuco n.° 282 de 10 de dezembro de 1839.
Segundo a opinião do illuslre conego Dr. J. G.
Fernandes Pinheiro—Nota á Soutbey-tom. 3.° pag.
97 : A patria do valente caudilho Felippe Camarão nua
era Pernambuco e sim o Ceará.
II. Théberge.
-38-

reunir as Iropas que pudesse arranjar, lanlo de sul


dados regulares como de Índios, e de ir cnin cilas se
ajunlar ^>5 que em !’ernambnco combaliam em favor
da independencia conlra os invasores.
K\ecnlou tielmenle esla ordem ; deixou o comman-
do do Presidio do f^eará inlerinamenle a Domingos da
Veiga Cabral, e marchou com um fraco Iròro de sol
dados para Pernambuco, onde fez junção com Malhias
dWlbiiquerque no seu arraial, em principios de junbo
de 1G3I.
Diz 0 Padre Anlonio Vieira » C como grande
parte das injustiças do Brazil cabiram desde o princi
pio sobre os índios, naturaes da lerra. ordenou a
Justiça divi[ia que dos mesmos índios juntos com os
llollandezes se formasse o açoute de lao florescente
republica. Rebellar:un-se muitos dos índios chrislios
e v.issallos, posto (jue outros obraram linezas de lide-
lidade, c unindo suas armas com as do uiimigo ven
cedor, não se pode crêr estrago que lizeram nos
l*orluguczcs, em suas mulheres e lilh.as, exercitando
cm todo 0 sexo e idades crueldades feissimas, sendo
os índios como inimigos domésticos os guias que fran
queavam a campanha aos llollandezes, e os executores
das crueldades que cllcs politici e tuireticamenle lhes
commettiam, desculpando com a barbaridade dos Brazi-
leiros 0 que verdadeii amente não eram só consenti
mentos, se não mandados e resoluções suas, para assim
quebraniarem a honra e constância dos Portuguezes
que de outra sorte nunca poderam render. Vinte an-
nos teve Deus sobre as costas de Pernambuco este ri
goroso açoute. porque nos primeiros quatro annos da
guerra estiveram todos os Índios pelos Portuguezes »
Km dezembro de I(»33 os llollandezes apoder.aram^
se do Bio-Grande do Norte jmr traição de Calabar ; á ü
de fevereiro de 1634 tomaram o pontal de Nazareth, e
em dezembro do mesmo anno a villa da Parahyba.
Neste tempo o Ceará, que gozara de socego, loi
augmentando de povoação pouco á |)ouco, sobretudo
na costa do mar ; porquanto os seus povoadores não
—30—

'<3 liiiham ainda alrevido a peneirar para o inleriiir.


i.Mes prnjTi-essos da |)ovüação, porém, fõram inni va-
■^aiobos, lanto pela lalla de bons pnrios nesla costa
como lambem por cansa da pouca fertilidade d 0 paiz,
(jne na cosia ó muito arenoso, e no interior seceo,
árido, e então pouco produclivo.
Conta 0 autor da ChorograpLia brazileira, (luc em
103:. aportaram ao Ceará dous vasos de guerra bol-
landezes, cOm intuito de conijuislal-o pelo meio mais
commodo, isto ê, a negociação e a realização posterior
'.e nnia entrega leita pelos Indigenas. Cara eííectuar
este projecto, pnzeram em terra quatro Índios, iiue
com outros rnuilos, lendo sido apanhados sele annos
mtes, na baiiia da Traição, haviam sido levados para
msleidain e ahi tinham aprendido a lingna balava.
DOUS d elles, porém, sendo descobertos, e apanhados
pelas ddigencias de Domingos da Veiga, coramandanle
j 0 loiiee presidio de Nossa Senhora do Amparo, foram
logo enlorcados, para e.xemplo dos outros; e os navios
que os haviam conduzido, sendo desenganados de iioder
conseguir o seu designio, íizeram-se de vela e voltaram
para Pernambuco.
A i;j de setembro de 1(103 morreu ora Camelá o
lirimoiro governador do Maranhão Francisco Coelho do
(^arvalho.
Os llollandezes, senhores já de Fernainhuco, Pa
lainPa e Rio-ilrande, ainda queriam estender-se iiara o
oorle ; e o nome de Mauricio de Nassau, já tão celebre
em I ernainbuco, em breve tornou-se também conhecido
dos Índios do interior do Ceará. Sua politica fr.anca
e generosa e sua condueta pessoal contrastavam de tal
modo com a tyrannia e inhumanidade dos primeiros
conquistadores do Brazil, que não havia uma Iribii in
dígena onde elle não fosse apreciado e não gozasse de
um nome honroso.
■Vs tribus do Ceará, pois, resolveram espontaneamen-
le subraeller-se ao seu dominio, reputando outro qual
quer jugo preferível ao que supportavam, desde que
nao estavam mais debaixo do governo de Marlira Soa-
-40-

ros Morpiio, o quai, por sua prudência o liiio, linlui


sabido agradai-os e siibiucltel-os ao doiuinio portnguez.
I’sles indiüs mandaram olferecor á .Manrioio de Nas-
saii não só a sua alliampa, como larnbom os sens soc-
coi ros, represonlando-llie (pio seria facil ajioderar-se do
uma lorlalcza gnarnocida por poucos soldados d diminuía
arlilliatia, assim como vanlajosa a possessão dc um paiz
(|uo produz algodão em abundancia, sal, madeiras pre
ciosas, inde[iendenlemcnle do amhar que se diz n a-
quelle lempo ler abundado nas praias do mar. Mau-
ricio, conscio da imporlancia de uma lal alliança, acei
tou 0 ollerocimenlü e enviou para o Ceará uma (>squa-
drillia comm indada pelo general Inary Ciisrnan, (jueera
casado cum uma iiorlugucz do Rio C.randc.
Apenas os llodandezes desembarcaram na cosia,
rennio-se-lhes grande numero de Índios. O forle siluado
iCnma eininencia, linba perdido ha jiouco lempo o seu
governador Domingos da Veiga Cabral que snccedera a
Moreno, por oceasião da parlida d eslo para Cernam
imeo, afim do auxiliar os poriuguezos conira os invaso
res. 1’rivados porlanlo do seu chefe, e vendo a defec
ção quasi geral dos índios, os defensiTes do forle capi-
iularam, ilepois de alguns dias de cerco ; e os ilollan-
dezes lomando conla do presidio, fôrani successiva-
menlc se apoderando do rcsio do jiaiz, onde se torna
ram lão Urannos ou mais ainda do que os primeiros
conquistadores destes mesmos índios, (jue sem resis
tência e condados em sua bôa le so haviam abandonado
á ellcs som reservas : mas d’e'ta ingratidão veremos
mais logo (pie friram elles cruelmente castigados.
Ilarleo hist iriador liollandcz, contemporâneo e Ics-
timuniia desles acontecimentos, relata-os da maneira
seguinte na sua obra sobre as guerras dos líollandezes
no Brazil, edição de KiOO :
« Os Indigenas que habitavam perto do litoral do
Ceará pediram as pazes aos líollandezes, o lhes oflerece-
ram sua cooperação contra os Portuguezes, com tanto
que lhes enviassem um commandante que os capita
neasse na empresa de tomar o presidio que ahi existia
-41-

!'ui jioder ilus 1’urtiiguezcs, o par.i os sublraiiir ao sou


iloiniüio I'aos iiiàos Iralos (luo dVllos |■e(•,ohiaIn. Assc-
voravaiii ijiie se podia alcançar este i-osultado com pou
cas foiras ; 0 (]uo em compiMisação das despesas occasio-
iiadas pela guerra gauliariam o commercio dos geiieros
do paiz ipie consistia em amliar, algmlão, c.rislaes, gem-
mas, madeiras preciosas, salinas e outros divers is pro-
duelos. Coino retens de sua boa lé e da veracidade dti
tudo (lunnlo allegavam, oíTerociani seus Clbos <; os dos
prinripaes de sua gente. -4 expedição foi resolvida e em
conse'iu('nciapre|» iraram-se navios, armainenlo, dinbeiro
e tropas, e, loi nomeado cliefe da exitedirão George
Garstman, varão illuslre já muito conliecido ])or seus
numerosos leitos militares, e pela leciindidade dos recur
sos i[ue sabia desenvolver nas oceasiões criticas, K como
o dito presidio do (’eará se acltasse siluado ao noide de
1’ei nambuco na dislancáa de muitas milhas, assentou o
eoinman ianle (jue a tropa ilevia ser levaila para là em
biates de guerra, afim do pod(‘r lançar o inimigo íóra
da eompiisla e ilesembarcar facilmente para se reunii' a.
gente com os índios ([ue occupavani o lerritorio inimigo.
.Muito convinha realmente esta reunião coui aipiellas
tribus i[ue viviam em continua hostilid.ide com os Portu-
guezes, e se mostravam tão favoráveis aos llollaiidezes,
poiajue tinham um |ierfeilo conhecimento das localidades
eilos reimr.sos deipie dispunha o inimigo (larst-
man apenas chegado ãs praias do (’,eará niaiidon dar
aviso com toda a segurança ao |)riuci|>at denominado
Algodão, (diefe de uma ilas nações de índios, e ellec.luou
0 desemhar(|ue de sua gente (pie fez desfilar pela, praia,
onde se encontrou com os índios ipie vinham se reunir
ã (dh>, trazendo bandeiras brancas em signal de amizade.
l)e|)ois de se entender com o chefe d’esl(!s Inilios, ficou
tão satisleito do reforço de duzmilos honums ipie IIk*
trazia, (pie, resolveu acconimetler incontinenle o Presi
dio, (■onsliaiido de pedias soltas, sohngioslas umas ás
outras sem smami ligadas com cimento de ipialidade
alguma. Pouco lhes custou apoderarem-se dVlle, pois
0 inimigo (jue o occu|)ava achava-se muito nial abrigad(j
-42-

cDiilra os eíTc.ilos da aililliaria o da mosiiiiidaiia. i’oui as


morlos, iimilos |)i isii)ii(;in)s o oiilri' i‘ll(!s sons olliciaos.
Iros [>(!i;as do ariilliaria e alsmiias iiiiinicnos ; tnos lôraiii
os Iropliéos da vicloria. Esla capilaiiia do Ecará, uitia
(Ias (juc so acliaiii situadas ao uorlo do Brazil, liidia
apenas dez ou doze milhas de circuito ; e seus poucos
tubitaiitcs occupavam o presidio.
Possue uin [porto pouco conveniente para as em-
!)areações de forte lotação, Nãu ha n’ella rio notável :
no pé do iiioaticulo sohre o (|ual se acha (aliücado o
presidio coi’re um riacho cpie vem do interior, .lunto
ao forte se achava a casa occupada pelo capitão mór. e
ao redor d’clla algumas outras menores, ecliflcadas pelos
moradores.
Não ha ali fortificação .alguma capaz de resistir á
mn ataque de inimigos.
O terreno |)ro(luzia cana de assucar, mas não havia
engenlio nenhum [uira. a moer.
Os índios da circumvisinhanca viviani em poifias e
guerras (anitinuas com (as Portuguezes ahi estabelecidos.
Os primeiros descobridores d’esta região, no armo
de IG09, referem (pie ahi encontraram homens de uma
grande estatura, de semblante deforme, (labollos com-
()ridos, com as orelhas furadas e cahiudo-lhes sobre os
homhros.
Traziam o c.orpo todo pintado de preto, á excepíjão
da parte do rosto comprehendida eidre os olhos e a
boca : muitos traziam o beiço inferior furado, e alguns
lambem o nariz para o fim do ad.aptar-lhes pedras ou
pedaços do os-so como enfeite.
Garstman na sua volta perdeo um hiale, sem (pnr
se t((nha (rodido saber até hoje s(.‘ naufragou ou se loi
victima de outro qualquer accidente.
Esta expedição cobrio de gloria o seu chefe e seus
companheiros »
Esta conquista do Ccai‘á pelos llollandezes leve
lugar nos últimos dias do anuo de 1637 ; e á 25 de no
vembro de 1641 apoderaram-se igualmenie do Mara
nhão.
-43-

l)(![)nis ila coiKiuisla (Io Coará os llollarulczcs lo\a,-


l am cíjinsigo os índios dri Il)ia[)al):i o (js mais iiiie
rani arranjar para os ajudar na ruruinisla do Maranliã(j,
obrigando-os assim a dirigir suas armas contra seus
irmãos, outros índios das mesmas rogi(jes, que os Por-
luguezos tinliam levado para lá, alim de (as auxiliar
contra os invasores que desde muito lempo laziam re-
potidas tentativas para se apoderarem d(; todo o norte
do Brazil.
Os Ilollandezes, senhores do Ceará, ostonderam-se
pelo litoral, onde fizeram pequenos estabelecimentos a.o
longo da costa, mas nunca se aventuraram a dirieir-sc
para o interiíjr ; deixaram os donos de fazendas de criar,
tanto nas margens do .laguai ibe como dos outiajs rios,
continuarem com seus trabalhos sem os inquietar.
Ouando em quasi sua totalidade achava-se o norte
do Brazil ^subjugailo pelos Ilollandezes, rebentou (mr
Lislm essa celebre revolução que subtraído os Ibn tu-
guezes ao jugo ignominioso da Hespanha, cstabeb^cendo
no throno portuguez a familia de Bragança, depois d.‘
60 annos de uma oppressão aviltante ; e este feliz acon-
f(!cimenfo que oceorreu em 1640, durante o nmz de
dezembro, só chegou ao conhecimento do governador do
.Maranhão em junho de 1641, alguns mczes dep((is da
occu|ia(;ão (Testa cidade pelos ÍIolland(“zes.
Ksl I noticia enche,u de entliusi.asmo á toibjs (js
l’ortuguez(‘s do Brazil, e inspirf)u-lh(,'s em geral o desejo
de sacudir o jugo batavo ; de modo (pie, dep(jis de lon
gos e duros esfoi-ços dos Maranhenses, soccorridos pela
gente do l’ará e pelos reforços vindos de fóra, conseguiu
Antonio Teixeira de .Mello, expellir c.ompletiiiienle esses
mv.asores e apoderar-se da cidade, que acharam no lodo
reduzjda á cinzas pelo cego furor dos vencidíís.
Kiminanto o sabio .Maurício de Nassau esteve á t(‘sl.i.
dos Ilollandezes no Brazil, tudo |>ara elles foi abi i)ros-
pmando, e o seu dominio firmando-s(' cada V(‘z mais ;
porem, depois que a gerencia supimma [m.ssou em 1643’
ás mãos im!xpnrient(;s de um conselho de admiidslracão.
(pje rTelIa o substituiu, por invej.a do goveino d.i imdiaí-
-44-

|)(»li! liido ciilroii nas l■,(lnl|llis^as Inilas niii snii


iiioviiniMilo iln . tlci linarão. O Maianliãn, cumo vimos,
saraiilio o seu doniiiiio ; o o (leará logo o imilou, no
aiino dc 1644.
Quando os Ilollandezes se apoderaraiii do .Marardião,
aQm de lerem sempre ã mão os índios do Cear<á. com-
pe.lliram-nos a deixar seus |)ousos, e aonde os encontra
vam ou po liam alcançal-os, faziam com tpie fossem
fixar a respecliva residência perto do Camocim, na ex-
icemidade seplenlrional da cliama la serra da Ihiapaha,
ninle linliam ('slabulecido um IVirle presidio para o (im
'le coid.el-os na obediência, e, entreter uma communica-
rão IVanca |)or terra entre, 1’ernambucn e o Maranhão.
Ollendidos d’este proceilimento dos Ilollandezes, que
issim correspondiam aos muitos serviços (pie elles lia-
'iam-lhes prestado com sacrifício do proprio sangue,
assentaram ile tomar uma vingança notável d’essa falsa
lê. fom esle inslinclo reuniram-se, os Tapuias em gran-
d(' numero, e em seguida sorprcnderam o forte do Ca-
mocim, (jue tomaram. .as.sini como o das Tartarugas na
•lericoaipiara que destruiram ambos, e mataram até o
iillimo dos homens (juc compunham as guarnições d’clle.s;
e, ufanos por estes successos, ilis|)Ozeram-se a ir tomar
a fortaleza do Ceará, (jue se achava na distancia de 70
léguas ilalli.
Marcharam pois com grande celeridaile pelo interior
bi paiz, do qual (‘ram mui práticos, e cliegaram de
noite ao presidio da Torlaleza ; e, como não fossem
apercebidos pela gua.rni(;,ão ((pie era numerosa), escon-
di‘ram-se nas malas da visinhança â ('spera do dia, visto
• pie, sabiam (pie ao raiar d’csle a maior parb; dos solda
dos se e,.spalhava pelos c,am|)os. aüm de tratar de seus
inleress(ís, deixando a fortaleza desamparada.
Correspondendo a pratica ãs suas previsões, ou sor
tindo seus cálculos o elTeilo desejado, entraram n’ella
pela porba, (jue fic,ài'a aberta, e exterminaram os (pu!
tinham íic,:ido, cm numero tão diminuto, tpie não |)ode-
ram resistir ao cho(iue ine.sperado de tantos barbaros
inimigos. Os (pie porém andavam fòra, sem ordem nem
-45—

-^riLMiciii (ioqm! iuivia sn(:t'i‘'liil(), iião resistir, e


li(irt:iiito se entregaiMiii pi isioneiros surressivaiiieiilo um
após outro.
Barlco, que já eilei relativaiueiile à invasão, relere
assim a expuls;'io dos Hollaiulezes do Ceará :
« Nassau foi avisado de so ter novameiilc levaulado
II Ceara. Os ludios reunidos apoderaraui-.se ilü acampa
mento alii oceaipado pelos Belgas, airasaram o presidio,
e inalaram sen commaudante G^deão Murrilz e os sol
dados que 0 guariieriam, e lambom uns o|i(!rarios em-
jiregados nas salinas do rio Upauema (dpod?) A mesma
sorte experimentou um commis.sario .Alaraiiliense ipie
ignorando o que havia occorrido veio deseinliarcar uo
Cieirá. para iuspcccioiiar as tropas : caldo uas mãos dos
ludios ipie 0 mataram com as pessoas (jue o acoinpa-
iiliavam.
Um dos nossos hiatos de guerra achandu-se fundea
do 110 porto para se refazer de viveres, o eummandaule
desembarcou com seu Icneule e alguns soldados n’um
escaler para ir á terra cuja revolta ignoravani. Engana
dos pelas caricias dos íudigenas, ipie debaixo d’eslas
lalsas apparencias encobriam seus funestos iideulos, fò-
ram Iodos presos e massacrados.
Ti-es inariiilieiros |»oderam ganhar as inatas onde
se esconderam, e conseguiram escapar á morte ; elles
viram a fortaleza arrasada, e dispersas as pedras com
que fora ediíicada
A culpa d’esla sedieão não foi atlribuida aos .Mara-
iihenses, posto que visinbos do Ceará, mas sim á feroci
dade e diir.i oppressão com que nossa gente (ratava estas
Iribus nossas sujeitas »
Os vencedores avi.sarani logo de Iodas estas occurreu-
cias á Autonio Teixeira de Mello, governador (H) do
(II)—Diz rom|)eu em seu Ens. estat. — : tom.
^ 0
; pag —262.—; que Autonio Teixeira de
Mello substituiu á Veiga Cabral uo governo da capitania
em 1644, e foi o 5.° que exerceu o lugar de ca|)itão-
mór; entretanto de Derredo se deprebende, pag. 391, que
—46—

Maranlião, que ruidadosaiiietite uiandou loinar conla de


todos os presídios ein nome da corôa porliigueza, e guar -
iicceu-os rom sullicientes tropas cm Gris do anno de
t644, nomeando enUão paiva governador do (',earà Este
vão de Campos Moreno, sargento-mór da companhia do
Maranhão e parente de Martim Soares Moreno.
Não obstante a sua expulsão, os Hollandezcs conti-
imaram a exercer urna grande influencia no Ceai’á, assim
como se collige da seguinte citação do Padi’e Vieii'a, dos
artigos 19 « e 29.® da convenção passada entre os mem-

só em 1645, com a restauração da capitania do Mara-


iihão, ficou Antonio Teixeira continuando no goveimo
irella, e por consi'guintc tanihem da capitania do Ceai-à.
Antonio Teixeira de .Mello era n’este tempo (1644)
sargento-mór do mesmo estado, immcdiato á Antonio
Moniz Bari-eiros no commandn dos patriotas, e, poi'
oceasião da morte ireste. succedeu-lhe no mesmo com-
inando, em 1643.—Bei-redo—pag.—359.
E. rom efleito, não podemos encontrar em autoi'
algum que fosse Antonio leixeira nomeado governador
do estado do Maranhão em data anterior à 1645, pois
ijue :
Ao primeiro governador do estado ilo .Maranhão,
Francisco ('oelho de Carvalho, succedcu interinaimmte
Antonio Cavalcante de Albuquerque, no anno lie 1636—
Soutbey—llist. do Brazil, tom. 2.®,—(lag. 421—Berre-
do—pag. 272.
Em 1638 Bento Maciel Parente tomou posse do go
verno <lo mesmo estado.
Em 1643 vem Pedro d’Albu(pieniue para. o governo
do Maranhão—Berredo—pag. 381.
Por morte d’este, em 1644, succedeu-lhe Feliciano
C.orreia, tendo por adjunto o sargento-mór do estado
Francisco ('oelho de Carvalho.
Assim, só em 1645 foi que Antonio'núxeira tomou
conta do governo da capitania do Maranhão, e por con
sequência da do Ceará.
//. Thebérge.
-47-

Im-üs (Io Coiisellio-suprtMiio, residetik' no kucilc, por piirlo


lU llollan la, e o Ueiujrai Francisco Barreto, povínaiador
d(* l’(!rnainl)H(‘o, na occasião da rendição irosta praça
pelas forças dos Independentes, ein 1654.
Diz o arli^'o 19 « Convencionaram qiic os ofli-
'•iaes de guerra, soldailos dVsta praça do Aia'erife (t mais
(>orlos juntos á (dle se (íindarcarão líjdos juntos em
'•(jmpanliia do Sr. (leneral Sigisimmdo Vaii Scop, rom
condição que se entregarão primciramenle au Sr. Mestre-
de-campo (leneral as praças e forças do liio-(’.rande,
Paraliylia, llamaracã, Illia de Fernando de .Noi-onlia e
i.eará para comprimento de todo o referido n’cste capi-
lulo, deixaniJo as pessoas que se pedem em refens .)>
ü artigo 29.° : « Se olnãgani os Seniiores do Supre-
mo-Consollio a entregar logo as praças da Ilha de Fer
nando, Rio-firande, Ceará, Parahyba, Itamaraca com
Iodas as suas forças e artilharia (jue tem e liidiam até a
I liegada da .armada Portugueza (|ue de presente está
d)re 0 Arrecife e Cidade .Mauriceia ; mas ([ue o Mestre-
de-campo (leneral será obrigado a mandar ao Ceará uma
nao suiliciente para se embarcar nella a eente, a.ssim
moradores como soldados vassallos dos ditos Cstados
geraes com seus referidos bens; a (jual náo levará man
timento paia sustento da viagem das ditas pessoas (jue
se embarcarem do Ceará. »
Se os Ilollaudezes se comiiromettem a entregar a
piaça do Ceará, (i porque ainda estavam de posse delia ;
e se se com|)romette o Brazil a mandar uma iiáo buscar
os moradores e sold.a(los hollandezes do Ceará, è poiajue
ainda lá .se conserv.avam.
O Padre Vieira exprime-se nos teiinos .seguintes
sobre o mesmo assumplo :
« Pode com tudo tanto a, industria e manha dos
Hollandezes que, com a dissimul.ação e liberalidade,
t(arnaram depois a re(;onciliar os ânimos d’esta gente, e
não só a fizeram amiga, mas a renderam e .sujeitaram
de maneira que <|ua.si se deixaram presidiar (1’elles mn
suas aldeias, não havendo nenhuma em (|ue não estives
sem como de sentiuella alguns Ilolland ezes.»
-48-

Prosegue narrando a scgninti! r riiriosa anordola ;


« K Ioda osta cosia do Caiará clicia do niuilos bai
xos, (jiio coin 0 vcnlo o corronle das aguas se niudam
íro((uenteinenl.e;e rôrarn inuilos os navios de diflerentoí;
iiaçõt‘s que aqui fizeram nautragio ; os (juaes eram des-
pojos da roljiça, da crueldade, e da gula dos Tabajàras ;
porque tudo o (|ue esca|»ava (lo mar vinha cahir em suas
mãos, roubando aos miseráveis naulraganles as fazendas,
lirando-lbcs a vida, e coinendo-lbes os corpos.
E depois que a experienria ensinou aos mare.antes
a se livrarem dos ])crigos da cosia, invenlou n'ella a
voracidade e cobiça (Cesta gente outros generos de bai
xos, e mais ('egos, (ini (pie muitos faziam o mesmo nau-
íragio.
Iam os mais ladimvs iCelles a((S navios (jue passavam
de largo, promcttiam grandes tlicisouros de ainbar jielo
(■'‘sgate das mercadorias (pic levavam, e (piando sabiam
com ellas cm terra os com|ira(loi'cs, succedia-llios o ([ue
n’(vst('s últimos annos aconteceu á uma náo da C.onipa-
nhia da Bolsa, (b' ((ue (*ra capitão Francisco da (ãinlia,
0 qual (l('baixo d estas |iromi'ssas de ambar mandou á
terra Irinia soldados ; e sabindo da praia ao rolo do mar
outros trinta índios forcos(as, para os tirarem ás costas,
assim alados C(jnisigo, os nietteram pelo rnalo dentro, ((
os inalaram e cosinliaram com grande festa, e os c-ome-
l am á Iodos, não vendo os que ficaram na náo mais (pie
o fumo dos companiieinas, (|ue náo cheirava ao ambar.»
•Vs sublevações das Capitanias do Norte, e seus ex-
rj ssos (a)ntra o inimigo comimim excitaram o entbusias-

mo dos Pernambucanos (pie redobraram em laes conjec


turas de exforços para lambem expeilir seus opprcssnres.
N’(jste mesmo anno de João Fernandes Vieira
que se viera estalielecer no Becifee vivia enín' os inimi
gos, de combinação com ãndré Vidal de Negreiros e ilar-
iim Soares Moreno contra os llollandezes, e
ateou por lal modo a insurr('ição que elie iiuismo intitu
lou da. Divina Liberdade, que tornando-se susiteilo aos
inimigos, vio-se obrigado a fugir do Uecifc em junho de
1645, e poz-se á ti'sla dos independentes (pie de toda a
-49-

|);u'lc i:oi'i'ei :iiii as aiiiias, <í á 3 ili’ a^oslo (li‘irf)luu os


iiivas(ii’i‘s iia l)alaliia do monte das Tnboeas.
l’niicos (lias d(‘|>ois. Il'I1(I(i-so reunido ás Iropas d,
Viidrê Vidal (■ de .Mai tim Soares .Moia-no, de ('.amarão
de llem i(|U(;s Uias, atacou-(js üiilra vez no làigindio d
Casa-forte, onde os derrotou complel.anienle ; rendeu a,
lorlalezas ([(' Nazarelli, rorto-('alvo, e do Kio de San;
1'ranciseo.
Kiii 1946 ('.amarão dirigiu-se solire o Bio-drande
onde (alou os campos o. causou grandes p(‘rdas ao inimigo.
N’(,‘s(e mesmo aiiiio Alarlim Soares .Moreno, cliama-
do á l'or(ugal, dei.Nou o Brazil, onde não se viu mais fi
gurar dalii por di.aute.
f.m 1(547 senlind()-se no arraial dos indepeiideides
gran le rilt.a. de viveres, saliiii Anditi- Vidal de .Negreiros
icira o C.eará em .Vgoslo : (mirou (( eonservou-se na ca
pitania do l5io-(’.i;m(l(>, dev.istando e desirnindo linfí,
enniu.ado voltava do Ceai á o rã\)U:\i) João fíarboza Pin
to, (pu' por seu maiid ido fôra conduzir os gados.,
('.hegando ('sle rmalmcnhí com mais de 700 rezes,
voltou .Negreiros ao arraial, para onde Irouxe a abun-
dancia e novo animo.
I•'.m janeiro de 1648 ll(mri(pies Kias foi para o Hio-
('■rande. onde venceu em Cnnhan (■ Uurairas, d’un(le vol-
lou coberto de ricos despojos.
Km ,abril do mesmo aimo deu-se a [ll■imeira balalba
de (fuamrapes tão fatal aos llollandezes, dc|)ois da (jual
morreu o grande ('.amarão.
Já ifesle tempo os indepímdeutes iam .apertaiubí
cada vez mais a pra(;;i do Hecile.
Km fevereiro de 1649 os inimigos, (•.•mrados do lon
go e cada, vez nmis apertado cerco (pie sollriam na praça.
1^^01x01X1111 tentar outra vez a soi le das armas em liaia-
Iba campal.
S.abir.im da jiraça com o mellmr das forças (pie pos-
sui.ini, e foram .acampar nos mcmtcs Ciuararapes, onde
soltrer.am nova derrol.i muito m.iis fatal e decisiva do
ipie .ado anuo anterior, tanto rpie, recolben(lo-s(' os (l('s-
Iroços de S(‘u exe( cito ao Itecife, n.ida mais lenl.n am
—oO—

que faça viillD iliiraute o resto »Jo decurso do l erco, a não


ser algumas sortidas sempre repellidas com vigor pelos
sitiantes c perda dos inimigos.
Finalmente atacado o Hecife por mar e por terra nq
(iiincipio tio anno de i654, e reduzido ao recinto da ci
dade, 0 inimigo desanimado e sem esperanças de soccor-
ro no dia 23 de janeiro pediu uma suspensão de armas
para o fim de se tratar logo de regular as condições da
capitulação e rendição da praça e mais fortalezas, e da
evacuação total do Brazil.
No dia seguinte foi assignada a capitulação da (jual
citei dons artigos que dizem respeito ao ('earã ; e com
poucos diassaliiu do Jlecife uma embarcação em direitu
ra para o Feará ; á bordo levava um destacamento com-
mandado jielo capitão Álvaro de Azevedo Barreto, encar
regado de tomar posse de todos os presidies d’esta capi
tania, e de llies pór guarnição.
Km sua companhia iam o tenente Manoel da Costa
eo alferes Antonio Martins Palha (pie, depois de toma
rem posse da capitania, ficai am de presidio durante seis
iiiezes, e depois se retiraram por terra para o Uecife.
l>crcorreudo mais de 200 léguas por paizes despovoados;
passando muitos rios em jangadas, e supportando como
bons soldados todos os trabalhos, fome e misérias (lue se
soffreram n’esta jornada, como o declaram as patiíntes
ifestes ofTiciaes em que vem especificados estes serviços.
Foi sem duvida este Álvaro de Azevedo Barreto o
primeiro c,a|)itão-mür do Keará nomeado pelo ('apitão e
governador geral de Pernambuco, embora não venha seu
nome no rol dos capitães-mòres ; nota-se porém n’elle
uma tão grande lacuna de 1654 á 1680 (pie ê de suppôr
(jue nos falte a noticia de uns poucos d’elles que governa
ram n’este decurso de 26 annos
Na epocha da ex mlsão dos llollandczes foi a capita
nia do Keará desligac a do Kstado do Maraidião, e an-
no.xada (-oiiio capitania secundaria ã de Pernambuco, da
ijiial ficou dependente até 1799.
N’este mesmo anno de 1654 foi o Kstado do Mara
nhão dividido em capitanias dependentes do governador
-5(-

geral do Brazil ; mas no anno segiiinle loi reslabelcci-


do este Kslado independente, e para elle foi enviado como
governador geral André Vidal de Negreiros.
N esta grande luta contra os Hollandezes distinguiu-
se 0 fundador do Ceará e seu 1.» capitão-uiór, Martiin
Soares Moreno, tè a data de sua revoeacão á 1'ortugal
por ordem expressa de D. João IV, em 1646.
Muitos índios do Ceará adquiriram grande nomea-
da n’esta guerra.
f). Anionio l elippe Camar.ão, irmão de Jacaúna e
corno elle oriundo do Ceará, figurou com seus Índios, e
tanto se celebrizou que em recompensa de seu grande
valor, e dos relevantes e incessantes serviços que |irestou
a causa da independencia, desde o dia do desembarque
domimigo, até a epocha de sua morte em 1648, assistin
do a quasi todos os encontros notáveis cresta longa e re
nhida guerra, mereceu o titulo de dom, o posto de go-
vernaeJor e c.apitão general de todos os índios, e o habito
da circlem de t.liristo, o qual n’aquelle tempo só se con-
cedia á quem o merecãa por grandes acções; grangeon
finalmente um lugar distincto nas paginas da historia
d't?sta memorável epocha.
Kste inclyto heroe nunca desmentiu o elevado con
ceito (|ue d’elle fizeram os chefes d’aqurlla expedição.
Não obstante a sua bravura ( á toda a prova ) nunca
sahiu ferido, e veio a succumbir em consequência de uma
grave enfermidade cpie se suppeõe ter sido uma febre ma
ligna.
• a casa iini
llndo do filho cujo nome
governador se ignora,e que
de Pernambuco, foi reco-
Francisco cie
Brito I reire, para ser doutrinado e tratado c:omo mere-
c-,iam os eminentes serviços cie seu pai.
(.omo não tinha descendencia directa em qiie podes-
sem recahir as honras e dignidades pertencentes á sua
pessoa e á seu nome. honraram a sua memória dando-lhe
por substitiilo I). Diogo Pinheiro Camarão, seu primo
(segundo outros seu sobrinho), natural de Pernambuc-0,
mas filho de iini índio da famiíia dos Tiibajãras por nome
rrancisco Pinheiro Camarão.
—ü2—

1). fli'|iois (l(! ciciiiiiimii.ii’ 0 ili’ s(‘ii pri-


mn l>. \nlo!ii(t Kolippc, coiiliimiiiuli) u sf! ilisliiiiíuir iia
^íuorra ila in!li‘pon(lei>(aa c iia (pic se ícz <ajnlra os ne^ri^os
tios r ilmai'('s, loi nomeado capitão inói' e governador
geral de Iodos os Imlios e siias aldeias da capilaida de
l‘ernaiul)uro ode suas aiine.xas, em 1672 ; posto este em
ijiie serviu até sua morte (pie leve lugar em 1677.
Sulísliluiu-o 110 mesmo jiosto um tal .4n<omo João
Camarão que não se sabe oipu* era d’estes.
0 certo é (juo servindi» mal este eiiqirego, poi’ matar
e luallralar os luilios, estes(ajm os .Missionariiis repre-
<eiii ii'ain coidraelle, (‘iii coiiseipieiicia do (jue l'oi-llie iu •
limada, ordem de prisão da parle do governador de Per-
nambnco, tr Jaão de Smiza ; nms evilon-a pela. fugida,
sendo nomeado em seu lugar um índio Tubajái a, oriun
de por conseguinde do Peará, por nome Anlomo Pessoa
Arro I erde, lillio di' Anlonio Gonçalves Panasco ipie des
de 1636 prestara reli'vant('s serviços na guerra da inde
pendência e nados Palmares ; I ornou [losse em 1682, e
serviu até sua morleem 1692.
Teve um fillio do mesmo nome qne lambem se dis-
liiiguiii na gu(‘rra contra os llollandezes e contra os

n, Diogo Piidieiro P.amaiüo teve nm filho de nome


b. Sebastião Pinlievo Camarão, (pie l imbem celebrizou
0 seu nome nas mesmas guerras contra os llollandezes
e os Palmares. (■ em 1693 era capitão mór e governador
do terço ile inlantai ia e de Iodas as aldeias da capitania de
l■ernalnbuco e suas aunexas, desde rio de, SanfFran-
cisco até o Peaiãi.
Vi um dociunenlo d’elle rubricado da fronteira de
SaiilMIigiiid ilo iraripe.
Xbisloiia trata ainda de um tio di' i». Antonio i'i-
lippe I',amarão, de nome Jaguarji, mas ipie baptizaram
por Simão Soares.
Tendo sido iircsos iielos llollainlezes sua mulber e.
tillms, passou-se |>ai’a idles afim de recuperar a sua fa-
niilia.
•Juaiiilo Voltou com ella para os PortuguozeSi con-
—S3-

siilornr:iai-ir(i por mais ipie se jusliíi-


l asso, laiic:iraiii'ir() aiii miia piásão onde padeceu por
i'S|)a(;o de 8 aiinns.
Acliava-se |)resi) iia Idrlaicza tio RioCirarida, ([uaii-
do ella íoi eidrejíuo |)oi' Iraicão do ('.alahar.
<>s llollaiidozes o sollaiam ; nias (dli’eiii vez do se
imir á seus liliei'lailiiri‘s. (•oncu |iara sua aldeia, onde
excitou 0 entluisiasiuo de seus cotiiitatriolas, e coiii ell(.‘s
:ipi)ai (;ceu iio caiiipu dos l'orlU|,uiezes para partici[iar das
yjlonas di3 seu jã iiiui celebre sobrirdio.
Ksla acção valeu á .laaiiarv unia Iieiiiusa' iueu(;ãn
lias paginas da bisloria il’a(paelie luemoravid tíMiipo.
iNos livros da pi’ovedoi ia do Teaiá acba-se uma oi-
deiu do Vi(a'-Hei ilo ürazil, com data de 1726, ao pre
sidente da dita provcdoria, mandando abonará Ires ludios
da Ibiapaba suas lerças respectivas de 203000 réis aii-
miaes, ipie ifaiiles eram painas pela provedoria do Rio-
llrande.
la'am estes ludios I). Josè de Vasroncellos, 1) Filip-
!>e d« Souza CasLro, c D. Sebaslião Saraiva Coulinho,
todos ti'i‘s dl) babilo de Sanldago
Su|ii)õe-se serem elles descendentes ou parentes de,
o,amarão, ou de alguns outros ludios celebres do seu
lerco.

« Kuiraram, iliz o i'adre Vieira,os ludios rebeldesnas


capiliilaçõesda enirega, com perdão geral de Iodas as
cidjias passadas, mas elles como ignorantes de iiiiam sa
grada é a l'é publica, temeram ipie os 1’ortugiiezes. como
lãü escandalizados, appiicariam as armas vicloriosas ã
vingança que (ão merecido liidiam ; e obrigados de cer-
to rumor lalso de que os brancos iam levando tudo ã es
pada, lançaram-se cega c arridiatadamente aos bosques,
c.om suas mulberes e lilbos, onde imiilos peri'ceram ás
mãos dos Tapuias, e os demais se encaniinliaram ás sei'-
ras da Ibiapaba, como refugio conbecido e seguro dos
malfeitores. »
(( Acrescenta o mesmo autor que esles Índios du
rante a sua estada entre os llollandezes tomaram os vi-
—lik—

cios I' OS maus foslumcs dos seus mostres, e aceitaram


as suas opiniões hereticas.
Aprenderam a ler e, escrever, e trouxeram comsigo
livros, papel, pennas, tinta, e mesmo lacre de Veneza.
Kstas artes desconhecidas dos Tahajáras foram cau
sa de serem tidos os recem-chegados por grandes sábios
por seus hospedes, á quem ensinaram a lingua Hollande-
za, a leitura, a escripta, e também as heresias que
aprenderam nos livros d’elles, que traziam. »
Já vimos que Antonio Teixeira de .Mello mandou cm
1644, ilepoisda expulsão dos Hollandezes do Ceará, to
mar conta dos seus presidios por Estevão de Campos Mo
reno, á quem nomeara capitâo-mòr e governador d’elle
e dfjs dmnais estabelecimentos que ali existiam ; o qual
parece que continuou n’este governo até a total evacua
ção (Io Urazil pelos Hollandezes, se todavia não se viu elle
obrigado a ceder novamente o terreno aos invasores assim
como n dam a entender os documentos, como já o de
monstrei.
rltr^

CAPITULO IV.

üiMjtea da 8erra da Iblapaba.

-v\AA/'trsAA/^

Cliama-?e 5erra da Ibiapaba a (jufbrada de nui vas


to plaíó, (|ue da inarfjeui oriental do rio Paniahiha veni-
se levantando quasi insensivelmente, até que termina
bruscamente por uns talhados á pique, e muito elevados
acima dos sertões do C.eará, d’onde apresenta realmente
o aspecto de uma serra bastante alta, ao passo que vista,
da parte do poente não dá demonstração de serra.
Este platò não chega até ao mar ; termina-se tam-
liem por uma serie de ladeiras parallelas á costa, na dis
tancia de dòze léguas.
Os índios d'esta região, considerando a constituiçãii
do terreno do mesmo modo que acabo de o fazer, não
chamavam serra este accidente, inas sim Ibiapaba, que
na lingua Tupica significa terra talhada.
-N i chapada d’esta elevação, perto dos talhados que
descem para o Ceará, residiam os índios Tubajàras, da
lingua Geral, e ao redor d’elles os Tapuias seus alliados
ou sujeitos.
—o6—

Foi |iai’a atii (|iic se diiágiraiii ns [uiiiieiros .lesailas


do (|ueiii fallãinns, e dos nuacs um, o Padro Piiilo, foi
victiiua do seu zelo.
Us .lesnilas do Maranlião iuloularaiu depois da ex
pulsão dos Holiandezes eliamal-os á fé; eé a historia
(Festas missões (|ue vamos referir, seguindo nesta parle
a rolarão infelizmente incompleta que d’ellas fez o l*adre
Antonio Vieira.
Os .(esuilas do Alaranlião, á rnjo governo pertencia
ainda o Ctiarã, mandaram missionários dos seus rollegios
l»ara os seriões d’esta rai)ilania, e para as [danicies da
serrada Ihiapaba, afim dt! deslruirem nos fiidios, já rcu-
iiidíjs em missões, as idéas herelicas ipic tinham recehi
do dos Holiandezes, rom os ipiaes haviam romhalido du
rante a sua estada no Itrazil, e de chamanmi outras hor
das ainda selvagens .10 grêmio da religião calholica.
'riidiam n’esla época os jesnilaspor provincial o l’a'
dre Vnloino Vieira, lão conhecido por suas ohr.as litte-
rarias, c.omo pelo zelo com <1110 se portou n’eslas missões
dos [ndios.
O Padre Vieira foi mandado expressaimmle á Lisliô.a
para advogar a causa dos índios, e 0 fez com tanto zelo,
(pie ohteve por despacho d’el-iei 1). .loão IV o alvará
(le 9 de ahril de 1655, em que se piadiihia o capliveiro
lhas índios, exc.epluandoapenas quatro casos : l.^ipian-
do tomados em guerra justa, para a qual concorressem
todas as circumstancias exaradas no dito alvará; 2.°
quando se oppozessem á pregação das verdades evangé
licas ; 3.“ (piando fossem [tre.sos á corda, destinados
l)ara serem comidos ; 4.® (inalmente quando fossem ven
didos por outros índios, que os houvessem lomado em
guerra.
Ordenava-se demais que tanto a doutrina, como o
governo espiritual dos Índios estivesse á conta exclusiva
dos jesuitas da (iompanhia.
Depois de lão arrostradas perseguições, traições e
opposições sem numero dos governadores do .Maranhão e
Pará, (|ue por interesse proprio favoreciam a escraviza-
ção dos Índios, 0 Padre Vieira, voltando para o Mara*
—57

iiluo ('111 iii.iio (l(! 1C55, t.Ticonlroii i'nlã(i nn jioilcr Aii


iti'(! \ i(lal (le Npgroiros, fjun n ravoid cii cm Iodas as suas
cm{)r(!zas á lavor da (■atei'hés(! dos índios, no que {)ro-
i;edeu rnui dilTereuleinento de seus predecessores.
O venerando missionário, aproveitando se d’esla bôa
disposição do governador, não só enviou missionários ao
ileará, romo tainbeni veio pessoalmente visitar e promo -
ver as missões da serra da Ibiopaba.
\ sua obra intitulada Voz histo>‘ica è urna bisloria
detalhada das ditas missões. l)’ella extrabirei os princi-
paes fartos, conservando o mais (pie me fòr t)ossivel a
sua oração
i< Ailjudou muito á esperança de obter um bom re
sultado d’cstas missões um novo inlento d 0 governador
André Vidal de .Negreiros, o qual chegou no mesmo anno
de tG.55 ao Mai^anhão. resoluto a levantar uma fortaleza
na boca doCamocim, tpie hé defronte ilas serras, para,
segurança do cominercio ilo pão violete, (|ue se rorta nas
Iraldas d ellas. e do resgate do ambar, que ba tempos sae
em grande quanUdade n’aquellas praias.
« bommunicados os pensamentos do governador, e
do Supeiáor das mis.sõ(!s, julgaram ambos (pie primeiro se
escrevesse aos índios da serra, ile quem não só depemlia.
o commercie, mas ainda a fabrica, e sustento da forta
leza.»
« Mas ditíicultava nu impossibilitava de lodo a eni-
baixada, a difliculdade do caminlm dec,em léguas, ata
Ibado de muitos e grandes rios. c infestado i|e divers;;
naçnes de 'lapuias feras e indomitas, (jiie a ninguém pci
doam. >•
« (.omtudo bouve um índio ila mesma iiaç.ãu Tuba-
jára. cb miado I’rancis:‘o de .Murereiba, que se atriMeu e
olIVreceu a levar as cartas.»
« ü tbe.or d’ella.s foi ofTtumcer o governailor,, em no
me d’Kl-IIei, á todos os índios <[ue se adiavam na, serra,
pmalão i‘ es( [uecimento geral de todos os delirtos pas.sa-
dos e dar-lhes a nova de serem idiegailos ao .Maranhão
os I‘a Ire.s d.a (àjmpanbia. seus primeiros paes e mesire.s.
■para sua delen.sa e doutrina ; e o mesmo escreveu o Pa,-
-58-

ilre Superior 'Ias iiiissòes, ilaiidoa si e a iodos os Tadres


pur fiadores de, l,iido t|uanto o governador proniettia »
Partiu Fi'anr,isro com as cartas, ein maio de 1655;
<■ como fossem passados uove. mezes sem nova d’elle.
desesperado de lodo este primeiro intento, ein fevereiro
do anuo seguinte de 1656, i[ue sam as monções ena que
tie alguma maneira se navega para liarlavento, despa
chou 0 governador uma sumar,a, com um rapilao, e 40
soldados, e os maleriaes e instrumentos necessários a
tnhrica da fortaleza do Camocim ; e na mesma sumar.a
i:i omb ircado 0 Padre Tliomè Ribeiro com nm compa
nheiro, para saltarem em terra no mesmo sitio, _e pra-
lirarem aos índios, e darem principio áquellamissão. »
(( Auiiiioii Uiuhoiu luuilo a r(‘Soluç.íÍ() <lo t^o\eriiaaoi,
r iutenlos dos Padres a paz (pie por meio d’enes vieram
hnscar ao Maranhão os Terembembés. que sao aquelles
Oenlios que frequentemente se nomeiam no roteiro da
costa com o nome de .Alarves.»
« Uma dns mais difficullosas e trabalhosas navega
ções de lodo o mar Oceano é a que se faz do .Maranhão
até 0 Ueará [lela costa, não sò pelos muitos e, cegos bai
xios de que toda está cortada, mas muito mais pela im-
iie.rtineiicia dos ventos, e perpetua correnteza das aguas.»
.( Vem esta rorrentesa feita desde o cabo de Boa-hs-
pi'ranra rum lodo o peso das aguas do Oceano, na Ira-
Vi *ssa onde ellc é mais largo, que é, entre as duas costas
da África e America ; e começando a descabeçar, desde
o cabo de Santo Agostinho, até o caho do Norte, é no
ta, vel a força que em lodo aijuelle colovcllo da costa faz o
impelo da corrente, levando apoz si não so tanta parte
d;i mesma terra que tem comiiio, mas ainda os proprios
céos, e os ventos, que em companhia das aguas, e como
.arrebatados dellas, correm perpcluamenle ile Leste a
Oeste.»
K Uom esta contrariedade continuadas aguas e dos
ventos, que ordinariamente sam brisas desfeitas, fica toda
a costa d’c8te estado quasi innavegavel para barlavcnto,
de sorte que do Pará para o Maranhão, de nenhum modo
SC póde navegar por fóra ; e do Maranhão para o l.eará
-59-

<•0111 ”i’aiuliísiiii:i (lifliculiJoile, <* ;^ò em rorlos niczcs iln


anno.»
« Navpga-se n'eslos iiiozes pela madrugada com a
l»afagem dos terrenhos, os(juaes como são incertos, e du
ram poucas horas, todo o resto do dia e da noute, e ás
vezes semanas e meses inteiros se está esperando sohre
1'erro, na costa descoberta, e sem alirigo, sendo este um
Irabaltio e cnfadamento maior do (pm toda a [lacieiicia
dos homens; e o peor de tudo é, que depois iTesta tam
cançada porfia, acontece muitas vezes tornarem as em-
harcações arribadas ao Maranhão, como também ifesta
occasião a sumaca em que ia o Padre e os soldados para
o ('amocim, temlo gastado 50 dias em montar sõ até o
Rio das Preguiças, que é viagem ([ue desfizeram em doze
horas. »
'< Depois mostrou a experiencia que fôra providen-
‘•ia particular de Deus não chegarem os soldados a pòr
pé em terra, nem se intentar a fabrica ila fortaleza, por
que segundo a disposição em que então estavam os ín
dios da serra, é sem duvida que oii haviam de impedir a
fortaleza por armas ou se haviam rle retirar para tam
longe d’ella, onde nunca fossem vistos. »
« Partiu n’esta mesma monção em uma embarcação
Latina o Padre .Manoel Nunes para o Ceará, e o Padre -\u-
lonio Vieira para a Bahia ; ia um a cultivar os índios
(Paquelle districto, outro para trazer sugeitos que pudes
sem acodir aos demais; e posto (jue venceram mais lé
guas da costa, pela melhoria das velas, e perseveraram
mais tempo na mesma porfia, teimando contra o mar, até
se verem qu isi comidos d'elle. emfim desenganados hou
veram também de arriliar ; mas na hora ein que se aca
bava de tom ),r este aceordo, para se levantar as ancoras,
eis que vem uma (“mbarcação pequena á vela, escorren
do a costa, e gente vestida de côr marchando pela praia.»
« Ao principio pensaram que eram estrangeiros es
capados de algum naufragio, mas chegando mais perto
reconheceram que era o índio Murereiba, que, aceom-
panhailo de outros da serra, vinham trazer a resposta das
—60—

(•,artas que havia quasi um anuo tinha trazido do Mara


nhão. »
« Eram dez índios da serra, que accompanhavam
Francisco, dos quaes « que vinha por maiorial apresentou
aos Padres as cartas que traziam de todos os principaes.
mettidas, como costumam, ein uns cabaços tapados com
cera, para que, nos rios que passam a nado, se não mo-
lhassem »
« Admiraram-se os Padres de ver as cartas cscriptas
em papel de Veneza, e fechadas com lacre da índia ;
mas até d’estas miudezas estavam aquelles índios provi
dos, tanto pela terra dentro, pela communicação dos
Holiandezes. de quem tinham recebido tambeni as rou
pas de gran eseJa, de que vinham vestidos.»
« A letra e estylo das cartas era dos índios Pernam
bucanos. antigos discipulos dos Padres, e a substancia
d’ellas era darem-se os parabéns da nossa vinda, e signi
ficarem o grande alvoroço e desejo com que ficavam es
perando viverem como christãos, não esquecendo de lem
brar aos Padres como tinham sido os priinejros filhos
seus, e quão viva estava ainda em seus coraçoes a me-
rnoria e saudades do seu santo Pai-Pina,([ue assim cha
mavam ao Padre Francisco Pinto. »
« Chegada ào Maranhão esta. resposta, lam conforme
ao que se desejava, se resolveu logo que a viagem se fi
zesse por terra, e foram nomeados para esta Missão o
Padre Antonio Ribeiro, pratico e eloquente na lingua da
terra, e o Padre Pedro Pedrosa, que pouco antes tinha
chegado de Portugal. »
« Partiram os Padres, e até o Rio das Preguiças le'
varam boa escolta de soldados portuguezes com que pas
saram 25 léguas de perpetuos areaes. chamados vulgar
mente os Lmçots, por ser este passo muito infestado por
Tapuias.»
« Como em todo o caminho não ha povoação nem es-
talagem, é um dos grandes trabalhos e diíficuldades d’el-
le haver de levar os mantimentos ás costas, que vem a
ser a farinha que chamam de guerra, queè o biscouto
61 —

'l'<‘slas terras, 0 (lual ao uso (l’»illa so leva laii iiiiscomo


'arcos (Ip vimes tecidos o embastidos de lollias.»
« Succedeu pois (|ue os que levavam os saecos as
eostas, assim por se alliviarem do peso, como por ser
^'pnte que come sem regra, em treze dias os deseiitra-
nharam de maneira que quandr» os Padres foram dar ba
lanço ã farinlia tiâo acharam mais que o vulto da folha
gem ; e que toda a tropa que constava de sessenta bo
cas estava totalmentc sem mantimentos. »
« Todos votaram (jue voltassem outra vez para o
Maranhão, mas os Padres resolveram (pie o que se havia
de padecer tornando, se padecesse proseguindo para dian-
i(i ; e animando os índios se fez assim ; e se sustenta
ram todos ile carangueijos com um pouco de peixe que
lhes deram os Tereinbembés, em dous de seus magotes
que encontraram no resto da viagem que ainda constava
de tres quartas partes d’ella. »
« frovernava um (Pestes magotes Tatúguassú, um
dos quaes tinha ido ao Maranhão, e que era o interprete
dos demais, ao qual, como logo se colheu de suas pala
vras, nunca lhe pareceu bem que as suas praias fossem
trancas aos Porluguezes, c devassadas de passageiros ;e
como era esta a primeira viagem, tratou de cortar n’ella
o fio e os iutentos á todas as demais, dando de noute um
l)om assalto nos nossos. »
« A’ este üm convidou bôa parte dos índios à certa
l>escaria que havia de fazer de noute em um posto dis
tante, e aos soldados portuguezes (jue eram oito, tam
bém os procurou retirar, tomando para isto uma traça
que bem mostrava ser inspirada do üemonio, e foi pro-
nuHter que lhes mandaria algumas de suas mulheres,
para os ter longe dos Padres, c divertil-os, tendo no mes
mo tempo escondido no mato a maior parle da sua gente,
para rebentar com ella na hora do maior descanço. »
« De tudo isto estavam os Padres hem innocentes,
dispondo-se a se recolherem para descançar, quando ti
veram um escrúpulo, e começaram a duvidar da fé do
rerembembè ; e inferindo do mesmo bom agasalho que
lhes üzera a traição que debaixo d’elle linha armado.»
-62-

■I C.om esta suspeita, sem oulru iiidicio nem avei i-


ordenaram que se fi zesse logo a marcha que es-
l:iva disposta para se fazer de madrugada, abalando com
tndo 0 silencio, e marchando toda a nouto, e d’este modo
amanheceram livres e vivos. »
'< .Vssim 0 descobriu depois aos Padres_ uma velha da
ine<5ma na(jão, a (pial tinha ido ao Maranhão na occasião
das pazes, onde fôra mui bem tratada dos nossos, e ago-
la em agradecimento veio esconilidamente a trazer-lhes
minelle aviso que ainda foi bom para a cautela.
« Um dos perigos e trabalhos grandes d’cste cami-
nhit é a passagíun de 14 rios mui caudalosos ipie o atra-
s>s>am e so passam todos por meio da foz onde confun
dem e encontram suas aguas_com as do mar : e porque
nan ha n’estcs rios embarcação para os passar, é forçoso
(razel-ado .Maranhão com inunenso trabalho, porque se
vem levando á mãos, [lor entre o rolo do mar c a ressaca
das ondas, sempi’e por costa hravissima, alagando-se ã
cada passo, e atirando o mar com eda e com^ os que a
levam, com risco não sò dos índios e da canoa, senão da
mesma viagem que totalmente d’ella depende ; muitas
vezes é lambem necessário arrastal-a por grande espaço
de terra (> montes, para alcançar de um mar ã outro, e
talvez obrigam a tomar a mesma canoa em pezo ãs cos
tas com toda a gente, e Icval-a assim por muitas leguas;
dl* modo que para haver embarcação para passar os rios,
se ha-de levar pelo mar, pela terra c pelos ares. »
K .Na passagem do Rio Paramirim, (Parnaibal que é
o mais forçoso de todos, foi tal o impeto da corrente que
arrebatando a canôa, a levou rodando mais de tres le
guas pelo alto mar dentro, dando todos por perdidos o
Pa lre .Unlonio Ribeiro c sele índios ([ue n’ella iam De
pois de cinco horas de lutar com as ondas, o mesmo mar
o.s trouxe à terra, não havendo já quem tivesse animo,
nem braços para sustentar os remos nem o governo... »
•< 0 caminho que é de 130 leguas pelo rodeio das
enseadas, o fizeram os Padres todo à pè, e sem abrigo
para o sol que nas areias é o mais ardente, porque em
tolas ellas não ba uma sò arvore, e até a lenha a dá não
-63-

t lerra, mas o mar em algims páüs secrus que d(!itam as


iiiidas ã praia, a cama era onde os tomava a noule sobre
as mos nas areias, e lamitem debaixo d’ellas, porque
marchavam no tempo das maiores ventanias, as fpiaes le
vantavam uma nuvem ou chuva de areia tão continua
que em poucas horas ile descuido se acha um homem co -
i)erto ou enterrado ; c até o mesmo vento, cousa qns
parece incrível, é um dos maiores trabalhos e impedi-
uientos (resta navegação por terra, porque é necessária
tanta força para romper por elle, como se fora um ho
mem nadando e não andando »
« EmQm como esta era a primeira viagem que se
fazia ou abria depois de tantos annos, por estas praias,
a falta de experiencia, como succede em todas as c^Ujus
novas, fazia maiores os trabalhos e os perigos. »
« Mas vencidos todos aos 4 de julho de 1656, em
que se contavam 35 dias de viagem, chegaram os Padres
á sua (lesejada serra da Ibiapaba. »
« Ibiapaba não é uma só serra, como vulgarmenli*
se chama, senão muitas serras juntas, ijue se levantam ao
sertão do Comocim, e mais parecãdas às ondas do mar
alterado, que á montes, se vam succedendo e como enca-
pelando umas apoz das outras, em distancia de mais de
40 léguas. »
« São todas formadas de um rochedo durissimo, e
mn partes escalvado e medonho, em outras coberto de
verdura e terra lavradia.
« Da altura (Testas seiras não se póde dizer cousa
c-erta mais qmj são altíssimas e que se sobe ás que o per-
(iiittem com maior trabalho da respiração (jue dos mes-
mos pés e mãos, de (pie é forçoso usar em muitas pai-
tes.
« Mas depois(jue se chega ao alto d’ellas, pagam
muito bem 0 trabalho da subida,i'mostrando aos olhos
uin dos mais formosos painéis (|ue por ventura pintou a
natureza em outra parte do mundo, variando de montes,
vaUes, roc.hedos, picos, b()s(|ues e campinas dilatadis-
sitnas e dos longes do mar nos extremos dos hori-
sontes. »
—64—

« Sobre tudo, olhando dos altos para os fundos das_


serras, estam se vendo as nuvens debaixo dos pés. »
« Os dias no povoado da serra sam breves, porque
as primeiras horas do sol cobrem-se com as névoas que
sam espessas e muito continuas ; as ultimas escondem-
se anticipadamente nas sombras da serra que para as

partes do occaso são mais visinhas e levantadas.»


« .4.S noutes, com ser dentro da zona tórrida, sam
frigidissimas em todo o anno ; o no inverno com tanto
rigor que igualam os grandes frios do Norte, ec :: ::
so SC

pódem passar com a fogueira sempre ao lado.»


« .4.S agoas sam excedentes, mas mui raras, e á esta
caristia attribuem os naluraes ser toda a serra muito
falta de caça de todo o genero ; mas bastava para toda
esta esterilidade ser habitada ou corrida ha muitos annos
de tantas nações de Tapuias que sem casa nem lavoura
vivem da ponta da frec la, matando para se sustentar
não só tudo que tem nome de animal, mas ratos, i-obras.
sapos, lagartixas, e todas as outras irnmunidicies da
terra. »
« Quasi na mesma miséria vivem igualinente os Ta-
bajáras, posto que poderam sem muita difDculdade sup-
prir as necessidades da terra com os soccorros do mar
que lhes fica distante 25 léguas,c sobre ser muito abundan
te de todo 0 genero de pescado, está offcreccndo de gra-
• ça 0 sal nas praias, em uma salina natural de mais de,
duas léguas ; masè tam grande a inércia d'esta gente e
0 ocio em que excedem á todos os do Brazil, que po:'
milagre se vê um peixe na serra, vivendo de mandioca,
milho e alguns legumes de que não tem abundancia ;
com que é entre elles perpetua a fome, e parece (pie mais
se mantém d’ella (jue do sustento. »
M Não foram novas aos Padres as inconunodidades do
sitio de que jã tinham algumas noticias como dos costu
mes dos moradores, os quaes acharam em tudo no esta
do em que acima os descrevemos, posto que foram rece •
bidos com grandes demonstrações de gosto e humanida
de,e com aquella admiração e applauso que sempre acham
D’esla gente todas as cousas novas. »
—es-

" V |iriim'ir.i cdiis.i mi ilqxiis ilc sii;i


rli"LMila IVii ;i (‘ilificaqTd de imia igreja, a ealeiiiiesa dos
itidiiis, ('SjSMáaltuenle lios iiieiiorcs (|ne eidrarain logo
'< Os (Miiliaraeos o dilíiriddades (|iio eDcniilt arani ao
eslabolerinienlo db-sla missão foram dos maiiin-s ijiie ja-
mais se linlia exjierimenlado aa roai|ais(a es|iirilaal de
loilas as geidilidailes do Urazil. »
« Us Missioaarios lialiam sido enviados ãsei ra, mais
para vereai a disjiosirão da ginile e do lagar, ilo (|ae para
Si' lixarem aVMa ; lialiam ordem de dai- de Indo parir
earcoaslaaciada aos sn]ierior(‘s, e do esjieraiaMii a i'esola-
eão do (|ue liaviaai ilo seguir.»
« (,om ponro meteram-se ma raiiera Iodos os pria-
eipaes ([uoos l’adres aão viaham a Iratar de sua salva-
çao, senão da sua ruina ; e (]ue eram espiões dissimu
lados dos 1'orluguezos [lara avi.sarem do ipie
r se passava
ua sei ra e ipiando estiv.essmu mais ilesi iiidados; os en-
Iregarom iodos em suas mãos, os maiores para selem
juslii;ados dos dolielos passados, e os outros para serem
vendidos por eseravos em perjieliio capliveirn. )'
'< .Iniga-se ipu‘ partiu esle (lensanimitíi dos relugi.a-
düs de l‘e! namimco em ipie eram maioriís as culpas e
maior o lemor.»
« Não haviam aerões nem movimeidos, nem ji.alavras
ri( m mesmo silencio dos Padres de ipie não íizessem no
vo argumeulü. »
'< Isto se fallava entre todos, soln e isto se iliscorria
e se hehia, (|ue é o tempo e o lugar de seus mais vives
discursos »
'( Suceedeu por este tempo fazer viagem o governa
dor André Vidal de, .Negreiros do Maranhão jiara 1’ei iiani-
buco por lerra afim de ir tomar piisse do governo d'esta
'■.apitania para a (pial l inha sido removido, e eonio idle
trazia gramle eseolla de soldailos, e [mlios, tiveiauu por
certo os da iliiapaha que aquelle apparalo se enranii-
iihava a coiKiuislal-os, por isto chamaram di.ssiniulada-
menle todos os lapuias da sua eontideiicia, e ns livoraro
em cilada em qirmlo o governador passou pelas suas
—66—

nraias: e depois que esteve eui lugar (}ue iiãü podia


mais voltar para traz, tornaram a desfazer esta prevenção,
com tanta dissimulação e segredo, que nao chegou a no
ticiados Padres, senão d’ahi a annos. »
« Pouco tempo depois aconteceu no Leara um tacto
que poz em grande perigo o forte. Ç. '
« Nos arredores do Ceara, na distancia de 60 le
mas da Ibiapaba. viviam duas nações de Tapuias gentios,
confederadas ambas com os Portuguezes, mas inimigas
entre si ; uns se chamavam Ganacés, outros Jaguarua-
nas. »
Estavam estes occupados no mato a cortar madei
ra do precioso páo violete, para o capitão da lortaleza,
quando os Ganacés. levando comsigo alguns índios clms-
lãos de duas aldeias avassalladas que ahi tinham os Por-
tuimezes, deram de repente sobre elles. e tomando-lhes
:is°imüheres e filhos se vinham retirando com _ a presa.»
« Fizeram aviso os Jaguaruanas ao capitao da lor-
talcza, em cujo serviço estavam : o qual lhes mandou
de soccorro 24 praças, soldados portuguezes, com ordem
que os adjudassem e pelejassem contra seus mimigos;
podendo mais n’este caso, como sempre pode, a rasao
da cubiça, que a do estado, a qual dictava que se guar
dasse neutralidade com ambas as nações, pois ambas
eram alliadas dos colonos. » .
« Chegaram os soldados aos Ganacés, que se tinham
feito fortes em uma reboleira do bosque ; e desordenan
do mais a desordenada ordem que levavam, um d elles,
que não era branco, persuadiu aos fortificados que entre-
íTassem em confiança suas armas, em sinal de paz, para
se retirarem debaixo da protecção das da tropa.»
« Mas os Jaguaruanas, que jà tinham recuperado a
presa, tanto que viam a seus inimigos desarmados, sem
lhes poder va er os soldados portuguezes, deram sobre
elles, e em um momento quebraram as ^ todos,
que e o seu modo de matar, sem ficar de 500 que eram.
nem um só com vida. »
« Foi este um facto que alterou grandemente os
.inimos de todos os índios do Ceará, e muito mais os
-07-

v;iss,'illiis “ ailiailclí.veiiilo i|iiP a soiiilua ilc laissas arina^.


(1p mu-pIIps psporavain a (l(>fi'za, füi'a a im-siiia, o por
pstylu tain iiiílií,'iio, (juo o? nieltiM a oniiid conlcii os na-
mãos dos si,“us inimigos. »
« Oiamavam conlra os inlnresscs do <'apitno, o l on-
Ira a h-aldado dos soldados, o (|ut; Mips onsiiiaxa a dor,
n ajusla ira; o talvez sn [•reci[iitavani cm ameaças con
tra a fortaleza, e contra a vida de quantos estavam
n’i'lla, »
i A i i  A A I
•i‘%* */Çv'-

CAPITI LO V.

I nnüiiiinção do lucstuo assiiiuplo das


illíssões.

''■^J\PJ\/\J\r~-

'( Posta a Porlaleza ii'cste a|)orlo (! r('f(.'io, nM-ehi'-


laiii os Padres da ILiiajiaiia cartas do rapeiruj e do alino-
va rife eiii (|ue llies representavam o estailo ile todo, e
dti'< peiliam (pie por serviço de lieus e d’l',l-llei, ([uizcs-
aoii acodir com tuda a pressa áquella farça, pois sò a
'Oa pi iNeiiga, e a moita autoriilade que tem com os In-
ilios poderia olirar em seus ânimos tão jiistamenle irados
I) que importava á conservação de toilos.»
' Por esta causa, e por [lerleucerem lamhem aquel-
les Iniliosá esta Missão, resolveram os Padres partir logo
IO Pa-ará ; mas vendo que com a noticia d’esla jornada
lornavam a reverdecer Iodas as suspeitas dos da Ibiapa-
l»a, liouvo de ücar ali um dos Padres, como em retem
do outro, e foi só áquella empresa o Padre Anlonio lli-
lieiiai. ))
« Primeiro aquietou, não sem diííiculdade, os ín
dios christãos das aldeias, que como vassallos d’Kl-Ilei, e
r
reados em maior [lolicia sabiam melhor sentir e, enca-
—69-

rar a cau<a iJa sua ilôr, e com elles (iraram lambem


quielus os Gaiiacés, |)ri:ii(3Íros move lores (Testa Irago lia,
aiijudaii Io nao pouco a sua iiiesiua culpa a se coiiiporcin
|•Olu 0 successo »
« vS(j os Jagu iriiaii is. ci)iiio pcovorados sciii causa,
c como iusoleritíís (U),ii a victoria.iião cessaram dc aiiucuair
coriluiUíiaienle a aaibas as al líuas, eiu uma das (piaes dc-
riio de rei)eule ao íe;npo (pie o T iilre («st iva levaiilando
a hóstia; mas acahad.a a missa cum a pressa ipie pedia
o perigo, ('staii Io já alguns da aldeia mortos, e feridos
guasi todos. (]iie iião chegavam a (]uareiita, sendo qua-
icocentos os birb iros ijua comiutiani uma baca estacada,
'le que estava cercada, o Padre se subiu intrepidamente
-«oitre ella, jur indo das fcechas, e não pedindo pazes
nem rogando, senão reprehendendo e ameaçando o cas
tigo do D,MIS aos barbarus, deu Deus tanta ellii;acia a es-
las vozes, e ao império dellas, ipie suspenlendo os ar
cos e Irechas. se retiraram logo tolos, e (T.di a Ires
dias, em presem;a do Padre e do capitão da Fortaleza,
vieram a lazer jiazes iiue se cçlebr
^ iram solcmnemcnte
entre (vsias e as mais nações oliendidas. »
« P.n (piant.) isto se obrava, não atlemlia o Padre
coin meni); cuidado a doutrina dos índios cliristãos,
(|uaes achi.m na mesma confusilo e miséria em (|ue estaos
vam os d,a [biapab,i, e se põile .ser, ainda maior, pela
maior visinhança e commniiica(;ão qno haviam lido dos
llollandezcs; se bem o respeito da Torlalez i e presidio
os havia feito menos rebeldes, e insolentes(pie os outros.»
« r.nsiiiarain-se os innocente.s, e bapti.s,iram-se to
dos os hereges, e se reconsiliaram com a igreja muitos
que estavam casados ao modo da llollanda, e se recebe
ram com os ritos^^ catliolicos «
« Faniiin as'duas povoações que er.iin compostas de
Gentios e hereges ficaram de todo christans. »
« Kestava somente a fortaleza por render, onde em
erto modo se pófie dizer que estava o Demonio mais
t'

lorte pela cubiç.a dos capitães e pela torpesa dos solda


dos.»
A estes tirou o Padre trinta índias, e as mais d’el-
-70

Ik ile que so. serviam mm piililira oHerisa do


|ii'us, i‘sempeiii lios liomeiis, imlo-as Imsrar livromenle
:is aldoi:is, e tomamlo-as, se era iioressario, por forra á
S''US maridos. »
i< lios maridos se estavam servindo igualmenlc os
qiilaes para seus interesses, rom tanla oppressão dos
niis(>raveis, e lun poura e lani enganosa salisfaçao do
cnnlimio li'aiia!lio ou raplivciro, em que os traziam, sem
ilesran';ar jáinais, que se podia duvidar quaes eram dig
nos de maior lastima, se as muliicres no torpe serviço
lios soldados, se os ma-idos no injusto dos cajiitães, w
Trataram os índios mm o Padre de pôr rcmedio
;'t estes daiuims, que não eram menos ronsideraveis para
tK mesmos Poriuguezes, se aipielles virios deixaram olhos
idiertüs
llepi’ese[itou-se poi’ meio mais elTrrtivo retira
rem-se iPaqiiellas altleias d'ali para Pernamiiuro. ilonde
Iodos os amios, assim rom ) vem e se mudauí os solda
dos portmruezes (prova ('vidente de qne o t.eara jã se
ach iv i d('simiexo do Maraidião e dejiriidia de farto dc
Pernamliuro) assim viessem e se mudassem os ludios no-
cessarios ao serviro da fortaleza ; e rom ('Sti proposta
passou loro o mesmo Padiai pai'a Pei namiiuco, (losto que
não foi admillida, (ajmo nunca seram aipiellas om que
0 hem temporal ou esiiiritiial roímimm se encontra com
0 interesse dos iiartiriilares que governam-
'( .Na viagem visitou o Padrr as relíquias da^ antigas
aldeias do Pernamlmro, l’arahvba e Uio-Graude (pie
achou ('spalhadas poi-aquelle largo e trabalhoso cami
nho, 0 tornou a visitar o (^oará haptisando, doutrinando,
ras iiidoe ronfossaudo a todos aqui‘lles desaiuparadissimos
ludios, os q laes davam graças á Deos de que tudo isto
se lhes fizesse do graça, cpiaudo muitos d’elles viviam
como gentios, |)0i’ não t('rt'in com ipie pagar os sacra-
meiitos »
« F.iu ijuanto o Padn' lliheiro se deteve u’esta com-
prida missão, e<tove n Padre Pedrosa padrreudo as (ou
seiiuencias (Telia, que foram persuailirem-se os da lliia-
paha que a jornada ai) Teai’à e (le Pcrnamhuro loram sò
—71 —

.1 provrnir dohrailos saccorros com ipit* os anaiicar Io


dos das su is serras, cliegando a desconfiar das jii oprias
miiralliis iinceo^siveis com que os forlifiiaiu a iialurcza
(são estas mural lias os taltiados da mesma serra) e la-
zeii Io coiiii) sol Ia lüs vodlios da guerra do Brazil miia
eslrad i occulla pelo mato, que no caso de não se pode
rem defender, llies servisse para a retirada, a qual ti
nham disposta para partes tam remotas do interior da
Ainerici. que nnnca lã podesso chegar o nome, quanto
mais as armas dos Portuguezes. »
« Sendo esta a opinião ipie faziam de imi dos Pa
lres, já se vê qual seria o tratamento que deram ao ou
tro »
'< Behalde exforrou-se de Jlies persuadir o jiouco
fundamento de seus temores, e das desimiifianços que
esta enginida gente tinha concebido contra os Pyilres ;
nenhuma razão nem demonstração bastava para que vis
sem, ou ((uizessem ver a sua cegueira. »
(I Assim estava o Padre aqui mais prisioneiro das
■nas ovelhas, (|u^‘ como pislor d’ellas, deitairlo-se duran
te alguns mozeísol)i'e ter comido duas espigas de mi
lho secco que assava por sua própria mão; mas n’isto
eram menos milpados os que tinham olnágação de us
■iuslentar, pelas estcrilidades do sitio »
« Muitas vezes, ás horas do jantar, mandou com
um prato pedir uma pequena de farinha pelas portas,
tal ê a miseri;i ou o castigo do sitio em que vive esta po
bre gente, e por cuja conservação fazem tantos c.xce.ssos;
nem os ipie a lavram a tinham. »
« Alguma jornada fizeram de mais de sessenta lO'
guas. em que levavam a matulutagem na algibeira, ijue
era um pouco de milho debulhado, ipiea não ir tão bem

guardado, se não podéra defender à fome dos compa


nheiros »
« Dias houve também ein ijue caminhando os Padres
passavam sò com os cardos do mato, e outras vezes com
as raizes de certa .arvore agreste, cavaila por suas mãos,
a que chamam Mandu-Uapó, por ser mantimento das
eminas que digerem ferro »
—72—

« Voltiiii fiii;iliii('iil,t'0 l’ailri‘ \iiloniü Kituiiiai, l(H


mais Icslajada a sua vinda, (juaiidii o vicam entrar pela
aldeia só e stuii os exércitos imagínacíos (]ue tinham fan
tasiado )i
(( Masiluroii pouco este ^u)Sto. poiapie no mesmo
tempo reccl)eram uma carta do Supei ior das Missões em
que lhes dava a noticia de liaverem os Superiores resolu
to ipie aqmdl I Missão, visto suas impossiljilidades, nao
lOidiuuasse, e que us Padres voltassem outra vez ao Ma
ranhão, notificando esta, ordem aos índios c a causa
'Telia : (‘ li'vando cornsiim aos (juc os(juizessem seguir.»
« fsia ordem l•omluuluc.ada aos índios despertou de
novo as suspidtas de serem os Padres espiões mandados
para os arrauc.arem dos matos, e fazel-os escravos. »
« O Maior [iriucipal, que tem grande sagacidade, res
pondeu direi-taiueide ã [iropoda d’esta maneira ; Se
para sermos vas-sallos d’fl Ifei quereis que vamos ao Ma-
rantião. estas tei ras tamhem sam d’F,l-llei ; e se por ser
mos elirisiãos e (ilhosde Ihms, Deus estàem loila parte. »'
'( Logo deliberaram matar os Padres e escolheram
Tapuias [laiai executar esta resolução, mas foiam avisa
dos por um d;os chi>íes qu'Ih'S communicou tudo quan
to era prep.arailo para este liui. »
« Depois d(» algum tempo descoliriram ao principal
lios índios como lhes era manifesta a trahição que lhes
tinha armado; diss(‘ram-lhe que para matar dous reli
giosos sem armas não eram necessárias as frechas dos
Tapuias, (jue bastava um velbo, o mais fraco da aldeia,
para lhes tirar as vidas. »
« Esta falia foi suflicieule para fazer falhar o trama.
E posto que os Padres livessiuu Iam justa causa nas car
tas que rei-eheram para sacudirem o pó dos sapatos, e
deixarem taiu ingrata terra, restdveram-se com tudo a
não desampararem o posto, sem nova ordem »
■( Os Padres exhortavam desde muito tempo a uns
Tapuias chamados Luritis, ipie viviam nômades na visi-
nh.ança, que quizessem deixar a viila de corso, e vive
rem al le.ados cornos Talwjáras, ,com casas, e lavouras,
oquo linalmeute alcançãrani : masipiando já vinham os
—7a-

suas famílias, para se meter nas aldeias,


(-uritis coni
que os mesmos Tabajáras lhes tinham offerecido, estava
traçado entre elles de os irem esperar em cilada, d’ali à
duas léguas, e os matarem e captivarem à todos. »
« Soube 0 Padre Pedrosa a trahição. tres horas an
tes, quando jà os Tabajáras estavam juntos e armados
para a execução do attentado. »
« Bastou saberem os principaes que o Padre o sa
bia , para desistirem da empresa .))
« Foi esta a niaior prova do respeito quotinham aos
i adres, porque não ha mais forte tentação para esta gen
te que a^ de matar e captivar seus inimigos. »
«Já vimosque ordens tinham vindo aos Padres de
deixarem a Missão da Ibiapaba, para voltarem ao Mara
nhão, rnas que resolveram esperar a confirmação d’esta
ordem »
« O Padre Vieira refere que sendo estas ordens
mandadas por muitas e diversas vias, todas ellas por uma
serie aumiravel de milagres deixaram de chegar á seu
destino. »
« Por este temjio chegou ao Maranhão à i6 de ju
lho de 1658 0 Governador D. Pedro de Mello, e com taes
ordens de Sua Magestade, c do Padre Geral, que ficou
suspenso por ellas o eíTeito e execução das outras. »
« De Sua Magestade vieram tres cartas, em ijue en
carregou ao Governador que o seu primeiro cuidado fosse
prorurar que na serra da Ibiapatia estivessem alguns re
ligiosos da Companhia, para terem à sua conta e obe
diência aquelles índios, e para segurança dos ditos Mis
sionários se fizesse o forte do Cainocim, iiue o Governa
dor André \idal deiNegrciros tinha intentado. »
« Do Padre Geral vieram patentes de Visitador e
Superior da dita Missão ao P.adre Antonio Vieira, .lue
sempre fora de voto que a Missão da serra se continuas
se, tendo para isto razões de tanto peso. que mandando-
as logo ao Padre Provincial, se conformou elle e todos
os lmires da província com ellas. »
« Com as novas ordensque se mandaram ans Padres
foram lambem cartas aos principaes da parte ilo novo
74—

Superior (ia Missão, oiii que lhes dizia que seu ialeiilo e
gosto era dar-lhes em tudo o que fosse justo, e que sup-
jiosto 0 amor que tinham ás suas terras, n’ellas ficariam
rom elles os Padres para os doutrinar, com tanto que
para este fim se unissem todos, e se ajuntassem em uma
só Igreja, e
« Foi esta nova recehida em Ibiapaha com grande
applauso e festas ; e logo mandaram todos os principaes,
uns a seus irmãos, outros a seus filhos, accompanhados
de mais de cincoenta outros índios, a visitar o novo Go
vernador e Superior da Missão, e um d’eltes qne hoje se
chama D. Genrge da Silva, filho do principal mais anti
go. [)ara ([ue passasse ao Reino, a beijar a mão a Sua
Mageslailc em nome de todos. »
« Foram recebidos estes embai.xadores com grande
testa que lhes f(íz o Governador em sua casa, e os Pa
dres em 0 Collegio, [lor muitos dias, e tornaram conten
tes e [(resenteados elles mesmos, e com presentes para
seus principaes ; o que é costume muito custoso, e ãs
vezes mal empregado. »
« Levaram também iiromessas do Padi'e Superior
da -Missão que os iria visitar pelo San’ .loão do anuo se
guinte, com a (jual esperança e c,om a relação que deram
os embaixadores de quão benevola e liberalmente foram
hospívdados dos Padres, se applicai am todos á união d.as
tddeias, eaoedificioda nova igreja, concorrendo para
fila com grande continuação e cuidado ; emfim parecen
do, ou querendo parecer que já estavam desenganados
de suas suspeitas, e seguros de seus temores, e que to
mavam todos de veras a doutrina dos Padres. »
« Partiu D. George para Lisboa, ficando-lhe no Ma
ranhão, por descuido, as cartas ([ue o Padre Vieira lhe
tinha dado : mas bastou ser conhecido por Índio da Mis
são do Maranhão, para que o Gonde de Odemira, (|ue
foi sem )re grande protector, como obra sua, o mandas
se reco her (un sua casa, e prover de todo o neces.sario,
com muita larguesa. e o presentou depois a El-Rei, que-
Meus guarde, e o enviou ohtra vez para o Maranhão
cheio de mercês de Sua Magestade c suas.»
— 7o—

< Ali^iiiis iiifzes aiiles ilc. Saii’João do iiiusmo aiino,


tnandanmi tanihem os principaes da Ibiapaha muitos ín
dios de sua nação, e outros( o Pernainhuoo, para Irase-
roín à serra o Padre Vieira, na fôrma que lhes havia pro-
inetlido ; mas como elle por enfermidade, o pela expe
dição das Missões do mesmo anno se deteve no Pará até
0 fim d’elle, e principio do seguinte, sohre esta tardan-
ça tornou o Demonio a introduzir em Iltiapaha, ou rcs-
sussitar as mesmas des<;onGanças dos Padres, semeantlo
enli'e (“lies por boca dc certos Tapuias que tleorge não
fôra mandado á Portugal, senão afogado no niar por or
dem dos Portuguezes, (í quo os deinais os estavam jà
servindo, repartidos por suas casas, e fazendas, como
escravos ; e que a vinda do Padre seria com grande po
der e ac('ompanhamento de soldados, para lhes fazer á
elles 0 mesmo. »
« ('rerão facilmente todas estas trahiç(jes os (jue tam
(•ostuncidos estam a fazel-as; (* de uma povoação qu(í
pouco antes sc titdia leito de trcs, se fizeram logo mais
de vinte, para (jue assim divididos não podesscm ser cer-
lados nem apanhados juntos. »
'( Esta foi a resoluç-ão (]uc se executou de publmo,
debaixo da ((ual estava dissimulada outra dc maior desa
tino, (pie era terem assentado comsigo (jue se até a Pas-
coa liies não constasse do (‘orto serem falsas aqmdlas no
vas, como os Padres lhes diziam, dessem jior averigua
do 0 laiptiveiro dos seus, (? tomassem satisfa(;ão e vingan
ça d’(!lle nas vidas dos Padres »
'< ('ihegaram (ístas noticias ao Mimaniião quando clie-
gou do Pará o Padre Anlonio Vieira, o qual sc poz logo
a caminho para a serra, levando comsigo I). tleorge que
havia dous mezes tiidia chegado com sete Padres que vi-
ham do K(‘ino, e levando tamhem a todos os índios (pae
tinham vindo de ibiapaba, assim Tabajáras como Per
nambucanos, os quaes quiz Deus que estivessem todos
vivos, s;Ios e content(,>s. »
■( (lomeçouo Padre esta viagem per mar, mas ('o-
ra eçando a experimentar segunda vez as incertesas e as
dilações d’ella, se poz logo a caminhar [lor terra, ([ue-
-76-

i('u(Jo tainbein por si mesmo ver a grandeza dos lios e o


sitio e a capacidade das terras, por serem todas estas no-
ticias necessárias a quem ha de dispor as Missões. »
« Os Padres se appressaram de maneira que acaba
ram toda esta viagem em vinte e um dias, que foi a
maior brevidade que até agora se tem visto »
« Entraram na serra em quarta-feira de trevas
« Tomou-se por padroeiro de toda a missão da serra
San'Francisco Xavier, e se lhe fez uma novena solemne.»
« A primeira cousa que se resolveu e executou foi
qne todos os índios de Pernamimco sahissem, e fossem
para 0 Maranhão, como foram, e se espera grande quie
tarão e proveito espiritual de uns e outros, porque os
1’ernambucanos com a visinhamja e sugeição dos Portu-
giiezes, estando debaixo das suas fortalezas, acodirãõ ás
suas obrigações como tem promettido, e poderão ser obri
gados á isto por força quando o não façam por vontade;
e os da serra sem o exemplo e doutrina dos Pernambuca
nos, que eram os seus maiores dogmatistas, ficarão mais
desempedidos e capazes de receber a verdadeira doutri
na, e de os Padres lhes introduzirem a forma de vida
christã, 0 que endurecidos com a contraria se lhes não
imprimia. »
« Assim mais se assentou com os principaes, e com
todos os cabeças da nação que se tornariam logo a unir
em iima só povoação, em que se faria igreja capaz para
todos : que os que estavam ainda por baptisar se bapti-
sanam ; que todos mandariam seus filhos e filhas ã dou
trina, duas vezes no. dia, e à escola ; que nenhum teria
mais de uma mulher, recebendo-se com ella na face da
igreja ; que se confessariam todos, ao menos uma vez
|>ela desobrigação da Quaresma ; emfim que guardariam
inteiramente a lei de Deus, e obedeceríam à igreja, na
qual se criou um officio de executor ecclesiastico, cha
mado Braço dos Padres, e se proveu em um índio ze
loso e de grande autoridade, irmão do maior principal,
para obrigar a todos a virem ã igreja e cumprirem com
todas as obrigações de Christãos, e os castigar e apenar
se fosse neces.sario,)>
—77—

« De tudo isto se fez assento, por papel, de que


se deu uma copia á cada um dos principaes. querendo e
pedindo elles que lhes ficasse, para que depois se lhes
tome conta por ella, e se veja quem melhor a cumprio.»
« E para que a reformação principiasse pelos maio
res, e pelo ponto de maior difficuldade, os Ires princi
paes foram os primeiros que se apartaram das concubi
nas, e se receberam com a mulher que por direito era
legitima, fazendo oílicio de Parodio o Padre Superior da
missão, e concorrendo com bôa parte dadespeza para a
lesta das vodas que durou por doze dias e doze noites
ronlinuas. »
Aqui termina esta relação tam interessante, por ser
obra de um dos maiores litieratos da lingua, e ao mes
mo tempo de um dos maiores apostolos do Brazil.
N’uma carta do mesmo autor escripta do Maranhão
com data de 11 de Fevereiro de 1660, e enviada à El-Rei,
dà-lhe conta do resultado das missões atè a época da
sua partida para a Ibiapaba, nos termos seguintes:
« Estes índios da Ibiapaba, diz clle, por espaço de
annos, em que esteve occupado Pernambuco, foram
não só alliados, mas vassallos dos Ilollaiidezes, e ainda
c.omplices das suas heresias ; mas depois r|ue foram em
missão a esta gente dons religiosos da companhia, que
residem sempre com elles. sobre estarem convei tidos á fé
os que eram christãos, assim elles como todos os outros
índios d’aqaella costa estão reduzidos á ubediencia de V.
IM. e ao commercio e amizade dos Portuguezes, e a vi
ver nas terras do Maranhão para onde muitos se tem
passado. »
« Assim que. senhor, o Estado do Maranhão estava
como sitiado de dous poderosos inimigos, que o tinham
cercado e fechado entre os braços <le um e outro lado,
porque pela parte do Ceará o tinham cercado os Taba-
jàras da serra, e pela parte do Cabo do Norte (que são os
dous extremos do Estado) os Nheengaibas . »

« E como ambas estas nações tinham communica-


ção com os Hollandezes e viviam dc seus commercios, já
se veem os damnos que d’esta união se podiam temer.
78—

qui! á juizo de Iodas as praticas do Estado iião era uiciios


qiie a toUil ruina. »
'( Mas dc todo este perigo e temor foi servido Deus
livrar aos vassallos de V. M. [>oi’ meio de dous missioná
rios da companhia, e com ilespeza do duas folhas de pa
pel que foram as cpie do uma e outra parte ahriram ca-
iniulio à paz o. ã ohe^liencia com cpio V. M. tem hoje es
tas formidáveis nações, nfio só compiistadas e avassalladas
pnrn si, senão inimigos jurados dos llollandezes. conse
guindo Dous por tam poucos homens desarmados, e em
Iam poucos ilias, o que tantos governadores cm mais de
vinte auuosimm soldados, com fortalezas, com presidios o
com grandes despezas sempre deixaram em pcior estailo.»
Em outra parte o mesmo Dadn; descreve nos seguin
tes termos as vantagens que resultaram d'ostas Missões
pai-a 0 estado:
« 0 caminho do Mai anhão ao Eearã e ã rernamhuco
qiie estava totalraenle feixado pelas hostilidades d’esla
gente ficou franco e seguro ; as praias e navegação dtj
toda a costa sc tornaram livres o melhoradas com o seu
commercio. Ficaram reduzidos ã ohodiencia e vassalla-
gem de Sua Mageslade os Tahajãi as, e islo sem armas
nem despezas: o inimigos jurados dos Holiandezes, em
cuja confederação estava a serra de Ibiapaha, o maior
gadraslo que tinha sohre si o Estado do Maranhão, e o
que só leuKu am os soldados velhos e experimentados d’es-
la conquista. Ficaram tamhcm domados no vicio da fe-
reza e desimmanidade, não fazendo jàniais cai»tiveiros
injustos, netn matando mais, nem comendo carne liuma-
ii;i, e guardando as pazes ãs nações visinhas por bene
ficio da as.sislcncia dos Padres y/
.■Sosla longa citação (luiz deixar fallar um dos maio
res apostolos (Io Hrazil, e ao mesmo tempo um dos mais
afamados polithms da Europa, na (!xposi(;ão admiravelmen
te escripla das .Missões d’esta parte do Ceará, (|ue elle
mesmo dirigiu em pessoa, e pelas quaes tomou um iiite-
res.se especial e superior ao de quantas fez no Estado do
Maranhão e do B; azil.
Por este tenqm levanlou-se no Camocim um pcípie-
-79—

fio lüi-le, eiii coiifoniiiilaile rom as onlens aiiloriui es


'l’KI-Rei, e os Je?uita>, proliegidos por eile contra a fr
ieza dos índios d’a(pif!llas regiões, fòrain jiouco e pouco
se estendendo pelo littoral, e tanibein para o inlináor,
onde estabeleceram successivamente umas poucas de
Missões.
.Vlilearam os Teremembés nas pro-Kimidades do Ra-
mocim ; os Acriiás na barra do riacho dos (fuimarães ;
os (luanacés e Jaguaruanas na vizinhança da serra da
liruburelama.
Os Parangabas já se achavam situados na Missão d’es-
le nome, pm-to da lagoa ijue hoje se chama At-ronches.
Kstabeleceram a .Missão dos Paucaias no sitio que de
pois tomou a denominação de Soure.
Os Paupinas e os Parna-mirins fòram aldeiados na vi
zinhança da lagoa de Mecejana.
Fundaram a Mi.ssão dos Canindès no lugar qui' ain
da conserva seu nome, a dos Paiacús no valle do rio
Choró, dos Oenipapos na serra dc Baturité, dos (lenipa-
pos-assíjs na [lovoaçao de SantMoão do rio Jaguaribe.
Houveram innumeraveis aideamentos surces.sivos em
outros muitos lugares assim do littoral como do interior,
particularmenle nos valles dos rios principaes
Quasi todos os povoados antigos tiraram sua origem
de aldeias fundadas pelos Jesuítas, porque eni virtude da
i.arla Regia que concedeu aos Reverendos Padres do .Ma
ranhão a direcção e administração espiritual dos índios
do Rearã, estimderam-se em todo o littoral desta capita
nia onde fôram os únicos a dirigir Missões até a época da.
c-reação da Junta das Missões de Pernambuco, que en
viou para o interior .Missionários de outras ordens religio-
sas.
Infelizinente para a Historia não temos relações
d estas .Missões novas como as temos das da Ibiapaba.
Os Jesuítas, corno o veremos para diante, entraram
a educar os Indígenas segundo o syslema adoptado pela
Rompanhia (sy.stema que lhes alienou tanto o espirito do
Monarcha como o dos vassallos poi-quc os indispunham
contra um e outros), preparando-os para a futur a execu-
-80—

V.5o (la sua sonhada Republica Theocratica no interior da


America meridional.
Depois de isolar completamente seus neophylos.e in
cutir-lhes 0 odio dos brancos, obrigavam-D’os a traba
lhar para a Companhia, em nome da qual adquiriam pré
dios c bens de raiz.
Mas, justiça lhes seja feita, se se utilisavam do tra
balho dos seus administrados, tratavam-n’os bem, e oc-
«upavam-se muito da sua prosperidade e do seu augmen-
to ; nada lhes faltava ; eram bem nutridos e agasalha-
dos, e sobre tudo não exigiam d’elles trabalho excessivo
e destruidor como vimos que praticavam os governado
res. (jue em poucos annos destruiram grai)de parte d’esta
raça indigena.
Ksta nova ordem de cousas motivou uma rivalida
de perniciosa entre uns e outros.
Representações eram incessantçmente remettidas
para a côrte de Lisboa pelos Covernadores e pelas Cama
ras. que accusavam osJesuitas de, com o seu systema,
cavarem a ruina das coloni.as, não consentindo mais que
os índios trabalhassem para os particulares, os quaes
em virtude da falta de braços não podiam mais cultivar
as terras ; incropavam-n’os de não se parecerem com os
primeiros Missionários, de só (juererem missões para
adijuirir riquezas com o trabalho dos Índios, importan
do se cada vez menos com sua instrucção e civilisação :
de iião i)rocurarem mais o martyrio como seus predeces-
soies, e de não quererem mais ir estabelecer missões no
interior senão com grande acompanhamento de forças.
Os Jesuítas allegavam (jue não podiam mais doutri
nar os Gentios, nem tratar da salvação dos índios chris-
tãos. l)orque os (iovcrnadores sol)recarregavam-n’os de
trabalhos excessivos á ponto de não lhes deixar tempo
para ouvirem as (^techcses e assistirem .aos exercícios
religiosos.
■Accusivam-n’os. e com maior rasão. de causarem a
deslniiçãu e espantos«i mortandade dos ludios pelo ex-
■'ssivo trabalho que d’eiles exigiam, sem se importa
ce
rem com seu sustento e bem estar.
—8i —

Diziam que os Governadores e as(amaras antes que


riam cem gentios trabalhadores do que milhares de con
vertidos ; que por isso nas entradas que mandavam fa-
íer para o interior afim de capturar e escravisar gentios
sacriílcava-se um numero espantoso d'elles para trazer
mui poucos, e que d’estes que traziam poucos eram os
que escapavam á fome e aos mais maus tratos, e que
por isto viviam sempre vazias as aldeias e constanlemen-
le despovoadas.
As seguintes citações do mesmo Padre Vieira escla
recerão melhor o caso do que tudo quanto poderiamos
acrescentar.
Na obra intitulada Voz politica, carta de justificação
ipie manda á El-llei para destruir as accusações das Ga
maras e dos Governadores, escripta do Brazil em Julho
de 1678, diz:
« E' certo que o Estado do .Maranhão está na ulti
ma miséria, e que a causa d’esta miséria é a falta de
índios assim livres como escravos, sem os quaes os mo
radores não se pódem sustentar »
« Com a mesma certesa se deve suppôr ([uc os mes
mos índios rjue tam necessários sam jà os não ha, por
estarem todos os sertões açoitados e despovoados ein dis
tancia de 300 e 400 léguas, e os poucos que se poderão
ainda descobrir estam tam escamlalisados rio mau tra
tamento dos Portuguezes, e tam desenganados de se
não guardar o que se lhes promette, e das tirannias que
com elles se tem usado, que será muito difficultoso de
os arrancar de suas terras, e mais tendo tantas experiên
cias de (lue descendo para as nossas todos morrem e se
tem consutnido. »
« E’ igualmente certo e certissimo (puí ainda (|ue os
índios fossein muito,s, e todos viessem fácil e volunta
riamente a viver entre nòs, ou na nossa visinliaoça, ne
nhum immero ou multidão (Eelles seria sulBcicnfe ao es
tabelecimento do Estado, e ainda muito menos ao aug-
mento que se lhes deseja. »
« Assim 0 tem mostrado a experiencia, pois sendo
0 Maranhão conquistado em |615, havendo achado os
-82—

liabilaiiles d’csla Cidade desde Saii’l.uiz alé Curupã mais


dfi quinhentas povoações de índios, todas mui povoadas,
e algumas d’ellas tanto que deitavam quatro a cim o mil
arcos, quando cheguei ao Maranhão que loi em 1652,
tudo isto estava despovoado, consumido e reduzido a mui
poucas aldeiotas, de todas as quaes não poude André Vi-
dal de Negreiros ajuntar oito-cenlos índios de armas;
e toda esta immensidade de gente se acabou ou nós aca^
hamos em pouco mais de trinta annos, sendo constante
estimação dos mesmos conquistadores que depois da sua
entrada até aquelle tempo eram mortos dos mesmos In-
'lios mais de dous milhões ; d’onde se devem notar mui
to duas cousas : a prinieira que estes índios eram natu-
r.ies (Caquellas mesmas terras onde os achamos, com que
lião se póde attribuir tanta mortandade á mudança e
ílifTerença de clima senão ao excessivo e desacostumado
trabalho, 0 á oppressão com que eram tratados; a se
cunda que n’este mesmo tempo estando os sertões aber
tos e fazendo-se continuas entradas n’elles foram tam-
hem infinitos os captivos com que encheram as casas e
fazendas dos Portuguezes; e tudo se consumiu em tam
Itoucos annos. »
« A causa unica e original de toda esta destruição
e miséria não foi nem é outra que a insaciavcl cubiça
e impiedade d’aquelles moradores e dos que là os vam
L’overnar, e ainda de muitos ecclesiasticos que sem scien-
cia nem consciência, ou julgavam licitas estas liraimias
aii as executavam como se o fossem, não valendo a mui
tos dos tristes índios o serem jã christãos ou vassallos do
mesmo Uei, para não lhes assaltarem as aldeias, e os
trazerem inteiramente captivos sem mais direito, como
eu ouvi aos mesmos capitães das mesmas tropas, que
0 de poderem mais do que elles «
« Nas cartas do Governador vejo que representou a
Vossa Alteza que não faria entradas ao sertão senão a
pedimento das Gamaras; e isto mesmo é o que cilas
querem e pedem tomando por pretexto a conservação
sua e do Estado, e augmento da fazenda real. »
« Dizem que sem índios forros e escravos não se póde
—83—

susteiilar o Estado H pédeui que se façam entradas


ao sertão como nos tempos passados, pai a trazer escra
vos, e que os ditos escravos se façam por conta da fazen
da real d’onde se segue que pretendem como d’an-
tes os captiveiros injustos, assim como também preten
deram que os forros fossem trazidos por força, e para
isto se offereciam aos gastos da tropa ; proposições am
bas mui indignas de se appresentarem a um Principe Iam
justo e pio como Vossa Alteza. »
« Dizem mais que os gastos da dita tropa, dando se
as munições dos armazéns reaes montariam a tres ou
quatro mil crusados; e isso não posso entender, por
que 0 Padre Francisco Veloso fez uma missão pelo rio
Tocantins mais de tresentas léguas, d’onde trousse os
Tupinambàs em numero de mil; eu fiz outra aos Po-
quis, em que trusse oito-centos, outra a pacificar nações
que havia vinte annos nos faziam guerra, outra á serra
da Ibiapaba d’onde tnisse todos os índios pernambuca
nos que se haviam mettido com os Hollandezes, não fat
iando das missões dos Guajajarãs e dos Catingas e dos
.luculiúnas e outras menores, levando nós a estas entra
das grande numero de índios e canôas; em nenhuma
das ditas missões entrou a fazenda real com despeza
de um só vintém excepto na serra da Ibiapaba onde o
Governador mandou um barco que conduziu a gente, o
qual barco não foi só a este fim, senão também a res
gatar ambar ; e a razão de não ser necessária esta des
pesa é porque as canôas sam dos índios, os remeiros
os índios, e as farinhas dos índios que tudo fazem sem
estipendio, e os mesmos índios sam os que caçam e
Itescam para sustento dos muitos ou poucos Portuguezes
(pie vain a qualquer entrada ; e se a entrada é a trazer
gente livre, então tomam os índios todo este trabalho
com muito gosto, para fornecerem e augmentarem com
elles suas aldeias »
'< Responderei agora ás cartas do Governador, nos
pontos que sam dos referidos. »
'< Diz 0 Governador que não se podendo fazer o
descobrimento do rio Paraguassú (Parnahiba) por meio
—84-

ii(! aruias, como os moradores i^ueriam, em ordem a


fazer escravos, intentou elle fazer o mesmo descobri
mento pacificamente por meio de um Padre da Com
panhia, e de dous sertanejos práticos, e que o dito in
tento se desvaneceu por medo de um e de outros »
Depois de mostrar a falsidade desta imputação,
continua:
« Os moradores desejavam e desejam o dito desco-
hrifuento por via de armas, para fazerem escravos ; mas
vindo ao ponto principal ilo rio Paraguassü sahe entre
'laranlião e Ceará por oito ou nove liocas, que vulgar-
MiiMite se cuida sam rios diferentes, os quaes todos eu
vi e passei. Pela maior boca d'estas sahe taml)em a maior
corrente do rio que é largo de um tiro de mosquete, e
mui profundo, e entra pelo mar com tal impeto, que
em uma das viagens que fiz por aquella costa, estando
duas léguas ao mar sobre ferro batia no costado do
navio com notável impeto, força e arruido de que de
pois conheci a causa.»
« Diz mais o Governador a este respeito ([uc os Pa
dres não buscam o martyrio n’a(piella terra, como o iam
buscar a outras mais remotas, sendo o seu oíBcio pregar
a fé. 0 (pie não querem fazer senão debaixo das armas
que lhes segurem a vida, e que já não fazem as missões-^
'•''ino d’anles.))
« Em tudo isto falia o Governador como novo e mal
informado ; e quanto ao pique do martyrio, e pregação
da lé : os Gentios do Maranhão não sam inimigos da fè,
nem martyrisam por ella, nem sabem que cousa seja ;
nem os Padres que os vam buscar os reduzem a vir por
meio da fé senão por razões, promessas e conveniências
humanas Assim que para os arrancar do sertão que
é 0 que o Governador e os moradores pertendem, não
é 0 meio a pregação da fé, para a qual não tem repug
nância alguma, e depois se vam catequisando e instruin
do. »
« Com a mesma pouca noticia diz não quererem os
Padres ir senão debaixo das armas que lhes defendam a
vida, porque todás as missões acima referidas foram sem
85

süldáüos, os quaes vam e pçrtendem ir onde lia escra


vos, áè que lhes caiba a sua parte ; e os Governadores
lambem só os procuram mandar e fazer a facção militar
para que lhes caiba sua joia como capitães generaes; e
assim 0 fizeram sempre nas entradas de resgate que eram
mui diferentes das outras, posto que fossem Padres
iPellas. »
« Antigamente tinham os Padres todas as aldeias á
sua conta, fizeram com elles todas as missões que tenho
dito ; depois que as tiraram aos Padres para as pôr em
poder dos (lovernadores que se servem dos índios, com
que se hão de fazer missões se não tem índios ? com
(juem hão de remar e levar as canoas necessárias á con-
ducção da gente ? ÍSao deve de estar informado o Go
vernador que tudo isto se faz por rios, nem de que a
terra é impenetrável de bosques e talhados, e lagoas, e
incapaz de se tazer de outra forma? »
Estas recriminações puzeram em cruel perplexida
de a côrte de Portugal que, possuida de boas intenções,
{)i’neurou todos os meios de fazer cessar os abusos, em
pregando diversas medidas que ainda por muito tempo
continuaram a sor illudidas pelos interessados na questão;
a diversidade dos interesses trouxe numerosos c deplo
ráveis conflictos entre os Governadores, capilães-mõres,
e os Jesuitas e missionários de outras ordens.
Mais adiante trataremos de mostar n’um só golpe
de vista a successão das leis e medidas que foram julga
da necessárias para acabar com a escravização dos Ín
dios, medidas estas que vieram muito tarde e quando o
mal já não tinha mais remedio.
>4. ■»

t:\prruLO vi.

Pavoaçfto progressiva do Ceará*

Ao passo que os Missionários iam estendendo suas


missões para o interior da capitania, os colonos iam tam-
hem SC apoderando das terras próprias para a criação
do gado, e solicitavam dos Monarchas portuguezes doa
ções ou datas de sesinaria d’ellas.
Esta penetração para o ceutro sempre se lazia se
guindo 0 curso dos rios.
O Jaguaribe o o Acaracii foram os que se presta
ram primeiramente á estas povoaçõòs ; por isto é diCBcil-
limo adquirir-se hoje documentos d’estas concessões fei
tas pelos Reis, ponpie, ou perderam-se e se destruiram
esses documentos (jue não eram lançados em livros <le
repartição alguma da capitania, ou, se o foram, extra
viaram-se os livros em que se faziam taes lançamentos.
Tenho fqito altas diligencias para adquirir lermos
de concessões feitas na oceasião da expulsão dos Hol-
landezes, mas nada tenho podido alcançar a não seren»
-87-

algiins (jue os donos para salvarem da deslruigão man


davam lançar nos livros das notas.
Já na época da occupação liollandeza os sertões do
(leará criavam grande copia de gado, pois é sàbido que,
durante a guerra contra os Hollandezes, no decurso do
anno de 1647,sentindo-se no arraial dos portuguezcsgran
de falta de viveres, André Vidal de Negreiros saliiu para
o Ceará ein dias do agosto e chegando ao Uio Grande
ahi se deteve torturando e destruindo tudo, eni quanto
voltava d’aquella capitania o capitão João Barbosa Pinto,
á quem incumbiu de receber e conduzir o gado que se
()odesse ajuntar, o qual constou no todo tle uin inagote
do 700 rezes, e que serviu de grande allivio aos comba
tentes. Este lacto prova que já neste tempo existiam fa
zendas situadas até certa distancia do litoral, e que ellas
produziam não pequena quantidade de gado. Se estes
gados viessem do interior, teriain seguido naturalmen-
to outro caminho iliverso d’este do Rio Grande
-Não é possivel estabelecer p.ecisamente as datas dos
progressos da povoação na beira dos rios pelas razões
acima referidas ; mas |)Osso affirmar que já antes <la in
vasão hollandeza no Ceará os fazendeiros tinliam situado
estabelecimentos de criação de animaes domésticos no
Acaracú, muito acima do sitio onde se acha hoje Sobral,
até 0 local do Ipíi, Campo-Grande e San’ Gonçalo na,
serra dos Cocos ; no Curú até Canindé, no Choró até
Monle-mór-Velho, c no .íaguaribe até San’.loão.
Os arredoies da serra de Baturilé eram muito in
festados de Tapuias mui barbaros (|ue estendiam as suas
excurções para longe e impediam os colonos de se fixar
e estabelecer fazendas de gado, pelos muitos roubos
que d’elle faziam, impedindo assim o seu augmento.
Foi, pois, pelas margens do Jaguaribe que a popu
lação foi subindo e se fixando.
Ein 1660 já estava conhecido 0 lugar chamado Bo
queirão, meio caminho entre Aracaty e Icó.
Por um documento bem decisivo que pude adqui
rir certifiquei-me de que em 1680 já a povoação esten-
dia-se até o lugar onde se acha hoje a povoação de /o-
-88-

j( uaribe mirim, situada ã 37 léguas do Aracaty no rio


Jaguaribe. '
No livro das notas achei o traslado da venda do
uma sorte de terras de tres léguas de extensão, por uma
e outra margem do Jaguaribe. com seis léguas de fun
do também de ume outro lado do mesmo rio, e pegan
do nas extremas do capitão João da Fonseca e de seu
unhado Domingos Paes Botão, e de Bartiiolomeu Fran
cisco da Rocha, situados estes no sitio de Santa Rosa,
segundo consta de vendas (jue vi de partes d’esta data.
-V venda lid realisada no Recife, termo de Olinda, pelo
capitão-mór Antônio Vieira de Mello, morador no rio
de S. Francisco, ao alferes João Esteves, morador em
Pernamburo, declarando o vendedor que hduve' estas
lerras f>or carta de data de Sua Magestade, 16 annos
antf^s da época da venda, (jue teve lugar no cartorio do
tabelliãn do Recife 4 28 de setembro de 1697 ; de ma
neira que comparadas as datas, essa obtenção deu-se
em 1681.
Achando-se a povoação fixa Iam proximo á foz do
rio Salgado, no Jaguaribe, é de suppor que aventurei--
ros (dos quaes então bavia grande numero) jà tivessem
penetrado em suas excursões até o lugar onde se acha
situatlo 0 Icó ; e visto qu(', n’este tenqio, como logo o
diremos, a população vinda das partes da Bahia frequen
tava os terrenos do Cariri e as inargens do Salgado até
sua foz, é de suppôr que não tardaram muito a se encon
trarem i)-^ povoadores vindos de uma e outra parte, e
como 0 lugar (Peste encontro foi a extensa varzea onde se
acha o lc(á, julgo poder aventurar sem muito risco de
errar (|ne esta povoação, que se chamou primitivamente
do Salgado, teve seus principi(ts de 1680 até 1690 pouco
mais ou menos.
Uma circumstancia notavol é que todas as doaçõ('s
ou sesmarias, de cujos titulos pude ad([uirir alguma
noticia, foram primitivamenle pertenc.eniefi á Bahianos,
ou homens vindos (lo rio de ■ San’Francisco, ou mora
dores nas suas immediações. Faz-me isto suspeitar qu(;
já houvesse n’estes tempos um caminho conhecido entre
-89—

0 valle (lojlito San’ Francisco e o do Jagiiaribe. E’ esta


presunii)(;ão ainda corroborada por documentos rpie ad-
'juiri da era de 1700, dos quaes colligi que os ciiadorcs
do alto Jaguaribe mandavam seus gados para a Bahia.
O certo é que os Bahiahos, dando larga expahsão à
seu genio eininentemente aventureiro, tinham explorado
110 ineiado do XV século as margôns do rio San'Francisco,
c que os Paulistas (ainda mais emprehendedores) haviam
ilcscido desde suas vertentes até encontrar com os Ba-
hianos, vindos em procura do ideado El-Dorado.
Em 1671 foi explorado pela primeira vez' o terri
tório da ulteriormente. creada capiUinia do Piauhy. Do
mingos A ffonso Sertão. assim denominado pela audacia
com que internava-se pelo centro dos sertões, veio das
immediaçoes do rio de San’ Francisco entranhandd se
pelas catingas até encontrar a serra do Araripe cujas vas-
las^ planicies atravessou perto da sua união com a serra
da Ibiapaba, enfahi desceu pelo valle do rio Itahim até
dar com o rio Parnahyba. '
N’esla derrota atravez de regiões desertas e habita
das sórnente por índios bravios, encontrou outro ousado
aventureiro, paulista, de nome Domingos George, que,
como elle, ia em procura de minas de ouro, ou do fami
gerado El-Dorado.
Em quanto estes aventureiros tomavam o caminho
do Piauhy, outros vindos das immediações do mesmo rio
de San’ Francisco, situavam fazendas entre o rio de San’
Francisco e a serra do Araripe.
Em 1677 já eram tam povoadas as margens do San’
Francisco, que o primeiro Arcebispo da Bahia, D. Gaspar
fíarreto de Mendonça, provido á 30 de novembro de 1677
em virtude de ser elevado o Bispado do Brazil à cathego-
ria de-Arcebispado Primaz do mesmo estado por Bulla de
Innoc^encio XI, empregou seus primeiros cuklados na
creação de novas freguezias, e entro cilas a de San’ Fran
cisco de .íacobina e a de SaiF' Francisco da Villamova de
Penedo na margem do mesmo rio, em 1682.
Pela mesma Bulla foi elevada á cathegoria de Bis
pado Sulfraganco a Prelazia de Pernambuco: e á 28 de
—90—

Maio ilo 1078 D. Eslex-ão Ih ioio de FÍQueircdo, ácii pii-


ineiro prelado, fez a sua entrada Iriumphantc no llecfe.
e. tomou couta da sua administração, que conservou até
fmsdel683.
Jã n’e3te lenapo era muito povoado o rio de San’
Francisco, e a população era numerosa, visto que n’esla
parte se creavain freguezias.
ü’este foco de população interior partiram diversos
exploradores, que pouco mais ou menos n’esla mesma
épocha atravessaram a chapada do Araripe, e desceram
para os Cariris, no valle do rio Salgailo, onde encontraram
excedentes terras de agricultura, que convidavam á uma ‘
residoucia permanente n’ellas; mas tambeiii ahi existiam
diversas tri ms indigen^s valentes e numerosas, que era
preciso subjugar,
(^onta com todo o fundamento o autor dos apontamen
tos para a historia do Cariri, que um escravo de um tal
.lledrado, intendente das fazendas da casa’ da Torre, re
sidente n’uma d’ellas de criar, situada entre a serra do
Vraripe e o rio de San’ Francisco, foi roubado pelos ín
dios Cariris, dc 1660 á 1670. Achava-se esta Iribii, pos
suidora do Cariri, em guerra coin outras tres tribus vizi
nhas, as quaes lhe disputavam a posse das ferteis regiões
que cercam a serra; estas tribus vizinhas eram os Cariús
que occupavam as nas(;cnças do rio d’este nome e as do
rio Bastiões, com (|ue se reune; os Inhamims, que va-
gueavam nas uascenças do Jaguaribc. da barra dos Bas-
tiões para cima; e os Calabaças, fmalmente, que cram

senhores das margens do rio Salgado, das immediaçoes


da sua foz até perto do local onde se acha hoje a villa
de Lavras. ;
O negro, que era bastante ladino, tomou uma gran
de inlluencia sobre o animo dos índios Cariris, entre os
((uaes vivia, e não custou a persuadil-os do que inevita
velmente succumbiriam se não tivessem algum soccorro,
induzindo-os ao mesmo teinpp a pedil-o aos brancos; o
que foi acceilo. ;
Partiu pois com alguns Cariris para 0 rio de San’
Francisco, e levou-os á fazenda da- Varzea onde foram
- 91 —

iifio í;ó hem aeulliidos, '■omn ainda o sim pediíJo de ,süi‘-


iilleiidido. 0 mesmo iiileiideiite da ,casa da Torre,
de (|neni acima falíamos, desejando estender os ilomi-
nios da sna procuradoria, niandon para ollai iri uma han-
deira de 200 homens às ordens tle João Correia Arnaud,
da familia de (faramnrú.
Cdie^mn esta handeira até a caclioeira da .Missão-Ve.-
Ilia, i)Orém nada mais fez do «|ue explorar o paiz, visto
0 eslado de anarchia cm ijne enconiron os Imlios.
('.onlimiaram o seu caminho p('lo rio Salgado aliaixo
:dõ perto de sua foz nu Jaguaribe, e nesta derrota plan-
l irain arraial perto de uma lagôa fpu> se acua nas nn-
mediações da cidailedo Icò, a íjual denomiiiaratn Ugôa
da. Torre, ajipellido (|uo ainda hoje conseiva. Ahi ti
veram um encontro com os Índios da Trilm Icòsinhos,
depois do rpial voltaram jiara o Cariri, onde não deixa
ram estabelecimento algum. a nao ser uma l■alssara,
jionco ilistantc da cachoeira, e umas novilhas c duns tou-
)0s situados.
Kste primeiro reconhecimento teve lugar pomaj mais
ou menos em 1070 Kni informado d’este fado e dos
seguintes por um escrivão inierino (pie leu esta chronica
iinm livro do Cartoi io, ipie eniregou á outro; e n’esla
mudança extraviou-se dito livro, ipie mimai mais pude
encontrar, não obstante os esforços (pie cmprcguci.
Um amm depois da primeira baiideii a, veio outra,
também mandada |»elo mesmo .Medrado, -tcliaram der-
ribadas as obras (|ue haviam sido feitas, e o negro, expe
riente da Índole dos Índios, afliancou ipie esta destrui
ção não era irelles, mas sim de outra (luahiner gente,
fosse ella qual fosse.
Tomou comsigo alguns soldados da handeira e uma
porção do Índios ('ariris com os quaes entrou a hater o
paiz. .
-No Brejo da .Missão-Velha encontrou acani|)ada uma
trilm inimiga,^ a qual foi inunediatamenlc aconnnetlida
e vencida. Os indios de arco ipie a compunham foram
exterminados. ,Vhi os ('ariris dei'am expansaiii á sen gê
nio leroz : depois de matarem a gente de armas, pegaram
-92—

lias criaiii-as pelos pês, quciiraram-llics as calieças uos


páos e cüiu üs miolos untaram o corpo. As inullieres
íôram presas e levadas para a cachoeira, onde as preci'
pitaram amarradas urnas ás. outras.
No Brejo da Salamaiica, hoje da Barbalha, foi eu-
contrada outra tribu que teve igual sorte.
No ardor d’esta luta (.‘ucarniçada observaram um in
divíduo que se conservara impassivo deitado n’uuia rede;
foi elle preso e reconhecido jioi’ um lal Ariosa, criminoso
n.i haliia, que alcançando evailir-se das mãos da justiça,
se viera refugiar entre os índios d’esta região. Preso
pela gente da Irandeira, valeu-se do Capellão da mesma,
0 qual lhe facilitou a fuga; e alcançando o livramento
ou perdão de seus crimes, embarcou-sc para Portugal,
onde propondo accão ao senhorio da Torre, sobre a pre-
.■edenciada descoberta do Cariri, conseguiu a doação de
parte das terras de sua descoberta.
Continuou sem duvida Medrado e sua gente a Ire-
íjuentar o Cariri, a tomar posse le terras e a situal-as
nos aiinos subsequentes; mas parec-e que não houveram
occurrencias notáveis, pois que a tradicção nada mais
Iransimttiu. , _ ,
Oito ou dez annos depois da primeira exploração do
r.arii i, por Medrado, por conseguinte em 1680 pouco, mais
iionco menos, uma outra bandeira de 100 homens, con-
ilijzida pelo coronel João Mendes Loubato e seus filhos,
entre os (piaes vinha um padre, por nome Anlonio Men
des Loubato, todos moradores na Cotinguiba, atravessou
0 rio de San’ Prancisco, entrou pelos sertões da Para-
liyba ao poente da serra da Burbureina, explorou os
sertões do Pianco, Pombal, Rio do Peixe; esteve na For
miga, onde encontrou-se com outra bandeira do Cariri,
que também ia explorar estas regiões; ed’ahi passou para
0 valle do rio Salgado onde esteve dias no lugar em que
se levantou o arraial do Icó. l)’ahi subiu pelas mar
gens do rio Salgado até o Cariri, onde escolheu para seu
estabelecimento as margens do riacho dos Porcos, nos
sertões situados ao nascente da extremidade da serra do
iVraripe.
—93—

N’esta derrota o Padre Antonio Mendes Loubalo re


solveu os índios Calabaças a adoptar a Religião de Cbristo,
e os levou coinsigo para o Cariri, onde landjeni tratou
de catecliizar os Paviris. E para não perder o fruto dos
seus esforços,não querendo se encarregar d’estas missões,
enviou ao Bispo de Pernambuco uina deputação com
posta de gente sua, e de uma escolta de índios, para
llie dar parte dos seus trabalhos, e pedir-lhe Mis
sionários, para tratar da catechéze e civilisação dos
seus prot(*gidos.
Occupava n’este tempo a cadeira episcopal de Olinda
o seu primeiro Bispo D. Estevão Brioso de Figueiredo,
que mandou Frti Carlos, do convento da Penha, para
aldear e doutrinar estes índios. Está provado que este
lacto deu-se de 1678 á 1683, periodo de tempo durante
0 ([ual este Bispo esteve regendo a Diocese. Estabele-
forain se diversas aldeias no Cariri; só temos noticia das
da Missão-Velha, da Missão-Nova, da Salaraanca, do Mi
randa, e de Milagres.
Por mais diligencias que fizesse para descobrir os
jiriuci|)i()s do Icó foram ellas baldadas completamente.
Persuado-me de que os primeiros moraihn-es se fixaram
ahi no tempo da exploração dos Loubatos, porque achan
do-se jatam próxima iFeste tempo a colonisação que
vinha povoando e situando as margens do Jaguaribe
(já i(ue mostrei (|ue em 1680 se eslavam situando as terras
onde se acha hoj(í Jaguaribe-mirimi. é impossivcl (|ue não
livesse havido recoidiecimentos até o Ico, que só dista
13 léguas do sobredito sitio. Sem duvida já deviam ser
eonhecidas estas bellas e alegres varzeas onde hoje está
|)lautada a cidáflc do Icó. E se não fosse esta povoada
pelos brancos do Jaguaribe, o seria pelos ipie vindos da
Bahia já haviam povoado o Cariri. Como (|ucr que fôsse,
Icó em poucos annos tomou importância, visto que é certo
que foi escolhido para séde da segunda freguezia creada
n’esla capitania nos primeiros aimosdo XVIII século.
A penetração dos colonos para o interior do paiz
iião se elTectuou sem grandes difliculdades. Os índios
defenderam o terreno passo á passo; mas emliin depois
-94-

ilo gr.imies [UTilas vinun-se obrigados a ceder á supe-


rioridadi' das armas eiirojteas, lí a eiilraidiarcm-se pelas
lireidias, aoiule os invasores não os podiam perseguir, ou
a, se aldearem. r)’esles escondrijos sabiam conslantemcii-
1,1' a roubar os gados das fazendas, e quando se Ibcs
deitava Iropas, e (jue eram alcançados, resistiam com
toda a energia, o preferiam antes morrer do (lue entre
garem-se, aos bramms. Outras vezes reuniam-se em
grande numero, e iam de novo tentar a sorte das armas
(|ii(í lhes era sempre adversa, mas sempre depois de gran
de dei ramamento de sangue dos colonos.
<)> índios Icós abandonarain as suas terras na parte
iiiferinr do rio Salgado, onde residiam, e se refugiaram
na Serrn do Camard. (juamlo os Oovernadores ile Per-
nambuen mandaram aldear os Tapuias da ribeira do
Apodi. na S('.rra do l’orto-.\legro da (lapitania do Hio
Grande do Norte, foi á idles reunida a tribu dos Icós (|ue
SH achava muito reduzida pelas guerras que liavia sus-
Icntado contra ns invasores,
('.onsiírva-se a tiadição do uma batalha renhida, pe
lejada contra, os Índios nas varzeasde/tnssus, ede outra
nas do Taboleirode arêia; e posteriormente à ellas, teve
lugar o aldearem-se os vencidos p('rto do lugar onde hoje
existe 0 Taholciro, na borda de lagoas, n’um lugar que
ainda hoje conserva o nome de Aldeia-Vcllia. Em San
João. no Kiacho do Sangue, houve também uma batalha
renhid.i i'ntre os sesmeiros, por causa de competência
sobiT tci ras, na (jual entraram taud)cm os índios; n’ella
ilerramon-se tanto sangue que as aguas do riacho cor
reram tintas d’elle, o que d’ahi se originou o seu nome;
este cenflicto porém foi muito anterior ãs ordens de ex-
lerminio dos Índios, e mesmo ãs guerras entro os Montes
e Feitosas que mais abaixo referii'emos. Esta rixa pa
rece ler tido lugar no ultimo decennio do XVII sé
culo, e não ter tido outra causa do «pie a desintelligencia
entre dous ivisseiros que, não se podendo entender rela-
livamente aos limites das suas datas, recorreram ãs vias
de facto um contra o outro, e envolveram na sua con
tenda os Índios e os moradores seus parciaes.
—95—

ÜÍ7. :i lrai.li(.'ãu que iiiii des coiiloiidores fez-se frade,


tí que d’alii se foi deiioudiiando o lugar Sitio do Frade.
0 qual depois tleixou o noiiie ao povoado que se foi agru
pando eni loriiu de urna capella alti edilirada ullei-ior-
inenle.
•ítt," ‘Áp •itf
■S4-

CVriTULO VII.

AnnexaçAo do CeurÀ ú Capitania de Per-


uambuco—Junta das Missões de Pcr-
nambnco—Ordem de extermínio dos
índios—Estabelecimento dos Jesuítas
no Ceará.

-K/NA/VVVVvr-

Já «lissoiiios qiio quando se creou o Estado do Ma


ranhão foi-lhe reunido o território do Ceará pela Carla
Itegia, em virtude da qual se fez esta creação; mas parece
que os limites do novo estado com o do Brazil nunca
'ôram hem clarainente determinados, poi'que nunca dei
xou 0 Ceará de se dirigir ao governo de Pernambuco para
soccorrel-o nos casos urgentes, e solver as difficuldades
que oceorriam. Já vimos que no negocio dos Cuanacès
com os Jaguaruanas foi á Pernambuco que o Padre Au-
tonio lliheiro foi ])rocurar o reinedio; e da relação qm*.
iranscrevi se collige ([ue as tropas que guarneciam os
presidios do Ceará vinham de Pernambuco, ao passo que
as missões dependiam do Maranhão.
—97—

<'.i»lligi lambem de dociunenlus (jueiiossiio (|ue as Ja


tas mais aiUigas do Itaixo .laguaribe fôram concedidas de
pois da expulsão dos Hollandezes,umas por bl-Uei de Por-
tugal.e ouiras polo Governador geral do Kslado do Rrazií.
Kstes factos parecem dar a entender.que, bem que
0 Ceará de direito pertencesse ao xMaran lão, de facto
dependia do Kstado do Brazil, o que explico pela indeter
minarão de limites entre estes dons estados.
Para lazer cessar este estado duvidoso e evitar as
|■omI)eteIlcias de jurisdicção que d’ahi se originavam, El-
Kei ]). Pedro separou deíinitivamente a Capitania do
Ceará do Estado ( o Maraidião, para a reunir ao do Brazil,
annc-xando-a [mr Carta Regia de 1680 á Capitanta Geral
de Pernambuco, da qual (icou dependente de então em
diante como Capitania de segunda ordem. Foi iCesta uc-
casiâo (jue veio tomar conta do commando da Fortaleza,
por parto do Governador Geral de Pernambuco, o Capitão-
mòr Sebastião de Sá, o qual n’elle se conservou pouco
tempo, |tois que à 14 de .limbo de 1681 foi desiiacliauo
Capitão-mór Governador da Capitania do (',earà por Ires
annos. e por Carta llegia, o capitão Bento de Macedo
Farias. Ignora-se se ello tomou posso do governo, e
quanto tempo n’elle se conservou, não se lendo mesmo
noticia de outro Governador até o anuo de 1690.
Pedro Lelou succodeu ã esto a conservou-so na Ca-
[litania (suppõe-so) [lor espaço do dez ;mnos, pois atò o
armo de 1700 não se faz memaão do outro Govern.idor.
.Vtéa época de 1680 as .Missões do Itrazil ,so linbam
.acliailo dependentes da jurisdicção da .lunta ilas .Missões
de Portugal. Uoconheceu-se então (pie a grande dis
tancia da Melropolo ás colonias, que a incerteza, diiricul-
dado 0 pouca frequeiicia das relações entro uiiiae outras
embaraçavam e enfraqueciam domasiadamonlc o vigor
da sua acção; por isso foi resolvido que se creariam .luntas
independentes em todas as Ca[)itauias Geraes; e, em con-
seipiencia deste acordo, foi creada á 7 de Março de 1681
uma .lunta d’estas em Pernambuco, o á ella ficaram de
então em diante sujeitas as Mi.ssões do Ce.irà.
F,.slas .luntas -tinham uma jurisdicção absoiula nas
-98-

Missüos (la sua ilepcudencia, laatu ao civil como no eccle-


siastico e no criminal.
A.’ vista dos embaraços que os índios oppunUam no
Ceará aos progressos da colonização e da renitencia que
apresentavam á voz dos Missionários que os queriam reu
nir em Missões, a Junta de Pernambuco declarou escravos
todos aquelles que fossem presos tanto no Rio Grande
como no Ceará; que fossem immediatamente baptizados
e expostos á venda.
.Assim se praticou por muito tempo.
Esta resolução barbara, em contravenção com as
leis anteriormente estabelecidas, despertou a cubiça dos
Portiiguezcs, que affluiram logo ao Ceará com o fi m de
se entregarem á captura e esixavização dos índios.
El-Rei D. Pedro II, informado d’esles abusos, man
dou por Carta Regia de 20 de Janeiro de 1691, depois
de louvar o zelo dos Padres da Companhia e do Orató
rio para a conversão dos Gentios, mandou expressainente
que os Índios nunca fossem considerados prisioneiros
senão quando fossem tomados em guerra justa; mas que
em caso algum fossem tidos como captivos; que fossem
restituidos à sua liberdade logo depois de baptizados, e
que fosse reslituido aos compradores o valor (jue tinham
dado por elles. Esta lei, que honra o desejo solicito de
acabar com a escravização dos Indigenas, não foi sempre
executada como era de desejar, porque ainda muitos
annos depois d’esta data cnc-ontro documentos de índios
escravos, e mesmo narrarei factos autimticos de escra
vização d’elles mesmo depois de christãos e aldeados.
Por este tempo se explorou o rio Banabuiú onde
fôram estabelecidas algumas aldeiotas, na Barra do Süid
e no Quixadd-, o riacho Figueirêdo onde se estabeleceu
a missão do Quichossó ou Cachoçó; o Riacho do Sangue,
onde, como já disse, se deu principio á um pequeno po
voado ao redor de uma capella administrada por um
frade carmelita resiilente no seu sitio, dito do Frade.
0 rio Salgado já tinha sido explorado ein todo o seu
curso pela população vinda da Bahia ao Cariri; e o arraial
do rio Salgado havia sido estabelecido. Da foz do dito
-99—

rio Salgado para cima fôram subindo os colonos e os


Missionários, que aldearam os índios Quixolôs no sitio
da Telha, perto da barra do rio Truçú; esta aldeia foi
dirigida por um frade carmelita; e outro da mesma
ordem estabeleceu também um pouco mais acima outra
missão e aldeia, perto da barra dos rios Bastiões e Carihú,
reunidos, \diante veremos como e porque se denominou
esta missão arraial de San’ Metheus dos Inhamuns.
Todas estas missões do interior fôram fundadas e regidas
por carmelitas enviados pelo Bispo-de l‘ernambuco.
Por r.arla Uegia de 1697 kii determinado que se
fundasse um hospicio de.Iesuitas na povoaç.ãodü.A.quiraz,
(Cabeça do districlo do Ceará, que pertencia n’esse tempo
ao termo de Olinda; esta ordem porém não foi levada á
elfeito, sem duvida por falta de fundos destinados á esto
Qm.
Neste mesmo anno fallcceu na Baliia o Reverendo
Padre .\Jitonio Vieira aos 18 de julho, recolhido no seu
Collegio, com perto de 90 annos de idade. Era filho de
Lisboa d’onde veio para a Bahia com 8 annos de idade,
em companhia de seus pais que ali se estabeleceram. Foi
educado pelos .íesuitas em cuja companhia entrou. Seu
nome tornou-se celebre assim no Brazil como em Por
tugal, e na Europa inteira. Suas obras sam tidas como
classicas i' modelos de litteratura d’aqucllas eras, e ainda
hoje elle passa por um dos escriptores mais correctos da
lingua, não obstante os defeitos inherentes á época em
que vivia.
Tem-lhe merecido grande nomeada os relevantes
serviços que prestou aos índios, ora como Missionário
empregailo na catechésc e conversão dos Gentios, como
<lirector das missões, ora como patrono dos Indigenas pe
rante os Monarchas Portuguezes, contra a cubiça e per
seguição <los Governadores, Capitãcs-mòres, edas Gama
ras que os liatavam pcior do que à captivos, quando os
não vendiam como taes. Foi um dos maiores politicos
e diplomatas do seu tempo, e como tal encarregado pela
C.ôrte de missões diplomáticas da maior importância. Os
Manarclias e seus Ministros o consultavam em todos os
— ÍOO—

casijs graves. l'oi iiisigiio pregador, e esrolliido como


tiUilar pela Uaitiha Cliristina resignalaria do tlirono da
Sueiáa, e pelos Reis de Portugal. Pregou com immenso
successo em Pioma, em Portugal na Capella real e no
Biazil. üeixou uma volumosa collecção de sermões en-
trn os (juacs muitos ha da maior belleza e sublimidade,
não obstante os irinumeraveis trocadilhos que 11’elles es
pargiu, vido devido à epoca em que vivia; mas que na
siia penna tornam-se proveitosos-, porque constando ge-
r:i linente de antitheses, os termos sam tam habilmente
escolhidos que ensinam de um modo ailniiravel 0 seu
verdadeiro sentido na epoca cm que (screvia, (|ue foi
a idado de ouro da litteratnra portugueza. Deixou lam-
hem uma collecção de cartas, modelos (1’esto genero de
ciimposiçoes, as quaes sam tanto mais interessantes
(!ii lido muitas (Pellas versam sobre acontecimentos his
tóricos mui graves e importantes. Suas vozes saudosas,
obra ipie trata de assumptos relativos aos índios, contêm
a historia das missões da Ibiapaha; sam um dos mais
Itellos rasgos que sahiramde sua encantadora penna. Foi
superior das missões do Estado do .Raranhuo desde 1652
até 1661; 0 durante este periodo interessou-se com par
ticularidade em favor das do Ceará, do qual se póde dizer
aup foi urn dos primeiros e mais ardentes apostolos, vindo
pe,>soalmente visital-as, depois de as haver mantido quasi
Contra a vontade e as ordens dos seus superiores; por isto
n Ceará lhe deve consagrar uma veneração especial. A
obra intitulada Voz Histórica (historia das missões da
Ibiapaha) é cheia de tantas bellczas, interesse local, e
moralidade que deveria estar nas mãos de todos os Cea
renses, e ser reimpressa [lara servir de texto á leitura
dos meninos nas escolas de instrucção primaria.
Nos últimos annos do XVII século continuarauí as
uvestigações pelos rios maiores até suas nascenças, com
uin verdadeiro frenesi; a população lambem augmentou
com rapidez, attrahida das (àipilanias de Pernambuco e
da Bahia pela grande nomeada que adquiriram os sertões
do C.cará para a cri:ição do gado, onde na realidade
prosperava como em parte alguma. Mas 0 maior incen-
—101 —

tivo paru isto foi a faculdade de prender e caplivur os


liidios gentios, a qual perdurou por muito teuipo, não
obstante as providencias da t^ôrte. Os delegado? do Mo-
narclia acliavaiu deinasiado interesse nu conservação
d’esteabuso paraesforçareui-se allin de o abolir. Ban
deiras iiiand idas pelos Capitães-nióres, ou organizadas
por particulares percorriam os sertões em Iodos os sen
tidos procurando onro, e capturando índios que ao depois
caplivavam. As autoridades eram muito distantes para
obstar aos abusos, ou prevaleciam-se d esta dilliculdado
para na realidade favorecei-os.
Idiegamos ao XVllI século, cujo primeiro armo foi
assignalado pela creação de uma fregueziana Capitania
do Ceará, a do Aquiraz, a primeira tpae n’c'lla se creou
sob a invocação de 5an’ José de Pàbamar. Antes d’isto
eram mui custosos os recursos espii iluaes, sendo os sa
cramentos administrados aos brancos ou jtor alguns dos
Missionários espalhailos pelos sertões para a catecliése
rios índios, ou por alguns ecclesiaslicos seculares e regu
lares estabelecidos no paiz, os quacs vinham mais tratar
de adquirir riipiezas por meios mundanos, do que do
i‘xercicio do seu ministério. Foi creada esla primeira
freguezia na ('apitania, cujo território por inteiro lhe
pertenceu, anão ter sido creada jnntamentc a do iVossa
Senhora da Expectação do Icú, a qual inclino-mc a cror
que foi creada posteriormenle á ella, e iFella desmeni-
lirada. Não me foi possível descobrir a data da fundação
d'csta ultima que ,sei já existia provida de vigário em
1715; mas o que sei com certeza é que o Banabuiú ser
viu de limites cominuns á ambas, iiertenccndo á do
Aquiraz loilas as suas vertentes até o Sitià inclusivamente,
e servindo de limite no resto uma linha que da barra
do dito Sitiá ia cm linha recta á barra do-riacho Jun-
queiro, cujas vertentes eram do lcó,e d’ahi unia recta de
Oeste á Leste até as raias d'esta Capitania com as do Kio
Orando do Norte.
A freguezia do Aipiiraz foi logo provida de um vi
gário collado, e pago pela Fazenda real, ao passo que
Iodas as outras que se crearam até o fim do século não
-i02—

tiveram senão curas encoinmendados e auioviveis, ã exce-


pção das de Índios estal)elecidas tuuilo depois, como o
veremos no competente lugar. primeiro vigário do
Aquiraz foi o Padre João de Mattos Serra, filho de Por
tugal, que veio com pouca demora tomar conta de sua
Matriz, enviando para diversos pontos da freguezia coad-
jutores da sua escolha.
E’ crença geral que a povoação do .Aquiraz foi creada
villa n’este mesmo anno; ignoro a época certa de sua
creação; mas adquiri a certeza de que em Maio de 1700
já funccionava o Senado, pois que à 15 do dito mez re
presentou por carta dirigida á S. Magestade «que os mo
radores do termo muito soffriam dos roubos de gado que
lh(!s faziam os Gentios harharos. Pelo que pcilia que
ilêsse ordem aos capitães-móres para lhes dar auxilio e
adjutoriopara prenderes delinquentes, afim de que,
provados os seus crimes, fossem castigados na fôrma
da lei ou remettidos pata Pernambuco. »
El-llei responde á 2 ile outubro do mesmo anno:
« que sendo estos furtos feitos por índios mansos, (pie
sam reputados vassallos, deviam ser denunciados às Jus
tiças que os mandariam castigar nos termos da lei; t.‘
(pie se fosse necessário para effcctuar sua prisão algunt
auxilio, recorressem ao Gapitão-mór que lh’üs minis
traria. »
Sendo já villa no meiado de Maio, o correspondendo-
com 0 .Monarcha. foi o decreto da creação avrado no
lim do século anterior ou nos primeiros dias do XVIIl.
-A villa foi creada debaixo do titulo de Villa de San’ José
de Rihamar do Aquiraz, e comprehendeu seu termo todo
o lerritorio do Ceará-grande, isto ê a Capitania inteira.
Pertenceu primitivamento á comarca de Pernambuco, c
dividiu-se em Ires districtos: o da villa, o do Jagua-
ribe, e o do Acaracíi; e foram mandados a administrar a
Justiça nos dous últimos, juizes pedaneos ou ambulantes
com sens respectivos escrivães.
O titulo do Villa de San’ José parece dar a entender
que a freguezia foi anterior à creação da villa, porque
dcu-sc-lhe o nome do padroeiro da Matriz; todavia não
—Í03-

lieixa (Ic ser possível (l»em que não me consle) que eiilão
jà existisse alguma capella dedicada ao mesmo santo, a
qual désse o nome à villa.
No mesmo anno foi substituído o Capitão-mór 1’edro
Leiou por Francisco Gil lUbeiro.
A’ 13 de Março de 1702 ordenou El-Uei por (kirta
llegia ao Governador da Capitania de Pernambuco que
mandasse pôr editaes em todas as Capitanias de sua
jurisdicção para prevenir os sesmeiros.( onatarios e pos
seiros de terras que houvessem dentro de 6 niezes de
apresentar as suas confrontações, de as mandar demar
car judicialmente no prazo de dous annos pelo .Ministro,
que para este fim lhes havia de mandar, sob pena de as
perderem no caso de não cumprimenio (Pesla demar
cação no prazo marcado.
Determinava a mesma Carta que os Cai)ilães-müres
e as Justiças das ditas C.apitanias fizessem conservar
os moradores de sua jurisdicção na posse dos terrenos
que occupavam, com tanto que nos mesmos prazos curn-
jrrissein as mesmas exigências de declaraçãa das con^
frontações c medição judicial. Esta medida se tornava
indispensável para segurar a propriedade á uin grande
numero de moradores, que haviam tomado posse de ter
renos r[ue occupavam e beneficiavam desde mais ou me
nos tempo, sem jàmais terem tirado d'ellas titúlos legacs.
Seria sem duvida uma grande injustiça de os esi)oliar
d’eitas e do resultado de seu trabalho, sobretudo n’iim
tempo em que era difiicil tirar datas pela grande dis
tancia das repartições que as concediam, e a grande ca
rência de relações entre os diversos pontos co Estado.
Estas medições não se puderam fazer por falta de Mi
nistro idoneo; não só porque quando veio ein 1709 o
que fôra promettido encontrou a Capitania n’um estado
tal de conflagração que não poude cumprir a sua missão,
como também porque sendo incumbido de outra missão
pouco se demorou na Capitania. Esta falta de demar
cações foi preparando o chãos que vei’emos augmentar
progressivamente na determinação da propriedade terri
torial.
— JU4—

IViríarlaile 31 de .Man;ü de 1704, foi ordenado aos


Capilãos-ricneraes de Pernambuco (jue renovassem dc tres
e in tres annos as nomeações dos Capitães-móres das Capi
tanias annexas. embora fossem os mesmos reconduzir os
nos mesmos lugares.
A Junta das Missões de Pernambuco jã tendo regu
larizado os seus trabalhos tomou um grande interesse
pelas missões do Ceará. Desde sua fundaçao tinha man-
ilado mn grande nurnero ile .Missionários carmelitas para
0 interior da Capitania.
Chegando um missionário ao lugar em que preten-
ilia nstabelecer a sua missão, fazia primeiro que tudo le
vantar uma capella, ou de ramagem ou de madeira c
barco, coberta com palhas dc carnaúba, e ao depois coui
telha; e em seguida mandava os índios construir suas
casa-í n’um quadro ao redor da capella. Estabelecida
assim a missão, o seu missionário tornava-se chefe ab
soluto n'ella, á ponto de que nem as autoridades civis,
nem as ecclesiasti(;as, exíatptuadas as da Junta das missões,
tinham jurisdicção iCelIa, nem mesmo podiam entrar na
aldeia sem licença do missionário, ainda que tosse o cura
ou vigário da freguezia em cujo território estivesse encra-
vada a missão. Todavia. era costume nomear na aldeia
um administrador, que, de iutelligencia com 0 missio-
nario, incumbia-se da respectiva gerencia : era como uma
(‘specie do procurador da missão, que aflestrava os indi-
gtnias no manejo das armas, e os capitaneava quando
marchavam [lara a guerra.
Esta accumulação de jurisdicção civil o ecclcsiastica
convinha snmmamenle aos missionários e á Junta das
missões, que utilizavam-se do trabalho dos índios, faz.en-
do-os trabalhar em seu proveito, e enriquecendo se a

custa (Telles, como segundo deeJara o autor dos .4pon-


íamentos sobre a historia do Çearrf, faziam os jesuítas
|■hefes das missões da serra da Ibiapaba; os qnacs man
davam os seus neophytos buscar na praia sab que carre
gavam ás costas dos mesmos, c enviavam para ser ven
dido nos sertões do Piauhy, (> com o respectivo produclo
-105—

coiíniravain lazctidas como a da Tiaia e outras, que hoje


formam o palrimouio dos vigários do Villa-Viçosa.
Foi para rcmeiliar estes e outros peiores abusos,
(}ue l). José, por Carta Regia de 7 de Junho de 1755,
tirou a jurisdicção civil e ecclesiastica dos missionários,
organisando villas o freguezias indias, como o veremos em
seu tempo.
A Junta das missões de Pernambuco, para inti
midar os Írídios bravios que não cessavam de perseguir
os colonos com roubos e assassinios, e obrigal-os a re-
colberem-se às missões: assim como também para conter
os neophytos (pie iCellas conservavam os babitos de furto
e rapina que traziam das florestas, suas primeiras habi
tações, mandou armar em 1701, á 20 de Abril, uma
poléna ribeira do Jaguaril)e, para dar tratos aos Tapuias
e Payanis pelas hostilidades que commettiam contra os
moradores d'este districto.
Por Carta Regia de I). Pedro II, de 4 de Juniio de
1703, foi determinado que, além das temporalidades ou-
thorgadas aos índios, ficava-lhes concedido : l.°uma bv
gua de terra em quadro para cada aldeia, afim de n’elki.
morarem c fazerem as suas lavouras; 2.* espaço suffici-
ente para cilificarem uma igreja eseu adro; 3.° terreno
para casas e outros arranjos dos parocbos (missionários',
suííiciente para terem criações domesticas; 4.® emfim que
fossem pagas as congruas ordinárias à custa da fazenda
real.
Rasgo admiravel de generosidade de um monarciia
para com seus novos súbditos, à quem rouba milhões
de léguas para fazer-lhes a mercê de uma legua em qua
dro !
A’ um donatario davam-se centenas de léguas ijua-
dradas; ã um, sesmeiro, tres: e à cem familias de índios
reunidas em aldeia uma só legua, em compensação ilo
paiz inteiro que se lhes havia usurpado, porque eram
inferiores em forças e recursos aos roubadores; e esta é
a origem da propriedade no Brazil I
Km 1703 0 Capitão-mór George de Barros Leite veio
substituir ã Francisco Gil Ribeiro. Depois de um anno
—i06-

loi subslituido, á 27 de setembro de 1704, por João


da Matta, que lambem por seu turno depois de um anno
entregou a Capitania, em 1705, à Gabriel da Silva Lagos,
que foi conservado até 1710. .
Todas as datas de sesmarias que encontrei do no
.la'maribe, do Icó para cima, fôram concedidas pelos
quatro supracitados Capitães-móres, e particularmente
pelo ultimo. ,_ , .
A posição secundaria destes Capdaes-mores faz com
que seja difficilima, se não impossivel, a acquisiçao de
dados sobre a sua administração, limitada ao commando
da força do presidio, e á concessão de algumas datas de
sesmarias. Os livros de tombo se tem perdido quasi
Iodos pelo pouco cuidado que tem havido na sua con
servação; e as certidões que se deram aos sesmeiros
tem-se destruido ou desapparecido, á ponto de não ler eu
podido ainda encontrar, em mãos de particulares, uma
só das que dizem respeito aos rios principaes; apenas
hei achado algumas escripturas em livros de notas.
As datas que encontrei concedidas nas proximidades
ilo Icó sam de 1680 até 1690, sendo todas cilas emana-
das do governador de Pernanibuco, ou do Moiiarcha
portuguez. Aquellas, iioiém, das terras situadas nos
riachos sam todas de 1700 em diante.
Uelalivamenle ao commando da força, não existe
documento algum nos archivos do Ceará pela razão de
n’aquella época pertencerem todos aos de Pernambuco,
para onde eram consequentemente remettidos.
E’ necessário agora que tornemos ao Cariri, onde
deixamos a população vinda das partes da Bahia tentando
estabelecimentos, e explorando toda a bacia do rio Sal
gado ; a familia e os aggregados do coronel João Mendes
F.oubato estacionando ao nascente da ponta oriental da
serra do Araripe, nos sertões banhados pelo riacho dos
Porcos, e a gente vinda com Medrado, ou por elle en
viada, estabelccendo-se na Cachoeira, no Miranda, naSa-
lamanca, e outros pontos circumvizinhos nas nascenças do
Salgado, cujos terrenos lhe fôram disputados por Ariosa.
Este, como jà o dissemos, depois de livrar-se das
-107—

i’ulpas que tinha na Bahia, retirou-se para Portugal onde


reivindicou o provou o seu direito como primeiro desco
bridor do Cariri, e n’esta qualidade disputou a posse ex
clusiva d'este território à casada Torre, que o reclamava
como seu, e mandou-a esbulhar d’esla pretenção. Du
rante 0 tempo da pendencia d’esta decisão a'dita casa
da Torre tinha feito numerosas concessões de terrenos
do (Cariri á afllhados e aggregados; tinha coiicediflo ao
capitão da primeira bandeira que enviou, .loão Correia
trnaud. Ires fazendas à sua escolha, em remuneração
dos serviços que prestara n’esta primeira entrada; as
quaes escolheu nos lugares chamados Carité, Cachoeira,
e Burili-grande.
Quando chegou a noticia de ter sido a casa da Torre
esbulhada da posse que tinha tomado dos terrenos do
Cariri* as pessoas á quem ella havia feito concessões sup-
pozeram que também perderiam as posses das terras qüe
fítílíam beneficiado; mas a publicação da Ordem regia de
13 de Março de 1702, de que acima tratamos, veio tran-
quilizal-03 0 dar-lhbsa segurança de não serem in(iuieta-
dos, eoin tanto ([ue cumprissem com as exigências recla
madas por esta Carta de Lei do declararem judicialmente
as suas confrontações no prazô de seis luezes, e de no
prazo de dous annos tratarem de as mandar medir. Foi
em consequência d’esta decisão que João Correia .Vrnaud
ficou, como os do mais posseiros, confirmado no gozo
das tres fazendas Caritè, Cachoeira, e Buriti-grande que
havia escolhido no Cariri, e que seu filho de igual nome
veio tomar contad’ella$eadministral-as noanno dc 1707.
Esta igualdade de nomes tem causado grand(! con
fusão no espirito das pessoas que ham referido as tra
dições conservadas na familia dos Arnauds: querendo
attribuir á .loão Arnaud fillio todos os factos referidos
de pessõas d este mesmo noiiie, transtornavam conipleta-
inente a série das datas, e faziam a descolierta do Ca
riri mais recente vinte e tantos annos do que é realinen-
íe. E’ evidenteraente impossível que .loão Correia Ar-
naad filho, que veio ao Cariri em 1707 com idade de
vinte e tantos annos, e que morreu com 82 em 1771 na
—!08-

Cachocira da Missão-Velha, leiilia assistido ao descobri


mento ([ne teve lugar em mil seiscentos e sessenta e tan
tos, já que a vinda dos Loubatos, (jue foi posterior, leve
lugar de 1678 à 1683 durante a administração da Dio
cese de Pernambuco pelo seu primeiro Bispo, como acima
fica dito. Logo o coronel João Lorreia Arnaud, de querii
se trata na primeira entrada da gente da Torre no Lariri,
era pai de seu homonymo João Correia Arnaud que veio
tomar conía das sobredilas fazendas em 1707.
U que não soffre duvida, é que Arnaud filho fixou
sna residência na Cachoeira, onde se estabeleceu a pri
meira missão do Cariri; ahi promoveu c favoreceu pos
teriormente a creação e augmento de um povoado que
hoje se denomina Missão-Velha pelas razões que em
breve referiremos.
Fundaram-se successivamente diversas outras mis
sões no Cariri para a catechése e civilização dos índios,
ao passo que a colonização e a povoação fôram aug-
mentando o prosperando em consequência da garantia de
propriedade dada peta Carta ttegia supra-mencionada.
Os primeiros povoadores do Cariri fôram : João Cor
rem Arnaud nas fazendas de que acima falíamos; o co
ronel João Mendes Loubato e seus filhos no riacho dos
Porcos; João de Miranda Medeia no brejo do Miranda;
Mannel Uodrigues Anosa (o primeiro descobridor do
Cariri), un algum seu parente, na lagôa do Ariosa, hoje
Porteiras; João de Souza Gularto no brejo da Salamanca,
hoje Ilarbalha; todos vindos da Bahia.
Cm cumprimento da promessa feita por El-Rei em
sua Carta de 13 de Março de 1702 de mandar um Minis
tro encarregado do tombainento e medição das terras da
Capitania, já possuidas e situadas, foi encarregado d’esta
missão nas bacias do Acaracú e do Jaguaribe, isto é em
toda a extensão ria Capitania, o desembargador Chris-
fovão Soaret Reimão [*) que veio ao Ceará em 1709.

(*) Segundo Pompeu, Ens. Estai. Tom 2.®—Pag. 264:


Çhristovão Soares Raynal, ouvidor conhecido tradicional-
menle pela alcunha de Tubarão.
—109—

Durante o tempo em que se conservou no desem-


j^nlio (Je sua commissão, fez diversas demarcações das
(juaes encontrei alguns documentos e tradições.
Deu por ordem regia meia legua de terras na ilha
das Russas, do rio Jaguaribe, para patrimônio de uma
nova freguezia que se estabeleceu deliaixo do titulo de
San' Bernardo das Russas no arraial já existente desde
muito tempo n’este lugar, o qual ainda hoje tem o
mesmo nome de Russas.
Conservou-se n’este exercicio de tombador das terras
da (Capitania durante 4 annos, no decurso dos quaes se
achou compromellido na rixa dos Montes e Feitosas,
assim como em breve o referiremos.
N’este tempo occorreu em Pernambuco a revolta dos
mercadores ou mascatet, occasionada por intrigas entre
os Portuguezes estabelecidos no Recife e a nobreza bra-
zileira que dominava em Olinda. Querendo aquelles que
occupavam o Recife subtrahir-se à jurisdicção da Camara
■Municipal de Olinda, solicitaram e alcançaram a creação
de uma villa no Recife, afim de contrabalançar a in-
tluencia dos seus rivaes de Olinda. Toda a nobreza
brazileira se pòz em opposição aos portuguezes que sa-
birain vencedores em sua pretenção, porijue tinham à
seu favor o governador Sebastião de Castro e Caldas.
Como este maltratasse os brazileiros, intentaram as-
sassinal-o; escapou milagrosamente de um tiro que
sobre elle dispararam na rua das Aguas Verdes á 7 de
■Novembro de 1710, e viu-se obrigado, para escapará
outras tentativas iguaes, dc fugir para o Rio, abando
nando Pernambuco, sendo substituido interinamente no
governo pelo Bispo D. Manoel Alvares da Costa, que se
viu reduzido aos maiores apuros para resistir aos bra
zileiros. Não os podendo vencer por outros meios, re
correu ás armas. Depois de numerosos e renhidos en
contros entre os dous partidos, triumpharain os mas
cates pelo apoio que lhes prestou a Metropole, a qual.
aterrada do risco que correra sua colonia, mandára
adrede para Pernambuco a Felix José Machado com o
fi m de illudir os brazileiros. Trazia em nome d’El-Rei
—no-

uiii Vlvarà de perdão p:ira os rovnllosos. (‘.m coiisc-


([ueiir.ia do (jue sujetlaiaiii-se a (ieitòr as anuas; tuas
não obstante foram remetlidos para Portugal, onde so
usou para com elles de tacs protelações ijue pereceram
todos nas prisões do Limoeiro.
O desembargador Christovão Soares Ueimão, tom-
bador das terras do Ceará, foi nomeatlo syndicante do
levante, e em virtude d’este novo encargo deixou em
<713 0 Ceará, afim de ir para Pernambuco cum u ir a
sua nova missão; não consta que fosse substituído por
outro ministro'no lombamento das terras do Ceará.
Em virtude de uma representação dirigida pelos
olTiciaes do senado de Aquiraz à S Magestade, na qual
se (|ucixavam dos excessivos salarios qtic levavam os
ofliriaes de justiça (piando vinham de Pernambuco tirar
devassas n’esta Capitania, das prevaricações que prati
cavam, e das falsidades que coinmettiam os letrados,
por não haverem correições em qup d’isto se tomasse
conhecimento; das difiiculdades dos recursos e appellações
em tão grande distancia como a em que se achava Per
nambuco, motivo este que fazia com que não viessem os
Ouvidores ao Ceará, o que caus.ava grande detrimento
ao exercício da justiça, e era o motivo de não se tirarem
ilevassas de numerosos crimes de morte praticados em
i'"! I a extensão da Capitania; El-Rei, atlendendo à estas
justas representações, em Carta de 9 de Janeiro de 17ii
dclerminou que, attenta a menor distancia do Ceará á
Parahyba, ficaria de então em diante esta Capitania e
termo do Ceará pertencendo à comarc;i e correição da
Parahyba, o que se communicou ao respectivo Ouvidor,
j)ara que quanto antes fosse ao Ceará Grande tirar as
devassas de todos os crimes de morte dos quáes até
então se não haviam tirado por falta de correição. Foi
pois por esta Carta de lei desmembrado de Permambuco
para ser anneXado á comarca da Parahyba.
Ao Capilão-mór Ctabriel da Silva I.agos succedeu. á
23 de Agosto de I7<0, Francisco Duarte de Vascon-
cellos.
Por (]arta Regia de <3 de Janeiro de 1701 foi pro-
—iJl—

vidü ;i congrua dos Missioaarios, á labrica das aldeias,


0 doações das terras necessárias a manutenção dos ín
dios, á creação de igrejas a custa dos moradores e
com 0 traballio dos índios. O Tombador Ueimão foi
encarregado das doações da terra necessária para uma
e outra cousa. Uma Ordem Ilegia enviada ao governa
dor de Pernambuco com data de 12 de Dezembro de
1710 diz : « que sendo S. Magcstade informado que o
ministro á quem commettera a diligencia de tombar as
terras dos sertões d’esta Capitania, e de repartir as
que se deviam dar ã cada aldeia de índios e à seus
Vigários ou Missionários para seus passaes excedia das
taxas e alterava a ordem quelbe fôra dada em prejuízo
dos moradores circumvizinlios, ã ijuein tiravam as me
lhores para as dar aos ditos Missionários e Parochos,
que com taes abusos se tornavam senhores de muita
fazenda e criações, e tam poderosos que os pobres
não se atreviam a se queixarem dos prejuízos que re
cebiam d'elles, nem podiam evitar os damnos que d’ahi
lhes resultavam, dirigia a presente ordem ao governa
dor de Pernambuco para não consentir cjue aos Vigá
rios das Igrejas parochiaes e Missionários dos índios
aldeados desta capitania e suas annexas se désse para
(lassaes das ditas igrejas mais do que o terreno neces
sário para sustento de (juatro cavallos e outras tantas
vaceas que sobram para um clérigo. A execução d'esta
ordem foi cncareciJamente recommendada aüm de se
prevenirem taes abusos tam prejudiciaes ao serviço de
IJeus e de S. Magestade. E na realidade esta medida
se tornava urgente, pois que os Parochos e Missionários
das aldeias, especulando com o fanatismo do ministro,
iam adquirindo riejuezas e um poder excessivo emi
nentemente prejudicial à seu caracter apostolico e sacer
dotal.
Houve n’esta Capitania durante o anno de 1711 e
os seguintes uma especie de levante á imitação do dos
mascates em Pernambuco. Algumas pessoas, e espe
cialmente 0 Capitão-mór, interessadas em que a For
taleza fosse a cabeça do termo, cm vez do Aquiraz,
—112—

representaram n’estc sentido á El-Kei que. por Alvará


de 11 de Mar(;o do mesmo anuo, mandou passar a
vidla e termo para a Fortaleza. Os habitantes do Aquiraz
não viram esta mudança com bons olhos, e reclamaram
contra ella, mas debalde porque tinham contra si o
Capitão-mór e a tropa. Esta competência fomentou entre
os interessados dos dous lados uma intriga que não tar
dou a passar às vias de fado. Os moradores do Aquiraz
suscitaram os índios aldeados na vizinhança á revolta, e
reunidos e guiados por alguns dos mais ardentes interes
sados resolveram resistir ás forças do Capitão-mór. Hou
veram entre os dous partidos renhidos encontros, nos
quaes morreram muitos d’elles, mas com especialidade
índios. El-Ilei informado d’estes acontecimentos resta
beleceu as consas ao seu antigo estado, tornando a passar
a villa para o Aquiraz, onde se conservou sem mais
competência, e a Fortaleza ficou sendo o lugar de re
sidência dos Capitães móres. Esta nova transferencia
elTectuou se em virtude d'uma Ordem Regia de 27 de
Janeiro de 1713.(*)
Como continuassem as vexações e exacções pratica
das pelos juizes, e mais olliciaes de justiça quando iam
em correição, houveram novas queixas que motivaram
diversos Alvarás d’El-llei em que marcava os salarios
não só dos magistrados e mais empregados que os acom-
panhávam nas correições,como os dos juizes de diversas
cathegorias, de seus escrivães e mais oíDciaes emprega
dos na repartição da justiça.
Por Alvará de 21 de Novembro de 1703 crearam-
se juizes de orphaos independentes dos juizes ordinários,
com estipulação dos salarios que competiam à elles e
á seus subalternos
(Juando se creou o termo do Aquiraz, fez se-lhe
extensivo o Regimento de Pernambuco, no qual se mar
cava aos juizes e mais empregados de justiça o dobro
(*) Segundo Pompeu, Ens. Estat.—Tom 2.'’—Pag.
263: em virtude de Ordem Regia de 9 de Maio de
1713.
— lia

dos oiiiolmiientos marcodns para os lespectivos cargos


iias Ordonarões do Reino. Kstas medidas fôram sempre
illiididas, e os povos continuaram a ser viclima das con
cussões, rubiça, e má fé dos distribuidores da justiça. Ein
tão grande distanciadas autoridades superiores (pie po-
deriam reprimir estes abusos, passavam as prevaricações
desapcn-eliidas c impunes pela ignorância em <pie jazia
a, população dos seus direibjs, dos recursos que lhe assis
tiam, e pelos grandes custos e ditliculdades de se utilizar
(Felles. Os livros das Gamaras antigas estam clicins de
cegulamcntos destinados a reprimir estes abusos, mas fi
cavam nos arebivos como lêtra morta.
Nos lius do XVII e principios do XVIII >eculo, ('íjioca
em (pie se concedeu grande numero de datas de sesmaria
nas margens do curso inferior dos grandes rios da Capi
tania, especial mente do Jaguaribe e do .Vcai acú, houve
ram freipientes e terriveis contendas enlie os conc('ssin-
narios, cin virtude de rivalidades, e por não se poderem
entensler entre si sobre os limites das suas propriedades
(lor falta de medição das mesmas. Kstas contestações ter
minavam frequentemente por vias de facto, e ap[>ello ás
armas em que inlervinham ipiasi sempre os índios proiiq)-
tos sempre <‘i guerrear e espoliar os seus oppressores; tm
mavam [tarte á favor de um ou de outro dos c.ontendo-
res (|ue os ailiciavain por meio de promessas failazes, ou
de vantagens reatts quando os não podiam enganar. Foi
para pôr termo á estes abusos deploráveis e ás borriveis
carnilicinas que se reproduziam á itada momento que a
(iôrte de Portugal obrigou, como já fica dito, o Desem
bargador Christovão Soares Reimão, já d('sdc alguns an-
nos nomeado tombador das terras do Ceará, a partir para
seinlestino afim de dar cumprimento á sua comrni.ssão.
Rsteve na (iapitania do Ceará desde 1709 até 1713, époiai
em (pie foi a Pernambimo dar conta do .seu novo encar
go de juiz syndicantedo levantamento dos inascat(‘s do
Recife. Fez grande numero do demarcações nas terras
da l^apiLinia.
Já deixei dito (pie, (piando se descobriram as planiídes
do Piauhy, foram nelias estabelecidas fazendas de gado
—114—

eui lerrenos de sesmarias, concedidos pel(js governos da


Bahia e de Pernambuco á aventureiros d’estas Capitanias
que para lá haviam dirigido as suas excursões.
Os governadores do estado do Maranhao queixaram-
se d’isto ao governo real, o qual mandou o ouvidor do
Maranhão examinar o caso, e informal-o acerca do esta
do das cousas; o que motivou a provisão do conselho ul
tramarino de 11 de janeiro de 1715, ordenando que o
território do Piauhy que fôra apossado pelos governos da
Bahia e Pernambuco pertencesse d’então em diante ao
Estado do Maranhão. Este ouvidor conservou-se por mui
to tempo no território do Piauhy esbulhando os Bahia-
nos e os Pernambucanos das terras que haviam obtido,
e concedendo-as como devolutas á novos sesmeiros do
Maranhão.
O mesmo intentou fazer á respeito das terras da cha
pada da serra da Ibiapaba onde vimos os Jesuitas fun
dar as .Missões e aldeias dos índios Tubajáras e outros
refugiados de Pernambuco, depois da restauração do go
verno portuguez pela rendição do Recife. Como porém
encontrasse resistência da parte das autoridades do Cea
rá, foi 0 caso levado á decisão d’El Rei D. João que
por Carta de 1721 estabelece expressamente « que as al
deias da Ibiapaba, (hoje Villa-Viçosa, Ibiapina, San’ Be-
nedicto, e San’ Gonçalo da serra dos Côcos) não fossem
destnembradas do Ceará para serem annexadas ao Piau
hy, mas sim continuassem sempre a pertencer á Capita
nia de Pernambuco da qual fazia parte o Ceará como ca
pitania annexa ». Esta decisão tão clara e concludente
não admitte duvida alguma sobre os limites entre o Cea
rá e Piauhy.
Os índios do Ceará que ainda não tinham sido al
deados e catechizados achavam-se sempre dispostos a se
levantarem e a lançarem mão das armas para terem oo-
casião de matar, pilhar, roubar, e por todos os meios
vingarem-se dos colonos, seus inimigos figadaes. -
Em 1708, desesperados de se verem lançar fora
das terras que occupavam, quando não se queriam reco-
—uri—

llier ;ls aldoias, principiaram a reljcllar-se contra os co


lonos que massacravam cm grande numero;' foi enlTio ex
pedida pelo governador de 1'ernambuco ao Capilão-mór
do Ceará uma ordem expressa de fazer-lhes uma guerra
de exterminio; mas esta ordem não se podendo cumprir
á falta de recursos e de gente, os índios foram creando
cada vez nmis animo, cem 1712 fizeram entre si uma
grande liga, na qual entraram os Tapuias Jaguamliai'as,
os Canindés, os Genipapos, e outras numerosas e pode
rosas trilnis que, querendo obrigar os Tereniembés a ac-
companlial-os, sem poderem conseguir que estes faltas
sem á fidelidade que conservavam para com os Portugue-
zes, espcraram-n’os em ciladas na oceasião em que per
corriam a costa como era de costume, surprenderam-
n’os, mataram-lhes o seu principal que os não queria ac-
companliar, e obrigaram-n’os mais a seguil-os em sua re-
belliào. üepois entraram a atacar todas as fazendas, as
(juaes destruiram, matando todos os moradores que não
se poderam subtrahir peta fuga. Foram assim arrasados
todos os estabelecimentos da capitania que não poderam
ser soccorridos pola guarnição do presidio, ficando ape
nas incólume um circuito de cerca de duas ã tres léguas
ao redor d’elle; morreram centenares de pessoas,c as mais
recolhendo-se cm torno da fortaleza trouxeram para ella
a consternação e o espanto.
Em dias de agosto de 1713, época em que teve lugar
este grande desastre, fez o Capitão-mór Francisco Duar
te de Vasconeellos um grande con.selho de guerra na For
taleza com os oííiciaes da Gamara da Villa e os cabos de
guerra da Capitania, para concertar os melhores meios de
destruir o dito inimigo, e recuperar a Capitania tomada
pelos barbaros levantados « E assentaram todos que se
lançasse um bando em nome de S. .Magestade que se pu
blicasse e afixasse de maneira que a noticia chegasse á
todos os moradores, no qual se proferisse e declarasse que
dava 0 dito Capitão-mór a campanha livre e isenta dos
quintos reaes das presas que houvesse na guerra dos
ditos Gentios aos que lh’a fizessem até se socegar e res-
gaUir d’elles a Capitania, porque maior prejuizo segue á
—ll()

I r i 'loròa [)('nl('r t;st:i do que os quintos das presas (jue


iidifvesse na dita guerra. »
N’esta tnesnia oceasião foi nomeado eabo-geral e
cm-unandante de toda esta expedição o coronel João de
Jhrros Brafja, por ter olle vindo á testa do seu regimen
to de cavaliaria das varzeas do .laguaribe soccorrer a for-
taJeza logo (|ue soubera do aperto em que se achava pela
rebellião dos Tapuias. Reuniu moradores e índios man
sos e fieis, á testa dos quaes fez aos rebeldes uma guerra
c-enlana qual matou grande numero d’elles, e apri-
.siooou mais de (luatrocenlos, dos (juaes mataram-se logo
eoxenfa e cinco á ferro frio, (‘ d('pois de amarrados, « por
<1'‘'iconíiança que bouvt! d’esl(í gentio, pelo motivo de
ser-un homens do armas, conliocidameide guerreiros e
ciiiifo destemidos, e juntamente incapazes de se sugei-
tarom ás leis divinas e Immanas, como a experiencia
bastante tem mostrado a sua infidelidade e constância.»,
O coronel João de Barros Braga, depois de ter var
rido do litoral e do baixo Jaguarlbe, c sertões mais pro-
xinios do mar, o inimigo barbaro com grande prejuízo
(l’este, mandou o capitão do seu regimento Pascoal Cor
reia Lima limpar a bacia do Banabuiú onde e.ste matou
grande numero de inimigos, e aprisionou cento e vinte e
cinco cabeças.
Todos estes índios aprisionados foram repartidos por
"ot.re os colonos e Inilios auxiliares, à excepção dos Te-
eieiidiés (jue provou-se terem sido obrigados a, acom
f '»

panhar os rebeldes afim de remirem as suas vidas; por


isto foram elles entregues á seu Missionário por ordem
da Junta das Mi.ssões edo Reverendo ü. Manoel Alves da
Costa, Bispo de Pernambuco. Kstas particularidades cons
tam de um processo mandado instaurar contra o coronel
Joãn de Barros Braga pelo Capitão-mór do Ceará Plácido
de Azevedo Falcão, afim de obrigal-o a quintar os prisio
neiros não ol)stante o theor do bando afixado por seu
predecessor, e lambem pelo seu successor Manoel da
Fonseca Jaime. O réo interpoz embargos que, indo ao
Provedor da Fazenda Real de Pernambuco, foram julga-
'1()s á seu favor; foram rcmeltidos ao Provedor-mór do
— 117—

K.slado fjuo conlirinoii a absolvirãd o appelloii para a Uo-


laçãü, a (jual tainbcni absolveu (lelinilivanioiite o réo.
Por outra nrdeiu do Governador-geral de Pernani-
buco, lavrada eiii I7l;j, manda-se perseguirá lodo transe
o Gentio bravio do Geará com recomniendação expressa
de exLinguil-o, capiival-o, ou afugenlal-o, afim de preve
nir os damnos que causam aos colonos.
E bem notável esta ordem em tão flagrante opposi-
ção com a solicitude dos Monarcas portuguezes manifes
tada nos Alvarás que já citamos, e em que, mandando
crear aldeias por Missionários, tanto recomniendam á to
dos os seus Ministros e Governadores do Brazil que não
consintam a escravização dos ditos índios, e que tudo
invidem para sua civilização.
Esta guerra em summa se fez com grande encarni-
çamento, porque em todos os cantos da Eapitania encon
tramos tradições de guerras renhidas que duraram por
alguns annos, e em que morreram innumeraveis Gentios:
porque nos bvros das patentes daquellas eras encontra
mos muitas d’ellas declarando que são concedidas em re
muneração dos serviços prestados pelos concessionários
nas guen-as sustentadas contra os Gentios barbaros de di
versos pontos.
A ordem supracitada executou-se coin uma feroci
dade iligna d’aquellas eras barbaras, e durou, como já
dissemos, longos annos, pois que de uma onlem de 27
de Novembro de 1727 se collige que o capitão-general de
Pernambuco determinou exprcssamente ao coronel João
de Barros Braga de reunir uma bandeira para a continua
ção d’esta obra de exterminio.
N’esta guerra foram mortos indígenas .sem numero,
em nome da caridade christãa, porque elles não queriam
aceitar a catecbése e a civilização do velho mundo, que
icabou com os que se recolheram ás aldeias, .sendo pei'-
seguidos e caçados como feras nas brenlias os relap.sos
que d’ellas fugiam, ou que á ellas se não ífueriam reco
lher; assim como tainbem foram abi devorados pela be-
<iga e outras epidemias importadas da Europa. Muitos
— IIH—

f()i'nin ('Sfriivizailn?, romo ron^l.i ilo invontarifis,


dos (|u;(i‘s oin oiUra parle já lizeinus iiuaiijão.
lloiiveraiii nVsla guerra iiiipia episndios Imrrivois
1' ((ue i'('vnllaiii a imaginação de lodo homem cordato;
episoilios qne põem em duvida ipiaes (oram mais harba-
ros. se os Kiiropeos civilizados (pie vinliam roubar os bens
e as vidas dos (lenlios selvagens. em[iregan(Io para isto
os meios indignos, se ('sles m('smos lilhos das llorcslas
qiK' se defendiam contra semelhantes allenlados.
As (trdeus d’t'xterminio eram lançadas contra os Ín
dios bravios e indomáveis (pie se não ([ucriam sulimel-
lor a doutrina e ao aldeamenio; mas, como eVa dinicil
('perigoso ir a(;ouuneltel-os no coraiião das floieslas on
de se iam r('l'ugiar, ([uanlas vezes não foram ('1I(!S ata
cados em suas próprias missões, onde se aebavaiu reuni
dos deliaixo da palavra, protec(;ão e boa fé do Monarca,
de seus delegados, e dos Missionários, cuja renilencia era
lr('(pi('ulemenh' insuilicienio para prolegel-os !... ahi os
ag('ules do gov('rno os surpreudiam, massacravam, e cap-
livavam á seu bel-prazer.
Kiu breve terei oceasião de narrar o massacre dos
Índios da missão de San’ Malheiis dos Inhamuns; por ora
ouçamos como Kl Hei It. .htão V relata um c,asi> vergo-
iiho-;o d’esl('s na segiiinlc carta de K» de Outubro de

Ku Kl liei faço saber a v(:s 1). Manoel lloulim de


.Moiira, (lov('rna(lor (' Kapilão General do, Pernambuco
(pie Ku sou informado que no anno de 17i20 alé 1721 se
lez uma guerra injusta aos Tapuias Genipapos-assús na
villa do .laguaribe; a qual mandou fazer o Capilão-mõr
doOará Salvador Alves da Silva, nonuiando conduetores
(fella Capitão Kuiz Pereiro, o láimmissario Clemente
d(' Az('V('do, eoK.oronel .Manoel deGaslro Caldas, osquaes
primeiro deram noGenlio uo lugar chamado Boqueirão,
oud(‘ caplivarão algumas mulheres, e o mais Gentio fu-
gi(», buscando a sua lgr(‘ja(le S. .loão, onde tinhão seo
Missionário o Padre Anlonio de Caldas Koubalo, sacer
dote do habito de S. Pedro, o qual os melleo dentro da
— IISI

0 (jiK! (•iicgaiido os rahos rnforidos, com a Irupa


iliJÍ7.(‘ião cscalac a lyrcja não obslaide ceiniercr-llics o
Missiunacin da ininlia pado e da de Deus que lal cousa
não lizossom; o vendo que era impossível divedi-los do
seo malicioso intento, llios entregou as cliavos da Igreja;
e dentro d'ella eapluiarão todo o (ientio, tirando j;i de
dol)aixo do allai'alguns meninos; e logo repartirão enIre
si as presas que reduzirão a capliveiro, que o Padri'
Missionário, e o principal do dito Gentio vierão dar par
te iJisto á vosso antecessor 1). Francisco de Souza, c que
0 Vigário geral dera a guerra por injusta e mandou que
se largassem as presas e se puzessem todas ('iii sua liber
dade sob p('na de exrominunbão; e (jue sem embargo
d’csla determinação ainda boje os mais d’elles estão cap-
tivos sem suas mullieros com as quaes casarão em face
da Igreja. Devendo o Capitão-mór do Geará Salvador .Vi
ves da Silva dar bom exemplo aos outros o não faz; an
tes trouxera com sigo para essa praça um rapaz com
leiição de o trazer para este reino, se vós com repetidas
ordens não o obrigásseis a enlreg.i-lo a seo respeedivo
principal. K ponpie esta matéria é grave, ine pareceu
orilenar-vos tjne vos informeis com toda a exacção; e
achando (pie esLa guerra foi injusta, e se fez n’ella as
violências que me forão presentes, (jue não só faça resti
tuir á .sua liberdade todos os Indifts que se íomárão
nella. mas (pie onbmeis que s(í dè baixa aos rabos (pie
forão á esta ex[)edição, poi' executarem as impiedades de
os tirarem do sagrado da Igreja á ijue se recolherão es
tes índios, protestando-lhes o missionário obrarem uma
acção impia e contraria ao respeito que devem ter á Deus
Nosso Senhor todos os Catholicos. El IVei. »
Bem claro esUi, á vista desta carta, que semelhan
tes ordens d’exlerminio' dos índios emanavam dos Go
vernadores de Pernattd)uco e do Geará, e não do Mo
narca, que ainda nhista oceasião se mostra solicito da
liberdade e civilização dos índios.
Francisco Duarte de Vasconcellos esteve na admi
nistração da Gapitania até 8 de üuluhro de 17IB, e foi
n'estaj data substitiiido por Plácido de Azevedo Falcão,
—120—

qne ã 2 de Agosto de I71.> entregou o eoinmando n


Manuel da Fonseca Jaime. Este governou até 1.® de No -.
vembro de 1718, e foi substituído por Saiuador iíues da
Silva, que conservou 0 commando até- 11 de Jiovembro
de 1721, e 0 entregou à Francisco ^onueí Francez, que
n’elle esteve até 1728.
Continuando a população a augmentar, estabelece-
ram-se mais duas freguezias no litoral : uma sob a in
vocação de N. S. da Conceição, na ribeira do Acáracú.
em 1714 ou 1715, cuja séde foi ambulante, pois que logo
na occasião da creação foi determirtado que servisse pro
visoriamente de matriz uma capella antiga dedicada á N.
S. do Rosário, edificada na margem do riacho dos Gui
marães, confluente de Gurairas, perto da sua foz no Aca-
racú, 2o léguas distante do mar. Servio essa capella de
matriz até 1746, anno em que se principiou a edificar
outra no sitio da Caissára, onde paulatinamente foi ap-
parecendo um povoado que hoje acha-se convertido na
cidade de Sobral. A outra freguezia que se creou no
mesmo tempo, pouco mais ou menos, foi a das Russas
na povoação do mesmo nome, com a invocaçdo de N. S.
do Rosário.
0 rio Mundahú que desce da serra da Uruburetama
foi 0 limite consignado ás freguezias de Aquiraz e do Aca-
racü; e o Pirangi, às de Aquiraz e de Russas, compre-
hendendo esta todos os afluentes ao norte do Banabuiú,
e dividindo com a do Icó pelas inascenças do mesmo
Banabuiú até a barra do Setià, od’ahi em rumo' direito
á barra do Junqueiro e à ponta septentrional da serra do
Pereiro, ficando para o Icó a sua chapada então deserta,
e para Russas o vaJle' do Figueiredo.
Aqui releva notar que o povoado de Russas é muito
antigo, e tenho razões de suppnr que foi ahi, ou no Gi-
qui, ou perto d’elles que Pedro Coelho estabeleceu-se
em 1603 e fundou a sua Nova Lisbôa, que não passou
de projecto.
('") Segundo Pompeu, Ens. Estat.—Tom. 2.®—Pag.
26.5 : á 30 de Agosto de -1715.
—lil—

'.1 rogia (nn' iiiTrede dá-se e liliiln de villa lio


.lagu.iribe ao primeiro d’a(|iielles povoados,(pie não cons
ta ler enlao o tilnio de villa, mas que já liavia sido eio-
vado á categoria do freguezia.
Os Oapitcães-mòres das Capitanias aiinexas a de IVr-
iianiliuco, e. com especialidaile os do Ceará, 011 por coD-
seiiso dos Capitães Ceneraes. com o lim de lacüilar o
exercicioda administração, on por omissão destes 0 usnr-
pação (Caipielies, tinham tomado o costumo do nomear
para certos empregos suhalternos, do provei cer-
tos postos das Ordenanças, e de passar as provisões e pa
tentes respi-ctivas: do conceder datas de sosmaria, ode
passar os competentes termos, attriijuições estas que e-
rani da competência dos Capitães (lenoraes de 1‘ernam-
hnco. mas qno desde muito tempo as tinham deixado
caliir em omisso.
ll''presenlou pi cante o .Monarca contra semelliante
nsnipação n Capitão General I). Felix José Machado de
Caistro Vasconcellos: mas sendo ouvidos os Capita es-mn-
res, provaram com documentos ijue seus predecessores,
depois de haverem gozado paciíicainente d’estas prenv-
galivas, lhas haviam legado, e ipie elles tinham conti-
timiado a exi.n-cel-as como se achava eslabelecido por cos
tume de longo tempo.
t.l Itei í). .(oão V, por Carta de de Dezembro lie
171.') determinou que os ditos Capitães-ninres conti
nuassem no gozo das taes attribnições, já (jne n tempo
lhes linha dado certo direito a ellas, e sobre tmlo por
que assim era conveniente ao bem do serviço imblico,
pelo motivo de se achai-em eni melhores circuinstancias
para conhecerem e escolherem as [lessoas mais idôneas
para os taes empregos, e também para ajuizar da conve
niência das coni-essões das terras das suas Capitanias;
com restrieção toda\ iade não poderem passar provisões
para mais de um anno, e de não omittirmn na conces-
•sao das datas nenhuma das disposições pie se lhes man-
dava guardar, as (piaes se .achavam na carta que se es-
crevim ao Ihvembarg.ador Chrislovão So.ires lleiin.ão, en-
—122—

Girrogado por S. Mageslade do lombainenlo das terras


d’csla Capitania do Ceará. »
Estes Capitães-móres procuravam por todos os meios
ampliar o circulo das suas attribuições; tendo as Cama-
ras n’aquelle tempo poderes mui amplos e independentes,
dos quaes eram ciosas, por isto exforçavam-se por do-
minal-as e as obrigavam frequentemente por violências
a prestarem-se às suas exigencias; exigiam d ellas, por
exemplo, attestados favoraveis e cartas de abono, para
com ellas illudirem o Monarca. Um Capitao-mor do Uio
Crande, Domingos Amado, levou o arrojo a ponto de
obrigar os otiiciaes da Camara a marcliarcm em torina
nas guerras de companhia com as tropas pagas e as da
Ordenança; e como se recusassem a obedecer-lhe, man
dou-os prender e lançou-os nas prisões puldicas, no mem
dos criminosos. Elles levaram suas queixas aos pes d hl
Rei que por carta de 7 de maio de 1718 estranhou as
peramente seu pi^ocedimento ao Capitão-uiór e ordenou
« que nem elle nem os das outras capitanias annexas se
atrevessem a praticar semelhantes violências e arbitra
riedades, em tão flagrante opposição com as le^s, contra
os membros de uma corporação cujas atlraunçoes a sui^
trahiam durante o seu exercício á jurisdicçao dos Capi-
lães-mòres. Esta carta foi mandada registar em todas
as Camaras para constar. Por outra carta de 13 de De-
7.eml>ro de 1720 foi prohibidoàs Gamaras das Capitanias
0 darem attestados e cartas de abono aos ditos Capitaes-
mores, que algumas vezes as exigiam forçosamente a-
fnn de com ellas illudirem o Monarca sobre sua conduc-
ta durante o tempo da sua administração.
Os juizes ordinários presidentes dos Senados eram
ma(listrados que julgavam em primeira instancia ques
tões civis e criminaes nos limites de uma certa alçada.
Os Capitães-móres pretenderam fazer das suas casas asi- ^
los invioláveis, negando aos ditos Juizes o direito de n el
las entrarem para exercer suas funeções. El Rei, infor
mado d’este procedimento, expediu outra carta com data
de 8 de Novembro de 1722, reprovando completamente
este procedimento « tanto mais de estranhar, que estes
—123—

magistrados com suas insígnias eram recebidos na pre


sença do proprio Uei e dos seus maiores ininislros. »
Em conseijuencia ordenou expressamenle que os Juizes
ordinários das Eamaras, com seus oíDciaes. entrassem
com suas varas alçadas nas casas dos Capitães-móres, e
nas fortalezas do seu commando, sob pena de serem pri
vados dos seus cargos, e de não poderem mais ser esco
lhidos pcãra elles.
Por carta Regia de 29 de Agosto de 1720 « foi pro-
hibido que nenhum oflicial de Capitão para cima podesse
commerciar, nem por si nem por outrem, derrogando-
se a resoluçíão de 20 de Novembro de 1709, que afrou
xava de semelhante prohibição já anteriormente esta
belecida á respeito dos Governadores das conquistas;
mas a experiencia tendo mostrado que esta permissão era
prejudicial ao serviço de Deus e d’£l Rei, á 18 de Abril,
se tinha revogado esta permissão para os Governado
res, e na presente sobredita data se fazia extensiva aos
Vicereis, Capitães-generaes, Ouvidores, Ministros, oíTi-
ciaes da justiça, ou da fazenda e também aos da guerra
que tem patente de Capitão para cima sob pena de per
derem a dita patente, e de ficarem inhabilitados para
qualquer emprego. »
Uma Ordem Regia de 7 de .Maio de 1721 {*], dada
por D. João V, manda executar a Ordem de D. Pedro
II que, como já dissemos, determinava a fundação de
um hospicio de Jesuitas na Villa do Aquiraz; em conse
quência ordena que a fazenda real dê aos Jesuitas de
Pernambuco a quantia de seis mil cruzados, no decurso
de tres annos, e mediante prestações annuaes de dous
Diil cruzados, para estabelecimento de um collegio na
dita capitania do Ceará, e que n’este vam residir dez
missionários da companhia, devendo alguns d elles saber
a lingua allemãa, aíim de desfazer as heresias sem du
vida implantadas nos índios pelos Hollandezes, visto
que em Portugal suppunha-se que estes haviam ensi-
("j Segundo Pompeu, Ens. Eslat.—Tom. 2.°—Pag.
26G: de 1722.
—m—

nado 0 proprio idioma aos gentios de sua parcialidade.


Determinava igualmente a mesma carta regia que
se désse á cada padre 405Í000 reis de ordinaria, até que
se estabelecesse nas fazendas da capitania o imposto de
uma rez por cem, e de duas por cada quinhentas cabe
ças de gado.
Em virtude d’esta ordem, principiou-se a edificação
do dito cpllegio na villa do Aquiraz, e vieram os missio
nários residir n’elle; mas como a quantia concedida á fa
vor da dita edificação não chegasse para a conclusão da
obra, por outra (^rta regia de 112 de Fevereiro de 1732
mandou El Rei D. João V dar, por uma só vezi outros
düus mil cruzados com os quaes se concluiram as obras
do dito collegio, que hoje ainda se vê na mesma villa
em estado de completa ruina. Pela mesma carta foram
elevadas á oitenta mil reis as ordinarias de cada um dos
religiosos do collegio do Ceará; e finalmente por ordem
de 19 de Outubro de 1733 foram declarados isentos de
lodo 0 direito os provimentos vindos de Portugal ao Bra-
zil para uso dos padres da companhia.
Foram consultados os povos por intermédio da Ga
mara do Ceará acerca da conveniência de se estabelecer
sobre os donos de fazendas de gado o imposto annual
acima citado de uma rez por cem e duas por quinhen
tas, afim de subvencionar com elle os padres missioná
rios da companhia. Parece que esta consulta não leve re
sultado, porque a fazenda continuou a pagar as con-
gruas.
Por carta de 10 de Outubro de 1743 dirigida ás
Gamaras da Capitania, El Rei estranha que não se tenha
ainda executado e ordem nntcriormente dada de cobrar
0 dito imposto annual lançado sobre os curraes das fa
zendas, para o dito pagamento dos Reverendos Padres.
Ordena que seja esta resolução submettida á approva-
ção das Gamaras em grande sessão e com a assistência
das tres ordens, e que se lhe dê conta exacta e circums-
tanciada de todo o acontecido á íal respeito. Parece que
rcceiava-se que este imposto não fosse aceito, porque
—{2b—

est.i oí dPin coiilpiii gnuides exiorços de iogica temieiiles


u convencer os povos da sua conveniência.
Os povos (Io Icò, (]ue já a’eslc tempo era villa, aim;-
linaram-se e estiveram á pontos de usarem das armas
conlra 0 Ouvidor, (jue muito instava para o estaileleci-
mento do imposto; reclamaram e imploraram a clemên
cia do monarca, aIlegando a pobreza resultante da na
tureza do paiz, onde os fazenílpiros estão sempre a prin
cipiar a vida, por causa das seccas frequeiitos, da pou
ca lertilidade do terreno e da grande baixa liavida nos
pre(;üs do gado vaccum e cavallar, que nbvsies princí
pios da capitania era costume mandar para a liabia.
1.1 liei altendendo a esta justa representarão, mandou
pagar as ordinárias á custa da real lazendcã.
Por carta regia de 8 de Janeiro de 1723 foi creada
a ouvidoria do doará. por desmembração d’aquella da
Paraliyba, comprebendendo a sua jurisdicrão toda a ca
pitania. O prinieiro ouvidor foi o Dr. José Mendes Ma
chado, encarregado da ereL\'ão da nova ouvidoria, e pela
mi'sma carta foi determinado que ello e seus successo-
res na vara seriam ao mesmo tempo ['rovedores da real
fazenda. Eile tomou pos.se á 3 de Março de 1723, e re
cebeu ordem de rt;sidir na villa do A(juiraz, elevada á
cabeça da comarca.
Todo 0 tempo da administração d’oste primeiro ou
vidor da ('omarca do (leará-firande foi assignalado por
graves distúrbios (jccasionados pela creação da provedo-
ria da fazenda real incumbida ao mesmo ouvidor i ue,
para regularizar a percepção dos impostos, viu-se obri
gado a recorrer á medidas de rigor que indispuzeram a
massa dos habitantes; acostumados a eximirem-se á este
pagamento, mal solTreram vêrem-se constrangidos ao
cumprimento d’cste dever.
A intervenção do mesmo ouvidor na contenda dos
Montes e dos Peitosas, que desde alguns annos Dortur-
bavam o mterior da capitania, foi cau.sa da guerra (|ue
soirreu, e da sua expulsão da ouvidoria.
CAPITULO VIII.

Rixas entre Montes e Feltosas: entre Fer


ros e Aços. Diversas medidas admi
nistrativas.

-w^JViAA/v/^

Em quanlo se davam em Pernambuco, no Aquiraz.


e na Fortaleza os disturl)ios e conlliclos que jà referimos ;
em quanto o Governador Capitão General de Pernambu
co e 0 Gapitão-mõr do Ceará estavam empenhados na
sua repressão, outros de igual ou maior gravidade in
cendiavam o interior, e se prolongaram por muitos
annos.
Parece que n’este tempo as cabeças de toda a capi
tania de Pernambuco e de suas annexas ardiam em fervu
ras volcanicas, que produziram no Ceará guerras san-

grentas e prolongadas.
As forças regulares não poderam intervir n’ellas
por muito tempo, porque além de serem pouco nume-
—127—

rosHS, eram necessárias para a inanulenção da ordem


no litoral ijue também vivia em convulsões, e porque
era perigoso aventural-as n’uns sertões Ibnginquos, ainda
mal coniiccidüs, sem estradas, sem recursos, o que seria
expol-as a serem surprendidas á cada passo, e com
pletamente deslruidas.
A noticia do descobrimento dos sertões do t^eará
tendo-se espalhado pelas provincias vizinhas de Pernam
buco e Bahia, assim como a fama da sua grande conve
niência para a criação do gado, exaltou a imaginação dos
aventureiros d’estas capitanias, que se dirigiram em
grande numero para o interior da Capitania do Ceará.
Entre as mais notáveis das familias que occupavam
0 interior, duas merecem a nossa allenção pelo numero
de seus membros, pela sua riqueza, pela clientela que
souberam crear, e pela rivalidade calamitosa que as desu
niu; sâm as dos Montes e dos Feilosas.
O Capitão-mõr Geraldo de Monte Silva, (uorador na
villa do Penedo, resolveu-se, ignoro porque motivo, a
abandonar este lugar da sua residência para vir morar
no centro d’esta Capitania. Trou.xe cornsigo fdhos e so
brinhos e mais parentes que se espalharam pelos sertões
adquirindo e situando fazendas de criar gado. Esta
emigração effecluou-se nos últimos annos do século 17.”
ou nos primeiros do 18°.
Geraldo fixou-se nas imniediações dn Icó, que n’es-
te tèinpo não passava de um arraial pouco populoso e
mesmo sem capella; seus parentes lixaram-se, uns no
Cariri, outros no Carihú, outros nas margens do Jagua-
ribe, alguns emlim no Banabuihii.
Francisco de .Monte Silva, seu irmão, n’uma resi
dência que fez no Icó perdeu uma filha que com grande
pezar da inãi foi enterrada no campo, por falta de egre-
ja. Seu marido para a consolar lhe prometteu que seria
transferida para uma egreja; por isto tratou de estabe
lecer um patrimônio de meia legua de terras, no centro
do qual ediíicou uma capella ã N. S. da Expectação.
que com pouca demora serviu de Matriz á freguezia qu(*
—Í28—

ri'estes primeiros ansos de sccalo passado foi creada no


arraial do Icó.
Esla lamilia possuia o Brejo da Salainanca no Cariri,
diversas fazendas no Cariliü. o Carro-quebrado. onde se
edificou 0 Icó, 0 Boqueirão acima dos Orosno Jaguaribe,
e mais em baixo a barra do Rio Figueiredo; a Jacoca
no Banabuiliú, e outras das quaes não tenho sciencia.
Todos os membros d’osta lamilia eram ricos e pode
rosos; creavam numerosa clientela entre os moradores
seus vizinhos, e sobre tudo enlre os índios que capea-
vam com presentes ridículos, em troca dos quaes exi
giam que os auxiliassem nas suas contendas. Cada Monte,
contando com o apoio dos seus parentes, era um po
tentado que, como era costume rCestas eras barbaras,
se fazia justiça por suas próprias mãos, despresando os
meios legaes que eram dilliccis, para não ilizer de todo
impossíveis de alcançar em tão grande distancia das
autoridades.
Esta familia vivia pouco unida, em razão da grande
distancia em que se achavam seus membros uns lios ou-
tros.Geraldo, seu cliefe, residia na sua fazenda Boqueirão
perto do Icó; era rico, mas grosseiro, ignorante, orgu
lhoso, violento e arrebatado, sern trato nem circuinspo-
ção; tinlia fumaças de nobreza pessoal e hereditária,
como 0 declara em testamento seu irmão Francisco.
i\o Engenho Curraes de Serinhaem, em Pernam
buco, residia uma familia de Feitosas que se suppõe ha
ver-se gravemente compromettido no levante dos masca
tes do Recife. Para evitar a perseguição que se fez aos
Brazileiros que entraram n’esta sedição, fugiram para o
interior do Ceará onde se fixaram, nas proximidades do
Icó. Lourenço Alves Feitosa, o seu cliefe, tomava o ti
tulo ile Alferes Commissario; era casado na familia dos
Gondins de Goiana com uma irmã do Vigário d'essa
Villa e de outro provigario do Recife, entre-laçado com
os descendentes de .André Vidal de Negreiros, e com
uns Ferreira Ferros, moradores em Penedo, e por pa
rentesco tão intimo que um membro da familia Feitosa
sempre tomou até hoje este nome de Ferreira Ferro.
—129-

Loiirenço Alves Feilosa deixou sua família em Per


nambuco e veio em companhia de tres irmãos Francisco
Alves Feilosa, o Coronel Pedro Alves Feilosa e Manuel
Ferreira Ferro, e íixou-se na fazenda Caxoeirinha qtu-
adíjuiriü no riacho Carihuzinho, seis léguas ao sul do
Icò.
Estes Feitosas eram ricos, nao menos orgulhosos
do que os .Montes, porem mais práticos do mundo e
mais civilisadüs; sabiam usar da sua riqueza para cor-
romper as autoridades, perante as quaes sabiam-se do
brar e humilhar quando era necessário..
^ Francisco Alves Feitosa casou com uma viuva irmã
do Capilao-inòr Geraldo de Monte, e com pouco os dous
cuniiados malquistaram-se por causa de negocio de hon
ra de farnilia, de que era culpado Francisco Alves Fei-
tüsa. ileeeioso este da cholera de seu cunhado retirou-
se para uma fazenda que possuianti ribeira dos Bastiões,
e duiante a sua estada n’aquelle sitio travou relações
com um chefe da Tribu dos Índios .Jucás, que o levou
para o lugar onde assistiam na ribeira do riacho Jucá,
um dos alTluentes do Jaguaribe, que se lança n’elle
abaixo de Arneiroz. Os Feitosas, informados por este
seu irmão da grande convenincia desta ribeira para a
criaçao do gado, resolveram tiral-a por sesmaria; mas
não guartiarara bastante segredo; e Geraldo do Monte
informado das descobertas feitas pelos Feitosas, seus
inimigos ligadaes, de então em vante prevenio-os n’esta
preteiiçao, e solicitou a posse dos terrenos do Jucá que
alcançou do governo; mas como deixasse de fazer a me
dição e de situal-os de gado no prazo legal, ou por des
cuido, ou antes pela opposição que lhe fizeram os Fei-
losas, excitando contra seu comjietidor a ira dos Tapuias
Ju(As. em cujas boas graças se tinham ensinuado, cahio
esta posse em comisso; e Francisco .Alves, conseguindo
annular esta posse, obteve para si este território do qual
fõra 0 descobridor; o intentou logo mandal-o medir e
situar, seis annos depois da primeira sesmaria á favor
de .Monte.
Geraldo, despeitado por este procedimento do seu
130—

( iiiiliadu, assentou do oppòi-sc por todos os tnodos pos


síveis á tomada de posse d'esles terrenos. Depois de uma
lorioa (jiiestão entre os dons poderosos rivaes, questão
esta em que se den razão aos Peitosas contra Geraldo
de Monte, este, vendo-se esbulliado, lançou mão das
armas para se oppor á tomada de posse e á medição
d’este terreno. Tassou-se muito teinpo n’estas contendas,
e inntilisaram-se por vezes os traballios de medição e
situação. Os Feitosas oram ricos, muito unidos, tinham
uma numerosa clientela de viziidios, e dominavam as
Irihiisdo Índios Jucás, Cariús, Iidiaimms, e outras cpio
armaram á favor da sua cansa. Do [)arte ã parte puze-
ram em campo seus parciaes, e tiveram diversos encon
tros.
Tendo por este tempo vindo em correição o primei
ro Ouvidor do Ceará, teve de ir ao Cariri proceder-á uma
medição de terras; na sua estada no Icó, foi consultado
.soi}re a questão das terras do rio Jucá, e como désse
decisão á favor dos Feitosas, caldo no desagreudo dos
Montes que empregaram todos os meios possíveis para o
desconceituar e o ridicularisar. Geraldo de Monte oapel-
liilou de Tubarão e lhe propoz, para mofar d’elle, enig
mas pueris a advinhar, querendo castigal-o com pahna-
toadas quando os não advinhasse.
Conta-se que um (Fostes enigmas foi o seguinte :
qnnl a ave que dá leite quando criai Assim provocado e
"iieaçado o Ouvidor, ([ue não tinha meios de resistir e
se defender contra um tão brutal e poderoso iinmigo,
alcançou a protecção dos Feitosas que o protegeram e
(bdeinJeram contra os atafpies de seu perseguidor. Acom-
panharam-n’o com numeroso séquito na sua ida para o
C,ariri. Nada solTreram n’ella; mas Geraldo de Monte
intentou sorprendel-os na volta, armando-lhes uma em
boscada n’um passo escabroso situado na estrada, pou
ca distancia abaixo da Missão-Velha, lugar este que to
mou e ainda hoje conserva á denominaição de Embosca
das. Alii poz-se do espreita com um numeroso partido
de parcnt('s. amigos e aggregadcjs de sua parcialidade, e
cahio de improviso sobre a comitiva do Ouvidor. Lou-
-i31 —

ronrci Alves organisnu á toda a pressa com os cavallos,


malas, e mais iilensilios de sou comboio uma ospecio ilo
triiiciioira, por dclraz da qual so ilelcndeu do mellior
inodo qiic poudc, c conseguiu salvar á si e á seu prote
gido, depois de uma renhida peleja em que morreu mui
ta gente de parte á parte.
Ksle primeiro conflicto trouxe ulna serie de outros,
cada ([ual mais mortifero. Os clieles de itma c outra
parcialidade viviam incessantemente debaixo de armas e
promptos a acodir á qualquer cbainado. Toda a Capi
tania ressenlio-se mais ou menos das consequências d’es-
ta luta; Ioda a população vio-se obrigada a pronunciar-
se á 1'avor de uma ou de outra parcialidade, itoríjuc a
neutralidade era tiiia por crime capital.
Os 1’eitnsas abandonaram as imrnediações do Icò
onde dominavam os seus contiarios, e se foram aquar
telar nas suas terras do Valle do .lucá e do alto Jagiia-
ribe, cuja população se pronunciou ã favor dVlles, do
Icó para cima. De encontros baviilos entro os dons par
tidos muitas localidades receberam denominações que
ainda conservam, provenientes de algum episodio d’esta
contenda.
Na ribeira do Salgado, além do sitio das Embosca
das, existem os das Tropas, do Arraial, da Pendencia-,
no .laguaribe notam-se os das Almas, dos Defuntos, dos
Ossos, das Trincheiras, do Bom-Successo, a Varzea da
Perdição, O Sacco das Balas e outros iunumeraveis, ce-
lebrisados por algum incidente sinistro.
Depois de tentativas, de surpresas por traição, en
traram os dous partiilos a reunirem verdadeiros exer
cites com os (jiiaes iam-se atacar mutuamente, destruin
do na sua passagem tudo quanto pertencia ao lado con
trario.
Os Montes fizeram fiualmente um grande exforço,
reuniram um verdadeiro exercito com que marcharam
para os Iidiamuns com o fim de esmagarem e destrui-
rem de um só golpe todos os Feitosas; chegaram n’um
(lia de San’ .Matlieus ã uma Missão de Índios Inlianiuns
situada na margem esquerda do Jaguaribe, pouco acima
—132—

da barra do rio BasliÕes; em consequência do dia da


sua clicgada denominaram esta localidade Arraial de
San Malheus. Esla Missão era administrada por um
frade Carmelita. Na parada f|ue alii fizeram, obrigaram
os índios de arco a tornarem partido á seu favor, e a a-
companlial-os. Dabi seguiram de Jaguaribe acima espe
rando sorprender os seus inimigos; mas os Feitosas, avi
sados á tempo, reuniram sua gente, e foram esperal-os
n’uma cilada que llies armaram, n’um lugar que deno
minaram Bom Successo, em memória da victoria que
n’elle alcançaram. Os Montes, tomados de improviso,
foram completameute batidos e obrigados a se retirar
em desordem. Os Feitosas os perseguiram á todo transe;
entraram no Arraial de San’ Malheus n’um dia de Do
mingo, na occasião de estarem todos os (ientios reuni
dos na cJpolla para ouvir a missa do seu Missionário.
Os índios Jucás, parciaes dos Feitosas e inimigos figa-
daes dos índios Inliamuns de San’ .Malheus, cercaram a
egreja, e n’um instante massacaram-n’os todos sem at-
tençãn nem á sexo nem á idades.
N’csta carnificina escapou unicamente o Missionário
que remelteram preso para o Aquiraz.
Os Feitosas tiveram grande culpa n’este horrivel
massacre.
N’esla campaniia elles perderam um sacco de balas
que, sendo achado muitos annos depois pelo .Major
José do Vale, valeu ao lugar onde foi encontrado o no
me de que Já acima tratamos de Sacco das balas.
N’este comenos fora creada a comarca do Ceará, e
veio seu primeiro Ouvidor o Dr. José Mendes Machado
tomar posse em setembro de 1723 H. Foi elle muito
mal aceito na sua comarca porque, tanto como Ouvidor,
como na qualidade de provedor da Fazenda, teve de ex
ercer sua autoridade contra prepotentes que se levanta
ram contra elle. ’rendo aberto correiçfio na villa do
Aquiraz, sofTreu logo grande opposição da parte do Juiz
n Segundo Pompeu, Ens. Eslat.—Tom. 2.°—Pag.
2Ü7 : em 3 de Março do mesmo anno.
—133

oríJinario ZachariasTidal Pereira, que se oppoz ã cor-


reição do novo Ouvidor à pretexto de se achar ainda na
Ouvidoria o da Paraliyba, cuja Jurisdicção tiidia cessado
de direito por occasião da posse ilo novo magistrado. O
Juiz ordinário foi preso e o Ouvidor da comarca conti
nuou no exercicio das suas funcções. Foi abrir correi-
çao na ribeira do Acaracú oude fez outras diversas pri
sões eni liomens poderosos.
Kstas medidas de rigor contra prepotentes acostu
mados desde muito tempo a exercerem iiiipuuomente
toda especie de prevaricações deram occasião á um gran
de numero de descontentes, que se tornaram inimigos
ardentes do novo .Magistrado. .1 venalidade o má con-
ducta d’elle tinha-lhe alienado os espíritos.
N’esté tempo já um juiz linha sido mandado ao
centro para tirar devassa dos crimes praticados pelos
dous contendores e seus parciaes; este Juiz foi assassinado
traiçoeiramente pelos Montes no leito de um riacho que
por isto tomou o nome de riacho du Juiz que ainda con-
sen’a.
Esta devassa foi tirada no Icó onde dominavam os
.Montes; por isto os Feitosas entenderam que a autori
dade processante favorecera os seus conlrarios, e recor
reu ao Ouvidor que se achava no .icaracú. Este veio para
0 Icó, e deciarou-se contra os Montes que mandou pren
der por um ollicial das .Milícias por nome João Ferreira
da Fonseca, que reunio-se aos parciaes dos Feitosas e á
um troço de oito centos índios Genipapos, com os (juaes
entrou a percorrer o interior roubando e massacrando os
Montes e seus sequazes, praticando contra elles as vio
lências as mais atrozes sem atlenção nem á sexo nem á
idades. Quasi todo o anno de I72í foi assignalado por
estes atlentados que se estenderam por todo o interior
da Capitania.
Os inimigos que tinha feito o Ouvidor nas suas cor-
reições se reuniram aos .Montes, e representaram contra
0 .Magistrado, aceusando-o de ser o autor de todas as
atrocidades cometlidas pelos dous partidos, embora elle
reprovasse os excessos á (jue se deixaram levar índios
—i:h—

liravins, c pftvrcí -•f’!ui-b:)r’'aroí. pnircgno? no mando de


um paiTÍal dos Feilosas. Itando-sc por ollcndido etii con-
scipioucia d’(‘slas ropreseiilações, deixou-se arrebatar
pela paixão e passou a perseguir ã todo o transe os seus
inimigos. Novas representações foram feitas á cauiara
ilo Aquiraz (juc se dirigio ao Capilão-mór do borto para
(pie elle exigisse do Ouvidor ijne, á vista do estado das
consas n.a Capitania e da exaltação dos espiritos contra

i‘lle, se retirasse ila corrcição, e voltasse [lara a capital


atim de evitar os riscos que corria sua existência iio
iiimo de um povo conjurado contra elle. O Ouvidor as
sentou que seria fraqueza ceder em laes circumstancias,
e recusou seguir o conselho prudente que se llie dava.
Os Montes ajuutaram gente outra vez, e marcharam con
tra olic á pretexto do representar contra os executores
lias suas ordens; d’alii resultou novo conilicto entre os
requerentes e os defensores do Ouvidor <(ue eram os
Feitosas, e seus adiierentes. Ainda depais d’estc caso
sepiio-se outro combate encarniçado, em que os Montes
foram complctamente destroçados e perderam muita
gente.
Os inimigos do Ouvidor, recciando que na sua volta
continuasse a perseguil-os, dirigiram-se á camara do
Aipiiraz reifuorendo a sua prisão como perturbador do
socego da Ouvidoria; e a camara requisitou n’este senti-
de ao Capitão-mòr. Este ponderando sobre a gravidade
da medida exigida, negou-se ã requisição; á vista disto
a população do litoral, de connivencia com a camara do
Aquiraz, se poz em sublevação aberta contra o Capi-
tão-mòr e o Ouvidor, e a camara fez em nome do povo
0 Mmuinte requerimento, cujo tbcor caracterisa bem a
situarão e o espirito dos requerentes. « Senhores olFi-
ciaes ila camara, requer o povo ipie por ser opprimido
das sem razões e injustiça, roubos e atrontas que faz o
Ouvidor ao dito povo, em corpo uniforme requer a Vmes.
da parto de Deus e de Elrei, nosso senhor, que d’este
dia (|ue se conta de Outubro d’esto presente anno de
não quer conservar, ler nem reconhecer por seu
Ouvidor como também todos os seus olliciaes pelas ra-
—13o

zoes suhreditas, as qiiacs mais larga e distiiiclameiili'


foram presonles a Vmcs. pelos capiluios riue apresen
taram contra o dito ministro e seus oiliciaes, o da mes
ma sorte requer a Vmcs. da parte do mesmo senhor não
admillain por tal ministro, mas antes apparecendo ou
antes sahendo parte certa onde assista dentro d’esla Ca-
|)itania, o façam prender a onlem ilo dito. povo, |)ara
então mais infusatneiUe se lhe darem as culpas, que
contra elle tem; outro sim requero dito povo a Vmcs.
se não dè posse a outi'o Uuvidor que em seu lugar ve
nha. sem (jue primeiro S. .M. f|uc Deus guarde haja por
absolvido c perdoado dito povo de alguns erros na dita
suhievação, que podesse cominetter; outro sim requer
o dito povo a Vmcs. uão dêeui posse Vmcs. nem admil-
tam outra camara durante as pretenções do dito povo
como tamhem requer o dito povo não dêem posse Vmcs.
a outro_ Capitão-múr, sem primeiro se alcançar a dita
concessão do perdão ile S. .M. que Deus guarde e requer
0 ililo povo (jue assim o da maneira que n’este seu re
querimento pede 0 façam lançar jmr termo nos livros
deste senado, para que a todo o tempo conste para de
junto com as culpas sedar parte a soherana Magestade
do nosso rei Dom .foão quinto (pie Deus guarde, a quem
so como leaes vassallos reconhecemos por nosso legitimo
rei e senhor para nos prover do remedio necessário ao
socego Cípiietação desta capitania- Como juiz do [iüvo :
Simão da Costa.
A camara aceitou o requerimento, annuio á tudo
quanto se peilia n’elle, e decretou a prisão do Ouvidor;
mas como o Capitão-mór se não prescàsse a põl-a em
execução, elle poude retirar-se para fora da ('apitania e
ahandonar a ouvidoria. O Capitão-Cerieral de 1’ernani-
huco ordenou ao C.apitão-mór do empregar os meios ne
cessários para obrigar os conlendores a depor as ar
mas. e de capturar os chefes de uma e outra parciali
dade; mas este. não se achando com forç.as suiricientes
para o conseguir n’um estado do conflagração geral da
Capitania, dissimulou, mandou recolher ás suas casas os
combatentes, e avisou os chefes da sorte que os espe-
—13G—

rnva, e f[no evilnrarn rfliramln-so pnra fóra da Capita


nia. (a)nseguio-se por cstc meio acabar com os ajuiita-
ineiilos armados, e os encontros que (rrdii procediam.
Uregorio de Monte esgotado de forças e de meios,
e completamente desmoralisado, vif)-se obrigado a se es
conder, e aiisentar-s! por algum tempo da Capitania,
bourenço Alves retirou-se para Pernambuco onde se con
servou durante o fim da lula que foi movida e conti
nuada por Francisco Alves Feilosa. '
Tendo sido incumbida á um oflicial a prisão de
Francisco .Alves Feitosa. foi este por elle á tempo avi
sado; pelo que retirou-se d’aUi para o sitio Buriti, no
Piaiiliy, donde continuou a exercer as suas vinganças
|•^T)(ra seus inimigos. Na própria fazenda das Cabaças,
em emboscadas successivas, mandou matar nove pes
soas da parcialidade dos .Montes, inclusive dous irmãos
d’('stes; e em taes apuros os collocou, que Geraldo de
Monte vio-se compellido a abandonar esta sua fazenda
para se acolher ao Boqueirão, onde morreu tempo de
pois.
Os Montes es((ueceram o passado; mas os Feitosas
continuaram a viver a sòs comsigo mesmos, sem rela
ção nem cominunicação com o resto da população, e
conservando sempre grande séquito de malvados, que
aceitavam contra as perseguições da autoridade.
Vagou durante alguns annos pelas capitanias do
m-rle um impostor que se intitulava principe do Brazil,
em companhia de um padre debochado, que llie servia
de secretario; esse pretendido principe estorquio muito
dinheiro concedendo litulos honorilicos de nobreza por
seimnas avultadas. Francisco Alves Feitosa e seus pa
rentes compraram-lhe o perdão de seus crimes por uma
grande somma de dinheiro, o iiue o tranquillizou com
pletamente, e motivou a, sua volta para o Jucá, onde vi
veu e morreu ern paz, .sem duvida em razão do enfra-
ipiecimento da justiça pela grande distancia que ia d’alli
á Fortaleza.
Conserva-se ainda na familia a espingarda denomi
nada Lagartixa, arma favorita d'este homem tão tris-
— 137—

lemonte celebre nos annaes do Ceará. Seu nome, e os de


seus irmãos Lourenço e Pedro se acham lançados no rol
dos rêos d’aquelle leinpo por diversas inorles praticadas
com circumslancias horrorosas.
Km 1717 Lourenço Alves, lendo vendido a sua fa
zenda da Caxoeirinlia [)or escriplura particular, á falta
de tabellião no lugar, compromelleu-sea mandar de Per
nambuco a procuração de sua mulher, necessária para
legalizar a venda. Esta procuração foi passada á de
.Março de 1719 no sitio Curraesde SerinliaÈin pela mu
lher de Lourenço Alves, que se achava presenie, para o
liin de conceder poderes ao capitão Pedro Alves Foi tosa
de passar o papel publico de venda do dito sitio Cacho
eira do Cariúzinho ao Capitão Anlonio Ciarras da Cama-
ra. A constituinte estabelece por seus procurailores no
Recife seu marido o commissario Lourenço Alves Feilosa,
e seu irmão o pro-parocho do Recife .losé Ferreira C.on-
dim, e a seu pai o sargeido-mor Domingos Vaz (londim;
em Cioianna ao sargento-inór .Malhias Vidaldc .Nègreiros,
ao Ca|)itão Anlonio Velho Condim e ao padre Domingos
Velho Gondim; no Ceará ao reverendo vigário Dr. João
da iMatla Serra; no Icò ao reverendo vigário cura da
matriz de N. Senhora da Expeclação da dita freguezia do
Icò o padre Domingos Dias da Siívcira, ao Capitão José
de Araújo Chaves, ao Alferes Francisco Alves Feilosa
e a Pedro Alves Fídtosa; na villa dc Penedo do Rio de
S. Francisco aos Capitães Manoel Ferreira Ferro e João
Ferreira Ferro; sendo todas i»essoas ligadas por laços de
consanguinidade ou de allinidade com os Feilo.sa.s ainda
hoje.
As guerras de que acima traiamos haviam ateado a
inimizade entre as di(Tei enles Iribus de indigenas que re
presentavam u’esse drama sariguinolenlo; o governo po
rem logrou acalmal-as, e obrigar os chefes a abande- .
uarem o theatro da guerra.
F’ incalculável o numero de victonas que n’ellas
succumbiram durante o decurso das mesmas desde 1714
alê 1724. Os índios com especialidade soffrcram perdas
consideráveis, porque, levados do costume que lihnam
— 138—

de despojar os inimigos que matavam, lançavam-se so


bre os que caiiiain na peleja, entre as balas que os dc-
cimavam. Aliravain-se com preferencia aos colonos mor
tos para llies arrancar os galões, os botões de metal,
ou algum pedaço de panno de cõr viva com que se ador
navam.
Os resultados d’esta luta não se limitaram aos casos
que referimos; o rancor dos chefes continuou a fazer cor
rer o sangue.
Encontram-se no rol dos culpados, lançados como
autores do assassinato do Capitão Manoel de Montes Pe
reira perpetrado no leito do Kio Salgado na fazenda
Uotn Successo, nos arrebables do Icó, posteriormente á
1738, o commissario Eourenço Alves Feitosa, André es
cravo e corneta do mesmo, o Coronel Francisco Alves
Feitosa, o Coronel José Marinho Falcão, o Capitão Álvaro
de Lima Oliveira, o AlferesJoão Pereira da Silva, Ma
noel da Silva, Manoel Alves Arco-Verde escravo de Ál
varo de Lima, todos itarciaes dos Feitosas.
Encontrámos ainda os numes d’estes individuos lan
çados no mesmo rol como autores da morte de um ca
boclo por nome Damião parcial dos Montes, barbara
mente assassinado no brejo Grande do Murili, ribeira
dos Bastiões.
Álvaro de Lima Oliveira recebeu um tiro na sua f i-
zenda das Itans do Ouixelô. Foi assassinailo na Missão-
Niiva ('.aetano de Andrade por Francisco de Monte. Ou
tros innumeraveis .assassinios encontrámos no mesmo rol,
allt ibuidos aossequazes dos dous partidos ainda muitos
annos depois de apazigoados.
Poucos annos depois do levante dos Montes com os
Feitosas, appareceu outra intriga muito lamentavcl en
tre um fdlio de Francisco Alves Feitosa, chamado Manoel
Ferreira Ferro, e um portuguez rico, poderoso e com
créditos de valente, de nome José Pereira Lima e mo
rador na fazenda Ponta da Serra do Araripe; intriga sus
citada por causa de limites entre terras que ambos pos-
suiam no Brejo Grande, e que depois de ter-se restrin
gido em começo aos meios legaes, passou a ser discutida
—139—

por vias (le fado. Josó Pereira Lima acresceulou o ap-


pellido Aro ú seu nome, alluilindo por euntraposição ao
nome Ferro do sen adversario; e n’eslas disposições de
ram começo de parte á parle a destruírem por assassi
natos as pessoas da parcialidade contraria.
O governo do Ceará, informado d’estas desordens,
mandou prender .losé Pereira Lima Aço, o qual enviou
para 0 Limoeiro, ou mais provavelmente para a Paliia,
conseguindo elle livrar-se somente depois de longos an-
nos, como era coslunie n’es.sa época. Não sei cm (]uc
tempo foi elfectnada esía prisão, mas posso adirmar (|uc
foi .antes de 17:tí, poniue não encontrei o nome d’clle
lançado no rol dos culpados do termo do Icó, que prin
cipiou de 173ã em diante, ao passo que acliei muitos
paraiaes e mesmo escravos seus e do seu adversario lan
çados no dito rol, por crimes de morte praticados n’csla
contenda.
O certo é (|ue depois da sua soltura, voltando para
esta Capitania, .saltou em Pernamljuco onde encontrou
sua mulher que linha ido .ao seu encontro. Foi ali
mesmo acommettido da hexip que causava iCcsle tempo
grandes estragos, e succnmhio á seus etTcilos.
Assim se concluiram estas contendas rpio perlur-
b.-ir.am durante uns poucos de annos o socego do inlerio.r
desta Capil.uii.a.
Dos Montes ainda existem numerosos descendentes
mui decahidos do estado primitivo desta familia.
A familia Feilo.sa ainda existe nos ínliamuns, na
riheirado mesmo rio Jucá, qua.si no mesmo pé ipie seus
.anlep.assados, ligando-se pouco com outr.as familias, e
conservando ain Ia qu.asisem alteração os seus costumes
de prepolmicia, riqueza e vahuitia como leremos fre
quentes oceasiões de o verificar na conlimiação d’csla
historia.
Depois da retirada do Ouvidor José Mendes .Macha
do ern 17i2í ficou vago o lugar e exercido por supplen-
les ale cpie fosse nomeado seu successor o Dr. Anlonio
Louredo de J/ftfeíros, que adqnirio a fazenda das ttans,
defronte da missão da Telha do Ouixelô, e do lado op-
—140—

)üslo do rio, e residio mais tempo n’ella do que iia ca-


)eça da comarca; tomou posso no 1.” de Agosto (*) de
1729, e entregou a vara á seu successor, o Dr. Pedro
Cardoso de Novaes Pereira, á 4 de Junlio de 1732.
A villa creada na Fortaleza tendo sido abolida na
occasião da sua transferencia para o Aquiraz no anno
do 1713, como já tivemos occasião do o dizer, os povos
tanto do Forte como do Aijuiraz dirigiram representa
ções ao Monarca pedindo a erecção do Forte em villa, o
que lhes foi concedido por carta de 1726, determinando
que não só se conservaria a villa do Aquiraz, como tam
bém seria creada de novo a da Fortaleza, o que fez ces
sar a grande rivalidade que havia entre estes dons po
voados vizinhos um do outro.
Em 1728 tomou o commando da Capitania do Cea
rá João liaptisla Furtado de Mendonça que o conservou
até 1731.
Por ordem do Capitão-General de Pernambuco, com
data de 27 de novembro de 1727, foi determinado ao Co
ronel do districto do Jaguaribe, João de Barros Braga,
e aos coronéis dos mais districlos da Capitania que le
vassem á effeito com todo o rigor as ordens d’extermi-
nio dos Gentios anteriorraente publiíadas em 1708 e
0 1719. Era-lhes incumbido de exterminar ou expulsar
e>l(!s indígenas por causa dos inces.santes embaraços que
pmiliam aos progressos da colonização. Ainda por esta
vez fòram os pobres indios perseguidos nas suas flores
tas e massacrados sem piedade, porque preferiam a mor
te áservidão: porque não queriam aceitar a religião de
homens que tantas vezes tinham faltado á fé jurada :
porque emtim nao se podiam acostumar aos trabalhos
coin que os sobrecarregavam sem retribuição, sem se
lhes fornecer os meios de sustentar sua existência. Fo
ram ainda massacrados em nome da religião de Jesus
Christo, e da civilização do velho mundo, porque regei-
tavam uma e outra, horrorisados dos crimes que contra

(’) Segundo Pompeu, Ens. Estat.—Tom. 2.'—Pag.


263 : no 1.* de Janeiro do mesmo anno.
—141—

elies se perpetravam cada dia em nome dos mesmos.


Üe 1724 até 1728 reinou em toda a Capitania do
Ceará, e mesmo em toda a de Pernambuco, uma secca
tão rigorosa que, não só morreu quasi todo o gado, como
lambem muitos habitantes d’ella succumbiram à falia de
viveres. Foi esta secca tão singular que faltaram as
aguas até no (kriri, e em outros muitos pontos.
Na missão, que ainda hoje se denomina Velha, es
tava estabelecido um missionário com sua aldeia; a falia
absoluta d'agua neste lugar obrigou-o a mudar-se para
a borda de um brejo situado uma legua ou pouco mais
acima da sua antiga residencia, e ahi se estabeleceu com
seus calhecumenos, dando principio á missão que se
chamou Nova em opposição a denomiua^jão de Velha,
que se deu á primeira.
A esta secca succederam quatro annos de chuvas
abundantes até 1732, e d’ahi em vanle outros quatro
annos de secca. Parece que no XVIII século os annos
seccos e chuvosos se iam succedendo por periodos de
quatro annos.
Os sacerdotes que vinham de Portugal eram como
os mais, lev.ados pelo desejo de adquirir bens mundanos;
por isto enlregavam-se à toda especie de occupações
temporaes capazes de favorecel-os na diligencia de fazer
fortuna, e abusavam do seu caracter sagrado para con
seguir estes fins. Muitos se entregavam á advogacia, e
coag:iara os juizes com ameaças de penas espirituaes;
)or isto El-rei por carta de 28 de Abril de 1730 « pro-
libip á todos os sacerdotes assim seculares como regu
lares poderem sollicitar causas, tirar ou levar pa
péis aos ministros, a não ser em causas próprias, ou
de seus paes ou irmãos, com tanto que sejam estes tão
desamparados que não achem quem requeira por elles.
Encumbe aos prelados de todas as religiões de prevenir
semelhantes abusos, tão escandalosos nos seus adminis
trados. »
Por carta regia de 4 de Maio de 1731 foi ordenado
á todas as camaras pagar um terço dos rendimentos do
—IW—

Sanado áS. Magcstnde como era eslabcletido ein lodo o


Ueitio, mas ellas rcpresenlarain que seus rciidiiiieiUos
sendo mui diminulos, mal clnígavam para as suas des-
pezas. Em consequência foi revogada esla ordem rclali-
vaiucnle ás camaras da conquisfa do Brazil, por provi
são de ff) de novembro de 17'i0, ordenando-se que a
importância das ditas terças fosse reservada para os con
certos das cadeias;,e que no caso de não serem sullici-
entes para ditas despezas, se lançasse (inta entre os po
vos, como determinam as ordenações do Reino.
A. 27 de Maio de 1731 a camara do A(|uiraz repre
sentou á El Rei dandú-lbe parte dos graves e numerosos
pleitos que se moviam n’osla Eapilania por falta da me
dição das torras, falta esta que oceasiouava uma con-
fusão tal entre os sestneiros que não podiam reconhecer
oqneeraseu. Dizia que d’estes pleitos se originavam
riedias e verdadeiras guerras intestiiías causadoras de es-
paiilosa morland.ade; [ledia á S. Mageslade que fosse
servido designar um ministro á quem fosse incumbido
dito tombamento, lembrando que podia ser o mesmo
Ouvidor Geral da Gapitania, aíim de por este meio se
diminuirem os gastos. El Roi por ordem de 2G de No-
vendrro do mesmo anno determinou que fosse o Ouvi
dor Geral da comarca encarregado (Io tombamento, com
obrigação de ouyir os Vereadores reunidos em camara,
com assistência das tres ordens. Determinava cpie os in
teressados que já não tivessem feito suas medições, de-
veriam pagar as custas, cada um pela i)arte que liie lo
casse, ao ministro que se Ibes concedia ser lombador; e
que o .luiz exigiría <1110 d('ssem a razão ile não ler cum-
pi ido a c.lausnia, em virtude da (|ual lhes haviam sido
concedidas suas datas; e (jue esta nova demarcação se
execiil.asse no prazo de dons annos.
Não obsUmle esla determinação poucas foram as
pess(‘)as que se valeram d’esle l)eneíicio, em razão das
grandes despezas que e.xigiam taes medições em relação
.ao valor das terras; e esla omissão foi preparando para
0 futuro uma confusão no direito,da propriedade terri
torial, que hoje faz 0 desespero da justiça e dos legis-
—143—

laiiores; e esta confusão vai auginentando cada anno e


lornandn-se cada vez uiais incurável,
.lã disse que o Ouvidor Anlouio Louredo de Medei
ros, lendo adquirido a fazenda das Ilans do^uixelô, fa
zia maior residência n’ella do que na cabeça da comar
ca, despresandó assim as obrigações do seu cargo e pre
judicando .as p,artes. Kl Kci informado d’estas e outras
irregularidades expedio-llie a carta de 1.” de.lunliode
1732 ein (jue llie diz « que sendo informado que se de
morava mais tempo do que os 30 dias marcados por lei
nos lugares onde a ia fazer, nos quaesse conservava por
vezes mais de anno, com grave detrimento das partes,
lorque algumas causas flcavam paradas, e outras que
evava comsigo ficavam todo esle tempo sem solução;
que abrindo correição em 1731 no .\quiraz, poucos
dias alii se demorara; e que querendo acabar com pres
sa a dita correição na dita villa, fizera .audiência geral no
dia 12 de Março em sua própria ca.sa, a horas muito
cèdo da manhã, e rfella cohdemnãra os officiaes da ca-
mara a uma pena pecuniária, por não terem assistido
em corpo de cam.ara ã dita audiência, sendo que elles
se achavam formados ao mesmo tempo na casa das ve-
reações, esperando que ahi fosse dar sua audiência como
era costume em lodo o Brazil, alé mesmo na Bahia,
onde 0 Vice-Rei ia de sua casa as praças do Senado íis
fazer. Em consequência estranha todas estas irregulari
dades na pessôa do dito Ouvidor, lhe ordena que não
se demore mais de 30 di.as nos lugares onde for fazer
correição, 'e dê suas audiências nas praças da camara,
e não na sua casa; e que reslitua aos officiaes da ca
mara a importância das multas illegaes que lhes havia
inflingido. »
Tres dias depois d’esta carta foi lançada a sua de
missão. Entregou a vara á seu successor; mas ao depois
achando poucas .as extorções que linha praticado duran
te 0 .seu exercicio, reunio uma forte escolta de gente
armada, e com ella percorreu o interior da Capií.ania
abusando do prestigio que lhe linha dado a magistratu
ra para roubar e espoliar os povos, entregando-sc es-
—114—

inii híriemis il(! si.‘sin:irias, conta^liilosi polus govei iius ila


Baiiia 0 ilo rcniaiiibaco á avotiliireiros (l’cslas Capilaiiias
(}ue para lá liaviani «lirigiiiu a? suas excursões.
Os g(iv(Tnador(3S du eslado do Maranlião i|ueixaraiii-
scd’isto ao govòriio real, 0 qual mandou o ouvidor do
Maranhão examinar o caso, e informal-o acerca do esla
do das cousas; o que motivou a provisão do conselho ul-
Iramarino de 11 de janeiro de 1713, ordeuamlíj que o
território do Piauhy que fõra apossado pelos governos da
Bahia e Pernambuco pertfmcesse d’entao cm diante ao
Estado do .Maranhão. Este ouvidor conservou-se por mui
to tempo no lerritorio do Piauhy eshulhando os Bahia-
nos e os Pmmainhucanos das lerros que haviam obtido,
e concedendo-as como devolutas á novos sesmeiros do
Maranhão.
O mesmo intentou fazer á respeito das terras da cha-
pada da serra da Ibiapaba onde vimos os Jesuilas fun
dar as Missões e aldeias dos índios Tubajãras e outros
refugiados de Pernambuco, depois da restauração do go
verno |)ortuguez pela rendição do Recife. (’i)mo porém
encontrasse resistência da parte das autoridades do Cea
rá, foi 0 caso levado á decisão d’El Rei R. João \, (jue
por Carta de 1721 estabelece expressamente « (pie as al
deias da Ibiapaba, (hoje Villa-Viçosa, Ibiapina, San’ Be-
n(!diclo, e San’ (ejiicalo da serra dos Cocos) não fossem
deslnembradas do Ceará para serem annexadas ao Piau-
hy, mas sim continuassem sempre a pertencer á Capita
nia de Pernambuco da qual fazia parte o (Leara como ca-
pitania annexa ». Esta decisão tao clara e coucludenle
não admitte duvida alguma sobre os limites entre o Cea
rá e Piauhy.
Os Índios do Ceará que ainda não tinham sido al
deados e catechizados achavam-se sempre dispostos a se
levantarem e a lançarem mão das armas para terem oc-
casião de matar, pilhar, roubar, e por todos os meios
vingarem-se dos colonos, seus inimigos figadaes. -
Em 1708, desesperados de se verem lançar fora
das terras que occupavauí, quando não se queriam reco-
—N ri—

Hhm' :is cuiilra os'(>-


loHos (|Ui' massacravam em j:i'amlo iiumcro; íoi então ex-
((('(liila pelo í,nivei'naiior ile l’miiamlmco au (ia[iitão-inór
ilo (ieará lima ordem ex[)rcssa do fazer-llies uma guerra
de exlermiiiio; mas esta ordem não se pudrudo cumprir
ã 1'alla de recursos e de geriU', os liulios 1'uram creando
cada vez nuns animo, e. (MU 171:2 lizeram entre si uma,
grande liga, na cpial cntixnxim os Taimias .l:ignamliai'as,
os ('.anindés, os (ienipapos, (> oiilras mnnerosas e jiode-
rosas (rihns (|U(\ ipieremlo idirigar os Tereiiiemliés a ac-
compaiihal-os, sem poilerem conseguir ipie i'sles faltas-
sem ãlidelidade ipie conservavam para com os l‘ortugac-
zes. esperaram-n’os em ciladas na oceasião imii ipie per
corriam a costa como («ra de costume, siirprenderam-
n’os, mataram-lhes o sen [irincipal ipie os não ipmria ac-
companhar, e ohrigaram-n’os mais a si‘gnil-os cm sua re-
liellião. Depois entraram a atacar Iodas as fazendas, as
(piacs destruiram, matando todos os moradores ipie não
se poderam snhtraliir pela fuga. Koram assim arrasados
todos os eslahelecimentos da capitania iine não [loileram
ser soccorridos pela guarnição do presidio, licando ape
nas incólume mu circuito de cerca di' duas á Ires léguas
ao redor d’elle; morr('ram centenares de pessoas,e as mais
recolhendo-se em torno da fortaleza trouxeram para ella
a conslernaixão e o espanto.
Km dias de agosto de ITlit, cpoca em ipie leve lugar
este grande desastre, fez o ('.apitão-mfir Francisco Dnar-
le de Vasconcellos um grande cimselhode guerra na For
taleza com os oiliciaos da ('.amara da Villa e os cahos do
guerra da F.apitania, para concertar os melhores nndos de,
ilestrnir o dito inimigo, e recuperar a F,a|»ilania toniad.1
pidos harharos levantados « K assentaram Iodos ipn; so
lani;asse um hando em nome de S. Mageslade ijni' se pu-
hlicass ■ e alixasse de maneira ipii' a noticia chegasse á
toilosos moradores, noipial se proferisse e declarasse ([ue
dava o dito (ãapitão-iiKir a campanha livre e isenta dos
ipiintos reaes das presas ipie houvesse na guerra dos
ditos ('i(‘nlios aos ipie lh’a lizessem até se socegar e ri'S-
gatar d’elles a ('apilania, ponpie maior prejiiizo segue á
—liG

rcs, e oalras ile srguiida ordem, iiiio llies eram ;mnc-


xas; 0 realisava-?e eom a Capilania do 1’crriamlm-
co, àijf) gov!‘riiad(ir geral linlia jurisdii ção nãusò sobre
ella, como ainda sobre asoiit;as qiie lhe (‘ram annexas;
laes como a 1‘arabvba, o llio ('iiaiide dc» Nnrlo e o (a ará.
Tinham ingerenda direcla c quasi absoluta em Io
dos os ramos da administrarão; nomeavam capitães mo
res governadores das capitanias annexas, aos qnaes de
legavam parte dos podci'es qiie lhes competiam. Davam-
lhes o commanio supremo das milicias, e ordenanças,
e da força legular, que mandavam destacar na Capita
nia secunilaria, encarregamlo-os da segurança d’ella, en
cargo (|uasi meramenle nominal nas capitanias centraes,
puopii'. estas nada tinham (|ue recriar dos inimigos ex
teriores : apenas estes capitãí-s-mores tomaram parte ac
tiva nas guerras dos Montes, Feitosas o outros contra os
índios.
.Vrrogaram-se o direito de conceder datas de terra
e foram conlirmados nesta prerogativa abusiva na sua
origem, como já o dissemos.
For intermédio d’esses governa lorcs geraes fazia-se
tnda a correspondência enlri: as autoridades superiores
e a Capitaniaá seu cargo, de maneira que por causa
destas atlribuições secundarias, quasi que não são co
nhecidos os capitães-móres govci iiadnres das Capitanias
secundarias. For elles eram concedidas e passadas as
patentes de olliciacs de ordenanças, especio de guarda
nacional, encarregada da guarda e segurança do paiz,
porem aipiellas dos olliciaes supiudoros eram confirma
das pelo monarca o iilteriormente passaram estes a ser
nomeailos peh) senado reunido com o povo em camara.
Os capitães-móres dos termos e dos districtos, porem,
eram as verdadeiras autoridades, dominando a massa da
popnlaç.ão ein virtude do mando militar que n’clla ex
erciam.
K’ preciso não confundir os Capitães-móres da orde
nança com os da Capitania : estes eram onicia(‘S de tro
pa paga, c commandavain a que residia na Capitania es
palhada pelas fortalezas o presidios; tinham ingerência
— i i7—

('III (|iia>i lúiios os iiogocios públicos ila Caiiilaioa, sor

viam do iiilcriiicdiu onlro as aiiluridados iocio^s ipie oraiu


as oaiuaras e os Caiiilães-gcnoraos c rooipro aniimlo.
('s (ilapilães-mòres da ordoiiaiira Imliani o eomman-
do imoral das niilicias dü loriiio; eram iionioados pulus
Capilãos-geiioraos, sob proposta das ramaras.
(tomo eram n'esle tempo [irormarlas Ci.m muito
ardor as isonrõos do si'rvi(;(i de ordeiiaiiras, os pmcriia-
doros conrodiam |ialonles graciosas em provicilo propi iu,
[iali'iiles de ('iilradas, antigas patentes do bandeiras, e
outras da mesma natureza, mas estas iicão da\am pre?-
ligio algum.
U sena lo presidido jielo Ouvidor da eoniaroaa,quando
se ariiava pres('nte, pelo juiz de tóia onde o li a\ia, ou
pi'lo juiz ordinário, seu [iresidenlc nato, era um poib r
prestigioso cm todo o termo pela natureza ilas suas at-
tiido, por sua iiKlep''ndenria.
Iribuirões loraes, e sobre
Era costume nfm se fazer eonsa alguma iiiipoiiaide. no
termo sem onsnltar o senado reunido roni asdsieiuaa
do elen), nobreza, homens bons e littios da foli'a, esp -
cie de terceiro estado, ipie mosnio os r('is ciislnmavam
consultar ipianclo queriam lançar um imposto, lajino o
vimos por ocrasião do se ipierer rslalielerer a leiiça o os
.lesuilas á custa dos fazendeiros; romo se fazia ipiandose
(pieria rrear nm novo termo ou uma nova freguezia etc.;
e quando o povo manifestava seu voto com enei gia, a
sua mnnifsst ição era att'’n'lida.
.\s ramaras se i'()rrespondiam com os lt!‘is. Vic’-
Heis, e (',apit;n'S-goneraes pe,r inlermed'o des Eapitães-
iiióres 011 dos Ouvidores genes da l',apitania.
A jnslica era administrada pelo juiz d(’ f-ra, onde
El-Hei 0 mandava, ou pelo juiz i.rdinario, i|u.' ■gava
tO' las as ipiestões criminaes e eiveis, em ultimo recurso
até certa quantia, e nos outros ca.sos coma[ipello para o
Ouvi toro depriis para a relacfm da Habia, imica que
houve no lirazil ate o-: princípios do veiado actiial . (guan
do os termos eram grandes, havia juizes di' di<trirlo.s
que l•ol•rianl o h rmo administrando justiça ai'S pie.ns;
0 nos lugares onde havia aggregacão de vinte lamilia",
1'|S—

como nas aldeias, arraiaes e povoados liaviani juizes de


viiilena com alçada menor. Cada lermo linha lambem
seu.luiz (le orpliãos.
Os veread(jres das camaraseram oloilos, assim como
os juizes ordinários, por elidção leda pelos vereadores
da camara Iransacia por peloiiros como se acha explicado
nas ordenações do reino. Os vereadores elcilos nomea
vam jniz de orpliãos, procura lor e secrelai io, almolacés
e ontros olliciaes suballernos do smiado, senilo esses al
molacés uns liscaes com allcihnições amplas, e que da
vam sentenças defmilivas cm malcrias de sua compe
tência.
Superior ao senado, aos juizes c á tmlas asmntori-
(hrles jndiciaes, era o Ouvidor que, gozando de uma in
dependência absoluta, linha um prestigio iinmonso. Era
ao mesmo tempo corregedor da comaica, e linha obri
gação de todos os annos corrcl-a e lomar conla dos ac-
tos de Iodas as anloridad(‘s, á excepção das militares,
la a lambem juiz dascapelias, bens de evenlns, residnos,
etc. clc. Todas as autoridades jndiciaes, civis, e muni-
cipaes tremiam perante este terrível syndirador de suas
acções, na qualidade de empregados pnldiros.
Tal era o syslema de administração inlrrior do Bra-
zil, mui parecido com 0 que se achava estalielecido em
Pnrtugal; com a diíTerença ([ue, acliando-sc os emprega-
dovdii colonia collocados longe das vistas do Monarca e
diw alios fimccionarios do Estado, eram mui propensos
a ultrapassar os limites das suas allribnições, como jã
tivemos por vezes oceasião de o observar.

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rí?)i’ "if-,' ■ígV’• '.‘íf
íi.t

CAPÍTULO IX.

LegisIacSo relativa aos ludios.

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JÁ lemos por vezes lido occasião de luoslrar com ijue


barbaridade foram os lodios Iralados pelos colonos que
se vieram oslabelecer naCapilania do Ceará: as tenlalivas
incessaales que se lizeram para os caplivar, ea lallade
fé com que eram agarrados, massacrados ou reduzidos
ao capliveiro, mesmo nas suas aldeias onde se acosln-
mavam á vida social, ou nas suas missões onde es
tudavam a doiilrina. X’ellas se adiavam reunidos debai
xo da salva guarda da religião e das promessas dos Mo
narcas. Vimos lambem que depois (jue esles probibiram
os capliveiros, ou antes coliibiram-n’os, reduziram-se
os indigenas aldeiados ã uma servidão talvez mais dura
do que a própria escravidão, obrigando-os, contra seus
hábitos, a trabalharem além das suas forças, sem descan
ço e sem alimento sulliciente para reparar os seus or-
—150—

gao? ;]í'UÍIi!ailof. Pelo mono'-. onariPi oram escravo? com-


praflos, üs doiiüs linliam inleressc em os conservar e
alimcnlar afiin de não perder a sua propriedade; quan
do porem eram tirados para serviço, nao se lhes dava
a seus amos dc os conservar ou perder; o que queriam
era o íruclo do seu trabalho; por isto mallratavam-n'os
e (isesgulavam; porque com sua morte nada perdiam e
depois d’esles oblmliam outros.
Duraram esles abusos por muito tempo alê que ex
tinguindo-se quasi a raça indigena debaixo dos maos tra
tos dos porluguezes, não se acharam mais outros para
substituir os que morriam n’uma escala espantosa. Os
Reis, justiça lhes seja íeila, exlorçaram-sc incessante
mente para reprimir tão barbara condueta dos colonos;
mas seus delegado.,, Governadores, Capitães-múres, Ou
vidores, etc., qae rram os mais interessados na conti
nuação d’estes abusos por serem justamenle os qued’el-
les tiravam maior proveito, sempre acharam meios de
illudil-os quer por informações próprias bypocritamcnte
fundadas sobro os interesses do Estado, quer de procu
radores yioderosüs que residindo na Côrle lacilinerile
persuadiam o Rei da conveniência da conservação d’esle
estado de cousas.
Os Jesuilas cujos exfurços vimos encetados por in
termédio do pidre Vieira esclareceram. D. João sobre
0 verdadeiro esta lo das cousas nas conquistas; obtive
ram leis r,'prossoras do trafico dos escravos indígenas;
mas (juanto não livcivm desolírerda renitencia dos Go
vernadores, d.) patrocínio que llies davam certos indn-
entes talvez interessados na Corte, e do ressentimento
dos proprios colonos que se deixaram levar contra elles
aos mais escandalosos atlcnta ios ? !...
Já dissemos qiie os Reis de Rortugal sempre se
mostraram solicilos pela liberdade e conversão dos índios
ã religião chrislãa; mas que a grande distancia das con
quistas e 0 iiilecesse directo dos Governadores e dos
colonos em perpetuar os abusos fizeram sempre com que
tio boas intenções fossem baldadas e tao sabias cartas
de lei, como as que decretarem, fossem iIludidas e lu-
—liil—

(li lii i.nias. l’ai ;i prova do ipn' rerapiiiilaivmos (i'


r;iimiilaiiii'iili' a lof^islarão (jtic so ('slabidoGrii siictesíi'a-
nipiilo á lal rcípcilu. São docuinoiilos do subida iiiipor-
taiiria Idslorica (pie laiidxuii dão a foiilietcr a vida iiiU-
ma d'L'sla raça malfadada dos Iiidiprnas, e seus pro-
grossos iia c acão.
Oiiaiidü l’odru Coollio nos primeiros annos çlo 17°
srsailo íro.|U(’nloii as planicies da Ibiajiaba. foi bem aco
lhido pelos índios cuja allooção se ali;‘noii pela falia de
fé com que enirou a caplivaros Índios lanhj mnigos C(;mo
inimigos, alé mesmo a(|Ui'lles (pie tinlia Irazido c( ni<ig<j
para o auxiliar na sua avenlurosa e aiaãscaila eiupresa.
I-Apulso da Ibiapaha fugiu para o valle do .lagnarihe on
de smnelhanles actos lhe mereceram smdií igu d.
l’arcce que não foi elle n \inico purlugiiez que se
enlregou á um lal genero irespeculação, ponjue te
mos H vista uma caria llegia di.' 1‘lulippc lil Rei de
Esiianlia e l*ortugal, com data de 10 de Setembro de
1011, na ipial esli,'se ex|)rime do seguinte modo ; i;
sendo inforuiado ipic emlrnupooli' alguns (íovernado-
res passados d’aqm‘lle listado do llra/.il, sc caplivaram
muitos (lenlios conlca a forma das leis d’ld Rei meu
senhor i* pai, e do Sr. 0. Sebastião mini primo; e prin-
çipalmenle nas terras ilo Jaguaribe; bei pnr bem e man
do qui' os dilos Oíuilios, como outros (piaesipier (pie
alé a publicação d'esla lei forem captivos sejam todos
livres e postos em sua liberdade, e se tirem do poder ile
quaes(pier pessoas em cujo poderio esiivereiu, sem re
plica uem dilação, nem siTeiu ouvidos com embargos
U MU acção alguma de qualquer (pialidade e maioria (jue
sejam; (! sem admillir-lbe.s apiiellacão nem aggravo, ain
da qm; alleguem estarem de posse d’elles, eipic os com
praram e por sentença lhes foram jidgailos por captivos,
por (jnaulo declaro |)or esta as ditas sentenças uullas e
som elfeilo. »
Kis uma lei liem clara (s positiva ipie abole expr('s-
samenle o capliveiro dos índios, lei (|ue nunca se di‘vêra
ler derrogado (! ipie honra o seu autor: mas parece
que não foi executada como o devera ler sido porcpie á
—Iu2—

ÍS (Ic Maio il(' 1)V'7 lirliiiHi VIU pxprdiii iim


IJrcvo, rdiilidcio tiü qual roclaiiia dos Kcis du l’ürlugal
que se iiileressein e cooperem para a liberdade c pre-
ilicação da fé aos Gentios dos seus domínios. El liei D.
Jüão IV em allençrio á esta exigcncia do Summo Ponti-
lice expedia a Carta de lei de lü de Novembro de lG'i7
« que declara, como o tem leito os Reis seus predeces-
seres e os Summos Pontilices, que os Gentios sao livres,
e que não liaja mais nem administração, nem adminis
tradores, havendo por nullos c dc nenhum elTeito as que
estavam dadas, de modo que não baja mais nem me
mória (Pellas. Ordena que os índios possam livremente
servir e trabalhar com quem bem lhes estiver, e melhor
lhes pagar. »
Diversas outras ordens determinavam que os índios
gentios fossem aldeiatlos, e que se lhes désse missicuia-
rios para lhes ensinar a religião e acostumal-os á civili
zarão.

Sabiam bandiuras armadas para o interior dos ser


tões, procurando as tribus de Gmlios que por persuasão
ou por guerra obrigavam a virem-se abbmr perto das
villas; a guerra, porem, era o mo Io geralmente adopta-
do com prcfercncia; [lonjue n’ella se tomavam prisionei
ros os (|ue resistiam.
El Rei I). João IV por carta dc deu ainda azo
a estes e outros abusos declarando « que dava por li
vres todos os índios do Estado do .Maranhão que não fos
sem legitimamente escravos »; o como a legitimidade da
escravidão era julgada por interessados idella, sempre
era reconhecida.
Os Jesuitas ipie entendiam esta lei no .seu verdadei
ro sentido [lorlaram-se á favor dos Indios; mas, nada
[lodendo conseguii', mandaram o padre Antonio Vieira
a i.isiiôa esclarecer El Rei sobre as consciiuencias da
sua ultima lei, e advogar a causa dos Gentios. Repre
sentou este ao .Monarca ipie as enirailas que se faziam
para resgate d’(‘Scravos no interior eram um meio de
nunca so acabar com a escravização; ponjue sempre se
adoplava a guerra, e esta encarniçada, para ler-se oc-
—iü;í—

fMsiün (le la/.ei' Cíiplivos: niit' os liulios i|ue pai';i


• ts aldoi.is eram fão mallrüUdoá pelos (lovoriia !o‘'os, qiio
liiiliaiii (ieiTiasiaija iiigerenria ii ellas i' pi^js roloiios,
que morriam vir,limas dos máos iratos a qoe eram sii-
geilos 0 á falia de alimimto: ou quando fugiam para
loniarem a sc reunir á sua nacão, morriam auies do lá
rhegai-em. Km allenrão á t;slfls rasões apresenla Ias pelo
pailre Vieiia, Kl liei por lei de !) de Ahril de ITod de-
IcriuinoM c< (jui ó se r.onsidí-ras-ami jiHl is de direilo e
lirilos os rapliveiros que se lizessein nos (j lalro rasos
segiiinles :
l ." ijuando os Índios Oenlios fossem tomados om
jnsla guerra (|u.e os Koriugiiezes llies mov(,'ssem, iiiler-
viudo as larruiiistanrias na mesma liu dorlaradas;
i." Onando impeiiissem a piaígarfio Kvaiig'dira;
KdiamJo foss''!!! rendi los por ouiros lii lios que
os tivesse:;! tomaflo <'m giieiaa jiisla. a
jusüra d'ella iia forma (jue (lel" -mina a mesni.i lei;
l." I’malmeute (juanda cvlivessem presivs ii:i
ila p:ira serem coniidos. »
\ m;'sm:L hu líeleiMiin.ava que os .lt'suil,as fossom
omiilos jiaiM proiiun:aar ii’esles r;isns e (pne não sr' po-
dcss;’ faz u’ i.mliairla alguma pelos s:m'1 ães p.ara se fazer
resgal.e sem assisl^n-i;! dos mesmo.s l’:idi'es l:i Konipa-
nhia.
Ksla Ifd foi nm veial nleiro regiv.sso, : ivgiTssi) mi
meiiso o;ii rel.ac:ão ás leis :ml :g.is, mas
salisfez os .lo-
suilas em raz:!,! da imporlanri.i qiii’ julgaram iioder li-
rar da siia inlei vencão ná-slas ciiIim Ias (; ua ,adminislr:i-
ção das aldeias. 'V iiilerveiirão sinmllanea, porem, dos
dons |)o leres temporal e e 'riesiaslico não lirdoii miii-
to a produzir entre elles eonllirtos di* jiirisdicraão (jue
arai l■olaram apos si graves aeonloeinieníos (pic já rolV-
riinos.
Kmlim I). 1’odio II por Karla di’ lei de |," d,; ,V|,i i|
(Io 1(!S') delermimiu (|ue para corlar na raiz Ioda :i
posstlijlidade do roiiliminrem os aluis's em ordem ao
raiiliveiro dos [lulms, reslnli('leci;! os decretos de d de
—lüi—

Julho dtí IGOo e de 30 de Julho de IGOO o de Setouibro


de IGll que deleriuin:iv;iui como elle uovamente decre-
ta que de ora ein diante iião se pudesse caplivar Iiidto
algum do Estado do Maranhão, em nenhum caso, nem
nmsrno nos excepluados nas leis precedímles (pic tinha
por derrogadas, como se d’ellas e de suas palavras se II-
zesse expressa menção e declaragão, licando no mais
em seu vigor. E succedendo (jue alguma pessoa de qual
quer condição eaptive algum índio puhlica ou secreta
mente, por qualquer lilulo ou pretexto, tosse preso e
remettido com toda a segurança, sem homenagem, liaiiça
ou outra alguma regalia, e remettido para o Limoeiro alim
de ser castigado conlorme o seu parecer. O Ouvidor, logo
que lhe constasse dito capliveiro, pu/.esse em liberdade os
ditos captivos, mandamlo-ns para alguma aldeia de Ín
dios Calholicos e livres, que lor da sua escolha. .Man
dava a mesma lei que todas as autoridades civis, judi-
ciaes e ecclesiasticas denuncirissem pelo conselho ultra
marino nu pela Junta das Missões de^ todos os trans
gressores de que tivessem noticia, e daijuillo que losse
mais conveniente para execução da mesma lei e ob
servância da dita materia. E succedendo dectarar-se al
guma guerra defensiva ou olleusiva a alguma naçao dos
índios do dito Estado, no ultimo extremo, e nos casos
e termos em que são permittidas pelas leis e ordens re
gias, os Índios que na tal guerra fosseii\ tomados lica-
riam somente prisioneiros como ficam as pessoas que
se tomam nas guerras da Europa-, e somente o (loverna-
der os repartirá como julgar conveniente ao hem e se
gurança do Estado nas aldeias dos índios livres c catho-
licos, onde se possam reduzir a fe, servir o mesmo Ls-
tado, e conservar-se em sua liberdade e com bom
tratamento, o que já se mandou, o renova, que se lhes
dê em tudo, sob penas severas para quem lhes fizesse
alguma vexaçãn, e com maior rigor ainda aos que o
fizessem no tempo em que d’elles se servissem por lhes
serem dados por reiiarlição. A mesma lei dispunha
que os índios descidos do sertão, .assim como os
que de presente se achavam nas aldeias fossem senho-
— 1;>ü—

los (ias suas lazondas, como u oram no senão sem qiie


se lhes as [i idesso tomar, nem moleslal-os soltro ellas;
(jue 0 fiovernador com o parecer dos Keligiosos lhes
assignasse no scjrlão lugares convenientes |)ara nãdles
lavrarem e cnllivarem, não podendo ser mudados dos
ditos Imgares contra sua vontade, nem ser obrigados a
pagar foro, nem relrilmicão alguma das dilas terras,
aitida (pie (;stiv('ssem dadas em sesmaria á pessoa parti
cular, poiapic na concessão destas se reserva sempre o
prejuiso de lei-ceiro; e muito mais se entendia, o (ine-
ria que se cntend('sse ser reservado o prejuiso e direito
dos índios, primeiros c naiuraes senhores dellas. »
feta lei tão justa e (|ue estabelecia sem replica a
extincrão da escravidão dos índios e os tornava livres
de Irahalhar como e para quem (juizessem foi feila para
o Estado do Maraidião, onde se observou ainda com
numerosas irregularidades e mfrarções : foi um passo
d('cisivo dado na carreira do progresso; mas f- bem de
notar (ine não fosse logo applicado ao Kslado do llrazil,
onde ainda se manliverani por muitos annos os abusos
(lue vmiios se aiioliram n’aiiuelle Estado. Idversas ou
tras leis se puiiiicaram nos dons Estados das comiuis-
tas no sentido d’esta que acabo ale citar.
tànlim cimi dat: de ::i() de Outubro di' ITl!.') o Eo-
vernador de 1’ernainim'o II. Ileiiriqne l.uiz l‘ereira em
nome de S. íi.agestade, querendo i|ne Iodas as aiiundda-
desídvise eci lesiasticas tixeasem uma norma de Condnc-
ta em todas as ipiestões ridativas aos índios, de (ombi-
nacão com .a .Innla das .Missões, fez um resiiino da b‘-
gislaçao solire esta matéria e a mandou á todas as au-
toriil.ides com ordem d(! a oliservar em todos i.s seus
artigos.
liste documento é tão interessante que, posto seja
exlmiso, julgo conveniente transcrevel-o lielmente em
toda a sua extensão Ei-lo :
i< I*or (|uanto se aebe em grande confu.são o gover-
das aldeias dos Índios, a respeito da jurisdiccão ipie
nddlas tem os Eapitães-inòres e os .Missionários; com o
— Kj()

parocer úa Jiiiilailas MissOrs, lni scniilt) iii;ui'lar laarar


mu bando ein Iodas as ('apitaiiias d’L'sU! governo, que
iião sendo Itaslaiile para se prevenir os abusos ipie lion-
veiMin riovainenle nas .Iniitasdas Missões, acbei conva;-
nieiib' api’esenlar na presinib' data aos Capilães-móres
das ('.apilanias e aldeias da niiidia jnris liceão, e a Iodos
os .Missionários d'esle líispatlo as seguintes ordens de S.
.Mageslade ipie Deus guarde |)ara serem ol)servadas de-
baixo das penas (pie Idi servido inilingiraos conlraven-
lores. l’or isto faro scienle a lo'Jos :
I.” Qup a de-Utril do anuo do KiSU foi derri'-
lado que das aldidas não S(.“ ronsinla mais tirarem ín
dias as soldadas para liarem algodão para os particula
res, aliin de e.vilar os escandaus (|ue d’alii resultam.
Ouein quizer algodão liado o entregará aos .Missionários
que 0 mandarão liar na aldeia pelo prego ([ue for es
tilo no lugar.
Km lOile .laneiro de 1(1!)8 foi delorminailo por
.Vivará ein forma de lei, ou regulamento, que nem ín
dios nem Índias possam ser tirados de ijualipier aldida
sem ordem do Capilão-mór e '^pin o consentimento dos
Missionários que assistem nãdlas; mas ([ue c.s Índios se
possam dar para serviço de particulares, com tanto (|ue
lique sempre uma parle das tr(‘S(|ue houverem na aldeia,
não enlr.ando idesta conta os velhos, os doenli’S, nem os
menores de IV annos, nem .as mulheres ih' quahiuer iila-
de; ([ue us índios que forem servir o façam por('slipen-
dio commum e usual* e por leiupo certo alim que aca-
hado elle possam voltar para a ahieia, determinando-lhes
0 Kapitão-mòr a forma do pagamento, de acoiMo com o
Missionário, <le tal maneira (|ue nunca possam deixar
de serem pagos do seu serviço; que as índias não pos
sam servir senão de amas de leiti' por (.'Stipendioe tem
po certo, (a)m a m('sma segurança de pagamento, salvo
0 caso (pic as peçam alguns moradores casados e hem
procediilos, panamiido assim ser conveniente ás ims-
mas, pelo estipendio e doutrina (pie receberem dos mo
radores; (pie as liandeiims também possam .servir, (• de
beuKiue Ihiue ao arbitrio dos .Missionários, com pare-
— lo7

Li'i’(!ü (',:ipil;iip-iiinr sobre o leiiiiio salari ' ’; ‘ lia'>endi


;il:-;uiii:ulu\id.i enlie o Missieiuirio e o i^lapilet-iiKii', ila-
rfio il [larle á .luiila (ias .diss(jes (]iie (Jeieradiiará cniii
assisttMicia iJo l5is|io e Go\eriia(Jijr o (jiie •ii'vi'!ii S( l;uíí .
e as |t nas (jiie (l:‘vei'ãi) iiieorrer os coiitravciilures (Tes-
la (lispijsiç.u), a (pial se ileverá (jltscrvar iiáo sonienlc
nas aM(,'ias (Jo Geará, mas ('iii l(j Ias as (ia jui i''die(;ão
da Gi[iilania j,mral di' i’ernambiico.
i’or (iialein Ui:"ia de Í20 do .laneiro de 170(1, manda
S. Ma^ppstade a(j (Itnaniia Inr geral de dernainliinso (jüe
não eoiisinta (jin! os .MissKdiarios usem d(js lndi((S
unira alguma eousa ([ue não seja das (jue se referem á
ãlissão, (í para o snslenlo d*^ (jue imieessiUni; adverlmii((
ao ditu (.'■o\ernador c lamIiiMi ao lüspo (pie fora inlor-
mado (jnf' alguns Missionários usavam d’elles para lucrar
dos bens Imaiiioraos; (! (pie sobre Indo se devia allender
a (pie os ilibjs índios Idssem conservados nas suas li-
iierila(b's.
4." A H de .Noveinbim de I70U nomeou S. .Mages-
lade para Juiz privalivo das causas dos Índios o Ouvidor
geral da lãapitania, com ordem de líii'S deíciár bieve e
snmm iriamcnle.
f)." Por alvará de ^2d dc Selpinbim de 1700 dcler-
mina lèl Kei i|(ae se (b* a cada .Missão nina legua de lerra
em (luadro, para suslanlaijão 'los mesmos Missionários,
com declarai;ão (pm rai.la aldeia ba de se ei.inipor de cem
casas, e (pie bavendo alguma de menos, e (pie se achan
do proxiinamenle a ella onlra, se partira entre ambas
a dita legua de terra, ab' (|ue cresijani; então se dividi
rão em duas ou mais cada uma, sempre de cem casas,
ilando-se a cada iima uma legiiade terra em i|ua(lro; (pie
estas abieiasse situem á vontade dos Índios, coiu approva-
('ão da Junta das .Missiães, e não ao arbitrio dos S(‘snieiros
e donatarios; advertindo que para a aldeia c não para o
Missionário se manda dar esta lerra ijue pm lenre aos
índios e não a elle, poripie logram o (|ue e necessário
para seu sustimto i; ornato do culto das igrejas ipie se
farão nas terras dos sesnieirns oii donatarios conforme o
Bispo entender ijue convibn para a cura das aldeias; c
— i:ís-

que aos taes parodio? se dará porção de terra igual ás


que ordinariaineiile tpiii qualquer moradur que não é
nem sesmeiro nem donatario, para que possam crear
as éguas ou cavallos e outros animaes domésticos sem
os quaes não se pode viver no sertão; c a execução d'es
ta lei será encarregada aos Ouvidores geraes, aos_quaes
concedo poderes para medição das terras e creaçao das
Aldeias e edificação das igrejas na conformidade do que
se assentar na Junta das -Missões, e mandar o Bispo; e
que as taes medições sejam feitas pelos Ouvidores sem
outra forma de juizo, e sem admittir requerimento das
partes em contrario, declaranJo-llies o seu direito re
servado para requererem pelo conselho ultramarino; e
que se alguma pessoa que tem data não quizer dar a
terra, e encontrar úc alguma maneira o determinado no
presente Alvará, sejam-lhe tiradas todas as terras que
tiverem, afim de que o temor d’esta pena e castigo os
faça obstar de encontrar ou imiiedir a e.xeciição d’este
Alvará; e que so a Imittam denuncias contra aquelles do
natários ou sesmeiros que dcqiois da repartição feita im
pedirem aos índios o uso ("ellas, licamlo aos denuncian
tes a terceira parte, com tanto que não exceda tres lé
guas de comprido e uma de fundo.
G.” Por lei do M de Janeiro de 1701 S. .Magestade
determina que os .Missionários que residem nas aldeias
dos índios não possam mandar fazer Capitães d’ellassem
ordem do Governadoi'; e que os dilos sempre façam os
taes seus Capihles á escolha dos Capitães-móres o á .satis-
facção dos índios e de seus Missionários.
7.° Por Ordem Regia de 11 de Janeiro de 1701
manda El-Rei que fugindo algum Iiuiiodc seus chama
dos S;.nliores para as ahleias de sua nação, não sejam
lirados dellas, e os Missionários não os entreguem .sem
ordem expressa do Governador, qur em companhia do
Ouvidor geral da Capilania, que para isto chamará, de
cidirá breve e suuimariamenle, ouvida uma e outra par
le em voz, sem figura nem eslrcpito de Juizo, e sem
despesa alguma dos miseráveis Iiidios; e o que se de
terminar se assentará n’uni livro com o nome das par-
—lo9—

tes; e a resolução que se tomar, assignada pelo Gover


nador, pelo üuvidor, e pelo secretario do governo, o
qual terá o tal livro rubricado e numerado em seu po
der 0 qual não servirá para outra cousa; para que a
todo tempo se saiba o que se determinou; com decla
ração que os taes índios não se tiraram das aldeias para
as quaes fugirem sem primeiro se julgar que são cap-
tivos; e que quando sobre a liberdade dos índios que
se venderem ou fugirem para as aldeias de sua nação
se mova alguma duvida, o Governador a decida com o
parecer da Junta das Missões, por ser a matéria annexa
ao espiritual. (Este artigo mostra claramente que no
Estado do Brazil ainda não se achava em vigor a lei de
1G80 que vimos que abolia a escravatura em termos ter-
minantes.)
8.° Pela mesma lei se ordena que as vendas ou
conipras de índios não se façam nas villas e seus termos
senão em praça publica, e que os que se venderem nos
sertões onde não ha mais justiça que os Juizes de seus
districtos, as ditas rendas se façam de autoridade d’este
Juiz, roostrando-se os titulos, em presença do escrivão
que deve declarar as duvidas que pode ter a escravidão-,
e que ninguém os possa comprar sem esta averiguação
que ficará como titulo; e em caso de duvida sobre o
dito captiveiro, se resolva na forma ordenada com aquel-
les que fogem para as aldeias; e que os Juizes ordiná
rios sejam obrigadf)s a dar todos os annos conta ao Ou
vidor geral e ao Gapilão general das compras e vendas
que se fizerem nos seus districtos, e das razões que ti
veram para approvar os taes captiveiros.
0.° Pelo mesmo Alvará de 41 de Janeiro de 4701 se
manda que os Gapitães-móres façam listas dos índios
que forem capazes para a guerra, e que dos mesmos se
façam Capitães e Alferes e mais ofliciaes, procurando
tel-os unidos e contentes, para quando acontecer ser
necessário fazer guerra a alguma nação barbara nossa
mimiga,je achem promptos; com declaração que os di
tos Capitães-móres não poderão fazer gqcrra por si, nem
pelos índios, anão ser defensiva, porque para as olTen-
— lüO—

siv.i?. (l;ir;lo parlo an Cidvíüiio ^'oral, para oRlc na .iiin-


la (Ias .\iissi")OS assiailai SC ((iiivian sc i.Kja, iio (.atsit (l(!
nfin a liiiiilir doinora; pnr (pic im caso (Ic a ailmiltir se
(loverá dar parlo a S. .Magesla Io; (pie seinpre (pio se
(lolerinine a oinM-ra, sojain (mvidús us Missuuiarios das
aldeias e ns (lapilãos-nioros sobre as cansas (|ue livorem
para oiandar lazer as ollensivas; e as i|uc livereni para
as (lelensivas soin dar parle.
Kl." l’elo niosino Alvará do 1 1 do .laneiro so manda
(|ijc os láipilães-inórcs não p(.)ssain lirar índios para a
labrioa de snas rasas, rtirraos, on milros qnaosipior ser
viços sons, ou (le outros pirlicnlares, dando-lhes-os os
Missionários, sem lhes pagar os dias do sen serviço; o
(|ne smaa'l('n lo-lb('S (lagairão o serviço dobrado; qne
de nenimm.a maneara se lire, aos índios as farinhas de,
‘(|ias roças, e ipio (piem o lizer lluis pague o doiiro do
valor ipio tinham naeecasião om (pie as lirar,ain.
11." ãlan Ia o mosmo Alvará (pie os (/ipihães-imiix^s
irão possam lirar In lios para o serviço d’làl Uei por mais
loinpo do que (piinzo dias, inandan Io depois d’esle pra-
so pedir oulros em sen lugar; com declaração cpie so 05
Oi npar em consas parlicnlaros, on para mais Icmpo (jue

os Ih dias, pagarão aos ditos índios em (|uádrnplo o seu


Irahallio, como fnrhj nianiloslo ipic (‘ de loi, usando do
[ireloxlo do serviço lleal; a mesma pena siillrerão se polo
mosmo prelexlo os empregarem em serviço sen, e n’es-
le caso se llics dará culpa na i osÍ!leie'ia.
1^." IVIo mesmo Alvará se mandam abolir os Capi-
lãos-imãres (jiie se cre.avam pelos sorlões aonde tiiiliain
jnrisdiiTão sobre os índios, [cira não haver mais laes
r^apilães-imãres senão nas cidades e villas para sen go
verno respeclivo.
i:i." I'nr lei de 27 de Agoslo de 1717 foi S. Mages-
l,ade servido decretar (lU ' a jnrisdicç.ão qiie dava aos l’a-
dres ila Capitania sobre os índios das aldeias sc devia
entender omni modo no temporal e no espiritual, como
tulorcs 0 curadores que são das suas pessoas-, e (|ue a
permissão ipie se den aos Capitães-miãres de passar pa-
tenb^s dos postos da Ordenança siã dizia respeito aos lio-
—1()1—

mciis lirani'üs. |or íilk; a rcspeitu ilos^liniids eiaiii daiias


as oiilciis [torquc sa liaviaiii lie goveiiiar.
IJí. A lU .Maiço (le inaiid.; S. .Mageslade
(jiie iiao SLMajiisiiilaüi liidius lugidos das aldeias pai a
casas [larliculares; ordena (jiie sejam peesus e levados
as mesmas aldeias; que os moradores que jirecisaiem
d’ollesos peçam aos .Missionários que lliesos darão me-
diaiile a paga delermiiiada.
!•).“ de Janeiro de 17d‘í ordona-se que sejam
exlincios os lugares de C.ovei-nadores dos índios; e ipie
cada aldeia seja governada iioriim ('.apilâo dddles mes
mos, manilado nomear pelo .Missionário na forma dcler-
minada; -e que para a .Milicia sejam sugei tos ao Capitão-
uiór do dislriclo.
lü." A 17 de Junho di; 173'i manda S. 3Iagostade
que as aldeias dos Índios não lenliam mais de dez ar
mas, e que estas sejam enlregm s fielo .Missionário áquel-
les que não liouveiem de abusar deilas.
17." A '■2-2 de Outubro de 17:!!) ordena LI Uei que
as aldeias que não tiverem 80 ca.^as sejam unidas á ou
tras, couservando-sc-liies Urras bastaníes.
Lncommendo á Iodas as autoridades civis, militares
e eeclesiaslicas que mandem executar as ditas ordens e
que ainda mesmo apparecendo alguma duvida as exe-
culem cüiiió fica determinado; e darão parle á Junta dás
31issoe.=:. E aos Ouvidores e Juizes se reconunenda as
ob.^ervem pontualmente na parte que lhes teca; e que
tenham em grande cuidado que sejam presos os Índios
conqdices de algum delido, para serem autoados, c re-
nictlidos com ditos autos para a cabeça da comarca; e
d ahi [lara a Junta da .lusliça do governo geral da Ca
pitania, jiara rdella serem castigados na forma das or
dens de S. Mageslade. »
Como complemento ã esta compilação das leis re
lativas aos Índios que se achavam ein vigor ri’aquella
data, vem una assento tomado na Junta das .Missões de
rernambiico n 2'i de Agosto de 1741, cuja execução se
recommenda com as mesmas clausulas que acima, o qual
estabelece os artigos seguintes :
— IU-2—

K 1. " se mc(;:i a legua de lerra jia. a ca i Mis-


sã'', explicando (jne esta Icgiia de terra deve ser enten-
(lida eiu todos os sentidos, de maneira (jiie cada lado
dn (jiiadro t(mlia a dita legna d’e\lem;ão: e ipie os mo-
raiJores nãij se iniroinetam a deslrnlir o leiT(’no coin-
piviiendid') na dita legna, nem us Índios os (jiie perten
cerem aos moradores.
Ordena (jue se mora a legua de terra da .Missão de
1’anpina: (pioíiuanto á de Idiriiamenm seja mudada e
(lcsoccn[iada, e os Índios levados para a de l’au[)ina se.
assim |) ireeer aos .Missionários.
2.° UiKí os Índios fngid"S (Ias aldeias se recolham
a ( lias, e (|nan(lo o não façam (!(' hom gi'ado, o (aipilao-
niór os o!irigU(' [lor forra a se recolherem, quando lor
cerlo que a ella perlençam.
:i." One os moradores (pie liv('rem Índias a sen
serviço as recolham ás ahhdas a (iiie pertencem, se as
sim o d('lerminarem o-v .Missionários, qne as poderão
conservar ou dar para serviço quando o como ilies ap-
prouver.
d.° Oii'"i>do aos castigos, qne os Padres lh('S inllin-
girem, (•(vmu s!>ns liitores e curadores, oingu('m tomará
coiiliecimeiito (felles. mas sim no caso de parecerem
d('sari'asoaveis o parliciparão á .lunla das .Missões [lor
meio de nma reiireseiilação.
o. (Jiiaoln aos índios pescadores, como são de nli-
lidadi.' pulilica, os Padres os darão para as Mllas e lu
gares omie forem necessários, no numero ijiie lor pos
sível, atlendendo que liqne sempre nm terço na aldeia
como determina S. flageslade qne (jiiando se fizerem
as listas, 0 Papilão-iiuir passe logo inoslra, on1 mande
passai' por odiciae.s pagos, o qne se entende só
^ (Ias al-
delas do Itvds. Padres da Coiiqianliia de .lesns, c (pK' nas
mitras taça ou mande fazer eslas diligeneias pelos l.api-
lães-iiKires on Sargenlos-miãres dos respectivos dislrh-
tos ('in (lue se acharem, os (jnaes remettorao as ditas
lislas sem (l('pi'ndcncia dos (!a|)itães-inores da (aipitania;
e as reinellam agora e Iodos os annos suliseíjiienles na
coiifoiinidade das ordens de S. .Mageslade; e que os
—k;;;—

> iiãii S!‘j;iin (jhi-jgados a i)0;;í'ari'i!i para pcs-


S('ia partiiail ir al^imia, iiias sim a vir vciiilcr i) p(;i'.e
nas [)!'ar:is piiliücas a cnnlealo du vuiidador c dm cum-
pradcir, como aípii se pratica, e que lallaiidu al}'uni a
piMlic,!!’ o roloridü, se dè parle aos Uvds. 1’adres iiue
castigarão (js transgressores da aldeia.
(■)." tjiie os tralialliadores (pie se ileianii para outro
ipialqiier Irairdlio qm; não tdr de remlioiain s se ilies
pague a d vinténs catla dia, o de comer; e ipte os ipie
se d Tem para eoinl)(jieii'os sejam [)ages a i \ intens por
dia i‘ d(,'roni.T; e as jiessoas a quem se uerriii pia'<teiu
caução siçgura aos Missionários, atim (jue nunca deixem
lie sei' pagos todos os dias que gastarem iia ida e na
volta, não se Ilies jiagaudo outra qualquer demora que
na viagem possam ler.
7." ijiie os índios qm; pedir o l'.apil;l(j-im'u' para
S('rviço de S. Magrsiade seja sempre semeale para
dias, pagos a rasão de meio liistão i* de comer, e que
lindos es i") dias, se preciso íòr, sejam rendidos |)or ou
tros; (' ipi;‘ (is que se'derem ]iara os liapilãcs-móres 'Ui
parliculares .sejam dados por tempo cm ln, ajuslaii lu o
preço cem o .'lissiouario.
S.“ (Jue no mais se uljscrvi,' o que manda S. .Ma-
gestade.
Tal loi o regulamento que servia de regra para o
gov''i'no das aideias ali'a. sua. eNli ii'a'ãi) i'm Í7.')!l; docu
mento ijiie trasladei jior inteiro, posto iiue luiiilo exten
so, para dar liem a conliecer esla parle da lii: loria m-
leriei' dos índios, e inoslra.r ui estarem ellrs I asla.nle
i'aros. ho s('u ronlexlo sohi^esalie que no lèslndo do l>ra-
zil a esrra\izaçT 1 dos índios perpeluoii-se até •a epora
cresta extineção das aldeias, po-lo (|U(! já de direito se
aehasse abol ida im do M.uaidiào; o pie me Ia/, siippiT
Ijne os dei retos qne já citei não loram apidicadus ao
lira'/il senão em I7.'i.').
As triiuis Índias du Idaiiliv, cpie ainda iião lormava
('.apil.ania separa'ia da do Maranbão, não sc' mostravam
tão doeeis rumo as do C.eará, nem tão dispusl'is :i aceita
rem a doutrina eiangelira e a dominação europea ; le-
— lüi —

par vezes coiilrii u ('ii)^'criio dn MaiMiilião


ae qual resisliraiii eoia vaiilageiii pur loiijjü leinpo. .Vs
Cüusas eliegaraiu á tal ponto que se peiliu soccorro ao
Miniarca coulra > lies; e íorauí expedidas ordens para se
lli’o piTslar.
Uma caria Regia de 1(1 de Alird de I7:íl) ordena ao
(apilão-general de Uernainhuco ([ue faça inarcliar coiitra
os rebeldes lr('zenlo3 índios da Ibiapalja, (|ue se deviam
reunir ás forças do Maranlião para as auxiliar na con-
quisla d’esles índios da raça dos luages.
O Senado da Villa da 1'orlal za dirigiu áEi Rid uma
roproscnlação rom dala de i2I le .Março de 17lí(i quei-
xando-se >< das exacções (|ue os .Minislros exerciam con-
tra os povos, fazendo os (Juvidores grandes demoras nas
correicões, e avoeando á si causas da compcloncia dos
Juizes ordinários; aceusando os ollieiaes da Justiça de
levarem mais cuslasdoquc importavam as dividas quan
do iam na distancia dc mais de com Icguas da Fortaleza
fazer diligemdas á rit)e!i'a do Acaiacú; reclamava contra
a eohi-anra que se continuava a lazer em contravenção
com as leis de S. Magestade dos terços do rendimento
do senado, licando assim privado dos recursos neces-
sarios para pagamento das suas despesas e coucerlos
da§ cadeias, para o concerto das quaes pedia subvenção
á r.l Rei; rogava ã S. Magestade que lhe concedesse a
regalia de outorgar sesmarias, e serventia dos ollicios
que davam os ("apitães-móres. aceusando estes de leva
rem por caila provisão que obrigavam a tirar de (5 em
(1 mezes quatro inil reis de emolumentos, El Rei res-
ponde áUOde Agosto dc I7'i0 á esta representação da
Eamara dizendo que « a vista do exposto e das infor
mações que tomára sobre seu conteúdo, averiguara que
a carta que lhe havia sido enviada não tinha sido feita
cm eamara, procedimento este que inuito_cstranhava
como contrario ao que mandam as ordenações; e para
que não cahissem mais em semelhantes transgressões,
manda que o escrivão da Eamara publique c leia na pri
meira vereação dc cada rnez o seu regimento : que o
Ouvidor não avoque nas correições, nem tome conlicci-
— Kj.j—

niciilo 'Ias '.•aiisas ijuo não Iho ('oiiipul aii, r qiie licain
(losi^Miailas nas oídcnarõfs, o não se uouiuivsein iicces-
siilaiJe mais de :>0 dias nos lugares ee :siia corruiçau,
deixaniloãs .lusliras respectivas os 1'eilos qnc tiver a\o-
cado na ronlbrinidade das Uialenarões: que reino averi
guasse iiue 0 excesso das custas da Justiça provinha da
grande dishincia de certas partes do sertão, oídenava que
0 Juiz ordinário do Acaracú depois de loniar posse na
Cantara da Coi taleza losse residir e assistir na Ireguezia
do AC iracú, para ali exercer a sua jurisdicrão na lor-
ina da lei e que levasse couisigo um dos tabelliães do
judicial e notas (tara escrever pc.ante eile; e que as
luiicções de alcaide fossem exercidas pelo Juiz d;i vin
tena : (jue os Capitães-iuóres que levassem mais propi
na que lhes compete restituissem o excesso, e qu(> se lhes
tomasse d’islo culpa ua resideiicia. Ordena mais ao
Ouvidor geral de não cobrar mais os lerços dos rendi-
nieiilosdo senado, visto ijue 1'oi determinado que ficaria
para os concertos da cadeia, advertindo que se os ren
dimentos do senado não cliegasseni para as despesas do
mesmo, se tirasse fmla, como inandain as ordenações.
Ouanto ao pedido da serventia das datas e cilicios,’ de
clarava que licãra indeferido; e que (]uaiilo ao mais que
reiiueria o senado, se assentou nada precisar de [trovi-
deiicias. Assiguado Cl Uei. »
A Francisco Ximenes dc Aragão suiatedcu á "ú dc
Fevereiro de l7'i,‘J o Capilão-mór João de Teive Barre
to de -Menzees, que ã 17 de Agosto de IT^it! íez entre
ga do commando á Francisco da Costa. A I'.Ide Setem
bro de 17ÍS succedeti-lbe 1’euro .Moraes de Maga
lhães qne foi substituído á 18 de Agosto dc 17Õ1 [tor
Luiz Ouaresma Dourado.
Os índios aldeiados nas diversas Missões do inte
rior, iliilicilmento se acommodavam á esto novo gonero
dc vida; lugiam da .Uissão, e iam viver nos mal tos fur-
laiiJo, matando e assolando os sertões. Ao anno dc 17i:{

í*. Segundo l’ompeu, Ciis. Eslat.—Tom. '■l."—!’a'g.


271 : á 1!) de Outuliro.
lüG

0-; .Incás 1' i ’;i 'i'i'l |i:i


íiuiraiti e abandonar,-mi-u’;! em nias^a, sendo sodn7.id(.'S
para isto pelos l'eilosas fjuo mandaram cavaioaduras
paralé\ar as muilieros que linli.’m tirado.
() (iapitão-general de Pernamhnro avisado (Teste
aroiderimento mandou ordmn di’se tirar devassa par.a
entrar no conliecirnenlo d(! iiiieni havia promovkli esta
fuedda, e de obrigal-os rom torça, se íusse neecssario, a
Voltar: mas d’ella nada resultou, tirando a Missão (piasi
despovoada; e seus moradores entregaram-se por tal
forma ao furto de gado (pu' as queixas inress,antes dos
rriador('S motivaram uma ordem Regia com data de il)
de Dazeniliro ile 17'r(l mandando « qne para jireve-
inr semeliiaiúes furtos se inquirisse por eiles nas devas
sas de .laneiro de rada anuo. »
Td Rei 'i tiidia em , ITR), a !) de .Innlio, orden.ado qne
se lizesse á custa dos muniripes uma cadeia na nova Yili i
do Irid, ou imr tinta derramada no povo, on por um
imposto dc dons bois |)or cada curral, ou por outro
qualipier meio que tosse jnlgad() mais convíuiiente. A S
ile Novemliro de 17't7 foi ordenado do se pôr a obra em
:irrcmati(_’ão, mas parece (pie nao liouveram concurren-
tes, porque a obra luão se. fez.
V de-Maio de 17'i9 o ('.mauaiador de IVrnambu-
co ordenou ao Sargento-imu' do Iro .loão [.o|ies R.ivmun-
do. ijue perseguisse os ladrões (' malleitores, nutorisan-
do-o a lançar lUcão de todas as forç.as iiue julgasse pre
cisas para cumprir essa ordem, e ainda a entrar e preu-
del-os nas próprias .Missões da Telha, do .Miranda, do
•lucà. e'outras do termo, sem rarcicr licença dos pa
dres missionários. Ksta ordem deu lugar a nova persi'-
guiCcão contra estes pidires Índios, qne iam desappare-
cendo a olhos vistos d.a sna terra natal.
Por iu'(/visão do Rvm. 1). I'rei I.niz de Santa Tiie-
reza, Bisixj de Pernambuco, dala la de C^) de Teve-
Segiindo l’ompeu, Kns. Tstat.—Tom. —Pag.
i71 : á 'il dc Tcvereiro.
— I(i7—

iviro do I7'i7, foi ;n;ind;iila crear nos C^riris Novos uma


Iroguozia nova, para molliur admiiiislraoão do pa^lo us-
pirilnal á numero;a populaíjão, (pie se ia ag^louierando
iiacjULillo lerreuü, que ó uma cspccie de i,asis, eminen-
lemeiile fecun lo, em viriude da aliiuidaucia do agua
(jue ali lia. (J visilador Manoel Macliado Freiie em 1718
elíocluou a inslallação d’esla nova IVeguezia, cujo lerri-
torii) íoi dcsmemlaado da do Icó, a principiar ilo riaclio
('.aissãra, siluado em meio caminlio do leò ao (.'.ralo,
e c.ompreliendtaido todas as vertentes do Salgado supe
riores á este riaclio, e as nascenças do dariú e Masliôes.
Serviu provisoriamente de matriz a capellada Missão-
V(dlia, dídiaixo da invocação do Nossa Senhora da l.iiz,
até qiie em 17üU sc deu ['riucipio á uma uial. iz dedica
da á S. José.
INn viriude da resolução Regia de 11 de Ahril de
1717, lui creaila a villa de Santa Cruz do Aracalv na
margem direita do Jaguanhe, :t léguas acima da sua
emiiocadura no mar, no lerrilorio da Ireguezia das Rus
sas e no lugar denominado Corto dos Barcos do no Ja-
guarihe. No dia 10 de-Fevereiro de 17-18 o Ouvidor .Ma
noel José de Farias inaugurou a nova villa, e deu-lhe por
termo o lerrilorio da Ireguezia das Russas, isto é, do
1’irangi ao Mossoró exclusive, até a Barra do Jumiueiro,
ponta da serra do Pereiro e Barra do Setiá, conipre-
liendendo todas as nascenças do Banahuiú; este terri
tório 1'oi desmembrado do Aquiraz.
Os senados de Aquiraz e Icó foram consultados so
bre a conveniência d’esta creação e quaes os limites que
se devia dar ao termo-, ao que responderam judiciosa-
menle, ipie visto existirem duas villas juntas, a do Aijiii-
raz 0 da Fortaleza, fosse esta rcmovii a para um pon
to do Acaracú, e se creassem os termos de Acaracii,
Aquiraz, Aracaly 0 Icó, CO .i os mesmos territórios ijue
os das Ireguezias respectivas. Este parecer tudo judicioso
como era não foi adoptado.
Ao l)r. Victorino Pinto da Costa Mendonça succedeu
na Ouvidoria o Dr. Tliomaz da Silva Pereira cm 8elcm-
— 168—

brn i!o 1740 4 e=te o Dr. Manoel José de Farias, o


erector da villa do Aracaty, a a quem subslituiu 0 Dr.
Alexandre de Proença Lemos, que veio loniar conta a
18 de Janeiro de 1749, sendo elle nomeado adminis
trador das minas de Cariris Novos. O Dr. Victorino Soa-
res Barbosa, que mstallou as villas do Grato 0 Baturité,
succedeu-liie á 27 de Junho de 1756, e conservou-se por
espaço de quatorze annos na ouvidoria, até Janeiro de
1770.
Eni 1743 0 senado do Icó vendo o augmento rápi
do do Cariri, creou para essa localidade um juiz de vin
tena e 0 competente escrivão, com ordem de residir no
arraial de S. José da Missão Velha, afim de evitar as
custas enormes das diligencias de justiça n uma tão
grande distancia. r ■
■ Por Ordem Regia de 3 de Novembro de l_/49 lOi
derrogada a resolução de 2 de Dezembro de 1704 que
mandava nomear por tres annos somente os Gapitães-
mores da ordenança, determinando-se que d’aqueMa da
ta em vante seriam vitalicios, e que laes postos nao fos
sem mais providos senão sobre proposta feita pelo se
nado de pessoas capazes, e que as patentes não fossem
mais passadas senão pelos Governadores Geraes do Es
tado do Brazil.

(^j Segundo Pompeu, Ens. Eslat.—Tom. 2. Pag.


270 : em Setembro de 1739.
A A
Vc^’ 'í'cCfc*
f>

CVriTULO X.

Da uincrnção no Ceará—\ovn orj^nniíín-


ção iloK índios—Expulsão dos Jcsnitas
—Eins do .Secnio XVIII.

-'^^A/’.AA/^/^

No ineiaiio do \\ 1!I socuIíj a còrlr do l.isiiòa inani-


fosfoii mu lal (losojo de lioscobrir minas de ouro eui
lodo 0 Urazil, I|iie mandou conipnlsar todas as infoima-
ções (jiií' liaviam siilo iiiiiiislradas sobre este assniiiplo,
alini demandar fazer ensaios de ininerarão eiii toda a
parle. .V esia Capilania do beará ((iub(' ser o llnealrcj
dedivei'sos ensaios desles, os quaes vamos referir ii’esle
eapilulo.
Lm I7'i() ou (piarmila i‘ lanlos nm explorador deu
parte ao .iroverno de ler deseolierlo nma minaatmndanl-,
de [irala nas visinbanras da Villa Virosa, em mii lugar
ebamado líbajara, na fralda da Serra-grande. situado
em frente da seria do Aearape. Nlaudou-se louo uin d/-
170 —

rector da niineiação com utna coinpanliia de niineii'OS


estrangeiros, i]ue deram principio aos lral)allios no anno
de ITíd. os quaes conlinnarain até 17'i8, époclia em
que foi decidido que se suspendessem os trabalhos, vis-
lo ser c sen producto tão diminuto' que não chegava
para pagar os ordenados tios empregados, que eram cm
parle Francezes. _
N’cssa exploração deu-se um conflicto de jurisdicçao
que qnasi acarreta a subversão da ordem publica. O ad
ministrador das minas, vindo de Forliigal, entendeu tjue
nellas linha Iodas as allrihuições até mesmo as de ma
gistrado, e nesta tiualidade intlingiu penas á um ininei-

ro estrangeiro, o qual recorrendo para o Ouvidor, não


foi esle no entretanto allemlido por seu intruso rival. A
queslão foi por tanto levada ã Kl liei, que reprehendeu
asperamente o administrador, dcciarandodhe que n Ou
vidor era o magistrado compelenle. para julgar as ques
tões d’csta natureza em lodo o lerritorio da sua co
marca.
A Ib de Dezembro de 1711 um (’apilao-múr (lovtu-
nador da Capitania da Parahjba, informado de «lue nos

Cariris Novos, sertões do Icú, existiam minas de ouro,


mandou examinar o caso o alcançou comprar algumas oi-
lavas de pó, ijue mandou como amostra á còrle de Cor
lugal, uando-the parle da de.scoberla d’eslas novas mi
nas. A 18 de Abril de 1712 escreveu Kl llei ao Capilau-
inór do Ceará communicando-lhe o aviso que recebera
no anuo anlecedenle de ser o ouro das minas do Cariri
de excellente qualidade, e as minas de esperança de se
rem mui produclivas e rendosas; e o receio que linha « de
serem as ditas minas invadidas por inimigos exteriores,
em razão ila pouca defensão das costas, cujas praias
abertas se podem prestar a um desemhai ipie-, por islu
pede-llie informações circumslanciadas sobre estas mi
nas, sua distancia da praia, se ha portos proximos que
se prestem a um desembarque, se ha caminhos prati
cáveis que conduzam a cilas-, se ha agua, se o terreno é
montuoso (>u plano; se é ou não de facil defensao; se
se pode impedir a entrada n’elle; se é facil a fabricação
—{71 —

ile uma eslratl.L para ellas; c su iia pi'obab:lidaiJe de sou


i'eri limonU) sor cmisidoravol. Ignoro o que respondeu
0 Capilãu-mór: mas ilovc-sc suppor ijm' a inrorrnarão
loi pouco lavoravol, visto ijue decornui lanlo tempo au
tos 'lo sorom exploradas, salvo so esta demora l'ol occa-
sioiiada pelos grandes e prolongados distúrbios quo se
deram nos princípios do sociilo WIIl por toda a (lapi-
tania, na occasião da transferencia da Villa para a l-'or-
laleza, e nas guerras de Montes com Foitosas, ode Fer
ros com Aços. A mesma gueri'a dos Mascates em Per
nambuco e outras circumstancias lizeram esquecer por
tal forma as tae:^ minas que não se tratou mais d’ellas
senão depois de novas informações idas d’aqui para a
còrte em occasião que ellase adiava muito (ireoccupada
com a descoberta do minas.
Fm virtude d’csta nova participação, a (Virlo de Lis
boa deu ao (tuvidor Alexandre Proença Lemos provi
são de dircctor e administrador das mimas do Feará-
Gramk', e incumbiu-o di.' ir pessoalmenie obscrv,al-as. O
Governador-geral de Pernambuco expediu ordem ao Ca-
pitão-inór Fiovernador ilo Feara, Luiz Quaresma Doura
do, de acompaniiar o (•uvidor n’esta exploração; e em
•lullio de 17 ptizeram-se ambos do marciiapara o cen
tro, passaram pido teó com um grande piipude de tro
pa regular, e d’aiii seguiram na direcção dii Arraial de
S. .lose da Missão-Vellia dos (^ariris, onde íizeram-se di
versos ensaios de mineração na Forinn i, nos P.arreiros,
nos Morros-Doiirados, o nas iMiiias da Manga beira, luga
res estes pertencentes ás freguezias do Icó e Fariris;
mas os result.ados não corresponderam á expectativa.
O governador, pois, retirou-se para a villa da For
taleza, e deu parte do resultarlo ao Fovornador-geral de
Pernambuco, (|ue declarou por um liando enviado ao do
Foará, para ser ailixado em toda a Capitania, quo visto
as ditas minas do Fariri não serorn b,i‘:tant(! ricas de
metal precioso, para fazer conta .á S. MagesLade de as
explorar ás suas expensas, podia Ioda o(jual(|uer pessoa
quo ipiizosso entregar-se á sua extraccão, com tanto (|ue
se pagasse á Kl Kei o (juinto, o so lhe désse parte, se
— 17-2—

■ nir vonlura ai”uui üia se desculjrissc alguma veia uiais


ilnindanle.
Eiii virlmlo d’esle bando, datado de 8 de Setoinliro
do iiicsino aano, allluin muita gente ao C.ariri, attra-
hida pela eobiea de cavar oiiro; e o Ouvidor conservou-
se na Missão Velha por longo espaço de tempo, alim de
iiispeccionar os trabalhos o regularizar a eobranca do
quinto real. O Governador de rernambuco maiulou um
destacamento de tropas de pret, coiumandado pelo sar-
gento-mór .teronimo Mendes da Taz, para velar na se
gurança e lazer a policia nas minas, onde o grande con
curso dc vadios e vagaliuudos tinlia {iroduzido uma ter-
rive! anarehia ; os roul)os c os assassinios estavam-se rcr
produzindo á cada momeulo, e homens haviam que,
turtando-se ao trabalho da mineração, só viviam tle ma
tar os mineiros para roubal-os e enn([uecercm com os
seus despojos; dc sorte que para obstar á continuação
dessn estado anormal, l'oi preciso muita energia da par
te do commandante do destacamento, e a cooperação do
numeroso pessoal que trouxera.
H como os mineiros ([ueriaiii eximir-se de pagar o
quiiíto .ao rei, passando por contrabando todo o ouro
que tiravam, toi necessário pòrem-sc piquetes de tropa
em todas as estradas, e o governo tomou providencias
Innnmoraveis para obstar .aquella subtracção criminosa,
impondo pena severa aos contraven toros, e aos capitães
de navios ijue levassem ouro em pó á seu bordo; mas
tudo foi baldado, ou porque as mmas realmente ren
diam pouco, ou porque se não pagava o imposto; o
quinto portanto não rendia nada.
k córte e o governo de rernambuc.o desgostaram-
se d’este resultado, e em consequência d’isto, appareceu
ã 7 dc Setembro de 17ü8 uma ordem Kcgia (*) suppri-
mindo as minas do Cariii, e prohibindo. .sob penas
graves, que se continuassem ali os trabalhos de mine
ração.

(*) Segundo 1'ompeu. Ens. Eslat.—Tom. 2."—l’ag.


27:i ; de 8 de Maio do mesmo auno.
— 173—

l'ni' rurUi regia dc ^3 do iiiesiiio iiiez e auiiu lorauí


abolidas aão soiiieiile as minas do Cariri como Iodas as
mais exislenles iresla ('.apilaida. á pretexto de serem
prejudieiaes ao Krario publico, e aos particulares que
n'ellas se empregavam; e para prevenir o extravio du
ouro em todo 0 Itrazd, a còrte de Lisboa prubibiu em
Novembro de 17()7 o exercieio da prolissão de ourives na
sua descot)erta da America, coin comminagãü de serem-
liies tomados todos os utcnsilios da sua arie, se conti-
nuassom a trabalhar, alim, dizia a ordem, de prevenir
o extravio do ouro e da pi ata do lisco.
0 governo do Ceani tinba mandado levantar quar
tos na povoação da Missão-Vellia, tanto para o aquarte
lamento das tropas como para a residência dos empre
gados das ininas; c como as tropas se retirassem para
Pernambuco com seu commandante, que deixou bòas
recordações em toda a Capitania, o Ouvidor Victorino
Soares Úarbosa, por portaria de 18 de Juidiu de 17GÍ),
encarregou á Alexandre Corrêa Arnaud de tomar conta
(Cesses alojamentos, para servi(;o das antigas minas dos
Cariris novos.
O Senado do Ic() sendo consultado [lelo governo de
Pernambuco sobre a conveidencia de um juiz ordinário
residir no Cariri, respondeu á Hi de Dezembro de 17.'>0
que não llie parecia necessária tal medida, visto (|ue
para ali já se havia nomeado um juiz de vintena. Não
obstante porem este parecer, o governo de Pernam
buco expediu ao Senado ordem d(; mandar para o Ca
riri um juiz ordinário com seu escrivão, e também
um almotacé; o que síj eUectuou, sendo elles primiti
vamente mandadfjs do Icõ, e ao depois nomeados (Cen
tre pessêtas residentes n’a(juelle districto.
N’esti' data dc 1731 e 1732 foram reformados os
Corpos das ordenanças d’este novo termo do Icó, (' no
meados oiliciaes para cada districto; d’on(le colligi que
esse teimio se dividia nos seguintes districtos : 1.” o Ja
ribeira do .íaguaribe, ou. por outra. Riacho do Sangue;
2.’ 0 dos Oitis; 3.° 0 da Villa; o da ribeira do Salga
do, hoje termo das Lavras; 3.” o dos Cariris; ií." o do
— I7Í —

r.ariíi; 7."o (lo <JiiixelO: 8.° o dos Basliues; 9.° ll(JS


liiliainuiis.
Kslas nomeações 1'orain motivadas por demonstra
ções dos olliciaes precedentes conlra 0 Capitão-mor da
Capitania; porque nas patentes dos sens successores qiie
se acham lançadas nos livros do Senado do Icò, encon
tro que muitos postos foram concedidos á novas pessoas
em substituição de outras que se diz foram demettidas
pelo motivo ile terem recusado reconhecer o Cai)itão-
inór como seu superior. Os olliciaes que não loram de-
mettidos obtiveram graduação superior. Todas estas
patentes foram dadas pelo ('.apit<ão-mór Luiz (Juaresma
Dourado.
.\ 7 de Dezembro de 17.‘).‘5, o visilador Frei Ma
noel de .Icsus .Maria, por autorisação do 11vd. Bispo de
Pernambuco I). Francisco Xavier .Aranha, desmembrou
da freguezia do Icó as ribeiras do Cariii, Bastiões e
Inhamuns, jiara d’ellas crear um novo curato amovivel,
com a invncaç;lo de Xfissa Senhora do Carmo dos Inha-
muris, determinando i|ue servisse provjsoriamenle de
matriz a capella do Apostolo S. .Matheus, sita no arraial
do mesmo nome. .I;i disse que o nome deste arraial
derivou-se de um partido dos .Montes que ahi arranchou-se
nas suas correrias contra os Feitosas, durante a guerra
que esses [intentados se fizeram mutuamente; e n’elle
foi odideada uma ca[iella, doada ;i 4 de Setembro de
1731 com meia légua de terra dc um c outro lado do
rio, no lugar ond'‘'^^se acha a povoaç.ão aclnal.
Forno este arraial se achasse cidioeado cm posição
intermedia ás residências dos .Montes e dos Feitosas, en
tre os intitulados Ferros c Aços, e por i-onseguintc su
jeito a ser sorpreudido facilmente por um dos partidos
beiligeiaintes, como já vimos ijiie o fora pelos Feitosas
em guerra contra os .Montes, os povos costumavam vir
assistir ;io ofiicio divino debaixo de armas; mas e>ta
pratica criminosa, immoral e anti-ihislã, escandalizou
á tal ponto cm 17L"> ao Rvd. visitador, o licenciado
José Pereira de Sá, ([ue no termo da visita deixou or
dem expressa de se não consentir mais semelhante
— 17o—

ibiisu, iiciii Mifsiiiü '1l' i!oixai'-sc fiiLusIar as armas uas


paredes da eapolla da pai to de lúra.
Os limites da nova IVeguezia diviJindn-se eom a
du Icii foram traçados pela barra ilo riacho Truçú, cum-
[ireliendendo o sen valle, e da mesma l)arra pidn rio ,1a-
giiaribe acima em l)usca da lagòa do Piipirí, dos ria
chos Cavijali e Fortuna imdusive, e ila Serra dc S. Pe
dro, oiid(! idles nascem, a saliir no rio (üarifi, seis lé
guas acima da su,a baira, seguindo a linh.t divisória das
>aas aguas com as do valle do rio bastiões.
.N’esta mesma visita a([Lielle visitador desmembrou
da freguezia das Ilussas o novo curato anujvivel di'Oui-
xerainobim ,i Ib de Novembro do mesmo amio de 17b.‘>,
dando-lhe tudo o território banhado pelas aguas do riu
banabuiú, e seus allluentes do Seti.i inclusivamcnte para
cima.
\ freguezia tio .Vcaracii, i[ue primitivaiiienlo coui-
pi’e(ienilia todas as vertentes dos rios e riachos (jue se
lançavam uo mar desde o Munilahú inclusive até o bra
ço oriental do delta do rio 1'arnahvlia, foi dividida em
iluatro; pois fpie em virtude da provis.ão, tpie para esttt
lim lhe concedera o Kvd. bi.-pa D. Francisco Xavier
Aranha. 0 referido visitador em data de b(J de Agosto
de 17.'i7 separou ; l .'’as ribeiras do .Mimdahii, Aracaty-
Assú, e Aracaty-Mirim, suas vertentes e praias para
formar a freguezia nova da coni invocação
de Nossa Senhora da Conceição da Amontada : d." as
vertentes do rio Curiahú e as dos mais riachos que se
lançam no mar até o braço orienlal dhatiuelle delta,
com 0 litoral correspondente até o pé da serra da Ibia-
paba. para formar o novo curato aniovivel do Curiahú.
cuja matriz foi interinamente collocida na capella de
Santo Ánlonio dc Padua, no Olho dbVgiia, l.■m(pIantu se
tizesse a mali iz no lug.ir chamado Marnvoqueira, hoje
tirnnja : b. as vertentes do riu Acararn, da barra do
Afaiaco ii ichisivatnente para cjni.a. e comprehendendo o
■tei lãu eachapada (su-i^espumlonle da serra da Ibiapa-
tia para formar o novo curato amovivel da Serra dos
Còros, seudo destinada provisoriamente para matriz a
—170

i‘.ai)r‘ll;i ilt; .S. Gonçalo de Amarante, fuiidaila na chapa


da da Scrradjr;uiJc, uo lug.ii' cliainadu Sa ra dos Côcos,
iloiüh! l(ji removida mais tarde para Villa ISova d El-Rei,
e ainda nlleriormeiile para o Ipú : í.° finalmente lodu
0 lerritorio desde o litoral até a barra do Macaco, ba
nhado pelas vertentes que deitam no dito rio Acaracú
para a freguezia do Acaracú propriamente dita; e suc-
cedendo que n’cste tempo se designasse o sitio da Cais-
sdra para edilicação da matriz, chamou-se portanto/Ve-
guezia da Caissdra, cuja denominação por fim veio a
ser modificada na de Sobral, em consequência de se
fundar no mesmo sitio a villa de Sobral.
A Luiz (Jtiaresma Dourado succcdeu no governo do
feará, á de Abril de Francisco Xavier de Me
nezes líenriques, ipie governou até entregar a l.a-
pitania á seu successor João Ballhazar de Quevedo, ã
iíl 'de.laneiro ile I7'in. i**! Antonio Victorino Rorges da
Fonseca tomou conta da Capitania á de Abril de 170.o,
e conservou-se até 11 de maio de 178Í.
Durante o decurso do anuo de 17o’) D. •losé pro-
mulgou tres alvarás relativos á sorte dos Índios do Dra-
zil.
No primeiro, de A tle Abril, ileclarou que, dese
jando promover cada vez mais a propagaçao da lé ca-
Iholica nos seus dominios, (jueria ([ue (is seus vassallos
da America, <pie casassem com índias, nao licassein
com infamia alguma, antes se tornassem dignos da real
attenção para alcançar empregos, liomcas e dignidades
sem precisarem fazer despesa algnnia; assim como era
sua vontade (jue o mesmo se observasse para com .as
Portuguezas que casassem com índios, sendo estas pre-
rogativas extensivas .aos seus descendentes; deteripinan-
("l Segundo Ponqum, Lns. Kslal.—Tom. d."—Pag.
22 (Ic Abril de 17.o.’'>. Francisco Xavier de Mi
randa líenriques.
Segundo Pomiieii, Lns. Kstat.—Tom. 2."—Pag.
27:i : João Raplista de Quevedo, n II de Janeiro de
17ri!».
— 177—

<lo oalrusiiii (iiiu Ioda a póssòa ijue lhes apiilieassc iio-


iiies injuriosos lòsse lambada íóra da comarca pelo Ou
vidor da iiiesiiia, depois de uma averiguação suiiimaris-
siiiia, e sem apipello nem aggravo.
No segundo, de 7 de Jiiiilio, estabeleceu iuviola-
velmente a liberdade das pessoas e dos bens, assim de
raiz como moveis : o exercicio da agricultura e com-
mercio á favor dos índios do Grãf)-I’arã e Maranhão,
dando-lhes uma forma de governo própria para civilizal-
os e atirahil-os ao grêmio da religião, subtrahindo-os
á Ioda a es|)ecie de jurisdicrão leinp(jral dos missioná
rios Jesuitas. Garmelilas ou do outra quah|iier ordem,
|)ara submettel-os ã olliciaes (umprios, tirados de entre
elles mesmos, lauto militares como civis e iiiunicipa(!s :
c ordenando linalmente (pie fossem estabelecidas fre-
guezias propriamente de índios, com vigários collados,
pagos pela real fazenda.
No terceiro, de 10 de Julho, lastimava que, desde
tantos aimos, tão grande numero de ‘Índios livosse des
cido dos sertõ(;s para as missíãese aldeias, e ijue d’ahi
liouv(!s.sem elles desapparecido iptasi completamente,
com a singularidade de que, os poucos que ainda n’ellas
restavam, viviam pobres e miseráveis; o que, em vez de
convidar os outros a descer, os impedia pele contrario
de_ fazcl-o, licando por essa forma prejudicados a reli
gião e o estado; situação esta que Kl-ltei attribuia á
lalta de execução das leis relativas ã liberdade dos Gen
tios, cstaijelecidas por elle e seus antepassados nos al-
vriras que no presente eram reproduzidos por extenso,
istoê, osdelfi70, i:i87, l.oDíi, IGOO, IGll, I()i7, KidG,
e outros subsequentes. Por este motivo nesse alvará de
10 de Julho loi inviolavehneiite estatuida a liberdatie
dos bens e das pessõas á favor dos índios do Grão-Par i
e Maranhão, com declaração de que queria e ordenava
Sua Magestade que se lhes concedesse essa liberdade,
em toda a sua amplitude, podemlo elles trabalhar ipian-
do e como melhor lhes aprouvesse, e dispôr das .suas
pesssoas como lhes conviesse, á semelhança dos demais
vassallo.s, entre os quaes, e iguaes á elles, viví riam li-
— 178—

ile :idtinmsli'a(]ur..'s, querendo alé que os que liuu-


vessein sido dados como relciis tivessem a taeuldade de
coulinuar ou deixar de u lazer á seu lalanle.
INo quarto fiualmentc, dalado de 8 de Março de
ITliB. era encarecido notavelnienle o determinado nos
precedentes alvarás-, de maneira que, considerando (jue
0 papa Benedicto XIV liavia pela constituição de dü de
lJezeml)ro de 1741 reprovado todos os almsos contra a
librrdade dos índios do tirazil, e condemnado debaixo
(Jíi penas ecclesiasticas a esciavidão das pessoas e a
usurparão d(íS bens dos ditos índios : considerando mais
que :is disposições dos alvarás precedentes, pui)licados
à f^vor dos Indios do ('.rã(j-l’ará e Maranl)ão, seriam com
qrande ulilidaile e (uoveilo ap[)licadas a todos os índios
do Brazd, e que da respectiva í,mneralização proveriam
beneticios reaes á todos os dominios da curôa de Portu
gal, ordenava que suas disposições se extendessem aos
Índios do continente do Brazil, sem restricçao alguma,
e á todos os seus bens tanto de raiz como moveis e se-
moventes, á sua lavoura e commeicio, assim e da mes
ma sorte que se adiava expresso nas ditas leis sem in-
Im-prctnção, modificação ou restricção alguma, quaes-
quer que ollas tossem.
No anuo de 17-09 fõram abolidas no Brazd as Jun-
t;rs lias Missões, em consequência do Alvará de 0 de
Mam ilo armo anlecente, que se mandou fazer extensi
vo <) tod.as as conquistas do Brazil. As cartas de lei
de ti e 7 de Junlio do 17õü, e o Alvará de 17 de Agos
to do mesmo anno, conlirmaram a instituição do l)i-
reclnrio dos Índios creado no Pará pelo ('lovernailor P.a-
piiao-tlencral da dita Capitania, Francisco Xavier de
Mendonça Furtado, á 3 da Maio de 1707. Desde então
rtearam os Índios sujeitos no temporal á seus directo-
res, com recurso de queixa para os Governadores; e no
espiritual aos Curas nomeados pelo Prelado ordinário.
Abnliram-se as aldeias próprias de Indiqs, adoptadas
alé então pelas leis anteriores e pelos Missionários, e fò-
ram substituidas por villas ou povoações onde os índios
viviam de permeio e se achavam em relações immedia-
— 17!)—

Ias i,'(iiii us biaiicos, leinJu seus Senados, seus ofiiciaes


de ('.amaras, [iclos quaes eram juslirados com appelio
para o (Jiividor (leral da comarca.
Ainda principiaram todas estas reformas pelo Icsta-
do do .Maranhão, como já o fizemos notar anteriormen
te, e d’alii se fizeram extensivas ao do Brazil. Kllas vie
ram tarde, si ê que eram capazes de salvar a raça in-
digena da destruição completa de que foi victima. Já
mui poucos Índios tinham sobrevivido ás perseguições
dos colonos, ás moléstias que llies trouxeram do Velho
-Mundo, e aos achaques que n’elles causou o estabele
cimento da civilização européa.
Km virtude dos Alvarás de (jue acima tratámos,
expediram-se ordens ás autoridades do Ceará, pelo Go
vernador geral de Pernambuco, para serem creadas di
versas villas novas de índios na Capitania, sendo tras
ladados todos estes Alvarás acima mencionailos no seu
termo de croação; circumstancia ([ue deu-lhes um carac
ter lio monumento historico muito preciso. No numero
d’e<tas novas villas de Índios conta-se a de Mecejena,
.antiga missão de Paupina, *] compostas das tribus
Panpinae Parna-mirirn, ambas da lingua geral, e admi
nistradas pelos .lesuitas; a de Sonre, antiga missão da
Caueaia, de lingua geral, e lambem adminislrada pelos
Jesnilas; a de Arronches, antiga mis.^ão do Parangaba,
de lingua geral, sendo todas estas tres ereclas em 17.'>S,
com uma legua cm quadro para termo; e a de, Villa-
Viçosa, aiüiga missão dos Jesuilas chamada da Ibiapaba,
na Serra-Grande, crei ta á 7 de Julho de 17,0!) com o
extenso território da antiga missão onde residiam as
tribus de índios Caunocins, Aiiaccs e Acrifis, todas de
lingua travada.
Km virtude das mesmas disposições, foram crea-

í*; Segundo l’om[)ou, Kns. Estat.—Tom. 2."—Pag.


27;i ; A missão de l‘aupina (Mecejan.i) foi erccta cm vil-
la á i;; de Maio de 17.'I!) por acto do Ca|nlão-gencral
Goveenador de Pernambuco, sen 'o inaugnrad.a no í."
de Janeiro do aniifi seguinte.
— 180—

das, I' erocUis ein vdla : a l'i de Aljiil de' 17ü'i,


Balurité no pé da sei’i'a du uiesinu nome, debaixo do ti
tulo de Monle-múr o novo da America, eoiniwndo-se das
Iribus de liiigiia travada tVeiiipapos, Ouixelòs c Caniiides:
eá de .lullio do niesinu aiino, o lüralo, antiga missão
do Miranda, administrada por missionários l’'.arnielitas,
iia qual se reuniram as trilnis de lingua travada Cariris,
Cariús c .lucás.
Todas cilas 1'òram inauguradas pelo Uuvidor A ic-
imino Soares Barbosa, eoníornie ás ordens e provisões
rsperiaes expedidas pelos governadores de Bernainliuco,
buiz Itiugo Lobo da Silva e i). Antonio de Souza Manoel
de Menezes, copciro-inòr e conde de Villa Idur.
Em virtude das mesmas disposições, u Bispo^de
i'crnambuco Eraiiciseo Xavier Aranha rreou em 17.')8
a freguezia de Monle-mòr o velho na antiga missão dos
1’aiaeús, que fôra primitivamente administrada por pa
dres seculares, ao depois por Jesuitas, e linalmente ele
vada á Ireguezia de índios; mas sendo alguns annos
depois esta tribii transportada para a villa de 1’orlo
Alegre, no Rio Grande do Norte, ficou Monte-mór por
algum tempo despovoado, até que fôraiu os Baiaciis
resiituidosá sua antiga missão por ordem do conde de
Villa Flòr. Tomou esta Ireguezia o nome de .Monte-mor
0 velho, cm opposição ã de Baturité, que se chamou
Monte-mór o novo.
Crearam-se mais as íreguezias de Suure ã d de Ee-
v('reiro de 17dí); de Mecejana á Id de Maio do mesmo
aiino; de Arronclies á 21» ilo mesmo mez e anno; e de
villa Viçosa Real lambem no mesmo anno, ficando as
lazendas dos .Icsuilas servindo de supprimenlo ã seus
vigários, que tinham direito ao respectivo uso-lrulo com
o oiius [lorem de deixar sempre as fazendas no [le an
terior em que as tinham rwehido.
A villa da Fortaleza foi lambem creadaséde de uma
nova freguezia, desmembrada da do Aquiraz por provi-
(*) Segundo 1‘ompeu, Eus. Estai.—Tom. 2.°—Fag.
27'i : ã Ti de Outubro do mesmo anno.
— 181 —

são dtí () de Agosto de 1761, compreheiidenilo lodo o li


toral, desde 0 Mundaliú exclusivamenle até a barra do
l’acoty, e as vertentes dos rios e riachos que se lançam
110 mar n’esta parte do litoral. 0 seu terrilorio abran
gia as tres freguezias de índios de Soiire, Ai roncbes e
Mecejana, do mesmo modo que a de .Aquiraz compre-
iieudia as de ftlonte-mór o velho e o novo, que foi crea-
da em Baturitéá 19 de Junho de 1762.
Da freguezia de .Alissão-Velha foi desmembrada em
1768 adü Crato, creada em Março de 1762. Km Almo-
lala, missão dos Tereinembés, índios de lingua trava
da, se creou também uma freguezia de gentios, á 12
de Novembro (^) de 1766, a qual ficava nos limites da
de Amoiilada.
Todas estas creações, tanto de villas como de fre
guezias, são uma prova de que a população ia augmen-
lando com rapidez; e essa medida que se adoptou de
obrigar os índios a viver reunidos em villas, no meio
dos colonos, á quem foram nivelados em direitos, era
uma justiça que ha muito se lhes devera ter feito; assim
como 0 (iar-se-lhes vigários seculares e pól-os sob a
protecção das autoridades civis, judiciaes e ecclesiasti-
cas estabelecidas no paiz. Sem embargo, continuaram a
passar ainda uma vida pobre e miserável no meio da
população branca, e poucos sobreviveram até uma épo
ca mais remota.
Estas novas freguezias de índios tinham parocho
pago peta fazenda real. Algumas d’ellas também tinham
território annoxo, independentemente do território pro-
prio dos índios. Assim a freguezia do Grato, indepen
dentemente das terras próprias dos índios, comprchen-
dia todos os terrenos banhados pelas nascenças do rio
Salgado, do Carité para cima; e as nascenças do rio Ca-
rihú até a barra do Brejo Grande inclusive.
Nu anuo de 1767 foi lambem creada a freguezia de
Ariieiroz, primitivaraente dos índios Jucás e Condadús

(*) Segundo Pompeu, Ens. Estat.—Tom. 2.”—Pag.


27,'); A’ 12 de Setembro.
—18'2—

reunidos eni povoaç/io. Alguns annos depois o Bispo de


Pernambuco L). Tliuniaz ua hicaiiu^ãu, a pedido ilus
moradores do rio .lucã, desligou da freguezia de San’
Mallieus dos Inliamuns o districto das fazendas dos Fei-
tosas, que annexou á dita freguezia dos Índios de Ar-
ueiroz.
Almofala lambem osleve no mesmo caso, assim
como Mecejana. Uuando ulleriormenle se aboliram as
villas de Índios, Iodas estas fôram conservadas assim
como a de Villa-Vdçüsa que compreliendia todo o anti-
1!" lerritoriü das aldeias dos Tubajáras c Tapuias seus

dliadüs; as outras fôram quasi todas suprimidas como o


'eremos adiante.
Todas estas medidas mostram a solicitude com que
os llcis de Portugal se occupavam da sorle dos Indios.
.N’esta quadra assim oliraram pela necessidade de
os subsirabir ao dominio dos .lesuilas. Kstes linliam
desde muito tempo altraiiido sobre si a odiosidade de
loila a clirislandade. Kram aceusados, entre outras mui
tas COUS3S, de lerem-se apoderado na America espa
nhola e porlugueza do espirito dos Índios a quem da
vam uma educarão no simlido de os alienar ce ntra Io
da a jiopulação ínanca, no intuito de estabelecerem en
tre elles uma republica independente regida pelo systè-
ma llumcraliro, isto é pela Fompanliia. Fôram conven
cidos de a lerem ensaiado no Parnguay e no ('.ran’-Pará
Mode armaram, disciplinaram, e ensinaram os Índios na
lai lica européa, e tinalmonle os puzeram em revolta
deridida contra os Reis ile Fspanbae Portugal, á ponto
de eslabelrcerem linhas (|ue os europèos não podiam
transpõe, «oh pena no raso riintrariode serem inassacra-
(ios unde quer que fôssem enronlr.ados. Kra necessária
uma tal reserva para prevenir o descobrimento d'osla
sua tentativa antes de se torem posto fortes e capazes
(1(3 resistir áseus Monarcas.
No Parã d(3srobriu-se a trama por meio de minis
tros ('nvia'los pela Fôrte de Lisbida para de combinarão
com outros inand.ados pela Fôrte de .Madrid, cm virlu-
—183—

ilc dos iraliidus eiilre as duas nações, eslabcdecereiii os


liinilesdas suas possessões.
Os Jesuítas não podoram sem causar suspeitas op-
pôr-se ã entrada da commissão enviada para o liin irnli-
cado, mas tomaram suas medidas para esconder todos
os lios da sua trama, e as apparencias que a poderíam
fazer suspeitar. Tinliam inandãdo retirar para o mais
interior das florestas os tiidios mais civilizados, arma
dos todos e promptos [lara um golpe decisivo. Deixa
ram penetrar a conimissâo demarcadora; mas suscita-
ram-llie por todos os meios embaraços quasi insupe
ráveis c incessanlementc renovados.
Os membros da commissão não obstante as caute
las penetraram a trama e a communicaram ao .Monarca.
Chegaram estas informações no mesmo tempo que ou
tras ainda mais concludentes vindas do Sul onde outros
commissarios, idos ao mesmo fim de determinar os li
mites com a Espanha, fôram repellidos ã mão armada,
e obrigados a mandar vir tropas de ambas as nações
alim de combater os sediciosos capitaneados pelos Je
suítas, os quaes resistiram obstinadamente e disputa
ram o caminho passo á passo. ■ Em consequência fôram
aceusados como rebeldes.
El-Rei de Portugal os temia e os odiava; mas não
tanto quanto seu ministro o .Marquez de Pombal, contra
quem tomaram partido, ligando-se com certos membros
(la alta nobreza. Envolvidos n’uma tentativa de morte
contra El-Rei U. José, foram perseguidos á todo tran
se; c como a Curia Romana se recusasse decretar a sua
extineção, instantemente solicitada pela Còrte de Eis-
bõa, D. José rompeu toda a communic.ação com a Sé
l’ontilicia, e assentou de lançar mão dos meios violen
tos alim de livrar-se de seus inimigos. Inslaurou-se o
jirocessu da tentativa de morte contra S. Magestade, e em
mseipiencia lôram elles julgados criminosos e como
I <

taes coiiilemnados.
Pelo Alvará de 19 de Janeiro de 1739 fôram os Je-
smlas banidos e proscriptos de Portugal e de todos os
dominios da corõa portugueza, o pelo de 3 de Setembro
— 184 —

(lifilaiaJos rebeldes. Irai dores a(lve!'?arios <: n os (]'■


„^^rcssão ieila a ir ssóa in-, 1). áuie c coiisoquenlomonlc
auL'
liaviilospur proscriplos c desnaturalizados,
bin consequência d’isto, recebeu l.uiz Uiogo l obo
da Silva, governador e capilão-general do reinauibuco,
ordem de os prender etn lodo o norte do Brazil; o que
executou com um admiravel segredo, mandando-os li-
rar de todos os lugares cm que elles residiam, e re-
aneller dei)ois para bis!)ôa. lendo lugar esse embaiaiue
no l.° de Maio de 17GO.
Tor outro .\lvarã de 2.'i de Fevereiro fòram os bens
dos Josuilas, consistentes em moveis não destinados ao
culto divino, como mercadorias de cominercio, Inndos
dc terra, casas e rendas de dinheiro que possuiam li
vres c sem encargos pios, considerados como bens de
ausentes c encorporadus ao fisco, revertendo para a co
roa os que ella lhes havia concedido.
Kslas medidas violentas c inesperadas contra uma
companhia religiosa não causou sensação alguma n’um
paiz lão lanalizado como o Brazil. Este indiflerenlismo
foi evidenlemente o resultado do systema de civiliza
rão que cila adoplara c sempre, desenvolvera : systema
que foi reprov.ido pelo mundo inteiro, e especialmenle
peles colonos do Brazil, á cujos interesses elle prejudi
cava e contrariava incessantemenle.
Barece todavia que o governo porluguez não espe
rava conseguir facilmente tão completa vicloria; receiou
opposição, tanto que mandou publicar e regisipr em
bodas as Secretarias e Camaras dos dominios por
ordem de S. Magestade uma longa aceusação con
tra os Josuilas, debaixo do titulo de « Collecção dos
Breves Ponlificios, e leis regias que foram expedidas
desde 0 anno de 1741 sobre as liberdades das pessõas,
bens, e commercio dos índios do Brazil;—Dos excessos
gue n'aqaelle Estado obraram os Padres da Companhia
de Jesus;—Das representações que S. Magestade Fide-
hssima fez ü Santa Sé A poslolica sobre esta matéria até
a expedição do Breve que ordenou a reforma dos ditos
regulares;—Dos procèdiinenlos que com elles praticou o
—183—

Eminenlissimo e Reverendissimo reformador;—Dos ab


surdos em que se precipüaram os ditos regulares, com
0 estimulo da reforma, até o horroroso insulto de 3 de
Setembro de 1 /38;—Das sentenças que sobre elles se pro
feriram;—Das ordens reaes que depois da sentença se
publicararn;—Das relações que a filial veneração d'El
Rei Fidelissimo fez ao Papa de tudo o que havia orde
nado sobre o mesmo insulto e suas circonstancias;—E da
participação que o mesmo Monarca fez ao Eminenlissi-
mo e Reverendissimo Cardeal reformador, e mais pre
lados diocesanos d’estes Reinos;—Das ultimas e finaes
resoluções que tomou para expulsar dos seus Reinos e
dominios os ditos regulares; impressa na Secretaria do
Estado por especial ordem de S. Magestade. »
Eis 0 inclice dos documentos que contém a dita
obra :
« l.°—Breve que o Santo Padre Benedicto XIV ex
pediu aos Prelados do Brazil, clamando contra a escra-
vidão dos Índios, e violências que llies faziam; Prohi-
bição das ditas sob pêna de excomunhão. Appello á pie
dade d’EI-Kei D. João V para cohibir pelos seus Minis
tros e odiciaes aquellas extorsões.
"2.”—hei de () de Junho de \1\V, pela qual El Ilei
no espirito da sobiedita Bulla excitou a observância
d elia, e de todas as Bullas Pontilicias, e leis regias que
tinham precedido, para restituir aos índios do (Iran-
Para e Alaranhão a liberdade de suas pessoas, bens e
ccmmcrcio.
3.°—hei de 7 de Junho de 1743 pela qual 0 mes-
mo Monarca excitou também a inviolável observância de
nutra lei de 1033 que havia estabelecido que os índios
fossem governados no temporal pelos (leneraes e Minis
tros d'a(|uelle Estado, e seus principaes ou chefes nacio-
naes, com inhibição do governo temporal aos Mi.ssiona-
rios regulares, que o não podiam exercer conforme o
direito commum e suas constituições religiosas.
4.”—Relação abhreviada da Republica que os Je-
suitas de Portugal e Espanha estabeleceram nos domi
nios ultramarinos das duas Monarchias; e lia guerra
—1so

que ncllcs tcui movido conlra os exercites d’estes dous


Monarcas, compilada na Secretaria do Hstado no mez
de Setembro de 1737 pelos originaes que n’ellase acbam
existentes.
Inslrucção que S. Magestade mandou expedir
a 8 de Outubro de 1737 a Francisco de Almeida de
Mendonça, seu ministro na Curia Romana, sobre as de
sordens que os Missionários Jesuitas tinham feito no Reino
do Brazil, para as apresentar ao Santo Padre Benedicto
XIV, com relação abbreviada dos insultos que os mes-
mos Religiosos haviam feito no Norte e no Sul da Ame
rica Portugueza. .
0/’—instrucção dirigida á 10 de Fevereiro de d7o8
ao mesmo Ministro de S. Magestade Fidelissima na Cu
ria Romana, informando-o das desordens que até aquelle
tempo haviam accumulado os ditos Jesuitas aos muitos
alisurdos em que se tinham precipitado nos dominios
ultramarinos d’esta Monarchia, quando S. Magestade se
viu obrigado a informar o Santo Padre Benedicto XIV
dos insultos dos ditos Religiosos, pela outra carta ins-
truetiva de 8 de Outubro de 1737, a qual se acha acima
referida.
7/_Breve de 1." de Ahril de 1738 pelo qual o
Santo Padre Benedicto XIV, sobre as instâncias d’El Rei
Fidelissimo contendas nas suas cartas acima, constiluiu
0 Eininenlissimo Cardeal Saldanha visitador e reforma
dor geral da Companliia de Jesus n’esles Reinos de Por
tugal e seus dominios.
—Mandamento do mesmo Eminentissimo Cardeal
visitador e reformador geral, expedido em 13 de Maio
de 1738 para suspender o escandaloso commercio que
os ditos regulares da Companhia de Jesus estavam pu-
blicainente fazendo nos referidos Reinos e seus domi-
mos.
í)."—Edital que o Eminentissimo Cardeal Manoel
publicou a 7 de Junho de 1738 para suspender os ditos
Religiosos dos exercicios de confessar c pregar no seu
Patriarchádo, como praticaram os outros Prelados d’es-
les Reinos.
—187—

10.*—Memorial que loi apresentado em 31 de Julho


de 1758 ao Santo Padre Clemente XIII pelo Geral da
Companhia, para revogar o Breve da reforma, e parecer
ou voto que sobre o mesmo memorial se interpoz na
Congregação que o mesmo Santo Padre convocou para se
considerar o mesmo memorial.
ll.°—Edital regio publicado em 13 de Dezembro
de 1738, em que foram presos os principaes réus do
sacrilego insulto commeltido em 3 de Setembro do mes
mo anno na sacra real pessoa de Sua .Magestade Fidelis-
sima, para se acabarem de descobir os réos d’aquelle
horroroso atlentado que ainda se achavam occultos.
12.”—Sentenças que em 12 de Janeiro dc 1739
proferiu a suprema Junta de Inconfidência contra os réos
do mesmo atlentado, deferindo na primeira á justa e
zelos a representação do povo de Lisboa em que reque
ria que os réos de tão horrendo crime fôsseoi primiti
vamente exautorados da honra da naturalidade de vas-
sallos deste Reino; e passando a julgar na segunda a
causa nos seus merecimentos.
13."—Carta Regia expedida a 19 de Janeiro de
1759 aos dous Chancelleres das Relações de Lisbôa e do
Porto para reclusão das pessóas e sequestro dos bens dos
Regulares da Companhia de Jesus que haviauí machi-
nado, persuadido, e incitado a conjuração que abortou
deste execrando delicto.
14.°—Carla Regia do mesmo dia 19 de Janeiro
de 1739 a todos os Prelados diocesanos d’este Reino,
participando os erros impios e sediciosos que haviam se-
meiailo os ditos Jesuilas afim de que preservassem suas
ovelhas le tão venenoso contagio; o papel em que fo
ram declara los os ditos erros impios, eas pastoraes dos
mesmos pndalos para pre.servarem as suas ovelhas de
tão mortal veneno.
13."—C,arla Regia dirigida a 20 de Abril de 1739
ao Santo Padre Clemente XIII por El Rei Fidelissimo
sobre o ultimo estado da Companhia de Jesus nestes
Reinos, sobre as resoluções que S. .Magestade havia to
mado a respeito d’ella, até a presente época, e sobre a
188

jiisliça coui que S. Mageslade esperava que em tão


horroroso altentatlo não llie faltasse a paternal e apos
tólica cooperação de Sua Sanclidade.
1G.°—Supplica recommendada na mesma Carta Re
gia, que em l.o de Abril do mesmo anno havia feito ao
Santo Padre o Procurador da Corôa para que em um
caso de tanta atrocidade não faltasse o beneplácito a-
poslolico, e a providencia do Summo Sacerdócio para o
castigo dos réos que eram regulares.
17.°—Deducção ou promemoria lambem olTerecida
a Sua Sanlidatle na Carta Regia, contendo o exlracto ou
(Diiipeiidio de todos os factos n ella enumerados; ou re-
: '. lo do que tinha precedido, desde a e.xpulsão dos con-
icssores .lesuilas que S. Magestade mandou satiir de seu
Palacio até aquella hora.
18.”—Carla de S. .Magestade dirigida em 3 de Se
tembro de 1739 ao Eminentissimo Cardeal Patriarcha de
Lisboa, reformador da dita Companhia de Jesus, com os
motivos de proscripção, <lesnaluralisação e expulsão da
mesma Companhia de Jesus d’estes reinos e seus do-
minios.
19.°—Carla Regia do mesmo Monarca em G de Se
tembro de 1739 ao mesuio Cardeal Patriarcha, para en
carregar a administração assim das igrejas, como edifí
cios, casas professas, collegios, e noviciados dos sobre-
'l'los Jesuitas expulsos, que se acham no lerrilorio do
inoçmo Pntriarchado, ás pessoas ecclesiasticas que lhe
,'.aeccr nomear para tal eíTeilo.
20.”—Lei de 3 de Setembro do mesmo anno para
1 proscripção, desnaluralisação e expulsão dos sobredi-
los regulares d’estcs Reinos e seus dominios.
21.°—Alvará pelo qual S. .Magestade mandou guar
dar em cofre de 8 chaves na Torre do Tomho, em to
dos os Iribunaes, em todas as Camaras das cidades e
villas d’este Reino a collecção em que mandou compilar
todos os papéis que sahiram da Secretaria do Estado e
a ella vieram desde a primeira representação que ao
Papa Benediclo XIV fez o mesmo Sr., em 8 de Outubro
de 1737, sobre os attenlados que haviam coramoltido
—189—

nestes Reinos e seus domínios os regulares da Compa


nhia de Jesus.
—Pastoral do Eminentíssimo Cardeal Patriar-
cha, pela qual ordenou aos diocesanos que se apartas
sem de toda a communicação com os sobreditos regu
lares, pedindo á L)eus que os illuininasse para se resti-
tuireni á observância do seu santo instituto. »
Tal é 0 summario ou indice das peças que compõem
esta obra volumosa, cujo estylo exagerado no cuidado
que nelle se toma para tornar patente aos povos a con-
ducta dos Jesuítas, e indispol-os contra os mesmos, mos
tra claramente o quanto se interessava o governo em
aniquilar esta Companhia, e em salvar as susceptibili
dades que os meios empregados para este lim podiam
offender.
Acha-se registrada nos livros dasCamaras, em 1767,
a provisão do padre João do Valle, que foi mandado de
Pernambuco para tomar couta dos bens do extincto col-
legio de Aquiraz.
Em 1763 houve um desaguisado entre o Governa
dor João Parthazar de Quevedo e o Ouvidor Dr. Victo-
rino Soares Barbosa, desaguisado que chegou aos mais
lastimáveis extremos, à ponto do Ouvidor escrever ao
Governador Capitão-Geral de Pernambuco queixando-se
do dito Capitão-mor, que aceusou-o á seu turno com do
cumentos comprobatorios d’elle ter querido mandal-o
assassinar, fundando sua queixa em carta< dirigidas á
pessoas a quem convidava para este attentado. Esta quei
xa ê datada de 9 de Fevereiro de 1763. A 16 de Ou
tubro de 1761 deu uma outra queixa esse mesmo Ou
vidor das arbitrariedades comincttidas pelo commandan-
te da fortaleza do Ceará, ã quem attribuia relaxação na
guarda dos presos da mesma fortaleza; aos quaes, com
risco de os deixar fugir, transferia de uma cadeia para
outra, em contravençã > ás sentenças dos magistrados;
e aceusando linalmente esse oBicial de fazer todas estas
cousas por acinte ã sua Jurisdicção, como, por exemplo,
trazer presos algemados ou em ferros, sem haver para
isto 0 menor motivo.
—190—

N’nm edital com data de 30 de Outubro de 1765


0 Governador do Ceará Antonio José Vicloriano Borges
da Fonseca recommenda uovamenle a juncção dos índios
em povoações, ordenando que se fizesse effectivò o cas
tigo das pessoas que os delivessem e excitassem á deso
bediência, acoitando-os ou sequestrando-os de sob a le
gitima administração dos seus chefes.
Aos 9 de Novembro do mesmo anno 17G5 foi re
gistrado no Icó um alvará, creando nos lugares onde não
havia relação, juntas presididas pelos Ouvidores, afim
de conhecer das causas ecclesiasticas, previnir e reme
diar os abusos escandalosos, que no clero ia a cubiça
desenvolvendo n’umà escala amplamente asceüdente. Mas
resultou d'ahi que os padres e as ordens religiosas re-
calcitraram contra os magistrados, aos quaes lançavam
excommunhão e faziam outras violências idênticas, exci
tando até contra elles o fanatismo das populações igno
rantes, em represália de sentenças que lhes eram ful
minadas em matéria civil e criminal. El-Rei portanto,
pela Carta de 7 de Dezembro de 1765, reservou-se o
conhecimento immediato de todos os casos de excommu
nhão contra os tribunaes,. ministros, magistrados e mais
officiaes de justiça, afim de acautelar os direitos tem-
poraes d’aquelles seus súbditos em competência com os
leigos.
N’esle mesmo anno uma carta regia foi publicada re
gulando as heranças nas farnilias, e anniilando os testa
mentos à favor das corporações religiosas; no que ia
abusando o clero regular muito escandalosamente; e à
2 de Jufho do seguinte anno de 1766 uma outra carta
regia appareceu impondo a obrigação de todos os vaga
bundos e vadios viverem em aldeias ou povoações de
mais de cincoenta fogos, onde houvessem camaras, juizes
ordinários e mais vereadores; e autorisando os roceiros,
rancheiros, e bandeiras a prenderein-n’os onde quer
que os encontrassem e a recolherem-nos ás prisões das
(itas povoações. Como corollario d’esta lei, foram crea-
das diversas povoações na Capitania; o que se collige
d’uma reclamação da parte do Senado do Ic<), por ser
—191—

uljfigado ;i sustentar no Arneirüz, antiga missão dos Ju


cás, e em S. Matheus, pontos longinquos (; desertos, po-
voações que seriam muito mais convenienteiiientc collo-
cadas em outros lugares, como a Tellia ou a Manga-
beira, onde havia liomens para juizes e vereadores.
Km 1760 este mesmo Senado do Icó determinou
em vereação, que todos os habitantes do termo matas
sem uin certo numero de periquitos annualmente, e a-
presentassem as cabeças ao seu procurador que d’ellas
daria recibo com comminação de uma multa pecuniá
ria, alini de ver se por este meio se diminuia a innu-
meravel quantidade d’este passaro damninbo, que cau
sava e ainda hoje causa grandes prejuizos ás rocas. Co-
brou-se este imposto durante alguns annos, mas aci de
pois foi cabindo em desuso.
Desde a creação da vi 11a do Icó, que o governo e
os ouvidores trabalhavam ardentemente para conseguir
dos ditos habitantes do termo do centro a sua concur-
rencia, afim de ser edificada na cabeça do mesmo ter
mo uma cadeia e uma casa de paços do Senado. Kste
fizera uma derrama de seis mil cruzados de finta entre
elles; mas essa derrama havia sido cobrada com muito
custo c irregularidade; e no entretanto era necessidade
urgente a e.vistencia de uma cadeia no centro da pro
víncia, visto que os presos recolhidos em casas pouco
seguras, fugiam á cada momento, ou eram tiradus á
força de armas, com grande escandalo e detrimento da
justiça.
Assentou-se por tanto na capital da capitania de
obrigar o Icó e seu termo a cdilicar um prédio que ser
visse para cadeia e para casa de paços do Senado. O Ou
vidor Victorino Soares Barbosa marulou cobrar á risca a
finta lançada anteriormente, e seus successores e.Kigiram
com rigor Iodas as multas impostas pelo Senado, de
modo que i om estes fundos maiidou-se dar principio á
obra em J7H0.
Ksta obra teve um andamento bão moroso que em
1798, acliando-se ainda incompleta, o Ouvidor José Vic-
toriano da Silveira, para poder dar-lbe impulso, lem-
—192—

1irou-?c (le mandar col)rar os atrasados das multas de


cabeças de periquitos esquecidas desde muitos annos,
incumbindo esta missão ã um capitão que era juiz or
dinário. denotne lloberto Correia da Silva, o quaUam-
bcm ficou encarregado da direcção e administração da
obra. Foi tão rigoroso e inexorável este homem na co
brança das íUtas e multas que os povos do termo vota-
ram-lhe um odio execrando; tanto assim que, por causa
d’isto mesmo, querendo o Ouvidor que elle continuasse
a exercer as mesmas funcções, viu-se forçado a viciar
os pelouros, de maneira que sabindo segunda vez o no-
me do capitão Roberto para servir outro anno do tnen-
nio, 0 povo amotinou-se contra esta illegalidade, e to-
mou tal attitude hostil que, para acalmal-o e prevmir
que rompesse em excessos, foi preciso que o Senado an-
nullasse a eleição de pelouros e procedesse à uma no-
va volação unanime do Senado com as tres ordens reu
nidas cm camara. Não obstante representaram ao go
verno, dando-lbe parte do occorrido, e declarando que
eram desnecessárias leis, se um Ouvidor podia despre-
sal-as e dar tão rnáo exemplo ao povo; que então seria
muito melhor que o governo mesmo nomeasse empre
gados, porque o povo os aceitaria sem replica; mas que
no caso de sc executar a lei ã respeito das eleições, es
tas haviam de ser genuinas.
O Ouvidor ja se havia retirado do Icò; mas o povo
estava tão exasperado contra o capitão Roberto, que o
accusou de ter, durante a sua administração, roubado
os dinheiros do Senado de combinação com aquelle ma
gistrado. Todavia. d’este só se tratava pela bocca peque
na. de maneira que toda a culpabilidade era lançada
sobre o dito capitão Roberto.
Em attenção ã esta voz do povo, o Juiz ordinarm
examinou as contas apresentadas por ello, e como não
as aciiasse exactas, condemnou-o a ser preso, ü Gover
nador. que n'estc tempo era Rernardo Manoel de Va_s-
concellos, mandou sobr'eslar por um ollicio á execução
d'esta sentença, até que o Ouvidor, que andava em cor-
reição, chegasse ao Icò para tomar conhecimento d a-
— 193—

(juella emergeticia. l>e fado, na cuireição de Iiuzembro


de 1800 0 ••uvidor José Victoriano da Silveira, verili-
cando as conlas do administrador, ronlirmou a condem-
nação á prisão e livramento por causa de inexactidão
n’ellas.
A casa do paço do Senado e a cadeia tiveram ü-
nalmento fim, concluindo-se as respectivas obras.
0 anno de 1777 á 1778 foi assignalado nos annaes
d’esta Capitania por uma rigorosa sêcca causadora de
iminensos prejuisos. Parece que não se sentiu tanto a
carência de viveres para a população, quanto a falta de
vastagem para os animaes domésticos. Us assentos dos
ivros da collectoria da Fazenda declaram que o gado
de toda a Capitania de Pernambuco e suas annexas, Pa-
raliyba, Rio Grande, Ceará, e Alagoas acliou-se reduzi
do á uma oitava parte do que costumava ser nos annus
anteriores.
Ao Dr. Victoriuo Soares Barljosa succedeu o Ouvi
dor João da Cosia Carneiro de Sd, que tomou conta no
l.” de Janeiro de 1770, e entregou a vara em 13 dc
Maio de 1777 (’j ao Or. -Cosé da Cosia Dias e Barros,
que foi substituiiio por Felix Alexandre da Cosia Tava
res em :2o de Junho de 1780; e á csli; segniu-se André
Ferreira de Almeida Guimarães em data de 2Ü de .Maio
de. 1782.
Depois de 7 annos de exercido entregou este Ou
vidor avara ao Dr. Miguel de Magalhães Pinto de Ave
lar Derbedo, á 25 de Janeiro do 1780; succedendo-o
José Viclorino da Silveira ii Ifi de .Novembro di' 1793.
Tomou conta á 20 de Fevereiro de 1801 o Dr. Manuel
Leocadio Badengiier, o qual, depois de apenas um anuo
de exercido, entregou a vara ao Dr. Gregorio José da
Silva Coulinho em 1802;
No anuo de 1782 succedeu no posto dc C.apilão-
mór da Capibinia á Antoiiio Victorino Rorges da Fonst^-
ca 0 Capil:io-múr João Uaptista de Azevedo- Coulinho
(*; Segundo Pom[*eu, F.ns. Estat.-—Tom. 2.“—Pag.
270 ; ã li de .Março do mesm») anno.
—194—

Uonlauri, que ã 9 de Novembro de 1789 fez entrega do


governo ao ultimo Governador subalterno, Luiz da Mot-
ta Fêo e Torres.
Depois do estabelecimento da freguezia de Almofala,
em 1766, creou-se mais a do Aracaty desmembrada d’a-
quella das Russas, comprehendendo todo o litoral des
de 0 Pirangi até o Mossoró, e todas as vertentes do Pa‘
lhano, dividindo com Russas por uma linha de nascente
á poente, e passando da serra do Apodi pela ilha do Po
ro, Bento Pereira, até encontrar as vertentes do Palha-
no; teye lugar esta creação por provisão de 20 de Junho
de 1780.
Continuando os índios aldeados em Ameiroz a se
entregarem aos furtos de gados, alienaram-se por tal for
ma os espiritos de seus visinhos os Feitosas que, em
paga dos prejuizos que lhes causavam, deram fim d’elles
pelo assassinato. Informado d’isto o Governador de Per
nambuco D. José Cesar de Menezes, passou ordem ao
Ouvidor geral do Ceará José da Costa Dias e Barros de
tirar os ditos índios da povoação do Arneiroz, afim de
leval-os para alguma das villas próximas á capital, or
dem esta que foi executada em 1780. Em consequência
ficou Arneiroz sem índios e a freguezia sem parocho;
mas por ordem de 13 de Novembro de 1783 o Bispo D.
Thomaz da Encarnação desmembrou da freguezia de San’
Matheus dos Inhamuns todas as nascenças do Rio Ja-
guaribe e suas vertentes, do Riacho de Santo Antonio
para cima, afim de formar no Arneiroz um curato amo-
vivel, 0 que foi posto em execução no anno seguinte,
servindo de Matriz a antiga capella dos índios, debaixo
da invocação de Nossa Senhora da Paz. Na mesma occa-
sião fóram também tirados os índios Cariris do Crato e
remettidos para perto da capital. Já se achavam redu
zidos a mui pequeno numero; nas villas de Soure, Ar-
ronches, Mecejana e Monle-mór, a miséria, a preguiça
e as epidemias acabaram de os destruir. Triste fado
d’estes miseráveis que não cessou de os opprimir,
em quanto não desappareceram completamente da face
d’esta sua terra natal 1
—195—

Por pi'ovisão de 0 de Abril de 1784 foi desmembrada


da fregueziado Icó, para formar a nova freguezia do
Riacho do Sangue, toda a ribeira do Jaguaribe e aquel-
les seus aíiluentes que se lançam n’elle, desde o Jun-
queiro até a povoação da Bôa-Vista.
Em 1773 Sobral, cujo termo foi segregado daquelle
de Aquiraz, ficando com todo o litoral, desde o Mun-
dahú até o rio da Parnahyba, com as vertentes dos rios
que se lançam ao mar n’esta costa.
Em 1776, por Alvará de 29 de Julho, (*j a povoação
do Curuahú, com a denominação de Granja, sendo ti
rado 0 seu território do termo de Sobral. Ficou esta vil-
la com a bacia do Curuahú, e as dos mais rins e riachos
que se lançam ao mar entre a barra do Camocim ou do
Curuahú e o braço oriental do Rio l’arnahyba.
Por Carta Regia de 13 de Junho de 1789 foi man
dada crear uma nova vil Ia e termo no interior d esta Ca
pitania, com 0 titulo de Villa-nova de Santo Antonio de
Quixerainobim, segregando-se o respectivo termo do
d’Aracaty, e dando-se-lhe por território todas as cabecei
ras do Banabuiú e do Setiá inclusivamente para cima, e
ainda as nascenças do rio Chnró.
E’ notável a Carta Regia que foi mandada ao Ca-
pitãü-general de Pernambuco, ordenando-lhe a erecção
d’esta novavilla « para o fim de se recolhera ella os
vadios, malfeitores e vagabundos que infestam o paiz
com roubos, assassinios e toda a qualidade de crimes
atroses, sob pena de serem considerados como relapsos,
e suas prisões recommendadas a todas as autoridades
civis e militares; aos roceiros, fazendeiros, rancheiros e
chefes de bandeiras, com ordem de os remelter para a
dita nova villa, ou outro qualquer povoado que tenha
para cima de cem fogos, Senado, e autoridades civis e
criminaes. »
Em 12 de .Maio de 1791 a Villa-Nova d’El-Rei. des
membrado seu termo do de Sobral. Este termo com-

(’) Segundo Pompeu, Ens. Eslat.—Torn.2.°—Pag.


276 : á 27 de Junho do mesmo anno.
—19G—

puz-se das vertentes do Rio Acaracú, da Barra do Maca


co para cima, tanto no sertão como na chapada da serra
da Ibiapaba.
No anno de 1792 para 1793 reinou em toda a Ca
pitania do Ceará e suas circumvizinhas uma sêcca das
mais rigorosas, sobre a qual tem-se escripto com algu
ma exageração. Aires Casal na sua cliorographia bra-
zileira diz que n’esta Capitania do Ceará sete fregueziaâ'
fôrara tão liorrorosamente flagelladas que n’ellas não
ticou alnaa viva. Esta asserção é completamente desmen
tida pelos anciãos que viviam nesta épocha, os quaes
negam que uma só freguezia ficasse reduzida á este
estado de despovoação. Nem a carta que o Governa
dor geral de Pernambuco escreveu ao ministro de Por
tugal allirma que na sua Capitania e suas annexas, in-
clusivamente o Ceará, morresse á falta de alimentos mais
de um terço da população. Parece ainda haver exa
geração n’este computo, porque as pessoas que presen
ciaram esta calamidade referem que morreu grande
parte do gado existente n’esta Capitania, e que se sen
tiu grande carência de generos alimenticios, mas que
nem por isso a mortandade foi tão crescida como se
diz.
Os antigos terços de tropa paga no Brazil fôram
arregimentados por ordem regia de 29 de Outubro de
1749, subsistindo porém como d’antes, com os seus mes
tres de campo, os terços auxiliares, especie de reserva
militar de que se lançava mão nos casos urgentes e
apertados; e em virtude da carta regia de 7 de Agosto
de 1797, foram esses mestres* de campo substituidos por
coronéis, e aquella denominação de auxiliares modifica
da em milicias, de modo que chamaram-se regimentos
de milícias aos antigos terços auxiliares, e coronéis
aos antigos mestres de campo.
Ckmtinuando os Bispos, não obstante o Alvará de
14 de Abril de 1781, a prover as freguezias com vigá
rios amovivcis, como era costume no tempo primitivo,
em que aquellas eram verdadeiros oratorios ambulan
tes. ü. Mana aboliu em 1797 tal uso, que se conserva-
— 197—

vaparaolini de auguientareui-se as leiidás das caiiia-


ras ecciosiaslicas, por meio (ia innllipiici(i;ide ou suc-
cessão das provisões : e mandou que se pre^esseui ron:
vigários collados Iodas as matrizes fixas, oslabelerid is
em povoaç(jes permanentes, concedendo acjs vigários uma
congrua paga pela fazenda real. .Mandou mais (jue as
Ireguezias se pozessem á concurso, e qtio as propostas
dos approvados se fizessem por intermédio da mesa de
consciência e ordens, e que os Bispos informassem que
congruas se deveriam estabelecer.
Ksta medida era reclamada desde muito tem
po, pois aclici na Camara do Icó diversas representa
ções feitas durante o .WIII século aos .Monarcas, para
lhes pedir vigários collados, em lugar dos amoviveis,
que só tratavam de aproveitar o tempo do seu provi
mento para adquirir fazenda, não sc importando com
os damnos que dain rosultavam para os povos. Desta
data em diante c que fòram as Ireguezias do Ceará pro
vidas com vigários collados, por quanto antes d’isto só
0 eram o de S. .fosé do Aquiraz, e aquelles das Iregue
zias propriamente de índios, que só tinham por terri
tório a vil Ia ou aldeia india com a zona de uma legua
quadrada.
Cm Dezembro de 1708 tomou posse da S(.'( episco
pal de Olinda D. Josij Joaquim da Cunlia de Azeredo
Coulinlio, illustre brazileiro ijue prestou relevantes ser-
vi(;.os á Pernambuco durante o pouco tempo (jue exer
ceu 0 cpiscopado; e em 1799 fui autorizado a eleger
examinadores seculares regulares para os concursos.
Foi este pastor o fundador e creador do seminário
de Olinda, que passa por ter sido a mellior casa de
educação secundaria que houve até enião nu Brazil-, e.
como membro do governo interino de Pernambuco,
estabeleceu no? diversos termo? da diocese contribuições
para coadjuvar a fundação e prover a manutenção do
dito seminário.
No Icó foi estabelecida uma balança para se pesar
todos os algodões do termo, pag:mdo-?e uin lauto por
arroba; eesta medida foi submettida á approvação do
—198—

Senado reunido em oamara, com assistência das tres or


dens. O povo, porém, que a’esle anno de 1799 estava
muito sobrecarregado de fintas e multas extorquidas
pelo capitão Roberto Correia da Silva para a edificação
da cadeia, araotinou-se e declarou era voz em grita que
Qão consentia em tal imposto; debalde o Ouvidor José
Victorino da Silveira, que estava presidindo a sessão,
procurou restabelecer a ordem; o povo já corria às ar
mas para arrancar da cadeia dous vereadores que elle
mandara prender por terem fallado em camara contra a
adopção do imposto, quando o capitão-mór José Bernar
do Nogueira que, dizem, fôra autor do motim dirigiu-se
aos amotinados, e acalmou-os, promettendo-lhes que
não se trataria mais de semelhante imposto.
O Ouvidor ficou tão aterrado pelo estado de exal
tação da populaça que, julgando difiicil escapar de se
melhante perigo, lançou-se de joelhos no meio da sala,
e fez á Nossa Senhora do Rosário o celebre voto de ir
rezar na sua capella, se o fizesse sahir são e salvo de
tão arriscado lance. Celebre tentação armada á esta divi
na Senhora que,enjoada (pensava elle sem duvida) de não
ver senão pretos prosirarem-se no pavimento de seu
templo, devia-se considerar muito gloriosa de testemu
nhar um Ouvidor d’estes curvar a cabeça perante ella,
batemos peitos e render-lhe homenagem; um Ouvidor
tão corrupto, que diz o reverendo Dr. Thomaz Pompeu
de Souza Brazil haver encontrado nos livros da junta da
fazenda um assento que o dá como o ladrão mais es
candaloso que passou de Portugal ao Brazil.
Com effeito, elle vendeu a justiça, delapidou os di-
nheiros públicos, e portou-se como um verdadeiro pa-
chá.
O povo rctirou-se afinal, e o Ouvidor continuou a
sua correição sem mais se occupar da dita balança.

—'VíWkAA/'^
CAPITULO XI.

ladiependencia e desligaeSo ifesta Capita


nia do Ceará da de Pernambuco—S#ens
Governadores independentes.

^/W\/’iAA/v^

Desde a época de seu descohrinienlo até sua inva


são pelos hollaudezes, o Ceará representou na historia
um papel quasi insignificante; formava uma Capitania
nominal com mui pouca população hranca; consistia
ella n’uma fortaleza de pedras soltas, cuja guarni
ção vinha de Pernambuco e era anruialinentc reno
vada, e em alguns outros presidios ainda menos im-
porlantes. Nas varzeas do .Taguaribe e do alguns outros
rios menos consideráveis uns Per nambucanos ou l’ara-
hylianos vieram estabelecer fazendas de criar, que hí-
l am pros lerando; mas ainda eram pouco numerosas.
Os hollaudezes occuparam dur ante alguns annos os pre
sidios do litoral; mas não se estenderam para o interior.
-200-

0 iião iiiíiüielaram os donot; das fazendas já eslaheleei-


das. Depois de sua expulsão, o Ceara lernou nouiinal-
raciilc á seu antigo estado de annexação ao Estado do
Marantião, posto que de facto continuasse a receber
guarnição de fernambuco, e mesmo para lá recorresse
em quasi todas as oceurrencias. Em 1(180, foi desanne-
xado do Estado do Maranhão e reunido como Capita
nia secundaria á de Pernambuco. Os Portuguezes, inlor-
mados da grande conveniência dos terrenos do interior
para a ci iação dos gados vaceum e cavallar, allluiram
para estabelecer novas fazendas de criar, tirando primei
ramente datas de sesmaria, ou doações pôr pedidos di
rigidos ao Monarca. Acompanharam os Jesuitas nas
suas entradas pelo interior, quando ião estes estabelecer
missões para cliamar os índios ao C.hristianismo.
De[)ois da annexação á Pernambuco, o (ieara tor-
nnu-se um disiricto ii’esta Capitania, e seus CapiCães-
mores no principio apenas tinham jurisdicção militar
nas fortalezas e prçsidios da mesfna, para conter os
índios e impedir os estrangeiros de virem .commerciar
com elles, ou tentar algum estabelecimento no paiz.
Esta jm isilicção foi-se ampliando com o tí'mpo, e pou
co c pouco a administração civil. Os Capitães-generacs
de Pernambuco fôrain cedendo de algumas de suas al-
tribiiições á favor dos (fapitâes-mures com o lim de fa
vorecer a administração interior, cuja necessidade ia se
manifestando ao passo qiie a populaçao augmenlava.
A administração da justiça dependia dos magistrados
I' .liiizes de 1’ernambuco que, em razão da distancia, pouco
i'U iienlium caso faziam d’esta Capitania; iiunca vinham em

correição, e apenas nomeavam alguns juizes de dislriCn


lo qu(,‘ administravam a justiça com uma irregularidade
exlranrdinaria, e ainda súmente nos pontos proximos da
Fortaleza, porque não s ; atreviam a penetrar para o in
terior.
Como nos lins do XVII secnlo fõsse progredindo
a colonização, augmentando a população c prosperando
a criação do g;ido, creou-sc em principio do XVIII sé
culo no Aíjuiraz, 7 léguas distante da Eortajeza, uma vil-
—Í201 —

la c toriiiu L'i)mi)roliL'iulemlo loilo u lei ritorii) da Capitania,


(li,'pon(lcii'Jo priiuilivamenle do? Ouvidores de l*('rnainbu-
cü que imnca lã IVu ain: erii consequência passou poucos
annos depois a pertencer á Ouvidoria da rarahvlia. Como
os mesmos abusos continuassem ,i dar-se, o os distúrbios
incessantes e graves do principio ilo século musirassem a
necessidade de cslab decer na Capitania um exereicioda
justiça prompto e energico, afim de lazer cessar a anar-
cliia, creou-se uma Ouvidoria geral de toda a Capitania,
lim termo era [loiico, muito emboiu o Senado do .\qui-
raz mandasse para os diversos pontos .Inizes ambulan
tes de dislricto denominados .Inizes l'cdaneos: elles
abusavam quanto queriam pelo Tacto de se acharem lon
ge das vistas do Ouvidor e do Senado; Toi pins reconhe
cida anecossidede de um termo central, e foi o Icú es
colhido para ,séde dVdIe.
.lã 0 Cearã ia adipiiriiido maiia- importância, mas
sempre conservava uma posição secundaria, como abso-
Inlamente dependente de l'ernnmbnco, exceplo no .iudi-
eial. Como lal não tinha Secretaria do governo, poniue
os l^apitães-móres sendo delegados dos Ciovernadon“s de
Ccrnambnro apenas linliam correspondência com elles,
e esla qnasi particular; por esta razão não ha nos ar-
cliivus ( O governo do C.oar.á documento algum que possa
guiar no estudo da historia daqiielles tempos. Os úni
cos documentos que se imssam colher se acham nos ar-
I liivos lias Camaras; gei.almente são elles muito incom
pletos e maltratados em razão do deleixo d’eslas corpo
rações. .Nos arrliivos da 1’rovedoria da lleal l■'azenda é
que se acham documentos mais preciosos; mas estes da
tam Somente de I72!J em vante. Como o negocio todo
da (iOloiiia em relação á mãi patria não ma senão ques
tão ih' (linlmiro, nas l op.irtiçõos da fazend i se reclama
va miiila |•|;g^la^idade nas cobranças, muita |)arcimü-
nia nos gastos e giande regularidade na escrqduraçãu,
afim de prevenir os abusos, e de podel-os descobrir
quando existissem; e como a cõrte de l’ortngal sempre
conservasse o costume de motivar os seus feitos nos ac-
tos (|iie expedia, ã elles relativos, e todos esics actos
—202—

iJevesseiii ser lançados corn luda a exaclidão, é n’esles li


vros da Provedoria que se deve procurar matéria para
escrever a historia, analysando os maleriaes com todo o
cuidado, tirando d’elles deducções e consequências em
vista dos outros documentos que se tiram das Gamaras
emais repartições, Para me guiar, compulsei os livros de
notas antigos e os archivos da Ouvidoria; o das Gamaras
tanto de Aquiraz como do Icó e outras das mais anti
gas, livros de capellas e igrejas, termos ou certidões de
datas e medições, apontamentos de famílias, tradições e
outros documentos que pude adquirir.
Por falta de documentos authenlicos e de fonte oíli-
cial onde se possa adquirir informações exactas, existe
n’este esboço uma grande lacuna no decurso do XVIII
século, lacuna que ainda pude tornar menos sensh-el por
ler tido a felicidade de encontrar uma compilação corn-
pleta dos aclos mais importantes lançados nos livros mais
antigos da cainara do Aquiraz, mandados trasladar pelo
Ouvidor installador da nova villa do Icó eui 1737 para
serventia da mesma.
A falta de typographias no Brazil foi outra causa
da carência de matéria para a historia; não convinha à
•Metropole (jue sua colonia adquirisse dlustração, por
que esta traria sem duvida após si as ideias de inde
pendência, que já achava que sem este auxilio mesmo
iam germinando mais ilo que desejava nos corações
dos Brazileiros. De mais os factos «lue oceorreram no
Geará deviam ter' um caracter todo particular em razao
da falta de repartição administrativa.
Declaro que reconheço a lacuna d'esta ohra sem a
poder remediar; mas consolo-rae vendo que em geral
todas as historias locaes ou geraes do Brazil apresentam
esta mesma lacuna e estirilidade, ás vezes maiores do
que n’este meu trabalho.
Era de esperar que com a independencia d’esta Ga-
pitaniada de l’ernambuco se encontrasse regularidade
nos livros da Secretaria do Governo; infelizmente assim
não succede; não se acha no archivo do (íoverno livro
algum de lançamento, nem da correspondência ollicial;
—^203—

igiioi'o u caiiiiiiliu (jue levaram. Tahuz leiiliaiii sido vic-


lima do mu auto de fé que um Reverendo Presideute
d’es(a proviiieia mandou fazer em dospapeis taxa
dos de imiteis; cuja tiragem foi iucumljida á um con
tinuo. Ouerendo-se organizar um arcliivo na Secret.iria,
incumbiu-se á este continuo da separação dos papéis
imiteis no curto praso de poucos mezes; e como a ta
refa não se aclias.se concluida no praso marcado, foi o
dito empregado asperamente repreliendido, e ameaçado
de demissão se iruni novo e curto praso não fôsse feito
0 trabalho, làn tal serviço reclamava lempo muito para
correr todos os papéis o illuslração para .ipreciar o seu
valor : duas condições que faltaram completamenfe. Ksla
falta unida á ameaça de demissão teve o seu efíeito ine
vitável : foram os papéis separados sem a devida atten-
ç.ão, e lançados sem iliscruninação no rol dos imiteis, e
como taes queimados nos jardins do Palacio. .Veto de
vandalismo, inconcebivei na era de 18’).'), que reduziu
á fumo e cinzas a historia da província, sein (luo haja
possibilidade de lhe dar remedio algum. Desapiiarece-
ram Iodos os documentos velhos que hoje teriam tanto
valor e tanta importância histórica.
,V Papitania do (leará foi linalmente de.digada dado
Pernambuco, por Parta Regia de 17 de Janeiro de ITítt),
e declar.ada independente. 8eus governadores fòrani en
tão nomeados directamente pelo nu de Portugal, e seus
portos e commercio entraram em communicação ilirecta
com a metropole.
IVesta data |ior diante o P.eará principiíui, é verda
de, .1 ter uma historia própria, porém uma historia
pouco importante, em vista da ordem secundaria que
vêl-o-bemos occupar entre suas irmãs.
O primeiro Ciovernadore ao mesmo tempo o instal-
lador do novo Governo foi o cln.de de esquadra Bernardo
Manoel de Vasconccllos, que n meado por Parta Regia
de 17 de Janeiro, só veio tomar posse e installar o Go
verno a 28 de Setembro do mesmo armo de I79Í). l’oi
elle 0 installador de todas as novas repartições, lãeou
a Secretaria, a Gasa da arrecadação e :i Vlfaiidega, laii-
—^Oi

to da Capital couiu do Aracaly. Ediücaram-se diversos


prédios públicos, necessários á nova ordem de cousas.
Em virtude da ordem da Junta da Fazenda de 2 de De
zembro, deu-se principio aO prédio que serve hoje de
Thesouraria da Fazenda, cuja primeira parte se concluiu
a 5 de Junho de 1802; mas como a casa fòsse insulFi-
ciente para seu destino, acrescentou-se-llie outra parte
igual ã primeira, a qual principiada a 7 de Fevereiro
de 1814 concluiu-se a 3 de Novembro de 1817; custou
0 edificio toilo O-.oSGíílOO reis. Edificou-se lambem uma
alfandega e um Irapiche para embarque e desembarque.
As areias accumularam-se por tal forma em frente
d’ene que o tomaram em pouco tempo, e o inulilisa-
rain; em GO annos que decorreram depois da sua
edificação o mar recuou de mais de duzentas braças.
A alfandega velha se achava collocada bem no pé da que
brada do Outeiro, 60 braças ao nascente da nova, e o Ira
piche bem encostado á ella. No Aracaty levantou-se uma
casa para alfandega, afim de favorecer o grande commer-
cio que se fazia desde longo tempo pelo Jaguaribe com
todo 0 interior da Capitania; relormou-se o quartel da
Fortaleza e se construiu um paiol para deposito da pol-
_ Os Capitães-mòres residiam em casas particulares e
vora.
depois n’um prédio proprio da nação, o qual, sendo acha
do insulficienle para a residência dos Governadores, per-
mulou-se com a Gamara por outro que ella possuia no
local onde se acha hoje o palacio dos Presidentes.
0 Governador dirigiu os negocios da Capitania sem

occurrencia alguma notável. Mostrou-se muito cioso das


suas attribuições, mas dava suas ordens em termos tão
emphaticos ou guindados que os vereadores do Icó, não
comprehendendo uma d’ellas, a executaram mal; e por
isso levaram uma forte reprehensão, á qual redarguiu 0
Senado pedindo humildemenle á S. Exc. que se dignasse
de dar suas ordens em termos menos sublimes, afim de
ser percebido pelos pobres sertanejos, que se confessa
vam incapazes de peneirar tanta sublimidade. Se esta
resposta não viesse n’umoííicio, em que se tratava de ne
gocios sérios, parecería este trecho por certo uma saty-
ra launlaz: porem oITeclivamente nãu o é, [>oi .jiiaiilo a
mesma correspundencia oílicial, que tive deiiaixo dos o-
llius, aelia-se expressa nuniesUlo tão (iilluso, lão Itom-
haslico, que realmente custa percelier o contexto d’ella.
Um Julliü de 1800 dirigiu ás camaras um longo ser
mão, recheado de látações dos textos sagiados e dos
concilios, para reclamar a exacta cobrança dos dizimos;
1' a :il dc tdutubro do mesmo anno, oiliciou ás catnaras
romettendo-llies a copia de uma Carla llegia que recla
mava com especial empenho a prisão de mn súbdito
prussiano, o barão de llumboldt, como homem perigo
so ; li iste documento que muito depõe contra a còrle
portugueza daquella época I Dizia a dita carta, « que
este viajante perigoso percorria o interior da America e
do Maranhão, soh o especioso pretexto de fazer obser
vações geographicas, topographicas e scientillcas, para
no fundo sorprender e tentar, por meio de novas ideas
e capciüsos principios, os ânimos dos povos seus fieis

vassallos, declarando estas viagens scienlilkas pelo ter


ritório de Sua Mageslade—summaraenle prejudiciaes aos
interesses da coròa ! ! »
0 C.ovcrnador oITerecia um prêmio de "iOCrOUl) réis
fortes á iiuem lhe trouxesse este grande perverso !
Em iSül. por Carla Regia de 11 de Janeiro, fõram
proliihidas as uihumações dentro das igrejas o capcilas,
com ordem aos governadores de se entenderem com os
15is[)os para (j lim de mandarem construir cemitérios,
onde se entcrrassmn todas as pessoas sem distineção;
mas não loi possivel pôr em execução essa ordem; [)0Ís
a população do Rrazil, acostumada a veros corpos se-
pultatlüs em igrejas, repugnou por tal modo om acceitar
esta resolução, (pie cm certas partes levantou-se contra
as autoridades e atirou-se á excessos funestos: prevaleceu
.ainda por muitos annos o pernicioso costume de se cn-
ciier os lem|)los do cadaveies inhumados por um syste-
ma tão vicioso, que as exalações |)ulridas os tornavam
(*j Si;gundu Rompeu, Eiis. Cslat.—Tom.':*."—Rag.
dSO: áál de Julho.
—:20(j—

ás iD.iis (l.is vo7.f!> in'':ip:i7i's (l(‘ IVoqiioiilados pelos


lieis, sem liseu riminMite d.i saude.
Coin o 1.” ('.Dvernidor, e por provisão de D. Maria,
com data deiO de .t-ljril de 17t)9, íoi inaudado para o
C,oara naqualidade de eitífonheiro da Capitania, o Sar-
geiUo-mór João da Silva Feijó. inrumijido de estudar o
paiz, suas produrrõcs, seus recursos e sua geograpliia.
Cra liotnem illuslrado e Ijom observador. Escreveu di
versas niemorias notáveis sobre minas, geograplua, esta
tística, etc.; as (juaes se acbam em grande parte perdi
das, por causa do dclei.xo com ijuc a maior parte dos
administradores tem tratado e continuam a tratar das
cousas que ilizem i’espeito á prosperidade do jvaiz.
Foi incumliiilo por Carta Itegia
I de estabelecer um
laboratoriü de salitre nas terras, nilrosas da Serra
Crande.
Ein Dezembro de ISOIÍ. estabeleceu piámilívamen-
le esla oilicina no lugar denominado Tatajiiba na dita
Sei ra da Ibiapaba, den principio aos trabalhos que nao
corresponderam ás esperanças que se tiidia concebido,
pois gaslaram-se ([uatro contos do réis jjara tirar ape
nas qiialro-ceutas arrobas de .salitre até .Inibo de
Mudaram-se as dlicinas para a 1'indoba perto de San’
1’edro d’Ibiapina; mas como os prodiictos n.ão fossem
siillicientemonte abundantes, suspenderam-sc os traba-
Ibüs em Fevereiro de ISOd, depois de se ier gasto ainda
JMroOD reis sem vantagem.
iN’esta Capitania, como em IVrnambuco, dorani-sc
coiiflictos de jurisdicção entre o Ouvidor e o Visitador, a
respeito das tomailas de conta pelo primeiro á titulo de
provedor das capellas, conforme consta de termos lan
çados nos livros das visitas, onde foi lançada também a
Carta Itegia de Id de Fevereiro do mesmo aiino que ap-‘
prova as ditas cartas, e estranha ao Itispo de Pernam
buco 0 que se deu em IVio do Mho e outras partes, de
clarando que devem os Ouvidores continuar a tomar di
tas contas.
No anuo de IS0:í, appareceu um conilicto ('iitre as
camaras do Icó o de Purto-.Vlegre, no Rio-Orande, ares-
—ÍU7—

(jeilij de divisões de terrilorios. A ('.amara ilo leu tiniia


tomado eunta da eiiapada da serra do ('.amará, cujas
aguas descem quasi Iodas para u Jaguai ibe, á cxcopgãu
de uma nesga em S. Miguel, que desagua para u A[iüdi
do Rio-diande; a divisão dos terrilorios respeclivos aclia-
va-se, por eoiiseguinle, iia chapada da serra, muito mal
earacterisada. (> Icó eslava de posse da chapada da dita
serra desde sua descoberta; e até liulia em 1778 rece
bido o patrimônio de IG Icguas quadradas, concedido
pelo termo da sua creação, na chapaila d’clla. .\ ('amara
de Porto Alegre, porém, mandou um destacamento com
um üfliidal tomar posse d este terreno, e soltar presos
leitos pelas autoridades do (jeará, (pie, mais prudentes,
deram parle do oceorrido .ao ('loveriiador, o (pial obviou
essa duvida entendendo-se cotu o Hio Grande, e deiiiii-
tivamente assenlando-se que as vertentes do.laguaribe
ficariam perlenconles ao (ieará.
Em 180:2, fòram por ordem do governo creados dous
lermos e villas: llu-;sas, desmembrada do Aracaly, com
0 território da freguezia por lermo; eS. João do Prin-
cipe, na povoação do Tauhá dos Inhamuiis, compre-
hendendo todas as vertentes c nascenças do Jaguaribe,
do riacho de S. Antonio para cima, território este desli
gado do lermo do Icó.
Durante a administração dos últimos Gapilães-mo-
res foi-lhes som duvida concedida a regalia de darem
patentes de lodo gráo, porque nos livros dos lançamen
tos das (iamaras encontro registrados litulos de olliciaes
superiores até de Tenenles-generaes. Gomo estas couces-
sues eram muito rendosas para os Capilães-inúres, pas
saram a concedel-as com uma |)rofusão escandalosa; crea-
ram-se postos obseqiiiosos sem numero para provel-os
de coronéis e outros olliciaes de encomiuenda. O aidíclo
dos Europeos pelos v.ãos litulos, ainda que honorilicos, fa-
voi‘eceu exlraorilinariamente este abuso. O (iovernador
Vasi-oiicellos já achou este costume enraisado; mas en
trou a lhe dar tal cx[)ans.ão que, não havendo mais ([uem
itesej.asse nem postulasse postos d’osles, foi obrigando
os l icüs a recebel-os. Tornou-se islo um verdadero ll i-
—á08—

gello. Não havia quem podesse pagar o titulo que não


0 visse caliir-lliB eui casa, e que iião tôsse quasi
obrigado a recebel-o. Dizem os contemporâneos que já
tinha chegado á tal pontoa alluvião de patentes, que não
havia meio de que se não lançasse mão para se preser
var d’ellas. A noticia d’este escandaloso procedimento
chegou aos ouvidos da Rainha que o mandou estranhar
asperamente ao Governador. Este íicou consternado e
atemorisado á ponto de se julgar perdido; om consequên
cia tornou-se misantropo e quasi maniaco. Assevera-se
que este incidente contribuiu poderosamente para o le
var à sepultura, aggravando a moléstia á que succum-

biu no Ceará, depois de haver governado a Capitania por
espaço de quasi tres annos.
A 8 de Novembro do mesmo anno de 1802 morreu
na capital, e foi subs.tituido por uma junta de governo
provisorin, composta do Ouvidor Dr. Gregorio José da
Silva Coutinbo, do oirieial de tropa regular, de patente
mais elevada, José Menriques Pereira e do vereador
mais velho da capital, Antonto Martins Ribeiro. Esta jun
ta conservou a direcção dos negocios durante um anno,
até a chegada do novo Governador João Carlos Augusto
de Oeynhausen, aOlhado da rainha D. Maria, membro
ainda muito moço de uma familia nobre; tomou posse
a 13 de Novembro de 1803, vindo do Pará, onde era
Governador.
Diz-se geralmente que foi enviado á esta Capitania
dc proposilo, pará perseguir os criminosos que, por mo
tivos peculiares de localidade, logravam suhtrahir-se a
acção da lei. Ignoro se este foi o motivo real do sou
despacho para n Ceará; mas sei que perseguiu os crimi
nosos com lodo 0 vigor, de sorte que tendo publicado o
Alvará de 20 de maio de rl802, que dava nova organi-
sação ás milicias e ordenanças, tomóu o pretexto_de
inspeccionar estas tropas para executar certas prisões,
sem dar a conhecer o motivo que o levava ao centro.
Percorreu toda a Capitania sahindo da capital para
0 Aracaty; d’ahi seguiu para n Icó e oCrato, prendeu cm
casa do vigário da Missão Velha uma mulher, que tendo
—209

inorlü outia, se retirara para ilila rasa esperamJo ser


ahi garantida; o vigário deu-se por injuriado d’esta
prisão, e abandonou a freguezia.
Em todos os lugares por onde passava, fazia-se a-
companhar pela oflicialidade das milicias e das orde
nanças, e mesmo mandava destacar certos corpos com
0 fim ostensivo de os exercitar, mas fazia-o com fins
reservados, com o alvo de conseguir certos resulta-
dos.
A familia Feiloza, dos Inhamuns. concentrada ii’a-
quelies ermos onde a acção do governo diflicilmente ciie-
gava a exercer-se, presumida da sua riqueza e da faci
lidade com que se deixavam peitar certos magistrados,
tinha continuado a praticar crimes que quasi todos pas
savam sem punição; já n’esle tempo estava entrelaçada
com outras famílias ricas, nomeadamente a dos Martins
do termo de Villa-Nova, que como elles eram prepoten
tes e gostavam de se fazer justiça à seu modo e por suas
próprias mãos.
Os coronéis .Manoel Ferreira Ferro e Manoel .Mar
tins tinham mandado .assassinar barharamente a um ho
mem, cuja mulher foi resolutamente ale Portugal im
plorar justiça, e soube comniover por tal forma a rainha
D. Maria, que sua magestade mandou ordem ao Go
vernador de os prender e remelter para Lisboa. A tare
fa era mel i ml rosa, porque os criminos()S viviam sempre
receiüsos e conseíiuentemente pi'evenidos, podendo em
poucos momentos ou esconder-se nos ermos da serra
Grande, ou passar para o território da jurisdicção do
Piauhv, ou mesmo pôrem-se em rebeilião armada pelo
grande numero de sequazes que sempre acoutavam nas
su.as lerr.as.
O Governador foi em própria pessoa executar esta
ordem; ch('güu ao meio d’elles, e tratou-os com toda a
defiTencia: mas vindo elles .acompanhal-o até as extre
mas do termo, na oceasião da despedida, deu-lhes voz
de prisão, e mandou-os presos para a capital, e d’aiii,
em seguida e sem demora, remetteu-os para Lisbòa. nn-
de fòram encarcerados no Limoeiro.
—210—

Lá morreu um d’elles, e veio o outro pai^ as pri


sões da Bahia, onde morreu também; foi esta prisão e
viagem executada durante o anno de 1804.
A energia d’este Governador agradou summamente
ao povo, que gosta geralraente de ver os poderosos cas
tigados, como elle, quando o merecem. As camaras da
Capitania reclamaram com instancia de sua magestade
que conservasse no governo o Sr. Oeynhausen, e o Ouvi-,
dor Lu%z Manoel de Moura Cabral, que em 1803 succe-
dera ao Dr. Gregorio José da Silva Coutinho, em razão
da bôa administração que tinham feito ambos.
O anno de 1803 tornou-se notável no Ceará pela
abundancia das chuvas, que causaram immensos prejuí
zos quasi iguaes aos de uma sêcca. Os rios transborda
ram dos seus leitos, innundaram todos os lugares bai
xos, e destruiram grande parte das lavouras. O solo en
sopou-se por tal forma que o gado atolava-se, c morria
mesmo nos taboleiros elevados. As cheias dos rios sor-
prenderam muitos animaes nas varzeas e baixios, on
de morreram afogados. Triste sorte do Ceará cujo clima
é de tal natureza que :ou a chuva é pouca, ou muita em
excesso; o meio termo entre estes dous extremos obser
va-se mui raramente.
Por Carta Regia de 9 de Julho de 1806 foi o Go
vernador J. C. Oeynhausen nomeado Capitão-general
(lovernador do Matto-Grosso, com ordem de seguir imme-
diatamente para seu novo destino, e d’ahi foi mandado
governar S. Paulo, onde foi o ultimo Governador.
Deixou a capital a 9 de Fevereiro para ir embarcar-
se no Retiro-Grande do Aracaty, em demanda de Per
nambuco, afim d’alii seguir para sua nova Capitania.
Sahiu do Ceará com geral sentimento da população, que
ainda hoje louva a sua administração, e conserva bôas
recordações d’elle. Entregou o governo á uma junta in
terina. composta, como era de lei, de 3 membros : o
Ouvidor, 0 Vereador mais velho da capital e o official de
patente mais elevada.
Foi elle um dos propagadores na Capitania da ino-
culação da vaccina, como preservativo das bexigas, cujas
—211—

epidemias assolavam frequentouienle o Brazil. O povo em


geral repiigiiou obedecer a ordem que dera de propagal-
as; e por isso expediu elle para o centro o cirurgião-
mór João [.ourenço Marques, que com persuasões, e com
a intervenção das autoridades, conseguiu vaccinar algu
mas pessoas; mas o povo de fora dos povoados ainda fi
cou com tal repugnância que não veio a elles em quan
to houve vaccina : ainda hoje existe este mesmo pre-
juizo.
Quando a camara do Icò recebeu a participação de
ter 0 Governador entregue a direcção dos negocios á
junta, mandou lançar no livro do registo e das verea-
ções uma nota destinada a [lerpetuar a memória de um
administrador tão estimado.
F.m 1807 grande parte d’esla Capitania sentiu os
abalos de um terremoto, particularmente no Valle do
Jaguarihe, o nas partes limitroles das Capitanias visi-
uhas llio Grande, rarahyba e Bernambuco; no curto es-
(laço de pinicos minutos derarn-se siiccessivamente tres
abalos violentos que fedizmenlc fôi'am de pouca duração.
Kste facto.'^e acha consignado n’um livro da Camara do
Icó destinado ao lançamento dos factos e acontecimen
tos notáveis.
■V junta do governo interino dirigiu os negocios da
Capitania durante anno e meio, até a chegada do novo
Governador Luiz de Borba Alardo de Menezes, que to
mou posse a 21 de Junho de 1808, e governou a Cajii-
lania por espaço do cerca de (juatro annos, durante os
quacs poucos factos notáveis oceorreram.
O engenheiro naturalista da Capitania, o coronel
João da Silva Feijó, occnpou-se da criação das ovelhas,
e estudou a qualidade das suas lãs, que reputou bõas e
próprias para se aproveitar; e conseguiu ajuntar uma
porção que o Governador mandou para I.ondres, onde
leve hôa aceitação.
Cscreveu sobre tal objeclo uma memória muito in
teressante, lun ipio desenvolvidamente mostrou o grande
jiroveilo (|ue se poderia tirar d’oste ramo de especula
ção; esta memória foi iiiseriiia no jornal da Sociedade
21Í

A.u;uliadora da Industria Nacional, no anno de 1842; é


digna de ser lida, e seus conselhos deveriara ter sido
aproveitados. O autor oíTereceu-a ú D. João príncipe re
gente em 1811.
Este sabio occupou-se lambem da geographia da
Capitania, mas não me loi possivel, por mais que o de
sejasse, adquirir uma cliorographia que me consta ter
sido inserida no periodico do instituto geographico e
historico do Brazil.
Em 1807 0 príncipe regente de Portugal, não po
dendo conservar-se neutral na grande lula que dividia
a Europa contra Napoleão I, e além d’isto assustado da
sorte de seu visinho e parente o rei de Ilespanha, aba.n-
donou a côrte de Lisboa, que deixou sob uma regencia,
e embarcou-se em novembro com sua familia para o
Brazil. A esquadra foi dispersa no curso da viagem; al
guns navios fôram aportar ao Rio de Janeiro; mas a Ca
pitania em que vinha a familia real arribou ã Bahia no
dia 19 de Janeiro de 1808.
N'esta cidade publienu-se a 28 do mesmo mez de
Janeiro a Carta Regia que, como retribuição dos servi
ços prestados á côrte de Portugal e á familia real. abria
os portos do Brazil aos navios da nação ingleza, fran
queando assim 0 commercio directo entre a Inglaterra
e 0 Brazil. Estendia-se esta mesma livre entrada ã to
das as nações que estavam em paz com a côrte de Por
tugal, cora a imposição somente de 24 por 7» direi
to de importação.
Foi esse facto um grande passo dado á favor do
progresso do Brazil e da sua futura emancipação.
A côrte, depois do concerto dos navios da esquadra,
embarcou a 23 de Fevereiro para o Rio de Janeiro, onde
chegou a 7 de Março, estabelecendo ahi a monarchia e a
séde da nova côrte.
Organisou-se então o governo, e teve começo a mar
cha regular dos negocios do Brazil. Crearara-se logo dir
versas repartições e ensinos de matérias superiores e es-
peciaes, como escola militar, escola de medicina e cir
urgia pratica, aulas de commercio, e outros diversos
—213—

iiielhoramentuá que tiecam ao Brazil ura ^Tande impulso.


,V isto acrescia que, estando a còrte mais perto, as
cooimunicações eram por tanto mais rapidas e mais fre
quentes, e os recursos lornavam-se tambera mais fáceis,
porque foram instituidos tribunaes de ordem superior.
As communicações entre as províncias e a còrte
eram dilDceis por falta de navios e de marinbagem con
veniente; mas os inglezes. á quem convinha dar impulso
ao interior do paiz, afim de terem mais facil extracção
as suas fazendas, e de poderem trazer para o lugar do
desembarque menos dillicilmente os generos do paiz,
trataram da navegação ã cabotagem na costa do Brazil,
e mais tarde estabeleceram paquetes de vella não sómen
te entre a Inglaterra e o Brazil, mas também os diversos
pontos do litoral. Obtiveram do regente a residência na
corte de um juiz conservador da nação ingleza, e, em
todas as partes importantes, a de um cônsul da mesma
nação, isto por Alvará de 1808; e em 1810 celebraram a
19 de Fevereiro 0 tratado de commercio e navegação en
tre as duas nações, que deveria vigorar durante quaren
ta annos : e nesta mesma occasião é que tratou-se do
estabelecimento dos paquetes de que acabo de fallar.
Os Inglezes vieram pois residir nos portos do Brazil,
onde estabeleceram seus armazéns, e d’onde mandavam
seus agentes percorrer o paize e.studar-lhe os recursos.
Estas relações com estrangeiros fôram ensinuando
novos costumes e novas idéas nas populações, que até
esta época tinham sido por systema sequestradas de to
do 0 contacto com estrangeiros, assim como iniiibidas
de todo 0 meio de educação que não fosse a primaria.
Foi n’este anuo que o Governador, achando-se mui
to ás estreitas no edificio que occupava. trocou-u por
outro pertencente á Gamara.
Esta troca effectuou-se a 13 de Janeiro de 1809,
dando a Junta da Fazenda á Gamara um conto de
re;s de volta. Foi ao depois este prédio muitas ve
zes augmentado até chegar ao estado em que se acha
presentemente, tendo-se gasto cora elle mais de cera con
tos de reis.
—214—

Por decreto de 24 de .tontio de ISIO foi creado na


Fortaleza uin Juizado de fóra que loi successivamenle
occupado pelos seguintes Juizes :
1." José da Cruz Ferreira em 1812.
2.° -Manoel José de Albuquerque em 1816.
3.° Joaquim .Marcellino de Brito em 1823.

4.
o
José de Araújo Franco em 1825.
5.° Manoel José Cardoso em 1830.
Em 1833 foi dito Juizado abolido por occasião da
execução da lei da reforma do codigo criminal, como
adiante o diremos.
No anno de 1810, senliu-sc na villa da Granja um
terremoto no dia de quinta-feira santa, mas não consta
que fôsse violenlo. pois parece que não foi sentido em
outras partes circumvisinhas. A. 2 de .Maio d’este mes
mo anno foi lavrado o Alvará que dava regimento á
relação do .Maranhão, mandada crear pelas resolu
ções de 23 de Agosto de 1811 e 3 de Maio de 1812;
Alvará que não se poz em execução senão algum tempo
depois de publicado; e em consequência do eslatuido
n’elle, ficou o Ceará pertencente ao districto da nova
relação.
O Governador I.uiz de Borba Alardo de Menezes, no
decurso de sua administração, foi promovido à tenente
de cavallaria; recebeu as honras de fidalgo cavalleiro, e
foi condécorado com o habito da ordem de Chrislo,
sendo ainda promovido por Carta de 23 de Agosto de
1811 á capitão de cavallaria, e addido ao estado maior
do e.xercito; e por fim foi nomeado Governador de .Mat-
to-Grosso, para onde não chegou a ir por ser despacha
do conselheiro da Fazenda.
Foi nomeado por Carta de 7 de Maio de 1811, para
succedel-o no gover..j do Ceará, o coronel de engenhei
ros Manoel Ignacio dj Sampaio, que toinou posse a 19
de Março de 1812.
Já disse que o Dr. Luiz .Manoel de Moura Cabral
succedora na ouvidoria ao Ür. Gregorio José da Silva
Coutinho, sendo a seu turno subsliluido pelo Dr. Fran-
—2ir>—

cisco A(]'onso Ferreira a lu i*) de Fevereiro de 1807, o


qual n‘ella cooservou-se até sua subslilui(;ãu pelo Dr.
Antonio Manoel Galvão a 4 de Março de 1810.
Este era ainda Ouvidor, quando tomou conta da
Capitania o Governador Sampaio; e suppõe-se que foi
por partes dadas contra elle, que o deseinbargo do paço
0 mandou suspender no anno de 181 i, sondo substituí
do interinamenle polo juiz de fóra da Fortaleza Dr. José
da Cruz Ferreira, que occupou a vara até 8 de .Maio de
181o, em (|ue tomou posse o Dr. João ^níonio Rodri
gues de Carvalho de quem teremos occasião de tratai-
mais longamente.
Já vamos aproximando-nos ao tempo em ... e a
bistoria do Ceará tem de assumir um caracter pro^rio;
em que tem de exhibir um gráo de importância cada
vez mais subido.
0 Governador Sampaio, deparando com a fortaleza
do Ceará muito arruinada, tratou de a reedificar. Em
virtude da ordem da Fazenda de 12 de Outubro de
1812, deu logo principio à obra e a fez realmente,
de maneira que, vista de fóra, dá appareiicias ile uma
grande fortaleza de duas ordens de baterias sobre
postas uma á outra, mas na realidade ella não passa de
um dispendioso simulacro, especiede assignalura do nc-
me da capital; porque estas baterias são talhadas em
terreno barrento e revestidas, é verdade, de uma parede,
mas de uma parede de tijolo, muito fraca, que só o es
tremecimento do mesmo terreno é bastante para arrui
nar incessantemenlc. Consta de uma ccrtiiía situada no
cume da quebrada do outeiro em cima do qual se acha
collocada a cidade da Fortaleza. Esta cortina que coróa
a dita quebrada tem uma extensão de cerca de cem
braças, e é parallela á praia. Em cada extremidade d’ella
se acha edificadn um bastião. Esta mesma disposição se
reproduz no meio da (juebrada (pic desce para a praia;
uma cortina igual com seus competentes bastiões nas

{*) Seguniin Pompeu, Ens. Estat.—Tom. 2.''—Pag.


282 ; a 25.
—216—

extremidades corre inferior e parallellamente ao ler-


rapleno da de cima, e coiumunica com ella por meio
de escadaria subterrânea.
No pé do outeiro se acha uma cscavaçao irregular
simulando fossos, atravessada c alagada pelas aguas do
corrente da villa.
Despendeu a Fazenda com essa obra, desde 1812 até
1823,a quantia de lo:1035267 reis; e depois d’esla data
para sua conclusão, .‘);2.39?5l23 reis; e ein concertos até
18.37, 2;4n6?i431 reis; o que tudo sommado dá a quan
tia de 22:8.j8Í?821 reis.
Indcpendonteinente (Festas snminas lornocidas pelo
Erário, o (Invernador Sampaio poz toda a F.apitania em
contribuição voluntária, obrigando todavia os particula
res a pagarem donativos gratuitos, dizia elle, cujo mon
tante elle tinha o cuidado demarcar, para prevenir as
duvidas. As parcellas reunidas d’estas contribuições ex-
torquidas elevaram-se ao algarismo de 16 para 17 con
tos de reis cm numerário, não se incluindo iFesla conta
0 numeroso material que arrancou de certos particula
res, e 0 serviço por si proprios ou por seus escravos que
obrigou-os a fornecer, de maneira que se pode avaliar
a despoza toUd feita até boje com este simulacro de
fortaleza em pouco mais ou menos .30 contos de reis.
Por provisão de 30 de Agosto de 1813 foi desmem
brada da freguezia do Icf) a ribeira do Salgado, desde
0 riacho da Pendencia até o da Faissára, com todos os
seus allluentes compreliendidos iFeste espaço, para for
mar uma nova freguezia, sob a invocação de S. Vicente
das Lavras da .Mangabeira, na povoação d'este nome.
X ^20
Ii>
\ } de .\gosto de 1814 foi creada a villa do Jar
dim, devendo seu território abranger a freguezia da .Mis
são Velha, exceptuando o bnqo da Salainanca, onde
residia José Pereira Filgueiras, Capitão-miir do (àato.
(]ue breve occiipará a nossa attenç.ãn com especialidade.
Por p-ovisão de 11 de Outubro de 1814 creou-se
n Segundo Pompeu, Ens. Estai.—Tom. 2."—Pag.
283 : a 30.
—217—

ontr.i rroi,'iii;zia iius (lariris, na pnvuarão do Jardiin, a


qual l oijiprcliendeu parte das nascenças do riacho dos
Por.wjs, lerrilorio tirado da Irci^ueziada Missão Velha.
Iliníini, por Alvará de dO de Oulnhro de 18l7d(;-=-
iiieinhrou-se da treguezia da Tortaleza a ribeira do Cui n
<■ seus aniiicrites do ('.achitoré para ciina, alini de for
mar a treguezia do Canindé (*,.
tlomo a tentativa da revolução de 1817 íoi nia uui
opisodio muito notável na liisloria desta hapilania, tra
taremos d’ella em separado logo no primeiro Papitulo
da 2.^ Parte d'esle Eshòço.

(’) l•'rcguezia esta que : segundo Pouipeu, Kns. Es


tai.—Tom. 2."—Pag. iS-d : foi creada por provisão de
d de Selcmhro de 1818.

FiM l)\ PRIMKIHÇ l>ARTE.


ADVERTÊNCIA.

0 edictor obri^a-se a entregar grátis a Segunda


Parle d’este Esboço (de cuja impressão passa a tratar
sem mais demora] á todos aquelles Senhores assignanles
que, no acto da entrega d’esta Primeira Parte, concor
rerem cora 0 valor de suas assignaturas.

l-orlaleza, 30 de Maio de 1870.


Ms
Impressão e Acabamento Imprensa Universitária da
Universidade Federal do Ceará - UFC
Av. da Universidade, 2932 - Benfica - Caixa Postal 2600
Fone/Fax; Oxx (85) 281.3721 - Fortaleza - Ceará - Brasil
Pedro F. Théberge - Nasceu
em Marcé, França. Médico e his-
toriador, veio em 1845 para o Ce-
ará (Icó), onde prestou importan-
tes serviços a nossa terra. Além do
Esboço Histórico sobre a Província
do Ceará, escreveu sobre a flora
cea-rense e levantou uma Carta
Choro-gráphica da Província.

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