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Apoiar produções no campo da

ESBOCO HISTÓRICO pesquisa e da documentação tem


sido, em anos recentes, uma atividade

SOBRE A PROVÍNCIA
constante da Fundação Waldemar
Alcântara que, desse modo, oferece
uma pequena parcela de colaboração

DO CEARA
para o resgate de registros marcantes
do processo de formação da sociedade
brasileira.
A Biblioteca Básica Cearense é
uma coleção de obras raras de auto-
res que no passado se debruçaram so-
Dr. P. Théberge bre o contexto sociocultural do Ceará
de seu tempo e, com isto, nos forne-
ceram o principal instrumento de que
dispomos para uma correta compre-
ensão da realidade atual.
Com o apoio do Ministério da Ciên-
cia e Tecnologia, através do CNPq, a
Fundação Waldemar Alcântara ree-
dita estas obras após realizar um rigoroso
trabalho de pesquisa e seleção, no qual
foram convocadas a participar destaca-
das personalidades do nosso universo
intelectual.
É a expressiva participação nestas
iniciativas de segmentos comprome-
tidos com o nosso desenvolvimento
cultural que nos tem permitido cum-
prir, no quadro das limitações própri-
as de uma organização não-gover-
namental, este que é um dos princi-
pais objetivos da Fundação - o de con-
tribuir para a preservação da memória
bibliográfica do Ceará, indispensável
na evolução dos estudos da nossa rea-
lidade e da análise do nosso desenvol-
BIBLIOTECA BÁSICA CEARENSE vimento.
FUNDAÇÃO WALDEMAR ALCÂNTARA
Coleção Biblioteca Básica Cearense
Comitê DE COORDENAÇÃO
Lúcio GONÇALO DE ALCÂNTARA
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Títulos
- Publicados

FUNDAÇÃO WALDEMAR ALCÂNTARA


* ENSAIO ESTATÍSTICO DA PROVÍNCIA DO CEARÁ
Thomaz Pompeo de Sousa Brasil
Edição Fac-similar, 1997 - TI
* ENSAIO ESTATÍSTICO DA PROVÍNCIA DO CEARÁ
Thomaz Pompeo de Sousa Brasil
Edição Fac-similar, 1997 - T.II
* VARÍOLA E VACINAÇÃO NO CEARÁ
Rodolpho Theóphilo
Edição Fac-similar, 1997

* CLIMATOLOGIA, EPIDEMIAS E ENDEMIAS DO CEARÁ


Dr. Barão de Studart
Edição Fac-similar, 1997
* PATHOLOGIA HISTÓRICA BRAZILEIRA:
DOCUMENTOS PARA A HISTÓRIA
DA PESTILÊNCIA DA BICHA OU MALES
Guilherme Studart
Edição Fac-similar, 1997

* MEMÓRIA SOBRE AICAPITANIA


DO CEARÁ E OUTROS TRABALHOS
João da Silva Feijó
Edição Fac-similar, 1997

e MEMÓRIA SOBRE A CONSERVAÇÃO DAS MATAS E


ARBORICULTURA COMO MEIO DE MELHORAR O CLIMA
DA PROVÍNCIA DO CEARÁ
Thomaz Pompeo de Sousa Brasil
Edição Fac-similar, 1977

* DOCUMENTAÇÃO PRIMORDIAL
SOBRE A CAPITANIA AUTÔNOMA DO CEARÁ
José de Almeida Machado
Luis Barba Alardo Menezes
Antonio José da Silva Paulet
Edição Fac-similar, 1977
e BOTÂNICA ELEMENTAR
Garcia Redondo
Rodolpho Theóphilo
Edição Fac-similar, 1907 (2.º edição)
* LIBERTAÇÃO DO CEARÁ: QUEDA DA OLIGARQUIA
ACCIOLY
Rodolpho Theóphilo
Edição Fac-similar, 1914

* OCEARÁ E OS CEARENSES
Antônio Bezerra
Edição Fae-similar, 1906
* DATAS E FACTOS PARA A HISTÓRIA DO CEARÁ
Barão de Studart
Edição Fac-similar, 1896 -T.i
* DATAS E FACTOS PARA A HISTÓRIA DO CEARÁ
Barão de Studart
Edição Fac-similar, 1896 - T.2
* DATAS EFACTOS PARA A HISTÓRIA DO CEARÁ
Barão de Studart
Edição Fac-similar, 1924 - T.3

* ESBOÇO HISTÓRICO SOBRE A PROVÍNCIA DO CEARÁ


Dr. P. Théberge
Edição Fac-similar, 1895 - T.1
* ESBOÇO HISTÓRICO SOBRE A PROVÍNCIA DO CEARÁ
Dr. P. Théberge
Edição Fac-similar, 1869 -T.2
* ESBOÇO HISTÓRICO SOBRE A PROVÍNCIA DO CEARÁ
Dr. P. Théberge
Edição Fac-similar, 1895 - T.3
ESBOÇO HISTÓRICO
SOBRE A PROVÍNCIA
DO CEARÁ
TOMO III
Dr. P. Théberge

- “PA

BIBLIOTECA BÁSICA CEARENSE


FUNDAÇÃO WALDEMAR ALCÂNTARA
FORTALEZA - 2001
Ficha catalográfica elaborada por
Perpétua Socorro Tavares Guimarães
Reg. C:B:R: 3 nº 801/98

S 3746 *Théberge, P (Dr)


Esboço histórico sobre a província do Ceará./
Théberge, P. Edição fac-sim.- Fortaleza: Fundação
Waldemar Alcântara, 2001
266p. Tomo II
(Col. Biblioteca Básica Cearense))
Fac-Símile - edição de 1895.
t. Ceará - 2. Ceará - história
I. Título
CDD 981.31
APRESENTAÇÃO
Francisco José Pinheiro
Mestre em História /Professor do
Departamento de História
da Universidade Federal do Ceará
O Esboço Histórico Sobre a Província do Ceará, do
médico francês Pedro Théberge, que morou no Ceará, na
cidade do Icó, entre 1845 e 1864, é um estudo que, de acor-
do com José Honório Rodrigues!, parte do próprio nasci-
mento da historiografia cearense entre os anos 1850 - 1860.
O livro de Théberge é marcado pela preocupação
com a consulta criteriosa das fontes documentais, mas, so-
bretudo, na crença de se poder fazer um texto objetivo que
se aproximasse da verdade tal qual a ciência dita exata.
Théberge ao se queixar dos ataques que vinha sofrendo de
personalidades que tiveram seus atos publicados, expressa
sua crença na ciência positiva ao afirmar que: “Tenho sofri-
do renhida guerra de pessoas que como personagens pú-
blicas hão praticado ações que não queriam ver publicadas
em tempo algum; mas, pouco apreço a ela dei porque,
como tenho consciência de haver escrito sem paixão nem
preconceito, nem ódio nem afeto; e sem me deixar levar
por opiniões políticas, (...) espero que as pessoas imparci-
ais reconheçam que me hei esforçado por apreciar os fatos
em seu justo valor e que, se algumas vezes errei, foi levado
pela maior boa fé.”?
A importância do trabalho está também no
pioneirismo em que abordar temas como a relação entre os
“colonizadores” e os povos nativos, que ocupa parte signi-
ficativa das preocupações do autor. A despeito da leitura
carregada de estereótipos, o estudo possibilita uma releitura
quanto as concepções religiosas dos índios: “Se os índios
do Ceará tinham idéias religiosas, eram estas mui curtas €
confusas, e não se manifestavam por demonstração alguma
de culto exterior. Todavia tinham propensão para aceitar as
que lhe ensinava”. Ao fazer referência aos Pajés, constata-
mos também que a resistência dos povos nativos pode ser
percebida, quando estes fazem uma releitura da religião
católica: “Seus Pajés, espécie de sacerdotes, ao mesmo tempo
feiticeiros e curandeiros, gozavam de muita confiança en-
tre eles. Os mais espertós tinham torcido o cristianismo a
seu jeito, e anunciavam que do mesmo modo que Deus
havia encarnado em mulher branca, havia também de um
dia se encarnar no ventre de uma índia, e então esta raça
regenerada havia de prevalecer aos brancos, e lançá-los
para fora de seus domínios”.
Nessa mesma linha, o trabalho possibilita a compre-
ensão das formas de enfrentamento e jogos do poder no
que diz respeito as questões pertinentes à territorialidade.
“Quando os missionários os queriam levar para as aldeias,
respondiam: Para que nos levar para-outras terras? Estas onde
estamos não são também d'El -Rei? Se é para nos fazer cris-
tãos e filhos de Deus, elg não está em toda parte? (...)”.
Sendo assim, colocar ao alcance do público cearense
esta obra, é mais uma importante iniciativa da Fundação
Waldemar Alcântara. A sua publicação justifica-se pela im-
portância que representpu para a nascente historiografia
cearense, pelo pioneirismo na abordagem da temática indí-
gena, pelo conjunto de documentos publicados ao longo
do texto, muitos deles desconhecidos para uma parcela
significativa dos jovens historiadores, além da raridade desta
obra cuja última edição é de 1973, publicada apenas a pri-
meira parte que aborda o período colonial. Edição esta que
passou por uma revisão a cargo do historiador Mozart
Soriano Aderaldo.

1- RODRIGUES, José Honório. Índice Anotado da Revista do Instituto do


Ceará, Fortaleza: imprensa IUniversitária, 1959, p. 26.
2 - THÉBERGE, Pedro. Esboço Histórico sobre a Província do Ceará. For-
taleza: Ed. Henriqueta Galeno. 1973, p. 11.
— ESBOÇO HISTORICO |

A PROVINÇIA DO CEARA!

1895
ESBOÇO HISTORICO

A PROVINCIA DO CEARÁ

dr. P. Phibergo

- PARTE TERCEIRA
PRO ra do anti
rr

Sa
“ADIA

FORTALEZA

vrp—sStudavt—nça ronsoza. 46,

RIO
APPENSO N.º 2
A” PARTE SEGUNDA DO'

«Eshoço Historico sobre a Provincia do Ceará»


PELO

DR. P. THERBERGE

A pagina 195 da referida Parte Segunda do «Es.


bogo Uistorico sobre a Provincia do Ceará», pu-
blicada n'esta Capital em 1875, promettemos dar
no fim desta Terceira Parte à Supplica que, ao
Imperador D. Pedro 1, dirigio o padre José Marli-
niano de Alencar, ex-Deputado às Côrtes de Lishôa
e à Assemblea Constituinte do Rio de Janeiro; e,
finalmente, à figura mais proeminente da revolução
de 1824, no Ceará, Supplica esta que se refere à
Nota constante da pagina 144 da aludida Parte Se-
gunda.
Permitta-se-nos, agora, encetar a publicação
deste 3.º Volume, oferecendo à apreciação do il-
lustre leitor esse Documento historico de subido
valor, e grande celebriduds.
Eil-o, ipsis verbis do original:
— | —

.+ O
Senhor

Quando cu pensava poder descancar, no seio de


minha chara familia, das fadigas de duas Assem-
bléas consecutivas, contente por ter prestado à
minho Patria,c so meu soberano aquelles serviços,
que estavam ao meo alcance, regusijando-me de
o ter feito com uma moderação, e desinteresse que
me fez ganhar sem duvidaa estima publica; e ten-
do bastante razãp para crer, que tinha mesmo en-
irado no Agrado de V. M. To; sim quando eu me
julgava feliz, cem huma vita particular, com a re-
cordação d'esta deliciosa idca, c não me repro-
chando minha consciencia de culpa alguma nas
perturbações de minha provincia ; hé quando me
vejo roubado, preso, e o que hé mais sensivel, ca-
jumniado de inimigo do Estado,e como tal na pre-
cisa necessidade «de recorrer a Innata Justiça, e
Compaixão de V. M. 1., buscando o remedio de
meus acerbos males.
é necessario, que cu ponha na Augusta Presen-
cade V. M. 1. huma fiel narrativa de minha con-
ducta depois que larguei o Rio de Janeiro, e por
ella vera V.M. que eu sou muito infeliz, porém in-
teiramente innocente, e em nada merecedor da
sorte que me tem tocado, que he a mesma que «le-
veria caber a hum verdadeiro secierato.
Seis annos, Senhor, são passados, quando V. M.
houve por bem ilissolver a Assembléa, que eu vi-
via separado de minha familia,e isto unido à idéia,
que a muita genfe oecorreo, de que nas Provin-
cias do Norte se reputariam indignos aquelles De-
utados, que se conservassemr. na Córte depois do
dia 12 de Novembro, me fez beijar a Mão a V. M.
no dia 20 do mesmo mez, e partir dois dias depois
—7—

para Pernambuco, com desejo, não só de hir ver


minha familia, oa Provincia do Ceará,a tanto se-
parada de mim, como de livra-la, e mesmo minha
pequena propriedade, de qualquer insulto, que ao
menos da parta da canalha, se deveria temer,
A 12 de Dezembro aportei no Recife, onde não
me demoraria mais do que oito dias, se me não
visse em necessidade de politicamente subtrahit-
me à Missões contrarias aos meus principios, e op-
postas aos sentimentos de gratidão, que me ani-
mavão para com o Meo Soberano : o exemplo foi
dado em huma para Alagôas, e outras para à
Bahia, incumbindo-se-me a possibilidade. de em-
prebender cu outra para as Provincias ao Norte de
Pernambuco, para onde eu devia seguir em de-
manda de minha casa. A fingida importancia de
negocios meus particulares em Pernambuco, e
mesmo impossibidade fisica por falta de saude foi
o meiv,a que me recorri, para subtrahir-me a
qualquer especie destas enviatuaras ; e em conse-
quencias passei dois mezes em Pernambuco,
quando eu não pretendia alli estar duas semanas.
Durante minha estada em Pernambuco, não
cooperci como é publico para nenhuma dessas
coisas, que forão servindo, como de degrau, às
discordias quo seguião.
assisti ao conselho de 13 de Dezembro, por ser
a elle convocado por um officio do Governo: n'es-
se conselho sustentei, que uma vez perdida a força
moral como o mesmo Governo confessava ter per-
dido, dimittindo-se, por isso necessario cra criar
se outro, o qual, achava cu, que deveriajá ser se-
gundo a Lei de 20 de outubro, sanccionada por
V. M.:; mas quando assim opinava, bem longe es-
tava de pensar, que se nomiaria Presidente, e
—g—

muito menos supunha, que pudesse ser nomiado


Manoel de Carvalho, por ser hum dos que estavão
em um dos partidos que dividião Pernambuco n'a-
quelte tempo, e não ser reputado no publico por
homem de maduro juiso. como 2u disse, n'aquelle
mesmo acto, a varias pessoas entre quem me
lembra bem que estava João da Costa, Lente sub-
stituto de Rhetorica no Seminario ; e o mais nola-
vel hé, que (disse à presençado mesmo Carvalho,
a quem eu não conhecia pessoalmente, c perante
quem de certo cu não suppunha estar. Assisti
tãobem ao Collegio Eleitoral de 8 de Janeiro em
Olinda, bem que como simples particular ; mas
com tudo a muitas pessôas d'entre os Eleitores fiz
persuadir, que se não devia nomiar Presidente, €
Secretario, por serem estas nomiações da Altri-
buição do Monarcha. Este facto, de que serão tes-
temunhas muitas pessõas, e entre ellas Francisco
“aes Barreto (vulgo Coló) cunhado do Visconde do
Recife, que veio de proposito consultar-me acerca
«este negocio e eu lhe respondia maneira acima,
prova muito bem quanto eu estava livre d'esse
principio anarquico, que vogava em muita gente
em Pernambuco, de que V. M. nada podia fazer
depois que tinha dissolvido a Assembléa.
Não podendo mais residir em Pernambuco tan-
to por me faltarem já os meios pecuniarios, como
por não porder ser insensivel às supplicas de mi.
nha familia, qué já a este tempo tinha mandado a
Ulinda bnscar-me, embarquei no Recife a 12 de
Fefevereiro para a capital do Ceará, aceitando 0
favor, que a esta Provincia fez o Governo de Per-
nambuco,de huma pequena Escuna para nella re-
svessurem à sua Provincia os Deputados do Ceará,
por não haver então no Recife embarcação algu-
—9g—

ma, que se dirigisse à costa dos sertões do Norte ;


e a 15dg mesmo mez aportei, com o meo collega
Vigario Manoel Pachêco Pimentel na cidade da
Fortalesa.
Foi aqui o meo primeiro cuicado preparar vsa-
nimos, (bastantemente indispostos contra tudo que
vinha do Rio de Janeiro como Empregado a favor
do meo collega e amizo Pedro José da Costa Bar-
ros, afim de que este fiel Agente de V. M. E., cujos
sentimentos eu conhecia muito bem, fosse recebi-
do na Provincia. para conserval-a na obediencia a
V.M.[., e na conmunhão do Imperio.
Outro, sim. achando feito 1.º Membro do Go-
verno a meo irmão Tristão Goncalves de Alen-
ar Araripe, cuja falta de. conhecimentos e
nenhuma experiencia cu temia que o levassem
a excessos politicos; e desejando desvial-o d'este
perigo, e vel-o antes cuidando da criação de8
tenros filhinhos, do que envolvido em negocios
politicos sem aquella prudencia necessaria para
sahir bem d'elles em tempos tão tempestuosos;
ropuz ao Governo (que a este tempo tinha .já
perdido toda a sua força moral, c decerto estava
na exacração publica) que-se dimitiisse, mandando
passar as Ordens para à criação de hum novo Go-
verno segundo à Leide 20 «e Outubro, apesar de
anão ter ainda recebido -officialmente ; o Governo
annuio, e me encarregou de redigir a Circular
aos Collegios para a criação do novo Governo.
Aqui, Senhor, apparece a minha mais inefragavel
prova de-quanto eu estava despido do vertigi-
noso espirito de anarquia. Eu fiz a Circular, man-
dando unicamente votar. para Conselheiros, pro-
hibindo expressamente que o fisessem para Pre-
sidente e Secretario, como se tinha feito em Per-
— 10 —

nambuco, por pertencer a nomeação destes no


Soberano, € já ter ella recahido em Pedro José da
Costa Barros, e Manoel José de Albuquerque. Este
facto, que constará mesmo pela Secretaria do Go-
verno d'aquella Provincia, e pelo testemunho do
P.º Francisco Pinheiro Landim, Joaquim Felicio de
Almeida 6 Castro, e Miguel Antonio da Rocha Lima
que compunhão o Governo, e Manoel do Nasri-
mento Castro e Silva, Joaquim Josê Barbosa,o Juiz
de Fóra da Cidade da Fortalêza, que formava uma
especie de Conselho ao Governo n'aquelle tempo,
prova bem, que eu, não imitando a arbilrarieda-
de que se tinha praticado em Pernambuco, estava
certo em meos principios de respeitar, e sustentar
os Direitos de V. M [e portanto salva fica toda a
idea de ter eu vindo de Pernambuco como Emis-
sario.
Foi depois de
8 dias da minha chegada a Capital,
que chegou meo Iemão como Governador das Ar-
mas “ilgueiras, de volta de Caxias, ec como elles,
por delegação do Governo, de quem erão Mem-
bros, tinhão criado o Batalhão de Caçadores Mili-
cianos da Villa do Crato, persuadi cu à meo Irmão,
que o Governo devia.pedir a V. M. T..a Conflrma-
ção de dito Batalhão, o que se fez escrevendo eu
huma carta ao Ministro da Guerra João Gomes da
Silveira Mendonca, que, à não ter sido desenca-
minhada, poderá ser altestada pelo mesmo Minis-
tro.Quem persuadia pora que procurasse, e procu-
rava mesmo de V. M. a Confirmação de um Bata-
lhão reconhecia bem os Direitos do Throno,e que-
riade certo que se obedecesse a V. M.
Colierente com o desejo de ver minha chara fa-
milia, e contentando-me com ter encaminhado as
coisas na Capital para à continuação de huma per-
—Wm—

feita adhesãc à Causa do Imperio, parti no dia 8


de Março para minha casa na Villa do Crato, 410
legoas da Capital, tendo-me só demorado n'esta
os dias, que intermediarão de 15 de Fevereiro a
8 de Março. Com effeito, Augusto Senhor, o hu-
mem, que quisesse influir nos negocios politicos
de sua Provincia para encaminha-los a fins sinis-
tros, deixaria a Capital d'clla, e hiria encerrar-se
em huma Villa central, e a ultima da Provincia?
Chegado que fosse a minha casa, no dia 5 de
Abril de 182£, minha vida foi a mais particular, e
recolhida, a ponto de dizerem os Patriotas exal-
tados, que eu tinha vindo ca Córte de ensaca vira-
da. e que vendo 9s negocios de Pernambuco, e
mesmo da Provincia se encaminharem ao maior
liberalismo,eu tinha-me recelhido ao silencio. Pou-
co me importavam estes ditos: eu tinha limpa
minha consciencia; minha conducta tinha sido
applaudida no Rio de Janeiro,e os homens sensatos
da Provincia sabiao, que não tendo eu mudado nos
sentimentos d'amor a minha Patria, o que não
queria era envolver-me em barulhos contrarios
aos meus principios, e que huma maciira reflexão,
e custosa experiencia me tinha feito ver serem de
nenhuma forma sustentaveis.
Foi quando eu estava só occupado de contentar
a minha sexagenaria Mãe com à celebração da
minha primeira Missa, que cu soube da tomada de
posse «o Presidente Barros, mas conjunctiumente
com a triste noticia da sua expulsão, e então per-
dendo toda a esperança de melhoramentos nos
negocios da Provincia, e vendo tudo encaminhar.
se a huma imitação cega de todos os desproposi-
tos, que se praticavão em Pernambuco, continuci
huma vida mais recolhida, esperando que à Divi-
— 19 —

na Providencia codjuvando os Esforços de V. M.


1. posesse termo as desordens das Provincias do
Norte.
Foi consequencia d'cste meu systema de parti-
cularismo a regeição, que fiz do Lugar de Conse-
Ihciro do Governo para não ter parte nos desva-
rios, que se hião commettendo; fo! consequencia
de não cooperar gu para o systema de anarquia
«ue se hia pondo em voga, o não apparecer o me-
nor discurso, proclamação, falla, ou mesmo carta
feita, ou assignada por mim, impressa,ou manus-
cuipta durante aminha estada na Provincia: a mes-
ma Typographia novamente instalada no Ceara,
que desde o momento,cm quealiapparecco gemeo
ilebaixo do pezo dê immensos escriptos, quasi to-
tos dispondo os animos para o ncvo systema, não
se benzeo com huma só letra minha. Bemse ve,
Senhor, que disgostoso do systema politico, que
se queria propagar no Norte do Brazil, tinha-me
recolhido a huma vida inteiramente particular, e
por conseguinte nenhuma parte queria ter em st-
milhantes negocios.
Continuando n'gste systema cu me occupava de
ajudar ao meo Reverendo Parocho nas funeções
ecelesiasticas, quando chegão cartas, é impressos
da capital, annunciando o rompimento da masca-
ra (segundo a expressão d'elles) c a proclamação
da Confederação no dia 25 de Agosto, tudo inicia-
do por Pernambuco, donde tinhão viado dois
Emissarios para o mesmo fim.
Então, Senhor, vu me reprochei da inãolencia.
capaíbia, a que me tinha deixado redusir, e re-
tomando minha antiga energia, determinei fazer à
minha patria bum novo sacrifício, hindo a capital
a ver sc obstava hum acto tão despropositado,
— 13—
que hia completar a desgraça da provincia; em
consequencia parti para a capital; mas tinha
sido já em dias d'Agosto, que eu tinha recebido a
infausta noticia, e por tanto foi so à 24 do mesmo,
r TIO *egoas que me sepa-
que eu pude transpoas
pavão.
Em chegando conheci logo quão tarde cu tinha
vindo: o espirito publico já estava inteiramente
perdido: tudo quanto a Provincia tinha de mais
nobre estava já na Capital; parochos, eleitores,
camaras ou secos procuradores, ouvidores, capitães
mores, chefes de corpos, e todos parccião estar
informes, e a canalha, cu povo baixo estava na
sua maior effervescencia ec enthusiasmo ; tudo es-
tava disposto e ninguem duvidava mais de que
so se, esperava pelo dia seguinte para se appro-
var, por huma especie de ceremonia, o plano,
que tinha vindo de Pernambuco, e collocar-se na
Fortalêza, onde já não tremulava a Bandeira Im-
perial, a da Confederação, quejá estava feita.
Comtudo cu pude retardar ainda. hum dia o in-
discreto rompimento pura conferenciar com ai-
guns amigos, que eu sabia não convinhão nelle,
sobre os meios deo obstar; em consequencia en-
tendi-me com Mariano Gomes da Silva, Luiz Anto-
nio da Silva Vianna, José Ignacio Gomes Parente,
e uutros, cujos sentimentos de adhesão a V. M. T.
eu conhecia muito bem ; mas estes, não convindo
no atlentado, convinhão com tudo na impossibili-
dade, que já n'aquelle tempo havia. de ser obstado.
Entav cu conheci perfeitamente, que apesar
do conceito, que cu livia aos homens sensatos da
Provincia, fal cra a elfervescencia da canalha, que
qualquer tentativa minha de opposição faria rea-
'isar o ridiculo boato de que cu tinha virado a
— 14 —

casaca, e me exporia aos furores de ltum pova in-


tetramente illudido, e excitado, o isto no dia mes-
mo do seu maiorenthusiasmo ; e então ainda a in-
Huencia, que meu lermão tinha pelo lugar de presi-
dente, que occupava,não me livraria de ser insul-
tado, injuriado,e até talvez assassinado; cin conse-
quenciaa menor tentativa minhaacearretariasobre
mim damno infalivel, enenhum proveito a causa
do Imperio. Deste modo assisti ao tremendo acto
qual mudo espectador, aquelle homem que sem-
pro foi tão promptp em exprimir seus sentimentos
quando se frafavão negocios interessantes a sua
Patria, e que sendo tão franco em patentear sua
opinião na Assembleéa do Rio de Janeiro à face do
Mundo inteiro, guardava silencio em hum Conse-
Ho Provincial, onde appareceram varios discur-
sos, e onde se tratava de nada menos que da im-
portantissima questão da adopção de um nevo
systoma de Governo signal evidente
da coacção,
que eu soffria naquelle acto ! |
Não obstante cu hão perdi oceasião de prestar
vv. M EL cucausa dahumanidade hum servico,
e o Udico que então estava ao mem aleunce. Sim,
aproveitando-me desse brutal enthusiasmo, que
appareceo no Grande Gunselho, propuz, & conse-
sui, que se passásse hum acto de esqueci
mento das olfensas passadas, c fossem tirados
das prisões, e chamados aos seus lares, c ao
scto de suas familias, aquelles que tinhão sido
presos, ou expatriados por motivo de suas opi-
niões politicas, os quaes erão justamente. os que
mais zelosos se tinhão mostrado na susten-
tação dos Direitos de V. M. 1, como fossem hum
Antonio Joaquim, Advogado no Sobral, que se?
achava préso; e Manoel do Nascimento Castro é
— 15 —,

Silva, João Facundo, Joaquim José Barbosa, o Juiz


de Fóra da Cidade da Fortalêza, Manoei José Mar-
tinse outros que iinhão sido lançados fóra, As-
sim descjava eu que voltassem para dentro da
Provincia aquelles, que. a seu tempo,se reunirião
aos outros bons cidadãos para a Restauração da
cousa do Imperio.
Afinal, Senhor, vendo nm'aquelle monstruoso
acto, completa à desgraça da Patria, regressci a
minha casa, cheio de dôr, tendo-me só demorado
na Capital 8 dias, contra o desejo e expectação de
muitos dos influidos, que querião que eu me de-
morasse mais tempo para arranjar os papeis, €
mais negocios tendentes a Confederação ; porém
mal poderia demorar-se para semilhante fim
aquelle,que aborrecia tudo quanto sc tinha feito,e
em nada sc queria envolver, e quese tinha servi-
do de Presidente no Collegio Eleitoral, foi por não
poder evadir-sea huma acelamação geral de todo
o Coilegio, pela qual fora nomeado, talvez por ser
elle de todos quealise achavam o quetivesse mais
pratica de Assembléas, tendo já servido em dous
Congressos.
Chegado que fosse a minha casa no dia 19 de Se-
tembro, comecei a dispor-me para deixar a Pro-
vincia afim de não ser testemunha dos horrores da
anarquia, e da guerra civil,e por que em breve, cu
sabia, que ella hia passar; e como 0 Grande Conse-
lho de 26 de Agosto, em que se adoptou o plano,
mandado ae Pernambuco, linha determinado ex-
pressamente, que os Deputados para o Congresso
Confederativo marchassem immediatomente para
Pernambuco, e tendo sido cu hum dos nomeados,
tomei o pretexto de exccutar aquella ordem, e
ganhar Pernambuco, onde eu sabia que nunca tal
— 16 —

Congresso se ráalisaria, c d'onde eu pretendia


passar-me ao Rio «de Janeiro.
Occupava-me tla realisação deste plano, quan-
do no dia 28 de Setembro foram assassinados, €
completamente roubados na Villa do Jardim, onde
moravam, 14 legoas distante
de minha casa, meu
Tio o Capitão Leonel Pereira de Alencar, e seu fi-
lho Raimundo Pereira de Alencar.Os que os assas-
sinarão, disserão,que o fizcrão por serem elles ini-
migos do Imperio: porém he notavel, Augusto
Senhor, que aquélle Leonel se tisha evadido com
frivolos pretextos de comparecer no Grande Con-
selho de 26 «de Agosto na Capital para adopção do
plauo da Confederação, apesar de ser expressa-
mente chamado como Eleitor, e Commandante
Geral; é Antonio Erancisco, Procurador da Cama-
ra do Jardim, que divigio os assassinos, € operou
elle mesmo com outros o assassínio de Leonel, que
tinha hido a-Capital, assistio ao Conselho, aplau-
dio, e mostrou-seiníluido na adopção do plano, e
sellou-a com sua assignatura. O facto he, Senhor,
que huma demíinda que Leonel trasia com cerco
potentado da Villa do Jardim, o Sargento-Mor An-
tonio Alves Coutg, por causa das agoas de huma
propriedade de térras, co logar de Commandan-
te troral, que cell oceupava, pela expulsão, que
delle tinha soffrido Miguel Torquato de Bulhões,
fêz que estes dous ambiciosos tramassem contra
o sobredito Leonel huma forte intriga cujo resul-
tado foi o burbarp, e injusto assassinato, que aca-
bo de referir, c ht d'este modo, que a vingança, €
interesse particular, tomando o pretexto da causa
publica, commelte as maiores atrocidades do
Mundo todo.
Este attentado, que segundo fodas as leis, hé
sempre um erime, inda mesmo dada a hypothese
de ser verdadeiro o pretexto da causa publica,
porque ainda assim V. M. 1. nunca Quererá, que
os seus defensores ataquem abertamente as Leis
da humanidade, assassinando barbara,e cruelmen-
te dentro mesmo do asilo sagrado de suas casas,
e no seio de suas familias, a homens inermes, €
sem estarem na menor apparencia «e resistencia,
e muito menos-que os roubem, redusindo suas
desgraçadas familias à pobresa, à miseriae à men-
dicidade,insultando e maltratando mesnio a essas
desgraçadas vietimas da orfandade, como fiscrão
espancando,e até ferindo mortalmente a viuva de
Leonel que sc achava no setimo mez de peijada::
este altentado
digo, praticado na pessõa de um tio
a quem cu amava ternamente, e cuja conducta
moral era conhecida por todos como a mais regu-
lar, exasperou-me, e fêz que, aproveitando-me da
occasião de huma força armada, que da Villa do
Crato marchou à do Jardim, fosse a esta Villa para
requisifar a prisão d'aquelles (acinorosos, e para
conduzir ao lugar da minha habitação as duas viu-
vas e mais oito individuos entre donzellas delica-
das, e tenras criancinhas, que formavam as des-
graçadas familias dos dous infelizes assassinados,
redusidas ao misero estado de pé no chão, quasi
núas e mortas a fome; pois o roubo foi tal, que
não lhes deixarão as mesmas feichaduras das por-
tas das casas onde moravão.
Aqui fiz cu toda à diligencia para que fossem
presos os matadores, e se tirassem de varias casas,
onde estavam escondidos, alguns trastes perten-
contes aos dous assasinados. Hé aqui, Senhor,
que começão os meus suppostos crimes ; hé da
diligencia, que eu fiz para que fossem presos os
— 18 —

assassinos de meus parentes, que a vingança, e


a rivalidade particular lirarão pretextos para me
calumniar de inimigo da causa do Imperio, fasen-
do-me inflair na Força que foi ao Jardim e repu-
tando essa força como hida Falicomo designio de
abafar o Sysmu do Imperio, que clles tinhão pro:
clamado; quando o unico tim para que ella foi,
era prender os perpetradores «o delicto; e tanto
isto é assim, que achando-se nos Livros das Ses-
sões da Camara aquela Villa bum Termo, que
eltes tinhão lavrado, declarando ter se restau-
rado os Direitos de V. M. [., foi este Termo
respeitado, não se lavrou outro como era natural
se fisesse, se outro fosse o 5ystema, que se pre-
tendesse, não se levantou banteira da Confedera-
cão, € menos se alterou em coisa alguma o svste-
ma político da mesma Villa.
Com ectfeito, Sgnhor, aquelle, que nunca se tinha
declarado, e neh ao menos dado uma palavra a
favor dos desvarios, que se praticavão desde Per-
nambuco até o Ceará depois que por estes lu-
gares se soube da dissolução da Assembléa ; que
tinha deixado desse deck ao Grande Conselho
de 26 de Agosto; que não tinha feito, ou imprimi.
do a menor falta, proclamação, ou ciscurso ; que
nunca escreveo uma carta seduciôra (desafio o
mundo inteiro para que apresente) ; aquele, digo,
queassim se tinha portado seriane fim deSeten'bro
que elle se declararia, quando já se sabia da der-
rota das Tropas Garvalhinas no Sul de Pernambu-
co, quando já se sabia do rigoroso bloqueio do [.º
almirante no Recife, quando as Provincias de
Paroniba e Rio Grande estavão complefamente
adhesas ao Systema do Imperio; quando linal-
mente até já corcia noticia da tomada do Recife :
—19—

Eis aqui huma palpavel contradição: não querer


me declarar quando o partido Carvalbino estava
no seo maior vigor; quando parte das Provincias
da Parahiba e Rio Grande o seguião; quandoo
Visconde do Recife estava encerrado nas Alagõas ;
quando o Taylor levantou o bloqueio ; quando li-
natmente poderia haver alguma esperança de que
Carvalho se sustentasse ; e declarar-me-hia na 0g-
casião, em que tudo estava perdido !
E succederia isto à hum homen, que por huma
custosa experiencia desde 1817 cinha conhecido a
inconsistencia de similhantes principios!
He facil pois de ver que a minha ida ao Jardim
so teve por fim perseguir aos assassinos, € não
atacar o Systema do Imperio que cu sempre de
fondli.
De volta do Jardim ao Crato cu me vi na preci-
sa necessidade de valer-me da occasião da Tropa,
que marchava destas duas Villas para a Provincia
da Parabiba para a sombra ella sabirde um Paiz,
onde a vingança e O odio particular, tomando o
pretexto da causa publica ; decidirão perder -me.
Os assassinos do Jardim, que não tinhão sido pre-
sos,€ todos se tínlão evadicdo para as partes do Rio
do PeixceS.Francisco,se dispunhão a vir atacar a
Villa do Crato (como de facto o realisarão) na au-
sencia do Governador das Armas Filgueiras, que
bia commandando à Tropa que se dirigia a Para-
hiba, ca minha vida era a mais ameaçada, pelo
empenho que eu tinha feito para «que elles fossem
presos: em consequencia eu inc puz da retaguar-
da desta Tropa afim de passar alem do Rio do
Peixe, onde já não estivessem inimigos meus pes-
suaes, para então poder ganhar vernambuco, €
— 20 —
realisar o meu intento de passar-me ao Rio de
Janeiro.
Chegando a Tropa poucas legoas alem dos limi-
tes da Provincia da Parahiba no Disteicto do Rio
do Peixe soube-se que a Villa do Aracaty levanta-
ra a Batdeira Imperial; c então o Governador
das Armas Filgneiras tomou logo à resolução de
voltar com a Tropa, e€ vir levantar na Provincia
toda o Estandarte do Imperio. Nesta conformida-
de, regressamos todos ao Cariri, onde então cu vi
no seco maior auge todos os funestos elfeitos da
guerra civil, e de huma gucrra cofre hum povo
barbaro e brutal, No Crato se tinha levantado lu-
ma Bandeira Portugueza, e à sombra della vic-
rão os do Jardim à malfadada Villa co Cralo, ca
redusirão à hum monte de ruinas :imatarão, de-
pois de prender à varios cidadãos, cortarão-lhes
as mãos, e pregarão no pelourinho ; assassinarão
outros no seio mesmo de suas familias ; roubarão
quasi fodas as casas da Villa e seus suburbios de
tal forma, que nem as portas les deixarão não €s-
capando ao sague a mesma Matrizo donde carre-
garão os vasos Sagrados.
Quanto a mim não achei mais nem casa nem
propriedades rurues, e nem mesmo familia; por-
que aquellas estação reduzidas à faperas; cesta
estava toda fugida, c espalhada pelos matos para
salvar vida, fendp sido inteiramente roubada, €
redusida ao estalo de vercadeira mendicidade:
pois ate o dinheiro, 6 trastes de ouro e prata, que
estavão enterrados, foi tudo descoberto e roubado.
A vista pois de htm espectaculo tão pungente,
vendo minha Patria redusida o hum monte de
ruinas ; todos os habitantes cobertos de lucto e de
dor; bandos de homeros armados, por toda a
— 9f —

parte,a titulo de causa publica, matavão e roubavão


impuncmente,minha familia assim comoas familias
de muitos cidadãos alagadas de dór-e de lagrimas,
redusidas à miscria e à mesma fome: e conhecendo
cu que não era bastante para cessarem cestas cala-
midades, e segurar minha vida o Ler-se já ali pru-
clamado o systema do Imperio, e ter o Governa-
dor das Armas Filgueiras, por hum Edital, desti-
nado o dia 7 de Novembro para se prestar novo
Juramento dcadhesão a V. M. |. : sim, conhecen-
do cu que nada d'isto era bastante para segurar
minha vida, ameaçada não pelos amigos do fm-
perio, mas sim por aquelles, que a pretexto disto,
querião cevar sua vigança, e odio particular, lar-
guci finalmente hum Paiz desgraçado, huma Patria
ingrata, onde nunca tendo feito miala ninguem,
recebia o tratamento,que se deviria dar ao homem
o mais facinoroso: he verdade, que todos os meus
males forão occasionados por aquelles da Villa do
Jardim, que tinhão assassinado à meus parentes;
e isto por que tirando-mc a vida, não tlhes restava
quem os accusasse hum dia perante o Throno de Y.
M. [.,e reclamasse justiça contra faccinorosos, que
valendo-se do pretesto da Causa do Imperio, com-
melterão tudo, quanto poderião fazer verdadeiros
inimigos de V.M [. desgostando os Povos com mor
tandades,e roubos, praticados em Nome de V.M. 1
Ah! Senhor,que desgraça não seria para o Brazil, e
para V.M.1. mesmo se todos os defensores do Impe-
rio fossem de estófa «dos que por taesscappelidarão
no Cariri para poderem matar, eroubar à sua von-
tade,e satisfaserem suas pretenções particulares !|
Dirigia-me às margens do Rio de S. Francisco,
onde eu sabia, que havia socego, é vordadeira
obediencia à V. M. | cas Leis, desejando d'aqui
passar-me, pela Bahia, ao Rio de Janeiro mas por
mais huma fatalidade, so proprivda minha cruel
sorte, encontrei, no loga denominado — Pintelo
— o Julgado do Cabrobó huma Tropa, que depois
de descarregar sobre mim e seis, que formivas a
minha comitiva humadescargaserradade mosque-
teria, da qual escapei por hum visivel Milagre da
Providencia, depois de assassinar a huma criança,
meu sobrinho da jdade de trese annos, e depois de.
me roubar tudo quanto cu trasia, então hé que
me «disse, que me queira prender porque cu vinha
da Provincia revoltada. He assim, Senhor, que se
serve a V.M. E lipor aquelas fevras, onde por
minha infelicidade nasci ec morei!!! Naqualidado
(de preso pois vol caminhando parno Rio de Ja-
neiro, € muito satisfeito por me aproximar ao
Throno de V. M. E donde virão sem duvida, em
meu favor a Justica, c a Beneficencia.
Eis, Senhor, a historia fiel de minha vida desde
o dia 22 de Novembro de 1823, em que larguci o
Rio de Janeiro té Ledo mesmo mezde 1824, em
que se me deo a voz de preso. Nada omifti d'a-
quillo, que me podem avguir de culpa, deixando
de referir algumas particularidades, que me po-
dião servir de defésa, para não infadar tanto a Y.
M. É. cem huma narração já tão fastidiosa. Com
tudo V. M. |. tora visto, pela fiel exposição que aca-
ho de fazer, que cu sou inteiramente desgracado ;
mas em nada culpádo ; ed'isto V. M. [. Se Persua-
dirá, sem duvida, $e Se quiser convencer da vera-
cidade dos factos, que cu venho de narrar ; o que
não seri custoso de succeder se Y. M. |. Sc Lem-
brar de que o homem, que lhe conta esta historia,
he aquele mesmo, que, à pouco na Assembleia
Lonstituinte fallavio sempre com a maior impar
— 23 —
cialidade, e desinteresse, e que a apesar de se ver
agora desgraçado, e necessitado de se justificar,
não perdeo ainda os sentimentos de honra, e pro-
bidade, que sempre o dirigirão, e menos perdeo a
vergonha para descaradamente mentira VM. L,e
narrar nasua Augusta Presença factos, que quando
indagados com imparoialidade se tornem menti-
rosos.
Quanto mais, Augusto Senhor, que apparecem
ahi argumentos a favor da minha innocencia, que
são dirivados da mesma naturesa das coisas, e de
huma notoria publicidade. Como podiria eu estar
nas Provincias do Norte, durante todo hum anno,
que alurárão suas perturbações, sem apparecer
pela Imprensa, hum papel meu, em que mostras-
se cooperar para aquellas perturbações ? Como
procuraria eua vida a mais particular, e recolhi-
da em Irma Villa no Centro dos Sertões, podendo
existir antes na Capital da. Provincia para melhor
influir nos negocios? Como regeitaria o Lugar de
Conselheiro para melbor iinpor no animo do
Povo? Alem disto, Senhor, que lucrava cu com
o Systema Carvalhino? A móla real do coração
humano hé o interesse, c eu tinha tudo à perder
com aquelle Systema,e nada a ganhar.À reputação,
e boa fama, que cu tinha adquirido, pela minha
vida publica, nas duas Assemblcas, em que servi;
minha fortuna, que posto que pequena, era soba-
jamente bastante para cu viver com descencia,
huma vida particular. e tanquilta no seio de hu-
ma familia estimavei, em que cu tinha posto toda
a base da minha felicidade, c o que he mais que
tudo isto, Senhor,o praser,que me resultava da in-
tima convicção,em que eu estava, de ter ficado no
Agrado de V. M. E., tudo tinha cu a perder se lou-
— 984 —
camente me envolvesse no Svstema anarquico. E
o que ganharia eu? O serdeputado ? E o não seria
tambern pela Constituição Imperial ? O ser alguma
vez Presidenteda Provincia ? Ah! Senhor, V. M.l.
vio bem o meu desin.cresse no Rio de Janeiro : cu
sabia bem ter tido à fortuna de estar no seo Impe-
perial Agrado: hum dos seos Ministros me tinha
dito que Y.M.Taté Se tinha Lembrado de mim para
Presidente de hum. “las Provincias; e comtudoeu
nada pedia Y. M. I., persuadido de que em huma
vida particular encontraria huma mais completa
felicidade : e então aguelle, que tinha deixado à
ocecasião de ser Empregado por V. M. É. queriria o
emprego precariode um povo sempre vario e in-
constante, que eleva hoje às nuvens aquelle mess
mo «que amanhã jprecipita nos infernos!
Acerescente V. M. I. a isto, Senhor, o espirito
de justica, e imparcialidade, que sempre em mim
se devulgou, e pelo qual eu estive sempre isem-
pto desta misquinha, e brutal rivalidade para com
os Cidadãos Brazileiros nascidos em Portugal, que
he sem duvida hum dos príncipios mais prepon-
derantes das perturbações das Provincias do Nor-
te. Atteste esta verdade a espinhosa Sessão da
Assemblêa Constituinte, em que se tratou da cele-
bre Moção do Deputado Munis Tavares: fallem
os Européos «do Rio ce Janeiro, alguns de Pernam-
buco,e muitos de minha Provincia a quem culivroi
da persiguição, e injustiças; mas para que estes
testemunhos se V. M. Í. Sabe bem de tudo ; e
mormente do móclo, com que cu me oppús, quasi
sendo o unico, aos desvarios, e despropositos,
que sc praticârão na celebre Sessão Permanente,
e que liserão necessaria a Dissolução da Assem-
bica? Eaquelle que acabava de ostentar tanta re-
— 95 —

ctidão, e imparcialidade, se tornaria em hum in-


stante, perjuro, traidor, injusto, e até ingrato,
desconhecendo,e atacando os Direitos de hum Mo-
narcha, a quem o Brasil todo deve, tanto ea Quem
cu mesmo sou devedor da estima, e risonho aga-
salho, que me Prestou até à ultima vez, em que
eu live à honra de beijar-Lhe a Mão, como eu ti-
nha já confessado pela Imprensa, quando cheguei
a Pernambuco? Não, Augusto Senhor, tão grande
salto não he vulgar nas acções humanas, e bem
que he propria dos homens a inconstancia, com
tudo commetter huma maldade real e reflectida
aquelle homem,«ue sempre praticou boas acções,
não he vulgar antes mui raro.
Mande pois, Senhor, V. M. I. conhecer de mi-
nha conducta durante o tempo de minha estada
na Provincia: Mande indagar com cuidado, e im-
parcialidade dos factos, que acabo de expender,
e verá que nada ha de, apparecer contra mim, se
não as calumnias, e mentirosas accusações dos
facinorosos da villa do Jardim do Cariri Novo na
Provincia do Ceará, que com effeito levão muito a
mal, que eu ainda esteja vivo para accusa-los pe-
rante o Throno de V. M. I. Sim, Augusto Senhor,
estes malvados são a quem eu devo a minha des-
graça: he dos imbustes c calumnias d'elles, que
partem todos os meus suppostos crimes : a ruina,
o luto, a miseria, e a consternação, em que se
vê hoje minha desgraçada familia ; e as de centos
erentos de desgraçados habitantes do Cariri No-
vu; os assassinatos de innum.eros cidadãos; O
roubou das Igrejas, e de infinitas casas particulares
d'aquelle desgraçado Paiz; Villas inteiras redusi-
dasa montes de ruinas, a morte e o roubo, o sus-
to, ea consternação levados a toda a parte, não se
— dh —

poupando nem qu sexo,e nem a idade os mesmos


Clerigos assassinados ; as familias as mais respei-
tados atacadas, espancadas ce ijnsulfadas; sudo,
tudo se deve a estes facinorosos, que abusando do
Nome Augusto de V. M. 1., e outras vezes a som-
sra da Bandeira Portugueza commelterão as mais
erueis barbaridades, que até se lasem incriveis ;
c isto, tomando por pretexto a Gausa Publica,
quando o seu unigo tim era satisfaser suas vingan-
"as, € interesses darticulares.
A vista de toddo expendido, lembrei-me de me
adiantar por este possivel modo, a Augusta Pre-
sencade VoM. E vogando-Lhe, por fado que hã
de mais sagrado Queira suspender o Sco Alto Juiso
a meo respeito ate se conhecer da verdade dos
factos alegados, Fompadecendo-Se Do entretanto
da desgraçadasorte, a que me fem redusido. Alt!
Senhor, Considere-Se Vo M. |. por hum instante,
no meo desgraçado estado ; e então cu não duvi-
do que facilmente Se Condoeri de mim. Prêso, e
roubado de tudo quanto possuia, escarnecido ce
insultíulo por huma canalha desinfreada, e facino-
rosa; desamparado dos amigos, que sempre fal.
tão na occasião da desgraça ; privado dos meios de
defender-me, e de mais tendo na lembranca q
triste espectaculo da miseria, desamparo, € fome,
aque se acha redusida huma numerosa familia,
composta de huma Mãe sexagenaria, e de mais de
vinte individuos, entre viuvas, Donzellas, e tenras
criancinhas, victimas da orfandade, em que as
de bum Tio, de hum
deixou a morte de hum Irmão,
Primo, edebum Sobrinho, consummidos na vora-
sem da revolução ; eis o miscrando quadro, que
forma a minha cruel desgraça.
Estenda pois, Augusto Senhor, sobre mim, e
— 37

esta desgraçada familia os Actos da Grandesa


de sua Alma; e seja o Primeiro Dignando-Se
Mandar-me dar em minha chegada ao Rio de Ja-
neitoa Cidade por homenagem, ou ao menos li-
mitando a minha prisão a hum «os Conventos da
eu faser minha jus-
Praça para assim melhor poder
tificação, o que não succederi sendo eu encerrado
em huma Fortaleza, onde serão iminguados os
de defender-me,
meios, e possibilidade ao mesmo
tempo, que meos inimigos ficarão com 0 campo
franco para me accusarem, esem puder cu oppór
barreiras as suas calumnias, Eis Senhor,a Graça,
que por ora cusupplico a Alta Benelicencia
de V.M.
Le pela qual Vo M. E Dará mais huma prova da
Magnanimidade de Sua Alma, c de quanto Seo
Paternal Coração se interessa pela sorte desgraça-
da de hum subdito,cujo supposto crime bem longe
estã de ser provado, ao mesmo tempo, que sua
irreprehensivel conducta anterior foi conbecida à
face do Mundo inteiro.
Reija respeitosamentea Imperial Mão
de Yo M. este que he, Senhor, de Vo M.
E. Subdito desgraciudo, ficlc obedien-
e.
Jose” MARTINIANO DE ALENCAR.

villa da Barra no Rio de S. Francisco 20 deJa-


neiro de 1825. »

(Ouro Preto na Ofticina Patricia de Barbosa, e


C:— 1825.)
ESBOÇO HISTORICO
DA

(Provincia do Ceara

CAPITULO XVI

PRESIDENCIAS DE PEDRO JOSÉ DA COSTA BARROS, JOSÉ


FELIX DE AZEVEDO E SÁ, E DO MARECILAL MANOEL
JOAQUIM PEREIRA— OS CRATENSES E
PINTO MADEIRA

O presidente Pedro José da Costa Barros, depois


que fóra por Tristão compellido a deixar o Ccarã à
26de Abril,retirou-separa o Rio deJaneiro, voltando
Fani posteriormente para Pernambuco, afim de
aguardar o resultado dasituação ; e esta resolven-
do-se, por fim, na restauração do governo impe-
rial, apressou-sc a vir tomar conta da presidencia,
o que realisou-se à 17 de dezembro, trazendo
comsigo o coronel de engenheiros Jacob de Nie-
mever para commandantedasarmas,e uma legião
detropas regulares, destinada a conter os facuiosos
e favorecer a marcha do governo.
A villa da Fortaleza, que em virtude do Decreto
de 1 de Março de 1823 fôra creada Cidade, foi
inaugurada n'esta categoria durante a administra-
-— BO —

cão d'este presidente, em fins de dezembro d'este


mesmo anno dc 24.
Sendo Joaquim Pinto Madeira destinado a re-
presentar d'ora em diante um papel dramatica-
mente importante na historia da provincia, mere-
ce que o demos bem à conhecer desde já: neto,
como atraz o «dissemos, do Dr. Manoel de San
João Madeira vindo da Bahia ao Cariry exercer a
advocacia e a agricultura, teve por pai Ponciano
Madeira que pouco foi fallado. e que deo à seo li-
lho Joaquim Pinto Madeira uma educação muito
scanhada.
Ponciano oceupava postos nas Milícias. Filguci-
ras, para obsequiar o pai, fez que o lilho confi-
nuasse nos mesmos postos; e, como gostasse da
sua resolução, fel-o seo ajudante-d'ordens, € O
incumbio sempre das missões de confiança e que
voctamavam mis audácia, Foi por elle encarrega-
do em 181% de levar presos para o Icó os autores
da revolução, com injunceão
de evitar que fossem
tomados, em caminho, como se receiava, e de au-
xiliar os [coenges contra as tropas da Parahyba
que se esperavi viessem atacar dita vilhi. Mar-
chou em [823 com Filgueiras em socorro dos elei-
tores aprisionados por Diniz; foi enviado adiante
com poucos botnens, para intimar a este oflicial
que cvacuasse q Ico, 6 para entregar Os presos ;
commissão esta que desempenhou satisfactoria-
mente, não obstanto os perigos a que esteve ex-
posto. Poiaceusado de ter distrabido do seo des-
tino os fundos que recebéra da Camara do Crato
para as despestis desta marcha, e seos bens (o-
run em parto sequestrados e depositados para
segurança Cesta divida. Abandonou Filgueiras em
I82t, quando este se declarou re publicano; oppoz-
se à marcha da expedição de Pernambuco, e vol-
—31—
veo suas armas contra O seo antigo mo, como se
exprimia elle, quando tratava dt Filgueiras.
Toda à sua vida publica foi uma manifestação
eminentemente exaltada das ideias de monarchia
absoluta hereditaria, e por direito divino e natural
inviolavel.
Muita gente considera este homem singular
como tendo sido tão estupido, que fôra incapaz de
ter uma opinião; mas todos os actos da sua vida
denotam até a evidencia quen'elle sempre dominou
uma fidelidade à toda prova aos monarchas. Fiel
à D. João VI, aceitou D. Pedro Le à independen-
cia, primitivamente de mão grado, e ão depois,
como monarcha legitimo; e, se recusou reconhe-
cer D. Pedro II, foi porque julgou que se fizera
violencia à seo pai para eleval-o ao throno : foi
sempre firme e constante coripheo desta opinião,
O facto do vigario Antonio Manoel tel-o domi-
nado, prova apenas que elle era mencs liomein
de cabeca do que homem de acção. vinto Ma-
deira foi a encarnação de uma inca dominante
em sua epoca, togo não era este estupido, com
nol-o querem inculcar. Quantos homens illustra-
dos passam n'esta vida sem deixar rasto após si, 19
passo que se comprehendessem a sua época, e à
quizessem c podessem representar, adquiririam
a nomeada de Pinto Madeira, pelo menos!
Depois da derrota da exsedição de Pernambico,
elle tambesn sedeixou possuir do entusiasmo hel-
lico e avenfuroso, que lhe inspiravam os secos suc-
cessos militares; ambicionou tambem adquirir im-
portancia politica; caambição passa por ser a pai.
xão das almas grandes. Odiado € execrado dos re-
publicanos pela vpposição que sempre contra elles
exereco, e pelo mal incalculavel que lhes causou
na marcha da expedição: accusaram-m'o de crimes
— 33 —

phantasticos, € em virtude dtelles o perseguiram


perante os tribunaes; assim como, tambem, por
tudo quanto havia praticado na qualidade de cau-
dilho imperialista, querno campo de batalha, quer
nas correrias que fez em procura dos fugitivos hi-
beraes, à quem nunca deo menagem.
Certumente 4 historianem pode, nem deve des-
culpar actos de tanta ferocidade ; mas, pelo me-
nos, pode-se avançar em sua defesa que Pinto
Madeira seguio a torrente da cpoca, e não fez mais
que milhares d'oufros, Os quaes nunca foram,
como elle, inquictados, porque, exercendo repro-
salias sobre particulares, Dunca se atiraram como
elle à frente «do partido inteiro da republica. Seo
maior crime foi se conciliar a ogeriza de uma fa-
milia tão numencsa c poderosa, quanto o cra n'es-
te tempo a dos Alencares no Carirv.
Elle nesta ocpasião despresou estas persegui-
cões, € yfanou-se sempre da funa de canibalismo
que lhe mereego o morticinio da Picada, que
mestes tempos semi-barbaros constituio-lhe um
renome cnfre seps partidários. Esto posto, anima-
do pelo exemplo do vigario Antonio Manoel, resol-
vco ir ao Rio de Janciro reclamar à paga dos ser-
vicos prestados à causa do imperador, e nisto os
seos inimigos o ajudaram maravilhosamente ; por
que deram contra elle denuncias de assassinios
de pessõas que o ouvidor respectivo declarou
ainda existirem com vida no Crato, é de outros
mais perpetrados durantea campanha queclle fez
com os imperialistas do Rio do Peixe, contra a
expedição republicana,
Ora, sendo despronunciado por falta de culpa-
bilidade, e do despacho de pronuncia havendo
appellação para a relação de Perniunbuco, desta
obteve um accordão que não só considerava sem
— 38 —

criminalidade os factos imputados ao rêo, mas


ainda que elles cram uma prova irrefragavel de
relevantes serviços prestados à causa (a legalida-
de. Com esta peça a seo favor, muniv-se de um
traslado dos autos, e com elle apresentou se à D.
Pedro, entregando-lhe documento de tamanho va-
“Jor; servindo-lhe por tanto a violencia de suas
opiniões, c a barbaridade de suas acções de mobil
para ser-lhe outorgada a protecção de D. Pedro I,
que conferio-lhe a patente de coronel, e à 2 de no-
vembro de 1824 despachou-o commandante geral
do Cariry : honras que o fascinaram à ponto de
persuadir-se que
a causa do monarcha se identi-
cara com a sua propria.
De volta ao Crato, todo ufano ainda de seos tri-
umphos, foi-lhe todavia recusada à entrega do
commando da villa pelo coronel Goncalo Bezerra
de Menezes.
O presidente Costa Barros, apenas empossado
da administração, vio-se na necessidade de espa-
lhar fortes destacamentos pelo interior, para ohb-
star os crimes que se iam desenvolvendo n'uma
esvala espantosa. AS de Janeiro mandou o tenen-
te Chaves parxo Crato com uma força respeitavel ;
fez seguir outra para Quixeramobim, e para Sobral
cominissionou o proprio commandate das armas,
afim de oppór-se aos roubos e assassinios que homens
perversrs, à pretexiu de perseguir os republicanos,
commetticum contra seos inimigos proprios,pura saciar
a sua vingança e séde de possur.
Expedio igualmente ordens para se tratar das
eleições de deputados c senadores para a 1.º legis-
latura.
Seo governo foi todo reaccionario ; a currespon-
dencia official resentia-sc de nimiamente viru-
lenta para com seos contrarios, cos actos ce sua
— J| —

adrninistração fôram frequentemente arbitrarios e


sempre mui rigorosos. Felizmente para o Ceará o
seo governo foi de pouca duração : porque à 13 de
janeiro de 1825 foi removido d'ahi para a presi-
dencia do Maranhão ; e à22 do mesmo imez entre-
gou a administração
à seo sutcessor, José Felix de
Azevedo e Sá, nômeado em recompensa dos ser-
vicos que prestára no anno antecedente à causa
da legalidade.
Um dos primeiros actos do governo deste foi
mandar se uestrar os bens do padre Alencar, de
Tristão do padre Sucupira, de Francisco Miguel Pe-
reira Ibiapina, de Joaquim Francisco Gouveia Fer-
de Manoel Pa-
raz,de Joaquim da Costa Alecrim,c
checo Pimentél, para pagamento de 2508000
réis que cada um d'elles recebêra da junta da
fazenda, como deputados à junta federativa
do Equador, de Pernambuco. Na mesma data
promoveo a conclusão das eleições, ordena-
das por seo predecessor, as quaes sc fizeram pa-
cificamente cm toda a provincia, excepto no colle-
gio do Crato, onde os eleitores do Jardim (que
tinham á sua frente Joaquim Pinto Madeira) pro-
testaram conten a forma de governo constitucio-
nal representativo, e reclamaram com demonstra-
ções sediciosas e provocadoraso governo absoluto,
Mas à 22 de junho o presidente officiando-lhes,
estranhou-lhes não só essas suas ideas, como ain-
da o procedimento que tiveram n'aquella cireum-
stancia, cordenou-lhes que coneluissem dentro de
quinze dias as ditas eleições. sob pena de mandar
marchar tropas para aquelle ponto.
Esta altitude do governo valco «crminarem-se
os trabalhos eleitoraes sem maior consequencia;
ca votação de toda a provincia, apurada pela ca-
— 35 —

mara da capital, produzio para deputados o re-


sultado definitivo seguinte :
Manoel do Nascimento Castro e Silva, Antonio
de Castro Vianna, Manoel José de Albuquerque,
José Gervasio de Queiroz Carreira, capitão mór
Joaquin Josê Barbosa, Joaquim Marcellino de Bri-
to, Antonio Joaquim de Moura, e Marcos Antonio
Bricio ; e para senadores est'outro : João Antonio
Rodrigues de Carvalho. Pedro José da Costa Bar-
ros, João Carlos Augusto d"Oeynhausen, Marquez
do Aracatv,e padre Domingos da Motta Teixeira.
Entre as duas Villas visinhas de Sobral e de
Granja, ao norte da provincia, existia tambem uma
rivalidade, ou antes um resentimento devido à
diversidade de opiniões politicas : os sobralenses
eram muito imperialistas, e os da Granja muito
republicanos. O coronel Andrade, um dos ho-
mens que sc compromettêra mais nous negocios
da republica do Equador, havia incutido taes
idéas,em consequencia do grande prestigio de que
gosava entre estes seus concidadãos. O capitão
Marcos Antonio Bricio, estacionado no Sobral,
excitou os indios de Villa Viçosa contra sua rival,
à ponto de no dia 22 de janeiro de 1825 marcharem
contra a Villa da Granja, que tomaram de sorpre-
st, e se deixaram levar à excessos, e violencias
contra os republicanos; mas os habitantes reuni-
ram-se no dia seguinte, e os expelliram não sem
grande perdas.
Um tacto quasi identico, mas infinitamente mais
lamentavel, deo-se na provincia do Rio Grande do
Norte, na antiga aldeia de Port'Alegre, nas prosi-
midades do territorio do Cearã. Durante os distur-
bios de [82% 0s indios ali estabelecidos, aprovei-
tando-se da sahida dos homens para os diversos
corpos de tropa, invadiram todas as casas da cir-
— 36 —

cumvisinhança, matando ou violentando todas as


mulheres brancas, roubando ou destruindo tudo
quanto encontravam. Este procedimento brutal
excitoua indignação das populações que sesreu-
niram c marcharam contra a Villa de PortAlegre,
a qual tomaram sem custo algum, e depois passa-
rar. ào fio da espada todos os indios sem distineção
de sexo nem de idade: foi um exterminio completo
e radical. Quizeram assim estas populações mos-
trar ao mundo inteiro que cram mais barbaras c
ferozes do que os proprios barbaros |...
A 7 de maio de 1825 reunio-se,soba presidencia
do coroncl Conrado, à commissão militar encar-
regada de julgar os presos pela rebelião, que do
Courá tinham sido remettidos para o Rio de Janei-
ro à bordo do ja referido brigue Lexfort, e que «d'a-
li foram enviados para o Ceará, afim de serem jul.
gados. Felizmente para muitos «elles, todas as
pecas officiacs da secretaria do governo haviam
sido queimadas, a pretexto de destruir-se até à
lembrança da republica do Equador; c isto fez
desapparecer as prevas que mais os poderiam
comprometicr,
Como quer que fôsse tomando grandes propor-
ões, e cada vez tornando-se mais ameaçador o an:
tagonismo animado que reinava entre as eluas vil.
las visinhas do Crato e do Jardim, no Cariry, a ca-
mara da primeira nomeou à 22 de agosto uma com-
missão para se entender com a st rival, com o
louvave! tim de tentar uma reconeiliação entre
ambas; mas esta ceconciliação não foisincera,e por
conseguinte teve pouca duração,
Em julho do mesmo anno Pinto Madeira teve de
ir à capital, é como se fizesse acompanhar de um
seguito de homens armados, esta noticia infundio
—37-—
terror na cidade em razão da terrivel nomeada de
que gosava.
O coronel Conrado receiando excessos da parte
de um homem, à quem se aftribuia tamanha fero-
cidade, que na capital houve quem o pintasse sym-
bolicamente num tigre que saciava sta sêde com
o sangue (os inimigos do Imperador; o coronel
Conrado, repito-o, receiando até mesmo por si
proprio, deo ao presidente, à 18 de jull-o, uma de-
nuncia contra elle e seos sequazes, accusando-o
de roubos, assassínios e rebellião confra o go-
verno do Imperador, eujas autoridades menos-
cabava e procurava desconceituar por seos dis-
cursos, e por tentativas de aggressão contra “a
ordem estabelecida: c alegava para prova disto
a tentativa que fize a no Crato, à testa dos cleci-
tores do Jardim nas ultimas cleições, de recla-
mar o governo absoluto c querer arvorar a ban-
deira portugueza. O presidente mandou prender
não só a elle, como aos seos sequazes, que havia
deixado no Coco, perto da cidade, e entregou-o
à Justiça para ser processado; mas, quando prin-
cipiava-se a tirar a devassa, v mesmo Conrado, à
29 de agosto, solicitou sua soltura ao presidente,
allegando a fiança que por elle prestavam homens
conceituados; c até mesmo o incumbio de uma
comissão de recrutador no Cariry, onde não
cessavam os disturbios. Voltou Pinto Madeira pois
para o centro ainda mais qualificado € conceitua-
do do que não cra d'antes.
Neste anno Jose de Araujo Ferreira tomou posse
da vara de Juiz de-fóra da Capital.
A administração de José Felix de Azevêdo e Sa
o de grande utilidade para a provincia neste
tempo de crises tevriveis, de reacçõese de ranco-
— 38 --

res politicos.Seo genio manso e conciliador levou-o


a seguir em tudo os conselhos sabios e pruden-
tes de Conrado, que estranho à todas as dissenções
passadas, não procurava senão sanar os males da
provincia, sem ser movido por odias nem rancô-
res. Teve de lutar com grandes difficuldades, por-
que, independentemente dos embaraços prove-
nientes da siluação politica, encontrou-se com a
terrivel secea de 1825 ; secca que desvastou o paiz
ainda mais do que a guerra; seeca finalmente
tanto mais horrorosa quanto as dissenções preterí-
tas tendo distrahido os braços dos trabalhos da a-
gricultura, reduziram a provinciaem taes conjun-
cluras,a achar-se absolutamente desprovida de vi-
veres quer da colheita do anno corrente, quer
guardados dos annos anteriores, de tal forma que
a população foi dizimada fortemente à falta de re-
cursos alimentícios.
N'estes apuros comia se indistinctamente, e sem
discernimento, todas as raizes que se podiam ar-
rancar do sólo; e isto deo causa à molestias sem
numero. O gado que não morrco por falta de pasto,
foi victima da faca dos esfaimados ; e as rixas que
«d'ahi surgiram entre estes e os donos d'aquelle,
trouxeram novos embaraços ; e nos maiores exces-
sos d'esta fome, como se não fôra ella já por si so
sufficiente para despovoar o paiz, appareceo ainda
uma assoladóra epidemia de bexigas, que causou
estragos espantosos.
Mas pará corôar a obra de destruição da nature-
za, como que faltava um facto humano, e este não
se fez esperar.
O governo que tinho necessidade de reconstitu-
ir um exercito, de que se via destituido completa-
mente, mandou proceder a um recrutamento em
— 39 —

escala tal que jamais teve igual ; de maneira que as


cadeias e casas de detenção sendo poncas para
abranger tão grande numero ce recrutas, ficaram
elles apinhados em quartos pequenos, a que fa-
voreceu poderosamente o desenvolvimento da
epidemia entre esses miseros; e como os meios de
transportal-os para seo destino eram difficilimos
e morosos, a hydra desoladôra teve tempo de so-
bra pará devoral-os à seo bel-prazer.
A provincia: perdeo mais de um terço da respe-
ctiva população ; e o gado que constitue a sua ri-
queza e seo unico recurso, ficou completamente
destruido.
Guerra civil, fome hedionda, epidemia devasta-
dora e recrutamento geral, taes fôram pois os fla-
gellos com que se achou face à face José Felix;
mas, sustentado pelos conselhos de Conrado,hou
ve-se de tal maneira que sua falta na adminisira-
«ão tornou-se assaz sensivel.
A 4 de fevereiro de 1826 entregou a administra -
cãoaseo successor Antonio de Salles Nunes Belfort,
que, apenas empossado, póz-se em desintelligencia
com o cominandante das armas,o coronel Conrado,
por causa de etiquêtas, reclamando guardas-de-
honra que não lhe competiam por gerarchia,e nem
o serviço as permittia n'aquellas circumstancias,
emqueastropasexistentes cram poucas paraoservi-
eu ordinario; e as cousas chegaram entre elles à
tal ponto de animação, que em um de seos officios
o commandante das armas declarou ao presidente
que não corresponder-se-ia mais com elle senão
por ofticios, afim de poder apresentar a correspon-
dencia reciproca ao monarcha, e tomal-o como
juiz da conducta de ambos.
Esta rivalidade, nascida e alimentada entre as
-— 40)—

duas primeiras autoridades da provincia,foi muito


prejudicial à forga moral de cada uma V'ellas, mot -
mente n'um.a época em que a sua harmonia era
condição indispensavel à governação, pois conti-
nuavam ainda os flagellos que indicamos na pre-
cedente administração.
“ Os roubos provocavam representacões incessan-
tes ao governo, gue não pode deixar de por estes
factos aggressivos da propriedade volver suas vis-
tas, muito embora fóssem elles em geral pratica-
dos pela necessidade urgente de saciar a fome.
O recrutamento em vez de diminuir, foi crescendo
em rigor, à ponto de caleular-se que, durante o
commando de Conrado, recrutaram-se para cima
de 3,000 Cecurénses, os quaes fóram mandados
para fora da provincia, sem contar 6 grande nu-
mero d'elles que morreram nas prisões à fome ou
pela epidemia.
Em julho de 1826 o juiz-de-fóra do. Aracatv, não
podendo tolerar os ataques e a turbulencia de um
forasteiro de baixo nascimento, que viera das Ala-
sôas paraa referidavila onde não respeitava pessoa
alguma, pretendco expellil-o «ali; mas c presiden-
te da provincia officiou-lhe logo para prevenir se-
mel"ante attentado, e estranhar-lhe semelhante
procedimento. Este turbulento cra Joaquim Emi.
lio Ayres, destinado a representar um papel tris-
temente celebre mugquella villa.
A 21 de junho terminou os seos trabalhos a com-
missão militar, presidida pelo coronel Conrado, e
à qual fôra commettida o tirar a devassa dos pre-
sos de 1824, que fóram remettidos do Rio de Janei-
ro, para onde haviam sido enviados apos a respe-
ctiva prisão. Por mais que procurasse eu as actas
—4l—

das suas sessões na secretaria, não as pude encon-


trar: dizem que fôram destruidas.
Dos réos submettidos ao seo julgamento, seis ti-
verama sentença de pena ultima ; os quaes foram,
o coronel Antonio Bezerra de Sousa Menezes, que
recorrendo para o poder moderador, e sendo-
lhe a pena conmutada em degredo, não chegou a
cumpril-o porque a morte o levou com pouco;
Francisco Migucl Pereira Ibiapina; Luiz Ignacio de
Azevêdo Bolão; o padre Goncalo Ignacio de Loyola
Mororó ; o coronel Andrade Pessoa e Francisco Pe-
«ro Carapinima, que fóram executados e passados
pelas armas na capital no dia 30 de Abril, dia ne-
fasto em que se vio correr no largo do Paiol c san-
gue de tantos varões prestimosos, como se não
fôra bastante o que corrêra a jorros durante o pe-
riodo das dissensões passadas! |!... Fructos
amargos das guerras civis, e calamidades bem di-
gnas de abrir os olhos das gerações presente e fu-
turas |... José Raymundo Ibiapina foi condemna-
do à galês perpetuas;e os demais ou foram absolvi-
dos,ou devolvidos para os tribunaes civis. O padre
José Martiniano de Alencar foi um destes ultimos;
e, não obstante ser um dos chefes mais activos da
revolução, alcançou livrar-se de toda a culpabili-
dade, no dia 14 de dezembro. Sempre teve este
personagem a habilidade de forjar os planos, e de
os mandar executar por outros, conservando-se
por traz da cortina, salvo de riscos e de compro-
mettimento.
Desde muitos annos, como já o dissemos mais
de uma vez, existia um pronunciado antagonismo,
que não huvia meios de arrefecer, entre as villas
do Crato e Jardim , as respectivas populações nu-
triam-se como que n'uma perenne opposição, em
-42 —

que viviam, º que trazia sua origem de uma séric


de factos antigos de notavel contraste.
A rivalidade, tle que fizemos menção, entre Fil-
gueiras e José alexandre Correia Arnaud, rivalida-
de que motivou a creação da villa do Jardim e o
desmembramento do seo termo do «o Crato, obti-
da em refens da escolha do primeiro para capitão
mór do Cariry; não tardou em dar lugar à outros
acontecimentos,
que fôram fomentando e augmen-
tando a animosidade entre estas duas villas rivaes.
A revolução tle 1817 foi proclamada no Crato, e
regeitada no Jardim; e ao passo que aquelle dedi-
cou-se com um ardor phrenctico às ideas da re-
publica do Equador, este afervorou-se no impe-
rialismo. A familia Alencar e seos amigos dirigi-
ram aquella revotição; Pinto Madeira com a gen-
te do Jardim reuuio-se às tropas do Rio do Peixe,
e bateo os republicanos na Picada e em diversos
outros pontos; obrigando-os a retroceder final-
mente.
Os habitantes do Jardim assassinaram barbara-
mente a Leobel d'Alencar e ao padre Estevão;
mas Filgueiras tomando o Jardim poucos dias de-
pois, vingou estas duas victimas por meio de reta-
liações de atrocidade não inferior; do que elles
tomaram ainda uma desforra do Crato, depois da
purtida de Filgueiras. O vigario do Jaraim foi eli-
minado do governo provisorio do 1.º de março
por manobras de Tristão, que posteriormente
mandou-o prender, quando elle seguia para ucon-
slituinte; mas esse vigario soube instillar no ani-
mo dos seos freguezes o rancôr que 0 animava
contra os Alencares ; e depois da dissolução da ex-
pedição de Pernambuco,o padre Alencar é accom-
mettido na Quixaha por gente do Jardim, a cujos
— 43 —

golpes escapou milagrosamente. Finalmente Pinto


Madeira foi nomeado commandante geral do Cari-
ry, mas os Cratenses oppozeram-se a que lhe fósse
entregue o commando do Crato.
Ora esta rivalidade que crescia de dia para dia,
foi produzindo. como era de esperar, abalos mui
salientes, que despertavam serios receios de funes-
tas consequencias; por isso o presidente attens
dendo mais às representações do Crato que às do
Jardim, mandou à 24 de junho de 1826 ordem de
prender-se a Pinto Madeira, c de ser remettido
com toda a segurança para a capital; e ao mesmo
tempo expedio ao ouvidor do Crato suas instruc-
cões para ser tirada a devassa dos crimes do pre-
so, devassa que levou na respectiva formação qua-
si umanno, e não foi remettida ao governo senão
à 140 ve abril de 1827, e assim mesmo por instan-
cias repetidas da administração. D'esta vez não se
achou igualmente materia para pronuncia, e o
preso foi portanto novamente solto.
Esta devassa principiada a tirar-se em julho de
1826 pelo ouvidor Bernardino Lopes de Senna,
escrivão Monaoel Duarte Gondim, foi motivada por
dous officios dos presidentes; o primeiro de Jose
Pelix de Azevêdo e Sá, de 20 de julho de 1825, re:
fere-se à denuncia dada pelo c nmandante das
armas Conrado, de que já fallamos; e o segundo
do presidente Belfort, à 24 de julho de 1826, no
qual estranha não se haverem ainda exccutado as
- ordens do precedente officio, e declara, outrosim,
ter recebido uma ordem imperial de 11 de abril
do mesmo anno, mandando que se procedesse a
devassa contra Pinto Madeira, pelos factos citados
no primeiro officio, e pelas mortes dos Gamellas, c
outros mencionados no summario.
— dd —

A' pagina 5.º o escrivão certifica que não se pro-


cedeo a dessava pelas mortes dos Gamellas, por
não haver noticia de terem fallecido, e antes con-
star acharem-se vivos até o dia 14 de fevereiro
de 1827.
Trinta testemunhas depõem unanimemente dos
autos, que Pinto Madeira tem muitos inimigos no
Crato, por causa da sua resistencia armada aos re-
publicanos de 1824, os quaes lhe impuam crimes
que nunca esistiram ; que pelo contrario,elle pres-
tou relevantes servicos à causa do Imperador;
que não consta ser roubador, nem matador, nem
andar acompanhado de sequito.
A' 22 de fevereiro declara o ouvidor não achar
materia para pronuncia, e absolve 0 reo. Estes
autos, remetlidos para a Relação de Pernambuco,
obtiveram o ageordão seguinte : «Sustentão a Não
| ronuncia, não só porque não existe O indispen-
savel corpo de delicto, e sera devassa geral, por
isto preterida em direito ; como porque das inqui-
rições não se deduz culpa contra Joaquim “into
Madeira, mas ântes pelo contrario sc conhece que
os factos eriminosos porque é arguido foram prati-
cados em defesa dos direitos imperiaes atrozmente
ameaçados pela rebellião de 182%. Recife 7 de
Novembro de 1829, assignado-— Silva —Malheiros
— Aguilar. »
Foi com este processo que Pinto Madeira sc
apresentou ao Imperador que, como O dissemos
mais atraz, 0 premiou e agraciou.
O presidente ainda empregou novos esforços
para regularistr a marcha dos negocios no Carirv;
mas foram todos clles baldados, por quanto a ex-
altação dos animos das duas villas rivaes veio à
chegar a tal ponto, que os moradores de uma não
— ÀS ——

podiam ir à outra sem correrem reciprocamente


grandes riscos, riscos até de se lhes attentar contra
a existencia ; e esta situação subsistia tanto mais
quanto os presidentes, tão arredados deste ponto,
e por conseguinte nas peiores condições possiveis
para tomarem conhecimentointimo d'esta questão
espinhosa, sempre se mostraram dispostos à ouvir
e favorecer aas Cratenses,e a criminare perseguir
os Jardinenses, cujas ideas retrogradas indispu-
nbam geralmente as autoridades contra elles.
N'esteanno de 1827 não só os Indios, aldeiados
pontos de provincia,
em diversos foram cm sua
totvidade convocados, e repartidamente distribui
dos pelas villas de Soure, Arronches € Mecejana,
por ficarem proximas capital, alim de que 0 s0-
verno podesse lançar situs vistas sohre elese pre-
venit os abusos que se repetiun a cada passo nas
aldeias do interior; como tambem o governo or-
denou que se procedesse em toda a província a
um recenscamento e estatistica geral.
Para este fim foi nomeada uma comissão €s-
pecial, € expedidas ordensà todos os mutricipios
para fornecerem os dados necessarios, pedidos por
esta comissão; mas as autoridades em stiunatoria
ou não souberam ou são quizeram prestar-se às
exigencias do governo, com reiação à este tim;e
poisa obra sabio tão imperfeita, que pouca ou ne-
nbuma confiança merece.
No correr de todo o anno de 1827 continuou a
escacez «e viveres em foda a provincia, não só em
consequencia da falta de inverno nesseanno como
tambem por causa das dissenções que ainda não
tinham cessado, e do rigoroso recrutamento que
nda se fazia.
Nesta emergencia o governo vio-se reduzido não
somente a mandar vir farinha mas ainda grãos
para sementes, pois que faltavom estes ate para
semear as terras.
A 28 de fevereiro de 1828 reuniram-se os coile-
sios eleitoraes para se proceder v eleição de um
novo senador, em substituição ao padre Domin-
gos da Motta Teixcira, que renunciara a escolha;
eus urnas deram em resultadoa eleição de João
Vieira de Carvalho, conde de Lages.
A lo de julho (lo mesmo anno a camara do Crato
endereçou uma representação ao governo,no sen-
tido da conveniencia da ereação de umunova pro-
vicio no Caritv, com parics segregadas das de
Pernambuco c da Parahyba A 23 do mesmo mez
teve lugar a installação € primeira sessão do con-
selho do governo. em vivtude do disposto no & ló
da lei de 20 de outubro ce 1823. A 7 de agosto (6-
ram expedidas as ordens para se procederem as
eleições de juizes de paz, em virtóde da lei ac 1ô
de outubro de 1827.
A deste iiésmo mez e anno deixou o conman-
do das arinas q retirou-se para o Rio de Janeiro 0
coronel Conrado ; e o presidente, em virtude do
odio que lhe consagrava,consentio que sc fizessem
regosijos publicos por esta occasião, mesquinhez
bem pouco digna de um administrador de provin-
cla.
Depois de sua partida, v presidente sumeou
para substituil-o o coronel Campello, commandan-
te de Sobral e irmão do padre Antonio Manoel, vi-
savio do Jardim. Esta nomeação foi geralmente
reprovada, e a tropa detinha existente na capital,
excitada per certos invejosos, amotinou-se, levan-
tou-se tumultunciamente pe no dia 17 percorreu
as ruas da cidade com anicaças, c à meia noite di-
— 47.—

rigio à camara. reunida em sessão permanente


uma representação, em que reclamava sobre a
desconveniencia de ser a tropa regular commanda-
da por um official de 3." linha; e assim pedia que
a camara levasse à sua representação à considera-
ção do presidente, declarando-lhe que cila jámais
submetter-se-bia às ordens de um tal comman-
dante de praça. O governo, que não se achava em
pé de resistir, attendeo à petição da tropa, e no-
mcou, em lugar do coroncl Campello,o tenente-co-
ronel Marcos Antonio Bricio, que tomou immedia-
tamente conta do commando,e suflocou o motim.
A 8 de novembro foi nomeado capilão-mor do
Crato José Antonio Bezerra de Menezes.
“ Na 1.º dominga de janeiro de 1829 reuniram-se
os collegios eleitoraes para procederem a eleição
dos deputados à segunda legislatura, e fóram elai-
tos o padre José Martiniano de Alencar Manoel
do Nascimento Castro e Silva, Antonio de Salles
Nunes Belfort, José Rabello de Souza Pereira, Vi-
cente Ferreira de Castroe Silva, padre Manocl Pa-
checo Pimentel, padre Jost de Paula Barros c
Antonio Joaquim de Moura.
- Em fins de março o presidente Bellort retiron-
se do Ceará para ir tomar assento na camara tem-
porariu, e passou então à administração 20 vice-
presidente Antonio José Machado.
A" presença deste subiram em abril queixas ge.
raes da população dá comarca do Grato contra o
ouvidor Pedro de Moraes Mayer, por arbitrarieda-
des incessantes d'este magistrado, e particular-
mente commettidas na villa do Eco, onde prende-
ra 0 juiz vrdinario Noronha e o commandante ao
destacamento Ignacio de Barros Falcão ; obrigan-
do além disto o juiz de paz Bernardo Duorte Bran-
48 —

dão a retirar-se do termo. Este foi o portador da


queixa. O conselho do governo, em consequencia
della, rosolven a suspensão «este ouvidor.
A 6 de abril o presidente nomeado para a pro-
vincia, o marechal Manoel Joaquim Percira, veio
tomar conta da administração; e as queixas do
Gariry contra Joaquim Pinto Madeira continnaram,
à ponto dessa autoridade no relatorio, que apre-
sentou ao conselho do governo no dia 1.º de ou-
tubro, levar ao conhecimento dos conselheiros os
movimentos vevolucionarios que se lhe impula-
vun;e o conselho, como providencia, incumbio
ao coronel Agostinho, c em sua auzencia no tenen-
te coronel Bernardino Lopes de Senna, de reunir
tropas sufficientes, e de estar sempre prompto à
resistir à Pinto Madeira, no caso de querereste
oppór-se às ordens legaes. Ora, sendo Agostinho
inimigo figadal de Pinto Madeira, outeindo ciumes
da importancia que ia este adquirindo, e sendo,
adém disto vão so um dos-principaes motôres das
perseguições que se exerciam contra elle, como
ainda das partes que eram dirigidas ao governo
em seu desfavor, à cada momento —loi por certo
esta uma escolha mui pouco acertada, e que trou-
xe elfeclivamente na pratica as consequencias as
mais funestas | porque, com esta posição official,
achou-se Agostinho nas condições mais favoraveis
para cavar a ruina do seu inimigo, para animar
cula vez mais «contra elle a indisposição do gover-
no, que, em virtude da sua nomeada, baseada nos
seus precedentes, já se achava demasiadamente
propenso a aceitar tudo quanto se lhe commutti-
cava de mão em desproveito do mesmo Pinto Ma-
eira, que vão tinha a duplicidade, nem a habiíli-
dade de Agostinho para disfarçar a sua maldade,
— 49 —
O mativo de tanto alvoroço no Crato, contra
Pinto Madcira, foi o haver elle organisado, em
seo engenho do Coité, uma sociedade intitulada
Column do Throno, a imitação das de Pernambu-
co que tinha frequentado, e nas quaes se havia
alistado em sua passagem por aquelia cidade,
quando regressava da Córte.
O Juiz-de-fóra nomeado para a Praia-grande,
Felippe Alberto Patroni Martins Maciel Parente,
tambem sectacio das ideas do partédo du Cobemne,
indo tomar posse da sua vara, passou pelo Icó,
onde tentou debalde estabelecer clubs colummnistas,
Depois, estacionando na villa do Crato, ahi mani-
festou publicamente suas opiniões, de modo a
nroduzir serios receios da parte da Camara, que
immediatamente se reunio para resistir à seme-
lhantes tendencias.
O Dr. Putroni mandou chamara Pinto Madeira,
e teve com elle uma longa conferencia particular,
que deo verdadeiros ou simulados cuidados aos
Cratenses.
Dahi em diante, não cessaram de accusar a
Pinto Madeira, de querer derribar a constituição,
e dese achar reunindo, para este fim, gente armas
da em Pajehi de Elóres, Piunco e Rio do Peixe, q
que tudo era falso.
A verdadeira causa de tantos rumores, cra o
odio execrando que os Cratenses nutriam de ha
muito contra elle, co proposito em que estavam
de cavar, à todo transe, à sua ruina.
.Os republicanos do Crato, não podendo mais
manifestar os seos verdadeiros sentimentos, e o
oídio que consagravam à Pinto Madeira, em conse-
quencia da opposição que havia este desenvolvido
à marcha da expedição, deram em apparentar as
— 50) —

suas ideas, escondendo -as sob o manto de um Zêlo


In pocrita e fingido em favor dicansa do Impe-
rador, no intuito de prejudicar e comprometter
aquelie seo inimigo figadal. Esta asserção será
subsequentemente comprovada, pelos factos que
se hão de succeder na exposição que se acha por
nós encetada.
O governo récebia incessantemente partes—de
Agostinho, de José Victoriano Maciel, de Alencar,
do vigario do Crato, e de outras notabilidades do
lugar, que aceusavam Pinto Madeira de tentar con-
tra o governo estabelecido. Estas partes foram re-
mettidas ao Ministerio; e lantas vezes renovadas,
que o Governo Geral otdenow ão Presidente do
Ceará de mandar devassar de todos estes factos,
A 21 "Agosto recebeo o governo um aviso do
Ministerio da Justiça, pediado informações exactas
acerca dos factos imputados à Pinto Madeira, e a,
29 do mesmo mez esereveo este do [eo, que se
achava n'essa villa de marcha para a Capital, tra-
sendo comsigo alguns soldados para obstar ao in-
tento formado por secos inimigos de o assassinas
rem em caminho. A camara do Jardim participou
então ter querido obstar a sabida de Pinto Madei-
ra para a Capital; mas o governo estranhou a este
o seo acompanhamento de soldados, e reprehen-
deo asperamente aquella corporação.
Uma grande dificuldade se antepunha aos in-
tentos dos Cratenses contra Pinte Madeira — e era
o estar no exercicio de Ouvidor da comarca do
Crato, Pedro José de Moraes Mayer, que antes de
vir tomar conta da ouvidoria tinha sido mandado -
na qualidade de Relator da comissão militar, en-
carregada de julgar os réos da rebelião de 182+.
Sus conducta vigorosa, contra os republicanos,
o

já lhe havia aliênado os espiritos dos rebeldes;


sabiam que Mayer era columnista ardente, e que,
por conseguinte, deixava de sero homem que lhes
convinha para à execução de seos planos sinistros
contra Pinto Madeira. Por isto, assentaram de o
lancar fóra da ouvidoria à todo o custo; e não
houveram meios de que se não lançasse mão para
o comprometter junto ao governo ; as partes con-
tra elle andavam de parelha com as que se davam
de Pinto Madeira-—umas por ser coltumnnida, € an-
dar mancommunado com este, afim de attentarem
contra o governo e derribarem à constituição;
outras por haver solfado presos colunistas, em
vez de os entregar ao Juiz-de-paz; outras, emfim,
por não ter titado a devassa dos fuzilamentos pra-
ficados no Leo", por um seo correligionario e ini-
migo ligada de Joaquim Pinto Madeira
Apparecco neste tempo uma ordem para ser
Maver processado por esta ultima omissão.
As ideas dominantes no Crato, repercutiam na
Corte pela presenca ahi dos Deputados geraes,
entre os quaes muitos (por motivos particulares )
tinham assentado na ruina completa dê Pinto Ma-
deiro.;e, conseguintemente, empregavam todos
os esforços no intuito de (riumpharem delle, sup-
plantando-o.
Lancado Maver (óra da ouvidoria, trataram de
accusar Pinto Madeira, na esperança de queo novo
ouvidor, «ue devia stcceder ao que se havia reti-
rado, seria menos propenso e favoravel à este.
A 17 de outubro foi presoadrede no Crato, e re-
mettido para a capilal, o tenente Antonio Candido
de Souza; o qual por esta occasião denunciou vo
governo da existencia no Carir y de uma sociedade
secreta, para aqual fóra convidado, e da qual fa-
— DD)

ziam parte Joaquim Pinto Madeira, frei Luiz do Es-


pirito Santo Ferreira,o ouvidor da comarca Maver,
o vigario do Jardin) Antonio Manoel, o tenente-
coronel João André Teixeira, do [eo',e o padre An-
tonio dos Santos de Andrade. Denuncias posterio-
res vieram conliemar a existencia d'esta sociedade
intitulada Columna do Throno—a qual nas suas
sessões, celebradas no sitio Coité, lugar de morada
de Pinto Madeira, ttamava contra ordem estabe-
lecidac o governo jurado. Por este tempo à cama-
ra do Jardim, que tambem fora incluida nas mes-
mas denuncias como sendo columbista, e estando
eivada de tendencias hiberticidas, protestou so-
lemnemento a sua adhesão ao governo imperial,
repeltindo
as jncrepações quese lhe faziam a esse
respeito. Mas o conselho do governo, sempre par-
cial nesta questão, c não atlendendo senão às
partipações emanadas do Crato, resolveu que fos-
se enviado parvo Cariry um forte destacamento
de cem homens ao mando do major Francisco Xa-
vicr Torres, com ordem de prender os columnis-
tas, e de manidal-os metter em devassa como réos
de rebellião. Todavia, no diaseguinto, foi revoga
da essa ordem de prisão, visto ser o destacamento
encarregado de manter a ordem no Cariry, 6 fam-
bem porque Pinto Madeira officiou que se dirigia
o
para a capital, e Agostinho escrevedo leo que já
se achava elle a'essa villa de marcha para este
ultimo ponto.
Pinto Madeira chegou a capilala 10 de dezem-
bro, e 427 do mesmo mez foi absolvido, ou antes
reconhecido pelo conselho do governo improce-
denteo respectivo processo, visto que delle não
resultavan senão denuncias da existencia de con-
venticulos no Crato à favor do goverso absoluto,
33 —

os quaes eram frequentados e promovidos por


elle; mas sem ter apparecido rompimento, nem
outra demonstração publica de sedição. Ou-
trosim declarou o mesmo conselho, que como
já se tinha mandado um forte destacamento
para o Crato, e ordem de se processarem os
individãos que se achassem complicados ne.
referido crime: n'esta occasião pois seria elle
pronunciado, no caso de haver incorrido em
alguma culpabilidade; e n'este sentido se man-
dou ofticiar pelo presidente à todas as autori-
dades do Cariry, cao commandante interino
das armas Francisco Xavier Torres, que para alli
tinha de marchar com um destacamento de cem
praças, e com incumbencia da execução d'estas or-
dens, e de para isto prestar dodo o auxíio as au-
toridades. Pinto Madeira, isto posto, regressou
para o Cariry, onde teve de ser processado pelos
crimes supramencíanados. Neste mesmo anno
de 29 tomou posse o Snr. Joaquim Vicira de Souza,
da Ouvidoria do Ceará.
“No dia 30 de Novembro, ainda deste anno,
installou-se o Conselho geral da provincia; e no
dia 1º do mez seguinte deu começo «os seos traba-
lhos, que n'este anno tiveram pouca importancia.
Oceupou-se elle de interesses puramente locaes
durante toda a sessão, que prolongou-se até Fe-
vereiro do anno seguinte.
Entrou 0 anno de 1830 sem maiores estremeci-
mentos no Cariry, porque Pinto Madeira nesse in-
terim se achava entretido com seo processo, e os
Crutenses aguardavam d'esse mesmo processo, que
preocupava a todos os espiritos, tudo quanto lhes
suggeriaa má vontade contra elle; tudo quanto
uma imaginação infensa poderia cercar em seu mal,
O Ministerio aturdido pelas partes incessantes
que os inimigos de Pinto Madeira remettiam para
a Corte contra clle, e não podendo entrar no co-
nhecimento do verdadeiro estado das cousas,
mandou que se metessem em processo os incre-
pados. «E para que, diz 6 oflício, se não abuse
da medida adoptada para à punição do crime,
vom sacrifício da innocencia, nem sirva de ins-
trumento de vinganças particulares que de ordi-
nario se desonvolvem em taes occasides», fui
nomeado Ouvidor do Crato o Juiz-de-fóra do Ara-
caty, o Snr. Martiniano da Rocha Bastos, que a
tantos de Janeiro teve ordem de partir para o Cari-
ry ce tomar conta da Ouvidoria, mesmo antes de
receber a carta Imperial, a qual só foi passada a
t2 de Julho de 1831. Fóram-ihe remettidos diver-
sos documentos para se guiar na instrueção do
processo. Elle com efeito partio para sua co-
marca, cas de marco de 1830 deo principio ao
processo, que ao escrever estas linhas tenho sob
as vistas.
Toda a accusacão se fundava em cartas parti»
culâves, € ditas vagos, communicados ao Ministe
rio, referindo-se à rumores ue corriam de alguns
individuos tentarem contra o Governo estabeleci-
do, decorrendo isto da passagem do já citado Juiz-
de-fóra, Velippe Alberto Patroni, pela nova cos
maren; da sua entrevista com Pinto Madeira, e da
existencia deum club columnista no engenho domes-
mo Pinto Madeira, que à voz publica accusava de
haver ceunido em Pajelyi, Piancó e Rio do-Pceixe
um corpo de tropa de 6:000 homens, com os quaes
pretendia derribar a constituição. Teiota e cinco
testemunhas inquiridas declaram em substan-
cia q seguinte; « Que sabem, por ouvir dizer, que
— 55 —

o coronel Joaquim Pinto, vindo do Rio de Ja-


R

neiro, saltou em Pernambuco, d'onde se diri-


gio ao centro para derribar a constituição;
mas que chegando ao Crato nada fez que possa
justificar semelhante increpação;, que tempo
depois correu o boato de que, na occasião da
festa da Matriz, vicia pôr em pratica dito proje-
cto; que, com medo, muita gente se retirou
para fóra da Villa; mas que Joaquim Pinto veio
assistir à festa, sem fazer rumor algum; que
passou revistu ao seu batalhão, pu a parte d'el-
le; depois do que se retirou a noute para seo
sitio, sem O menor movimento; que passados
alguns dias tornou a diser-se que à 12 de Outu-
bro devia elle executar o seu sinistro plano;
mas que neste dia comparecendo e querendo
“tomar, na qualidade de commandante geral do
Cariry, o commando da brigada que se havia
reunido para festejar os annos do Imperador:
à isto se oppozera o coronel Gonçalo, disendo
que tinha ordem do Governo para o substituir.
Pinto Madeira respondeu que tal ordem so se
deveria entender quando clle fósse para a Ca-
pital, onde o chamavao Presidente da provin-
cia; que d'ahi se originou uma altercação, que
fez receiar um conflicto; mas que a camara,
reunida n'esta oecasião, chamou os deus com:-
mancantes, e propôz-lhes que desistissem n'a-
queile dia do commando da brigada, em favor
do tenente coronel José Victoriano Maciel; o
que foi por ambos aceito, e eflectivamente
executado; que Pinto Madeira assístio à pa-
rada e correspondeo aos vivas dados pelos che-
fes à Religião do Estado, à constituição do Im-
perio, e ao Imperador do Brazil; e que nunci
R
tentou, nem de leve, contra o Governo. Refe-
A

« rem outras que assignaram um papel, qne -se


“ lhes apresentou, concebido em tres tilulos; de
“ manter a Religião, o Imperador. c as Autorida-
“ «dades constituidas. Dizem quasi todas, por ouvir
discr, que estes boatos eram espalhados. e que
se referia achar-se o ex-Ouvidor Mayer man-
communado gom algumas outras pessõas, para
« pôr eim pratica semelhante attentacdo; que nun-
« ca houve, porem, a menor tentativa para O pôr
« em execução, embora se renovassem constan-
« temente os mesmos boatos, que à maior parte
« das testemunhas declara serem sussitados pelos
“ liberaes ou republicanos, com o fim unico de
« desconceituar 0 coronel Pinto Madeira, o maior
“ sustentador da pessõa do Monarcha. Algumas
referem que cartas vindas de Pernambuco e da
Bahia declaravam que cra verdade que se que-
« ria derribar O Governo; mas que não convinha
« fazel-o, por não ser isto do agrado de S. Mages-
« tade. Uutras dizem que ouviram dizer a Pinto
« Madeira que, se alguem sc atrevesse a conspi-
& rar contra o Imperador, tinha de se haver com
“ elle Pinto Madeira. »
- Em vista de tes depoimentos, declarou o Ouvi-
dor Martiniano da Rocha Bastos, a 7 de maio, que
não achava materia para pronuncia.
Esta decisão foi como um raiv arremessado con.
tra os Cratenses, que ficaram contrariados por ve
ainda esta vez escapar-lhes a presa, que julgavam
tão segura: Os inimigos do despronunciado bra-
miram de raiva, e fizeram reverter contra o Ouvi-
dor toda a sua animosidade.
A 44 de julho o Presidente retira-se da provin-
cia, tendo passado a administração ao vice-presi-
mt, T—

o
dente José Antonio Machago, o qual, depois de
alguns dias, teve de passal-a igualmente ao pri-
meiro vice-paesidente, José de Castro e Silva.
Pelos fins d'este anno, Pinto Madeira (oi para
Pernambucc a tratar de sua (letesa perantea Re-
lação, do processo crime que lhe haviam instaura-
do ho Crato.
Durante os uítimos mezes deste anno de 1830,
isto é, de maio em diante, até meiados do anno se-
guinte, a provincia gosou de socego pelo facto ce
achar-se ausente Pinto Madeira, o qual se conser-
vou no Recife até esta épocha, pouco mais ou me-
nos, em que regressou ao Ceará, depois de alcan-
car livrar-se completamente dos crimes que lhe
haviam sido imputados.
No dia 1.º de dezembro d'este mesmo anno de
4830, abrio-se a 2.º Sessão do Conselho geral de
provincia, que prolongou as suas discussões até
os primeiros mezes de 1831, occupando-se sem -
pre de medidas puramente locaes.
Por Decreto de 6 de maio creou uma nova villa
na povoação do Frade, do Riacho-do-Sanguc, des-
membrando o seo termo da do Icó.
Por Decreto de 11 de outubro do mesmo anno
crcou uma nova freguezia no Pereiro, debaixo da
invocação de Santos-Cosme-e-Damido, desmembra-
do o seo territorio das do Icó e de Russas.
Por esta occasião, na côrte do Rio de Janeiro,
oceurrencias se deram que não farei senão apon-
tar de leve, para atar o fio dos acotecimentos que
ellas promoveram n'esta provincia por uma força
de repercussão. Aggredido 0 imperador D. Pedro
com incrivel tenacidade pela opposição, que ia
sempre crescente em numero e em vigor; e não
tendo sabido, ou fallecendo-lhe os meios de con-
— 65 —

ter-lhc a audacia, os embaraços da situação do-


braram de força, e tóram tomando novas propor-
cões de momento para momento.
A 3 de maio «de 1830 abrio elle em pessoa a 1.º
sessão da segunda legislatura, pronunciando en-
tão um discurso d'Abertura mui notavel; mas no
correr dos trabalhos della chegou ao Brazil a no-
ticia da revolução de julho, que fóra consummada
em França: noticia que produzio viva sensação
nos espiritos, enchendo de esperança aos libe-
raese de terrores aos conservadores, ao passo
que communicou à imprensa ainda mais desenvol-
tura que dantes. O imperador, portanto, enten-
dendo pelos factos que seos trabalhos não traziam
os melhoramentos desejados, encerrou a sessão
no dia 30 de novembro, na occasião da fusão das
duas camaras ágradecendo aos membros de uma e
de outra o ficl cumprimento de seos deveres, e ao
mesm tempo manifestando-lhes o pezar que sen-
tia por não haverem elles decretado as medidas de
urgente necessidade ; 0 que esperava que fizessem
na proxima sessão. Com a adopção e pratica d'esta
medida, o vulto politico do monarcha amesqui-
nhou-se, e a opposição chegou ao ultimo grão de
exaltação; não respeitou mais nem a vida privada
do fundador «lo imperio; ao qual, por estes. meios
indignos, tornaram impopular é até aborrecido
das populações tanto da córte como das provin-
cias.
A «le Minas, uma das. mais populosas do impe-
rio, tendo manifestado maior descontentamento
do que as outras, a ponto de levar esse desconten-
tamento ao extremo de proclamar idéas de federa-
cão, O imperador em taes conjuneturas resolveo
ir vizital-a com o filo de acalmar os espiritos e;
— 59 —

pois, a 30 de dezembro, partio da córte com a im.


peratriz em direcção à Ouro-Preto, onde publicou
a 22 de fevereiro de 1831 a famosa proclamação
que deo motivo à tão sinistras interpretações. Ex-
probrava os excessos da opposição e da imprensa ;
mas era tarde para applicar-lhes o remedio, tanto
mais quanto a frieza e a falta de respeito que en-
controu alli;deram-lhe a conhecer toda a impopu-
laridade a cuc havia tocado;
de modo que, vol-
tando para o Rio de Janciro, fallava sempre de
abdicar.
No seo regresso chegou à San-Christovão a 41 de
março: e na noite «le 13 para /4 teve lugar, sem a
menor intervenção delle, o fatal e sanguinolento
conflicto, denominado a— Noite das garrafadas—,
em queo partido portuguez rompeu em excesso
com o partido exaltado. D'este facto originou-se a
sizania de que clle favorcecia os Portuguezes, que
por isso queriam dominar os Brazileiros e que,
portanto, era necessario reprimir a audacia d'es-
ses insolentes estrangeiros.
Nestas circumstancias, sob um céo tão carrega-
do, pois, é que (27 sua entrada na córte, onde foi
friamente acolhido. Mas, reconhecendo vo mao
caminho que tomavam as cousas, a 6 de abril de-
mitlio o ministerio, e o substituio por titulares
que já haviam occupado pastas de ministros ; O
que occasionou um alevanto na plebe, que reu-
nindo-se no campo de Santa Anna, d'ahi enviou
uma commissão de tres juizes de paz, pedindo a
reintegração do ministerio destituído ; a isto po-
rém respondco nobrementesS. M. : que tudo faria
para o povo, mas nada pelo povo, Com a noticia
desta resposta, o povo e as tropas, attrahidas por
elle, fóram-se concentrando no campo de Santa
00 -

Abra; o batalhão do imperador adherio tambem


a revolta; e D. Zedro sabendo esta deserção não
se alterou, e, para que nao houvesse cifusão de
sangue, ordenou que para aquelle campo fosse 0
regimento de artilharia montada, que sc achava
nc patco do paço imperial. o
N'esta situação, (atigado de tantas lutas, a 7 de
abril escrevco, sem consultar a pessoa alguma, o
acto de abdicação em favor de sco filho D. Pedro
IL; nomeando por tutor c curador dos lhos, que
deixava no Brazil,a José Bonifacio de Andrade. Em
seguida;tendo arranjado seos negocios domesticos,
embarcan-se por sua livre e expontanca vontade
n'úma nao ingleza, levando em companhia sua fi-.
ha D. Maria da Gloria, depois rainha ve Portugal;
ea 13 fez-se dê vela para a Europa, d'onde não
voltou mais ao Brazil; ficando D. Pedro fl, de me-
nor idade, acclamado imperador.
A noticia da abdicação e retirada do imperador
produzib nos Cenrenses sensações mui diversas:
encheo de alegria os liberaes. c consternou os
conservadóres, cujo rancor concentrou-se muma
esterilidade de acção ; c aqueltes, pelo contrario,
dando expansao nos secos resentimentos, resolve-
tam tomar vingança dos aggravos que tinham do
poder decabido. No Cariry, particulirmente, os
dous partidos guardavam entre si uma posição de
ameaça, e a fermentação era geral n'aquellas fa-
milias cujos membros haviam sido sacrificados.
nas dissensões passadas.
Quando Pinto Madeira foi sabedor dos acente-
cimentos do Rio:de Janeiro, tomou essa: revolu-
ção tão decisiva por uma violencia praticada
pela opposição: contra o imperador, e persuadio-
se de que esse triumpho dos liberaes-seria curto
— GL -

« passageiro ; idea em que 0 contirmoou ainda mais


o boto de um desembarque de tropas de D, Pe-
dro E na Bahá, cu cm qualquer outro ponto do
nortc. Não tinha. che.tum ceffeito designio formal
do resistencia, bem que estou que descjasse ma
qecasião e ingios Ue apparecer cm campo - mas
tambem é certó que não estava prevenido ou pre-
parado para uma revolução, pois faltavam-lhe to-
dos os ineios para isso. E' verdade que voltou do
Pernambuco, onde se achava, certo de que cila:
teria lugar; mas teve então ordem de esperar à
oceasião, e de aguardar as instrueções que. se lhe
enviariam, quando tudo estivesse preparado para
effectuar-se o rompimento em todos os pontos.
A sifuação do Cariry, porém, «lc dia ém dia torna-
va-se mais grave; não obstante, esperava cile que
as occurrencias o chamassem à campo ; uma ulti-
ma perseguição, muito mais vigerosa e encarniça-
da que as precedentes, veio entretanto precipitar:
lhe a resolução e inopinadamente chamal-o às
armas. o
A 25 de maio de 18310 vice presidente declarou
em conselho do governo, que de Pernambuco se lhe
participára a absolvição de Pinto Madgira narela-
cão; e que se lhe transmittira o aviso de ter-se elle
filiado aos columnistas do Recife. entradono conhe-
cimento dos secos secretos designios, e promettido
secos serviços e sua cooperação no Crato, n6 caso
de que se pozessem em execução os planos liberti-
con forme a
cidas desta associação ; acrescentando,
participação, que Pinto Madeira declarára formal-
mente que ia engrossar c organisar seo partido no
Caricy, c dispôr tudo para em seo tempo pro-
nunciar-se contra a liberdade c independencia do
Brazil; recriminações trivimes dos partidos d'a-
= 89 ——

quelles tempos, mas que fóram lançadas adrede


para não deixar um momento de folga à victima,
que mão secreta perseguia a fodo o transe, e
sem todavia dar a menor demonstração; o que se
deduz facilmente de tantas e tão amiudadas aceu-
sações contra Pinto Madeira, de que sempre foi elle
absolvido por scos inimigos, não os directos, mas
esses suscitados, que não tinham a habilidade de
comprehonder a fórça secreta que os impellia,
A" vista, portanto, de uma semelhante commani-
cação, tratou o conselho de deliberar sobre as
medidas que convinha tomar em taes conjunctu-
ras, houve grande indecisão apparecerar diversos
modos de apreciação da situação, aventaram-se
varias idéas sobre ella; mas, afinal, prevaleceu
sobre tudo o parecer de que Pinto Madeira e João
André Teixeira Mendes fôssem suspensos de seos
commandos, e revocados quauto antes para a ca-
pital; assim como tambem o vigario do Jardim.
E pois, a 26 de abril fóram ambos suspensos, e lo-
go substituídos por commandantes da confiança
do governo, o qual solicitou ao mesmo tempo, do
imperador, a substituição do ouvidor Martiniano
da Rocha Bastos.
CAPITULO XVIII

ROMPIMENTO DE PINTO MADEIRA — GUERRA CIVIL


DO CARIRY

A testa dos exaltados do Crato achava-se então


um individuo mui turbulento, que temendo Pinto
Madeira, intentou por isso perdel-o ; e outras pes-
sõas havia que, sem apparecerem, igualmente de-
sejavam destruir essa potencia, para sobre os seos
destroços erguerem a propria. Além d'isto, a fa-
milia Alencar zonsagrava-lhe um odio mortal, que
não era esteril ; accrescendo que elta dispunha de
influencia sua na córte perante os ministros.
Os espiritos já tinham chegado à este ponto de
exaltação, quando na noite de 6 de julho de 4831
tocou-se a rebate nas ruas do Crato, e reunio-se
precipidamente gente sem saber do que se tratava.
As autoridades, em lugar de intervirem para sus-
tentação da lei, prestaram à isto a sua cooperação,
e mesmo deixaram a tropa misturar-se, com o
povo : que, guiado por Maia, moiôr «esta sorpre-
za, foi conduzido para O largo da camara, cujos
membros avisados cum antecedencia, e compartes
da trama, reuniram-se para iogo na sala dus au-
— 6 —

dicncias, c deferiram a petição que lhes foi dirigi-


da em nome do povo.
Parece-nos de summa importancia o trasla 1:
mos, por extenso, essa curigsa peça. Eil-a : —-

«Camara Mucinipal da Vila do Crato. — Acta da


Sessão extraordinaria de 6 de Junho de 1831

« Achando-se em Camara os Ses. Vereadores,


abric-se a Sessão.
«Nesta apparecco huma representação do povo,
e tropa assignada por tres cidadãos como nomias
elos pelo povo, requisitando o seguinte :
« Senhores, v povo e tropa levados do mais jus-
to prazer lanção mão das armas, e seacham n'cste
campo não a outro tm, senão para derramar se
preciso fora ultima gota de sangue pela feliz acla-
mação do Brasileiro Monarcha o senhor D, Pedro
2º antemural seguro para conscrvar idesa e ina-
palavel a constituição Brasileira, firmes por este
lodo, e certos do quanto tem sido prejudiciaces ao
Brasil inteiro as authoridades inconstitucionaes,
querem que de huma vez se remectem males, que
por causa das traições se tem feito incuraveis, o
que se pode sanar separando o bom cc mao, €
cortando se pela raizo tronco do absolutismo e
isto se pode remediar sem o menor motim, huma
vez que VS. S* ponhão em pratica, como lie de
esperar, a requisição seguinte que Taí assignada
pela commissão que o povo em massa elegeo.
« art. 1.º Que o Ouvídor desta comarca, Marti-
niano da Rocha Bastos, aquelle mesmo de quem
se espérava justiça contra huma sociedade colum-
nista, que trabalha para recclonisar o Brasil, cuc
tanto nos tem Nlagelado. Esto corrupto Ministro
— 65 —

devaca de tão horroroso crime ao - molde, e-dese-


jos dos inimigos da nossa constituição derraman-
do toda a sua colera, desinquietando.os pacificos
cidadãos, como praticou com o juiz de Paz 'Anto-
nio Ferreira Lima eroutros do'sua-familia; este
ouvidorsetorna indigno do cargo que accupa,tan-
to por:ser inimigo declarado do sistema actual,
como por não ter, atéro presente, apresentado 0
seo diploma, tomo lhe foi ordenado na carta Im-
perial, por cujo motivo deve ser já demittido e
retirado: para à capital da provincia; para tranqui-
lidade dá comarca,e segurança da causa.
« Art 2: Que o-juiz, órdinario d'esta villa o
Tenente Francisco José de Andrade pelo aferro ao
absolutismo e inimisade à constituição-do Imperio,
deve ser já demittido, e posto em sea lugar hum
Cidadão probo.
« Art. 3.º Que.o-juisado de Paz que: se acha a
cargo do suppletite seja restituido ao legitimo. de
nossa escolha, o cupitão:Antonio Ferreira Lima,
visto não ser criminoso, não obstante aehar-se tra-
hido peto despotico Ouvidor, do que mostra legiti-
mamente a falcidade e traição do dito Ministro.
« Att. 4.º Que o Alferes José Ribeiro de Andrade
seja demittido do lugar de Alferes, e espera-se que
o Sur. Coronel de cavaliaria o encare como hum
absolutista.
« Art. 5.º Que o capitão Nicamedio Gonçalves
da Costa seja demittido do lugar de capitão, por
ser com afinco inimigo da causa Brasileira,
« Art. 6.º Que o Escrivão do crime desta vília,
Francisco «de Olanda Cavalcante, seja demittido do
“seo lugar por ser indigno do emprego.
o Ouvidoria, Manoel
« Art. 7.º Que o Escrivãda
Pedro Duarte Gondim, seja lançado fora do officio
tanto por ser linimigo da causa do Brazil, como
pelos seos factos publicos, tendentes ao seo Carto-
rio.
« Art, 8.º Que Pinto Madeira e outros do seo
sequito fazem-se «dignos de mui sabias medidas ;
e espera-se que V.” S,.º de uma vez nos livrem de
tão horrorosos monstros, com aquellas provi-
dencias que mais exigir o caso.
« Villa do Crato 6 de Junho de 1831.
José Cavalcante de Albuquerque Timbauba.
José Francisco Pereira Muia.
José Thomaz Vetupino de Carvalho ».

Nesta mesma sessão.... « deliberou a Camara


que se chamassem a conselho as autoridades cívis
e militares d'esta villa para com retlecção se deli-
berar sobre 0 8.º art. da requisição do povo e tro-
pa; e se achando todas em conselho, foi delibera-
do que para socego e tranquillidade publica, e à
bem da causa do Brasil, vistas as actuses circons-
tancias, se devia prender Pinto Madeira e seos
satellitea, declarados inimigos da Constituição ; e
para isto se officiou ao Coronel Gonçallo Luiz Tel-
les de Menezes, para a prisão do dito Pinto Madei-
ra; e deliberou a Camara que na presente sessão
se assignassem todas as autoridades, que forão
chamadas a conselho.
Officiou-se ab Juiz de Paz para entregar ao pro-
curador «da Camara todaa polvora e munição que
se acha em deposito, e outro officio ao dito Juiz
para embargar, e faser entrega ao mesmo Procura-
dor de todas as pedras-de-fôgo, e enxadas de xum-
bo que se ucharem n'esta villa.
Passou-se mandado para o Procurador entregar
— 67 —

a polvora, e armamento, e mais munições ao


Coronel Gonçalto Luiz Telles de Menezes, e que
suprisse com papel para cartuxame; e por não
haver mais nada a tratar feixou-se a sessão as seis
horas da tarde. Eu Thomaz José Leite de Chaves e
Mello o escrevy.
« Maciel. P. Mello. P.* Lima. Rabello. Moreira.
Gonçalto Luiz Telles de Menezes, Coronel de Caval-
laria. Joaquim Antonio Biserra de Menezes, Capi-
tão-mór do Crato. Francisco Cardoso de Mattos,
Capitão de Cavallaria. Antonio Candido de Souza,
Ajudante de Cavallaria. Luiz Chavier Torres, Alfe-
res Commandante do Destacamento de 1.º linha.
Canuto José dc Aguiar, Commandante do Destaca-
mento do Icó. »
No entretanto Pinto Madeira, informado do que
se passava no Crato, cansado de tantas a tão renhi-
das perseguições, às quaes conheceo que havia de
succumbir tarde ou cedo, dispunha-se à retirar-se
para fóra da comarca do Carirv. O vigario Anto-
nio Manuel, porém, sabendo do designio de seu
amigoe correligionario, e conhecendo que, se por
ventura elle se retirasse, todo o peso da tempesta-
de viria à recabir sobre si somente: entendeo que
cumpria-lhe conservar ao lado este campeão tão
destemido, cujo nome só inspirava tantos receios
à seos inimigos; foi ter com elle, pois, a seo enge-
nho Coité, demoveo-o do proposito em que esta-
va,e,atinal,resolveo-u a aceitar antes o desafio que
lhe offereciam os antagonistas, e a tentar a sorte
das armas, do que tornar-se pcla fugida o ludibrio
dos seos inimigos communs. Após isto, trouxe-o
comsigo para a villa do Jardim, onde chegados,
convocou a camara e as autoridades de termo. e
patenteando-lhes 'o estado das cousas no Crato,
— 68 -—
ievou-as a protestar ao governo a sua adhesão às
ideas de 7 de abril, pedindo-lhe simultancamente
sogeorro e assistencia em circumstancias tão apu-
radas, e declarando-lhe que, no entretanta, iam
tomar providencias para resistir às aguressões dos
sediciosos do Crato, em quantoo governo não lhes
dava o solicitado auxilio. E para este fim foi con-
vidadaa população do Jardim e de soo termo a
pór-se debaixo das armas, e de oromplidão ao
mando de Einto Madeira.
pado este passo, a luta estava de facto travada.
A aggressão tinha partido do Erafo indubitavel-
mente; sendo verdade, tambem, (que do lado do
Jardim commettcran-se imprudencias irrepara-
veis ; mas que partido tenar cm semelhantes con-
juncturas?!
u governo sciente do que se passava no Carirv,
mas sendo de longa data infenso à Pinto Madeira,
e estando não só muito prevenido contra a gente
do Jardim,assim como sempre propensa à favor do
Crato e da gente queali residia, resolveo mandar
para o theatro dos disturbios o commandante cas
armas Thomaz Antonio da Silveira, que tinha vin-
do por nomeação especial substituir ao major
Francisco Xavier Torres.
A vista d'esta resolução, partio elle da capital
com tropas a 28 de julho,e chegou 30 Jardim seiu
novidade. Mas a 28 de agosto de 1831, tendo sido
assassinado um dos seos soldados pela gente de
Pinto Madeira, apoderou-se elte de um terror pa-
nico, e voltou com toda a pressa para à capital,
onde chegou a 17 de outubro. D'alú naseco ainda,
na capital, tnaior indisposição contra Pinto Madei-
ra, cujo nome c fama eram capazes dc fazer cor-
fer um official superior.
— 69 —
Eis, por copia, a parte que des o Commandante
das Armas ao Presidente da provincia.
«Him. Exm. Snr. Em cumprimento do officio
de V. Exc. de 23 de junho do corrente anno, e re-
solução do Exm. Conselho administrativo de 2]
do dito mez, pelo qual marchei para a nova co-
marcado Crato; levo ao conhecimento de V. Exc.
para fazer presente ao mesmo Exm.. Conselho, o
seguinte. —Sahi d'esta capital no dia 28 d'aquelte
mez dejunho, como participei à V. Exec. por meo
ofticio da mesma data; e até a villa do Icó não
observei movimento algum politico que pertur-
basse a ordem publica, o que annunciei a V. Exec.
por officio de 28 de Julho. Na villa do Crato obser-
vei em alguns que ostentavão ser muito constitu-
cionaes, vontade de se promover uma guerra in:
terna contra os Jardinenses, toinande-se por pretex-
to aquelles mesmos pelos quaes fui gu obrigado a
marchar. [nlaguei das primeiras Aufhoridades, e
pessoas de credito «ella, se crão ou não reacs os
receios e boatos, de que o ex-coronel Joaquim
Pinto Madeira, intentava oppor-se aos principios
libaraes da nossa Conslifuicão, e Acelamação do
Senhor Dom Pedro 2.º, ca resposta foi ambigua, :
que me fez persuadir, que navilla do Crato ha pes-
soas «destas, que appoiam os sentimentos dos Jar-
dinenses, quero dizer: sentimentos oppostos à
actual forma de governo. O ofício junto que vfe-
reço à V. Exc., enviado pela Camara do Jardim,
me obrigou a sustentaro meo juiso até a minha
chegada aquelta villa, que foino dia 23 de agosto
do corrente anno pelas oito horas da noitee aonde
no dia seguinte communiquei o vigário António
da Camara. e mais al-
Manoel de Sousa, presidente
sumas pessoas, e quase me persuadi, que os par-
Ty —

tidos se chocavão por principios de intrigas, ri-


validades, e antigos odios de que lançarão mão os
Jardinenses para insultar aos do Crato official-
mente. Vorem com a minha demora de cinco dias
pude conhecer que esta intriga tem tambem eri-
sem da pouca ou nenhuma constitucionalidade
dos Jardinensés, cujo modo de obrar reforça esta
asserção: elles não vsão do laço nacional, por ser
este o parecer d'aquellé vigario e outros de igual
lote: o nome liberal é tão odioso maquelle lugar,
“uc deu motivo a um paisano dar uma cacetada às
sete horas da noite do dia 24 em um dos soldados
da minha cometiva por cantar em uma casa Corin
qué gente boa, que defende os liberaes, cle.cujo homem
não foi conhecido por dar atraicoadamente e fugir
logo para fora da villa. Uma futura esperança pa-
rece animar w fortificar aos Jardinenses, ce uma
política mal concebida sustenta à gente denomina.
da cabras—o que melhor V.Exc.vera do meo officio
do2 desetembro. Estes homens são uns perfeitos:
Cossacos. elles não temem a Lei, c a Religião é
m'elles deminuida a proporção do crescimento da
superstição: vivem armados de bacamartes, clavt-
nas, facas de ponta aguda e outras armas offensi-
vas, e são muito faceis e destros na arte de assas-
sinar ao proximo, c folgam de alimentar-se, da
rapacidade, » que são muito inclinados. Para
se conhecer facilmente o caracter malvado d'es-
ta gente, que só obra por insinuações, basta
dizer a V. Esc. que pelas 8 horas da noite do
dia 28 do mesmo agosto foi assassinado com um
tivo de granadeira um soldado da minha come-
tiva de nome Antonio Francisco, que se reco-
lhia desarmádo com tres ou quatro para 0 quar-
tel, por um individuo da patrulha que policiava
—TI—

a villas elle foi preso em casa do vigario Antonio


Manoel de Sousa, por Francisco Xavier «de Sousa,
que me veio o entregar por ser creatura.de sun
casa, e eu o fiz seguir para essa capital, para ser
punido na conformidade das leis existentes. Como
este procedimento não foi echo de uma opposição
ao progresso dos sagrados principios constitucio-
naes adoptados,e geralmente jurados, e igualmen-
te à acclamação do Senhor Dom Pedro 2.º, porque
se achava acelamado, mas sim parto de rixa velha
e caso pensado, por iss> não lancei mão das armas
como me authorisou o Exm. Conselho na sua reso-
lucão, por quanto era dar occasião a um rompi-
mente de carnificina e abrir a porta à vinganças,
cao mesmo tempo era ir de encontro com o espi-
rito da mesma resolução, que recommendava a
reconciliação d'aquelles povos por boas maneiras
e persuasócs minhas : sobre cste particular nada
pude conseguir na villa do Crato, pela indisposi-
ção geral que achei nos habitantes, bem como nos
da Missão-velha, etc. Portanto Exm. Snr., julgo
de absoluta necessidade a remossão «Faquelle vi-
gario Antonio Manoel para outra Igreja, que não
seja «l'esta provincia, assim como julgo que se te-
nham as maiores cautellas com o Pinto Madeira e
seos salelites, pois com quanto hoje talvez tenham
desanimado por falta de apoio aos detestaveis
principios que tem espalhado entre a gentalha,
não deicharão de movel-a contra aquelles que
em tempos passados obstaram a realisação
de seus
projectos para assim se vingarem ; lembrando ao
mesmo tempo, que é preciso conservar-se na vil-
la do Crato como a mais arriscada a qualquer ten-
tativa dos Jardinenses uma forca de 60 praças de
4.º linha commandada por um official de conceito
puramente constitucional, e que tenha opinião pu-
blica, afim de obter o respeito que ali e nenhum
as autoridades constituídas, e resistir a qualquer
sortida da gentalha do Jardin), e dar força às auto-
ridades eriminacs para fazel-os punir. A villa do
Icó deve continuar com um destacamento de 20
praças como tem, commandadas por um official
de patente. Eu receio muitoa apparição de novos
inventos na nova comarca, e por isto julgo que
v. Exc. deve ter muito em vistas a segurança
publica ameaçada pela canalha a que se cha-
ma cabras, pelos principios acima referidos.
v. Exc. como natural do paiz deve estar ao
facto da conducta dos habitantes «Faquelia co-
marea, printipalmente da gentalha que mais
procura refugiar-se nella, por causa de sens cri-
mes perpetraítos em cutras provincias, do que por
utilidade ao Estado, e por contur-se seguro com 0
apoio «de algumas autoridades. E'o que tenho a
honra do espendera Y. Exc. cao Ex.” Conselho,
que «eliberará com as luzes de que é dotado, o
que fora bem do socegoe tranquilidade geral d'es-
ta provincia. Decos guarde a V. Exc. Quartel do
Commando das armas no Ceará 15 de Outubro de
4834. tim. Exm. Snr. Miguel Antonio da Rocha
Lima. vice-Presidente desta provincia do Ceará.
Assignado Thomaz Antonio da Silveira, Coronel
commandante das armas. »
Este relaforio veio alentar com lisongeiras es-
peranças os corações dos inimigos de Joaquim Pin-
to Madeira ; os quaes sc tiveram por muito felizes
de poder comprehender no extermínio (que con-
tra elle de ha muito premeditavam) o rival e odia-
do termo do Jardim.
A 5 deste mesmo mez de Outubro o padre Ale-
— 73 —

xandre Francisco Serbelon Verdeixa, homem emi-


nentemente immoral e turbulento, tendo sido
preso por crimes pelos quaes tinha cic responder
no fóro do Teo, fol para este fim para alli enviado
sob a guarda duma escolta ; mas, tendo consegui-
do fugir em camniho,dirigio-se à S. Bernardo das-
Russas, onde intentou amotinar a população con
tra o governo, proferindo injurias contra este, vo-
ciferando pelas ruas de um modo. sedicioso, e
dando gritos de—fóra 0 vice-presidente | -— Em vir-
tude disto, e de demonstrações identicas appare-
cidas no Aracaty, por incitação do juiz de paz
Ayres, e tambem n'outros pontos da provincia; e
igualmente porque já ia incutindo muitos e serios
receios o resultado dos disturbios do Cariry—o
vice-presidente José de Castro e Silva, deixando.
se possuir de um terror panico, abandonou sem
formalidade alguma a administração, e depositou
as redcas do governo, durante a noite, nas mãos
de seo irmão Juão Facundo, que no (dia seguinte,
8 de Outubro, chamou o vice-presidente immedia-
to, Miguel Antonio da Rocha Lima, para tomar
conta da vice-presidencia.
Assustado este tambem do estado das cousas no
Cariry, donde procediam partes aterradoras to-
dos os dias—por ordem do governo central, se
expedio avisos para ser Pinto Madeira processado
por crime de rebellião contra o governo existente,
e de seducção da população para não usar do laço
nacional. O tenente Chaves, como já vimos, foi
mandado com um forte destacamento para auxi-
liar as autoridades, e no 1.º de dezembro o ouvi-
dor Cârdoso principiou à devassa contra Pinto
Madeira.
No dia 8 d'este mesmo mez desembarcou o novo
—U—

presidente José Mariano de albuquerque Caval-


canti, que foi empossado por Miguel Antonio na
administração da provincia; e a Pederam os Ara-
catvenses uma queixa contra o seo juiz de paz
Joaquim Emílio Avires, em consequencia de exs
cessos de poder e de arbitrariedades por elle pra-
ticadas para com os cidadãos ; queixas que se ba-
seavam em tér elle condemnado à um mez de pri-
são a João Chrysosthomo "Oliveira, por não haver
comparecido afim de prestar juramento c entrar
no serviço, como guarda municipal: e requerido
o comparecimento do ex-presidente Jose de Cas-
tro c Silva perante o tribunal do jury do Aracaty,
por actos praticados durante a sua administração,
recheiando D requerimento (feito para isto com
evidente ingompetencia) de termos indecorosos,
e de expressões repassadas de injurias, atiradas
tanto ao juiz como às pues.
O conselho do governo, temendo À grande in -
ucncia que este turbulento tinha sabido grans
gear da plebe aracalvense, não quiz responsabili
sal-o poe taes abusos de autoridade; limitou-se
pois a mançdalo chamar para a capital, afim de
estranhar-ihe o procedimento e os termos inde-
corosos do seo requerimento; e convidal-o, ao
mesmo tempo, a não exorbilar assim «dos limites
das suas aftribuições. O juiz de paz não fez porém
caso do chamado, e,fiado na fraqueza do governo,
tornou-se cada vez mais audaze turbulento. Póz-
se a publicar uma folha eminentemente revolucio-
paria e insultante, que não tinha outro imereci-
mento senão o de lisongear os instinctos do plebe,
na qual por tal meio formou para stum forte e
numeroso partido; à este pamphlêto deo elle o
nome de Clurim de liberdade,
O Conselho geral de provincia ainda se reunio
em dezembro do anno de 1831, e trabalhou neste
mez e nos primeiros do anno de 1832. Por Decre-
to de 17 de agosto d'este mesmo anno de 32 des-
membrou da freguesia de Arneiroz outra nova,
cuja séde foi estabelecida em 5. João do Principe.
Por Decreto de4 de setembro creou a nova fregue-
sia de Cascavel, desmembrada da do Aquiraz; a 6
do mesmo mez ercow outra em Naria-Pereira, des-
membrada da de Quixeramobim ; c a JI de outu-
bro cercou tambem à do Pereiro, desmembrada
das do Icó c Russas. Emfim, por Decreto de 3 de
setembro foi transferida para a Barra-do-Acarahú
a antiga freguesia dos Índios de Alinofalla,
No Cariry, por esse mesmo tempo, iam os nego-
cios tomando cada dia um aspecto mais assus-
tador.
O relatorio do Commandante das armas, o qual
logo depois de concluida a sua comissão reti-
rou-se para fóra da provincia, ecra por demais
desvantajoso aos Jardinenses, c destruia infei-
runente todos os protestos que vinham das au-
toridades do Jardim, declarândo que o socego
era restabelecido, e que todos os municipios acei-
tavam ananimemente o governo de D. Pedro 2.º.
Em vista pois deste relatorio, o Conselho do go-
verno decretou que se mandasse reforcar o desta-
ramento do Crato, e marchar parao Jardim o que
ja se achava no Cariryv, afim de auxiliar o juiz de
paz; e que à este se expedisse ordem de prender
Joaquim Pinto Madeira, c o vigario Antonio Ma-
noel; que se enviasse ao Ouvidor o relatorio do
comandante das armas, para servir de corpo de
delicto à devassa que deveria elle tirar pelos cri-
mes no mesmo relatorio imputados aos Jardinen-
ses ca seos chefes.
— 6 —

Esta decisão do conselho, na Sessão de 17 de


outubro, não se tendo posto em execução até 2%
do mesmo mez, por causa dos preparativos para a
partida do refórgo que devia seguir para 0 Crato—
reunindo-se extraordinariamente, n'esse mesmo
tia, o Conselho administrativo, c attendendo ao
risco que se corria de, ou não se poderem execu-
tar as ordens de prisão dadas na Sessão anterior,
ou de haver um rompimento dos povos e clfusão
de sangue por ocasião de taes prisões, cujas or-
dens não baviam passado pelos trâmites e formas
lidades legaes—resolveu que fóssem ellas conside -
radasd ene
elícito nhu
e que m se reforçasse
somente
o destacamento, e se mandasse o Ouvidor proces
der a devassa na forma da lei, c requisitar ao
Comandante do destacamento a força necessaria
para dar execução à esta oréem.
Partio um forte destacamento, às ordens do te-
nente Luiz Rodrigues Chaves. para o Crato; cal
«de dezembro, tendo elle alli chegado — 6 Ouvidor
pela lei, Francisco Cardoso de Mattos, nomeado e
inposto pely povo e pela força nos disturbios-da
noute de 6 de junho, deo princípio à devassa na
villa do Crato, mandando os officiaes de justiça
notilicar vinte testemunhas na villa e termo do
Jardim. A camara «esse termo ofticia ao Ouvidor,
a 6 do mesmp mez, nos seguintes termos : —
« Foi com à maior estranhesa notado que en-
trasse nesta villa e termo um official de justi-
ca com um mandado para fazer citações firmado
por V. Me.º como Ouvidor da comarca do Crato
em menoscabo da lei do 1.º de outubro de 1828
tit. 2.º, art. 5t, que V. Me." devia ter presente
logo que recebeo o seo deploma, mandado pela
camara da cabeca da comarca a todas as cama-
—T—

ras para o reconhecerem, cfazerem publico por


editacs; faltano pois esta solemnidade não con-
sente esta camara que V. Me. proceda a acto
nenhum de justica neste termo, e por isso na Ses-
são de hoje se assentou de officiar ao Juiz de paz
para fazer retirar esse official, declarando como
nullasas notificações que houverfeito em seco nome
ou em nome de outro, cujo titulo não fór reconhe-
cido por esta mesma camara, licando Vo Me. certo
de que provada a legalidade «e seo fituto de Ou-
vidor não se lhe negar a obediencia, andam es-
mo conhecida a noticia com que V. Me.º intenta
tirar uma devassa contra individuos desta villa
dando para isso tim rol de testemunhas desafectas
aos homens de probidade, tidas e liavidas por fal-
cariase inimigas da ordem. Deos guardea V.Me.e.
Villa de S. antonio do Jardim em sessão de 6 de
setembro de 1831. Hm. Snr. Francisco Cardoso
de Mattos, Ouvidor da villa do Crato.

Migucl Torcato Biserra de Bulhões. P.


Antonio Manoel de Sousa.
antonio Rodrigues de Figueredo Sicbra.
lenacio da Cunha Siqueira.
Jouquim Moreira dos Santos. »

Entretanto, trinta é duas testemunhas inqueri-


das sobre dezoito artigos cxtrabridos do relatorio
supra-mencionado deposcran unanimemente o
mesmo que se acha no seguinte depoimento, ex-
trahido do processo que temos a vista : —
“ «Pedro Tavares Munis, capitão-mor da villa do
Jardim, etc.
Dice que sabe por ouvir discr que nesta villa
— Crato —ha muitas pessoas desafectas a consti-
8 —

tuição que nos rege, as quaes apoião os factos cri-


minosos dos Jardinenses, com quem communi-
cão-se; que a intriga do Jardim é devida ao P.*
Antonio Manoel de Sousa, Joaq.” Pinto Madeira,
Miguel Torcato, Amorim, Sicbra, e outros secta-
rios de taes corifcos, contra os constitucionaes
d'aquella e d'esta villa por estes não quererem ser
contra a constituição, sendo que neste ponto
aquelles anarchistas são tão exaltados que hão
obrigado a imigrarem algumas pessoas para fora do
termo; que todas as authoridades do Jardim saô
inimigas da constituição, cuja lei não tem ali exe-
cução, € quindo se dá o caso de ser presa alguma
pessoa sendo esta liberal, é rigorosamente maltra-
tada: não surtindo outro tanto com os malfeito-
res; à estes protege-se e quando são remettidos
presos pará aquela villa são immediatamente sol-
tos embora presos em flagrante dilicto, c se diz ao
povo que são soltos porque a constituição não quer
que se prenda e castigue aos malfeitores ; que no
Jardim não se festeja a constituicão e menos a ac-
elamação do Sar. D. Pedro [Lao contraric as au
thoridades da villa-afianção ao povo rule que o
Sur. D. Pdro |." é quem co Imperador do Brazil e
quando forão coagidas a proclimarem ao Sne. D.
Pedro IE, derão vivas em primeiro lugar ao Sor.
D. Pedro 1,º; que os Jardinenses dizeim esperam
forças dy Snr.D.Pedro 1.º para derribarem a cons-
tituição ; e para melhormente sc fazerem acrecita-
dos do povo,propalam noticias incendiarias,c que
o Suc.D. Pearo [fôra roubado não existindo mais
no throto, sendo certo achar-se na Baltia onde ha-
via desembarcado o Sur. D. Pedro | com forcas;
que noJacdim é probibido o uso do laço nacional,
sendo espancado vu morto o que por ventura ap-
—79—
p=

parecer n'aquelle termo com esta devisa ; que os


assassinos não são presos, todas as veses que «dizem
ter morto a um liberal; que matarão a um solda-
do e espancarão outro da comitiva do comman-
dante das armas só porque cantara —coringa é yen.
te boct, que defenle «4 liberacs; que os cabras vivem
armados com diversas armas, praticão insultos €
desordens contra os constitucionaes ; que o dito
vigario prega na matriz, declarando ao povo que
quem mata liberal não tem crime, e que andem
armados té mesmo de cacêles, os quaes clle vigario
os benzia para melhor virtude, pois que o liber a
que com um cacête bento apanhasse não escapa-
ria. »
Em consequencia o Ouvidor deo à seguinte—
ProNunxctA
: «—Obrigão os ditos das testemunhas
desta devassa por mim inquiridas e perguntadas a
prisão e livramento, ao vigario Antonio Manoel de
Sousa,João de Caldas Campos de Oliveira Joaquim
Gonçalves Aires, Mathias Francisco de Amorim,
Joaquim Pinto Madeira, João Martins de Oliveira,
o p.º Ignacio da Cunha, Miguel Torcato Bizerra de
Bulhões, Francisco Xavier qc Sousa, Francisco
Xavier Veneno, Miguel Antonio Pires, o capm.
Luiz Paes, Antonio Rodrigues de Figucredo Sie-
bra, o cabra Francisco da Conceição, Antonio
Francisco de Mello, José Pereira Cabra, morador
no Cafundo, Estevão de tal e seu irmão Antonio
Pereira, Francisco Pereira, Pedro Francisco Vas»
ques, João Francisco Vasques, José Mauricio, Ma-
noel Pereira de Magalhães, Alexandre Caboculo,
Felisberto de tal, Miguel dos Anjos Pereira, p.º
João Martins de Moraes e José Dantas. O escrivão
indagando secos nomes cognomes qualidades es-
tados e moradias, os lance no rol dos culpados, €
passe ordens necessarasias para serem presos, €
de sequestro em bens par pagamento das custas
da devassa. Villa do Icó7 de junho de 1832. Fran-
cisco Cardoso de Mattos. »
Estes autos fôram remettidos para a Re'ação que
sustentou a pronuncia, c os devolveo em 1833
para o Crato; ondeo jury de 19 de julho de 1 833
achou materia para a accusação dos réos incltui-
dos n'esta devassa, menos do cidadão Francisco
Xavier de Sousa das Flores, que sc havendo pas-
sado dos Jarilinenses para os Cratenses, na ocea-
sião do rompimento de Pinto Madeira, foi absol-
vido e solto por sentença do Ouvidor.
Mais adianto teremos occasião de apreciar O
curso e o resultado final deste processo.
N'este interim os preparativos de aggressão dos
Cratenses contra o Jardim, decretados pelo pôvo,
se iam continvando com ardor. A Camara do Jar-
dim, informada do perigo que ameaçava o seo
municipio, convocou as autoridades locaes, e as
consultou sobre o que se devia fazer em taes cir-
cumstancias, tão apuradas. De commum accórdo,
assentaram ellas que de tudo isto se desse uma
parte circumstanciada ao governo da provincia, e
se lhe peilisse providencias adequadas; e que,
entretanto, se tomassem medidas convenientes
para resistir à qualquer aggressão da parte do
Crato, até que o governo viesse em seo soccorro.
Estes ofíivios c representações do Jardim, por
vezes repetidos, não produziram effeito algum ;
nem mesmo Íôram respondidos, ou porque eram
interceptados, ou (antes) por que o governo, per-
plexo com as noticias e participações que lhe che-
gavam às mãos em sentido contrari-, persistia no
proposito, formado pelos habitantes do Crato, de
— sL—

exterminar de uma vez Pinto Madeira e os Jar-


dinenses.
Este tinha à seo favor toda a pupulação do ter-
mo do Jardim, que era immensa; mas faltavam-
lhe armas para mais de seiscentas pessõas, assim
somo todos os demais recursos necessarios para
organisar essa gente. Os liberaes do Crato, pelo
contrario, dispunham da administração c das po-
sições officiaes; o governo cra-lhes favoravel, ao
passo que excerava c temia a Pinto Madeira. O
commandante do destacamento, o tenente Cha-
ves, mostrava-se nimiamente condescendente
para com os Cratenses, de maneira que em lugar
de procurar restabelecer a ordem, tão profunda-
mente abalada, tornou-se instrumento servil dos
inimigos de Pinto Madeira e de Antonio Manoel, e
acceitou até a commissão de marchar contra o
Jardim à testa dos Cratenses, que aspiravam a to-
mar uma desforra d'esso villa.
Pinto Madeira, informado desta tenção, com
prehendeo que devia tomar a dianteira, e levar o
theatro da contenda antes para o Crato do que
fixal-o em sua villa, afim de fazer recahir todo o
pêso da guerra sobre a população inimiga. Reu-
nio, pois, sem mais perda de tempo todas as fôrcas
de que podia dispór, e pôz-se de marcha parao
Crato,a 23 de dezembro, com um numero crescido
de homens que as pessõas d'aquelles tempos, que
presenciaram a sua vartida, avalião em dous mil.
Atravessou a serra em direcção à Missão-nova, e
d'ahi seguio em procura do Crato. '
Commandava elle o grôsso de seo exercito, que
era precedido «de uma vanguarda às ordens de um
tal Francisco Xavier de Mattos, por alcunha Vene-
no. Este, achando-se no lugar chamado Brejão,
— 82 —

apprehendeo um liberal do Crato, por nome Joa-


quim Pinto Gidade, Curopto, inimigo de “into Ma-
deira. Vindo este tal Cidad: com as fórças do
Crato, que marchav am ao encontro dos Jardi-
nenses, refardou -se um pouco dos seos compa-
nheiros, na retaguar da dos quaes se suppunha es-
tar; seguio caminho diverso do.queb aviam tomado
aqueles, e, por este motivo, foi cahir nas mãos do
dito Veneno, que, sem formalid ade alguma, o man-
dou fuzilar, dizem alguns (mas sem fundame nto)
— que por crdem de Pinto Madeira, à quem man-
dou communi car a captura, e pergunta r o que
devia fazer do preso ; respondendo clle, Pinto Ma-
— que se arrasasse à Cidade; alludindo, como
deira
se vê, por um trocadilho, ao nome do referido
preso.
Não podemos deixar de referir aqui este facto,
pela importancia que adquirio no processo que do
mesmo se tirou, e por ter sido em virtude d'elle
que foi Pinto Madeira condemnado à morte ; como
em lugar competente o veremos.
Na distancia de cerca de duas legoas do Crato,
n'um lugar chamado Burity, encontrou-se à Z1 de
dezembro com as fórcas inimigas, que vinham
oppôr-se à sua marcha. Ahi travou-se o combate
em completa desordem, cosliberacs, não podendo
orgrnisar-sé, pozeram-se afinal em completa de-
bandada,dispersaram-see deixaram o campo livre
à Pinto Madeira, que no dia seguinte seguio para
o Crato, e n'clle êntrou sem resistencia alguma,
pois achou-o quasi completamente abandonado
pelos habitantes que,atemorisadcs,se tinham refu-
giado no Icó, onde se conservaram, cuidando mais
de resalvaras proprias vidas do que de resistir à
tempestade, que com tanta imprevidencia haviam
— S3—

conjurado sobre suas cabeças. Mas algumas pes-


sõas, estranhas aos excessos que haviam sido
commettidos precedentemente, dispozeram-se à
resistencia: deste numero foi o coronel Manoel
Barros Cavalcanti, do Brejo-Grande, c um dos ex-
pedicionarios de Caxias, que, com a gente que
póde reunir à pressa, protegeo a retirada dos Cra-
tenses, € foi reunir sc às tropas estacionadas no
Ico.
Os vencedores commelteram no Crato as maio-
res barbaridades: deram-se roubos, violencias,
assassinios, fusilamentos, e todaa sorte de atro-
cidades; e, olêm disto, queimaram-se os papeis
dos archivos e de todos os cartorios. O que não
sahiria de uma plebe ignorante, desenfreada e ufa-
na de sua victoria? |... Nem Pinto Madeira, nem
Antonio Manoel poderam contero desenfreamento
dos seus soldados. desde muito amestrados nas
revoluções e dissenções politicas, e repassados de
rancóres c descjos dc vingança ; e, de mais, elles
conheciam que os seos chefes precisavam de seos
braços, e que, por essa razão, se viam na dura ne-
cessidade «de lhes deixar dar expansão franca a
seos instinctos brutaes.
Pinto Madeira e Antonio Manocl, no entretanto,
aguardavam ainda o resultado dos officios que, do
Jardim, haviam expedido ao governo, na esperan-
ca de que cste interviesse na luta, c se collocasse
de permeio aos «dous partidos que se debatiam.
Mas taes esperanças mallograram-se, c, com
pouco, fôóram informados de quetinha o presi-
dente José Marianno approvado sem reserva tudo
quanto.se havia praticado contra elles; assim
como, que dispunha-se a oppór-lhes fórças consi-
deraveis. Com effeito, com a noticia da derrota do
— 84 —

Burity, c da entrada dos rebeldes no Crato, o


presidente convocou o conselho do governo, no
tia 16 de janciro de 1832; c, dando-lhe parte dos
acontecimentos, declarou ter resolvido mandar o
com mandante das armas interino Francisco Xavier
Torres com todas as tropas de tinha e de milicia
que se podessem reunir, afim de bater a Joaquim
Pinto Madeira. O conselho approvou esta resolu-
cãodo presidente,c imediatamente expediram-se
ordens para marcharem as tropas de todos os
pontos sobre o Cariry; cà 22 do mesmo mez par-
tio o major Torres da capital, à 25 estava no Ara-
caty, e à 6 de fevereiro chegou ao [có, no dia da
batalha da Varzea Alegre.
Joaquim Pinto Madeira c Antonio Manocl,estan-
do no Crato demorados como fim de vera face que
as cousas tomariam na capital, c reconhecendo
afinal que nada tinham a esperar de um governo
que se lhes mostrava tão infenso, sem mais possibi
lidade de recuarem ou de depórem as armas, resol-
veram-se a marchar em dircitura à capital, afron-
tando os rigóres de um inverno extremamente
chuvoso, alim de irem impóra lei ao presidente,
já que não retebiam «elle o remedio que tinham
immplorado. Isto posto, e assentado em fins do mez
de janeiro, pozeram-se de marcha do Grato para O
leo”, com toda a sua gente, cm duas colunas,
uma pela ribeira do Rio-Salgado, e outra pela es-
trada da serra de 5. Pedro.
Os destacamentos do Ico” e do Crato, reunidos
às tropas do roronel Agostinho ce alguns homens
das Varzeas do Jaguaribe, commandiados pelo te-
pente Luiz Rodrigues Chaves, informados de que
o major Torres vinha aproximando-se do Ico”,
abandonaram a vil para irem ao encontro dos
rebeldes, que aleancaram na distancia de 5 le-
guas «ali, num lugar chamado Varzea Alegre,
os ini-
no dia 6 de fesere-ro. Apenas avistaram-se
migos. rompeu se de parte à parte o fôgo, que
foi renhido ; mas as tropas de Pinto Madeira, ain
da pouco aguerridas, e cançadas de uma estirada
viagem feita por um tempo tão rigoroso, não pos
deram resistir ao fogo das tropas regulares que
lhes faziam frente, desampararam o campo de
batalba, e retiraram se precipitadamente e em
completa debandada para o Cariry. Scos venee-
dores. as porseguissem p'este estado, «destrui-la s
hiamcompleta teriam sem
ment termina-
duvida e,e
do esta guerra desastrosa , assim como sufocado
a rebellião ; mas, em-vez de se aproveitar duma
tão favoravel occasião, Chaves voltou para o Ico
com suas fropas, afim de reunir-se com o major
Torres, que ahi chegâra no mesmo dia da batalha
de Varzeu Alegre.
Torres informado de que José Dantas Rolhea,
antigo companheiro de Madeira no morficinio da
Picada, Davia-se pronunciado no mesmo sentido,
e reunia gente para obrar de combinação com el»
le, julgou prudente ficar com num forte destaca-
mento no leo”, para observar e conter Dantas; €
com as outras forças formot duas colunas coms
mandadas Cas
pelos oflicias de linha Cavalcantie
puto, aosquics mandou em seguimento das forcas
de Madeira.
Estas, tendo tido tempo de se reorganisarem,
retiravam-se lentamente, de modo que as duas co-
lupnas entraram no Cariry de envolta com os re-
voltosos.
Pinto Madeira cmboscara-se perto, cao nascen-
te da Barbalha, povoação sifuada sobre um alto
— 86 —

cercado no seu pé e da parte do sudoeste por um


largo brejo, que abrangeslhe equasi dous terços da
su ciremmlerengia; e Cavalcanti, que não o finha
presentido n'essaemboscada,entrousem cautelana
Barbalha, depois de mandar um forte piquele para
o seu engenho Coité, na falda da serra do Araripe,
onde esperava sórprendet-o.
O brejo da Barbalha achava-se testa epoca ims
pralicavel, em vazão das muitas chuvas ; de sorte
que achou-se asim Cavalcanti preso, sem o sus-
peitar, entre o brejo e o grosso das forças de Pinto
VHadeira, que vo lia 23 defeverecirooaccommetteo
ahi de improviso, € fez cm sua gente uma terrivel
earniliicina.
De 200 homess que trazia comsigo, 100 fóram
victimas dous golpes dos Pintistas ou se alogaram
no Brejo, poc onde procuraram evadir-se jo resto
conseguio escapar deste passo perigoso como seu
comandante, que, por tanto, vio se obrigado à
retroceder.
“Dous dias depuis, o outra columna teve um en-
contro no Limocgiro, na serra de 5. Pedro, onde
os liberaes fórum tambem dervotados, €o coronel
Agostinho, sendo levemente ferido muma coxa,
fez-se gravemente offendido por uma bala,
Estes successos reanimaram a corazem dos re-
beldes, à quem a retivada das tropas do governo
deixou o fempo de se organisarem novamente no
Carirv. Reuniram, pois, maior numero de hos
mens, que computam em não menos de seis mil;
e o vigario do Jardim, com a sua destreza, soube
fanatisal-os à ponto de persuadir-lhesque com-
batendo por seu Deus, é por seu monarcha e q
favor dos seus jufares, nada tinham que receiar
— 87—

das armas dos inimigos, contra os quaes, cacê-


tes eram mais que sufficientes para derrotal-os,
Em seguida benzco novamente essas novas armas
de guerra, que lhe valeram a alcunha de Benze-
cacêéiss, é lançou outra vez essa nova Vendéa
contra scus inimigos.
Esta massa mal armada, com effeito,arrojou-se
novamente sobre o Icó, marchando em diversas
columbas; as duas principaes seguiram pela ri-
beira do Salgado e pelaserra de S. Pedro, ontra
tomou pela ribeira do Carihú em direcção à villa
de S. Matheus, e a ultima pelo ric do Peixe,termo
da provincia da Parahyba, entrando no plano ge-
ral o reunirem-se todas aos numerósos piquétes
que estavam espalhados por todos os lugares.
No rio do Peixe, José Dantas atacou à villa de
Souza, tomou-a de assalto, «ahi fez uma carnifci-
na horrenda nos liberaes. A columna do Carihú
chegou à S.Matheus, que rendeo-se iguaimente ; e,
como existiam muitos partidarios seus n'esse lu-
gar, sacrificaram perto de cem pessõas, com indí-
zivel barbaridade, afim de satisfazer as vinganças
d'elles. As columnas do Salgado c da serra de S.
Pedro, depois de fazerem sua juneção pouco antes
de chegar ao Icó, adiautaram-se atéa vista da vil-
ja, e no dia seguinte, + de abril, investiram-n'a ag
amanhecer. Forças mui respeitaveis de tropa
de linha, commandadas pelo major Francisco Ja-
vier Torves, em numero superior a trezentos ho-
mens, se oppuzeram por algum tempo à entrada
dellas; mas, depois de algum tempo de resistencia,
vendo-se quasi cercadas pela multidão dos inimi-
gos, não souberam haver-se ecin essa mole de
sente, bem que estivesse ella quasi toda inerme,
e assim retiraram-se, abandonando a villa aos re-
beldes que n'elta entraram à seu salvoe estabele-
coram-se, exercendo a pilhagem c praticando rou-
bos, particularmente de generos alimentícios €
bebidas,para saciarcin as precisões “juc sentiam.
Depois do que, adormecendo ir prudentemente
sobre seus louros, entraram a deitar-se por onde
achavam abrigo, atim de se refazerem das fadigas
de sua marcha. Tornou-se-lhes porem, em bre-
ve, mui fatal essa imprevidencia e demasiada ses
gurança muma victoria, que teria sido decisiva se
perseguissem 0 inimigo.
As tropas liberaes, que iam em retirada, um
pouco abaixo do Ico, reconhecendo a inacção do
inimigo, € informadas do que se passava na vilta
suspenderam a sua marcha; c,animadas pela bra-
vo official Cavalcanti, retrocederam sobre o Ico,
onde entraram precipitadamente pela tarde, sor-
prenderam os rebeldes incautos, desarmados, fal-
tos de munições, v entregues ao repouso. Então
travou-se uma batalha,ou pora melhor dizer, deu-
se uma ingente mortandade. Debalde Pinto Ma-
deira e Anfonio Manoel, procuraram regularizarO
combate ; os rebeldes sorprendidos, cisseminados
e sem direcção, fôram esmagados em todos os
pentos pelas tropas regulares, que lhes mataram
mais de cem homens c feriram-lhes acima de du-
zentos.
Os rebeldes recolheram os seus feridos, que le-
varam comsigo em sua retirada, a qual teve lugar
em completa desordem, na tarde do mesmo dia
na direcção do Cariry. Mas, em distancia de sete
leguas da villa do Icó, a raiva ca vergonha de
uma semelhante derrota, os deteve algum tempo;
e clles ainda tiveram a velleidade de voltar sobre
aquela villa, afiny de tomareo uma vingança es-
— 89—

trondosa dos seus vencederes; porém, a noticia


da chegada áquelle ponto do presidente José
Marianno, cum grande reforço de homens e muni-
ções, desanimou-os ,demovendo-os no todo deste
proposito. E assim continuaram sua retirada
para o Cariry, onde cabiram os liberaes tambem
po mesmo erro de não perseguil-os n'esse movi.
mento; o que,a ter-se darlo, procuziria maubita-
velmente o exterminio ou a repressão d'elies; e,
por tal forma,um paradeiro teria sido pósto à es-
sa sedição, que no entretanto, como veremos, le-
vou ainda bastante tempo antes «de ser suffocada.
Yolvamos porém a capital, onde as noticias
das occurrencias do Cariry occupavam exclusi-
vamente a attenção do governo e de toda a
população. As queixas da camara do Jardim €
dos chefes dos revoltosos, como ficou dilo, não
fóram attendidas pelo presidente, que não lhes
deu a menor attenção, ao passo que não so'
prestou toio o ausilio aos liberaes, como ainda
approvou tudo quanto foi praticado por elles, ain-
da mesmo arbitrariedades e desatinos ;co conselho
do governo, em sessão de 142 de marc 0, chegou
ao ponto de pór a premio as cabeças de Joaquim
Pinto Madeira e do padre Antonio Manoel de
Souza, e de incitar os Cearenses à esses assassi-
natos.
“Quando teve-se ali conhecimento da derrota da
Barbalha c da serra de 5. Pedro, o presidente e o
conselho exprobaram a pouca actividade do major
Torres, à qual attribuiram esses resultados; €
«omo por decisão do governo central houvesse
sido abolido o lugar de comandante das arinas
no Ceara, passando as respectivas atfribuicões
para os presidentes, «e maneira que Torres so fôra
— 90 —

nomeado 443 de fevereiro commandante geral da


expedição de Crato, tratou-se então no conselho
do governo de demittil o do referico commando,
e de nomear outro para substituil-o. Mas nesta
conjunetura o proprio presidente, que ha muito se
olferecia para ir em pessoa dirigir a expedição,
obteve para isto o consenso do conselho ; e conse-
quentemente tratou logo de fazer convergir para o
leó todas as tropas de que pôde dispór,cas milicia
de todos os pontos da provincia, assini como curon
ieustmente de preparar munições e tados os ou-
tros recursos ifdispensavois para tentar um golpe
decisivo contrá os revoltosos.
As queixas cpotea o juiz de paz do Aracaty iam-
se renovandoà cadiamomento,e
dali reclamavam
por medidas repressivas das arbitrariedades in-
cessantes d'es'e magistrado, tanto mais insuppor-
tfavele turbulento, quanto não fazendo caso algum
das iumoestações do governo, à ponto de não se
dar ão trabalho de responder-lhc os officios, tor-
nava-se de dia para dia mais audaz. O conselho do
soverno, pois, na consideração da materia, resol-
veu que fósse suspenso de seu cargo, e processado
pelas arbitrariedades commettidas.
N'este tempo já se ressentiam os cffeitos de uma
crise monetaria, que poz em apuros o governo, e
embaraço por muitos anos as transacções com-
merciaes, à ponto de paralisal-as quasi completa-
mente. O cobre monetado tinha um preço intrin-
seco muito inferior ão valor nominal que lhe dava
edei, de maneira que tanto no inferior do imperio
como fora dolle, muita gente deu- seão
d especulaç
de cunharcobre cemittilo mecireutação. Em quan-
to à moeda assim comittida conscrvou-se o peso le-
sal, ainda tudo foi bem; mais a cobiça cresceu, e
— 91—
os espectadores diminuiram progressivamente o
quantum metalico, iu ponto das moedas de cobre
não terem às vezesa quarta parte de seu peso le-
gal; c além disto lançon-se na circulação uma
quantidade predigiosa desta mocda falsificada, a
que o vulgo entrou À demoninar chem-chem, e a
não querer mais acceitar,
A desconfiança, por tanto, plantou-se logo no
comercio, à ponto de se regeitar mesmo a moe-
da boa. O ouro e prata que, pelas oscillações do
cambio estrangeiro, as vezes desapparecem com-
pletamente do mercado, quando faz mais conta
aos negociantes remeiter metal do que generos
do paiz, por estes lograrem um preco alto, n'esta
occasião suspenderam o seu curso, fugiram do
gvro, e deixaram 0 coammercio com o recurso
quasi unico do cobre, mocda, como jã o disse,
inteiramente desacreditada na opinião do povo.
O commercio pequeno ainda mais padecia, por-
que recusando-se o cobre nas compras diarias dos
objectos de primeira necessidade, não havia ou-
tro meio de as clfectuar; e assim soffrim con-
junciamente os mercadores c as familias foras.
Um dos remedios mais urgentes por certo que
era previnira entrada ou fabricação d'esta moeda
falsa; mas o governo linlia de lucha com tantas
outras dificuldades, que passou-se muito tempo
antesque podesse elle conseguir a repressão d'esta
introducção e fabricação de cobre falsificado, De-
pois desta, a medida mais instante, consistia em
inutilisar todo o cobre falso, cisto não era CxC
quivol sem prejuizo do governo ou dos particula-
res.
Ora, a pouca estabilidade das cousas e o estado
convulso do paiz, induziram à receios de que,a pe-
— 92 —

sar o prejuizo sobre os particulares, fôósse isto


fa-
causa de distrubios ou revolucões; e quanto apos
zelo recair sobre o governo, não era cousa
sivel, porque os cofres não estavam em estado de
comportarem um semelhante desfalque ; as finan-
vas eram pouco lisongeiras, € mal chegavam para
as mais urgentes precisões. Nesta dura allernati-
va, viu-se o governo vacillar por uns poucos de
annos, ca crise ia augmentando até que,por sugs
proporções, reciamou imperiosamente uma solu-
cão.
à 20 de marco pattio o presidente para o theatro
da guerra, à despeito de um inverno ue ainda con-
tinuava a ser muito rigoroso. Chegou a 28 do mes-
mo mez ao Aracaty, e d'ahiseguiu para o Icó, onde
entrou no dia 10 de abeil, tendo gasto 20 dias nesta
viagem, tanto pelo mão estado das estradas, como
pela necessidade de se demorar em certos pontos,
para tratar do expediente do governo. Conservou-
se nesta vilha até 6 de maio ; mas logo depois de
sua chegada, que teve logar seis dias depois da
derrota dos revoltosos pelas forças da legalidade,
mandou reforços de tropas para S. Matheus, ao
major Erancisco Fernandes Vieira, José do Valle,
e João de araujo Chaves, cheles das forças, dos
Unhamuns, que reunidos atacaram. aquelie ponto,
donde expelliram os rebeldes matando-lhes nesta
acção oito homêéns, c entre elles um dos seus che-
fes ce nome José Ignacio de Freitas, por alcunha
Maritacaca.
Aos 6 de maio, depois de ter apressado a mar-
chaos reforcos,que requereo de diversos pontos,
partio para a villa de Lavras, onde chegou à He
permaneceo mais de mez,em consequencia da en-
ehente do vio. D'abi mandou duas brigadas, às
—99—

ordens do coronel Agostinho, reunirem-se às


forças dos Unhamuns, em S. Matheus, para bate-
rem as partidas dos rebeldes que ainda se conscr-
vavam no Quixelde na ribeira do Carihú; man-
dou tambem uma forte reserva para observar as
forças rebeldes do rio do Peixe, cobrir o [co c
Lavras, e guardar sua retaguarda; depois fez
marchar duas brigadas pelo caminho do Cariryv,
afim de observarem os rebeldes que para ali
se tinham retirado.
Em fins de maio concentrou em Lavras fodas as
tropas de que pôde dispór, sem desprevenir os
pontos importantes, e que cumpria conservar; à
18 de junho partio para o Crato, ca22ebegou
com o exercito no logar chamado Emboscadeas,dis
tante quatro legoas da Missão Velha do Cariry.
N'este ponto achava-se Pinto Madeira forbificade
n'um 'ogar escabroso, n'uma posição muito van-
tajosa, com dous ou tres mil homens; € assim cs-
perava ahi sorprehender as tropas da legalidade, e
fazel-as cahir n'uma cilada, d'onde só com muita
difficuldade poderiam sahir à salvamento. Mas o
presidente, que marchnva com todas as cautelas
de uma boa tactica, avisado do perigo que amea-
cava o exercito n'esta localidade, tomou outro ca-
minho, evitou a cilada, e marchou com toda a so-
gurança para a povoação de Missão Velha.
Pinto Madeira ficou desapontado quando conhe.
ceo que o presidente tinha rodeado a sua posição,
e escapado à uma derrota que elle reputava infal-
livel. Sem embargo, deo ordem à sua gente de
abandonar a posição, para se retirar à toda a
pressa sobre Missão Velha; de maneira que os
dous escrcitos vão se encontrar no momento em
que cada um quer entrar na povoação; e à vista
— 9d —

della, pois, travam úma peleja renhida e quasi


regular, dirigida do tado dos rebeldes pelo viga-
rio dolardim, que desenvolve n'este dia exforços
extraordinarios. A povoação foi alternativamente
tomada e retomada diversas vezes pelos dous par-
tidos; mas emfim, depois de tres horas de um
combate encarniçado, os rebeldes viram-se obri-
gados a recuar, e finalmente desampararam o cam-
po de batalha em grande desordem, e se retira-
ram em direcção à villado Jardim, deixando mais
de com mortos no campo de batalha, e levando
comsigo numerosos feridos. As tropas da legalidade
soffreram potra perda de gente, mas tiveram um
immenso numerp de feridos.
Ficaram, pois, as forcas do presidente de possc
da povoação, e d'ahi seguiram ao depois com elle
para o Crato, que dista umas oito leguas, c a 24
de jubho entraram n'essa villa que foi achada quasi
deserta c ao desamparo. D'esse ponto expedio o
presidente diffcrentes columnas, em perseguição
dos rebeldes, para varias direcções ; ea que mar-
chou para a Serra de S. Pedro, onde tivera aviso de
que se havia concentrado uma grande parte de
rebeldes, não os encontrou mais; porque infor-
mados à tempo da marcha das tropas contra si, ti-
nham -se dispersado. Voltou essa columna portanto
para o Crato à 11 de junho sem exito alguro.
As tropas dos lnhamuns, reunidas às forças que
lhes havia mandado o presidente durante sua cs-
tada em Lavras, para coadjuvar as suas operações,
subiram às ordens do major Prancisco Fernandes
Vicira, pela ribeira do Caril até a Cobra, fazenda
do coronel Manoel de Barros Cavalcanti, onde se
encontraram com um grande grupo de rebeldes
cominandados por um Queiroz ; do que resultou
— 95 —

uma hatalha, e a derrota completa destes com a


morte do proprio chefe c de outras muitas pessõas,
D'ahi continuaram sua marcha até um lugar de-
nominado Poço dos Cavalos, perto do povoado
do Brejo Grande, onde permaneceram esta-
cionados até que, sendo avisados da chegada
do presidente ao Crato, partiram n'essa direcção
com o fim de realisarem sua juncção com elle;
mas, não o achando mais ahi, fôram em seu segui-
mento para a villa do Jardim.
José Marianno depois de ter-se conservado por
alguns dias no Crato,afim de tomar alento e refa-
zer suas tropas, deixou esta villa a 5 de julho, e
marchou sobre o Jardim, onde chegou no dia 8.
Com vistas de aprisionar Pinto Madeira, que ahi
se achava com o grosso das suas tropas, tinha de-
terminado cercal-o por todos os lados; de maneira
que havia expedido ordens para que n'esse dia as
forças de Pernambuco e da Parahyba marchaussem
e tomassem os caminhos do sertão, que levam à
essasprovincias. Divídio em dous corpos a gente
que conduzia, para occupar as «duas ladeiras que
descem da serra para a villa ; e esses corpos, ao
signal convencionado de um tiro de peca, deviam
cahir simullancamente sobre à villa, e tomal-a
com as tropas e os chefes rebeldes.
A hora pois marcada; foi cercado o saczo em
queestá oJardim situado; mas tendo havido demo-
ra namanobra, da parte dasforças
de Pernambuco,
os rebeldes reconheceram o perigoem queseacha-
vam, retiraram-se precipiltadamente pela estrada
queconduzàPorteiras,sem soflrerem damnoalgum,
€ mesmo sem serem presentidos: de tal forma que
quando, ao signal convencionado, os outros desta-
cumentos forçaram e penetraram a villa, depara-
ram-n'aevácuaila ccompletamente (deserta. Da po-
voação de Portpiras, seguiram a toda pressa os re-
baldes para a villudo Souza,na provincia da Para-
hybi, com vistas de se reunirema José Dantas Ro-
thica,que ahi existia com grande numero de gente,
combatendo por identicos principios aos de Pinto
Madeira, cuja causa adoptara.
O presidente, depois de occupar a vilia 10 dia
8 de julho, mandou em seguimento dos fugitivos
duas brigadas com ordem de perseguil-os com
todo o rigor, batel.os e dispersal-os onde quer
que fôssem alpançados; e, no dia 10,estando ainda
na villa, recebco as tropas dos Unhamuns reuni-
das à outras procedentes do Piauhy, que, não o
achando mais no Crato,se haviam posto em cami-
nho ao alcance delle : o commando d'essas duas
brigadas, que enviou em seguimento cos rebeldes,
foi dado ao róronel Agostinho, c ao major Fran-
cisco Fernaniles Vieira que havia precedido «o
seu corpo. Mas, sendo informado de que os rebel-
desse achavam com os chefes na fazendado Brejo,
siluada ao nhscente e a pouca distancia da serra,
entre Jardim c Milagres, poz-se de marcha para
este lugar à 12 com todas as tropas que lhe resta-
vam, rodeando a ponta da serra; porém, ao che-
gar no dia seguinte ao povoado das Porteiras,
na distancia de cinco leguas da villa, soube
que elles tinham deixado o Brejo, mas que as
duas brigadas iam-lhes no encalço. A 16 vol-
tou d'aquellé povoado para o Jardini, onde ficou
alguns dias, após os quaes dirigio se pela serra em
direcção à Milagres; e quando se ia aproximan-
do d'ahi, suas brigadas alcançaram astropas de
Pinto Madeira, duas leguas ao norte d'essa po-
voação, num sitio denominado Santa Catharina,
—97—

onde bateram-n'as e obrigaram-n'as a retirar-se


com alguma perda de gente.
Então o presidente com toda a gente da legali-
dade marchou em perseguição d'elles, tomando
com tropas todas as estradas principaes que se-
guem do Lariry ao Rio do Peixe, afim de impedir
a volta dos fugitivos para a provincia confiada aos
seus cuidados. Mas d'esta vez, como das outras,
ainda falharam os seus projectos pelo grande co-
nhecimento que tinham os Pintistas das localida-
des, e pela protecção que lhes prestava a popula-
ção «d'estas regiões, a qual em sua totalidade era
a favor d'elles. Ao approximar se da villa de Souza
teve S. Exc. sciencia de que o coronel José Texcira
da Fonseca, à testa das forças da Parahyba, depois
de ter sido compellido a fugir de S. José do Pira-
nhas, adiante das tropas cie José Dantas que oº-
cupavam a referida villa de Souza, tinha conti-
nuado a perseguil-as incessantemente, até que,
reunindo-se com o destacamento commandado
pelo valente alferes Canuto, postado no Umary em
observação a José Dantas, cedco-lhe o commando
geral das forças ; e,combinailos, deram uma ba-
talha decisiva no dia 28 aos rebeldes da Parahyba,
que fôram derrotados e completamente desbara-
ta tos, tornando-se d'est'arte senhor da villa de
Soza e de seu termo.
Pinto Madeira, pois, não esperando mais apoio
nenhum de José Dantas, achou-sc em grandes apu-
ros entre os dous exercitos, que não só o iam cer-
cando, como tomando todas as estradas por onde
podesse elle se retirar. Com effeito, as tropas de
José Mariano marchavam em duas columnas pelas
estradas que sahem de Milagres e de Missão Velha,
em direcção ao Rio do Peixe. Porém Pinto Madeira
— 98—
tomou uma vereda interior, um caminho de fazen-
da à fazenda, que corre entre estas duas estradas,
e por essa via logrou voltar desapercebidamente
para o Cariry, evitando por tal forma uma derrota
completa.
Quando os chefes da legalidade deram por esta
marcha retrogada, ja se elle achava em territorio
do Carirs, no arraial das Cuncas, valle do
riacho das Antas; mas, ao sahir dahi, foi al-
cançado no Cacaré pelas tropas de Pernambuco
que lhe deram batalha e o obrigaram a pôr-se em
fuga, com perda de nove à dez homens e muitos
feridos, pela ribeira do Riachão, principal braço
do riacho das Antas.
N'esta retirada fóram seguidos pelo major Cle-
mentino, que os perseguio de tão perto que, no
lugar chamado Pilões, reconhecendo Pinto Madeira
e o vigario Antonio Manoel que dificilmente po-
deriam escapar-lhe,abandonaram as cavalgaduras
e as bagagens, e melteram-se por dentro das ma-
tas. Os soldados ainda os quizeram seguir, mas
perderam seos rastos; €, assim. receiaram en-
tranhar-se por brenhas que não conheciam, e onde
poderiam cahir cm alguma cilada, de que não se
livrariam, pela falta de guias fieis c de co-
nhecimento «as localidades. Nesta occasião cahui-
ram em poder das tropas da legalidade, com as
bagagens que lôram tomadas, todos os papeis dos
«chefes da rebellião.
Os Pintistas «ahi cm diante não appareceram
mais em campo. Incessantemente perseguidos pe-
las forças da legalidade, debandaram-se para for
marem grupos, que não paravam em lugar certo,
e iam roubando, assassinando e commettendo toda
a especie de attentados contra seus inimigos os li-
— 99 —

beraes. Quando eram perseguidos pelas tropas,


refugiavam-se no interior das brenhas, onde elias
nem podiam, nem se atreviam a seguil-os. Esta
guerra intestina ainda continuou por muito tempo,
como o veremos, mesmo depois da entrega dos
chefes.
No «iá 4.º de agosto o presidente de volta das
raias do Rio do Peixe, e achando-se na fazenda dos
Macacos, na ribeira do riacho das Atas, recebeo
despachos do padre Antonio Pinto de Mendonca,
secretario do governo, que elle havia deixado na
capital à testa dos negocios. Nestes despachos era-
lhe communicada a chegada do marechal Labatut
alli, realisada a 23 de julho, com uma porção de
tropas regulares que trazia da córte e de Pernam-
buco para o fim de sulfocar a rebellião. E, pois,ex-
pedio o presidente ordem ao secretario referido,
no sentido de que o marechal seguisse'in contli-
nenti para o centro, afim de tomar conta da direc-
ção da expedição.
Após essa providencia, S. Exc. pôz-se de marcha;
a 6 de.agosto achava-se em Missão Velha, e a 8 no
Crato.
Tendo a 7 sido expedido para S. Matheus o ma-.
jor Francisco Fernandes Vieira com forças suflici-
entes para bater os troços de rebeldes, que tor-
navam a mostrar-se pelas imediações da men-
cionada villa e pela ribeira do Caribuú,chegou ao seu
destino no dia 9, e a 10 conseguio poder desalojar
os rebeldes de dous pontos principaes, em que
achavam-se collocados em grande numero.
No dia 18 d'este mesmo mez, o presidente dci-
xou O Crato e pôz-se de viagem para o Icó, onde
demorcu-se, para dar certas providencias rela-
tivas à expedição, até a chegada do marechal
— 100 —

Labatut, que ahi fez sua entrada a 31. Tinha, co-


mo fica dito, chegado este à 23 de julho ao Ceará,
e recebido logo ordem de dispór-se a mar-
char immediatamente parao centro da provincia;
o que effectuou à 9 do mez seguinte vom du-
zentas praças de tropa de linha, pouca cavalla.
ria € artilharia. Ao aproximar-se do Aracaty, O
juiz de paz d'esta villa Joaquim Emilio Ayres,
que já é bastante conhecido por sua turbulencia,
ofticiou-lhe em termos imperiosos, que não pas:
sasse pela villa, anncaçando-o com quinhentas baio-
netas que blasonava ter a sua disposição; e-
mesmo, postou nas margens do rio piquêtes de
habitantes da villa que aliciou para pegar em
armas. Porém o marechal, não obstante as amea-
cas que o juiz de paz proferia contra elle, en-
trou no Aracaly com seu estado-maior e porção
de suas tropas, deixando a artilharia do ladoop-
posto do rio, d'onde a fez seguir para cima pela
ribeira esquerda do rio, até encontrar a estrada
real.
Nesta passagem do general pelo Aracaty, não
houve desaguisaro de natureza alguma, porque
o fanfarrão do juiz de paz, reconhecendo a im-
possibilidade da resistencia, concordou ultima-
mente em admiltir o general na villa. Esse ener-
gumeno tinha, no entretanto; sabido angariar as
bôas graças da plebe que dominava,e teria podido
suscitar, por si só, algum conflicto ou desaguisado
pouco agradavel. entre a população da villa co
general Labatut.
Chegado este ao Teo, entregou-lhe o presidente
o commando da-expedição, e deo-lhe suas instruc-
ções; depois do que, saio do Icó a + de setembro,
o retirou-se para a capital, passando pela villa
— 101 —

do Frade, do Riacho do Sangue, e por Baturité; e


Dó dia 16 chegou à Fortoleza, tomando conta da
administração.

CAPITULO XIX
Pacrricação DO CaRIkY PELO GENERAL LaBaTUT—PRE-
SIDENCIA DO MAjoR IGNACIO CORREIA DE VASCONCEL-
LOs—42, PRESIDENCIA DO SENADOP ALENCAR—-PROCES
so E EXECUÇÃO de PINTO MADEIRA.

O general Labatut, tomando a chefatura da ex.-


pedicão, estabélecco o seu quartel-general na
vila do Ico, donde pôz se lego em relação com
todos os commandantes das tropas espalhadas
pelo Cariry c seus contornos ; tomou suas medi-
das com prudencia e moderação ; publicou pro-
clamações, que fez chegar au conhecimento de
todos os chefes rebeldes, convicdando-os à depô-
rem as armas, e a volverem à seus lares com ga-
rantia da vida e liberdade, e promessas de não
serem inquietados; ao passo que mostrava lhes
a desvantagem que teriam de combater com tro-
pas disciplinadas c regulares. Esta linguagem
imparcial, c mui politica em semelhantes con-
juncturas, desagradou summamente aos chefes ce,
em geral, a todo o partido da legalicade que es-
tava sequioso de vinganças; mas dispóz os re-
beldes à se entregarem a um tal bomem que, sen-
do alhcio à todos os negocios anteriores, parecia-
lhes apto para acabar com os rancóres que elivi-
diam os partidos.
Em fins de setembro dirigio-se Labatut para
S. Matheus, e d'essa villa seguio para o Cariry pela
ribeira do rio Carilii, chegando em Outubro ao
— 102—
pe de uma ramificação da serra do Araripe,
situada entre o Crato c o Brejo Grande; c assentou
o seu acampamento num lugar chamado Cor-
rentino. Desse ponto, quando linha noticia de
algum adjunto de rebeldes, que se achavam em
armas com desígnios hostis, dirigia-se aôs che-
fes convidando-os a se debandacem, o que al.
cançou quasi sempre; e, quando vinham entre
gur-se, soltava-os e prestava-lhes auxilios contra
seus contrarios, que em geral licavam indignados
por vor escapur-lhes uma presa que persuadiam
pertencer-lhes. O grosso dos rebeldes, vendo
esta conducta corresponder ao que se havia pro-
mettido nas proclamações, encheo-se de tal con-
fttanca que, À 10 de Outubro, Joaquim Pinto Ma-
deira officiou ao general declarando que se lhe
fosse garantida a vida propriv e de seus com-
panheiros, assim como lhe promeftesse envial-o
vosi e ao vigario antonio Manoel de Souza para
o Rio de Janciro à disposicão da regencia. neste
caso não duvidaria entregarese; o que, sób a pro
messa vo general, cllectuou a [2 de Outubro, no
dito acampamento do Correntino, com o vigario
do Jardim c 1450 homens.
Em virtude de sua promessa, e da inidisposição
e do rancór que notava entre à população em ge
ral, o sobretudo nas autoridades locaes e nas tro-
pas do governo contra seus prisioneiros, resol-
voo Labatut cnvialios sem demora para o Rio de
Janeiro, por Pernambuco; e neste intuito diri-
risio-se com elles para o Crato, e d'ahi para o
Jardim, vindo entregarhe as arms, durante
esta viagem, um crescido numero de rebeldes, aus
quaes soltou eim grande parte. Teatou os seus pri-
sioneiros com todas as deferencias “ue mere-
— 103 —

ciam o seu infortunio e sua condição, e confiou-


os a um capitão da provincia de Pernambuco,
José Joaquim da Silva Santiago, com a recom-
mendação de os conduzir com toda a segurança
para o Recife. No decurso dessa viagem de perto
de 200 leguas, tiveram clles que soflrer os ultra-
jes e mãos tratos de uma população exasperada,
e mesmo correram o risco de: serem despedaça-
dos pela plebe de certas localidades, à cuja fe-
rocidade se oppôz com vigor o capitão Santiago.
Foi umasabia providencia de Labatuto remet
télcs para Pernambuco, mas não teve o resultado
que della se devia esperar; porque houve uma
influencia que obstou a «que seguissem para a cór-
te; de maneira que ficaram retidos por tempo em
Pernambuco, presos a bordo de uma embarcação,
uceupava então a vice-presidencia d'aquella
provincia o Dr. Bernardo, que se negou a dar a
devida execução ao compromisso ds Gencral La-
batut, antes de consultar à Regencia. As incoes-
santes representações do Senador alencar e dos
Castros, inimigos ligadaes dos dous prisioneiros,
fôram terriveis—pintaram-n'os com córes tão he-
diondas que a Regencia vacillou, c deixou-os (i-
ar no Recife onde teriam morrido de fome, e de
miscria, a não ser a commiseração dos officiaes de
bordo da embarcação em que se achavam reti-
dos, os quacs lhes enviavam diariamente parte
de suas rações.
Com sua chegada ao Rio, Labotut pôde justi-
ficar-se das accusações terriveis que se le fa-
ziam, por não haver de todo exterminado os re-
beides; e conseguio, além disso, desvanccer os
terroves da Regencia à respeito dos dous presos
Cariryenses, e modificar a sua opinião à respeito
— 104—

dos mesmos, a tal ponto que, d'ahi em vante,


foram elles tratados com outras attenções.
Em fins de 1833, partindo do Recife uma
corveta para o Maranhão, recebeo à seu bordo
os referidos prisionciros, aos quaes acompanhou
ordem de serem entregues ao presidente do
Ceará; mas nãp sabemos qual (oi o motivo em
virtude do qual se não cumprio esta ordem; o
certo € que fóram elles conduzidos ao Maranhão,
onde viveram de esmolas....à mercê, completa-
mente, da caridade publica, durante todo o longo
periodo de sua detenção n'essa cidade.
Como o officio do general ao ministro, em que
dá parte da entrega dos chefes da rebellião, e de
sur remessa para a córte, é um documento liisto-
rico importantissimo e digno da maior attenção,
citaremos aquiilguns dos seus principaes trechôs.
«Hm. e Exm. Se. —Tenho a honrosa satisfação
do ver quasi concluida a commissão que a regen-
cia do imperio em nome do imperador, me ha en-
carregado, sem derramar uma só gotta de sangue
brasileiro. Remetto a V. Exc., pelo intermedio
do presidente de Pernambuco, o ex-coronel Joa-
quim Pinto Madeira e o vigario «do Jardim Antenio
Mancel de Souza, que,sob condição de conservar-
lhes as vidas, c remettel-os para essa córte, se me
vierem appresentar no acampamento de Correnti-
no, em virtude de minha proclamação de 22 de se-
tembro proximo passado, cuja copia olfereço a V.
Exc. Elles vicram acompanhados de muitas fami-
tias que fôram ay seu encontro nos desertos e mon-
tanhas, por onde passavam. Estes dissidentes em
nº. de 1590 promptamente me entregaram as ar-
mas da nação que empunhavam.
Exm. Sv., a maior das intrigas durante o reinado
— 105—

do terror, que felizmente passou, compellio estes


povos à hostilisarem-se de modo tal que geme o
coração mais duro à vista dos incendios, mortes
arbitrarias e roubos praticados até pelas tropas do
presidente desta provincia. A constituição foi cal-
cada a pós cappareceram em campo animosidades
rancorosas de 1817 e 1824! Como, pois, poderão
ser julgados os réos por juizes inçados da mesma
opinião dos partidos que assolam a provincia? Por
isto rogo a V. Exc. se digne «de attender ao meu ulti-
mo officio do Icó, em que conhecendo cabalmente
os males que acabrunham a nova comarca do Cra-
to, eu pedia juizes integros, justos e sabios por não
haver um só letrado em toda ella,os de paz e ordi-
narios são mui leigos e pertencem à um ou outro
partido. De nada servem os paisanos e milicianos,
que fogem às duzias com as armas da nação. Os
povos acham-se por descuidos das autoridues lo-
caes armados e esperam do governo de S. M. Im-
perial todo o remedio a seus males. Estou prompto
a fazer executar às ordens do governo supremo,
conservando-os submissos como ora se acham, à
vista da brandura com que os tenho tratado ; mas
necessito de juizes como o hei demonstrado. De
tudo tenho dado parte ao presidente, de quem pe-
las longitudes em que me acho, não tenho podido
obter resposta que anciosamente espero. À intriga
desgraçadamente deu vulto à cousas que em nada
offendiam as leis. E' falso, como aqui se dizia,que
Joaquim Pinto proclamára ce defendia a restaura-
ção, e queria reproduzir aqui as scenas sanguino-
lentas de S. Domingos francez. O governo man-
dando juizes letrados imparciaes, conhecerá a fun-
do os verdadeiros culpados. O coronel de milícias
Agostinho Thomaz d'Aquino, co tenente de primei-
— 106 —

ra linha Antonhp Cavalcanti d'Albuquerque, com-


metteram horrorosos attentados contra os direitos
civis, vidas e propriedades dos seus concidadãos,
sem escapar sexo nem idades. Seria um grande be-
uulicio para a himanidade atrozmente offendida,e
para a tranquillidade da provincia, que V. Esc. os
mandasse recolher à córte o devassar de sua con-
ducta...Fez-seguerra de bavbaros mataram-se pri-
sioneiros, queimaram-se casas,legumes € mobilias,
roubaram-se gados, confiscaram-se os bens dos
dissidentes, receberam-se donativos gratuitos.
Muitos dissidentes, além das listas inclusas, e
em inaior numero, estão para se me appresentar
em varios pontos, maxime na.villa do Jardim, para
onde sigo à fizer conduzir os dous prezos mencio
nados, pelo bravo capitão de Pernúnbuco José
joaquim da Silva Santiago. Elles foram roubados
dos seus bens é papeis, que dizem existirem em
poder do presidente.
Deus guarde — Sr.
à V. Exc. brigadeiro Bento
Barvoso Pereira, ministro da guerra—Pcdro La.
batat, general commandante das tropas do Ceara.
Crato, Jide outubro do 1632.
Este officio, ingenua expressão de um bravo mr
jilar, superior as facções que dilaceravam a pro-
vincia resta feiste quad mostra mutelaramente
que os erros (oram reciprocos, e maiores da parte
do governo provincial.
A humanidade e a moderação do general desa-
eradaram geralmente à todos do partido da lega-
lidade, que desejavam ver esmagados à Joaquim
Pinto Madeira, é aos seus sequazes. UU mesmo
presidente José Mariano, nasua correspon dencia
ofticial, deixa ver manifestamente que partilhava
d'essa indisposicão geral contra Labatut ; v os pe-
— 107—

riodicos, com especialidade o Clarim da Libardade,


parto do ardente Ayres, juiz de paz do Aracaly,
invectivaram muito à conducta do pacilicador do
Cariry,em quem almejavam achar um perseguidor
e destruidor dos seus inimigos, vencidos c desar-
macos.
O redactor do Clarim tachava-o de trahidor, ao
passo que criticava amargamente o governo geral
e provincial, por ter empregado um tal homem ;
mas estes impropecios não abalaram a grande alma
do general que, afinal, obteve a pacificação da
comarca do Cralo, sem derramar uma só gotta
de sangue. Coneluida a sua missão, oretendco
Liatut cetirar-se por terra para Pernambuco
como seu estado maior e um pequeno piqueto de
tropas: mas o presidente oppózse à esta sua
resolução, c ordenou-lhe que regressasse para a
capital. Assim, tomou a dlireeci ão do Teo, onde
esteve parte do mez de novembro, e aR do de-
zembro partio para S. Bernardo.- N'essa localida-
dose deteve por ordem do governo, afim de con-
ter a sanha de Ayres que, redobrando à cada passo
em audacia, excitava em seu Clarian a população
do Aracaty c Russas a rebellar-se contra o governo,
blasonando de «que oppôt-se-hia à passagem do
sencral c de suas tropas pel: vvilia, € mesmo aui-
mando aplebedo aracaty à resistir-lhe,com armas
na mão, afim, dizia elle, de evitar disturdios, mas
realmente isto fazia pelo temor que linhido Laba-
tut, a quem havia maltratado muito n usita folha.
Entretanto, o verdadeiro motivo da parada do
General com sum tropa, nas Russas. era prevenir
a intervenção do redactor do Clarim nas eleições
pra deputados à Assezablta Geral, as quas se de-
viam proceder em Janeiro do anno seguinte. O
— 108—

governo empregou esta manobra, no intuito de


favorecer a votação dos candidatos de seu peito.
O arrójo desse turbulento e sedicioso juiz de paz
chegou ao ponto de officiar elle a 17 de dezembro
ao governo, em termos attrevidos, e com declara-
cão de que, não obstante as ordens recebidas, ja-
mais consentiria que a expedição passasse pela
villa, remettendo conjunctamente duas proclama-
vôes anarelicas, que havia publicado, e a cópia
do officio que dirigira ao gencral. Mas o governo
que até então temera-lhe a inlluencia, vendo-se
nessa occasiãd apoiado, por uma força capaz de
contél-o, creou animo, c compenetrou-se de sua
posicão ; «de maneira que,a 29 de dezembro, Ayres
foi declarado sedicioso pelo conselho do governo,
por ter resisfido às ordens que recebera de deixar
entrar Labatucno Aracaty, c haver propalado ideas
anti-constilucipnacs e oppostas ao governo esta-
belecido; e por isso foi responsabilisado, e sub-
meltido ao julgamento do jury. Nessa conjunc-
tura esconilco-se cobard:mente em casa dos seus
maiores inimigos politicos, a quem todavia perse-
guio com todo furor, logo que ficou livre.
No entretanto Labatut recebeo ordem de reco-
lhee-se à capital sem entrar no Aracaty, não obs-
tante reclamar do presidente que o deixasse pas-
sar porestavilla,
afim desc desaggravar dasinjurias
calumniosas e das fanfarronadas do juiz de paz.
Isto posto, o gencral voltou para a capital, sem
haver oceorrido o menor incidente no sco trajecto;
ec d'ahi embarcou para o Rio de Janeiro, com. a
gente de sua expedição.
Na oceasião do embarque
porém, desertougran-
(le numero de soldados, filhos quasi todos da pro-
vincia,e que haviam sido recrutados em 1825, Ser-
-— 109 —

vio esta deserção de fundamento à uma das mais


fortes accusações feitas à Labatut por seos inimi-
gos; mas hem pouco trabalho ihe deo o justificar
se plenamente della.
Ao passar por Pernambuco, em Abril de 1833,
teve o desgosto
de certifi ar-se, em pessoa, de que
o Governo Geral, despresando os seus acertado:
conselhos, havia mandado deter à bordo de em-
barcações os dous prisioneiros que clle remettera
do Crato, impedindo, consv uintemento, a «que
estes infelizes hegassem à sua presença, na Côrte.
O presidente da provincia, logo depois da retira-
da de Labatut, fez seguir para o Aracaty um forte
destacamento, atim do prender a Avres e conter à
populaç to, que ainda pretendeo obstar a entrada
d'esta força; mas a energia «do respectivo com-
mandante € as ordens terminantes que trazia da
Capital, venceram este obstaculo, O destacamento
entrou na villa, e o redactor do Clurim foi sub-
mettido à desisão do tribunal do jury,que o absol-
vco por falta de materia para a accusação.
Tendo o marquez do Aracaty, João Carlos Au.
gusto de Osynhausen, seguido com D. Pedro 1º.
para Portugal-—por este motivo fui considerado o
haver elle resignado o logar de Senador, que 0c-
cupava, € declarado vago o mesmo lugar.
Os collegios eleitoraes reuniram-se então, com o
fim de procederem a eleição de um novo Sena.
dor, em subslituição ao referido marquez do Ara
caty. Apurados todos os votos, recalvo a maioria
d'elles no padre Jose Martiniânio de Aleneatt, cuja
eleição foi approvada pelo Senado.
A crise do dinheiro de cobre,no entretanto, con
finuava, é cada vez communicava mais inc remento
aos embaraços que a demasiada jurisdicção dos
— 110 —
Juizes de paz oppunha à administração provincial.
Depois de sua despronuncia, redobrou Avres no
Aracatyem audacia, à tal ponto que, à3 de abril,o
commandante do destacamento denunciou-o por
tentativa de deitar abaixo o governo existente ; e à
óde maio ,apparocendo novas denuncias no mesmo
sentido, o conselho do governo mandou-o prender
e processar para responder novamente ao jury.
A assembléa Jegislativa reunida na córte, por
entre os inmimeraveis embaraços que as crises 0€-
corridascm quasitodas as provinciasdo imperio lhe
iam creando, assim como asdivisões dos partidos,
decretou a 29 (le novembro de 1832 0 codigo do
processo criminal, para execução do qual o ininis-
terio publicou instrucções regulamentares a 143
de dezembro do mesmo anno; mas, os embara-
cos originados pela guerra d? Pinto Madeira
não permitiram ao governo provincial a sua
exccução imediata nesta provincia, onde so-
mente foi publicodo cm maio de 1833, A face
do paiz foi se transformando assim completa-
mente pelo lado administrativo. Ercgiram-se
quatro novas comarcas, assim como crearam -se
túmbem novos termos, de mancira que ficou a
provincia dividida judicialmente do modo indi-
cado no quadro seguinte :
Comarcas Termos
Capital..........—Fortaleza
Aquiraz
Baturité
Imperatriz
Julgado do Caninde.
Sobral (novo).... --Sobral.
Granja.
Villa Viçosa.
-— il—

Villa-Nova de El-Rei com o


julgado de Santa Quileria.
amontada.
Acaracú
Aracaly (novo)... Aracaly.

S. Bernardo,
Cascavel.
Crato........... - Crato,
Jardim.
Julgado do Brejo Grande.
Missão Velha.
Icó (novo)....... — Icó.
Lavras.
S. Matheus.
Julgado de Pereiro.
Quixeramobim (no-
VO)....ccc cs — Quixeramobim.
. S. João «do Principe.
Riacho do Sangue.
Julgado de Maria Pereira,
Nomecaram-se conseculivamerte juizes e cs-
crivães, cercaram -se jurados, e tornou-se a ju-
risdieção dos juizes de paz mais limitada e me-
nos embaraçadóôra.
Estabeleceram-se novas repartições ou modi-
ficaram se as antigas, crigio-se a alfrandega, bem
como as thesourarias gerale provincia!, e, afi-
nal, procurou-se regularisar os correios.
Por uma manobra politica, fizeram por essa
occusião propalar no Rio de Janeiro o boato de
que o partido Caromurú pretendia chamar, no.
vamente parao Brazil ao ex-imperador D. Pe-
ero |, sendo nesse sentido até dirigida às cama-
ras uma mensagem; o que deo logar ao depula-
do Venancio lenriques de Rezende propôrà 3
— 112—

de junho, por um projecto, o banímento do ex-


imperador. Esta noticia, nabilmente espalhada
pela provincia, operou cm sua mór parte uma
forte diversão nos espiritos, c fél-os convergir
contra o inimigo commum; mas no Cariry ia clla
quasi produsindo um resultado mui funesto,
porquanto a população, que não tinha compre-
hendido à politica do general Labatut, e que nu-
teia um rancór estraordinario contra os parti-
darios de Pintó Maceira, levava as autoridades
à perseguil-os incessantemente, e por todos os
meios possiveis. Estes porem, em retaliação,
commeltiam atfentados contra seus perseguido-
res, e refugiavam-se nos maltos; e, com a noti-
cia da proxima volta do ex-imperador, chega-
ram a formar grupos numerosos de duzentas
pessõas, que afacavam as moradas de seus con-
trarios, suqueavam-n'as c até destruiam-n'as, as-
sassinando os proprios moradores, chegaram a
ponto «atacar mesmo povoações, como deo-
se no dia Sde nove mbro cm que um troço
deles, em numero demais de 200 atacou e tomou
a povoação dé Missão Velha, a qual sagueou,
depois de expellir o destacamento que ahi es-
tacionava.
O presidente José Marianno, em lal situação,
expedio ordens às tropas que ainda se acha-
vam reunidas no centro, para fazerem um cer-
co em todo o Carirv, atim de ir concentrando os
rebeldes n'tum ponto unico, onde podessem ser
esmagados dg uma so vez, e assim ser sufocada
para sempre a rebellião.
Uma sedição militar [que sc atlribuc ao ma-
jor Torres, cm consequencia de fresentimento
por ter deixado o commando das tropas que
— 13—

haviam marchado com elle para o Cariry, veio


ainda difficultar mais a situação, e encher de
terrôr a população da capital. Na noite do dia
10 do novembro, pelas 40 horas, ouviram-se
tiros numerosos disparados no quartel, toque à
rebate c gritos sediciosos de
— viva v nosso
commandante! — vivao major Torres! Toda a
noite se passou em grande agitação. O presi-
dente retirou-se no correr d'ella para Arron-
ches, e «d'ahi mandou uma proclamação promet-
tendo o perdão geral, no caso de voltarem os
sediciosos ao seu dever.
No dia seguinte as tropas receiosas das con-
sequencias de um tal acto, fôram-se reunir ao
presidente, deixando o major Torres só; e aquel-
le voltou para a capital, c com pouca demora
restabelecco a tranquillidade, sendo prescs os
chefes da sedição c remettidos para a côrte.
Emquanto se davam estes acontecimentos no
Ceará, as outras provincias do imperio tambem
passavam por terriveis commoções.
No Rio de Janeiro, depois da retirada de D.
Pedro 1, e da sua abdicação à 7 de abril de 1831,
a favôr de seu filho D. Pedro II, os deputados e
senadores existentes na côrte se reuniram e no
mcaram uma regencia provisoria, que tomou
conta dos negocios no dia subsequente ao «d'a-
quelle facto. »arece que a revolução militar,
que accasionou a abdicação de D. Pedro, estava
combinada em todo o imperio; porque á + de
abril d'aquelle anno de 1831 tinha já arrebenta-
do uma na Bahia c outra em Pernambuco, quan-
do chegou à estes pontos a noticia d'essa ab-
dicação; ec como à relaxação da disciplina ia
tambem ameaçando à tranquilidade do Rio, o
— Mt—

ministro Feijó prevenio as consequencias della,


dissolvendo à tt de julho certos corpos, c man-
dando os ofliciaes de outros para fóra. Al7do
mesmo a assemblea geral nomcou o regencia
permanente, c à 7 de agosto foi preso e depor-
tado o visconde ae Govanna, presidente do Pará.
No Maranhão teve logar à 13 de setembro um
levante militare do pôvo, que trouxe muitas
perseguições, assim como tambem a expulsão
de magistrados; c à 1t, 15 ec 16 d'esse mesmo
mez, occorreu no Recife a horrorosa sedição de-
nominada setembris ada, em que as tropas apode-
raram-se da cidade, arrombaram ce roubaram
as casas prine.paes. A 7de outubro do mesmo
anno, sublevaram-se, na Hha das Cobras ce em di-
versas fortalezas do Rio, os soldados do Córpo de
artilharia,
Nos dias 3e 17 deabrildo 1832 appareceram
movimentos popuiares no Rio de Janeiro, à 12
dco-se uma sedição militar no Rio Negro; ca lh
houve lugar um movimento em Pernambuco,
do qual originon se, no interior, à guerra cha-
mada dos cihtnos, guerra que durou perto de
h annos, Cque só veio a ceder finalmente aos
extorços do major Joaquim José Luiz de Souza,
por meio da intervenção do bispo respectivo.
Nesta situação, 430 de julho à regencia per.
manente vio-se obrigada à rosignar o poder;
mas a camara dos deputados não assentio à esse
passo; todavia, o ministerio Feijo—Vasconcellos
retirou-se do poder.
A 22 de março de 1833 revoltou-se Ouro Prê-
to, e no Parãas sedições continuaramide modo
que fot ali, O de abril, barbarunente assassina-
do e despedacado o negociante Jalles,
— 115 —

A Jk deagosto fundou-se no Rio uma so-


ciedade militar, com o fim de reabilitar essa
Classe, cujo conceito suas incessantes rebelliões
iam destruindo; à 5 de dezembro a gentalha in-
vadio a casa das sessões desta sociedade, c des-
pedaçou tudo quanto nella encontrou; e à 15 do
mesmo mez o futor do imperador, José Boni-
facio de Andrada e Silva, vio-se assaltado no
palacio da Bôa-Vista pelos juizes de paz da cór-
1€ reunidos à alguma Lropa, que levaram preso
oudouoavel ancião para lugar seguro, c obris
saram o joven monarcha e suas irmans wacom-
penhal os procissionalmente pelas ruas da ci-
dade.
Aponto aqui estes acontecimentos, que não
periencem positivamente à tarefa que me impuz,
para mostrar que não era só o Coarã que sol-
feia; mas sim todo este imperio do Brazil, que
parecia marchar para um desmoronamento in-
fallivel,
A situacão era na realidade das mais crificas
porque, além das sedições já apontadas. corria
como certa a volta de D. Pedro E à testa das
legiões estrangeiras que tinha aleancado em
Franca e na Inglaterra, o cer forte o partido
que desejava a “restauração do seu governo; €,
de Pernambuco, escrevia o vice presidente pr.
Bernardo à Regencia, completamente desmora-
Jisada, que «os cab anos, verdadeira guarda avan-
cada do exercito restaurador
de D. Pedro b, ti
nham feito e continuavam a fazer tacs progres-
sos na provincia, que não seria preciso de me
nos de 50.000 homens para os cercar c sub-
metter»; o que equivalia a alfirmar a impossi-
bililade de sua submissão.
— 116—

Todas estas oceurrencias, coincidindo com a


sanha incansável e incessante dos inimigos de
Pinto Madeira e do padre anfonio “Manoel, . em
apresental-os como eminentemente perigosos
em semelhante crise, contribuiram poderosa-
mente para aggravar a sua sorte, tanto perante à
Regencia, toda aterrorisada, como perante a
opinião publica, que acostumaram a vêr nelles
os maiores inimigos do Imperio. O presidente
José Marianno, para justificar a sua conducta
tão asperamente criticada por Labatut, abunda-
va nestas idéas nas partes que dava contra os
autores «la rebellião do Carirv.
Voltêmos, porém, ao Ceará, onde o presiden-
te José Marianno de Albuquerque Cavalcanti ba-
via sido substituido, à 26 de novembro, pelo ma
jor Ignacio Gorrêa de Vasconcellos.
N'este anno de 1833 procedeo-se à eleição de
deputados paraa terceira legislatura, c sahiram
cleitos José Antonio Pereira Ibiapina, Manoel «o
Nascimento Castro ce Silva José Marianno deAlbu-
querque Cavalcanti, padre Antonio Pinto de
Mendonça, Jeronymo Martiniano Figueira de
Mello, Vicenté Ferreira de Castro c Silva, Jose
Ignacio: da Costa Miranda c Francisco Alves
Pontes.
Nas eleições primarias, em 13 e 14 de Janeiro,
houveram disturbios na matriz do Ico. O tenente
coronel João André Teixeira, unido ao ex-ouvi-
dor do Crato Martinianda o Rocha Bastos, plei-
teando contra o coronel Agostinho, chegaram à
vias de facto, uns contra os outros, perturbando
com grande escandalo o acto.
Neste mesmo anno fôram creadas por Decreto
dc 17 de outubro as novas villas — da Barra do
— i7—

Acaracú, ca Imperatriz e do Cascavel, cujos ter-


mos lôram desmembrados: o primeiro do de So-
bral, c os outros dous do da Fortaleza.
Continuando sempre-no Cariry as represalias
contra os partidarios de Pinlo Madeira cos es-
tremecimentos destes contra seus perseguido-
res, à ponto de causar sérios receios de ser ou-
tra vez alterada a tranquillidado publica, 0 novo
presidente, o major Ignacio Corrêu de Vascon-
cellos, que vimos tomirvas rédeas do governo à
26 de novembro, adoptou o plano dºest alegia do
seu predecessor, e deo logo ordens neste senti-
do, mandando executaro cérco di comarca do
Crato; € para que 0 piano se exceutasse com Te-
gularidade, projectou ir em pessoa dirigilo. Em
sessão de & de dezembro submetteo esta sua reso -
tução ao conselho do governo, que deo-lhe sua ap-
provação, “ssim como concedeo-lhe autorisação
tranca paragastar dos dinheiros provinciaes tu-
do quanto fôsse necessario para 0 bom exito da
empreza. Isto posto, empregando foda a solicitu-
de, oceupou-se ate 12 de jangiro de 1834 con 05
apprestos da expedição, e nesse entretanto pu-
blicou proclamações, com que se fez preceder
aqueles pontos da provincia, por onde mandor-
as espalhar Fante-mão, e par onde seguio igual-
mente entre os dias 12 e lS'do referido mez, fa-
zendo apenas pelo interior da provincia, e parli-
cularmente pelo Carirv, tunt passeio militar, por-
que não encontrou mais adjuneto algum du re-
beldes; à 10 de marco estava 5. Esc. “devolta na
capital.
Logo pelo principio do anno frafoty o governo
da organisaçi ão da guarda nacional, em subsli-
tuição das tropas de inilicias 6 antigas ordenan-
— 118—

cas. No anno antecedente, o conselho de pro-


vincia havia, por espirito de bairrismo, fechado
o porto do Arhcafy, afim de chamar o commercio
pare o capital.
O porto do Aracafy é sem duvida o mais im-
portante da provincia por causa do commereio
de toda ella fazer-se por ahi. Os aracalvenses pro-
testarem, e logo representaram contra estu me-
dida, convidando, à H& de maio do mesmo anno de
183%, as camaras do interior à fazerem o mesmo;
e, afinal, obtiveram que o seu porto fosse conser-
vado.
430 de maio foi propósto, como já apontei, e
passou na camara dos deputados, o projecto do
banimento do ex-imperador D. Pedro [mas à 18
de Junhocahjo completamente cem primeira dis-
cussão no senado; à 12 de agosto foi adoptado o
projecto de refor ima da constitui: ão, vulgarimen-
te conhecido. pela denominação de seto stdetici-
onte; € cin novembro soube-se da morte de D. Pe-
dro 1, ac onterida em Lisbõa à 2t de setembro,
Estas noficias viéram chegando ao Ceará uma
apos outra sem comtudo produzir nofaveis acon-
tecimentos. Como a refórina d + codigo não pro-
duzisse os melhoramentos que «delle se espera-
vam, aftribuip-se este effeito à carencia de juizes
lettrados; e por isto fôram dirigidas ao governo
geral diversas representações, no sentido de que
se HoMeassem para as comarcas juizes formados.
Durante o decurso administração do Sr. Vas-
concellos nada mais occorreu digno de reparo, a
não ser a marcha progressiva da crise monetaria,
que foi por diante até que finalmente se tomasse
uma medida energica c peremptoria.
Ja disse que indignos especuladores vendo que
— 119—

o cobre monctisado tinha um valor infrinseco


inferior ao da circulação, entraram a emittir mo-
ela de cobre falsa, e com peso ainda inferior ao
cobre legal; c como essa introducção passasse
impune e desapercebida, animaram-se ate a di-
minuir o peso do metal da moeda falsa, que lan-.
cavam na circulação, à tal ponto que o povo co-
meçou a recusal-a. Essa negociada cra em tal es-
cala que entravam navios cart regados «esse co-
bre, com menos da quarta part do peso legal;
de maneira que o governo não pôde difliric por
mais tempo de lancar as vistas sobre este acon-
tecimento, e procurar dar-lhe remedio. A' 22 de
outubro de 1830, pois,publicou-se em toda a pro-
vincia um bândo determinando que: só feria cur-
so legal a moeda de cobre que pesasse oito oita-
vas, sendo de 80 reis, c d'esse valor para baixo na
correspondente proporção.
Com está medida as repartições se acharam nos
maiores apuros, porque não cra possivel arran
jar bastante mocda «Festa para as precisões, vis-
to que os particulares a guardavam, ese desfa-
ziam da falsa que chamou-se chemchem. - As pe-
quenas transacções fóram-se tornando difficili-
mas € quasi impossiveis; de maneira que, duran-
te a guerra de Pinto Madeira, a tropa não poden-
“do fazer aceitar puto povo o cobre inferior que
recebco em pagamento do seu soldo, entrou a
dar mostras de descontentamento, e ameaçou
por vezes amoltinar se. Ora, o perigo era gran-
dec imminente, sobre tudo em tempo de guerra,
em que convém trazera tropa satisfeita e paga em.
especie que tenha gyro promptoe franco; e, por
issc, 0 conselho do” governo determinou por um
bando com data de 18 de outubro de 832, que
— 120 —

se recebesse toda a moeda de cobre que pesasse 7


oitavas por 80 réis, 3 oitavas por 40, c 112 por
20 réis; deliberação esta que, sendo subnmettida
ao governo geral, foi approvada c mandada exe-
cutar 148 de dezembro do mesmo anno.
A4' 3 de outubro de 1833 baixou porém uma lei
geral determinando, que não tivesse de então por
diante. curso log gal a moeda de cobre que não pe-
sasse a de 80 réis7 1/2 oitavas, a de 40 réis 3 3/4
oitavas c a de 20 reis 1 3/4 oilavas; € como se
ncehassem gravemente prejudicadas as pessõas
que se tinham visto obrigadas, em virtude da
resolução de outubro de 1832, a aceitar mocua
de peso inferior ao que deter minava essa nova
lei de outubro de 1833, houve uma representa-
cão dos negociantes do Ceará, transmittida pelo
residente ao governo e à assembléa geral, na
qual mostravam a injustiça deste prejuiso causa
do aos partipulares, que na bõa fé e pela confian-
ca que finham no governo cxistente, haviam
tecebido a sobredita mocda.
A 11 de dezembro de 1833 foi determinado po:
lo governo provincial que todas as pessõas que
tivessem desta moeda, cv mesmo de outra infe-
rior em peso, à fôssem entregar na thesonraria
para ser cortada, pesada e ahi guardada até de-
cisão da representação submettida ao governo
geral, recebendo o dono um recibo do peso do
metal e da qualidade da moeda que o produzira.
Esta medida, que tinha por fim deixar na cir-
culação sómente a moeda «ue Livesse peso legal,
e assim obstar à nova introducção de cobre chem-
chem, desagradou aos introductores da moeda
falsa, porque impedia a continuação dos seus lu-
ativos roubos; de maneira que entraram a es-
— 121—

conder todo o cobre bom, afim de obrigar o go-


verno
a deixar circular o de peso inferior. Mas
este, para cortar pela raiz taes abusos e acabar de
uma vez com os apuros incessantos, tomou a me-
dida extrêma de reduzir à metade o capital em-
pregado no cobre monetisado; e assim decretou
que todo clle fôsse recolhido e submettido à uma
commissão especial, que, depois de escolh'do o
bom e bem cunhado, o mandasse carimbar pela
metade do seu antigo valor nominal, afim de ser
emittido novamente na cireulação, ficando inuti-
lisado todo aquelle que não fósse carimbado, Re-
cebia-se este dinheiro na thesouraria, € pagava-
se com sedulas,que vieram da côrte para este fim.
Esta medida extrêma produsio o effeito descja-
do: acreditou a nova mocda de cobre, ibulilisou
a má, c facilitou ao governo o meio de emiltir
papel moeda. Mas se então tornou-se impossivel
a introducção do cobre falso, porque adqnirira O
metal cunhado um valor intrinseco superior ao
nominal, esse passo predispôz para o futuro uma
crise em sentido opposto; porque os trabalhado-
res em cobre acham hoje mais barato derreter a
moeda em vez de comprarem o cobre bruto ou
em ser, de mancira que assim vai ella desappare-
cendo pouco e pouco da circulação.
A'6 de outubro de 1834 o Sr. Ignacio Corrêa de
Vasconcellos, exonerado da presidencia, entregou
as rédeas d'administração ao seu successôr, o pa-
dre José Martiniano de Alencar, cujo primeiro
acto administrativo foia publicação do acto ad-
dicional, que a assembléa decretára à 12 de agosto
do anno anterior, c que modilicara quasi com-
pletamente à forma dos governos provinciaes;
as assembléas provinciaes vieram substituir os
grandes conselhos de provincia, tendo porém at-
tribuições mais circumseriptas; c a eleição dos
vinte e oito membros da primeira legislatura foi
mandada proceder em dezembro do mesmo anno..
Todas estás refórmas occuparam a aftenção do
novo presidente durante os primeiros mezes de
sua administração; além «disto ordenou às cama
ras que qualificassem em cada termo as pessõas ("
deviam servir de jurados, cujos tribunaes fôram
organisados por esse tempo; assim como tratou
de perseguira todo transe os criminosos, mal-
feitores e prepotentes,
que infestavama provincia.
Accusam-n'o de haver lancado .não de meios
arbitrários c pouco moraes, às vezes, para alcan-
cor o seu fim; accusam-n'o mais de ter persegui-
do com esperialidade aos inimigos de sua admi-
nistração e de sua familia, lançando contra estes
ouíros malvados de sua affeição, não menos per.
versos do que os perseguidos.
Talvez assim succedesse, mas examinando-se
a correspondencia official d'aquelias Cpochas,
coltige-se que o presidente ecra pelo contrario ani-
mado do desejo ardente de acabar com os crimes,
que se repróduziam a caca momento na provin-
cia, particulurmente «depois das dissenções civis,
que a tinham dilacerado. Nella queixa-se amar-
gamente dos jurados, que absolviam fodos os
criminosos, mesmo aquelles cujos crimes cram
evidentes e estavam mui bem provados; e se al-
gumas vezes propõe medidas demasiadamente
severas contra os mesmos jurados, que assim
obram, respira em todos esses actos um desejo
ardente de vêr à lei respeitada e a punição atfin-
sir o crime, desejo que se reconhece partio de
uma forte convicção.
— 123—
Quanto à imputação de perseguir os erimino-
sos seus contrarios, € favorecer
aos amigos Sup:
ponho que bem poucos administradores testa
provincia tem resistidoà essa tendencia, que po
de tersido politica até certo ponto; no entanto
perseguio os Mourões da Serra-Grande, os quacs
obrigoua emigrarem parao Piauhy,e a abandona-
rem esta provibeia, lançando contra elles os Quei-
rózes, que lhes não éram inferiores,e. no Icó, op-
pôz ao tenente coronel João André Teixeira Nen-
«des o coronel Agostinho, € por seu intermedio
obteve do jury contra elle uma sentença de de-
grécdo para o Rio-Negro por 25 annos.
A' 22 de outubro de 1834 determinou-se, por
um cditiul, que toda a pessõa que tivesse moeda
de. cobre sem ser carimbada, houvesse de a tro-
car na thesouraria, onde seria paga metade em
moeda punçada, e metade em sedulas que teriam
curso obrigatorio em todas as repartições c en-
tre os particulares, sol pena de incorrer no cri-
me de perturbador do socêgo publico aqueile que
não as quizesse receber. D'essã dita € que prin-
cipiou a emissão do papel moeda.
Pinto Madeira, por esse tempo, já havia sido
transferidodo Maranhão, onde estivera preso, pa-
ra o Ccará; e d'ahi, em seguida, foi enviado pa-
ra o Crato, afim de ser juis alo pelo jury deste
lugar por crime de rebellião contra o governo.
“Foi sem a menor duvida uma triste “embranea
essa, de entregar-se um tal reo à seus inimigos
ligadaes; à jurados que em sua totalidade ainda
derramavam la; grimas sobre as cinzas dc algum
parenteom amigo; à um jury ainda inexperién-
te, presidido por um juiz leigo, ignorante tan-
to como os juizes de facto, sem haver em toda a
— 124—
comarca uma unica pessõa que entendesse de
jurisprudencia. o
Se por este facto se pode criticar ou respon-
sabilisar o presidente, com muita mais rasão se
deve criminar ao ministerio que consentio nessa
farca judiciaria, não obsiante o officio do gene-
ral Labatut, que já franserevemos, c um folhêto
interessante, escripto pelo vigario «o Jardim An-
tonio Manpel de Souza, impresso no Rio e no Ma-
ranhão, op qual descrimina, à vista de peças
olficiaces, a parte que tomaram os partidos na
guerra do Carirv,e mostra com toda claresa à in-
competencia do jury do Crato ou do Jardim para
juigar os chefes desta sedição. o
A" 21 ag outubro de 183% foi entregue Joaquim
Pinto Madeira à seus juizes; à 17 de novembro
abrio-se 0 lribunal que o devia julgar, c à 26 foi
condemnado à pêna ultima, não pelo crime de
rebelião, que por si diflicilmente se prestaria à
execução do desejo que havia de sacrificarem-
n'o; mas, Sim, por um crime de morte que se
substiluio ao «te rebellião.
Jícitamos, no principio do Capitulo preceden-
te, o processo instaurado contra as rebeldes do
Jardim, sobre artigos extrahidos da parte dada
pelo Commandante das armas. Outros muitos
processos, por mortes feitas durante a guerra,
achavam-se promptos contra Pinto Madeira, afim
de serem apresentados successivamente ao jury,.
no caso deite os primeiros não fóssem suflici-
entes para se poder obter contra clle uma senten-
ca de morte. no
Como o processo, que motivou a sua condem-
nação e execução, é de grande importancia para
se poder apreciar a conducta do jury que o con-
— 125—
demnou, cifaremos textualmente,ou resumiremos
as peças dos autos, conservando entretanto, 0
mais possivel, e texto do original que temos soh
os olhos.
« A' 26 de outubro de 1832, na villie Comarc
do Crato, provincia do Ceará, o Juiz-ordinario
José Dias Azédo e Mello ordenou ao escrivão Vi-
conte Patricio d'Oliveira Castro que notificasse
testemunhas para a devassa da morte do curopeu
Joaquim Pinto Cidade, cujo côrpo de delícto tira-
do na Barbalha pelo juiz de paz Francisco da Ro-
cha Magalhães, sobre depoimentos de tres teste-
munhas, cujas acclarações contestes, à 6 de se-
tembro do mesino anno, provam ser exacta à dita
morte, lhe fôra remetido ».
+ Eôram inquiridas trinta testemunhas cujas
respostas são do fheor seguinte: 45.º,7.ºc 13.
declaram que nanda sebem absolutamente.
—a À,
Da 38,48, 6.º, 8.2, 9.8, 11.0, 12.8, 15.8, 19.2, Us,
91.0, 22.4, 23 a, 2.9, 25,2, 29.2 0 30,2 depõem com
dilfcrença «le polavras—que sabein por ouvir di-
zer, e por ser publico e notorio, que fóram as
tropas de Joaquim Pinto Madeira que mataram
o curopeu Joaquim Pinto Cidade, no Brejão, na
occasião em que marchavam do Jardim para o
Burity, afim de atacar os liberaes c a villa do Cra-
to -e que o mataram por ser clle patriota c libe-
ral; € que ignoram quaes fôram os soldados que
executaram esta morte. As testemunhas 10.2, 18.
e 28.2 depóem o mesmo que as precedentes; ac-
crescentando ellas, poréêm—que quem matou o
dito Cidade foi a gente da vanguarda das tropas
de Pintó Madeira, a qual era commandada por
Francisco Xavier de Mattos, por alcunha Pencro.
4 testemunha 1.3, José Cypriano do Rego diz,
— 126 —

udêm do que precede — que sabe, por ouvir dizer,


que as tropas que jam adiante agarraram na La-
goinha o dito Cidade, e mandaram dar parte d'es-
ta oceurrencia à Pinto Madeira que vinha atraz
da força, no Brejão; o qual o mandou fuzilar; mas
não sabe quem foi que exccutou tal ordem ».
« Manoel do Bomfim d'Azevedo, 16.2 testemu-
tha, diz mais—que ouvio os tiros que deram as
tropas de Madeira, mas que ignora quem os deo »i
“Na margem é declarada de vis: esta testemu-
nha.
w 4 7.º testemunha, Jose do Nascimento Silva,
ouvio dizer que Cidade sendo preso pelas tropas
de Francisco Xavier de Mattos, este mandára dar
parte à Madeira, o qual ordenou que fósse clle
morto o Áque foi executado immediatamente ».
« A 26.º testeinunha João Barbosa Maciel, tam-
bem apontada como de vista, declara ter visto,
“estando à fugir, passarem as tropas de Madeira
no Brejão—e ter, outro sim, ouvido cinco. tiros
que deram no curapeu Cidade; mas que não sabe
quem os deo ».
«A 27.º testemuniia, Alexandre Ribeiro, notada
como de vista, depõe
- que vio e presenciou,
achando-se no Brejão, quando ali chegaram as
tropas de Madeira, vir adiante delas a guarda-
avançada, commandada por Francisco Xavier Ve-
neno, que prendeo a Cidade e fez immediata-
mente dar parte à Madeira; e que; voltando, gri-
tára ao aproximar-se —Praça Na Victa— atirando
logo em Cidade; seguindo-se a estes outros qua-
tro tiros que o deilaram morto abaixo do cavalo».
«Em virtuçio dos depoimentos das sobreditas
testemunhas, o Juiz-ordinario Josc Dias Azêdo
Mello obriga à prisão e liveamento a Joaquim Pib-
— 127—
to Madeira, homem branco, c morador no Coité,
termo da villa do Crato; ca Francisco Xavier de
Mattos, por alcunha Feneno, branco, morador no
sitio das Barreiras, termo do Jardim ».
Esta pronuncia foi dada na povoação da Bar-
balha, à 34 deoutubro de 1832,
A devassa acima foi vista em correição pelo Ou-
vidor pela ley, antonio Moreira da Costa, que in-
quirio c utras trinta testemunhas cujos depoimen -
tos em tudo combinam com os primeiros; e, em
consequencia, sustentou a pronuncia de Joaquim
Pinto Madeira e de Francisco Xavier de Mattos, à
9 de fevereiro de 1833:
Estes autos fôram remeltidos à 10 de março ao
escrivão da Relação de “ernambuco, Miguel Av.
res do Nascimento; e por clle conclusos, à 14 de
maio, ao Desembargador «do Crime—José Libanio
de Sotza. A Relação sustentoua pronuncia.
« Em sessão extraordinaria do 1.º Conscho de
jurados, à 26 de novembro de 183%, na villa do
Crato, o juty achou materia para accusação dos
réus Pinto Madeira c Francisco Xavier de Mat-
tos. — Siguntarios: Joaquim de Macedo Pimentel,
escrivão; Lima, presidente; Pontes, Ferreira, Sou-
za, de Alencar, Carneiro, Arnaud, Brisenio, Guer-
va, Holanda, Duarte, Alencar, Correia, de Figuei-
rédo, Domingos Gonçalves Parente, Albuquerque,
Silva, Bizerra Faro, Moreira, Costa, Baptista.
- Certifica o escrivão do Meirinho do Juiz de
dircito-interino « ter notificado à Madeira para
estar prompto para responder ao Consélho do
Jury «esta villa do Crato no dia 26 de novem-
bro, e ter-lhe entregado a relação das trinta tes-
temunhas que depuzeram contra clle na devassa
que se tirou pela morte de Joaquim Pinto Cida-
— 128 —

de: assim como tambem o notificou para respon-


der à todos os mais processos que se achassem
contra elle; do que tudo se deo por entendido, e
disse que queria reperguntar as testemunhas da
devassa do dito Cidade. (Assignado) — José Go-
mes Pereira de Alencar ».
Termo de interrogatorio feito ao réu Joaquim
Pinto Madeira:
« Aos 26 de novembro de 1834 na villa do Cra-
to, Cabeça da Comarca, presente o Juiz de direito-
interino, Tenente-Coronel José Vitoriano Maciel,
como promotor publico, e eu Antonio Duarte Pi-
nheiro, reunidos em Consélho de Jurados, e sen-
do interrogado Reu, disse: Chamar-se Joaquim
Pinto Matlcira, cidadão Brazilciro; disse não ter
cooperado para a morte de Joaquim Pinto Cidade,
tanto assim que ignorava que era morto, c sim
que quando chegou se soubesse que o queriam ma-
tar, O teria impedido, come livrou depois de sua
chegada o companheiro do dito Cidade, que que-
riam tambem matar; que não conhecia o dito Ci-
dade, nem tinha com elle antecipações; que quem
fez esta morte iôram as tropas que vinham des-
enfreiadas, pois clle Réu vinha para remir a vida.
E mais naila respondeo, por isto mandou o luiz
lavrar este termo que assignou com o Reu».
LIBELLO ACCUSATORIO

«O Promotor publico por parte da Justica ac-


cusa o Réu Joaquim Pinto Madeira pela morte fei-
ta em Joaquim Pinto Cidade, e diz por esta e pela
melhor fórma de Direito. E. P.S. N.P.
«1 que procedend-se o devassa no Juizo ordi-
nario esta Villa pela morte de Joaquim Pinto Ci-
— 129—

dade, no Rrejão, no dia 27 de novembro de 1831,


nella sato justamente pronunciado o Réu Joa-
quim Pinto Madeira, como autor do assassínio,
como se passa a mostrar.
«2º «que tendo-se acclamado n'esta Villa S. M.
Imperial o Sr. Dom Pedro IÍ.º, o Reu, como ini-
migo do Systêma jurado, revolucionariamente
juntára tropas na Villa do Jardim, c com ellas, na
qualidade de chefe commandante, marchára a
atacar esta Villa, e Dater as tropas liberaes aqui
estacionadas, afim de desthronisar seu legitimo
Soberano, ha pouco acclamado, como foi publi-
co e notorio; dando de facto o primeiro ataque
no lugar Burily, onde se encontrou com as tro-
pas da legalidade;
e mais P. 3.º que: tendo Joaquim Pinto Cidade,
morador n'esta Villa, acompanhado como solda-
do as tropas de S. M. Imperial em marcha para a
Barbalha, contra o Réu, que avançava contra esta
Villa, aconteceo tomar dificrente caminho do
daquelle lugar, e infelizmente cahir cm poder
das tropas do Réu a cuja ordem foi logo preso
selo ex-commandante, o finado Francisco Xavier
de Mattos, que commandava a guarda avancada
do exercito faccioso.
«h.º que sendo assim preso o dito Joaquim Pin-
to Cidade, c não consentindo o commandante
Veneno que seos soldados o matussem como pre-
tenderão logo, sem ordem do Reu, à este fóra im-
mediatamente participar a prisão feita, co Reu
sem tenor de Deos nem respeito às leys, e fal-
tando à todos os preceitos da Religião, mandou
que o dito Cidade fôsse morto; à cujo terrivel de-
ereto obedecendo este commandante voltara gri-
tando —FAZER PRAÇA VASIA (termas proprios,; é com
— 130 —

o maior horrôr, assassinou-o, como se acha ex-


uberantemente provado pelo depoimento con-
teste de todas as testemunhas da devassa, algu-
mas de. ver e presenciar como as 26.:€ 27.2,
«5.º que 0 Péu é homem mãu, pessimo, sem:
religião, já afeito a matar, como se presenceia
de sua propria conducta moral, € por isto pro-
nubciado em outras devassas de morte, pelo que
deve ser apartado da sociedade, como um ente
pernicipso à mesma; impondo-se-lhe com todo
o vigor as penas da ley justamente merecidas, €
o documento junto demonstrarã toda o malva-
desa do Reéu....
« 6.º que nos propostos c conforme os de dirci-
to 0 presente libello secusatorio deve ser rece-
bido, co Reu condemusdo no maximo das penas
do Art. 192 do Codigo penal, por fer cominettido
O cime com as cireumstancias azggravantes exi-
sidas pela ley; pois de tudo é fima publica, cas-
sim confia a Justica, ete.-—Assignado/ : o Promo-
tor publigo Antonio Raimundo Brigido dos San-
tos ».
N'este ponto vem uma carta de Madeira, di-
zendo à um seu partidário «que a arma fomada
um liberal deve ser dada à fulano; mas que am-
tes se devia matar o dito liberal do que lhe to.
mara sua arma, ele. ».
SONTRARIEDADE=-O Réu, defendendo-se da mor-
te de Cidade, à elle attribuida pelo Promotor
publico, diz, e Provara :
«4.º que ainda admitindo o que depõem as
testemunhas da devassa, não devia ser pronun-
ciado pelo Juizordinario; ce, mesmo, se fósse
real Ser elle o matador de Cidade, não era apolica-
velo árt. 492, por não se acharem declaradas as
— Bl —

circunstancias aggravantes exigidas peu ley.


«2.º Provarã que marchou contrao Crato, mas
não contra o Systema estabelecido, nem contra
o Monarcha reinante; porque, havendo-se elle
demitido de todos os seos postos militares, Os
povos do Jardim o obrigaram com ameaças de
morte à os capitancar; ao que não se podia sub-
trahir sem risco de vida; que marchou elle Réu
às ordens da Camara do Jardim,c à disposição dos
povos que o opprimiam.
«3º Provará que Cidade, indo se reunir ás tro-
pas da legalidade, foi ter à guarda avancada que
o obrigou a marchar; € que depois os soldados
da mesmao mataram, por indisciplinados, sem
que elle Reu de nada fósse sabedor.
«4.º que o Réu jamais daria ordem de assassi-
nar um brasileiro, comimettendo sem necessidade
um tão enormecrime, quando com os mesmos na-
turalmente sympalhisava.
«3.º que não foi elle que mandou commettcr
esta morte, é que as provas allegadas pelo Pro-
motor no seu tibello não podem merecer atten-
cão, porque não constam das provas da devassa;
que por conseguinte o Réu deve c espera ser
absolvido; € que deve ser recebida a sua contra-
ricuade, e dar lugar à prova, para ser apresen
tada a innocencia do Reu».
Em seguida vem a defesa escripta, assignada
pelo reu, a qual é do fheor seguinte :
. «SENHORES JuRADOS.— Muito me apraz Ler-vos
por meos juizes, hoje neste dia. Sias vossas de-
cisões, coincilirem com as disposições da Ley,
uantos cocomios não merccereis dos patriotas di-
gnos. Eu pelo presente processo não sou Feu € 0-
mo se me inculea € a minha prova o mostrará,
« Clemencia, mecos juizes, a Ley não me impõe
tanto rigor. Polheac o Codigo, vêle suas deter-
minaçõese decidi segundo a mesma Ley. Consul-
tac escrupulosamente as vossas consgiencias e
vereis pela accusação que se me (az, do mesmo
processo d'onde ella pende e se fórma, 0 quanto
milita à meu favor tudo quanto se diz no libello
aceusatorio. Não fui eu, Sts., que mandei fazer
o assassinato de Joaquim Pinto Cidade, minhas
testemunhas o demonstram. A ser cu, Srs., ape-
zur da mesma morte o confessaria, porque em
mim existe animo completo para um tal acto.—
Joaquim Pinto Madeira ».
Não sabemos sio réu repergantoú as testemu-
nhas da devessa, pois que dos autos não consta.
Elte aprescotcu testemunhas da defesa; mas, co-
mo-isto não conviesse aos que se interessavim
pela condemnação do réu, so depuzeram tres—
porque as demais, como não o compromettiam à
medida dos desejos dos raucorosos inimigos do
mesmo, foram espancadas na porta do tribunal,
por faccinoras ahi postados de antemão por uma
autoridade que tinha interesse directo na morte do
accusado; em vista do que, ninguem mais: quiz
depôr.
O Juiz de Dircito formulou os seguintes que-
silos : “,
1.º Se existe crime no facto, objecto da accu-
sação 2... |
3.º Se o accusado é criminoso ?...
3º Em que grão de culpa tem incorrido?
Respondeo o 2.º Conselho de Jurados :
4.º Queachou erime no facto.
2.º Que achava o réu criminoso.
3.º Que o mesmo Conselho é de unanime pare-
133—

cer que o Réu está incurso no maximo das penas


do Art. 192 do Codigo do processo criminal, por
ter o crime as circumstancias aggravantes men-
cionadas no art. 16 do mesmo Codigo, SS 15" e dir
do mesmo Artigo. Salla das Sessões do 2.º Con-
selho do Jury de sentença, aos 26 de Novembro
de 1834—aAssignado: Antonio Ferreira Lima Sucu-
pira secretario, José Gregorio Tavares presidente,
Raymundo José Camelo, Manoel Jomwquim Carnei-
ro, José Romão Bapfisto, Raymundo Gonçalves
Parente, Manoel Carlos da Silva, Roque de Men-
donça Barros, Antonio de Oliveira Carvalho, Ray-
mundo Pedrosa Baptista, Jose Ferreira Castão,
Antonio Leite de Andrade—-seNTENÇA 2 CA vista
d'estes autos e da interrogação feifiu ao Reu Joa-
quim Pinto Madeira, e na conformidade da lev,
Art. 192 do Codigo penal, e achando-se o mesmo
Reu incurso no masimo das penas do dito art.d02,
pelas circumstancias aggravantes estabelecidasno
att. 16 do mesmo Codigo, n.º de 17, co mesmo
que se acha escripto nos mesmos autos, que tudo
foi por mim lido e examinadoç alem de outros
muitos crimes horrorosos de que se acha o Reu e -
custado, conformo me com o parcecr do 2.º Conse:
lho de júrados,e condemno o mesmo Reu Joaquim
Pinto Madeira ao maximo das penas do menciona
do art 192. O Escrivão intimea senfençaão Reu
ea apresente ao Juiz critainal, para a cumprir na
forma da ley. Cumpra assim. Vilia do Crato a 26
de Novembro de 183% » Assignado: dose Victoria
no Maciel, Juiz de Direito interino. »
Debalde o condemnado appellou desta sentença
para a Relação ; debalde recorreo ao “oder mode.
rador ; negaram-se-lHie todos os recursos legaes ;
as suas petições fóram todas indeferidas in lim ne,
-— 3)

Depois da Deta vem nos autos a certidão da in-


timação da sentença ao proprio réu Joaquim Pin.
to Madeira, nas grades da Gudeia- tudo no mesmo
dia da sentença.
O Escrivão do juizo criminal, João Goncalves,
certifica no depois em data de 29 de Novembro do
mesmo anno «que sahindo o Reu Joaquim Pinto
Madeira com sentença de pena ultima pelo Conse-
lho de Jurados «esta Villa, com o Juiz de Direito
interino, o Tenente-Coronel José Victoriano Ma-
ciel, ella se passou a cumprir na forma seguinte :
Estando no calabouço ond? foi conduzido para
o Oratório, c dahi fôra conduzido depois das vinte
e quatro horas por ley marcadas, com todos os
Sacramentos da Igreja, concuzido então para o
patibulo, escoltado pela força que da Capital com
ele foi vinda, ec com a máis que se achava n'esta
Villa, que para dito fim fôram notificadas; com
assistencia do Juiz de Direito inferino o Capitão
Antonio Ferreira Lima, € o Juiz de paz e criminal
Antonio Vicente de Moura, c comigo Escrivão a
seo cargo ; entao por não haver carrasco fora dito
Reu sentenciado a ser fusilado na forma da lev; e
tudo isto com assistencia dos Revd."s José Joa-
quim de Oliveira Bastos é José Felis dos Santos,
secretario do Visitador; do que para coastar dou
aminha fe. » Assignado. Antonio Duarte Pinheiro.
Remata estes autos uma certidão da sua remes-
sa ao Juiz de Direito interino, José Victoriano Ma-
ciel.
Os inimigos encarnicados de Joaquim Pinto
Madeira queriam, por escarnco, que morresse na
fórea, cutros porém menos rancorosos se satisfa-
ziam com a morte d'ellê, de qualquer natureza
que fósse clla,
— 135—

Depois de o conduzirem ao pé do patibulo, obli-


veram (e não sem grande custo) que visto não ap-
parecer executor fósse o réu fuzilado, assim como
elle proprio o reclamava, em virtude de sua con-
dição de official superior do exercito. A viclima,
segundo informam seos proprios inimigos, não
desmentio a corágem que tinha mostrado duran-
te todo o.curso da sua vida; portou-se com sum-
ma dignidade n'este instante suprêmo ; não o fize-
ram esmorecer os longos-aprestos do supplicio.
Uma particularidade que não devemos deixar
de consignar aqui, é que: quando passou pelo
Icó a tropa que levava o reu para o Crato, afim de
ser julgado pelo jury,o official quea commandava,
o tenente Rocha, por alcunha Peso-dujo, ajudante
ordens do presidente, declarou em presença de
numerosos visitantes, reunidos em sua casa, € que
ainda hoje vivem c assim o affirmam : «que o réu,
não mais tornaria a passar pelo-lcó »; c objectan-
do-se lhe que podia ser elle absolvido, appella-
do ou mesmo agraciado, respondeo o referido te-
nente Rocha «que, qualçuer cousa que occorres-
se, affirmava que jámais tornaria o réu à passar
pelo Icó» ; dito este que impressionou fortemente
os assistentes, e lhes deco a conhecer que à vicli-
ma já se achava irrevogavelmente destinada ao
holocausto.
Informado o presidente da marcha do processo,
da substituição do crime, e, dizem, da sentença
já então decidida, mandou à toda pressa da capi-
tal um estafeta com ordem de fazer marchas for-
culas até o Crato; mas quando este ahi chegou,
já era tarde, pois tudo estava ultirmado.
Neste drama tencbroso, o mais odioso que se
encontra nos fastos eriminaes desta provincia,
— 130 —

houve premeditação palpavel, c proposito firme:


de sacrificar a vietima. Representaram nas trevas
e por detraz da cortina figuras sinistras que a his-
tória denunciarã um divao tribunal da posteri-
dade.
Hoje ainda são vivas quasi todas as pessõas que
tiveram parte n'este assassinato judiciario; por
agora, pois, convem deixal-as lutar com os gri-
tos da propria consciencia.
Os bens sequestrados pertencentes ao senten-
ciado, que se achavam depositados em mão de
um dos principaos autores deste grande crime,
fóram arrematados por pouco ou nada, e adequiei-
dos por uma das pessõas que se mostrava mais in-
ressada na condembação,
47 de abril de 1835, abrio-se a primeira sessão
da primeira legislatura provincial; enella princi-
param a manifestar-se os partidos politicos ; Os
quacs crescendo veremos chegar ao ultimo grão
de exaltação, € por o paiz em risco de um cata-
elysma horrivel. Nesta sessão a opposição com-
poz-se de 7 membros, que enbaraçaram muito a
marcha do governo; € femeo-se que as como -
cões que enfão continuavam cada vez mais terri-
veis no Pará, tifessem écho ou repercutissem
nesta provincia; mas a energia do presidente
obstou a este resultado, cos bracos da opposição
apenas influiram para tirar alguns votos ao padre
Diogo Antonio Feijo, que d'elles obteve grande
maioria nesta provincia para regente unico, na
conformidade do determinado no acto addicional.
A assemblia n'esta sessão supprimio as villas €
fresuczias de Eodios de Soures e Arronches, ret-
nindo os seos municipios e jurisdieção ccelesias-
tica ao fermoe a freguezia da capital, o recolhen-
— 187—
do os respectivos archivos ao da camara da Forta-
leza ; autorisou o presirente a levantar o arrecifo
ca engajar olficiaes e trabalhadores para as obras
publicas; ereou uma casa de correição ; e decre-
tou lampeões para a illuminação da capital, do que
proveio serem denominados por zombaria lim.
peões, os deputados.
A lei do orçamento autorisou o presidente a
despender no exercicio futuro a quantia de
94:962$600.
O ministerio arreceiando se das censuras que
se faziam à administração do presidente chamou-o
para tomar assento no senado ; mas este valeo-se
domotivo de molestia para não ir para a córte;logo
depois annunciou ao governo que ia entregar a
presidencia ao vice-presidente; masa 23 de junho
participou-lhe que havia mudado de parecer, ao
mesmo passo que nessa occasião reprehendeo
afoutamente o ministerio sobre suas opiniões pa-
trioticas. Todo o resto do anno de 1835 foi empre-
gado em.medidas administrativas, tendentes à or-
sanisação da nova forma que se déra ao paiz.
En janeiro de 1836, tomou conta dos negocios
o ministerio Limpo de Abreu, com quem o pre-
sidente andou de melhor harmonia do que com
o seo predecessor. Entre outros melhoramentos,
tralou o presidente nesse anno da creação,na ca-
pital, de um banco, 0 qual prestou grandes scr-
vicos ao commercio, e promovco rapidamente o
incremento da cidade. Infelizmente, porém, tal
estabelecimento durou pouco, em virtude da
guerra que fez-lhe a opposição, guerra que
abrangia até mesmo as melhores instituições, so-
mente pelo princípio de terem sido promovidas
— 138—

por um contrario : esse banco, pois, pouvo mais


persístio do que o presidente.
Nesse anno abrio-se, no 1.º d'agosto, a 2.º ses-
são ordinaria da t.a legislatura provincial, € o
relatorio lido por essa occasião pelo presidente
attrahio-lhe na camara temporaria e na imprensa
uma guerra desabrida, em que só respirava o
rancór político e uma erilica muitas vezes imme-
recida; porque, se nelle fôram ultrapassados os
limites da moderação, não se pode todavia negar
que de tudo o spo contexto transucdao mais puro
palriotismo casado com o desejo «e reprimir os
criminosos, quê n'esse tempo se ostentavam afou-
tos e numerosos.
No dia 27 do mesmo imeza assemblês suppri-
mio à freguezia de Montemor-Velho, que encor-
porou à de Aquiraz;a 5 de setembro seguinte
mandou a thespuraria tomar 50 acções do banco,
e igualon o curso do papel-fiduciario d'este ao
das “sedulas, impondo o respectivo recebimento
às estações provinciaes ; decretom que, sob pena
de multa, Os juizes de paz fizessem de quinqueo-
nio em quinquennio o arrolamento da popula.
cio; a th antarisou o engajamento de 50 colo-
nos para a factura das estradas; a |9 creoú a
inspecção do algodão; à 23 creou igualmente os
agentes «le policia para a captura do; assassinos
e q dispersão dos sequitos e coutos destes, com
autorisação de gratificar-se tanto aos agentes
como aos ofliciães de justiça, que realisassem cs-
sas capturas c apprehen:lessem armas do gover-
no; à 25 cercou ainda a nova comarca de S. João
do Principe dos Unhamuns, desmembrada d'a-
quella de Quixeramobim, e comprehendendo os
termos do Tauhã c Maria Pereira; e 226 final:
— 39) —

mente votou a lei do orçamento autorisando o


presidente a despender a quantia de 146:100$500
réis.
Proximo ao encerramento dos trabalhos d'esta
sessão, no «ia 24 de setembro, «eco-se um con
luio entre os membros da opposição para impos-
sibilitar o proseguimento dos mesmos trabalhos;
o que realmente acontecco, porque tendo cla
ausgmentado em alberentes, e retirando-se estes
da casa, não houve numero sufficiente para a vo-
tação. Este mesmo facto reproduzio-se no dia
26, e, por occasião da retirada dos deputados op-
posicionistas, os dous partidos jogaram-se insul-
tos reciprocamente ; cavista de tacs occurencias,
entendeo o presidente dever addiar a sessão.
Nesse anno ainda procederam-se às eleições
para deputados geraes da 4.º legislatura, e sahi-
ram eleitos os Srs. André Bastos d'Oliveira, Ma-
noel do Nascimento Castro e Silva, José Mariano
ccAlbuquerque Cavalcanti, João Capistrano Ban-
deira do Mello, Tenacio da Costa Miranda, Vicen-
te Ferreira de Castro e Silva; padre Carlos Augus-
to Peixoto de Alencar, e padre Jose Ferreira Lima
Sicupira. No Aracaty, por essa occasião, tiveram
lugar grandes disturbios, a ponto de não se elle-
eluar a eleição; o que reproduzio-se em Maria
Pereira; mas, como o numero de eleitores que
davam essas duas localidades não podia influir
no resultado d'clia, não» houve nesses pontos
mais eleição. |
Nesse mesmo anno, finalmente, procedco-se
tambem à cleição da 2.º legislatura provincial.
No anno de 1837 deo o presidente andamento
à muitas obras publicas; mandou contratar na
Europa diversos operarios, que chegando já na
-— 140—
ilininistração de sco successor, não fóram acei-
tos, não obstante os contratos celebrados entre 0
emissário da provincia ce elles; contratou calce-
feitos para calear as ruas da cidade ; deo princi-
pio à obra da matriz da capital; abrio duas es-
tradas, uma d'hiao Aracaty com trinta leguas de
extensão, e oulra d'esseponto para o Ito com
cincoenta e tres, não chegando esta a concluir-se
por haver sido abandonaia a sua execução pelos
presidentes que o sucederam no governo; sóli-
citou finalmente e obteve do governo a vinda de
um engenheiro com instrumentos para tentar-se
a abertura de pócos artesiados; mas «Visto não
resultou nenhuma vantagem pe'a razão de sua
mudança "da presidencia, e mesmo porque obras
d'essa natureza pram ainda superiores às forças €
ass recursos da provincia, Maquelia Gpoca.
Um facto digno de mencionar-se Eque o Sena-
dor Alencar proturou por. diversas vezes infrodu-
2iv colonos nesta. provincia, antes que alguem se
lembrasse da colonisação; € suppónos, mesmo,
que foi elle o primeiro que pôz em pratica esta
ileia, no Ceará. Sios resultados não fôram os que
se desejava, não e isto d'adinirar, porquanto ou
tras muitas empresas «Festa ordom, e que dispu-
nham de meios, que não os fracos recursos dG
Co urá, abortaram completamento.
Outro facto que muito abona a moralidadee pro-
bidade da administração do mesmo Senador, € 0
seguinte: Duas embarcações carregadas d'esera-
vos, vindas das costas Africa, tentaram descim.
barcal-os no Cearh,e elfectivamenteo conseguiram,
Antes da chegada das mesmas lizeram-se aitas
diligencias para seduzir o presidente ou, por ou-
tra, peitul-o, no intuito de consentir elle no des-
— 1—
embarque dos negros. Todos os esforços foram
porém baldos. Os especuladores entretanto, espe-
rançando iludir a vigilancia do governo, fizeram
desembarear o carregamento n'uma noufe a duas
legoas da capital, e segulr os escravos immediata-
mente para um ponto do interior, onde julgavam
que ficariam seguros ; O Senador, porém, lomou
medidas (ão promptas e acertadas que, pondo-se a
policia no encalço dos africanos, poude-os ca-
pturar a fodos, sem excepção de um só. Este
exemplo foi tão eficaz que não consta que, den-
tão em diante, se desse nas costas do Ucara outra
tentativa igual.
No começo da sessão da assemblea geral, reali.
sou-se uma modificação de ministerio, sendo
substituido Limpo Abrem por Sranjo Lima, cujas
opiniões eram oppostas às do seo predecessor.
Com esta transição de polifica, o senador Alencar
soffrao forlissimas accusações da parte de alguns
deputados, que o pintaram como despotaç op-
opressor da provincia do Ceará, e alé mesmo como
assassino, por causa cas mortes dy diferentes
criminosos que então tiveram lugar, à pretexto
de resistencia da parte d'elles às autoridades le-
gaes, que os iam prender.
- Como vê-se, faces aceusações resentiam se de
exageração, porque se algumas vezes apparece-
ram casos de arbitrariedades, foram elles inde-
pendentes da vontudo do presidente. | verdade
que houve uma lei provincial que, resentind-se o
dos costumes barbaros do tempo do despotismo ,
pôz à preco a cabeça de certos criminosos Umas
tambem porcos annos antes linho governo
pósto a premio as cabeças de Pinto Madeira e
outros chrtes div cebellico oe se faces exemplos
— 42
não desidtimun este alo, plo menos mostram
que dada alto se achava de coniornidule com os
costumes da época.
Em principios do ando do 1837 foi remeltido
pus o Crato, afim de serjulgulo polo juvy d'essa
comarca o co réu do Prato Madeira, o viguio do
Jardim Antonio Manoel de Souza que, ha tannos,
se achava presê à bordo de uma embarcação no
porto do Maranhão.
O processo ao qual deviuresponder era o da re-
bellião do Jardim: processo no qui djá vimos que
tintrusido pronunciado a 7 de Julho de 1832.
O qurv do sentença reunio no Crato a 19 de
julho de 1837, à vista do processo, libelto aecusa-
terio e provas io réu, decidio com maiorin ab-
soluta que não existia crime no facto, nem materia
para accusação contra o reu, padre Antonio Ma-
noch de Souza. Seguem-se as assignaturas; € O
Juiz de Direito, Andre Bastos d'Oliveira, confor-
mando-se com p decisão do jurv, absolveo o reu,
e lhe mandou passar atvara de soltura, »
Antonio Manoel, depois de livre deste processo,
não querendo tornar logo para sua freguezia, re-
solveo-se a regidir por espar o «te oito annos fóra
do Carirv, e só voltou para o Jardim em 186, ja
velho, gasto, dego e pauperrimo; viveo ahi los.
pendendo em esmolas a favór de sua matriz todo
o dinheiro que podia adquirir, até 25 de setembro
de 1857 epoca de sua morte.
Em novembro teve-se sciencia official no Ceará
da renuncia do padre Feijó à regencia, e da desi-
nação do dia 21 do mesmo inez para a cleição de
outro verente; a qual tendo tido lugar, recahio a
maioria de votos no regente interino, o senador
Pedro de Araujo Lima, que foi eleito com grande
— 143 —

maioria na apuração geral dos votos de fodo o


impcerio,
No 1.º de agosto abrio o presidente a 3.º sessão
da assembléa provincial, cujas discussões fóram
pouco interessantes; todavia fôram decretadas
muitas leis de importancia meramente local, en-
tro as quaes algumas houve que exorhitaram das
ottribuições das assembléias provinciaes, c ado
orçamento consignou para as despezas a quantia
de 197:970$700.
* Quatro mezes, precisamente depois, no dia 4.º
de dezembro, o Exm. presidente, senador Alen-
car, passou as redeas da administração da pro-
víncia «o vice-presidente João Facundo de Castro
e Menezes, apos um governo de 3 annos, que sc
teve detractores encarnicados, dispôz sempre de
apologistas dedicados. Como quer «ue seja, o cer.
to é que não se podem escurecer certas faltas c
mui notaveis; mas tambem seria fechar os olhos
à luz do sol não querer reconhecer immensos
servicos prestados à provincia por S. Exe. Esta
suaprimeira presidencia foi sem duvida a que-mais
avultou ate hoje pelos factos que se consumma-
ram, 2 pelos projectos que lóram approvados.
As ideias que presidiram a esta administração
Braun todas de progresso, 0 si sc execulassem fe-
riam dado ao Cearãa precedencia sobre os melho-
ramentos moraes ec materiacs do Imperio. Con-
vem acrescentar que os projectos do distineto
senador não costumavam morrer em estado de
embryao ;a prova «isto é que, superando todas as
dilliculdades, conseguio regularisar a marcha da
adiministração e das diversas repartições ; promo-
vco 0: melhoramentos matcriaes da provincia,
por meio da execução de obras publicas que ain-
— Ui —

da hoje se admiram abrio estradas fez pontes,


construio chafarizes e acudes na capital; preten-
deo ralcar a cidade e levantar o arrecife para me-
orar o estado do porto; deo princípio a matriz;
promoveo a eenstrucção açudes em toda a pro-
vincia, concedendo premios c auxitios aos fazen -
deiros que os faziam nas suas terras; estabeleceo
o banco que prosperou debaixo da sua administra-
cão; augmentou as rendas da provincia útal ponto
que, sendo-lhe marcada pela lei do Orçamento
da primeira sessão 'Assemblea provincial a quan-
tia de 94:0005000 para o exercicio do anno, obte-
ve no anno seguinte autorisação para gastar...
116:000$090, € no terceiro anno da sua presiden-
cita lei do Orcamento consignou para a despesa
197:000G000 rpis.
Antes da sua administração as rendas da pro-
vincia eram tão diminntas que a provincia de
Pernambuco lhe fornecia annualmente uma quo-
ta para supprir o deficit dos cofres. Elle dispen-
soueste auxiio, € tanto elevou a receita provincial
que cobrio as despesasa crescidas com a creação
da assembléa provincial, com a policia que in-
cumbio da prisão dos criminosos, ecomas obras
publicas; e fêz paraa Inglaterra uma remessa de
fundos para edoperar à amortisação da divida pu-
blica;enasua retirada do poder deixou ainda um
grande saldo fu favor da fizenda. Reprimio com
energia o tralico da escravatura, à ponto de não
entre na provincium so africano, Estabelceco
uma policia activa, ainda que talvez um pouco
austera, pel qual perseguio os criminos € redu-
zio à impofencia os Jantes, Muambis. Teléos,
Bemticis, Matucelhos, Eaz-fomes, Zolhões, Iunas,
— 145—

Filgazões c outros muitos assassinos, eclebros nos


annaes da provincia.
Um facto que se não pode negar é que poupou,
e mesmo empregou na policia outros tão mãos
como os acima apontados ; foi isto um erro um des-
vio de circumstancia, v digno todavia de censura,
mas que não pode tiraro merecimento dos servi-
cos que prestou o senador, e que serão sempre
lembrades por esta provincia.
Si factos d'esta ordem não caracterisam um in-
sign: administrador, não sabemos que mais será
preciso para merecer-sc este título.
« O maior elogio que se pode fazer à administra
ção d'Alencar, diz o autor da sua biographia,é que
o grande estaiista Vasconcellos subindo ao minis-
terio em 1837, por occasião da abdicação de Feijo,
de regente,e mandando a Manocl Felizardo de Sou-
za e Mello para o substituir na presidencia do Cca-
rá, lhe recommendou, posto que seco inimigo poli-
tico acerrimo, que não desfizesse os actos de sua
administração, e não hostilisasse o partido que
o havia apoiádo. »
A despeito da opinião geral entre o povo d'esta
provincia : de ter sido Alencar o verdadeiro autor
e motor da morte de Pinto Madeira—ão nos €
possivel afirmar ou negar um tal asserto ; só o
que podemos dizer à respeito, é que não csiste
documento autentica algum que o comprove. (*).
“49 Julgando do summa convoniencia historica o tornar bem
conhecida a correspondencia trocada entre o presidente da
provincia, senador Alencar, o o Juiz de Direito interino da
comiuca do Crato, tenente coronel José Victoriano Mactelo
acerca da sentença o execução de Pinto Ma leivra-offerecemos
ao leitor como nota, no tiny Veste volumeç a dita correspon-
dencia, que poderá até certo ponto trazer a luz com relação
âqueile assasinto juridico. avvexso N.º 4. O editor =Henri-
que Théberge.
— Ho —

CAPITULO NN

PRESIDENCIA DE MANOEL FELIZARDO DE SOUSA E MELLO,


DE JOÃO ANTONIO DE MERANDA, DE FRANCISCO DE
SOUSA MARTINS— 2? PRESIDENCIA
D'ALENCAR.

N'esse anno houve na provincia uma grande


falta de corcacs, de modo que do Rio de Janciro
forum vemmeftidos soccorros, em farinha, no
valor de mais de 10 contos de reis.
O vice-presiilente João Facundo só esteve à
testa dos negócios durante 15 dias, no fim cos
quaes entregou, à 16 do mesmo mez de dezeim-
bro. a administração ao novo presidente Manoel
Pelizardo de Souza e Mello que, sendo animado
de opiniões políticas diametra'imente oppostas às
do seu predecessor, não resisfio sempre ao de-
sejo de destruir ow contrariar os scos feitos a des-
peito, mesmo, das recommendações que lhe ha-
viam sido feitas pelo ministro Vasconceilos.
Em novembro, tinham chegado das ilhas dos
acóres, 120 colonos ahi engajados, us quaes [o-
ram desteibuigos por differentes cidadãos, em
virtude do$ 19 do art. 1.º da lei de 26 de no-
vembro de 1830. O presidente no relatorio que
fez à assembleia, com referencia à elles diz, que
todas as pessóas que os tomaram, tiveram logo
motivos de se arrependerem isto; 0 que attri-
buia à terem sido elles escolhidos pelo capitão
do navio que os trouxe, entre os vadios, réos de
policia e perdidos; mas, a verdadeira causa de
semelhante resultado, não foi outra senão o fe.
rem sido estes homens, assim entregues à parti-
— 47—
culares, incumbidos de servicos domesticos
cruaes aos que se exigiam dos escravos;o que
está por cerio mui longe do que se entende por
colonisação. Elles recusaram-se a servir como es-
cravos, c abandonaram seguidamente os seos
amos anfes de terem pago as despezas por estes
andiantadas; cffeitos que sempre se manifestarão,
toda a vez que a colonisação [or entendida ce des-
envolvida em sua pratica por semelhante modo.
O systêma de colonisação seguido hoje no sul
do imperio, por scos resultados vantajosos, prova
sem replica que o erro, de que proveio aquelle
inconveniente, partio meramente do governo,
que quiz estabelecer no Ceara, antes uma escra-
vatura de homens brancos, do que uma verdadei-
ra colonisação.
Em virtude da lei de 12 de setembro de 1830,
foi o bacharel Marcos Antonio de Macedo man-
dado à Europa engajar cincoenta colonos ades-
trados na feitura de estradas; c em janeiro de
1838 chegaram dezeseis artifices destes, que o
presidente julgando completamente inuteis à pro-
vincia, tratou de despedir, rescindindo, com os
que nisto concordaram, os contratos feitos com
elles, sob o compromettimento de os transportar
para outra provincia, onde podessem exercer os
secos officios; mas, sem lhes dar gratificação al-
guma; e aquelles que não convieram na rescisão
commettida, a ella fôóram todavia compellidos,
com quebra do credito e decóro do governo pro-
vincial,
No t.º de agosto, o presidente abrio a &.a ses.
são da assembléa provincial com um relatorio
importante, do qual resuiniremos alguns trechos,
— LIA—

ecilaremos outros, afim de pintar melhor as cir-


cumstancias da época e o estado das causas.
Tendo sido, pela lei de 26 de setembro de 1836,
dividida cm 2 secções à secretaria do governo,
louva o presidente n'esse relatorio os trabalhos
e a exactidão da 2.º, ao passo que estigmalisa
os da d.º, cujos registros achou em grande atrazo;
e declara que, por isto aposentou com meio orde-
nado o secretario João Gomes Brazil, que, recu-
sando a mercê, foi demittido sem retribuição.
Depois de tratar da instrucção publica, do triste
estado do culto divino, da saude publica, chega à
administração da justiça, c ahi fulmina a pessiina
applicação della, feita pelos juizes de paz, dizen-
do que um clamor geral se tem levantado contra sua
ignorancia, indolencia e conmivencia com os erim:-
nusos, € demonstra que nas tres sessões prece-
dentes a assembléa provincial, convencida das
malversações destes juizes, tratou de oppór-lhes
os maiores obstaculos por leis, às vezes suspeitas
de anti-constitucionaes, sem todavia remover as
causas que tornaram impopulara magistratura de
paz. Em seguida lastimaa ignorancia dos jurados,
sua apathia e a facilidade que têm em soltar os
mnadorescriminosos;censuraa instituição dos agen-
tes da polícia que, não podendo prender senão em
Nagrante delicto ou depois da culpa formada, são
forcados a viver sem acção no meio dos erimino-
sos que apparecem afoutamente em publico, em
quanto se não lhes forma a culpa. Reprovaas leis
que restringiram os conselhos de jurados às ca-
beças das comarcas, por dilficultar esta medida
ajuda mais à reunião (los juizes de facto, em vir-
tude das grabdes distancias ; e, finalmente. repro-
va a idea da companhho auxiliadora da policia
— 9 —

creaia por lei de 1836, companhia que se forma-


va de pessõas que não estavam no caso de ser
guardas nacionacs; porquanto, mesmo, seria ella
de pouca ou nenhiina utilidade, sendo subordi-
nada aos juizes de paz.
Mostrando consecutivamente que as vistas da
lei da creação de uma colonisacão de Portugue-
zes das Ilhas não (óram preenchidas, como egual-
mente já o assignaliumos, lastima ter-se supprimi-
do asvillas de Mecejana, Arronches e Soures, pelo
falso suppósto de ter-se extinguido o directorio
dos Índios pela cunstifuição; porque, quando es-
sas villas existiam, não faltavam braços, por mo-
dico preço, tanto pare a agricultura, como para
as obras publicas € particulares, ao passo que hoje
faltam completamente pela dispersão e estine-
cão dos mesmos Indios. Isto posto, insta pela
cathechese e civilisação «estes, incumbida pelo
acto addicional às assembléas provinciacs; as-
sim como pela conservação, ao menos, das. duas
villas «Soures» e «Villa Viçosa» ; já «uc os bens das
outras tinham sido invadidos, reclamando a exis-
tencia em cada comarca de um advogado dos lu-
dios, para trafar dos secos bens, em substituição
w'esta parte aos juizes de orphãos qto se acham
sobre-carregados de serviço. ,
Já consignámos o que expendeo elle, coque
obrou com relação aos artifices estrangeiros, ºn-
gajados na Europa.
Relativamente ao banco provincial, deixêmos
faltar o mesmo presidente, homem versado mes-
tas materias de ecenomin. « Organisado cem
1836..., conseguio que suas leftras fóssem rece-
bidas nas estições provinciaes, como moeda,«
obrigados os empregados, em pagamento de sos
— 150 —

honorarios, à recebélas, 2 cgualmente os parti-


culares que tivessem transacções com a fazendá
provincial. Esto extraordinario favór, sem que
em compensação o banco fizesse o menor sacri-
ficio em bencíício das finanças da provincia, de
grande proveilo lhe tem sido, ao mesmo tempo
que os cofres c empregados ecarenses teem sof-
ferido consideravel empate. Estes se acham re-
duzidos à seis septimos «de scos ordenados pelo
rebate que asnotas do banco experimentam ; ca
thesouraria, quando tém de elfectuar compras de
generos € passar fundos, sujeitase à seme-
lhante prejuizo. As lettras do banco, pelo sim
ples facto de não serem realisadas à vontade do
portador, c de terem circulação forçada, perde-
se
rum a natureza de bilhetes de confiança, e
tornaram verdiulciro papel moeda, que, alem dos
tem o
vrandes males que sempre comsigo traz,
multiplicad o à vontade
imminente perigo de ser
cohibir
dos directores. sem que o governo possa de
qualquer emissão, que inundando 0 mercado
à diminuição dos
papel desacrelitado, promova
valores entrados nos cofres provinciaes, empetore
a sorte dos empregados, occasione oscillações-a
nas fortunas particulares, € estabeleça contra
provincia um cambio cada vez mais desfavoravel.
Nasa receio dos empregados, que se teem amos- di-
mas
trado zelosos de acreditar o banco, impeltem à
recção muda, e seos inter esses à
avul-
multiplicar emprestimos para tornar MS rea-
tado o dividêndo. O banco tem deixa do de
prazo s à uns g recu.
lisar suas lettras, pedindo
facto importa
sando pagar à outros. semelhante
o tanto na
uma bancarrota, € esta idea tem calad
cor-
população, que apenas nã cidade do Aracaty
— JD! —

vem as notas, e somente.entre a lhesouraria e as


pessõas que com ella teem transacções. »
Sob taes impressões, pede a adopção de medi-
das urgentes, quer annullando a lei de 3 de setem-
bro «e 1836 que o creou, quer révendo às estatu
tos para remover o mal ou atfalhal-o; porque,
confina S. Exc., à simples leitura-dos citados
estatutos, podia-se afoutamente predizer que o
banco em pouco tempo deixaria de satisfazer
seos empenhos. Com um fundo cerca de 60 contos
de réis, emprestou 170 contos à sugeilos que os re-
duziram à capitaes fixos, edificando casas, ou
empregando os em arremalações, de que não se
podia tirar resultado senão no fim detres annos.
Assim, emittindo o banco quasi o triplo de secos
fundos, não podendo realisar somma alguma por
tão longo prazo, via-se forcado à fazer face à to-
das as circumstancias que occorriam, com a quan-
tia que entrou à principio para os secos cofres. À
grande emissão, em relação às forças da praca do
Ceará, tornou inutil. não pequena somma de ce-
dulas geraes, que procuraram logo sahida para
Pernambuco c outras provincias; € este escoa-
mento clevou-se à tanto que com grande difli-
culdade se encontram cedulas para pagamento
dos direitos nas estações geraes, alguma das
quaes, por um criminoso abuso, recebia tambem
notas do banco. Tem de entrar para a thesou-
raria geral cerca de sessenta contos de réis, pro-
venientes de ecmprestimos feitos debaixo de di-
versos titulos, e dilficil se torna semelhante en-
trada à falta de cedulas, tendo estas o agio de 14
por cento, e devendo-se elevar à muito mais, logo
que a fhesouraria geral cumpra com o seo dever,
fazendo executar os devedores...»
— 158 —
Tratando das obras publicas, declara ter feito
o possivel para fornecer de agua potavel a popu-
tação da cidade, concertando o chafariz da Prai-
nha, obra do governador M. [. de Sampaio, cons-
truindo a cacimba do povo, e provendo-a de uma
bomba e de um tanque de ferro; é quanto ao cha.
fariz do palacio, que se achava sem psesimo,
acerescenta que os facultativos consultados sobre
a qual dade dh respectiva agua, declararam ser
má, e que por isto não tratõu de o concertar,
esperando outro exame.
Combiule a itéa da estrala da capital ao Teó,
tirala por sarlões cheios de accidentes e faltos
dCagaa,e estizin lisa judiciosumente aquella de por
ela chamar o sommercio pura a capital, quando é
palpavel que o porto natucaldo [eo é o do Aracaty,
em razão da excellente estrada natural que existe
entre estas dias villas, no valie do rio Jaguaribe:
No artigo linanças, queixa-se da thesouraria
que, creada pela lei n. 32 de 1836, e só come-
cando a ter exercicio no 4.º de julho de 1837, não
tem comtudo trazido a escripturação em dia.
Este relatorio cheio de vistas profundas e de
pensamentos gmminentemente judiciosos, posto
que algumas vezes se resinta de alguma reacção
contra as obras co senador Alencar, produzio pou-
eu impressão to animo da assemblca, composta
em geralde creaturas c amigos do dito senador; à
qual logo so primeiro mez dos seos trabalhos
mostrou-se infensa ao presidente; c em setem-
bro declavou-s2 em opposição aberta pelo moti-
vo de ser negada a saneção à uma lei julgadail-
legal. Despeitada por isto adoptou novamente a
lei, com a maioria de dous terços dos votos, al-
terando-lhe porém sempre alguma cousiíno con-
— 153—

texto primitivo; ce como o presidente se recu-


sasse a mandal-a publicar'e executar em razão da
ilegalidade, não obstante a alteração que nella
haviam feito nesta segunda apresentação, a as-
sembléa mandou publical-a por seo presidente, e
expedio ordem a todas as autoridades da provin-
cia, afim de porem-na em execução, sem embar-
go das ordens em contrario do presidente. Iden-
ticos conflictos se deram ainda com outras leis,
de maneira que esta opposição flagrante entre os
dous poderes tornou-se eminentemente desagra-
davel para o administrador.
N'essa sessão foram creadas, à 30 de agostoa
freguczia de Santa Anna do Brejo Grande, a 31
do mesmo mez a da Barbalha, e a 13 de setem-
bro finalmente a de Santa anna do Acaracú. À
lei do orçamento autorisou a despeza de réis
168:182$000; e à 6 de outubro foi votada a crea-
cão de uma commissão encarregada de levar a
cifeito o projecto do Banco e Socielade de Colo-
nisação, Agricultura, e Creação de Gados, segun-
do o p'ano apresentado por Joaquim José Si-
queira.
Uma representação injuriosa foi levada n'cssa
sessão tambem ao monarcha pela assemblea,
contra o presidente, ao qual tachava ella de ar-
dente revolucionario, de reaccionista e de pro-
tector de criminosos. Mas esse funccionario de-
fendeu-se de taes accusações, n'um extenso officio
dirigido ao ministro, no qual allegava que toda
esta opposição cra dirigida pelo senador Alen-
car que, relegado n'um seo sitio distante tres
leguas da cidade, d'ahi dirigia, na phrase do ac-
cusado, com sua destreza bem conhecida em
questoes d"esta natureza, os membros da assem.
—— Tot

bléa; a qual, eleita durante sum administração,


achava-se composta de cegos partidarios das suas
opiniões politicas, impostas aos eleitores à forca
das armas. Por isto pedio nesta occasiao, é con-
finuou a pediricom instancia a sua demissão, à
qual o ministerio todavia não lhe concedeo logo.
Us negocios porém iam nesse entretanto che-
gando à faces extremos, que inspiraram serius
receios de um rompimento geral, por toda u pro-
víncia. Em Sobral o juiz de direito João Ver-
nandes Barros, ardente sectario do senador, e
que tinha creado na sua comarca um partido nu-
meroso, insulltva-lhe as ideas exageradas que o
animavam, de maneira que essas pessõas € aquel-
las outras de ppiniões contrarias, formaram na
villa dous campos armados, que estiveram por
vezes em termos de romper em excessos um con-
tra ooulro. Neste estado, 0 presidente nomeou
para coronel ho juiz de paz Campello, e deo-lhe
o commando da força regular que ahi se achava
destacada; suspendeo do exercicio das respecli-
vas funeções o juiz de direito, assity como à di-
versas outras autoridades, e certos ofliciaes da
guarda nacional; com estas medidas conseguio
restabelecer a ordem na comarca.
No Cariry tambem appareceram ameaças ou
tentativas de rompimento; € como à oppusição
ao presidente se manifestasse no Crato por meio
de excessos, € declamações publicas contra elle e
contra o ministerio, o governo mando tenen-
te Luiz Rodrigues Chaves substituir no com mando
do vespectivo destacamento ao alferes Canuto Jose
dAguiar, pessoa completanente alfectao senador
Alencar, € que fora por elle nomeado para aquel-
te comimando, duranto a sua administração. O
— 155—

novo comimandante, tendo fortes razões para re-


eciar a selucção do seco predecessor sobre a tro-
pa le seo commando, retirou-se com ella da villa,
e foi estacionar na povoação do Joazeiro, situa-
da na distancia de & leguas, no caminho do Cra-
to para o Teo. Em seguida expedio o presicente
para esse ponto mais 30 praças que com as t)
que já clle ahi tinha, completaram 70 homens
bem armitos é municiados; os quaes exercita-
dos, e às ordens deste official de reconhecida ha-
bilidade, restabeleceram a tranquillidade c o im-
perio da lei. -
Do que precede claramente se collige que não
foi attendido à sabio conselho dado pelo ministro
Vasconcellos ao respectivo presidente do Ceara,
de não reaccionar contra o seo predecessor. Real-
mente é necessario confessar que, no que (lizia
respeito à politica, mui difficil era conformar-se
com elle; mas, pelo menos, na parte administrati-
va, podia se obrar mais de conformidade com as
ideas do governo transacto, e não deixar cahir e
perderem-se os melhoramentos maleriaes tão sa-
biunente encetados pelo senador Alencar. Este
vicio, infelizmente, não é peculiar ao successor
do senador Alencar-—é com num à quasi todos os
presidentes que sc têm succedido na administra-
cão desta provincia do Ceara.
Depois de 1:3 mezes de uma presidencia tempes-
tuosae cheia de conbaracos, o Sr. Manoel Felizar-
do entregou à 15 de Fevereiro de 1839 a presiden-
ciaà seo successor o Dr. João Antonio de Miranda,
que teve de supportar a mesma opposição feita
au seo predecessor; opposição ainda maior, muito
Mais perigosa maquelle tempo, em consequencia
do estado de fermentação cm que se achavam as
— 156—
províncias do Maranhão, onde a rebelião esta-
va no seo auge, e do Piauhy, onde bandos de fac-
cinotosos pereorriam em grande numero o paiz
em todos os sentidos, tendo estes levado a auda-
cia ao ponto de tentarem contra a vida do presi-
dente Visconde da Parnabyba, e de se declararem
ao «depois d'esse attentado em rebellião armada
contra O governo.
No Rio Grande do Norte fóra assassinado o pre-
sidente, sem que todavia a provincia ressentisse
esta ou aquella commoção. Mas os rebeldes do
Piauhy, denominados Balxios, entretinham rela-
coes com o Cenra, c recciava se seriamente que 0
juiz de «tircito de Sobral se entendesse com elles,
por limitar esta consarca com o Piauhy pela Serra
Grande. Este bacharel, suspenso pelo Sr. Manoel
Felizardo, continuava realmente com seos manc-
jos à excitar a população contra o governo, € a op-
posição em tóda à parto chegou aos ultimos extrô
mos de exaltação; mas a firmeza e a energia do
presidente contiveram o seo descomedimento,
Em agosto abrio elle a assemblea provincial
com um relatorio cheio de pensamentos mui ju-
diciosos, de conselhos prudentes e de vistas mui
exactas sobre o estado da provincia, c de suas
necessidades,
4 par d'isto, abunda nas mesmas censuras do
seu predecessor sobre a divisão da secretaria do
governo em duas secções, tendo por chefes a pri-
meira o secretario
do governo, e a segunda o aju-
dante d'ordens do presidente; lastima a deshar-
monia que reinou entre seo antecessor€ a assem-
bléa; communica os cuidados que lhe causaram
os movimentos do Piauhy, cujos revoltosos deno-
minados Belos, pareciam ameaçar a camara de
— 157—

Sobral, o que motivou sua ida à essa villa com al-


guma força, tendo ahi dado as precisas providen-
cias, € apos seo regresso deixado um respeilavel
destacamento,e olficiaes de confianca para auxilia-
rem as autoridades; queixa-se amargamente do
estado de ignoraneiv e las arbitrariedades prali-
'adas pela judicatura, particularmente pelos jui-
zes de paz e pelos juizes manicipacs e de orpnãos,
que têm excitado contra si o clamor geral e a re-
provação de toda a população; argúe a inacção €
a immoralidade d'estes juizes de ser a causa dos
criminosos andarem impunes, ce dos devedores
da fazenda não pagarem o que devem, porque a
assemblea provincial fez o que estava em suas for-
cas para regularisar a administração da justica ;
deplora, finalmente, a falta completa de recensca-
mento, a falta de meios ainda para o obicr, ci
pessima divisão civile ceclesiastica, à qual pre-
sidem mais as paixões politicas e os interesses
particulares do que as necessidades reaes da ad-
minislração.
Sobre a catechese dos Indios, (rasladirenos
textualmente o seguinte trecho, que tanto tem
de judicioso quanto de historico :
« Nos sitios que servem de limites à esta pro.
vincia com a da Parahyba e Pernambuco, no ter-
mo do Jardim crra uma tribu india (os Chocós)
em distancia de Ga 8 leguas da referida villa, os
quaes fazem innumeros prejuizos aos criadores
da vizinhança. Tem-se feito toda a diligencia
para aldeialios e civilisal-os, mas baldos tem
sido tolos 0s esforços pwa este fim emprega-
dos. Ji em 1809 pelo governo de Pernambuco foi
mandado Prei Angelo, frade da “enha, para o fim
de catechisal-os, e depois de ter-se zelosamente
— 158—

dedicado a tão louvavel commissão, apenas os


pôde conservar alguns mezes em aldeia. O mes-
mo tentaram, mas debalde, a'guns cidadãos do
Jardim. O terreno que habitam não lhes offere-
ce comodidades para a vida; vivem da pesca
e da-caca, c n'aguelles sitios não ha lagõas, nem
rios, nem abundancia de caça, chegando apenas
para o tabaco de que são muito apaixonados 6
pouco mel c cera que apanham, donde se deduz
não haver vantagem alguma que os convide para
aldeiarem-se, tendo sido cstas as vistas do referi-
do sacerdote, cuja delicadeza e prudencia os con-
tiveram, como disse, por pouco tempo reunidos
na Baixa-Yerde. E esta a unica tribu que me
persuado existir n'esta provincio, e que me infor.
mam constar de 25 homens de arco, além de
mulheres e meninos, bem que pela antiguidade
della e pelo exposto me inclino a crer que muito
maior deve ser o seo numero.» (Releva notar
que já n'aquelle tempo se matavam muitos d'elles,
como verificâmos ullimamente, ouvindo contar no
lugar diversos casos destes por testemunhas ocu-
lares.)
«A razão E a humanidade exigem que chame-
mos estes infelizes ao seio da religião e da socie-
date. Elles conhecem e vcem frequentemente
os nossos homens; elles têm idéa de um aldeial-
mento ou de uma povoação ; e visto que a ingra-
tidão dos ligares por onde erram não tolera
a sua reunião € n seo repouso, e nem seja politi-
co e proprio de christãos expellilios com armas,
como ja se tem pretendido, dessa patria agresto
que não ousam trocar pelos dissabores da socicda-
de, seria meo entender que os acenassemos com o
Evangelho, com afagos e com todos os meios
=. 159 —

possiveis para chamal-os à villa do Jardim, onde


se curasse da sua sustentação e civilisação. E'
necessaria uma missão, são necessarias despe-
zas; maso objecto é tão justo, motiva tanto inte-
resse e sympathias, que ne persuado occupará
por alguns instantes a vossa attenção. »
« Que importa, porém, senhores, que arranque-
mos estes infelizes dos sertões em que vagam, se
porventura lhes não offerecermos vantagens que
os não façam arrepender da permuta? Se hão de
vir entre nós passar a vida miseravel que carre-
gam 6s seos irmãos civilisados, us descendentes
de outros Indios; se hão de vir ser expectado-
res e victimas do deleixo, do abandono, e da pi-
lhagem, melhor scrá então deixal-os entregues à
sua vida selvagem, fazendo-os internarem se por
esses extensos bosques ou tirando-lhes pela força
os meios de nos fazerem prejuizos. »
«Os Indios de Almofala, os cento e dez mise-
raveis Indios de Baturité, os 18 casags, 8 viuvas
e 37 meninos da nação Tapuia de Montemór, os
casaes de Cascavel, os de Mecejana, Soures, Arron-
ches, Sapupara e Villa Vicosa são dignos da pro-
tecção da autoridade: publica. Em numero de 60
me vieram ultimamente comprimentar c servir,
limpando os arredores de Arronches e melhoran-
do os caminhos. Uns pedem um pastor que os
guic, outros uv restabelecimento dos seos directo-
rios, e a restituição dos bens que possuiam ; ou-
tros, finalmente, recorúando-se lastimosos do tem-
po e dos favores d'el-rei D. João VI, pedem c
governo do rei velho. »
« Prepotentes ambiciosos e deshumanos tiram
dos bens de que os esbulbaram e continuama es
bulhal-os o uso fructo que lhes devcra competir.
— 160—

O desamparo em que se acham, os nenhuns re-


cursos da parte das autoridades incumbidas de
vigiar sobre elles, c as qualidades naturaes que
pela maior parte os caracterisarm, fazem necessa-
ria alguma providencia em seo benefício. Meo
antecessor vos pedio por em quanto restabele-
cimento das aldeias de Villa Viçosa c Sources, e não
me parece cdesvantajosa esta medida, uma vez
que altentos os diversos negocios que occupam O
tempo «os juizes de orphãos, sc lhes dé tambem
um advogado ou sollicitador que promova a me-
dição, restituição, demarcação e conservação de
suas ferras, e que requeira tudo o mais que con:
vicr a bem delles. »
«A primeira tentativa de introducção de colo-
nos n'esta provincia foi plenamente mallograda ;
não temos espravos sulficientes, não póde pro-
gvedir a industria, deve acanhar-se a agricultura,
onde falta o auxilio do homem. Cumpre olhar
para os Índios com vistas tambem deste interes-
se: o aldeianiento e alguma providencia mais,
que a seo respeito decretardes, podem ser muito
proficuos incentivos para o fim a que me refiro.»
«Os Índios são geralmente doceis humildes obe-
dientes, religiosos c alguns mesmo amantes do
trabalho para que se offerecem como já vos refe-
ri, € como succede em Mecejana, a cujo parocho
se ollereceram para auxiliar as obras da matriz.
Tirar proveito de suas boas «disposições, prevenir
(ue secos defeitos os tornem inuteis a si e à so-
ciedade, substituir com elles pouco c pouco Os es-
cravos e chamal-os ao serviço, a que se furtam
us ociosos e viciosos colonos, com que quasi sem-
pre nos presenteiam, é isto uma tarefa humana,
e politica de que vos não deveis descuidar. »
— 161—

Acerca do banco provincial, S. Exec. dá parte


qe due deixára elle de existir a 30 de maio, mos-
trando-se pezar oso de que não houvesse tido esse
estabelecimento bases mais solidas, não obstante
os auxilios fornecidos pelos cofres provinciaes;
e finalmente, remata o seco relatorio mostrando
o, pessimo estado das finanças por meio do resu-
mo «os alcances dos annos anteriores, isto é, que
antes de 1837 a divida provincialera de. . .
10:971$399 réis, que em 1838 augmentou em
4:771$529 réis, de alcance,e em 12:425$155 prove-
nientes de titulos legalisados; o que tudo som-
macdo produz um quantum de 67:011$588 réis
do qual desconfando 10:558$015 réis, importan-
cia do pagamento da divida de 1839, inclusive a
restituição de 2:000$000 de réis em letras, apre-
senta até o fim do anno de 1838 um deficit de
36:4638273 réis. Dernonstra igualmente, que sen-
do orçada a receita de 1840 em 116:71 18317 réis
ca despeza em réis 190:286$780, deverá appare-
cer um deficit que avalia em 40:0008000; o qual
reunido à outros 40 conos de deficit presumivel
do exercicio de 1839,a vista do estado da receita
até o mez de agosto, fará um total de 80:000$000,
de maneira que sommados estes com os. ...
63:4638273 réis, produzirão no fim de 1840 uma
divida de 136:463$273 réis, que poderá com eco-
nomias reduzir se à 110 contos de réis, mas que
não poderá ser satisfeita sem os soccorros do po-
der legislativo geral; e a isto addiciona a decla-
ração de que appareceram erros notaveis na escri-
pturação da thesouraria provincial, e que sobre
elles mandando fazer um exame por pessõas. es-
tranhas, foi descoberto um prejuizo contra a fa-
zenda de mais de 4 contos de réis.
— 162 —

Todas estas sabias ponderações não tiveram re-


sultado algum proveitoso, porque com as discus-
sões principlou novamente a tempestade que foi
terrivel.
A assembléia levou a licença aos ultimos extrê-
mos, injuriando o presidente à cada passo na tri-
buna e esforçando-se por o descunceituar, afim
de lhe tirar toda a força moral e o prestigio da
sua legitima autoridade.
Com effeito, fez leis inconstitucionaes, no intui-
to de coaretar a acção presidencial ; enviou-lhe
mensagens injuriosas com um aparato acintoso,
e restabulecto até empregados, que elle tinha sus-
pendido ou demittido em virtude de lei. .
No entanio poucas leis importantes nessa
sessão fórain votadas; mas a 17 de setembro a
assembleia cercou a nova freguezia de Flóres,
desmembraia da do Tauhá, por acinte ao viga-
rio; e a 30 de dezembro supprimio a villa de
Mecejana, € annexou o seo termo ao da capital
muma parte, e na outra ao de Aquiraz.
o presidente depois de suportar durante um
mez e meio os «desatinos d'esta assemblea ardente,
adiou-a a 19 de setembro para dezembro, época
em que se reunio novamente; e como não vol-
tassem os deputados do centro, chamaram-se os
supplentes, que constituíram um nuclco à favór
do governo. Fixou-se então à despeza do anno
de 1840 em 144:9278000.
Por occasião do adiamento, o partido governis-
ta, que até então tinha ficado na espectativa do
desfeixe da luta entre o presidente c a assembléa,
tomou n'esse ensejo parte activa a favor do ad-
ministrador, fez festejos c deco outras demonstra-
ções publicas.
— 163—

A opposição porêm rompeo em ameaças, vo-


ciferações e toda a qualidade de excessos, à ponto
de receiar-se seriamente um rompimento; mas à
energia do governo conteve o seo apparecimento.
Os. trabalhos da assemblcéa, em dezembro, con-
cluiram -se sem maiores novidades. O presidente
resistio com dignidade aos desatinos dessa corpo-
ração, à cujos decretos negou sua sancção; €
mostrando fazer pouco caso dos insultos que lhe
dirigia, mandou suster a execução das leis da
sessão “o anno antecedente, que ella tinha man-
dado executar sem intervenção do seo prede-
cessor.
Depois da volta do presidente, de Sobral, os
destacamentos de guardas nacionaes, que mar-
charam contra os rebeldes do Piauhy, prestaram
relevantes servicos ao paiz.
Um d'elles, compesto de mais de cem homens,
quasi todos voluntarios, embarcou para o Mara-
nhão afim de auxiliar o governo dessa provincia
contra os Balúios que tambem a ameaçavam.
Foi removido para essa comarca em substitui.
cão ao bacharel João Fernandes Barros, que vi-
mos excitar ali a população contra o governo, 0
juiz «de direito do Aracaty Antonio José Mac hado,
decidido partidario do governo. Neste mesmo
anno o palacio do governo, que se achava muito
arruínado, e necessitava de promptos reparos,
sendo mandado concertar, foi consideravelmente
auginentado sob a direcção «o coronel José Anto-
nio Machado; n'elle se conservavam a secretaria e
a thesouraria, que, com pouco, mudaram-se para
um edificio proprio que se estava edificando.
A" 3 de fevereiro de 1840 o presidente entregou
o governo au seo suceessor Dr. Francisco de Sotiza
— Jd —

Martins, que encontrou os espiritos já mais acal-


mudos pela encrgia do seo antecessor e pela per-
sistencia da mesma opinião no poder.
Em Sobral uma porção de descontentes retirou-
se para Frecheiras, lugar situado nas immedia-
cocs dos limites d'esta provincia com a do Piau-
hy,e d'ahi ameaçava reunir-se com os Balúios,
para de combinação com elles invadir essa pro-
víncia.
O novo presidente, temendo os resultados d'este
passo, reunio tropas à toda a pressa € dirigio-se
pessoalmente com cellas à Sobral, donde seguio
para a Parnahyba, levando comsigo além d'isto a
sente que abi pôde arranjar; de maneira que
conteibuio poderosamente para livrar essa loca-
lidade do assalto dos Baluios, aos quaes rechassou
da Ubatuba, lugar que fica defronte de Fre-
cheiras.
D'ahi voltou posteriormente para Sobral, onde
incumbio ao major Francisco Novier Torres do
commando das tropas que n'esse ponto deixou
ficar em observação, para oppór-sc as tentafivas
que fazia o ex-juiz de direito João Fernandes
Barros de levar as tropas c os povos à desobede-
cerem ao presidente.
Em abril d'este anno fóram substituicos por
vapores os antigos paquêtes, que faziam o serviço
entre as diversas provincias maritimas do im-
perio,
Esta substituição tornou-se muito proveitosa à
marcha dos negocios publicos, em razão de sua
maior presteza e regularidade,
Em maio procedeo-se a eleição de um senador,
em consequencia da vaga deixada pelo coronel
Pedro Jose da Cesta Barros; e sahio, com maio-
— 165 —

ria de votos, em definitiva escolhido o Sr. Miguel


Calmon Dupin c Almeida, depois marquez de
Abrantes,
Neste mesmo anno procedeo- se tambem a clei-
ção de deputados provinciacs, a qual correo sem
maiores novidades, excepto na villa da Granja,
cuja votação sendo foda à favôr dos chimangos
ou alencarinos foi regeitada como illegal na apu-
ração geral feita pela camara da capital.
Em virtude da lei de 20 de outubro de 1838
dco-se principio à edificação de um pharol na
ponta de Mucuripe, siluada uma legonao nas-
conte da cidade ; foi esta obra confractada no dia
1.º de maio.
-Reunio se no 1.º de agosto a assemblca pro-
vincial, que trabalhou de harmonia com o pre-
sidente. Nesta sessão, à 17 de agosto, foi transfe-
rida a villa nova do Campo Grande para a nova
villa do Epu; a matriz da Serra dos Côcos passou
para, a mesma villa, situada em baixo da serra:
29 foi supprimida a freguezia de Flóres por
inveclivas e recriminações de partidos.
Tendo a 23 de julho sido proclamada a maiori-
dade de S. M. o Sr. D. Pedro II, que neste mesmo
dia prestou juramento € entrou no escrcicio das
suas funcções, foi creadoo seo primeiro ministe-
rio debaixo da presidencia do Sr. Antonio Carlos
Ribeiro de Andrada. Em virtude desta mudan-
ca, o presidente recebeo ardem de entregar a
administração ao vice-presidente João Fac “undo
de Castro Menezes; o que executou a 9 de se-
tembro, passasdo-a elfectivamente à clle, que
não quiz prestar juramento perante a assemblea,
pretextando estar illegalmente constituida por
causa da exclusão dos votos do collegio de Gran-
— 166—

ja. Todavia, como o presidente da assembléa se


recusasse a lhc entregar o poder antes de lhe
ter tomado o juramento, vio-se obrigado a safis-
fazer essa formalidade n'aquelle recinto; mas,
apenas investido, protestou âàcerca da respectiva
nullidade, prestou novo juramento perante a ca-
mara municipal da capital, e levouo caso ao co-
nhecimento «o governo geral.
Consecutivamente adiou a assenibléa como il-
legal e facciosa; ordenou à camara da capital
que procedesse uma nova apuração geral dos vo-
tos da provincia, com crdem de contemplar o
collegio da Granja e outros, cujo resultado modifi-
cou notavelmente o pessoalsia assemblca; exauto-
rou em massa a todos os empregados nomeados
pelos tres precedentes odministradores, afim de
restabelecer nos seus logares os crnpregados do
tempo da primeira presidencia do senador Alen-
car; demíittio, à pretexto de necessidade politica,
juizes de direito e ofliciaes da guarda nacional ;
restabelecco o bacharel João Fernandes Barros na
ara de juiz de direito de Sobral; e perseguio fi-
nalmente a todo o transe os seus contrarios poli-
ticos, que aliás não tinham poupado nem a clle,
nem aos seus partida os nas precedentes adimi-
nistrações; essas reacç ves eram então reciprocas.
Levantou, além disto, a suspensão posta pelo
presidente João Antonio de Miranda aos decretos,
que a legislatura transacta havia mandado publi-
car c exccutar; suspendeo e revogou todas as leis
feitas e decretadas pela assembléa do corrente
anno, que recusou reconhecer como legal; deo
ao ministerio partes terriveis contra todas as
pessõas influentes do partido decahido; c a 20
de outubro entregou o poder ao senador Alen-
— 167 —

car, novamente escolliido paro dirigir os nego-


cios do Ceará. Tinha tido o novo presidente a
destrêza de mandar desmontar dos empregos o
partido decahido, pelo vice-presidente, que car-
regou cem toda à odiosidade que de ordinario
provoca uma medida tão olfensiva, que sempre
procede das reacções.
As desordens continuavam no Piauhy ce no
Maranhão, de maneira que se achavam ainda na
comarca de Sobral as tropas ahi deixadas em ob-
servação pelo ex-presidente Souza Martins, às
ordens do major Francisco Xavier Torres; eas-
sim como as eleições de deputados geraes haviam
sido marcadas para o fim do corrente anno, a
opposição, vendu um seu correligionarioà testa
de um forte partido de tropas em Sobral, enten-
deo-se com elle para não entregar o conmando
antes de terem ellas lugar, afim de usar dessas
mesmas fórças no intuito de conquistar aquellas
eleições, impondo aos governistas por meio dc
uma semelhante fórça. Organisaram, pois, se
dições em outras partes da provincia; mandaram
o ex-redactor do Clarim da Liberdade para 5.
Bernardo afim de entender-se com os Caminhas
para reunirem gente, tomarem posse da villa de
S. Bernardo e marcharem sobre o Aracaty, com
vistas de tomal-oe de derrocaro partido do se-
nador Alencar, que ahi ecra forte..
No Icó foi incumbido o coronel Agostinho de
obrar no mesmo sentido; ao que elle deo logo
principio de execução por meio de opposição for-
mal às ordens do governo. Senhor dus posições
officiaes occupadas pelos seos partidarios, acon-
selhou ce reduzio à facto a desobedencia aos actos
administrativos,que os arredava d'essas posições ;
— 168 —

de maneira que, sendo nomeado chefe da legião


da guarda nacional do municipio o corônel Tho-
maz de Aquino Pinto Bandeira, negou-se-lhe aber-
tamente o respectivo reconhecimento.
Outros actos de resistencia fóram logo seguin-
dn a este, dando tudo que recciar ahi um rompi-
mento promovido pelo.referido coronel Agostinho,
juiz de direito Dr. José Pereira da Graça ce outros
opposicionistas, que se não pouparam em conci-
tar o pôvo contra o governo, conseguindo alliciar
ato o respectivo destacamento, composto de
guardas nacignaes.
O fóco d'esta trama cra o Saboeiro, por onde
se diigira,em demanda do Piauhy, o ex-presi-
dente Souza Martins. D'este ponto havia intel-
lizencia com os juizes de direito candidatos da
opposição Miguel Fernandes Vieira, Antonio José
Machado, José Pereira da Graça, André Bastos de
Oliveira, padre Antonio Pinto de Mendonça e Ma-
noel José de Albuquerque; corganisava-se o pla-
no revolucionario, que esteve a ponto de surtir
seus effeitos tencbrosos,e «e tornar-se funesto ao
presidente.
A assembléia provincial que fôra adiada, e pas-
sara pela defecção determinada pelas ordens do
vice-presidente, reunio-se finalmente. em de-
zembro; e, depois de alguns trabalhos estereis,
rematouo anio pela celebre lei de 31 d'esse mez,
suspendendo por espaço de 31 dias as garantias
especificadas nos 88 6, 7,8,9 e 10 do art. 79 da
constituição, e autorisando o presidente a tomar
todas as medidas exigidas pela segurança publi-
ca. Froseguio nos seos trabalhos em janeiro se-
guinte, do anno de 1841, pelo modo que indicare-
mos mais adiante.
-— 169—

O vice-presidente Facundo já havia ordenado


ao major Torres que sc recolhesse à capital; mas
elle até então tinha iludido essa ordem por meio
de procrastinações ; e o presidente reiterou-a por
informações que teve da trama, sem que esse
major se adiantasse no cumprimento de seus de-
veres, que pospunha à intrigas de partido. O
perigo pois era grande e imminente ja opposi-
cão se achava. com dados para ganhar as eleições
proximas, e mesmo para lançar o presidente fóra
da provincia. O senador Alencar espacou por
tanto a esta para fevereiro do anno vindouro de
1841, reunio tropas, à testa das quaes póz offi-
ciaes que lhe eram dedicados, e com cestas forças,
e duas pecas de artilharia marchou em fins do
mez de novembro para Sobral, onde chegando
no t.º de dezembro, mandou logo chamar a Torres,
que não quiz obedecer nem aitender à cousa
alguma, redigindo ao mesmo tempo uma reprc-
sentação insultante que mandou apresentar ao
presidente pelo alferes José Joaquim de Souza Ja-
carandá, a quem tomára para ajudante de ordens.
Nesta representação, além de outras exigen-
cias, reclamava sua conservação no commando
da tropa estacionada na comarca de Sobral. Mas
o presidente não estando para ânnuir à exigencia
desmoralisadôra da autoridade, demittio-o «do
commando a 7 do mesmo mez, e convidou os
soldados a abandonarem-n'o e a virem unir-se ao
governo legalmente constituido ; este convite não
teve comtudo effeito immediato, porque a maior
parte dos vfliciaes eram parentes ou amigos
d'aquelle.
Esta demissão levou o commandante Torres e
sua oficialidade a declararem-se em rebellião
—170—
aberta contra o presidente,c a promoverem à
sublevação «a tropa tanto do seo commando,
como da propria que viéra como presidente; de
modo que nó dia 14 às 9 horas da noite mandou
marchar a sua gente contra a casa, onde assistia
o senador Alencar, com ordens de a tomar e apo-
derar-se delle; e, para consecução d'este fim,
tinha de ante-mão seduzido um dos cornêtas vin-.
dos do Ceará com o presidente; o qual, desertan-
do, levou comsigo as cornêtas dos seus compa-
nheiros, impossibilitando-os assim de tocar à
rebate. As tropas de Torres, pois, chegaram fa-
vorecidas pelas trevas ate perto da casa, e deram
ahi uma descarga sobre a guarda collocada na
porta, da qual cahiram 2 mortos c 5 feridos;
porém o destacamento do governo que estava
alerta, fez apontar as pecas para os aggressôres, €
n'um instante varreo a rua, obrigando. os à irem-
se esconder nas casas, d'onde continuaram a ati-
rar durante o resto da noite.
Contam que o senador aterrado pela primeira
descarga, quiz retirar-se para lugar menos ar-
riscado ; mas que os officiaes da sua tropa o demo-
veram desse intento, declarando sua presenca
inclispensavel para animação dos seus, e promet-
tendo-lhe o triumpho com esta condição.
O successo dos rebeldes dependia do primeiro
choque; porém tendo falhado este, nada mais de-
via Torres esperar. Suas tropas durante a noite,
temendo a atilharia, não appareceram mais na
rua, e mesmo fôóram desertando incessantemente
e passando-se para o lado do governo, de tal for-
ma que ao amanhecer do dia seguinte Torres,
achando-se quasi só, fugio propalando que se re-
tirava para o Piauhv, O presidente mandou ap-
— LILcu

prehender-lhe os papeis, e n'elles deparou todo o


plano do motim ; em principio de janeiro de 1841
voltou para o Ceará, eahi achava-se a 10.
Quando S. Exc. partio da capital,em novembro,
os chefes da opposição, como ja dissemos, manda-
ram para S. Bernardo e Aracaty agentes seus com o
fim de sublevarem estas duas villas ; e entre elles
sobresahia o façanhoso Ayres, que unido aos
Caminhas, a 23 de novembro atacaram S, Bernar-
dc, apoderaram-se da vil'a, prenderam o coronel
João de Castro e Silva Menezes, o juiz de paze
outras autoridades, que remeiteram presas para a
capital, sorprehenderam o destacamento, e infun-
diram o terror nos espiritos dos seus adversarios
politicos.
No Aracaty, no mesmo dia, estava tudo prepa-
rado para uma sorpreza identica; havia gente ar-
mada escondida em casa do juiz de dircito Anto-
nio Jose Machado, e n'outras mais, para darem o
assalto pela manhã; masa vigilancia das autori
dades fêz abortar todo o plano, e o juiz de direito
teve de fugir.
Vendo os vencedores de S. Bernardo que o pla.
no tinha abortado no Aracaty, entraram a reunit
gente e preparar-se para ir atacar esta villa, onde
vivia-seem continuados sustos pelo receio de ver
chegar a cada momento a gente inimiga. Tinha-se
d'ahi requisitado auxilio da capital; mas este auxi-
lio tão desejado, e jà annunciado, tardava muito à
apparecer; todavia, no dia 23 de dezembro,o tenen-
te coronel Queiroz chegou do Aquiraz com 80 ho-
mens, o major Thomaz Lourenço já tinha tam-
bem ali chegado, procedente da capital, com 4)
praças, c estava-se a espera a cada momento do
tenente Manoel Vicente e do alferes José Maria
— 172 —

com 20 praças; os quaes entraram, eficetivamente,


no mesmo dia a noite. Ayres, no entretanto, ti-
uha-se posto à testa das fórcas reunidas em 5.
Bernardo, c marebava com ellas sobre a villa,
divulgando-se para logo que elle já se achava na
Passem des Pedras, distante (res leguas. O juiz
de direito interino, Manocl Dias Martins, pôz à
frente das tropas regulares o major Thomaz Lou-
renço, cordenou-lhe que na tarde do dia 23 mar-
chasse ao encontro do inimigo com parte da gen-
te que havia na villa; elle partio de tarde, com
elfcito, e nesta mesma occasião recebeu um ofli-
cio de Avres cm «ue lhe participava : «que vinha
à testa de 1 800 pais de familia para aquela villa
com o fim de tomar vingança de certos indivi
duos, € que esperava que não pozesse o menor
estorvo à sua marcha e fim, »
Thomaz Lourenco executou sua marcha com
tão poucas etutélas que, à duas leguas da villa,
cahio ja pela bócea «a noite numa cilada, que lhe
teria sido mui funesta se o inimigo entendesse
mais de estrategia. Sim, clle não presentio que
o inimigo, avisado da sua marcha, se havia es-
condido no mato à espera de que passasse com à
sua gente; o que feito, quando se achou além do
inimigo, já cortado da villa, recebeo uma des-
carga geral, que lhe matou dous homens,.e ferio
outros muitos. Durante a noite, porém, rodeiou
elle o inimigo, e voltou para o aracaty, onde,
pelas 7 boras da manhã do seguinte dia (24), ap-
prreceo- Avres com sua gente em grande nume-
ro. mas mal armada, a qual estendeo pela Var-
zoa, ao nascente da vilia, como fim de cercal-a.
Principiou em seguida o (ógo, que durou até
uma hora da tarde. Avres com um tróço das
— 173—

suas tropas pôde penetrar na villa pela proxi-


midade da casa da camara, da qual se apoderou,
abrio a cadeia que ticava no pavimento terreo,
e soltou os presos; mas sendo logo d'ahi rechas-
sado, dirigio-se ao paiol da polvora, que tomou,
e delle tirou as municões de guerra que póde;
e o cartuchage vindo a faltar à sua gente pelas
> horas, tratou de se retirar para S. Bernardo,
o que executou sem ser inquictado; houve n'essa
acção apenas seis mortes, sendo quatro em gente
do governo, e duas nos aggressóres, mas foi gran-
de o numero dos feridos.
A 28 de dezembro o presidente officiou ao juiz
de direito interino no sentido de ter resolvido,
para evitar derramamento do sangue brasileiro na
prolongação de uma guerra civil, oferecer amnis-
fia geral aos rebeldes que depozessem as amas,
promettendo um esquecimento completo do pas-
sado; e, para este (im, commeltco ao bacharel
Miguel Joaquim Ayres do Nascimento, e ao nego-
ciante do Aracaty Domingos Alves Ribeiro a pro-
posição della aos rebeldes, que aceitaram ant
nificencia do governo, conforme foi participado
pelos dous commissionados,a 6 dejanciro de [BtL.
N'esse mesmo mez continuou a assemblea pro-
vincial seus trabalhos; ec a 9 creou uma nova
comarca em Baturité; a 12 erizio a villa de So-
bral em cidade, com a denominação de fdelissimer
cidade junucria do Actrack, prevalescendo o an-
tigo nome della; e nessa mesma data foram
revogados indistinetamente todos os actos legisla-
tivos sanceionados no anno de 18%0, durante a
presidencia do Dr. Francisco de Souza Martins.
A lei do orçamento fixou a despeza nesse anno
financeiro en 185:318$600.
— |it—
Depois daquelas occurrencias de que (vi theatro
o Aracatyo Thomaz Lourenço recebeo ordem de
marchar para o Icó com um destacamento, porque
ahi os negotios iam cada vez. se empeiorando
mais, é davam a receiar uma repercussão arma-
da dos sucessos das outras localidades rebela-
das, pois Dlasonava o coronel Agostinho, que se
entemlia directamente com o foco do Saboeiro,
de que havia de oppór-se às fórcas que o gover-
no mandira seguir para alli, do Aracaty e do
Crato, assim como, cm suas combinações, orde-
nar ao coronel Thomaz Aquino Pinto Bandei-
resue marehasse com a (área da sua legião sobre
S. Bernardo; 6 que não houve lugar, por não lho
permittirem as emergencias do leo, que o leva-
vaum ainda a elle, e «a outros seus partidarios mais
notaveis a ratirarem se para o Crato,no intuito de
dar pressa à descida da tropa que vinha estacio-
pardo ponto que abandonaram, compellidos pela
falta de segurança pessoal, em razão da resisten-
curopposta às ordens do governo,
Com efteito, apenas chegaram ao Icó as noticias
do mão exito dos rebeldes nos angulos em que
tinham lançado mão das armas, os seus coreli-
sionacios dºabi apresentaram uma sobrexcitação
atém da elfervescencia constante; reuniram a
coumara tunultuariamente, e trataram da conve-
niencia de representarem,a seu turno, os scenas
de S. Bernardo, com a prisão do coronel Thomaz
Aquino Pinto Bandeira, para garantilos da vin-
dieta legal do governo, como dera-se n'aquella to-
calidade a respeito do coronel João de Castro.
Isto todavia não deo-se, porque, como fica
dito, o referido coronel Pinto Bandeira, acompa-
uhado dos Iinajores Antonio Joaquim dos Santos,
— 15—
Pedro Brazil, Paula Chaves, tenente Mancel Jos
Pinto Bandeira, e de vutras pessõas mais, retira
ram-se da villa às occultas; e fôram ainda perse
guidos por grande numero de individuos monta
dos da fracção rebelde, quando conheceram este
essa retirada que lhes transtornava os planos con
cebidos, e que deveriam ser postos em pratica.
Thomaz Lourenço, partindo do Aracaty u 28 «d
janeiro, chegou ao Icó em dias de fevereiro, c
após elle entrou tambem a expedição do Crato,
ao mando do coronel Manoel de Barros Cavalcan-
ti, do Brejo Grande, vindo conjunctamente o co-
ronel Thomaz d'Aquino Pinto Bandeira, e scus
companheiros.
Occupado o Icó por uma fórca respeitavel, €
tendo-se retirado d"ahio coronel Agostinho, que
cra a alma da resistencia às ordens legacs, cessou
a fermentação abertamente hostil ao governo, co
rompimento que era recciado não passou dos
actos que temos indicado, pois a sublevação pla-
nejada confeve-se em face da propria impoteacia,
equiparada com os recursos do governo alli reu-
nidos então ; de mancira que todos os nomeados
entraram na posse dos lugares, para que haviam
sido escolhidos pela presidencia; os opposicionis-
tas fóram perseguidos, sendo presos inuitos d'el-
les que permaneceram na villa, e varcjadas inou-
meras casas; dando isto lugar à retirada para
o
outros lugares dos mais complicados.
O major Torres, que propalâra retirar-se para
o Piauhy, veio collocar-se, no entretanto, com
quarenta homens armados em uma fazenda de-
nomida Caissára, doze leguas para o inferior de
Baturité; e d'esse ponto mandou propór ao pre-
sidente uma negociação, compromeltendo-se a
— 6—
deixal-n
depór as armas, mediante à condição de
eio na
asi ca sua gente soltos. 5. Exc. não conv
tal forma,
proposição, e imandou-o cercar por
egar -seà 19 de
que elle vio-se compellido a entr
uma emba rcaç ão
jansiro. Foi metido à bordo de
dc guerra surta no porto. tendo por companhei-
ros: aseu irmão o tenente Luiz Xavier Torres, à
seu cunhado o alferes Lins, e ao paizano antonio
ao depois
Carlos da Silva Jatahy; é d'ahi fórarm
falta ndo dessa
remettidos para 0 Rio de Janeiro,
rand á, que se não
sedição anilitar o alferes Jaca
entregara.
Desembaracado o senador Alencar dessas sedi-
cões, quo arrostrára e levára de vencida, cuidou
provin-
de espalhar tropas pelos demais pontos da da
cia, sob o pretexto ostensivo da manutenção.asso-
ordem publica, quando à essa providencia
ciava-se o (im de segurar o exito das cleições que
vado
deveriam proceder-se, e que tinham moti o
todos os disturbios refer idos.
A 6 de março teve lugar a de sena dor, em
i-
substituição do fallecido Dr. João Antonio Rodft
lha im-
sues de Carvalho, da qual resultou a esco
perial do conselheiro antonio Carlo s Mach ado de
Andrada c Silva, candidato do partido alencari-
tados à
no; € logo depois seguio-se a de depu
o mesm o partido
quinta legislatura, vencendo
: Mano el do Nasci-
nos seguintes senhores cleitos
sto
mento de Castro e Silva, vigario Carlos Auguo €
ira de Castr
peixoto de Alencar, Vicente Ferre Dr.
Silva, padre José Ferreira Lima Sicupira, Ca-
Francisco de Salles Torres-Homem, Dr. João -
Caval
pistrano Bandeira de Mello, José Mariano
€ Joaq uim Ignac io da Costa
canti ve Albuquerque s
Miranda, As primarias, secundarias,e de membro
— IM—
da assembléa provincial tiveram identico resul-
tado.
Em abril, recolheo-se ao Cariry. o coronel Bar-
ros, com a sua gente, tendo cooperado fortemente
para o ganho das eleições,no sentido da chapa do
coronel Thomaz d'aquino Pinto Bandeira, que
ganhou até a de senador, cujos votantes sendo os
eleitores velhos, eram-lhes contrarios.
Por occasião da eleição de deputados geraes,
em S.Mathéus, houve uma duplicata vergonhosae
irrisoria. O collegio dava ordinariamente vinte
e tantos eleitores, e a eleição regular deo então
um resultado no sentido dos candidatos do parti-
do governista ; mas, oppuzeram-lhe os opposicio-
nistas uma acta forgicada no Saboeiro, que iri-
provisaram de collegio, com mil e cem eleitores,
numero que excedia áquelle dos eleitores reuni-
dos de toda a provincia; de maneira que com
essa votação cerrada sahiam deputados os can-
didatos da opposição. Essa duplicata foi annul-
lada, como o devia scr, pela camara dos depu-
tados. ,
- A” 3 de março ainda appareceo uma tentativa
de sublevação em S. Bernardo, dirigida por Ca-
minhas, Abreu, Bessa, José Bento Freire, João
Florentino,e outros que eram suscitados sempre
pelos chefes da opposição. Começaram ainda a
reunir gente e a fazer cartuchame ; mas mandando
o presidente ordem de-os prender, a policia pôz-
se n'esta diligencia ; em casa de João Florentino e
de outros encontrou arimnamento, que apprehen-
deo, não obstante a resistencia que quizeram
oppôr às suas pesquizas ; c por este modo fez «es-
apparecer os reccios de rompimento que se ti-
nham insinuado na-população.
— 178 —

a opposição guerreiava a todo o transe a ad-


ministração do senador Alencar, e tanto o inci-
tava que elle, em retaliação deixou-se levar à ex-
cessos deploraveis, à ponto de tolerar que se cer-
casse por tropa,durante à noite, uma typographia
da opposição, deitassem abaixo as portas à golpes
de machado, quebrassem e destruissem todos os
utensis, c finalmente lançassem f(óra os typos.
Apos essa.lucta,S. Exc. passou a 6 de abrila admi-
nistração ao vice-presidente João Facundo de
Castro Menezes, e retirou-se para a córte, em con-
sequencia de ter a 23 de março subido ao poder o
ministerio Paulino.

CAPITULO XXI

PRESIDENCIAS DOS BRIGADEIROS JUSE JOAQUIM COELHO


E MTTENCOURT; E DO TENENTE-CORONEL
IGNACIO CORREIA DE VASCONCELLOS

A 10 de Maio de 184 chegou à Capital ó briga-


deiro José Joaquim Coelho, que fóra nomeado
pelo novo ministerio para substituir ao senador
Alencar na presidencia; causando a noticia disto
no leo graves disturbios; porquanto, sabendo os
inimigos d'aquelle senador de sua deinissão, reu-
niran-se, e, em demonstração alegria, sairam
a noite ao toque de musica, e por entre alguns
gritos de offensa aos seus contrarios; mas o te-
nente Antonio Lourenço de Castro e Silva que,
tendo sitlo substituido no commando do destaca-
mento pelo major Chagas, estava a seguir para à
capital, ao passar pelo quartel o grupo dos victo-
riantes, mandou dar vivas ao senador Alencar,
— 179—

por soldados d'ante-mão preparados por elle. A'


estes vivas opposeram-se vozes de morra, que
sentlo o signal esperado, immediatamente os sol-
dados—tendo-o à sua frente
— cahiram sobre o
grupo, c espancaram os mais influentes, os quaes
se pozeram logoa fugir à sanha desta tropa, € se
retiraram precipitadamente para fóra da villa;
resultando dos referidos espancamentos uma
morte.
Todas estas pessoas assim espancadas, e que
eram as principaes do partido que subia ao poder,
estabeleceram-se na fazenda denominada Arude,
para onde convergiram ao depois todas as outras
que haviam ficado na villa. D'ahi representaram
contra aquelle official e exigiram providencias
do coronel Phomaz "Aquino Pinto Bandeira — juiz
de paz—a quem, como chefe do partido alencarino,
malevolamente davam a paternidade do acto
brutal de Antonio Lourenço, e p9r esta razão es-
teveello a ponto de ser vietima da exacerbação
dosanimos justamente irritados, que aproveitava
para esse fim os seus mais rangorosos inimigos.
Os soldados com que Antonio Lourenço tinhade
regressar à capital fóram aliciados pelos retirados
no Açude, que o mesmo lográram fazer com os
outros do destacamento do major Chagas, cuja re-
tirada-exigiram no intuito de regressarem à villa,
na qual fizeram a sua entrada com um apparato
militor, na occasião em aquelle major deixava
apoz sio Icó.
Antonio Lourenço, de quem procuraram tomar
uma desforra aquelles que, tão torpe e indigna-
mente, haviam sido ofendidos; Antonio Louren-
co que, não obstante esse seu acto de insania u de
notavel compromeltimento para o partido
à que
— 180—

pertencia, não devia ser abandonado senão às


consequencias legaes de sua brutal irrellexão ;
Antunio Lourenço, em definitiva, póde escapar
às ciladas que lóram armadas à sua existencia,
e seguiu para a capila!, são € salvo, deixando en-
tetanto o coronel Thomaz d'Aquino Pinto Ban-
deira (pois assim illudia a vingança dos seus ini-
migos) entregue à estes quasi, a bem dizer, à dis-
erição; porquanto, sem o adjuctorio da fôrça que
desertára, a sua autoridade apebas conservava
de
o influxo moral que, reunido ao bom senso
alguns dos oftendidos, que conhe ciam c faziam
póde savantilo das ten-
justica ao set caracter,
cões hostis 6 resoluções extrêmas tomadas à seu
respeito na fazenda do .fçude.
O novo presidente que trouxera para secretario
o Dr. Anselmo Francisco Peretli. apenas achou-se
cinpossado na administração, deo começo à obra
da reacção de que parecia ter vindo incumbido,
demittindo cm massa os empregados de opinião
contraria à sua, para os substituir por correligio-
narios políticos. Além disto, adiou a assemblca
afim de poder expurgal-a, por meio d'uma tercei-
ra apuração, dos deputados opposicionistas: que
o vice-presidente João Facundo havia introdusido
nella, por aquella segunda apuração que já indi-
cimos.
O ministerio Andrada, sendo consultado sobre
a validade d'esta segunda apuração, tinha-a repro
vado altamente pelo aviso de 13 de novembro
de 1840, assim comc a suspensão das leis vota-
das por uma assembléa constituida antes da pos-
se do referido vice-presidente, c promulgadas
com todas as formalidades legacs.
O presidente adiom pois, indetinitamente, a
— [81 —

sessão, até a chegada da decisão do ministro”


e, como não viesse esta cm tempo, foi segun
da vez adiado a reunião divassemblea afro mez
de setembro, e pretendes ainda S. Esco anmular
as cleições de camaras € juizes de paz, que fi-
nham sido feitas durante a administração de seu
predecessor j mas o ministerio consulaio, de-
clarou esta medido ilegal, porque não era da
competencia da presidencia annular eleições ap-
provadas por administradores anteriores, debai-
xo de cuja administração haviam sido feitas, e or-
denou que as cousas ficassem no estado em que
se achavam até a decisão di assenhica geral, à
quem pertencia unicamente usalacão da questão.
AO de semiembro abrio se a assenib'ca pro-
vincial sem passar por uma nova apuração, € lra-
balhomu até TO de novembro sem produzir cousa al-
guma, não sendo votada nem lei de orçgunento,
nem lei de fixação de fórcas, nem outras leis ne-
cessarias ao regular andamento da administração;
gastaram todco tempo os deputados em reerimi-
nações reciproras e injuriosas para um e outro
partido.
» N'esta sessão devo-se um facto que loi catsa
de grandes ataques, € de frisos interpretações.
A opposição, desejando que passasse um pro-
jecto, não podia comtudo aleançar o seo desejo
por causa de uma fraca maioria de governistas;
isto posto, alguns opposicionistas deitaram em
algumas quartinhas Pagu de beber uma norção
de tartaro epetico, quanto bastasse prra produsir
vomitos. Os deputados divopposição, avisados de
antemão, não beberam delliiinas o contrario
deo se com os governistas,e com pouce, aceoim-
mettidos por abundantes vomitos, retiraram-se
— [82
para suys- casas, € assim deixaram o campo livre
a seus contrarios, aos quaes alfribuiram a propi-
nação de veneno às.suas pessõas. O autor «desta
staça póuco parlamentar tem continuado a ser
increpado de envenchador, por seus contrarios,
os quacs todavia não ignoram o como se passou 0
facto.
Em tolo o correr dessa sessão apenas baixou
tuna lei rchiva ás porcas de (reguestas para o
eedo, e do destino que deveria dar-se à este, no
caso de faltar essa matca-—Esta lei, não sendo
sabecionadda por acinte; foi ulleriormente appro-
vada pelos dous terços dos membros daassemblea
e publicada pelo respectivo presidente.
ACE de novembro o presidente da provincia
deo parte ao ministerio da guerra crucl que lhe
luzia à opposição, e com especialidade o juiz de
diveitode Sobral, Dr. João Fernandes Barros,gueà
pretexto de tomar assento na assembléa provin-
cial, como membro della, abandonára aquella
comarca para vir à capital, somente com o lim de
combinar na organisação da opposição, e dar fuga
aum certo Francisco Pedro Vinagre, preso no es-
tado-maior do meio batalhão ; e que depois volta-
ru para sua comarca, sem ter tomado assento na
essembica,
Dos presos pelos successos de Sobral na presi-
dencia do senaulor Alencar, os que fóram remetti-
dos para o Rio de Janeiro obtiveram amnistia ; €
os que ficaram na província, como o alferes Jaca-
randa, conseguiram recurso ou habeas-corpus em
virtude de manobras das autoridades de seu parti-
do. Ja neste tempo, e ainda mais «ahi por diante,
tudo se ressentia da ardencia dos partidos um
contrvo outro, e cada qual a todo transe protegia
— 183—

os seus adeptos mesmo contra o golpe da lei nos


casos de crimes, ao passo que os contrarios eram
tidos por perversos, capazes de toda a sorte de at-
tentados, e como taes perseguidos sem piedade nos
tribunaes, toda a vez que se apresentava oecasião
cpportuna. Estas idéas passaram da capital para
os sertões, onde a falta de illustração tornou-as
ainda mais perigosas e mais cxaltadas. Teremos
dora em vante frequentes occasiões de assignalar
os cffeitos funestos de semelhante erro.
A opposição, no entantô, ia-se tornando cada dia
mais vehemente e até provocaóra nos periodicos
de que dispunha na provincia.
Na vice-presidencia do major João Facundo
deo se no jury da capital uíma absolvição eminen-
temente escandalosa, a qual consignaremos aqui
por prender-se à oceurrencias posteriores e ter in-
(luencia nas dissenções politicas, que se seguiram.
Uma mulher do Trahiry mandou matar a seu ma-
rido, Ignacio de Castro Moura, por um escravo,
com quem vivia em adulterio. Os irmãos do morto
juraram vingal-o; mas a viuva valco-se de um
prepotente da vizinhança, Antonio Barroso de
Sousa, «o Curi, calcançou, por influencia delle
para com pessôas do partido liberal, sua absolvi-
cão no jury, não obstante as provas serem mui
fortes e concludentes. Esta absolvição foi obtida
por intervenção do major João Facundo que então,
como dissemos, achava-se na presídencia, e por
isto servio ella de thêma aos jornaes de um e ou-
tro partido, que fizeram disto uma questão de
politica, correndo tambem a voz por esse tempo
de que tinham declarado os irmãos do defunto,
que haviam de tomar vingança de tão iniqua pre-
— a —
tevição da sum justiça mas nanea passorr este
dito de uma asscrcão vaga.
Algum tempo depois, porém, no governo do bri-
gadeiro José Joaquim Coêlho, mesmo no centro
da cidade, deo se o horroroso assassinato perpe-
trado na pessoa do referido major João Facundo
de Castro Menezas que, como vice-presidente. an-
terior e posteriormente à administração do sena-
dor Alencar, vimos oceupar a presidencia,c ma-
nifestar sus opiniões políticas com um ardor viril
e sem rebuço. Estava então collocado à testa do
partido liberal ou alencarino da provincia,e di-
rigia no mesmo sentido um periodico ein que se
hostilisava-com energia o presidente.
Quando esti ilustre victima recchbeo na noute
des de dezembro o tiro homicida, achava-se sen
tado à varanda de sua habitação, que ficava n'uma
das ruas mais publicas da cidade,e proxima ao
palacio do governo. Seriam oito horas quando a
mão do assassino desfechou lhe dous tiros, cujas
balas emprogando-se-lhe na cabeca, produziram-
lho À morta instantancamente; ao passo que os
assassinos se retirâram sem serem conhecidos
Este barburoc audacioso attentado, ao passo
que atterrou,não deixou tambem de cxasperar aos
liberacsque imputaram-n'o ao partido governista,
o qual não podia deixar de almejar ver-se livre de
um campeão tão notavel, que cra a cabeça visivel
do partido, e cuja existencia implicava com o des-
envolvimento do partido contrario na provincia.
Os governistas, porém, altribuiam-n'o aos irmãos
do fallecido Moura, que o praticaram em vindicta
da absolvição dada ao matador de seu irmão ; o
que não é mui verosimil, quando aquelle existia
para pasto d'essa vingança, que assim se consum-
— 185 —

mava em pessõa muito estranha, Outros ulterior-


mente culparam a familia do presidente, como
sendo aquella morte o producto de um desfórco,
por imputações injuriosas feitas à uma pessôa
della, pelo fallecido.
Como quer que seja,por muito tempo os periodi-
cos da capital não se oceuparam de outra cousa, €
de parte à parte as recriminações fóram asssumindo
um grão assustador de azedume, e descnfreiamen-
to. Os liberaes com especialidade, sendo vietimas,
redobraram de acrimonia contra o presidente;
valeram-se dos assassinios perpetrados no inte-
rior da provincia, muitos dos quaes por intrigas
particulares, c attribuiram-n'os todos à causas
politicas, e «ahi deduziam a existencia de um
vasto plano urdido contra seu partido, para des-
truil-o pouco à pouco; sendo natural, todavia, te-
rem acabado então do bacamarte diferentes pes-
sóas proeminentes delle. Além disso, como por
esse tempo tratou o presidente de recolher aos
arsenaes o armamento da nação, que se havia
anteriormente destribuido pelos particulares, com
especialidade durante as dissenções civis, lança-
ram mão disto para accusal-o de desarmar os li-
heraes, ao passo que deixava o armamento nas
mãos «dos partidarios do governo; à que davam
como prova da existencia do trama de extermínio
contra a opposição, ao qual addicionavam ainda
a remessa do major Bandeira, um dos scus corre-
ligionarios que viéra commandar o meio batalhão,
para a provincia do Maranhão, donde fóra recla-
mado pelo commandante do córpo à que perten-
cia, allegando que essa remoção tinha por fim
directo prival-os do prestigio que davo à seu par-
— 156 —

tido um commandante de corpo, que commui-


sava as mesmas idcas,
As folhas liberacs pintavam eclfectivamente a
provincia collocada como que sobre um voleco—
proximo a arrebentar —por causa da conducta ar-
bitraria «do presidente; mas realmente a lucta
desenfreiada não passava dos limites da capital,
porque os demais pontos da provincia, apezar de
não serem alheios no todo à ella, apezar de refle-
etir d'clles mais ou menos o interesse local da
mesma, gosavam vom tudo de socego e tranquili-
dade, bem que um pouco dubios, sendo devida
esta siluação, sem duvida, a serem os periodicos
da capital ainda pouco lidos no interior.
Em Marco de 1842 (rafow o presidente de por
em exepução a lei de 3 de Setembro de 1841, sobre
a organisação policial, tirando toda a jurisdicção
aos juizes de paz para dal-a à uns delegados e
subdelegados, subordinados à um chefe collocado
na capital junto ao governo. Neste anno foi tam-
bem cercado o batalhão provisorio «Pesta provin-
cia.
4 2 de Maio foi dissolvida a assembleia geral,
por não estar em sua maioria de accórdo com 0s
principios do ministerio. A opposição, que desde
muito esperava este golpe d'estado, tinha propala-
do que, no caso de se realisar elle estava resolvida
a não spffrel-o impassivel; porque seria este golpe
um passo fatal às liberdades do paiz. Já de ante-
mão havia-se estabelecido no Ric de Janeiro uma
sociedade secreta, denoininada dos invisieis; O
d'ahi se espalhara pelas províncias, por meio de
ramificações liliaes.
O Dr. José Lourenço de Castro e Silva, sobrinho
do faligeido major Facundo, foi por essa occasião
— 187—

ao Rio de Janeiro, e n'esse centro recebeo as ulti.


mas determinações para a execução do plano,
que consistia em um levantamento geral e simul-
tanco em todas as provincias do imperio.
O plano era com effeito bem imaginado ; e to-
mando por armas desconceituar o governo por to-
dos os meios possiveis, cormc sc fez quando houve
seiencia do decreto de | de Maio, que dissolvia a
ussembleéa, é o romper quando chegasse a noticia
do rompimento do sul, comtudo não proditzio o
efeito que devera resultar da combinação metho-
dica d'antemão assentada; parece até que ou não
a comprehenderam bem no norte, ou aliás não ci-
veram paciencia de esperar, e portanto a precipi-
tasão foi funesta ao bom exito da empresa, que
malogrou-se completamente,
Nesta provincia accusaram a opposicão de ter
projectado matar o presidente, ou, pelo menos,
apoderar-se d'elle, e de nesta occasião declarar
se o rompimento em foda clla.
“O que é certo, todavia, é que mandon-seo pa-
dro alexandre Francisco Serbelon Verdeixa, bem
conhecido porseu espirito turbulento e revolucio-
nario, à Sobral, com o fim de seduzir o córpo de
policia, que para ali tinha sido enviado, c ahi se
conservava ainda em observação, no intuito de
conter os revoltosos do Piauhy, que àinda conti-
nuavam a apparecer algumas vezes nas fronteiras
da provincia”; mas esse commissario nada póde
conseguir, € voltou sem resultado para à cidade.
Tentou-se o mesmo com relação aos soldados «do
batalhão da capital, que conservaram-se incorru-
ptiveis; apenas conseguto-se a deserção de Tt
praças, que se refugiaram com armas e bagagens
no Curi, sob os auspícios de Autonio Barroso de
— 188 —

Sousa, prepotentede
quem já fallámos no processo
da mulher de Moura, Vizeram-se altas diligencias,
finalmente, para alliciar maior numero de gente
armada; mas fóram em vão essas diligencias...
foram estereis em resultado.
Em casa de diversos influentes do partido, tanto
na capital, como nos seus arredores, houve ajun-
tamentos de: homens e de armamento, que à po-
licia nunca pôde descobrir: porquesempre eram
elles avisados à tempo de se acautelarem, pelas
pessõas que na capital estavam de observação.
Formou-se primitivamente o projecto de sorpre-
bender e atacar de improviso o presidente no pro-
priv palacio com um certo numero de homens re-
solufos que estariam escondidos nas casas cirgum-
vizinhas,e que seriam ausxilizeospor gentede lóra,
que deveria entrar logo que rompesse o ataque ; €
o presidente, que ignorava todas estas manobras,
corria grande risco, posto que estivesse acautela-
do em consequencia da fermentação que reinava
na população da capital. Foi porem abandonado
este projecto falvez por talta de resolução bastante
em face do apparato bellicoso que acompanhava
sempre o presidente, homem de espada e de re-
solução bem conhecida, por seus actos anteriores
à esta sum presidencia. Dosistiram, pois, os des-
contentes de atacar o palacio do governo, mas,
recorreram alguns membros da opposição ao
musio ignobil do assassínio,
Em uma noute do mez de Junho, sahindo o
presidente para visifaro coronel José Antonio Na-
etiado, assassinos foram postados para executa -
vem este funesto intento ; o quad tao cohsumma-
rum, segundo declararam os Mesmos, por não
haverkhes sido entregue a pagude um conto de
— 189 —

réis que lhes fóra promettida. O attentado, em


vista disto, foi deferido para uma outra occasião ;
mas no dia seguinte (23 de Junho) os assassinos,
soldados de um dos corpos da guarnição, vieram
denunciar-se à si proprios, e dos mandantes, con-
tando os factos que acabâmos de narrar: os quaes
não deixam de ter sua inverosimilhança, e de au-
torisar aopposição a accusar a policia de ter urdi-
do esta farça, para desconceituar seus membros,
e poder perseguil-os judicialmente-com o auxilio
de depoimentos falsos.
No caso «e se levar a effeito qualquer um des-
fes projectos contra a pessôa do presidente, le-
vantar-se-hiam os pontos da provincia onde do-
minavam os liberaes, isto é, Cascavel, Sobral,
Granja, Serra Azul, Quixeramobim e Crato, afim
de transtornarem-se as e'cições que estavam para
se fazer, tanto para a deputação geral, como para
aprovincial. O presidente, porém, despertado por
tal fórma, tomou suas cautelas c pôz-se em estado
de acudir com pressa a qualquer disturbigou at--
tentado que apparecesse. Na correspondencia of-
ficial, accusa a familia dos Castros de ser amais
ardente no manejo destas tramas, com intuito de
vingar a morte de seu parente João Facundo, que
attribuiam, como já dissemos, à uma pessôa de
sua familia; e accrescenta na mesma correspon-
dencia, que o partido liberal accifava estes meius
attentatoriosda sua via como o de conseguir os
seus fins. No entretanto fôram presos na cidade
as pessôas mais influentes do partilo libera!, cor-
ridas as suas casas, caprehendidos os seus papeis ;
mas nunca se acharam documentos que compro-
vassem estas accusações, à nãc ser as declarações
le certas pessoas que, todavia, nunca combina-
— 190 —

ram perfeitamente. Dos presos fôram mettidos à


bordo de uma embarcação o capitão-mór José
Joaquim Barbosa, João Franklin de Lima, Bellar-
mino Bezerra de Menezes, Jose de Castro Barbosa,
Bernardo Antonio da Silveira, Antonio Tavares da
Luz,sendo estes dous ultimos agentes subalternos,
co padre Verdeixa. A viuva do major Facundo
foi também presa, e guardada à vista em sua.
casa. O chefe de policia Dr. José Vicira Rodrigues
de Carvalho c Silva organisou-lhes os processos, €
pronunciou-os todos no crime de tentativa de -re-
bellião. o
Emquanto se davam estes factos na capital,-o
Dr. José Lourenço de Castro e Silva chegou do Rio
de Jadeiro à Pernambuco, onde se entendeo com
os seus correligionarios dali, assentando-se que
seguivia para ocentro com uma porção de homens
armados c com um seu correligionario do Piauby,
de vome Lívio Lopes de Castello Branco, afim de
tentarem uma sublevação no Cariry.Partiram com
effoito parao Ext, povoação da provincia de Per-
nambuco, situada ao pé da fralda meridional da
Serra «dó Araripe, quasi em opposição ao Crato; e
ahi encontraram os alferes Thomaz Lourenço de
Castro € Silva, Canuto Jose de Aguiar, Childerico
Cicero de Alencar, filho de Tristão, Antonio Ferrei-
ra Lima Sicupira, e outras pessôas mais que ti-
nham elles reunido no Cariry; neste ponto osta
beleceram o seu quartel general. o
O rompimento devia manifestar-se no Crato,
Quixeramobim e Imperatriz, onde prevalescia a
opposição, e d'ahi estender-se à Sobral, Granja,
Cascavel e ao resto da provincia. Em Sobral es-
tacionava uma força respeitavel, composta do
córpo policial e da guarda nacional destacada; e
— 1B1 —

no porto da capital estava um navio apparelhado


e prompto para conduzir o presidente para lá, no
caso de tornar-se necessaria a sua presença ali,
no intuito de acudir ao norte da provincia. No
Crato existia reunido um destacamento de 80 pra-
«as de tropa de linha com guardas nacionaes des-
tacados; e além disto fôram expedidas ordens à
guarda nacional do Icó, S. Matheus, Unhamuns,
Piauhy, Jardim ce outros lugares da circumvisi-
nhança, de estarem de promptidão à marchar para
o Crato ao primeiro signal de rompimento. Em
Quixeramobim, finalmente, foi collocado um des-
tacamento de 40 praças de 1.º linha, para obser-
var e contêros descontentes da Serra Azul e do
Setia.
Os agentes do Exú passaram então a occupar a
Quixaba, fazenda do senador Alencar n'esta pro-
vincia; e as autoridades do Crato, sendo avisadas,
mandaram à toda pressa um destacamento para
sorprchendel-os, mas este não pôde mais alcan-
cal-os, visto que fôram elles instruidos disto à
tempo, D'esse ponto tambem seguio para o Exu ou-
tro destacamento, o qual não chegou a seu destino
por haver retrogradado, em consequencia de ter
sido acolhido na descida da ladeira por um fôgo
de. guerrilhas, admiravelmente postadas n'esse
desfiladeiro, para dominarem o caminho, sem se-
rem encommodadas, nem, tão pouco, poderem
ser atacadas.
Os sediciosos tinham no Exu pelo menos 200
homens: 60 que trouxeram de Pernambuco ou
reuniram em caminho, 40 que lhes levou o alferes
Canuto José de Aguiar, e 100 que lhes enviou o
ex-commandante superior Francisco Xavier de
Souza. Contavam igualmente com o coronel Ma-
— 192—

nogl de Barros Cavalcanti, homem de grande in-


fluencia em todo o Cariry: este porém declarou
elfectivamente estar prompto à cooperar com
os meios ao seu alcance, para tudo quanto delle
reclamassem, menos para pegar em armas
contra o imperador e rebellar-se contra a sua
autcridade. Sem este concurso os sediciosos
nada podiam alcançar, nem lhes era mesmo possi-
vel tirar mais auxilios do Cariry; esta decisão,
portanto, demoveo-os e fêl-os arrefecer em seu
intento.
O presidente, depois de ltaver-se collocado
numa prudente expectativa, afim de ver de que
lado se manifestaria o maior perigo, e reconhe-
cendo afinal que era o Crato o ponto mais melin-
droso (da situação, resolveo marchar pessoalmen-
te para là com as forças que podesse distrahir,
sem descobrir os outros pontos. Partio, com ef-
“feito, n'essa direcção à 2 de agosto de 184%; mas,
ao chegar a S. Bernardo, recebeo a participação
da retirada dos rebeldes do Exu, e do seu conse-
quente debandamento. Isto posto, ahi se conser-
vou por 10 dias, até confirmação positiva das pre-
cedentes noticias, o que realisado, desceo para o
Aracaty, onde recebco depois de dous dias com-
municação de ter apparecido em Granja um grupo
de sediciosos, sob o mando de Ignacio Pessõa;
o qual se hávia dirigido para Camocim, onde
commettéra diversos attentados. A vista d'esta
emergência, voltou S. Exc. á toda a pressa para a
capital; e d'ahi dispunha-se á seguir para aquella
vilta, quando teve aviso da dispersão d'este gru-
po; o qual todavia ainda deo cópia de si, ao de-
pois, mas antes com o caracter de salteadores do
que dé sediciosos.
— 168—
No entanto foi mandado à esse ponto o chefe de
policia. Pr. José Vieira Rodrigues de Carvalho e
silva, que voltou em dezembro, dando parte de
ter percorrido a comarca em todos os sentidos, é
restabelecido n'ella o socego e a tranquillidade.
Por essa occasião reclamou, como urgentemente
necessarias, medidas de conciliação para acalmar
os rancores dos partidos, produzidos pelas dissen-
cões passadas entre os moradores da comarca.
N'esse mesmo anno de 1842 procederam-se as
cleicões provinciaes, e quasi todos os deputados
fôram eleitos na parcialidade do governo ;o que
produzic que os trabalhos legislativos, que prin-
cipiaram em setembro do mesmo anno, marchas-
sem de harmonia com a presidencia, e não ap-
parecesse nas discussões incidente algum que
mereça especial menção, a não ser o espirito reac-
cionario, que todavia era de esperar depois de
crises tão fortes e abaladoóras, suscitadas pelo par-
tido decahido que, se achando n'esta occasião
completamente derrotado, recolheo-se ao silen
cio e a uma inacção completa.
N'essa sessão, por decreto de 10) de novembro,
fôram regularisados os trabalhos da thesouraria
provincial, substituindo os exercicios as gestões
annuas; a 24 creou-se uma comarca na villa da
Granja; a 3 de dezembro creou-se a freguezia
de Santa Cruz e a de Milagres, que o bispo recu-
sou prover, por não ter sido consultado pela as-
semblca; e a 10 foi decretado que os proprietarios
de açudes feitos no tempo que decorreo de 25 de
agosto de :832 até 9 de janeiro de 1840, apresen-
ta sem os seus titulos à thesouraria para ser reco-
nhecida à divida.
A matriz da freguezia de SanfAnna do Acaracu
foi transferida para a capella de Nossa Senhora da
Conceição, na barra do Acaraci; ca lei do orça-
mento lixou a despeza em 137:3208990 rs.; sendo
tinalmente revogadas todas as leis das legislaturas
passadas, e restabelecidas outras que haviam sido
revogadas.
Teve lugar tambem a eleição para deputados à
sexta legislatura geral, da qual sahiram vencedô-
res os governistas, sem estórvo algum da parte
da opposião, que abandonára 0 campo eleitoral
em quasi todos -os collegios da provincia. Fóram
eleitos os Srs. Miguel Fernandes Vieira, padre José
da Costa Barros, Manoel José de Albuquerque, 4n-
dre Bastos de Oliveira, Francisco de Souza Mar-
tins, Antonio Jose Machado, padre Antonio Pinto
de Mendonça,e brigadeiro Jose Joaquim Coelho,
Em janeiro de 1843 já toda à provincia gosava
de socego e tranquillidade A apposição, tendo
sido completamente derrotada em sua tentativa
de sublevação, depozera quasi toda a sua arro-
gancia primiliva, c apenas lastimava a situação
dos seus chefes, presos ce processados pelos acon-
tecimentos da capital e do Exu.
A 43 de março de 1843, o presidente
Jost Joa-
quim Cpelho retirou-se para Pernambuco, pas-
sando à administração ao vice presidente Joa-
quim Mendes da Cruz Guimarães que, à 2 de
abril, a entregou ao presidente nomeado, o briga-
deiro José Maria da Silva Biltencoul que viera da
corte.
Encontrou o novo administrador a provincia já
completamente pacificada; e d'então cm diante o
desapparecimento gradual as dissenções e a mar-
cha dos negocies, que veremosir regularisando-se
pouco à pouco, deram espaço à fruectificarein
— 195 —

as importantes reformas decretadas pela assem-


bléa geral,reformas destinadas por ventura não só
à ;mofidicar no seu complexo a sorte do Brazil,
como à communicar-lhe um vital impulso. -
- Estes grandes resultados não podiam ser a obra
do momento, mas sim do andar dos tempos, e
sobretudodo socego das províncias do imperio,
combinado com a regularisação da marcha das
diversas administrações ; e um dos maiores obs-
taculos, que ainda continvarã por algum tempo
a estórvar a marcha dos progressos, ha de sera
grande exaltação dos partidos políticos; que to-
davia verêmos ir modilicando-se, moderando-se
progressivamente sob os esforços dos homens
mais sensatos. e eminentes na politica. O bom
senso da nação, finalmente, comprechendera esta
necessidade, e submetter-se-lba à ella pouco €
pouco, guisido pelo seu imperante.
No interior da província, para os confins da
treguezia da Jardim,e extrêmas desta comas pro-
vincias da Parabyba e de Pernambuco, existiam
ainda algumas tribus, que viviam no estado sel-
vagem, errando pelas florestas pouco frequenta-
das, que cobrem as serranias que dividem as ver-
tentes «dessas tres provincias; eram essas tribus os
Chocós, os Quipipans e os Humans; as quaes,
achando-se por esse tempo em dilficuldades para
se poderem sustentar do simples producto da
caça, iam furtando o gado das fazendas circum vi-
sinhas, cujos donos, sendo prejudicados por esses
furtos continuados, empregavam todos os meios
para perseguil-os-ou destriuil-os. Nesse intento,
convidavam as autoridades das tres provincias
contiguas à cercarem os bosques, quando o verao
os despia das fólbas, e assim tentavam prender os
— 196—
cabócios que achassem:; mas, como era isto tare-
fa difficil e perigosa, por causa da agilidade:e
valentia d'estes filhos da natureza, de preferencia
matavam-n'os à tiros como féras. Alguns fazen-
deiros haviam que, sem recorrerem às autorida-
des, levavom a ferocidade ao ponto de ir ca-
cal-os com seus ageregados, como se cançam
as onças; e os matavam sem fórma alguma de le-
galidade!
N'esta época as perseguições redobraram con
tra elles, em consequencia de um facto mui luc-
tuoso, que mencionaremos neste trabalho, ainda
que não se désse n'esta provincia; porque foi
compartilhado por muitos habitantes d'ella, e
tambem pelos cabócios, de que acabamos de fal-
lar; este facto é o que se refere ao famigera(lo yei-
no encantado, improvisado no termo de Pagelu.
Um cabócio civilisado, chamado João Antonio,
oriundo da provincia de Minas, viera para Page-
hi, onde permanecia já ha algum tempo; era do-
tado de uma imaginação ardente, e tinha muita
facilidade para exprimir seus pensamentos, o que
acompanhava sempre de muilo fógo, e de não
menos acção, Estava, ou anes tingia-se estar
lanatizado pela legenda portugueza, relativa à cl-
rei D. Sebastião, a qual inculca não haver morri-
do esse principe na sua expedição contra os
Mouros (Fáfrica; devendo por conseguinte tor-
nar a apparecer, cercado de gloria e de gran-
dezas. Ora, clle narrava esta predicção à gente
simples «aquelles sertões que o escutava com
avidez, e isto ainda mais excitava o seu enthusias-
mo; de modo que, à força de repetir sua historia,
cada vez mais enfeitada, conseguio persuadir os
vuvintes de sua realidade. Alguns homens fize-
= 197 —

ram-se seus neophitos, mas muito maior foi o nt-


mero de mulheres que adoptaram suas idéas, e
que entraram a procural-o à cada momento. Di-
zem alguns contemporancos, moradores em Pa-
gehú, que todo este manejo de João Antonio não
finha outro fim senão fascinar suas ouvintes, afim
de com ellas poder da expansão à seus instin-
ctos lubricos; porém, qualquer que fôsse o seu
intuito, o que é verdade, é que proseguio na sua
obra.
N'uma ramificação da Serra Talhada, que deve
este nome à sua configuração, pois que são suas
fraldas formadas por altos talhados, existo um
sacco bastante vasto e igualmente todo cercado
em roda pelos mesmos talluulos, excepto na en-
trada, que é muito estreita c apertada. No recinto
d'este sacco ha uma pedra de forma pitoresca
denominada Pedra Bonita, que tinha dado nas vis-
tas do novo sebastianista, e parceco-lhe, azada a
seus fins; essa pedra foi, portanto, por elle in-
culcada como a séle do encanto; € assim entrou
a persuadir que, para quebral o, fazia-se pre-
ciso banhal-a em sangue humano, e, sobretudo,
em sangue de meninos como o mais puro.
« N'essesaceo de serra, pois, reania clle os seus
fanaticos proselytos; e subindo à Pedra Bonita que
tomava por pulpito, d'ahi annunciava ao seu au-
ditorio que O reino encantado não lardaria a se
desencantar, se sobre a pedra fizessem-se os sacri-
ficios humanos exigidos; e que D. Sehastião então
appareceria, trazendo a seu lado as victimas im-
moladas por amor delle, cheias de bens € de
felicidades «no estender-se-liam aos paes aque
as tivessem votado ao cutello expiatório. Esta
impostura, por mais grosseira que fósse, persua-
— 195 —

dio, todavia, para logo algumas mães, que en-


tregaram os proprios filhos, aos quaes o nefando
sacerdoto degolou, a vista dellas mesmas, sobre
a pedra, a qual untou com o sangue d'essas vT-
climas. O exemplo foi contagioso; pois, nos dias
seguintós, outras mães fóram levar seus filhos ao
sacrificio, c com pouco as victimas affluiram em
abundancia, sendo ageitas € sacrificadas em se-
sulla. Avaliam-se em perto de cem os sacrifi-
cios que se consumimaram, a ponto do sangue
derramado, e dos cadaveres em decomposição
neste recinto humido, chegárem a um estado fal
“e pulrelacção, que não sc podia supportar q fe-
tido que exhalavam.
tão horrendo espectaculo, em vez de afugentar
os assistentes, fazia-os persistir sob a obsessão
de tão cruento fanatismo; e foi, além d'isto, ex-
eitando cada vez mais a curiosidade dos povos
ignorantes «ue eram tambem aftralbidos pelo de
sejo de tomar parte nas copiosas libacões de
aguardente, que sempre succediam acarnificina ;
de modo que as teibus de indios, de que acima
falamos, deixaram suas florestas e vieram igual-
mente assistir ao desencanto del-Rei D. Sebastião.
4 aluencia ia em progresso, e como não bouves.
sem recursos para a sustentação de tão copioso
adjuncto, entraram a furtar o gado das fazendas
civeumvisinhas, que pertenciiun em parte aos Pe-
reiras, familia rica e numerosa de Paget.
Avisados estes dos acontecimentos do sacco da
Petra Bowita, convieram em reunir cada um de
per si agente armada que podesse arranjar, pa-
reirom dispersar aquele adjunto,
Neste intento aprasaram dia e hora para se reu-
nirem todos a um tempo no dito lugar, afim de,
— 199 —

combinados, tomarem o saceo; mas dóus dos ir-


"mãos adiantaram-se, e chegaram antes dos ou-
tros, com gente insufficiente para resistir ao ajun-
tamento de pôvo fanatisado, que ali existia em
grande quantidade.
João Antonio excitou então seus companheiros à
resistencia, e entrando elles em lucta com a gente
dos dous irmãos, foi esta batida, € ambos suc-
cumbiram aos golpes dos cabóclos que, ufanos da
victoria, e em solemnisação della, entregaram-
se à embriaguez; e assim, quando chegaram os
outros irmãos Pereiras, deparando com os ca-
daveres cos dous mortos, tomararn a entrada do
sacco, e com facilidade cahiram sobre os vence-
dores embriagados, aos quaes assassinaram com
indizivel sanha, em grande numero, poupando
apenas algumas mulheres que ahi ficaram ao des-
amparo.
Todavia, quasi todos os cabóclos lograram fu-
gir em rasão de sua agilidade natural, tornando
para as florestas, às quacs estavam accostuma-
dos; e João Antonio, podendo tambem escapar
à morte n'esta occasião, poz-se em retirada pa»
ra a provincia de Minas; mas, ainda em caminho,
foi alcançado c assassinado por emissarios dos
Pereiras, mandados em seguimento delle.
O prefeito de policia de Pagehu, Coronel Fran-
cisco Barbosa Nogueira Paz, informado destes
acontecimentos, requisitou força da guarda na-
cional; e, à testa de um forte destacamento, mar-
chou para o sacco da Pedra Bonita, poucos dias
depois do ataque dos irmãos Pereiras, e achou-
o juncado de cadaveres insepultos, não só das
creanças sacrificadas, como das victimas da vin-
gança «os Pereiras. E pais, mandou-os enterrar
— 200 —

“por um miissionario-que o acompanhou, e igial-


mente entregou a seus cuidados umas trinta ou
quarenta viuvas e orphãos, que ahi haviam tica-
do sem amparo e sem recursos; e, em seguida,
deo parte de tudo isto ao Presidente de Pernam
buco, Francisco do Rego Barros, posteriormente
Viscontle da Boa-Vista.
Esta parte curiosa foi inserida num Diurio de
Pernambuco de 1837 ou 1838, onde tivemos oc-
casião de a lêr.
Acompanhava a João Antonio, servindo-lhe de
acolvto, um cabra das visinhancas do [có, cujo
nome óra não nos occorre; o qual foi morto na
occasião do ataque da Pedra Bonita, a
Os irmãos Pereiras juraram sobre 'os cadaveres
de secos irmãos, que haviam de vingar-lhesa mor-
te com a perseguição e destruição dos indios;
e fóram fléis com effeito a este juramento; com
especialidade um «elles, o Coronel Simplici io
Pereira da Silva que, fixando sua residencia na
Vila da Barra do Jardim, desta provincia, d'ahi
constituio-se verdadeiro carrasco dos cabócios;
dos quaes matava como a féras em toda parte
em que os encontrava, usando para este fim da
traição e de todos os meios, quaesquer que elles
fóssem, com tanto que cumprisse o seu fatal ju-
ramento,
Os cabócios, assim perseguidos pelo Coronel
Simplício, e mesmo pelos fazendeiros cujo gado
elles comiam, deixaram as florestas, e em refens
das mortes que n'elles faziam, entraram a rou-
bar casas € viajantes, commeitendo nas provin-
cias visinhas excessos funestissimos, pois assas-
sinaram muitas pessoas as quaes sorprehendiam
em casas isoladas.
— 201—

Os moradores da freguezia do Jardim deram


parte do occorrido às autoridades locaes; e es-
tas, à instigação do Coronel Simplício, levaram-
n'o ao conhecimento do Presidente, exagerando
sobremodo os factos.
- Os termos visinhos às fronteiras das tres pro-
vincias mandaram fortes destacamentos de guar-
da nacional, para reprimir a sanha dos cabôclos :
eo Presidente recommendou aos commandantes
das tropas, que fez seguir para o centro, que em-
pregassem meios brandos, e não recorressem ao
emprego da força armada, senão nos casos extrê-
mos; mas estas recommendações não fôram se-
guidas a risca, e muitos d'eltes fôram ainda im
molados.
- No discurso de abertura da assembléa provin-
cial d'esse anno, o Presidente fallou ácerca d'es-
tes acontecimentos, e apreciou bem e exactamen-
te o estado das cousas; declarando que «o caso
occorrido era filho de erros antigos, c que uma
politica semelhante à que tiveram os sabios da
companhia de Jezus, podia ainda remedial-os.»
Em virtude d'isto, os deputados restabeleceram
o directorio dos Índios, que fôra creado por acto
de 3 de Maio de 1757, e autorisaram o governo
a fazer o regulamento necessario para à sua exe-
cução ; assim como a alterar as disposições d'este
directorio que se achassem em antinomia com a
constituição do imperio, e com as leis do estado.
Mas este decreto, datado de dias do mez de agos-
to, não foi cumprido porque o governo geral to-
mou a seu cargo a importante incumbencia, que
lhe fôra commettida pela assembléa geral, de ca-
thechisar e civilisar os Índios.
— 202 —
Foi restabelecido, pois, pelo ministerio o dire-
ctorio, o qual foi em seguida installado n'esta pro-
vincia, sendo nomeado director geral o Capitão-
mor Joaquim José Barbosa. No Jardim foi incum-
bido dessa missão o maior inimigo dos Indios,
o Coronel Simplício ; sendo, por conseguinte, bem
triste a lembrança dessa nomeação, que deo-lhes
antes um carrasco do que um administrador. To-
davia, bom ou mão grado «elles, conseguio reu-
nilos em aldeia, perto d'aquella villa, onde se
conscrvaram até o anno de 1846, épocha calami-
tosa em que, havendo falta absoluta de meios pa-
ra sustental-os, fóram autorisados a retirarem-
se para onde melhor lhes approuvesse, afim de
provérem aos meios ie sustentar a sua existencia,
como lhes fosse possivel. Voltaram então outra
vez pura as Norestas,
Quando o Coronel Simplicia promovia o aldeia-
mento, valco-se do Major Manoel José de Sousa,
do Cuité, para se pôr em relação com os indios
Chocos; porque estes depositavam n'elle muita
contiança, e frequentavam a fazenda de sua re-
sidencia. Este majór clhamou-os com promessa
de toda a segurança, e elles vieram a seo chama-
do conferenciar com q Coronel; mas o chefe d'el-
les, não obstante as instancias que se fizeram,
nunca conscntio em apresentar-se sem armas,
conio se lhe exigia.
O Coronel instou, fez todos os esforcos n'essa
oceasião para obter que elle fósse com sua gen-
te para a aldeia; e como a isto sómente recebos-
se recusas, despeitado, agarroú-o pelo couro da
barriga, e puchou-lh'o com força, dizendo:
—E porque não fe queres aldeiar, capitão ve-
lhaco?
— 203 —

Ão que este, fazendo-lhe o mesmo, retorquio-


lhe com furor cem grito:
— Porque tú tambem és um capitão velhaco.
“Simplicio temado de cólera, prorompeo n'es-
tas palavras;
— Nunca consenti que pessõa alguma me tra-
tasse d'esta maneira, quanto mais um cabócio|
E falando assim, levou a mão ao punhal, quan-
do o chefe índio, que o observava coin aitenção,
deo um pulo para elle,c ter lhe-hia desfechado
um golpe mortal, antes que elle houvesse tido
o tempo de lirar seu punhal, sco Major Manoel
José se não collocasse entro ambos, c assim con-
tivesse o Índio. Ainda o Coronel instou com o
Major para que deixasse matar o chefe indio;
mas este invocou a boa fé das convenções, em
virtude das quaes os indios tinham vindo ao «pon-
tunento; c mesmo, declarou que todo o ataque
feito aos cabócios, tomava-o como feitoà si pro-
prio A" esta rosoluçã ão Simplício, virando-se para
o capitão índio, lhe dissse:
—Agradeça ao Sr. major o sahir vivo d'aqui.
Elle + é que, entretanto, devia-lhe agradecer a
vida; pois 0 capilão tel-o hia morto n “aquele
momento, sem a intervenção (do Major, pondo-so
seguidamente a salvo.
Sem embargo, porém, logrou-se sempre de ou-
tra vez que os Chocos fóssem viver na aldeia;
e della sómente sahiram em 1846, com os demais.
Ora, como n'quella occasião 9 Coronel Simplício
não tivesse podido tomar vingança, adiou-a para
outra, à qual soube procurar. Alguns annos depois
o vaqueiro da fazenda Pinhanço, pertencente à
uns erphãos, sobrinhos do Coronel, que era ao
mesmo tempo tutór d'elles, sentindo falta no ga-
— 904 —.
do de seus amos, accuso: aos cabócios de serem
os ladrões. o que chegando-lhes ao conhecimen-
to, dirigiram-se à casa da fazenda com o fim de
tomarem ao referido vaqueiro, de nome Felix,
uma satisfação por semelhante imputação. Felix,
porém, não fui encontrado; e, retirando-se el-
les. deixaram dito que voltariam; cisto cum-
priram, havendo até quem diga que fôram cha-
macios d'esta vez, na qual ainda dco-se Felix co-
mo ausente, ao passo que estava esconidido em
casa com gente armada, tendo aberto frestas nas
parêdes para observar o que se passava. Lonvi-
dados então os cabôcios a entrar para comerem,
recusaram aceitar o convite; e, quando isto fa-
ziam, reecberam uma descarga que matou-lhes'o
capitão, e mais outro individuo; sendo este capi-
tão o mesmo que quizera matar o Coronel Sim-
plício em casa do Major Manocl José. Foi pois
assassinado, traicociramente, por aquelle va-
queiro.
Relatâmos este episodio, todo privado, porque
elle caracterisa bem o Coronele suas victimas, os
pobres cabócios.
O directorio dos Índios, restabelecido n'esta
provincia, durou pouco. Não havia mais Índios
a aldeiar, senão as tribus de que já fallâmos.
Os bens das antigas aldeias tinham sido inva-
didos por novos proprietarios, que já se achavam
de posse «elles de longa data; houve ainda li-
tigios a este respeito ; mas como o governo geral
reconhecesse, por fim, a pouca conveniencia d'es-
sa creação em certas provincias, revogou a lei re-
lativamento a cllas, cotrando o Ceara neste nu-
mero, em 1848.
— 205 —
No 1.º de Julho de 1843 0 Presidente abrio a
sessão da assembléa provincial, que trabalhou
dous mezes de infelligencia com elle; no seu re
latorio tratou do levante dos Indios.
Uma lei de 25 de 4gosto do anno de 1832, havia,
com o fim de promover na provineita constrac-
cão de agudes, concedido aos proprictarios que
os fizessem em certas e determinadas condições,
premios pecuniários : os quaes não 1ôram toda-
via realisados, não obstante as reclamações in-
cessantes dos particulares que se haviam con-
formado com o disposto na dita lei, que cessou de
ter vizôr sómente em 1840. Em virtude dessas
numerosas reclamações a assembléa provincial
decretou que todos os possuidores de açudes cons:
truidos de 1832 à 1840 houvessem de enviar os
seus titules comprobatorios à fhesouraria provin-
cial, afim de serem examinados, verificadoo direi-
to, cadivida provincial reconhecida. Esta medida,
aliás de justica, despertou a cubiça c a esperteza
de muitas pessõas que, sem haverem cumprido
as exigencias da lei, se fizeram credoras da fazenda
provincial, valendo-sedo compadresco para obte-
rem titulos immerccidos, que não conseguiriam,
se não houvesse combinação entre o requerente
e as autoridades encarregadas de fornecêl-os.
Para obviar pois estes abusos, a assembléa n'es-
ta sessão de 1843 decretou, no |.º de Agosto, que
não seria reconhecida a divida sem uma nova
vistoria dos açudes, feita no praso de um aano
por pessoas idoneas, nomeadas pelo governo, as
quaes, à vista do açude, do seu estado, e dos
titulos apresentados pelo respectivo dono, deci-
diriam se estava ou não no caso de ser este con-
templado credor da provincia.
-— 206 —

Este alvitre, de um alcance notavel, não teve


todavia todo o elleito que se podia esperar d'cl-
le; porque ainda houveram juizes, n'estas ques-
tõces, que abusaram da confiança da governo, €
deixaram-se levar por contemplações de cama-
radagem c politica, para dar ou negar os titulos
de habilitac ão; com tudo elle deo como resul-
tado, à diminuir o grande numero de pretenden-
tes à percepção desses premios.
A propria assembléa tem até hoje, porém, per-
petuado por si esse estado de abusos no cumpri-
mento «essa lei, pelo ffacto d> mandar pagar
premios a certos privilegiados sem haverem-se
elles submettidoà revisão exigida pela de 1843;
de módo que, talvez, não tenha havido uma le-
vislatura que não haja concedido alguma graca
estas. Este negocio tem sido eltectivamente,
para a provincia, um cancro roedor das suas
rendas.
N'esta sessão é que decretou a assemblea o res-
tabelecimento do directorio dos Indios, que O
governo geral chamára a sí: e à lei do orçamen-
to votada autorisou o presidente a gastar a quan-
tia de 124:318$700 rs.
Em virtude de uma ordem do fhezouro, com
data de 6 de Abril d+ mesmo anno de 1843, deo-
se andamento à edificação de uma nova casa de
alfandega, em substifuica o à velha, que era de
masiadamente acanhada, achava-se arruinada,
ticava distante do desembarque. por causa da in.
cessante invasão das areias sobre o mar. Os ah.
cerces (esta nova construcção Linharm sido prin-
cipiados a 30 de Agosto de 1819, na administra-
cão e sob a direcção do governador Manoel Igna-
cio de Sampaio—continuados e concluídos a 16
— 207 —

de Abril de 1821, por seu successor Francisco


Alberto Rubim. A obra ficou suspensa até 7 de
Outubro de 1843, dia em que o presidente con-
tratou a sua edificação com particulares, pela
quantia de 18:570$8000 rs.
O serviço andou com presteza, a ponto de mu-
dar se a repartição para ella em fins do anno se-
guinte; mas só ficou inteiramente concluida, e
foi aceita pelo governo, a 28 de Maio de 1845.
Os alicerces haviam custado 1:5728850 ra.
Começou o anna de 1844, achando-se ainda à
testa da administração o Brigadeiro José Maria
da Silva Bittencourt. Os principios do anno pas-
saram-se sem novidade, sem que a opposição
acompanhasse, ou n'esta provincia repercutisse,
o grão de exaltação a que tinha chegado a op-
posição pruieira er Pernambuco. Mas tendo sido
dissolvida em Maio a asseriblca geral, em virtude
da mudança de politica, e da ascenção ao poder
do ministerio 2 de Fevereiro, ou Almeida Torres,
predispozeram -se as partidos para a lueta elei-
toral, que se estava preparando.
Os saquarêmas, à testa dos quaes achava-se o
Dr. Miguel Fernandes Vicira, separaram-se ou di-
vidiram-se em dous campos. Grande parte dos
membros mais illustres d'esse partido, resentin-
do-se de que o seu chefe sômente dispozesse
de todas as posições mais importantes para mem -
bros de sua familia, em detrimento do resto dos
seus correligionarios, intentou crear um novo
partido, que denominou-se— Partito do Meio ou
Equilibristu , de pessõas importantes na
— composto
politica, mas que não tinham as massas à seu
favor. Os motôres d'esta seisão fôram os Srs. Ma-
noel José de Albuquerque, Visitador da Provin-
— 208—

cia Padre Antonio Pinto de Mendonca, Commen-


dador Joaquim Mendes da Cruz Guimarães e Dr.
Manoel Seares Bezerra de Mezezes.
Na presença destas oceurrencias, c por fórça
des desgostos dellas provindos, a familia Cami-
nha, que no Aracaty occupava as posições offi-
ciaes na policia, deixou-se levar a deploraveis ex-
cessos com o fim de esmagar ou desconceituar
os «dissidentes, que ahi tambem occupavam todos
os empregos na magistratura, e na guarda nacio-
nal; de mancira que o proprio Presidente, -no
seu relatorio apresentado à assembléa provincial,
deo conta deste farto da maneira seguinte:—«A
«segurança individual foi tambem ultimamente
«atropelada no aracatyv, se bem que por meios
«menos horrorosos € por ventura favoritos neste
«lugar, onde se inslauraram processos criminacs
«acintosos € extralegaes, que comprometteram
«as autoridades judiciaes e policiaes, estas como
«autores, as outras como reéos. Estes aconteci-
«mentos occasionaram as oronuncias do juiz de
«Direito da Comarca Joaquim Jose da Cruz Séc-
«co, dos dous juizes municipaes, do comman-
«dante superior da guarda nacional, de um che-
«fe de legião, e de mais cinco cidadãos; os
«quaes, à excepção do primeiro, que se achava
«uusente, fóram reculbidos à sala livre da prisão
«publica, d'onde sahiram por habeas-corpus e fian-
«çãs»
O Presidente declarou por esta occasião que
déra as providencias legaes, que requeriam pro-
cedimentos tão reprehensiveis; demittio o pro-
motor e algumas autoridades policiaes, e influio
para que fôssem despronunciados os implicados
em tão monstruoso processo. Na Granja deram-
-— 209—

se lactos quasi identicos, aos quaes acudio tam-


bem o governo.
Abrio-se no 1.º de Julho a assembléa provin-
cial, cujos trabalhos não apresentaram grande
interesse; mas por decreto de |5 creou-se um
Iycêo na capital, composto das cadeiras de philo-
sophia, rhetoricae poctica, aritimetica, geome-
teia c trigonometria, geographia, latim, francez
e inglez; por outro do 1.º de Agosto autorisou-
se o Presidente a dar principio a edificação do
cemiterio, junto ao morro do Croatá, na capital,
para enterramentos que até então se faziam nas
igrejas ; e, finalmente, a despeza do anno seguinte
foi fixada pela lei do orçamento em 123:6578332.
No fim do anno procederam-se as eleiçóss para
a deputação à assemblea geral, e cllas fóram dis-
putadas em certas localidades, onde havia nu-
mero mais avultado de equilibristas. Realisaram-
se muitas duplicatas, mas, afinal, venceram os
saquarêmas puros que tinhama seu favor a ca-
mara da capital.
No Aracaty houve então grandes disturbios.
Os equilibristas ligaram-se aos chimangos e der-
rotaram os Caminhas, que se achavam à testa dos
saquarêmas, depois de rixas na matriz e de não
pequena elfuzão de sangue, sem que todavia d'cs-
ses conflictos resultasse morte alguma. Porém,
para apartar os. contendentes, foi mister que o
commandante da força mandasse dar descargas
ao ar; com o que logrou-se o fim desejado, por-
quanto, ao estampido dos tiros, todos desampa-
raram a matriz e procuraram pôr-se a salvo. No
entretanto, cada partido fez a sua eleição: os equi-
libristas na matriz, e os saquarêmas na capella
dos Prazeres.
— 210—
Nesta situação o Presidente e o Chefe de Policia
dirigiran-se à essa localidade com o fim de acal-
mar a effervescencia «dos espiritos; .mas-o que
e certo é ques. Exc. foi o motôr mediato, senão
directo de taes eventos pela. dobrez desceu pro-
cedimento na sua correspondencia, na qual dava
tudo a esperar aos dous partitos, cujos interes-
ses favoncava altêrnativamente, reservando se
no entanto para unir-se aos vencedóres depois
da lucta; pois sabia que cra candidato de ambos.
Da apuração geral resultou serem cleítos «e-
putados os Srs, Dr. Miguel Fernandes Vieira, Dr.
Antonio José Machado, Dr. André Bastos de Oli-
veira, Brigadeiro José Maria da Silva Bittencourt,
Dr. Francisco de Sousa Martios, Dr. José Pereira
da Graça, De. Raymundo Ferreira de Araujo Lima
e Dr. Jeronymo Martiniano Figueira de Melló.
Nos primeiros dias de Dezembro chegou à ca-
pital o novo presidente nomeado, Tenente-Coro-
nel Ignacio Correia de Vasconceltos, que tomou
posse ut do n.eesmó mez; e, poucos dias depois,
deixou a provincia.o Brigadeiro Jose Maria da
silva Bittencourt para ir tomar assento na ca-
mara temporaria, como deputado, seguindo
igualmente os seus collegas de deputação, por-
quanto a assemblea bavia sido convocada para
Janeiro «de 1845. Esta com elfeito reunio-se n'este
mez, e n'elle mesmo fôram annulladas as clei-
coes do Ceará; e o governo marcou o dia6 de
Agosto para se procederem as novas. Os depu-
tados cujo mandato: foi assim nullificado, antes
de voltarem para a provincia, fizeram um sole-
me protesto na córte, € o apresentaram à assem-
bléa, que o desprezou e confirmou a sua annul-
lacão.
— 2 —
O novo presidente, que já o tinha sido nosannos
de 1833 e 1834, veio tomar conta dos negocios
em circumstancias pouco lisongeiras.. Teve de
ceder ou, antes, obtemperar as exigencias dos
thimangos, que contando com o governo por si,
reputando-o seu, reclamavam a demissão em mas-
sa de todos os empregados do partido decahido;
mas não o fazendo elle à medida d'gsses dezejos,
por isto não póde grangear as sympathias com-
pletas de todos os seus correligionarios.
Nesse entretanto chegou o tempo marcado para
as novas eleições, as qtiaes correram sem novi-
dade. Todavia, na cidode do Icó, os saquarêémas,
capitancados pelo Dr. Raymundo Ferreira de
araujo Lima, e contando com o apoio vu, pelo
menos, com a não intervenção da força armada
commandada pelo Major José Feljx Bandeira, que
parecia haver mudado de opinião politica, espa-
lharam adrede, pouco antes do começo dos trabi-
lhos eleitoraes, à noticia de uma mudança de mi
nisterio no sentido favoravel a seus interesses ; €
para persuadir à sua gente, que queriam que to-
masse parte na cleição, percorreram as ruas da
cidade com uma banda de musica à frente, e por
entre ovações ao phantasma de gabinête que li.
nham idéado. Esta manobra sendo communicada
para a capital, assustou O governo, que expedio
immediatamente um novo destacamento sob as or-
dens do Major Thomaz Lourenço de Castro c Sil-
va, commandante do corpo de policia, e official
da confiança do governo; o qual chegou a tem-
po ainda de prevenir e neutralisae o cifeito d'essa
estrategia da opposição, o
As eleições ellectuaram-se com socego em toda
a provincia, porque a uvpposição não tendo pro-
— 212 —

habilidades de ganhar, limitou-se à tentativas,


procurando somente dar mostras de que tinha
uma superioridade numerica; mas, reunindo-
se aos chimangos os equilibristas, isto decidio do
resultado. Contavam estes n'este tempo um gran-
de numero de partidarios, que se separaram c
voltaram aos seus antigos correligionarios, quan-
do os chefes se ligiram ao Senador Alencar na
córtc; porquanto, se convinham c consentiam
mesmo em combater certas prepotencias do seu
partido, não queriam comtudo liga alguma com
o Senador Alencar, por consicderarem este acto
como uma renegação das suas opiniões.
Foram eleitos deputados: o Visitador Antonio
Pinto de Mendonça, Dr. João Fernandes Barros,
pe. Menocl Soarês Bezerra de Menezes, Vigario
Curtos Augusto Peixoto de Alencar, Dr. Prederico
Augusto Pamplona, Dr. Joaquim José da Cruz Séc-
co, Vicente Ferreira. de Castro Silva e Padre José
da Costa Barros; isto é: quatro chimangos € qua-
tro equilibristas.
Por morte «deste ultimo tomou assento O pri-
meiro supplente Padre Thomaz Pompéo de Sousa
Brazil; e igualmenteo segundo Dr. Josê Vieira
Rodrigues de Carvalho.
A assembléa provinciál reunio-se em Julho, e
trabalhou sem opposição em seu seio, pela har-
monia dos equilibristas com os chimangos. O es-
tado pouco favoravel dos invernos precedentes
tinha reduzido as rendas provinciaes ao extrêmo
de ser 0 orçamento da receita lixado, nesse anno,
em 84:051$174 reis. Esta mesquinhez das rendas
provinciaes, as quaes tinham ido sempre em au
gmento crescente « progressivo, desde a primeira
administração do Senador Alencar, chegou a tal
— 213—

ponto que o arrecadado tornou-se insulficiente


para acudir às despezas «da administração, de
modo que fez se preciso que a assembleéa geral
concedesse um supprimento annual dc66:000$000.
Us empregados provinciaes, além «le serem mal
retribuidos, não podiam nunca receber seus or-
denados por falta de fundos, e viam-se assim na
dura necessidade de rebatél-os pela metade ou,
ainda, por menos da metade «e seu valor nomi..
nal, a pessóas que tendo transações .com a the-
zouraria, ahi faziam o encontro d'elles integral-
mente. Esta agiotagem tão prejudicial fanto para
os pobres empregados, como para a província,
já durava ha alguns annos; c semelhante estado
ainda continuou por bastante tempo, como o ve-
remos.
O inverno d'este anno para o de 1846 foi tão
escasso de chuvas, que faltaram completamente
os meios de sustento não so paraa população, co-
ma ainda para os animaes domesticos ; tendo con-
tribuido poderosamente, para fornar a fone mais
horrenda, a grande escacez dos dous annos pre-
cedentes. A população dos sertões, pois, achou
se reduzida aos maiores apuros, e obrigada a sus
tentar-se de vegetacs agrestes e baldos de prin-
cipios nutritivos, quando não continham pro.
priedades nocivas, levando esta situação à pr-
tica de factos horrendos, e de crimes de homi-
cidio, que se tornaram então numerosos, sendo
quasi todos occasionados por questões de ali.
mentos. e o Lo
Não achando os sertanejos mais 0 que come-
rem, abandonaram suas moradas, e retiraram-
se para o Carirv c mais serras humidas da pro-
vincia. Para a capital convergiram mais de trinta
— 214—

mil pessõas, sem recursos c reduzidas cm geral


aum estado de magrêm espontoso. A caridade
publica por si só não podia acudir às precisões
do tanta gente, é o governo à espera das ordens
do ministerio, a quem tinha dado parte do estado
da província, demorava seem davas providen-
cias nrgentemente reclemadas por tão críticas
circunstancias. As mulheres morrendo à fome,
dopois de venderem por quasi nada as ultimas
joias «le ouro que possuiam, entraram a vender
a propria honra, ultima joia que lhes restava;
estabelecendo, homens depravados, sem con-
sciencia nem pucór, em taes conjuncturas, com-
panhias de seducção para attrahirem às suas in-
fames rêdes esses espectros esfaimados, que an-
davam batendo às portas dos abastados, onde
frequentemente cabiam de inanição.
fsual espectatulo representava-se em muitos
pontos do Cariry e do litoral, de modo que a
população dos grandes povoados reeciou ate que
a necessidade impellisse os esfaimados moribun-
dos aos ultimos excessos para com ella; mas nada
disto acontecco, porque os Ccarenses possuem
um fundo de bondade e de docilidade que se não
encontra sempre em outros lugares; caleim (isto,
o presidente mandou, por fim, vir farinha do
Pará c do Maranhão, e a expôz à venda por preço
mediocre; medida esta que, isolada, não podia
ser sufficiento para alliviar a todos os necessita-
dos vindos de fóra, e que não tinham meios pari
comprala.
O capuchinho italiano Frei Seraphbim veio por
este tempo abrir missão na capital Um tal facto
ainda mais altrahio a população para esta, e au-
gmentou a aflluencia dos retirantes, que entraram
— 215 —

a entregar-se ao roubo, ser que o missionario


os podesse contêr. Todavia, póde aproveitar a
nuitos bracos inactivos, dando execução a um
calvario em frenteà matriz, obra ao gosto italia-
no, que eregio por meio de contribuições tiradas
dos ricos, com as quaes pagava o'serviço dos po-
bres, ainda que por um preco mvi insignificante.
N'esta situação afllictiva, bem que fardo, che-
gou por tim da córte ordem ao presidente para
dlispôr dos fundos geraes, afim dc acudir aos po-
bres. Esta medida era urgente, e outro presidente
menos timorato e mais cnergico.já teria lançado
mão «ella, à vista do estado de apuros dos cofres
provinciaes, que se achavam então completamen-
te esgotados, sendo que por uma coincidencia fa-
tal a receita orcada, para o exercicio que corria,
cra muito inferior a quantas tinham sido orçadas
até então. No sentido, pois, das ordens emanadas
do governo central, o presidente lançou mão dos
dinheiros geraes, mandou vir farinha de todo o
litoral do Brazil, ordenou a sua distribuição pe-
los indigentes, e estabelecco depositos della nos
diversos pontos da provincia. Além «Visto, insi-
nuado pelo referido missionario, deo principio a
certas obras publicas, cujo serviço sendo em par-
te executado pelos indigentes, foi-lhes retribuido
ou com mantimentos ou com dinheiro; e como
elles andavam arranchados nos maitos ao redor
da cidade, expostos às intemperies, mandou le-
vantar no campo «d'Amelia grandes palhoças, em
que se agazalharam muitas familias de retirantes.
Por este meio deo-se principio à obra do quartel,
que andou com rapidez; à do hospital de caridade;
à concertos no palacio do governo ; ao parêdão c
aterro do largo em frente d'este; e, finalmente, à
— 216 —

oucras obras publicas de m2n9r importancia ; sen-


do no entretanto 0 aeinhimento do presidente a
causa elficiente de não ter-se aproveitado melhor
esta quadra, para provêr a capital e outros pontos
da provincia de obras tão necessarias, e que ter-
se-hiam conseguido com mui pouco dispendio, por
meio muito mais conveniente de «listribuir esmó-
las «lo que esse praticado das distribuições de fari-
nha; o qual trouxe comsigo innumeraveis abusos,
e servio, às vezes, para abastecer os encarregados
da repartição.
Como n'este inverno não chuvesse sufficiente-
mente para segurar o pasto, o gado vaccum e ca-
vallar morrto cm grande parte; e os pobres, le-
vados pela necessidade, deram fim ao resto. Hou-
ve freguezias onde não ficou uma unica rez, cas
communicações para o inferior fôram impossibi-
litadus pela lalta absoluta de animaes que esti-
vessem cm estado de supportar a viagem, de mo-
do que só com uma dificuldade extréma É que
o governo pôde fazer transportar para o interior a
farinha destinada a soccorrer os indigentes. Assim
mesmo, quando chegou a seu destino, já era
tarde.
Colligi n'esta época, e, em presença de tantos
horrores, formei o juizo de que uma das necessi-
dades mais urgentes da provincia é a abertura de
uma estrada de ródagem, que estabeleça entre
O litoral e o centro um meio de communicação
facil; co ponto mais conveniente para ella é o
valle do Jaguaribe, que sempre offerece recur-
sos, em rasão das suas vasantes, e da abundancia
das aguas que conservam os sous pógos.
Nesta situação calamitosa, ficaram os campos
juncados de ossadas, e o ar empestado, pelas
— 217—

emhanações animaes em putrefacção, desenvolveo


na provincia uma epidemia devastadóra de fe-
bre typhoide, que levou à sepultura um grande
numero de viclimas; contribuindo para o mesmo
tim a mã alimentação dos necessitados, e a op-
pressão moral que se apoderou dos proprietarios
do sertão, à vista dos seus animaes que morre-
ram até o ultimo, e do estado de pobreza e pe-
nuria a que ficaram reduzidos. O commercio, que
se alimenta na provinca do producto do gado
e «dos animaes cavallares, soffreo um abalo ir-
reparavel; as casas de negocio, não recebendo
dos compradores o producto das suas vendas,
tambem não poderam cumprir seus tratos, c afi-
nal quebraram. além d'isto, grande parte da es-
cravatura da provincia foi vendida para remir
as necessidades dos seus possuidores, sendo ex-
portada para outras provincias do imperio ; o que
deo causaa definhar ainda mais à pouca agricul-
tura nella adoptada. Finalmente, é impossivel
descrever todos as consequencias de uma sécca
semelhante; e, contados certos episodios d'este
calamitôso flagello, custa-se muitas vezes a dar-
lhes credito, sem os <er presenciado.
Durante o correr de todoo anno de 1846, o go-
verno e a população tiveram de luctar com as
diffilcudades provenientes da sêcca; e quando
começaram as chuvas do inverno seguinte, fal-
tando completamente as sementes. necessarias
para semear a terra, vio-se elle obrigado a man-
dal as vir de fóra, e distribuil-as pela população.
- À sêcca todavia não foi capaz de acalmar a
exaltação dos partidos; de modo que as recrimi-
nações fôram continuando de parte a parte.
Os chimangos, não querendo mais partilhar o
— 218—

mando com os equilibristas, procuraram meio


de segregarem-se delles, apezar de se reputarem
estes ainda necessarios; do que, porém, não tar-
daram muito em desenganar-se. Com cffeito, os
chimangos exigiram, em seu orgão na imprensa,
que declarassem elles a que o tado politico perten-.
ciumn; c à esia solicitação os equilibristas deli»
niram se saquarémas descontentes do exclusivis-
mo de seu chefe, e declararam que por seme-
lhante rasão tentavam constituir um novo par-
tido, excluindo-d dos gozos que monopolisava
para si € para seus parentes ; de modo que este
foro fim de sua juneção à elles, juneção a que
devéram os inferpellantes o terem, no seu con-
ccito, prevalescido na lucta eleitoral. A isto foi-
lhes respondido, pelos chimangos, que não po
diam mais continuara fazer liga com elles, a não
se pronunciarem chimangos puros; ce que se il-
ludiam, si se persuadiam serem necessarios para
que 0 partido chimango ganhasse as eleições;
ao que os equilibristas redar guiram, à seu turno,
que: antes dissólveriam à união, do que muda-
rem seus principios. Nesta attitude dos nego-
cios, foi que o periodico Cearense sahio-se cqm
o seu famoso—Ide-vos, Suissos engajados !—artigo
quo trouxe a ruptura completa dos colligados.
Os equilibristas ficaram numa posição falsissi-
ma, porque, repellidos pelos dous partidos, acha-
ram-se metlidos entre dous fógos; talvez que
alcancassem melhor resultado de sua defecção,
com o tenpo, si não se houvessem unido com
os chimangos. Os ministerios subsequentes de-
balde tentaram reconcilial-os com seus antigos
correligionarios; OS saquarêmas recusaram cons-
tantemente recghêl- -0s, ato que prevalesceram as
— 219—
ideas «e conciliação, abrindo espaço à pretendi-
da união. Todavia, no decurso de todo cste tem.
po, em virtude das tendencias que appareciam
para esta conciliação, e mesmo pela importancia
das pessõas que compunham esta secção do par-
tido, nunca os equilibristas deixaram de exercer
influencia sobre a maior parte dos presidentes,
que vieram dirigir os negocios da provincia; o
que deco grandes desgostos aos saquarêmas puros.
A assembléa provincial reunio-se em Julho, e
trabalhou durante dous mezes sem grande inte-
resse. Os cquilibristas fizerom uma forte oppo-
sição; mas sem resultado, pois estavam em nu-
mero diminuto.
Crearam-se n'esta sessão termos, removeram-
se freguezias, alteraram-se os limites de algumas,
c fixou-se finalmente o orçamento do anno se-
guinte em 125:0498197 rs.
A 17 de Novembro d'este anno os contratantes
entregaram o pharol de Mucuripe, que logo en-
trou à prestar serviços. O edificio constava de
uma columpa de fórma rotunda de 39 palmos
de altura, sobre a qual está collocada a lanterna
com tô palmos de preceridade. Fica clle plan-
tado sobre uma agelomeração de areias, que in-
vadio e cobrio um antigo forte ali construido.
Sua hase ou peclestal é cetogonal e conta 183 pal-
mos de cireumferencia; no inferior da columna
ha duas pecas. O andar do chão e um primeiro an
dar, ambos tambem octogonos, inseriptos na colu-
mna, tem 144 palmos de cireumferencia. O phanal
gyra “sabre si em alguns minutos, apresentando
alternativamente tres côres : branca, amarela e
encârnada. A altura fotal do edifício, incluindo
à lanterna, é de 53 palmos.
— 220—

Dizem os entendedóres que estã muito bem col-


locado, e presta relevantes serviços à navegação
costeira; tendo esta obra custado, até a épocha
da respectiva entrega, a quantia de 8:5508000.
419 de Outubro deo-se principio ao novo quar-
tel militar, feito em fórma quadrangular. Tres
lados constam dê casas terrcas* para o alojamento
dos soldados, co quarto, que olha para nas-
cente, é a fachada principal, e consta de um pa-
vimento terreo € de um andar, onde funecionam
o estado-maior c a secretaria. Esta fachada Caber-
ta em jancllas ogivacs, e acha-se adornada de
columnas sem estvlo architectonico; na sua frente
tem uma esplanada, que desce, por um rampado
insreme, para a rua.
O local foi muito mal escolhido, porque a fa-
chada septentrional, demorando à mui pouca dis-
tancia dos parapeitós da cortina da fortaleza,
acha-se assim exposta, € tica ao alcance de qual-
quer força naval, que venha afacar o pôrto; e,
portanto, por poucos instantes poderia resistir a
descargas bem dirizidas. Alem «Visto, occorre.
que as descargas que se dão nos dias de fes-
ta nacional, na fortaleza, abalam o edificio; in-
conveniente este que até já occasionou ter se
elle fendido em diversas partes; de môdo que,
para remediar semelhante inconveniente, tratou-
se «de dar essas descargas na bateria de baixo, te-
mendo-se, todavia, que as commoções abalem a
muralha da cortina. Sahe-se de um male cahe-
se moutro, em consequencia da mã escólha da
localidade para a referida construcção.
“ Há alguns annos atrãz, for construido um outro lanço as-!
sobradado (do lado meridional), o qual olha para v Passeio.
Publico, e tem servido para n'ellc funccionar a Escóla Mili-
tar desde a stá creação. (O edictor H. Théberge.)
— 221 —

A sécca tendo arruinado us fazendeiros, o di-


zimo do gado, conseguintemente, nada rendeo;
o que contribuic para augmentar ainda mais os
apuros da thezouraria provincial. Os criadores
lançaram então suas vistas para o Piauhy. no in-
tuito de repovoarem suas fazendas; e todo o di
nheiro que poderam adquirir foi empregado na
compra de gado.
O inverno de 1846 para 1847 foi pouco abun-
dante; todavia, sempre deo para crear paste, e
produzir os legumes que a população, escarmer:-
tada,pela fôme do anmo precedente, semcara
em quantidade; de modo que a colheita trouxe
a abundancia; mas o pasto pouco servio, por falta
de gado que o aproveitasse.
As obras principiadas
na capital detiverun ahi
muitos retirantes do sertão, e outros muitos fi-
caram no litoral por acharem muitos recursos.
Esta abuudancia de braços «eo impulso à agri-
cultura n'estes pontos; porque muitos se applica-
ram à extracção da borracha, outros à cultura da
canna, e do café; e assim, d'esta sécca de 1845, pri.
neipiou na capital e seus arredores uma nova era
industrial, Com efeito, derribaram -se as mattas
das serras de Baturicé, Aratanha e Maranguape,
para substituil-as por plantações de café e de can-
na; os brejos, lagõas, olhos «agua, e outros ter:
renos frescos das areias do litoral fôóram aproveita-
dos, e d'esta bonificação proveio-lhes maior valor
tambem. A cultura do algodão, que havia sido
quasi abandonada desde muitos annos, por causa
do môfo, molestia que déra nos algodoeiros, tor-
nou a ser encetada pelos habitantes de algumas
serras e regiões, tanto do interior, como do litoral;
e este ramo de agricultura foi fomato cada vez
— em—
maior incremento. A borracha decahio logo pelo
pouco cuidado que se tomava na respectiva ex-
tracção, não obstante ser ella nesta provincia
de bôa qualidade; mas, sendo recolhida cm exca-
vações [eitas na terra, ia sempre cheia de areia
e de cisco; o que, ainda em principio, a desacre-
ditou à ponto de não ser mais aceita nos mer-
cados da Europa. No entanto, seco governo in-
terviesse estabelecendo uma inspecção zelosa d'es-
te genero, talvez assim não succedesse, posto
que tenhamos de vêr que. não obstante a ins-
peeçio do algodão, têm ido para a Europa sac-
cas de lá cheias de pedra e de sementes; de-
feito, sem. duvida, do modo dessa inspecção, o
qual têmos ainda de vêr estender-se até ao as-
sucar, dando izuaes resultados.
a assembéa provincial trabalhou durante os
mezes de Julho e Agosto, sendo ainda d'esta vez
uberta pelo Tenente-Coronel Ignacio Corrda de
Vasconcellos. o.
Poucas leis iinportantes fez; a despeza foi fixa-
da na quantia de 157:950$296 réis, que sendo su-
perior à receita daria um deficit espantoso, a não
ser cllo supprido pelo auxilio dos 66:000$000 for-
nccidos pelo thesouro geral, em virtude de um
artigo especial da lei do orçamento.
Durante a administração desse senhor viveram
simultaneamente diversos periodicos.
Existia:
de muito o Pedro II, periodico da op-
posição, no qual escrevia em versos satyricos 0
bacharel Pedro Pereira da Silva Guimarães, que
ridicularisou a pessõa, e os actos do presidente,
como tambem os deputados provinciaes, e suas
obras; ecra este bacharel juiz municipal da capi-
fal. As partes que contra elle deco o presidente ao
— 999—

ministro valeram-lhc à remução para um termo


da provincia do Pará, onde foi concluir o seu
quatriennio.
O Cearense, com o novo titulo de Fidelidade,
sustentava as doutrinas do ministerio e os actos
do governo.
"O Equilibrio continuavaa sustentar, com pouca
vantagem, o liroteio dos outros dous.
O padre Verdeixa publicou debaixo do titulo 7
de Setembro uma fôlha, como elle ardente e se-
diciosa, atacando indistinctamente os correligio-
narios e seus. adversos; continuou os mesmos ex-
cessos n'outra fôlha intitulada Juiz do Póvo, ain-
da mais incendiaria do quea primeira.
No dia3 de Agosto do mesmo anno de 1847 0
Tenente-Coronel Vasconcellos passou a adminis-
tração da provincia ao 1.º Vice-Presidente João
Chrysostomo de Oliveira, que a conservou só-
mente até o fim do mez, entregando-a à 31 ao
2.º, Dr. Frederico Augusto Pamplona; o qual,
para predispór o terreno das eleições primárias,
que deviam ter lugar afim de elegerem-se de-
putados para a futura legislatura, e dous senado-
res por morte e em substituição do Marquez
de Lages e do Conselheiro Manoel do Nascimento
Castro e Silva, desmontou todaa policia, subs-
tituindo os empregados suspeitos de eguilibrismo
por chimangos decididos; pois temiam a inter-
venção destes seus antigos alliados, da eleição
passada; e esse receio era fundado, visto como
elles tentaram ligar-se «esta vez com os saqua-
rêmas, para guerrearem os governistas.
As eleições primarias fôram elfectivamente mui
calorosas em certos pontos; mas, nas secunda-
rias, os governistas levaram a palma.
— 924 —
A 4 de Outubro o Vice-Presidente Frederico
Augusto Pamplona fez entrega da administração
ao novo Presidente Casimiro José de Moraes Sar-
mento; o qual, logo nos primeiros dias posterio-
res à sua posse, teve de intervir poderosamente
nas eleições.
9) novo presidente continuou a politica de reac
cão encetada pelos vice presidentes que 0 ha-
viam precedido, Encontrou-se na capital com o
senador Alencar que vicra tomar os ares paírios,
eim consequencia de uma molestia grave «e que
padecia; e comp quizesse este, na qualidade de
chefe do partido chimango, influir na marcha da
administração, o presidente fez garbo de conser-
var sua independencia; mas pouco durou na di-
recção «os negocios.
As eleições que se fizeram na provincia no tem-
po da sua presidencia, deram em resultado sa-
hirem deputados os Srs. : Dr. José d'Assiz Alves
Branco Moniz Barreto, Dr. Frederico Augusto Pam-
plona, Dr. Joaquim Saldanha Marinho, Dr. João
fernandes Barros, Dr, Miguel Joaquim Ayres do
Nascimento, Padre Thomaz Pompeu de Souzi
Brasil, Vigario Carlos Augusto Peixôto de Alen-
car, e Vigario Domingos Carlos de Saboia; e na
lista sextupla, para dous senadores, obtiveram
srande maioria de votos o Vigario Carlos Augus-
to Peixôto de Alencar e o Conselheiro Candido
Baptista d'Oliveira; sendo os outros quatro vo-
tados, pessõas pouco conhecidas fóra da provin-
cia; combinação classica em taes occasiões, €
que fôra então feita de proposito para obrigar
moralmente o Imperador a escolher os dous mais
votados; o que, todavia, não sabio assim do acto
da corôa. Foi este procrastinado; e, quando
— 295—

foi publicado, recahio a escôlha nos Srs. Can-


dido Baptista de Oliveira é Francisco de Paula
Pessõa.
Este facto produzio uma forte sensação na pro-
vincia, e desapontou cruelmente ao Vigario Alen-
car, que contava cem a senatoria.
A proposito, devemos aquia consignação de um
facto historico. Quando na administração—o Dr.
Pamplona, para aplainar difficuldades que se le-
vantavam, dispoz (e fundos provinciaes, que sób
sua responsabilidade mandou dar aos chefes de
diversos pontos para occorrerem e subvenciona-
rem os gastos eleitoraes, e de corca de cinco
contos deréis de soccorros publicos que, hnvendo
sobrado no anno da sêécca de 1845, tinha-se man-
dado entregar à comissão encarregada da obra
do hospital de caridade.
Quando ao depois houve mudanca da politica,
vendo-se o Dr. Pamplona increpado à cada passo
por esse duplo extravio de dinheiros publicos,
teve a honradez de sujeitar-se a tirâr uma sub-
seripção entre seus amigos do Aracaty e de outros
pontos da provincia, afim de indemnisar a thesou-
raria dos 3:000$000 que mandára entregar sôb sua
responsabilidade. Os 5:000$000, porém, fóram res-
tituidos pelo senador escolhido Francisco de Paula
Pessõa, que por elles era o responsavel, porque,
não obstante ter sido o Vigario Carlos 0 mais vo-
tado na lista sextupla, negou-se todavia a pagal-
os por não haver sido escolhido.
O presidente demittido passou as redeas do
governo ao Vice-Presidente João Chrysostomo
de Oliveira no dia 14 de Abril de 1848, ficando
este à testa dos negocios apenas um mez; visto
como, no dia 13 de Maio, fez entrega do poder
— 226 —
ao novo Presidente Dr. Fausto Augusto de Aguiar,
representante das idéas do Visconde de Macahe,
[ue o nomeou pouco depois que tomou conta
da pasta.

CAPITULO XXII
PRESIDENCIAS DOS DRS, FAUSTO AUGUSTO DE AGUIAR, IGNA-
CIO FRANCISCO SILVEIRA DA MOTTA E JOAQUIM MARCOS
DE ALMEIDA RÊGO.

Em principios de Maio appareceram alguns


actos attentatorios da ordem publica na povoa-
cão de Maranguape, perto da capital, motivados
pela susceptibilidade dos partidos politicos. Us
campeões dos dous lados, em consequencia da
modificação ministerial, se gruparam para dar
demonstrações de suas opiniões ; e encontrando-
se estes grupos nas ruas da povoação, chegaram
a vias de facto, donde resultaram ferimentos e
pancadas de parte à parte. O chefe de policia mar-
chou para alli, conseguic restabelecer a ordem,
e processuu as pessoas que tiveram parte n'este
tumulto,
a assembléa geral tendo sido dissolvida 'no
principio do corrente auno, veio o novo gresi-
dente encontrar-se logo em começo de sua ad-
ministração com as dificuldades do processo elei-
toral da nova legislatura, cujas eleições prima-
rias tiveram lugar em Julho, sendo fortemente
pleiteadas pelos dous partidos. As autoridades
policiaes e os mais recursos estavam todos a fa-
vor dos chimangos; mas os saquarêmas anima-
dos pelo programma do Visccnde de Macahé,
que promettia justiça à todos, dispozeram-se a
— 227—

disputar o campo eleitoral, e conseguiram a vi-


ctoria, mas não sem graves tumultos.
- Na capital houve rixas, que fizeram receiar
graves acontecimentos; mas o governo deixou os
partidos luctarem, sem intervenção da força ar-
mada. O Padre Verdeixa, que se achava sempre
à testa dos turbulentos onde havia probabilidades
de desordens, deixou-se levar a excessos, que
fôram todavia reprimidos pelos membros da
meza.
No Icó os membros da meza, sendo todos chi-
mangos, foram obrigados a deixar a matriz pe-
los saquarêmas, capitaneados pelo bacharel Rayv-
mundo Ferreira de Araujo Lima ; o qual, não po-
dendo com razão lançar fóra seus adversarios,
mandou puxar por punhaes; o que, effectivamen-
te, teve effeito mais concludente do que sua elo-
quencia. Retiraram-se pois da matriz, no meio
de apupadas, e fóram para uma casa fronteira,
d'onde um tiro «isparado imprudentemente re-
cebco em resposta uma descarga dada no pateo
da igreja, sobre a dita casa; a esta succederam-
se numerosos tiros de parte à parte, porém com
tal felicidade que não houve ferimento algum.
“A tropa commanda:a por um official saquaré-
ma, o Tenente Jatahy, presenciou esta lucta, cs-
tando formada perto do theatro della, sem usar
das armas; e um official reformado, que tinha
seduzido parte della, quiz ir tomar conta dessa
porção de praças sobre que contava; neste in-
tento atravessou o largo ainda no meio das ba-
las, que se lhe dirigiam em grande numero, sem
ser offendido; mas não pôde alcançar seu fim
pela presença de espirito do commantlante. Os
saquarêmas, vicloviosos, entraram a ufanar-se da
— 298 —
sua victoria, e cra curioso vêl-os marchar da casa
do seu chefe, que os conduzia para a matriz nos
cias subsequentes, puchando uma peça de cam-
panha, carregada à metralha e com o morrão
acceso |
Como já dissemos, venceram geralmente os sa-
quarêmas que tinham à seu favor a camara da
capital; de cuja apuração resultow a cleição dos
Ses. seguintes, par depatados : Dr. Miguel Fer-
vandes Vieira, Dr. Antonio José Machado, Dr.
André Bastos de Oliveira, Dr. José Pereira da
Graca, Dr. Pedro Pereira da Silva Guimarães, br.
Raymundo Ferreira de Araujo Lima, Dr. bran-
cisco Domingues da Silva, e Dr. João Capistrano
Bandeira de Mello; assim como ficou primeiro sup-
plente o Sr. Ignacio Barbosa Filho, que tomou
assento na camara,
Este anno e os precedentes fóram fecundos em
facios criminosos, perpetrados por quadrilhas de
hurões e assassinos que infestaveun a provincia
em todos os seus angulos.
No Icó foi dispersa, em 1846 € 184%, uma nu
merosa quadrilha capitaneada poc uns intitulados
Papiocts, que roubavam e assassinavam sem te-
mor das autoridades.
Na Barra do Sitiá existia outro coito ainda mais
numeroso, c composto de pessoas de familias im-
portantes da provincia; o qual infundia terror
em todas as estradas desde a capital até ao Ria-
cho do Sangue, levando o seu arrojo ac ponto
de ir afacar casas, como fizeram na fazenda das
Almas, perto da Boa-viagem, freguezia de Qui-
ceramobim, com a do Coronel Vietoriano (Que se
achava ausente), mutilando com focadas à mulher
do mesmo Coronel, para lhes declarar esta onde
— 229 —
se achava escondido o dinheiro, do qual rouba-
ram quanto poderam.
Estes mesmos ladrões haviam jurado a morte
do Visitador Antonio Pinto de Mendonça, vigario
de Quixeramobim; o qual corrco, com cifeito,
grandes riscos de ser por elles assassinado.
Os Queirozes,já conhecidos por actos anterio
res, eram patronos ou membros «Peste coito.
Os chefes Antonio Cyrillo, Chico Roi, c outros
fôram presos e condemnados nas administrações
posteriores, como teremo: occasião de o dizer
adiante.
Os Mourões, perseguidos pelo Senador Alencar
durante a sua primeira administração, tinham -se
refugiado para as bandas do Piauhy, noterritorio
de Cratihús; e, tendo-se ahi alliado à uma familia
de Melos, tiveram, sem embargo disto, intrigas
reciprocas que produziram acontecimentos tão
graves, que não podemos deixar de relatar 6s
principacs. o
Coma corolario d'esta intriga de familia, (ize-
ram os Mourões seguir para o Ipit um sequito de
assassinos dirigidos por uns taes Gadélhas, que
ali chegando invadiram a casa de João Ribeiro de
Mello, a quem sorprehenderam e mataram bar-
haramente, assim comoa outras pessoas de sua
familia, no numero das quaes entrou uma sua
filha de menor idade.
O filho do ilefunto fez fôgo sobre o chefe da
quadrilha, Raymundo Gadélha, ao qual estendeo
morto; e os assassinos ao depois retiraram-se
tranquilamente; mas uma tropa mandada em
seu seguimento alcancou-os, e ainda matou a
dous d'elles em resistencia,
— 230—

[ahi originou-se uma guerra de exterminio, nos


Gratis, entre Mourões e Mellos; estes auxiliados
pelos Feitcsas, e aquelles por membros da fami-
lia do Visconde do Icó, moradores no mesmo ter-
ritorio de Craliús, entrelaçados por parentesco
com os Mourões; e, assim, eram atacadas casas
de ambos os lados pelos contrarios, que matavam
a todas as pessdas que nas mesmas achavam.
Alguns dos chefes destas expedições tendo-se
retirado para os Unhamuns, onde eram prote-
sidos por seus parentes—em seguimento destes
criminosos veio de Piranhas para o Tauha, em
virtude do accórdo que tinham tomado as duas
provincias, de procurarem conjunctamente effe-
cluar a captura dos autores destes attentados,
um forte destacamento de tropa de linha do Piau-
hv; e, entrando em territorio desta provincia,
as autoridades do Tauhá recusaram-se a deixal-
o continuar sua commissão, à protesto «de ter-se
invadido este territorio sem participação alguma
as autoridades locaes.
Mas é certo que o commandante mandcu par-
tecipar às autoridades do Tauha que se achava
perto, e, pois, pedia licença para entrar na vil-
la, cesta licença se lhe negou; em virtude do
que retirou-se np dia seguinte para Piranhas.
O vigario desta localidade compromettido n'cs-
tes Darulhos, vio-se obrigado a abandonar sua
freguezia para não morrer, e a refugiar-se em
Quixeramobim, onde conservou-se por tempos.
Um padre da lamilia dos Mellos, chamado lgna-
cio, depois de soffrer muitos ataques não só em
sex pessoa, como cm sua familia, da qual mata-
rum múuitos membros; depois de ter tomado tam
bem represalias não menos barbaras; reconhe-
— 231 —

éendo que não poderia deixar de ser morto, re-


solveo-se a deixar 0 theatro de tantas atrocida-
des; e assim pôz se de marcha para Pernambuco.
Seus inimigos, porém, vendo escapar-lhes esta
preza, reuniram gente, e, munidos de uma pre-
catoria falsa ou illegal, sabiram em grande nu-
mero em seguimento do padre.
Chegados ao Icó, onde era juiz o Dr. Raymun-
do Ferreira de Araujo Lima, apresentaram-lhe à
precatoria que traziam; e clle, em attenção aos
membros da familia do Visconde, que entravam
n'esta escolta, póz no fatal documento o cumpra-se.
Depois «d'isto, continuaram os assassinos após
sua victima, a qual alcançaram no Rio do Peixe,
descançando debaixo de uma arvore, e sorpro-
henderam-n'a sem que ella o esperasse.
O padre ainda pôde correr; mas os cannibacs
fizeram-lhe fôgo e o mataram barbaramente; e,
sendo processados por este facto po fóro do cri:
me, obtiveram todavia recurso do juiz de direito
de Pombal Dr. Manoel Fernandes Vieira, que por
tal acta foi asperamente criticado pelas fôlhas
chimangas, visto que era parente de grande parte
dos réos. o
Estes acontecimentos tiveram uma duração que
abrangeoo espaço decorrido de 1847 à 1851;
mais adiante tornareemos a tomar o fio d'esta se-
rie de crimes.
- Os furtos de gado, aos quaes se tinha habitua-
do, e mesmo tomado gosto a população proleta-
ria dos sertões, com dobrada furia depois da séc-
ca de 1845, da qual se prevalesceram n'aquella
data, iam prejudicando muito a principal indus-
tria da provincia, que tem sido inquestionavel-
mente até o presente a criação do gado.
— 232—

Os governos recanheciam a urgente necessida-


de de reprimir semelhantes abusos, mas falta-
vam-lhes para isso os meios; porque, sendo estes
delictos particulares, occorria que as partes pre-
judicadas não queriam recorrer aos meios judi.
ciaes, pela rasão de excederem as custas ao pre-
juizo soffrido. cs
Esta falta da legislação é causa «le grandes pre
juizos, e de grande desanimo nos criadores.
Os crimes publicos iam-sc desenvolvendo tam-
bem, numa escala espantosa; mas os presiden-
tes, embora convencidos «da urgente necessidade
de lhes oppór uma barreira, não o podiam fa-
zer, tanto pela fraqueza das autoridades que, em
virtude da exaltação dos partidos, sempre pres-
tavam protecção aos correligionarios, por mãos
que clles fôssem, como pela condescendencia dos
jurados que, não comprehendendo a importan-
cia do seu ministerio, innocentavam pela absol-
vição a mór parte dos réos, ainda que não res-
tasse duvida alguma sobre a realidade dos cri-
mes, e culpabilidade do accusado. '
Outro vício concorria tambem para o entor-
pecimento da neção da justiça, era o patronato,
para o qual tem a população rica ou influente
do centro um fraco-ou cahida, que não se póde
compretiender.
Em todos os discursos de abertura da assem-
bléa, os presidentes lastimavam este estado de
cousas; mas nenhum descobrio nem applicou-
lhe o conveniente remedio.
Reunio-se a assembléa provincial em Julho, e
trabalhou com regularidade.
Nesta sessão autorisou o presidente à abrir es-
tradas para Maranguape, Baturité e Imperatriz ;
— 938 —

a 25 de Agosto prohibio os enterramentos den-


tro das igrejas da capital, e obrigoua sepulta-
rem-se os mortos no cemiterio que se tinha edi-
ficado, embora não estivesse completamente aca-
bado; a 29 creou uma nova freguezia em San-
tAnna do Acaracu, desmembrada da barra do
mesmo rio; e a 31 erigio finalmente uma comar-
ca, tambem nova, no termo do Ipú, medida ur-
gentemente reclamada pelos crimes numerosos
«ue st commettiam alí, como já ficou esbucado.
O estabelecimento desta comarca, importando
a existencia de autoridades de mais alta cathego-
ria do que aquellas que reclamam um termo,
presagiava que podetiam ellas, pelo seu maior
prestigio, reprimir os criminosos.
A despeza d'este anno foi fixada em 125:679$725
rs., ca receita em 91:588$; e, por isso, teria
ainda n'elle apparecido um grande deficit, se não
fôssem as prestações concedidas nos anteriores
aos devedores «da fazenda, por prejuizos que alle-
garam com ou sem rasão; os quaes, no corrente,
principiaram a pagar as quatro partes, que não
haviam sido comtudo consignadas em verba de
receita. .
As obras publicas, já principiadas, andaram com
muita morosidade por falta de meios para a res-
pectiva continuáção; €, n'este mesmo anno, sen-
do desonerada a commissão encarregada da obra
da matriz, foi ella confiadaà outra presidida pelo
Commendador Joaquim Mendes da Cruz Guima-
rães, que tinha-a já dirigido com muito gosto
e que, apenas foi de novo incumbido de sua ad-
ministração, mandou rasgar arcos nas paredes
principaes do edificio, entre a nave € os corredo-
res, afim de augmentar a capacidade do templo
— 234—

que eva, com rífeito, demasiadamente acanhado.


Estas arcadas, todavia, sahiram em extremo bai-
xas, e deram à obra um ar inteiramente pesado,
que lhe tira muita graça.
A mesma commissão foi tambem incumbida
da continuação do hospital da misericordia.
Em 1846 o Presidente Vasconcellos tinha man-
dado vir um engenheiro para à direcção das obras
publicas da provincia; e como elle se demorasse
pouco no Ceari, o Dr. Fausto contractou um ou-
tro, cujos serviços pouco aproveitaram, porque
morreo alguns annos depois de sua chegada.
Entrou o anno de 1849 sem grandesnovidades,
não obstante o estado de rebellião de Pernam-
buco, que durante alguns mezes tornou-se o thea-
tro de uma guerra civil destruidóra. Os chiman-
gos achavam-se nesta provincia sob à pressão de
uma elfervescencia constante e grande; mas com
tudo não foi perturbada a tranquilidade publica,
muito embora o grito da rebellião resoasse até ao
Exú, nas fronteiras desta provincia com a de Per-
nambuco, na visinhança do Crato, onde receiou-
se que tivesse repercussão a anarchia. O) presi-
dente, porém, póde conter os turbulentos, tanto
do Crato, como do Ext, por intermedia de um
respeitavel destacamento de tropas regulares, que
mandára estacienar preventivamente no Crato e
no Jardim. Parte desta tropa marchou ainda pa-
ra o Exú, à requisição do delegado daquele dis-
tricto; cos anarchistas d'ali, vendo que esta me
dida fazia abortar os seus planos, vingaram-se
Visto no commandante d'esta escolta, o Tenente
Jataby, a quem mandaram esperar no caminho,
e leriram com uma bala que, empregando -se-lhe
no peito, occasionou-lhe a morte poucos mezes
— 235 —
depois. Esta marcha sómente fbi pois bastante
para suffocar a tentativa, c restabelecer n'estes
lugares a tranquillidade publica.
- Os roubos eos assassinios n'estes annos fôram
augmentando n'uma escala espantosa, a ponto de
dar a receiar um «desmoronamento do estado so-
cial nesta provincia. O coito do Sitiã infundia,
como ja dissemos, terror em toda a superficie do
Ccará, até às portas da capital; na estrada d'esta
ao Aracaty um tal Miguel tres pernas não deixava
ninguem transitar impunemente; no Carirya com-
panhia dos Serenos levava o roubo a um ponto
inaudito; e os Mourões e os Mellos, finalmente,
continuavam em suas façanhas e tinham attrahi-
do para suas fileiras: estes parte da familia Ca-
racará, e aquelles a familia Feitosa, que tambem
no seu coito dos Unhamuns, na ribeira do Juca,
formava uma republicasinha independente do go-
verno do paiz. Em todas as partes, pois, encon-
travam-se prepotentes, que protegiam e as vezes
favoreciam os faccinoras, que lhes iam perir am-
paro; e este mal tornando-se contagioso, já insi-
nuava-se até pelas mesmas familias que passa-
vam por pacificas; de maneira que este costume
de receber c favorecer os criminosos, que nos
seus apuros iam implorar o amparo dos podero-
sos, sendo um mal antigo, era tambem um gran-
de inconveniente para a regular administração
da justiça.
Além disto em Pajehú o Coronel Francisco Bar-
bosa Nogueira Paz, achando-se em lucta armada
com a familia dos Pereiras—a residencia do Coro-
nel Simplício nesta provincia deslocava frequen-
temente o theatro das rixas para.os termos do Jar
dim e de Milagres; porque ahi vinham homisiar-
— 286 —,
se, ou para esses pontos corriám os autores d'es-
tes disturbios, quando eram perseguidos .pelas
autoridades, ou quando queriam recrutar asse-
clas. Estes bandos de criminosos, aos quaes cra
familiar O roubo € o assassínio, atemorisavam
excessivamente a população d'estes termos, cujas
autoridades si não os favoreciam, pelo menos
os toleravam, ou por alfeição à um dos lados, ou
talvez tambem por temór. Com cifeito, uns tfaes
Santos da freguczia do Jardim pareciam portiar
entre si por despovoar e cobrir de lucto esta-parte
do Cariry; na barra do rio Curu, um Barroso pro-
tegia, no termo da capital, um grande adjuncto
de malvados; e n'outros pontos outros que taes
bandos de faceinoras existiam, de maneira que não
acabariamos se pretendessemos contal-os umáum.
No entanto o presidente, nutrindo sempre bôas
intenções, denunciava tados estes abusos à assem-
bléa provincial nos seus relatorios; €, abrindo-a
no 4.º de Julho, fez uma triste pintura do estato
destas cousas; mas, não tendo ellajurisedicção na
administração da justiça, nem na repartição da po-
licia, remedio nenhum poderia dar à semeltan-
tes abusos; e nem, ainda, S. Exec. empregava os
meios energicos que eram necessarios para ar-
rancar o mal pela raiz; mal que ainda progredio
por algum tempo neste estado assustador.
N'esta sessão erigio-se em villa a barra do Aca-
racir; transferio-se a matriz de Mecejana para a
povoação de Mºranguape, que ia então em gran-
de augmento; determinou se que fôssem resti-
tuidos às capellas extinctas de Arronches, Soures
e Maranguape os rendimentos dos quadros das
terros de Indios, pertencentes às mesinas villas; e
orcou-se finalmente a despeza em réis 116:0418580
— 237

e a receita em 102:0758. B'agui data o melhora:


mento progressivo do estado financeiro da pra-
vincia, melhoramento que neste anno foi devido
à regularidade do inverno, de combinação com os
supprimentos feitos à provincia pelo governo ge-
val nos annos precedentes; como o passarem as
congruas dos parochos a ser pagas pelo colre
geral; e tinalmente com o grande augmento das
rendas, em consequencia da medida tomada pelo
governo de arrematar geralmente todos Os ramos
de imposto. :
— Nesta sessão a assembiêa decretou que se di-
rigisse ao imperador uma representação, pedin-
dolhe que convocasse uma assembléa consti-
tuinte para rever a constituição, no sentido das
idéas do partido praiciro de Pernambuco jo qual
achava-se no ultimo grão de exaltação e podera
assim insuflar suas idéas aos chimangos desta
província. A representação foi assignada por deze-
seis membros do corpo legislativo provincial.
Tendo os deputados entendido que a clles sós
pertencia a creação das [roguezlas, em virtude
do art. 10 do acto aedicianal, assim obraram em
sessões passadas, preseindíndo da audiencia do
bispo diocesano. Este, porém, resentindo-se do
que julgava menospreso de suas attribuições, por
muito fempo recuso approvar e provêr as que
fóram ereadas sem sua prévia intervenção. Foram
nevessarias supplicas reiteradas dos povos, e pe
didos instantes dos presidentes, para atibal alean-
car-se d'elleo provimento canonico das que se
vaviam cercado sem esta consulta,
“De tempos remotos pendia uma questão entre
estue a provincia do Rio Grande de Norte, rela
— 238—

livamente á limites de ambas entre si. Sim, já em


1802, as autoridades de Porto Alegre haviam ten-
tado, apoderar-se da serra do Camará, cuja cha-
pala conslituia o patrimonio da camara dolco;
nas os governos d'aquella éCpocha haviam chegado
à um accordo amigavel n'esta pendencia, em sen-
tido favoravel ao Ceará, por meio da restituição
desta serra ao seu territorio. Não nos foi possivel
alcançar o decreto que determinou a divisão d'es-
tas duas províncias; comítudo, das decisões re-
Jativas à ella, colligi que fundou se ua divisão
das vertentes; o que é muito natural, e tem ser-
vido quasi sempre de base para estabelecer não
so os limites das províncias, como aquelles das
freguczias. Ora, o riacho do Brum recebe quasi
todas as aguas desta serra c vai leval-as em seu
eurso do Jaguaribe ; logo € racional que pertença
ao Ceará, à excepção de uma nesga, onde se acha
à povoação pertencente do Rio Grande do Norte,
denominada S. Miguel, cujas aguas vão desaguar
Do vio Apody.
O governo geral consultado sobre esta materia,
mandou que os governos das duas provincias,
de commum accordo ce com intervenção do bispo
diocesano, marcassem estes limites. Assim, O pre-
sidento do Ceará estabeleceo que, na conforrni-
dade da resolução de 414 de Outubro de 1891,
deviam ser determinados pela elevação maior da
serra sobre os valles, isto é, pelo divisão das aguas;
e guiando-se por este principio, tracou uma linha
divisoria, a qual submettco ao bispo que a appro-
vou, e ao governo do Rio-Grande que a regeitou.
O bispaem definitiva resolvco que tudo ficasse
no seu antigo estado ; € hoje acha-se uloptada
por linha divisoria a que separa as vertentes.
— 289—

Questões da mesma natureza, por vezes, tem-se


suscitado sobre os limites entre esta provincia e
a do Piauhy, relativamente ao territorio que o
Ceará possue desde antiga data, na chapada da
Serra Grande. Pretendiam os do Piauby que toda
a chapada (ôsse de sua provincia, por causa das
aguas que correm para o rio da Parnahyba, e, pois,
davam por linba divisoria a crista da serra e a
bacia do riacho Timonha; mas, para este caso,
existe uma carta regia «e D. João V, do anno de
1521, citada pelo Rvm. Sr. Thomaz Pompeo de
Souza Brasil, nos seus apontamentos, determinan-
do expressamente que as abteias da Ibiapaba (S.
Benedicic, S. Pedro de Ibiapina e Vicosa) recla-
madas pelo governo do Marunhão, não se desannexas-
sem do Ceará para o Pinuhy; e que continuassem,
como sempre fôra, a pertencer à capitania de Per-
nambuco. Esta decisão destrõe todos os argumen-
tos produzidos pelo Sr. Alencastre, no fiin de uma
interessante memoria que apresentou au Instituto
teographico e Historico do Brasil, sobre a provincia
do Piauby— memoria que foi inserida no perio-
dico d'esta douta corporação.
- Durante o principio do anno de 1850, os nego-
cios correram sem acontecimento notavel na pro-
vincia, à não ser a continuação dos roubos e as-
sassinios pelos bandos de faccinoras, que já in-
“dicamos. No Cariry, e especialmente no Crato, a
companhia intitulada dos Serenos tornava aquelle
termo inhabitavel; tinha ella à sua testa um fa-
migerado Domingos córo, membro degenerado
de uma familia noutro tempo importante, e que
alcançou uma triste celebridade. E' curiosa a ori-
gem ca denominação d'esta companhia. Tendo
apparecido por estes tempos Missionarios que an-
— 940 —

davam pregando, seguiram a rotina usual —tra-


tando menos de instruir os povos, ensinando-lhes
a doutrina é a moral da Religião que completa-
mente ignoravam, doque de inculcar-lhes idéas de
mysficismo Ie de ascetismo. Amedrotáram muito
os seus ouviptes: fizeran-n'os chorar lagrimas dê
sangue, cos induziram à mortificar a carne por
meio da distiplina. Grupos de penilentes, depois
de invadiveh a matriz do Crato, onde executaram
seenas burléscas e sinistras, entraram a percor.
rer os sitios da freguezia, pedindo e exigindo cs-
molas. Reubiani-se à noute nos êrmos, onde se
exerciam as predicas. Levantaram cruzes nas
margens das estradas e, agrupados em torno a
ellas, se entregavam aos mesmos exercicios, à
jnitação das Puritanos da Ingiaterra, no tempo
de Cromwel. Como a caritdlade publica não lhes
fornecesse meios de subsistencia, à medida de seus
desejos, entraram a extorquil-os; e como lhes
succedesse bom, fôram tomando gosto à esta vi-
da de rezuste de lutrocin'o. oa
Os proletarios mal intencio nados se reuni-
ram à clles; e, com estas adhesôces em massa,
foi perigando a segurança individual, c de pro-
priedade. Depois de furtarem gallinhas, legumes
e mais mantimentos, passárain a roubar caval-
los, cuja venda lucrativa lhes dava meios de sup-
prir a todas as suas necessidades, e mesmo de
enriquecer. Os proprietarios estremeceram ven-
do seus bens à mercê d'estes aventureiros que,
em geral, exam malfeitores publicos. Chamaram-
se primeiramente companhias de penilentes ; mas,
como suas reuniões se effectuassen sempre du-
rante a noufe, o vulgo deo lhes o nome de Se-
rénus.
— 941 —

Os roubos de cavallos, principalmente, pratica-


vam-se com um descinbaraço extraordinário, a
ponto de ser tirado em caminho o proprio ca ralo
do oficial mandado pelo goverho, à perseguir os
membros desta assoriação devastadóra; de ma-
neira que, semelhante descaramento, levava o po-
vo a arguir de connivencia nelles a certas pes-
sôas influentes na politica que, para conciliarem
a confiança de guarda-costas, favorceiam os che-
fes de taes coitos. Este estado cera desesperante,
e reclamava medidas jenergicas e'promptas que,
“todavia, ainda demoraram-se tempo bastante em
ser traduzidas em. factos.
O De. Fausto Augusto de Aguiar, ainda mweste
anno, abrio a sessão da nova legislatura da assem-
bléa provincial no 4.º de Julho ; mas a 10 de Agos-
to, sendo removido para o Pará, entregou a di-
recção dos negocios ao Vicc-Presidente Joaquim
Mendes da Cruz Guimarães.
à assembléa, toda composta de saquarémas pu-
ros, debalde quiz oppôr-se à sua entrada na ad-
ministração; e vendo que por meios legaes'não
era possivel negar-se a dar-lhe posse, pôz-se lo-
go em guerra aberta com elle, chegando a im-
prensa ao ponto de proclamar a desobediencia
àprimeira autoridade da provibcia, que arguia
de intrusa. O presidente
da assemblén, que era
tambem redactor do periodico de seu partido,
não contente de atacar o homem publico, levou
o rancôr ao extremo de atacar o chefe de fami-
tia e o negociante, cuja probidade achava-se bem
firmada, cobrindo-o de epitheios os mais inju-
risos, e até inculcando sua cosa commercial de
fallida. Na assembléa as discussões fóram um pou-
co mais commedidas ; comtudo, cada deputado
— 49—
aproveitava todas as occasiões de ferir o admi-
nistrador da provincia; c linalmente nenhum (os
projectos approvados foi-lhe manciado para sanc-
cionar, ficando demorados até Novembro, quan
do foram remettidos à sancção do novo presiden-
te Dr. Ignacio Francisco Silveira da Motta, que
chegou da côrte para tomar conta da administra-
cão da provincia, a 19 de Novembro de 1850.
Por decreto do 1.º de Agosto foi transferida.a
villa do Riacho do Sangue para a povoação da
Cuchocira; à 4 de Dezembro foi o governo auto-
risado a despender 10:0009000 de réis na factura
de uma estrada da cidade do Icó à villa do Cra-
to, ca dar principio à outra entrea capital.c a
povoação de Maranguape; na mesma data (oi
transferida a mateiz de Santa Anna do Brejo Gran-
de para a capella da povoação do Assaré; à 7
desmenhbrou-se da comarca da Granja o termo
de vil Vicosa, para annexal-o à do Ipit; e em-
lim a leido orcamento lixoy à despeza em......
120:021$097 reis, c à receita em 116:481$000 rs.
O ministerio Euzebio que tinha subido ao po-
der, recommenidou aos presidentes que empre-
gussem tedos os seus cuidados na perseguição
incessante dos criminosos, que infestavam toda
a superficie da provincia. Em seu relatorio à as-
somblca geral havia elle denunciado o estado
dos Unhamuas, onde a familia Peitosa não sO
mente continuava na sua carreira de crimes, co-
mo acoitava, por um fufil pundonóe, todos os eri-
minosos que iam implorar a sua protecção, for-
mando assim um estado independente no estado.
Por força desta denuncia à opinião publica, da
existencia de uma familia rica e poderosa que
ia tomando proporcões assustadôras, e fizera eru-
— 943—
sa com os Melos contra os Mourões, foram ex-
pedidas ordens expressas e terminantes ao Vice-
Presidente Joaquim Mendes, de mandar prender
todos os criminosos d'esta comarca, é instaurar
processos contra aquelles que o golpe da lei po-
desse altingir; c nestas vistas foi removido o
respectivo juiz de direito, Dr. Leopoldino de
Araujo Chaves, magistrado de uma illustração e
inteireza a toda a prova, “que seudo membro da
familia, cujas acções reprovava sem que as po-
desse reprimir ou punir, licava coacto no meio
della. Elfectivamente foram instaurados nume-
rosos processos e presos muitos membros da fa-
milia; outros evadiram-se para fóra da provin-
cia, c andaram foragidos c perseguidos à todo
o transe. A maior parte delles, todavia, livrou-
se-com grandes despezas cm um jury presidido
por um juiz de direito interino € leigo, que mui-
to Os favorecco.
Esta perseguição não cessou por muito tempo,
afugentando por isso os numerosos criminosos
homisiados m.este territorio; e o Dr. Silveira da
Motta proseguio nella com ardór, c encheo es ca-
deias de criminosos, que fóram julgados por fei-
tos recentes e antigos. A bonhomia dos jurados
vindo ainda em soccórro d"elles, continuou a ab-
so'vêl-os; mas as appeilações dos magistrados
vieram tambem temperar este vicio dos tribu-
nacs, e alcançaram pouco a pouco que se inflingis-
sem pêénas aos criminosos, mitigadas sim, porém
sempre mais proveilosas para a repressão do que
a impunidade.
Em face d'esta situação, desappareceram, como
que por encanto, os coitos espalhados pela super-
ficio do Ceara. Segregaram-se os membros da
— 244 —

companhia dos Serenos no Cariry; dissolveram-


se os da barra do Sifiã; não deram mais signaes
de existencia os do Curú ; finalmente todos os
demais, em geral, restringirara-se à uma ausencia
de acção ; porque os criminosos, reconhecendo
que cêdo ou tárde cahiriam sob o golpe da lei,
foram-se desviando pouco a pouco da carreira
de crimes.
Não pretendemos com isto inculcar que desapça-
rocessem completamente os faccinoras ; mas que
obteve-se um grande decrescimento na estatistica
dos crimes que annualmente apresentava a pro-
vincia, decrescimento que proseguio em sua ex-
parisão pela escólha que foi fazendo o governo
geral de uma serie de presidentes, que continia-
ram à porfia na obra da redempção dos costu-
mes, e na tarefa encetada de não deixar des-
canso aos criminosos.
O novo administrador
da provincia—o Sr. Sil-
veira da Motta—empregou energicamente todas
as suas forças no sentido de reprimir vs crimes,
capturar q submetter aos tribunaes os respectivos
autores. Nomeou empregados de policia a quem
commetteoa execucão das capturas; e, como nem
sempre fósse servido à medida de seus desejos,
tomou o expediente de nomear delegados os ofli-
ciaes commandantes dos desfacamentos, medida
esta que nem sempre é muito conveniente, mas
que nas condições excepcionaes — como as da
provincia n'aquella Cpocha—deo os mais felizes
resultados. Foi este modo de proceder, um passo
mui acertado à favor da repressão dos crimes; €,
como presidentes ulteriores porfiaram em seguir
o impulso dado, em breve verêmos como mu-
dou inteiramente de face o estado do Ceara.
— 2145 —

as estradas, que dantes eram pouco seguras,


poeram logo ser percorridas em todas as diree-
ções sem risco algum; a propriekule tornou se
menos arriscada, € as existencias mais garanti-
das, posto que não tivesse desapparecido ainda
o falso pundondr dos ccarenses, que o fazem con-
sistir em tirar traiçociramente a vida a seis ses
melhantes, as mais das vezes por motivos dema-
sialamente frivolos; ms este malique é geral em
todos os pontos «lo Impecio, não pode desappare-
cer senão pelo derramamento da insirucção nas
classes inferiores,ou pelo soccorro dacmoral reli.
giosa que, infelizmente, o clero não tem sabido
incutir nas populações.
Pouco durou a presidencia do Se. Silveira da
Motta; e como durante situ adecinistração não
houve nem eleições nem reunião da assembica
provincial, teve a felicibule de a coneluir sem
desagradar à partido algum, e retirou-se bgm-
quisto e abençoado de todos; o que, sem duvi-
da, não teria durado muito porque perseguio os
criminosos até dentro do azylo dos prepotentes,
que já não se mostravam muito satisfeitos com
elle; mas 0 povo que gosti suminamente de vêr
posta em pratica a igualdade das pessoas perante
a lei, conservou delle uma lembrança queainda
hoje subsiste.
Deixou a provincia depois de entregar a adimi-
nistração a seu stuccessor, o Se. De. Joaquim Miar-
cos de Alireida Rêgo, em 6 de Julho de 185].
A febre amarella, que desde muitos inezes gras-
sava em outras províncias do linperio, neste an-
no se manifestou esta provincia, onde fez pou-
cos estragos em comparação às outras.
— 246 —

Em principios de Junho «lesenvolveo -se,na ca-


pital uma epidemia de febres que atacou grande
parte da popalação, sem to lavia fuer vitimas;
mas cm Suosto, tendo-se revestido de todos os
cvractaros da [bre ancvrelia, especialmente do 09-
muto negro, ceifou muitas vidas não só dos habi-
tantes da cidade, como de sertanejos e de es-
trangeiros.
Da capital estendro se pelo littoral à Sobral e
Aracaly; e dah parvo interior até o fcó, na
distancia de cincoenta e tres legmuis do mar; fez
numerosas viclimas em equsi tola a superficie
da provincia, ole ficou endénica, espesialmen-
te no littoral.
Por sc achar em seu auge no dº de Setembro,
di marcado parva abertura da Assemblea pro-
vincial, o presidente adicu-a paro E. de Outu-
bro. Nessasessão as discussões não Liveram gran-
de interesse, tanto pelo estado poúco lisongeiro
di salubridade publica, como por ser o presiden-
te da confiança dos deputados. 4 17 de Novem.
bro elevou à cathegoria de villa a povoação de
Muangdape, à qual o descavolvimento da cul.
tura do café e da canni deo um capido auzmento
e grande importancia pela sua proximidade da
capital, À 27 do mesmo mz, erigio em villa as
povoações de Maria Pereira e da Telha; ea3 e
Dezembro fixoit o orçamento da despeza em....
127:973$000 réis; e a receita em 110:1605000
réis.
t familia Castro, desde a morte de Facundo que
referimos acima, se mostrava incansavel na des-
coberta dos autoras Peste attentado. Sete annos
depois pouco mais o Lmenosc isto é, no ando de
1849, chegou ao conhecimento delta quem fora um
— 947—

dos mandatarios; obteve logo que fôsse preso es-


te e que se mandasse proceder ao interrogatorio,
do qual resultaram indicios de quaes fôram os
principaes mandantes e mandatarios. Mas, como
os inigitados eram pessõas de baixa condição,
não ficou satisfeita a familia da vietima, porquanto
desejava sacrificar aos manes «le seu parente vic-
timas de mais alta jerarchia.
Fez da questão do assassínio de Facundo uma
questão de partiflo, e denunciou dos principaes.
membros do partido saquarêma; denuncia esta
gue não foi aceita por falta de fandamento.
Este modo de proceder foi um erro, porque
obrigou o partido assim inerepado a defender os
seus membros accusados, ainda mesmo os que
talvez reconhecesse culpados.
Alguns dos mandantes e mandatarios mais de-
samparados tiveram sentença ; mas os outros (ô-
ram livres.
- A familia Castro cada vez mais contrariada e
aMicta por ver que não podia attingir pessõa de
importancia, e julgando poder provar por cer-
tos indicios a cumplicidade do capitão Jacaronda,
sectario ardente do partido saquarêma, fez reca-
hir sobre elle todo o peso da accusação, e obteve
em definitiva que fósse pronunciado. A 4 de Feve-
reiro de 1849 respondeo elle ao jury da capital
que o absolveo, a accusação porém interpóz apel-
lo para à Relação que o mandou responder à
novo jury; imponlo-lhe este a pêna de galês
perpetua, em sessão de 20 de Setembro do mes-
mo anno. .
Nova appelação feita pelo rêéo motivou um se -
gundo accordão da Relação mandando proceder
à outro julgamento, Este teve lugar à 7 de No-
— 948 —
vembro de I851, e prodasio uma sentença de
absolvição detimtiva. Burante os debates e em
todo o desurso do processo apparece, a cada
oasso, o nome da consorte do general Coelho
como mandante; e mesmo o capitão Jacarandaã,
na sua defêsa, provoca à aceusação trazer aquella
Senrº à barra do tribunal. .
Nutrimos a convicção de que, sia familia de
Facundo não fizesse deste processo uma questão
de partido, feria alcançado melhor resultado, e o
castigo merecido dos principaes autóres d'este
horroroso crime.
im incidente escandaloso se deo durante o
tempo da prisão do réo. Um, homem armado se
apresentou na esplanada do quartel da guarni-
cão e, opprosimando-se à janeila da prisão do
estado macr, disparou sua arma para dentro, e
baleou a um outro cíficial que ali se achava. O
1êo accusou os Castros de o ferem querido ma-
tar; masa opinião publica, juntamente com os
Castros, ajuizou que este tiro, premovido pelo pro-
prio vco, teve por fim denegrir os seus accusado-
res, e tornal-o mais interessante aus jurados que
o haviam de julgar.
O autór do tiro evadio-se sem que se tivesse
pidido descobrir quem foi elle; e o official fe-.
ndo, inhabilitado do serviço activo por muito
tempo, teria sido por isto reformado, dizem que
a instancias «do proprio réo, se não fôsse a deci-
são de um Conselho de revisão que, em vista das
melhoras que alcancára o supradito ollicial, O
deo como em condições de achar-se elle com-
pletamente restabelecido em pouco tempo.
A persistencia da febre amureia no interior da
provincia embaraçou durante os anos de 1851 e
— 249 —

1852 a marcha da administração que, todavia,


seguindo a trilha aberta pelo Snr. Silveira da
Motta, não deixou tomar alento aos criminosos,
os quaes continuou a perseguir com afinco. às
autoridades policiaes em geral viram-se obriga-
das, pelas instancias incessantes do presidente, à
empregar os seus esforços na repressão dos cri-
mes e na captura dos criminosos; e, effectiva-
mente, foi crescendo o numero dos malfeitores
presos e entregues às justiças. -
Divisa-se no que fica acima exposto um co-
meço «le melhoram ento no modo de proceder dos
Juizes de facto da provincia : se não se mostrára m
sempre dispostos à punir os crimes de conformi-
dade à létra cv espirito das leis, notou-se todavia
que os grandes criminosos, d'antes facilmente
absolvidos, não sahiram mais impunes dos tribu-
naes. Em grande parte foi isto devido às appella-
ções dos Juizes de direito. Para prevenir estas
appellações que motivam a detenção dos appella-
dos até a decisão da Relação, que em geral leva
muito tempo, os jurys tomaram a resolução de
applicar pênas; o que, sem duvida, os irá habis
tuando pouco a pouco à este ministerio, e conven-
cendo da efficacia de semelhante medida.
N'este anno (1852) procedeo-se na provincia à
eleição de deputadosgeraes para a 10.:legislatura.
Ella se effectuou sem maior novidade em toda à
provincia, a excepção de Canindé onde foi grave-
mente alteradaa ordem publica, e deram-se al-
guns casos de morte.
Achando-seos lugares officiaes ali providos por
alguns extilibristas, O presidente, que os julgára
capazes «de occupar empregos de polícia anteri-
ormente à cleição, os demittio na proximidade da
— 990—

mesma, certamente para firar-lhes a possibilidade


de ingerirem-se i/ella, à despeito mesmo de con-
tarein maipria de votantes. Principiaram-se os
trabalhos no dia 7 de setesbro sem disturbio al-
gum; mes, nc dia seguinte, vendo as novas auto-
ridades que perdiam a eleição, mandaram roubar
a ura c enchela de cedulas falsas; d'este alten-
tado resultou um conflicto em que os partidos
recorreram às armas.
ouveram descargas de parte a parte, e fôram
mortos tres membros do partido da opposição
e, entre elles, Manoel Mendes da Cruz Guimarães,
irmão do ex-vice-presidente Joaquim Mendes; e
muitos feridos tanberm, todos opposicionistas.
Este lugubre acontecimento oceupou por muito
tempo a attenção de toda a provincia.
O governo mandou o chefe de policia syndi-
car do facto, e fôram pronunciados 16 partidarios
do delegado demettido.
Procederam-se ulleriormente, e sem occurren-
cia de maior importancia, as eleições de depu-
tados à assemblea geral; sahindo eleitos os Snr.s:
diiguel Fernandes Vieira, Domingos José Nogueira
Jaguaribe, Manoel Theophilo Gaspar d'Oliveira, An-
tonio José Machado, João Capristano Bandeira: de
deito, dudré Bustos d'Oliveira, Raimiwdo Ferreira
de reaatjo Limi, francisco Domingues da Silva, e os
seguintes supplentes que tomaram assénto:
Ignacio Barbosa Filho, Aprígio du Silva Guimaries,
Pero Pereira da Silva Guimardes, Jeronymo Maca-
rio Figueira de Mello.
A 4 de Setémbro do mesmo anno, o presiden.
te abrio novamente a Sessão da Assemblés pro-
vincial com um Relatorio que apresenta poucos
topicos notaveis; e os discursos foram de pouca
importancia. A remoção da villa c freguezia de
—951—
S. Matheus para o Saboeiro, que fôra decretada
na sessão anterior, foi confirmada nesta.
Creou-se na villa da Imperatriz umo nova co-
marca, sendo-lhe annexado o termo de Santa-
Cruz, desmembrando-se o territorio da comarca da
Fortaleza, por Decreto de 21 de Outubro de 1852.
A 27 do mesino mez supprimio sea freguezia
de “Pióras cujo territorio foi reunido à do Tauhá,
da qual havi ia sido anteriormente desmembrada,
e successivamente abolida e restabelecida em
virtude de mesquinhos despeitos parfidarios.
Emfim —a 19 de Novembro fixou-se a despesa do
anno seguinte em reis 149:515$000, e a receita em
reis 113:954$000.
D'esta data em diante verêmos as rendas pro-
vinciaes, que tinham ido diminuindo progressi-
vamente desd'a primeira administração do sena-
dor Alencar, augmentarem de anno a anno, e
com grande rapidez; o que se deve altribuir à
um melhor methodo de arrecadação dos impos-
tos, e sobretudoà uma forte contribuição imposta
sobre a sahida dos escravos da provincia que se
tornara muito grande desde a sécea de 1813, em
rasão do preço elevado que davam nas outras
provincias do Imperio.
N'este mesmo anno deo-se impulsoá obra da
cadeia da capital que fôra principiada no anno
antecedente.
Contratou se por mando do governo geral a
conatrucção de um frapiche de madeira no pórto
da Fortaleza, para embarque e desembarque de
mercadorias, pela quantia de 25:5868050 reis.
Contratou-se tambem, a abertura dejuma estra-
da da capital para Maranguape pelo preço de......
9:2008000 réis.
— 252—

Neste anno, por ordem de 18 de-Dezembro, o


governo geral deo solução à uma questão, pen-
dente desde muitos annos, relaciva aos terrenos
dos Indios da antiga villa de Arronches, em Ma-
ranguape.
Quando antiga aldeia da Porangaba foi creada
vila de Indios. debaixo do nome de Arronches,
não elispondo de rendas suflicientes para paga-
mento das despesas do Senado, o ouvidor José
Vietoriano (la Silveira, em 1799, propóz aos verea-
dores de arrendar as terras que sobrassem,
d'aquellas que fôóram concedidas aos mesmos In-
dios para Suas lavouras, as quaes estavam sifua-
das na serra de Maranguape, alim de, com o stu
reddito, pagarem-se as supraditas despesas.
Nisto conveio o Senado; e assim se praticou
ate 1835, quando seo territorio foi annexado ao
do termo da capital, em virtude da abolição d'a-
quela vila. A camara da Fortaleza continuou a
alugar as terras dos Índios e os predios do seu
Senado, e, aiuda mais, esbulhou "aquelas que
continuavam a cultivar, os Índios restantes desta
extincta villa; não quercodo de modo algum
attender às reclamações que lhe eram dirigidas
em favôr destes iniseraveis, nas quaes se lhe
fazia ver que, tendo cessado o motivo que occa-
sionàra taes arrendamentos, não tinha ella o di-
reito de dispôr dessas terras, que pertenciam
exclusivamente aos ditos Indios.
O caso foi levado ao conhecimento da Assem-
blea provincial, cm 1841; mas ella nada resolveo,
nem podia resolver, por achar-se um fal assump-
to fóra das suas altribuições. Foi ulteriormente o
o caso subimettido à decisão.do governo geral,
não sabemos em que data; mas, por ordem de 18
— 253—

de Dezembro de 1852, (vi cstatuido que «as ter-


ras das extinctas aldeias de Indios de Arronches e
Soures seriam reivindicadas como bens nacionaes
devolutos»; e o thesouro publico tomou conta
d'ellas, dando assim um ultimo golpe que veio
redusirà mais completa miseria os desgraçados
Indios, que haviam por acaso escapado às guer-
ras, às epidemias, e ao recrutamento que acabou
por extinguil os.
CAPITULO XXIII
PRESIDENCIAS DOS SEN."eº D.er Joaquim VILLELA TAVARES,
E CONSELHEIRO VicENTE PIRES DA Morra.

Entrou o anno de 1853, sem oceurrencia al-


guma notavel; e a 28 de Abrilo Dr. Almeida Rêgo
foi substituido na presidencia pelo Snr. Dr. Joa-
quim Villela Tavares, que encetou sua adminis-
tração com igual solicitude à de seus predecesso-
res na perseguição des criminosos. Applicou cs.
pecialmente o seu cuidado em activar a acção
das, autoridades policiaes e mais empregados,
reprehendendo-os asperamente nas suas faltas, €
mandando-os respansabilisar todas as vezes que
o seu proredimento se mostrava menos curial.
Esta conducta, independente das insinuações
dos chefes dos partidos, desagradou muito aos
parciaes do ministerio que, em geral, querem
administradores que lhes sejam cegamente dedi-
cados, e lhes façam todas as vontades, e favore-
cam todas as suas pretenções c exigencias, mes-
mo as mais desarrazoadas, e persigam por todos
os inodos possiveis os scos contrarios. O mesnio
partido da opposição nem sempre se dá por sa-
— 291 —

tisfeito com uma equitativa repartição dos em-


pregos, escom a restricta justiça de um adminis-
trador imparcial: quer tudo para si. Cada partido
entende que só nas suas lilgiras ha honradez e
'apacidade.
AS pessõas pronunciadas em virtude dos dis-
turbios oteorridos na eleição de Caninde acha.
vam-se em grande risco de serem preteridas em
seu direito de defesa, pelo facto de serem todas as
autoridades do termo, tanto judiciaes como poli.
ciaes, da parcialidade do novo delegado; o qual,
mancomnunado com todo o partido, pretendia
dar aos seus adversarios um severo exemplo de
castigo, por terem levado a ousadia à ponto de
pretenderem disputar-lhes a cleição, e pól-os na
desagradavel contingencia de a perder.
O presidente, bem informado do que ali se pas-
sava, deo as providencias que se achavam na
micada de suas attribuições, no intuito de nettra-
lisar a trama sinistea urdida contra os reos, for-
necer-lhes garantias para a sua defesa, € segurar
a liberdare de voto aos jurados, livrando-os de
toda e qualquer coacção. Foi mandado para o Ca-
nindé o chefe de policia com um forte destacamen-
to, afim de manter a ordem; foi nomeado um
promotor letrado, móço hahil,e estranho ainda às
luctas dos partidos politicos.
Em coúsequencia a estassabias medidas—o jury
reunio-se e funccionou com toda a regularidade,
concedendo aos réos um veredicto de absolvição.
Nada menos reclamava o caso; sendo os vence-
dores, mesmo, que se achavam constituídos juizes
dos vendidos.
se todos os adininistradores seguissem uma
norma igual, menos paginas negras contaria à
0
— 955 —

bistoria do fóro cearense, desde o assassinato ju-


ridico de Pinto Madeira até nossos dias.
A 1 de Setembro reunio-se a Assembléa provin-
cial, sendo pelo presidente aberta a sessão com
um Kelalorio, talvez o mais completo e o melhor
de todos quantos temos tido sob as vistas.
Seo autor mostra em todo elle um grande estu
do dos negocios da provincia, os quaes admira ter
apreciado tão bem, em tão curta administração;
trata com muito acerto de todos os topicos;e abun-
da, em todos os seus trechos, um espirito de im-
parcialidade que agradou mais ao partido da
opposição «> que áquelle que se achava no po-
der, ao qual insinúa ideias de prudencia e de mo-
deração. Analysou com criterio os acontecimentos
do Canindé ; mas, como os deputados eram todos
ardentes partidarios dos vencedores, foi isto mais
um motivo ainda de indisposição contra 0 admis
nistrador, o qual entráram a accusar então de
propender para o partido adverso ; não chegaram
as cousas, todavia, ao ponto de se declararem
abertamente em guerra contra elle.
No decurso d'esta sessão—a Assemblea provin-
cial, por decreto de 17 Outubro, elevou a villa do
Crato à cathegoria de cidade.
Por decreto de 22 de dezembro restabeleceo ou,
antes, creou novamente u freguezia de S. Matheus
dos Unhamuns que fôra, dous annos antes, transs
ferida para o Saboeiro; ficando de tal sorte divi-
dida em duas a primitiva freguezia de S. Matheus.
A 17 de Outubro foi creada uma nova freguezia
na povoação do Tamboril —nas nascenças do rio
Acaracú —sendo o seu territorio desmembrado
dado [pú, O Bispo de Pernambuco, não tendo
sido consultado pela Assembléa acerca da con-
— 256—

veniencia d'esta crcação, negou se por alguns


annos a provêl-a: foi o novo Bispo do Ceará que,
em 1880, lhe deo um parocho encommendado.
Por lei «le 31 dé Dezembro foi fixada a despesa
do anno seguinte em réis 171:3818000, e a recei-
ta em réis 170:000$000.
O anno de 1853 tinha começado debaixo de
mãus auspícios, ameaçando sécca pela demora
que houve na apparição das chuvas, e,consecuti-
vamente, pela mortandade que soffreo o gado...
Tanto o Sr. Almeida Rêgo como o Dr. Villela
Tavares lançaram mão dos dinheiros provinciaes
e, tambem, dos geraes para mandarem comprar
viveres nas provincias visinhas, e os expuzeram á
venda no mercado, para por este modo manterem
preços moderados, e evitar a especulação ruino-
sa à pobresa que costumam encetar certos atraves-
sulores dos generos de primeira necessidade, nºes-
tas quadras calamitosas,
Felizmente as estações seguiram, posto que
um pouco tardias, o seu curso natural, e as chu-
vas appareceram com sufliciencia para desvane-
cer o terrôr da população que estava succumbida
e receiosa,
A 6 de Setembro d'este mesmo anno subio ao
pader o ministerio presidido pelo Marquez de Pa-
raná, cuja idéia de conciliação dos partidos foi.
mal recebida em toda a provincia, e rejeitada
por aquelle que se achava unido ao governo. Foi
esta occurrencia um dos motivos que indispôz os
saquarêmas contra o presidente.
Já antes do programmado Marquez de Paraná
as ideias iam-se inclinando à esta conciliação, e O
Sr. Villela Tavares trabalhava em tal sentido des-
de o principio da sua administração ; mas, com a
— 957—

publicação do programma, ainda com mais razão


e zêlo tomou-o para norma de sua corducta.
Foi isto bastante para que os saiuarêmas se
lhe declarassem infensos,na imprensa da sua par-
cialidade, durante o resto da sua direcção nos ne-
gocios da provincia, que se prolongou até 20 de
Fevereiro de 1854. Continuou durante todo este
tempo a perseguir os criminosos, e a estimular as
autoridades policiaes em perseverarem com ar-
dór no emprego dos meios necessarios para a
sua captura.
A 20 de Fevereiro de 1854 entregou elle a presi-
dencia à seo successor, o conselheiro reverd.
Vicente Pires da Motta, escolhido pelo Marquez
de Paraná para vir plontar definitivamente n'esta
provincia a politica conciliadóra, que pouco pros
gredio, em principio, pelo estado de exaltação em
que se achavam os partidos.—

APPENSO N..4.
Orriício DE José ViICTORIANO MACIEL AO PRESIDENTE
ALENCAR, ACERCA DO ASSASSINATO JURIDICO DE
Joaquim Pinto MADEIRA.

Í ,

[Il.mº e Ex.”o Snr, Presidente — A prinncira via


do officio de V.a Ex.º de 21 de Outubro ultimo mc
foi entregue no dia 23 do andante mez de Novem-
bro, com o qual achei incluzaa carta de letra e
firma do réo Joaquim Pinto Madeira, que fica en-
tranhada nos processos de seus crimes; e igual-
mente me fui entrezuc o dito réo pelo Tenente
“vão da Rocha Moreira, ajudante de ordens de
— 258—
Vos Ex, que liclmente o conduzio; e depois de
estar entregue do mencionado réo, como estavão
já avisados os 60 juizes de facto que no sortea-
mento havião sabido para a reunião extraordina-
ria, para ser julgadoo surpradito réo com a press
«esa. recommendada por V.* Ex 2, no dito officio
que por segunia via me foi entregue comantecipa-
ção, e as circunstancias assim o exigião, reunirão-
se os jurados no dia de hontem 26 do corrente e
entre os muitos processos em que se acha o refe-
rido réo rriminosissimo pelos atrocissimos delic-
tos por elle perpetrados, subio ao segundo conse-
lho de jurados o processo de devassa, tirado pela
morte feita no bom cidadão Joaquim Pinto Cidade,
que desgracadamente (oi preso pelas tropas do
ma'vado na oceasião que marchava contra os ha-
bitantes d'esta villa, no dia 27 de Dezembro de-
1831, em cuja devassa houverão testemunhas
de vista que presenciaram o monstro dar à or-
dem aos seos satelites, dizendo com escarnco:
«faça-se praça vasia e seja desbaratada à cida-
do», à cuja ordem foi o desgraçado vietima do
furor de taes malvados; e sendo examinado O
processo pelo 2.º conselho de jurados, assim como
à stetesa do mesmo rco, que não foi capaz de des-
faser o seu crime, foi julgado incurso no maxi-
mo das penas do art. 192 do codigo penal, por
occorrerem circumstancias aggravantes que mar-
cao art. 16do mesm» codigo ; € por ser unanime
a votação dos juizes e me parecer conforme à-
lei, confirmei a sentença, c, à vista da requisição
dos povos aggravados, hoje [oi passado para O
oratório onde fica assistido dos sacerdotes, que
foram nomeados pelo reverendo parocho, para
que na gonformidade da lei expie os seus hors
— 259 —

rorosos crimes onde os commetteu tão francas


mente; e parece Ex.mo Sr. quea Providencia as-
sim » quiz, pois que era de summa necessidade
que mesmo nesta villa se procedesse uma tal
“execução de lei, que não só castiga justamente
ao criminoso, como encherá de horrôr aos seus
satelites que de uma vez perdem a esperança do
monstro que os dirigia, do qual só assim fivão
desenganados; é coino logo no primeiro processo
que subio foi julzadoà pena ultima, não fiz con-
tinuar com mais devassas € summarios que che-
gão à mais de trinta, em que está criminosissi-
mo, c ainda não se ullimarão; porque me pare-
ceu bastante para a punição do tiranno |3bo se-
dento de sangue humano, inimigo das leis divinas
ec humanas, co mais egue, na mesma casa onde
dêo as suas definitivas sentencas, ahi mesmo foi
sentenciado, e nisto ainda quiz Deus mostrar a
sua rectidão, com a dilferença que o monstro jul-
gou a seu bel prazer e foi julgado conforme a lei.
Tenho de participar a V. Ex que, apezar de
ser o reo odiado de todas as pessõas benemeritas
desta villa e termo, nem por isto soffeeu o mais
pequeno insulto,neim se lhe fez injustiça,não se lhe
faltou com um só requisito da lei, os Juizes que o
julgaram torão escolhidos, desinteressados, des-
pidos de paixões e vinganças, foi-lhe concedida à
escolha dos juizes, deu testemunhas em sua defe-
za, finalmente encherâuvsse todos os recursos da
ei.
Deus Guarde a V.: Ex.
Villa do Crato 27 de Novembro de 183t. —De
V.a Ex.s subdito reverentê— José Victoriano Ma-
ciel — Juiz de Direito interino.
— 260—

Orricio DE ALENCAR AO Juiz DZ Direito INTERINO José


Vícroriano MACIEL.

Assás desagradavel foi à esta Presidencia, ce


creio que o será à todo o brazileiro sensivel e
amigo da ordem g da legalidade em seu paiz,
a leitura do olfisio de Ymc.º de 27 do p. p. mez
em que, relatando o julgamento do réo Jonquim
Pinto Madeira, diz que elle fôra entregue ao 2 -
Conselho dos jurados no din 26, e sentenciado à
pena ultima subira no dia 27 para O oratorio
afim de expiar no dia immediato seus horroro-
sos crimes | Por mais coberto de crimes que fôsse
“esse reu, elle era um cidadão brazileiro, com
quem se devia guardar todos os recursos que a
constituição e as Leis prescrevem ; e de mais elle
cra homem, e como tal não se lhes devia negar a
defesa que a humanidade, a naturezae a razão
sempre affianção em um paiz livre aos homens
ainda os mais desgraçados.
E como se atreve V. M.ce a affirmar em seo
dito officio que se não negou ao réo requisito al-
gum da Lei, quando confessa que elle ia morrer
48 horas devois do seo julgamento? Deixaria elle
de querer lançar mão do recurso do Art. 308 do
codigo do processo, protestando para um novo
jury na capital da provincia? mas como usaria
d'esse recurso se vm.ce não lhe permittio os oito
dias marcados no art. 310 do mesmo codigo?
Além disso poderia vm.ce ignorar a Lei de 11
de Setembro de 1826, onde se acha à expressa
determinaçãode gue nenhuma sentença de morte,
Teoferida em qualquer parte do Imperio, seja exe-
— 261 —

cutada, sem que primeiro suba à presença do


Imperador, Lei que, já por precaução, se havia
mandado reimprimir no periodico da provincia
«o Recopilador Cearense » «desde 24 de Maio, pe-
riodico que Ymc.º não deixaria de ler, e Lei de
que eu já o tinha prevenido em circular aos juí-
zes de Direito d'esta provincia, datada de6 de
Novembro ultimo, a qual Yme.“infallivelimente
recebeo, pois foi d'aquijno correio de 10 «de No-
vembro, que chegou n'essa villa à 26, isto é, no
mesmo dia em que o réo estava sendo julgado;
e accusando Yme.* o recebimento de um ofício
meu de 7 de Novembro. que havia'ido pelo mes:
mo correio, claro estã haver recebido a immencio-
nada circular. A vista pois do expendido é evi-
dente que nem ao menos com a igiorancia póde
Yme,* desculpar-se de haver cominettido uma in-
fracção manifesta de tantos,e tão claros artigos de
Leis, e até da Constituição, e isto em um caso em
que todos os principios de Direito ejile bumanida-
de exigião que se pendesse para a parte mais favo-
ravel ao infeliz, ainda quando qualquer duvida se
suscifasse. Baldou Yme.“ todas as diligencias d'es-
Presidencia, que não sem grave peso à Fa-
ta
zenda Publica, havia mandado escoltar esse reco
com uma força, que fizesse a sua perfeita seg't-
rança, livrandoso d'algum resentimento popular:
não forão pessõas do povo, foi Yme., foram as
authoridades do Crato, quem o matarão anar-
à
chica e illegalmente, compromettendo assim
propria reputação da Provincia, que por estes
e outros iguaes factos sanguinolentos, vai talvez
adquirindo a nota de estupidez e ferocidade.
é de certo praticando d'essa maneira que
Não
nós ppderemos firmar a paz, à liberdade cordem
-— 262 —

em nossa provincia; pelo contrario se as autho-


ridades são as mesmas, que «dão o exemplà da
transgressão das Leis, mesmo daquelas que a
humanidade e a razão mais requerem na socie-
dade, se ellos calerndo os sentimentos da nature-
za são as primeiras que sc distinguem em actos
de ferocitlade, derramando illegalmente o san-
gue dos infelizes, o que não farão póvo sempre
guiado pelos seus maiores? b'este modo, balda-
das ficarão todas as diligencias que esta Presiden-
cia começou a pôr em pratica para fazer parar a
torrente de barharos assassinatos que todos os
dias vão guccedendo por toda a provincia: como
conseguir este fim, quando as autboridades se
não querem convencer de que so na prompia e
ficl execução das Leis, é que existe a liberdade,
a segurança publica? Cumpre, pois, que se faça
efectiva a responsabilidade de quem tão as claras
abusa dos seus deveres; e pelo conseguinte or-
deno à Ymc.º que quanto antes responda a esta
Presidencia com os motivos que teve para man-
dar executar o réo Pinto Madeira, sem esperar
pelos recursos que a Lei ca Constituição lhe ga-
rantião, afim de que satisfeito este requesito cons-
titucional, se possa deliberar em Cousclho, con
forme fót de direito, contra Ymc.e ec as demais
authoridades que se julgar terem tomado parte
em tão triste acontecimento.
Deus Guarde a Ymc.*

Palacio do Governo do Ccarã, 15 de Dezembro


de 4834. —José Martiniano de Alencar. —Sr. José
Victoriano Maciel, Juiz de Direito interino da Villa
do Crato.
— IRS

Orricio DE José VicroriaNO A! ALENCAR

HI

Hl.mo:g Ex.mo Sr. Presidente— Hontem recebi o


officio de Y.º Ex. datado em 15 do preterito
mezde Dezembro em o qual vejo a correcção
com que V.s Ex.º justamente me reprehende do
erro e falta de cumprimento da. Ici na execução
da sentença do réo Joaquim Pinto Madeira, o que
conheci logo que recebi o officio de V.r Es. da-
tado em 6 de Novembro que infelizmente se de-
m rot não seidonde, pois que o recebi no dia 40
de Dezembro, como V. Ex.? terá visto na res-
posta que dirigi no mesmo dia; e avista da co-
pia da lei de Ade Setembro de 1826, e dc De-
ereto de 15 de Novembro de 1827, não pude mais
remediar o erro, que posto não foi filho da mal-
dade, comtudo conheco a justica com que V.
Ex." me reprebende, sobre o que tenho a repre-
sentar à V.s Ex." que me cera occulta a lei e Decre-
to acima mencionado ; que se cu então recebesse,
ou me lembrasse que o tivesse visto no Periodico
desta Provincia, de certo que não conseêntivia que
se aberrasse da Lei ;-€ nem sou tão atrevido, “uc
desobedecesse à mesma lei, c à V.º Ex, pois
V.* Ex* mesmo ime conhece c bem sabe -que
não excedo da ordem, o alé justilicarei se ior
preciso, que o meu primeiro cuidado é respei-
tara lei, obdecer aos meus superiores, e cumprir
exactamente suas ordens; acerescendo mais de-
elarar a V.º Ex." que acabando -se o julgamento do
edito ecos fui para ininha casa distante esta Villa
uma legua;e acontecendo no desmontar me doca
vallo catir em terra dei com o feixo do costúlo
— 264—

em uma pedra. de que fiquei em estado de nem


poder sentar-me, e por isso não me foi passivel
concluir os trabalhos do Jury, o que deu motivo
a officiar ao Juiz Municipal interino d'esta Villa
para em meu lugar dar (fim ao serviço, o que
43 Ex: verá pelo documento n. 1; além de que
foi preciso fazer a execução afim de evitar o des-
concerto dos povos offendidos que estavão em
aceleração, « poderia haver rompimento funesto ;
e posto que à guarda desta Villa fosse sufficien-
te para abater o orgulho do Povo offendido, pare-
ceu mais conveniente abreviar-se uma só vida, do
que se exporem dez, ou doze, ou muitas mais, o
que se provacom o documento n.º 2; oceorcendo
mais que o referido reo de sua propria bôca disse
ao Reverendo Padre José Manoel, a quem pedi
para o defender perante o Tribunal (porque não
havia Letrado para se nomear um), que não pres
tendiá recorrer a recurso algum porque via que
com a força ninguem poria, o que se prova com o
documênto n.º 3;e até se póie justificar todas es-
sas circunstancias, devendo dizor mais a V.º Ex.,
que das certidões juntas, quero dizer (copias) cons-
ta das sentenças que tiveram lugar nos Conselhos
do Juros nos dias 26 e 28 de Novembro ultimo —
e muque foi proferida por mim, marquei a lei,
recomnendando que fosse executada na confor-
midale da Lei; e polo impedimento da molestia
que five não five mais parte em taes execuções, €
se fui quem participou a V.s Ex.º foi porque erc de
meu dever.
Se o que fica expendido merece descutpa Ya
Ex. em Conselho se dignará dese ilpar me com os
Exmos sue Conselheiros, ese comtudo mereço
castigo, estou prompto para o receber, e cum-
— 265—
prir felmente quanto V,;* Ex. fôr servido deter-
minar-me.—

Deus Guarde a V.º Ex.a

Villa do Crato 14 de Janeiro de 1835.— De


V. Ex.*o mais obediente subdito—lJosé Victoriano
Maciel— Juiz de Direito interino do Crato.

Órricio DE ALENCAR 4” José VICTORIANO

IV

[.mo Snr, - Li com bastante aftencção as coar-


tadas de defeza que vmc.º dá em seus dous offi-
cios do corrente, pelas faltas em que cahiu, já
no que diz respeito —ao réo João Nepomuceno, e
já na execução da sentença do réo Pinto Madei-
ra — e beim que pelo conhecimento que tenho de
seu caracter manso e pacifico, obediente às Leis,
e authoridades— me enclinc a crer que vmec.
em tudo marchou de bôa fé, e que para o futuro
não cahira de certo mais em semelhantes faltas,
cumpre-me comtudo levar todo o seu expendido,
e os documentos que acompanharam seus ditos
officios, ao conhecimento do Conselho do Gover-
no, bem como ao do Governo Supremo, para de-
liberarem como acharem de Justiça; comprindo
no entretanto que vme.º execute o que em officio
de 1ô de Dezembro p.p. lhe ordenei, levando ao
conhecimento da Regencia uma conta bem cir-
— 986 —

c unstanciada dos motivos que induziram à exe-


vução do réo Pinto Madeira.

Deus Guarde a Yme.

Palacio do Governo do Ceará 26 de Janeiro de


1835.
— José Martiniano de 4lencar.— Sur. Juiz
de” Direito interino do Crato.
Pedro F. Théberge - Nasceu
em Marcé, França. Médico e his-
toriador, veio em 1845 para o Ce-
ará (Icó), onde prestou importan-
tes serviços a nossa terra. Além do
Esboço Histórico sobre a Província
do Ceará, escreveu sobre a flora
cea-rense e levantou uma Carta
Choro-gráphica da Província.
EA
Impressão e Acabamento Imprensa Universitária da
Universidade Federal do Ceará - UFC
Av. da Universidade, 2932 - Benfica - Caixa Postal 2600
Fone/Fax: Oxx (85) 281.3721 - Fortaleza - Ceará - Brasil

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